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2011 Visagismo A arte de personalizar o desenho do sorriso Bráulio Paolucci e colaboradores Visagismo – a arte de personalizar o desenho do sorriso - 1a Edição - Volume 1 - São Paulo: Vm Cultural Editora Ltda., 2011 Visagismo – a arte de personalizar o desenho do sorriso Vm Cultural Editora Ltda. Título: Visagismo – a arte de personalizar o desenho do sorriso Autor: Bráulio Paolucci e colaboradores Prefácio: Robert G. Coachman Editor de Conteúdo: Haroldo Joaquim Vieira Editor Científico: marcelo Calamita Coordenação de Conteúdo: Vivian Priscila Arais Soares Padronização e Revisão de Texto: Ana Lúcia Zanini Luz Projeto gráfico, Diagramação: Angélica Pinheiro Tratamento de Imagem: Angélica Pinheiro e Cristina Sigaud Capa: miriam Ribalta Ilustrações: Eder max Ilustração e Design e Philip Hallawell Produção: José dos Reis Fernandes Impressão e acabamento: Ipsis Gráfica e Editora Ltda. ISBN: 978-85-64761-02-5 Todos os direitos reservados à VM Cultural Ltda., editora proprietária. Nenhuma parte da presente publicação pode ser reproduzida, armazenada ou transmitida por quaisquer que sejam os meios – mecânico, fotocópia, eletrônico – sem a prévia permissão da Editora. As imagens contidas nesta obra são naturais, sem retoque. E o texto está de acordo com o Novo Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa. VM Cultural Editora Ltda. Rua dos Otonis, 152 – Vila Mariana 04025-000 – São Paulo – SP AUTOR: Bráulio Paolucci Graduado em Odontologia pela Escola Federal de Odontologia de Alfenas/MG; Especialista em Implantodontia pela Universidade de Lavras/MG; Master in Implantology and Oral Reabilitation - European School of Oral Rehabilitation Implantology and Biomaterials. Atualmente atende em clínicas particulares em Minas Gerais e São Paulo. Presta consultoria de desenho do sorriso personalizado para renomados cirurgiões-dentistas do Brasil e do exterior. Palestrante internacional (brauliopaolucci@yahoo.com.br - www.brauliopaolucci.com.br). Visagismo - a arte de personalizar o desenho do sorriso • 5 6 • Visagismo - a arte de personalizar o desenho do sorriso AndreA ricci Graduado em Odontopediatria e Prótese Dentária – Universidade de Perugia; Pós-graduação em Prótese Avançada – University of Southem California, Los Angeles; Membro ativo da Academia Eu- ropeia de Odontologia Estética – Eaed e membro associado da Academia Americana de Dentística Restauradora (AARD). Coautor de vários artigos publicados em revistas internacionais (andrea@ studioriccifirenze.it). christiAne sAuer Graduada em Psicologia - Instituto Unificado Paulista da Uni- versidade Paulista, com habilitação em licenciatura Plena e bacharelado. Especializações - grupo de Estudos em Psi- quiatria, Psicologia e Psicoterapia da Infância – Gepppi; For- mação em Psicanálise de Adolescentes e Adultos - Instituto Sedes Sapientiae; Psicodiagnóstico de Rorschach - Socie- dade de Rorschach de São Paulo; Avaliação Psicológica de Crianças e Adolescentes - Child Study Center - Universidade de Yale (christiane.sauer@gmail.com). GAliP Gurel Graduado pela Faculdade de Odon- tologia da Universidade de Istambul; Especialista em Prótese Dentária pela Universidade de Kentucky; Mestre (MSc) pela Yeditepe Uni- versity, Istambul; Fundador e presi- dente honorário da Edad - Turkish Academy of Aesthetic Dentistry (Academia Turca de Odontologia Es- tética); Presidente da Eaed - Euro- pean Academy of Esthetic Dentistry; Membro da American Society for Dental Aesthetics - Asda; Diploma de honra da American Board of Aes- thetic Dentistry - Abad; Editor-chefe da Quintessence Magazine, Tur- quia. Membro do conselho editorial da AACD journal, PPAD - Practical Procedure & Aesthetic Dentistry e Ejed - European Journal of Esthetic Dentistry. Autor do livro The Scien- ce and Art of Porcelain Laminate Ve- neers (garipgurel@garipgurel.com). COLABORADORES: christiAn coAchmAn Formado em Prótese Dentária e Odontologia - Universidade de São Paulo; Membro da Academia Brasileira de Odontologia Estética; Participou do Programa de Especializacão em Cerâmica - Centro de Treinamento Ceramoart; Foi consultor da Ceramica Creation-Willi Geller; Co- ordenador Cientifico do website de ensino odontológico www. identalclub.com; Publica e ministra cursos internacionais nas áre- as de Odontologia Estética, Reabilitação Oral, Cerâmica Dental e Implantodontia. Recentemente vem trabalhando com cirurgiões- -dentistas renomados na América e Europa, como os doutores Eric Van Dooren (Antuérpia - Bélgica), Galip Gurel (Istambul - Turquia), Tal Morr (Miami - EUA), Nitzan Bichacho (Tel Aviv - Israel), Mauro Fradeani (Pesaro - Itália), Giano e Andrea Ricci (Florença - Itália), Nikolay Bakhurinskyi (Moscou - Rússia) e no Brasil com os doutores Sid- ney Kina, Claudio Pinho, Paulo Kano, Mario Groisman e Marcelo Calamita (ccoachman@hotmail.com). livio GAliAs YoshinAGA Brasileiro, especializado em projetos especiais para o uso das tecnologias de imagem em consultó- rios odontológicos e instituições de ensino. Foi editor de tecnologia da publicação PPAD - Practical Procedures and Aesthetic Dentistry , EUA e da Revista Estética do Brasil. Autor de inúmeros projetos e consultor de tecnologia de profissionais e professores brasileiros e internacionais como Robert Gray Coachman (Brasil), Sidney Kina (Brasil), Claudio Pinho (Brasil), Rogério Zambonato (Brasil), Fran- cisco Massola (Brasil), Eric Van Dooren (Bélgica), Mauro Fradeani (Itália), Nitzan Bichacho (Israel), Galip Gurel (Turquia), Marcelo Calamita (Brasil), Christian Coachman (Brasil), Team Atlanta (EUA). Palestrante internacional ministra cursos nas áreas de tecnologia em imagem digital em fotogra- fia e vídeo; Mentor do projeto piloto dos EUA www.dentalxp.com e do portal de ensino odontológico mundial www.identalclub.com. Atualmente, desenvolve a interface colaborativa de aulas ao vivo pela internet LiveWeb interligando professores e alunos ao vivo em um ambiente extramuros. Organi- za grupos especiais para cursos presenciais no Brasil e na Europa. Empresário e diretor do portal identalclub.com. Tem sua matriz em São Paulo e filiais na Bélgica e na Itália (liviovkd@hotmail.com). mArcelo cAlAmitA Especialista, mestre e doutor em Prótese Dentária - Universidade de São Paulo; Presidente da Academia Brasileira de Odontologia Estética (mcalamita@uol.com.br). PhiliP hAllAwell Philip Hallawell nasceu em São Paulo em 1951 e teve sua formação na Inglaterra, e Haverford College, EUA. Artista plástico de renome interna- cional, com mais de 50 exposições. Apresentou e criou a Oficina de Desenho no programa Re- vistinha e a série À Mão Livre - A Linguagem do Desenho - TV Cultura. Autor dos livros da série À Mão Livre, Visagismo: Harmonia e Estética e Visagismo Integrado: Identidade, Estilo e Beleza (philson@terra.com.br). Visagismo - a arte de personalizar o desenho do sorriso • 7 8 • Visagismo - a arte de personalizar o desenho do sorriso Em primeiro lugar gostaria de agradecer a Deus por me honrar com a força, determinação e inspiração necessá- rias para a realização deste projeto. Muito obrigado a meus pais, Ana e Lúcio, pelo apoio incondi- cional e dedicação à educação de seus filhos. Seu amor foi fonte de inspiração e superação na criação deste Livro. Gostaria de manifestar profunda gratidão a meus fami- liares e amigos, em especial à minha esposa Danielle Car- lier por todo apoio e paciência que demonstraram ao longo da caminhada que culmina com a produção dessa obra. Obrigado também a Philip e Sônia Hallawell por sua ines- timável colaboração, que inclui várias horas de conversas que se estenderam noites adentro, esclarecendo dúvidas e orientando ativamente no processo de elaboração deste Livro. Seu apoio vai além desta criação, se estendendo ao carinho como me acolheram em São Paulo. A Philip Halla- well, gostaria ainda de agradecer por ter-me apresentado de maneira totalmente aberta suas ideias, as quais muda- ram completamente minha percepção da Odontologia e os rumos de minha vida. Muito obrigado. Meus sinceros agradecimentos a todos os profissio- nais com quem trabalhei para a realização dos casos clí- nicos aqui apresentados, entre eles: Galip Gurel e equipe (Istambul, Turquia), Alexandre dos Santos e equipe do Studio Dental (Curitiba/PR); Marcos Celestrino e equipe do Laboratório Aliança (São Paulo/SP); Roberto Yoshida (Londrina/PR); Fernando Pastor, Jorge Alberguine e André Luís dos Santos (São Paulo/SP); Juvenal de Souza Neto (Joinville/SC); Andrea e Catarina Ricci (Florença, Itália); e Thiago Reis (São Paulo/SP). Minha gratidão a Robert Coachman e a toda equipe da Well Clinic pela hospitalidade e contribuição na construção de um novo modelo de atendimento. agradecim entos Visagismo - a arte de personalizar o desenho do sorriso • 9 A Christian Coachman por ter contribuído efetivamente para que a realização clínica que ilustra este Livro, incluindo fotografia e planejamento digital, chegassem próximos do patamar de excelência. Agradeço também aos membros de minha equipe, Fer- nanda de Oliveira, Leila Tafuri, Angelo Meneghin e Marina Cotan; o convívio com vocês é fonte de incentivo constante, e seu apoio foi fundamental na elaboração dos trabalhos clínicos. Meus agradecimentos aos colegas que colaboraram para o amadurecimento e melhoria do conceito de visagis- mo aplicado à Odontologia, entre eles: Tânia e Ary Lacerda, Frederico Gomes, Osmar vieira de Castro e Luciana Inoue. A Ricardo de Andrade por ter sido um dos maiores icenti- vadores dessa publicação, assim como a Haroldo vieira, Paulo Rosseti, Ana Lúcia Zanini Luz pela revisão de texto, Angélica Pinheiro pelo projeto gráfico e toda a equipe da vM Cultural, pelo esforço para tornar esse sonho uma realidade. Não poderia deixar de agradecer aos senhores Herbert Mendes (Ivoclar vivadent) e Knud Soerensen (KG Soeren- sen), pela colaboração com materiais de uso clínico neces- sários à realização dos casos clínicos aqui apresentados. Agradeço do fundo do coração ao meu grande parcei- ro clínico e “braço direito” Adriano Schayder, protético que esteve presente desde os primeiros passos da materializa- ção do conceito, apoiando e incentivando constantemente, pessoa sem a qual essa obra não se realizaria. A maioria dos casos de minha autoria foram realizados por ele. A Marcelo Calamita, meu editor, que esteve engajado a tornar a linguagem desse livro adequada aos moldes cien- tíficos e compreensível aos leitores. Aos competentes Josias Santana, Lívio Yoshinaga, Mar- cela Barros e Edson Inácio, responsáveis pela qualidade das imagens apresentadas. À amiga Christiane Sauer, que participou ativamente da elaboração da aplicabilidade do visagismo na Odontologia, orientando acerca dos aspectos psicológicos envolvidos e apontando erros e acertos, trabalho esse fundamental para realização deste Livro. À doutora Iraci Galias, membro fundadora da Socieda- de Brasileira de Psicologia Analítica (SBPA), pela valorosa colaboração e orientação. Aos queridos amigos e “companheiros de estrada”, Lígia Lima, Heloísa Lima, Graça Guimarães, José Fontes Neto e Roberto Caproni. Seu entusiasmo e incentivo foram fundamentais para a conclusão desse trabalho. agradecim entos Algumas vezes, finalizei restaurações estéticas e, apesar do paciente ficar satisfeito por termos atingidos os objetivos estéticos e funcionais predeterminados, ficava com uma sensação incômoda de ter criado um sorriso que parecia não pertencer àquela pessoa. Mas não conseguia entender exatamente o porquê. O Visagismo Odontológico, de maneira brilhante como estudado e desenvolvido pelo doutor Bráulio Paolucci, interrelaciona conceitos clássicos e modernos de Psicologia, Antropologia e diversas formas de arte integrando-os ao desenho do sorriso do pacien- te. Desta maneira, acrescenta uma nova dimensão ao processo de planejamento por meio de ferramentas práticas e efetivas para serem utilizadas pelos cirurgiões-dentis- tas e técnicos em prótese dental. Acompanhei a devoção com que foram desenvolvidos os seus preceitos apresentados neste livro. Observador atento, perspicaz, Bráulio colheu e integrou referências de fontes de diferentes áreas do conhecimento humano à Odontologia estética. De leitura fluente e inquietante, percorremos os capítulos do livro com a certeza de que, com a utilização sábia dos conceitos apresentados, podemos influenciar de maneira positiva a qualidade de vida dos nossos pacientes, aprimorando a sua imagem pessoal e elevando a sua autoestima. embora não existam fórmulas prontas, a chave está em abrir as nossas portas da percepção, observando e escutando o paciente com a devida atenção e valorizando os seus desejos e expectativas. Uma conversa aberta sobre o significado das diferentes linhas, ângulos e formas, fazendo o paciente sentir-se coautor do planejamento de sua obra, é crucial para executar com previsibilidade um trabalho harmonioso que demons- tre ao mundo aquilo que o paciente realmente gostaria de expressar. Um sorriso que realmente pertença a ele! Uma ótima leitura a você! Marcelo Calamita editor Científico Visagismo 10 • Visagismo - a arte de personalizar o desenho do sorriso Antes de profissionais clínicos, que com maestria dominam técnicas, somos seres humanos com a nobre função de cuidar e atender às necessidades e aspirações de seres humanos em busca de uma vida mais plena. Na dinâmica do desenvolvimento, a Odontologia como ciên- cia e arte, ocasionalmente, e de forma muito especial, é pre- senteada por conceitos inovadores que rompem paradigmas e estendem nossas fronteiras de atuação. Graças à sensibilidade e percepção de um excepcional pes- quisador e artista como Philip Hallawell aliadas à visão e extre- ma dedicação de Bráulio Paolucci, as imensas possibilidades e repercussões do conceito de Visagismo foram trazidas de forma pioneira e muito oportuna à Odontologia. A razão desta relevância reside na real possibilidade de transcendermos a esfera estanque das disciplinas, mesmo quando praticadas em equipe e adentramos ao riquíssimo e ilimitado universo da transdisciplinaridade humana, com suas nuances, tendências, sutilezas, poesia e história, que de forma nenhuma perdem em relevância para os aspectos mais con- cretos das realidades física e biológica. Definitivamente a inte- gralidade humana não pode ser satisfeita por conceitos e técni- cas que a reduzem a partes desconexas por mais sofisticadas e às vezes mirabolantes que sejam estas abordagens. entendemos que nossa herança do moderno saber científi- co se apoiou sempre numa visão reducionista e compartimen- talizada da realidade e que, se de um lado propiciou grandes avanços e conquistas, de outro lado nos desconectou das di- mensões mais sutis e intangíveis desta mesma realidade. O eminente e reconhecido professor Narciso Baratieri em meio a uma longa e produtiva carreira clínica e científica relatou que tudo o que hoje faz é pautado pela simplicidade. entendo essa mensagem de muita elegância como uma demonstração Visagismo - a arte de personalizar o desenho do sorriso • 11 Prefácio da sabedoria de alguém que na busca do pleno se desprende gradativamente da forma exterior que é efêmera e se apóia serenamente na essência interior que nunca se perde. Toda a humanidade vive hoje uma enorme hora da verdade. esta verdade é uma verdade de síntese, de resgate de nossos valores essenciais, universais e eternos que dão sentido e signi- ficado a tudo que existe e a tudo que se faz. Que oportunidade extraordinária temos aqui. Um novo portal se abre para uma profissão que como poucas tem a oportunidade de contato ex- tenso , profundo e, muitas vezes, de verdadeira intimidade com os pacientes e seus familiares. A face de um indivíduo é um verdadeiro outdoor de sua essência. Quer estejamos conscientes ou não, o resultado de nossas intenções pode afetar sensivelmente o bem-estar de nossos pacientes. O papel da autoimagem é determinante e a relação dual entre o psicossomático e o somatopsíquico é expressa de forma mais do que sensível na região orofacial. Sem dúvida, o significado que esta nobre área representa para a expressão, o equilíbrio e a harmonia de todo o organis- mo transcende em muito aquilo que a própria Medicina e Odon- tologia estiveram até hoje preparadas para reconhecer. Sim, é preciso ir além. O Visagismo em Odontologia tem este poder de síntese e nos faz este convite, de penetrarmos mais sensível e profun- damente na alma humana, aumentando nossa percepção e escuta, nos tornando aprendizes e parceiros, traduzindo isto numa expressão harmoniosa não só da estética da exteriorida- de, mas também e, principalmente, da estética da interioridade. Para todos nós da Well Clinic foi sempre uma honra e um prazer participar desta comunhão criativa e acompanhar o sur- gimento e consolidação deste novo portal. Robert G. Coachman Master of Science em Oclusão e Odontologia Restauradora – Universidade de Michigan; Diretor clínico da Well Clinic Odontologia. Sumário Introdução Visagismo, beleza e estética .......................................................................................................................................................................................... 15 Bráulio Paolucci Capítulo 1 Conceito de Visagismo e seu método .......................................................................................................................................................................21 Philip Hallawell Capítulo 2 Alfabetização visual ............................................................................................................................................................................................................ 28 Bráulio Paolucci Capítulo 3 Identidade, personalidade e sua relação com a imagem .................................................................................................................................39 Christiane Sauer Capítulo 4 Morfos ..................................................................................................................................................................................................................................... 46 Bráulio Paolucci Capítulo 5 Linguagem visual artística aplicada ao desenho do sorriso ...........................................................................................................................61 Bráulio Paolucci Capítulo 6 A Consultoria ......................................................................................................................................................................................................................135 Bráulio Paolucci, Philip Hallawell Capítulo 7 Desenho digital do sorriso: do plano de tratamento à realidade clínica ................................................................................................145 Christian Coachman, Andrea Ricci, Marcelo Calamita, Livio Galias Yoshinaga Capítulo 8 Aplicação clínica do Visagismo ..................................................................................................................................................................................161 Bráulio Paolucci, Galip Gurel Visagismo - a arte de personalizar o desenho do sorriso • 13 Desde seus primeiros passos sobre a superfície da terra o ser humano sente o belo. Isso certamente o orientou em suas escolhas, desenvolvimento do pensamento, linguagem e artes influenciando profundamente o caminho tomado pela humanidade. Mas o que pode ser considerado belo? Ou além: o que é beleza? A essas perguntas todos nós sabemos res- ponder, mas não exatamente com palavras. Caracterizar o belo como sentimento fica mais plausível para a maioria dos seres humanos. O belo seria algo do qual temos certeza ab- soluta, algo que nos arrebata, que deixa-nos boquiabertos, gera admiração, desejo e atração; no entanto, essas são sen- sações que descrevemos ao nos depararmos com algo de genuína beleza. Já a tradução disso em palavras ou em um conceito não é tão simples. A beleza é produto da percepção humana através de seus vários sentidos (visual, olfativo, tátil, auditivo e gustativo). Pode ser percebida de maneira emocional ou racional. Ao nos de- pararmos com algo belo por qualquer de nossos sentidos, somos arrebatados imediatamente; assim é a percepção do belo: é inconsciente, inexplicável e fulminante. O talento para perceber o belo é uma característica inata e exclusiva do ser Visagismo, beleza e estética Bráulio Paolucci Toscana, Itália. Padrão de beleza cultural do sorriso. Visagismo - a arte de personalizar o desenho do sorriso • 15 Fo to s: is to ck ph ot os .c om Fo to : s xc .h u Introdução Visagismo, beleza e estética humano. Este livro se aterá à “beleza humana”, especialmen- te aquela relacionada à face e ao sorriso. Por milênios, artistas, filósofos, biólogos, antropólogos, neurocientistas e outros profissionais procuraram descre- ver o que seria o padrão de beleza, segundo suas convic- ções. Porém, cada linha de raciocínio tem sua visão ou con- ceito acerca desse problema. Atualmente pode-se dividir a conceituação da beleza em duas principais vertentes: o con- Davi, Michelângelo (à esquerda) e o homem vitruviano, Leonardo da vinci (à direita). Introdução Visagismo, beleza e estética 16 • VIsagIsmo - a arte de personalIzar o desenho do sorrIso Platão Charles Darwin ceito clássico de beleza e o conceito cultural do belo1. Esta obra se fundamenta ao conceito clássico do belo, por ser este de caráter universal e ainda por considerar que às rea- bilitações orais estéticas não cabem modismos e diferenças culturais como orientação, pois nesses casos, o que é belo hoje pode não ser considerado amanhã e não é de bom- senso ficar trocando trabalhos odontológicos de tempos em tempos para estar de acordo com padrões fugazes. O conceito clássico de beleza tem sua origem na Grécia an- tiga, a partir de debates filosóficos e considerações matemáti- cas. Para Platão, beleza é medida, simetria e virtude em todo mundo. Segundo ele, essa mistura raramente é encontrada no ser humano, de tal forma que esse deve “buscá-la e louvá-la” pois “a feiúra e a discórdia são aliados das palavras e da natu- reza doentes” (Platão, A República, livro III)2. Santo Agostinho considerava beleza como um atributo divino, como a bondade e a verdade. Já James Joyce acreditava que o belo se mani- festava de acordo com três requisitos: integridade, harmonia e resplendor, ou seja, para ser belo um objeto precisa ser ínte- gro ou completo em si, ser proporcionado dentro das regras de harmonia e estética e irradiar uma essência verdadeira e boa ou qualidade. Portanto, de maneira geral, para os filósofos, o belo está relacionado a uma verdade ou uma essência indivi- dual ou, ainda, autenticidade e está pautado nas regras de har- monia e estética. Segundo o conceito grego de beleza, o belo se mostra também através de harmonia e proporção entre as partes, como simetria entre lado direito e esquerdo, além de partes que se relacionam através da razão áurea. Há uma fórmula matemática para decifrar rostos perfeitos esclarecida por Pitágoras desde a Grécia antiga. Para ele, a proporção da largura da boca para a largura do nariz deveria ser 1/1,680. A mesma deveria se aplicar entre a proporção da largura da face para a largura da boca. Na verdade para esse autor, as diversas partes da face se relacionam entre si através do nú- mero áureo, o que torna o conjunto altamente equilibrado e agradável ao olhar. Grandes artistas do renascimento usaram esse conceito de beleza grega para cria obras que desperta- vam grande interesse ao cérebro observador. leonardo da Vinci foi um dos grandes estudiosos do conceito e o aplicou em muitas de suas obras como numa de suas principais, o homem vitruviano. Michelângelo também o utilizou para criar uma de suas obras primas, Davi, que até hoje é tido como uma das principais manifestações da beleza masculina. Nos tempos modernos a biologia tem contribuído para a compreensão dos motivos naturais para a beleza. A razão da existência de um padrão de beleza universal estaria na própria evolução da espécie. O que é belo atrai o sexo opos- to e propicia a perpetuação da espécie. Charles Darwin3 (abaixo), o “pai” da teoria da evolução, era fascinado por rostos. Estudou centenas de faces hu- manas de todas as partes do mundo. Ele acreditava que as expressões, da mesma forma que muitos outros com- portamentos atuais, refletem padrões primitivos fixados em nossos cérebros e rostos. A teoria da beleza que se pode extrair dessas raízes profundas é bem pouco românti- ca: as encantadoras linhas harmônicas da face e do corpo humano são mais uma resposta encontrada pela evolução para problemas específicos da perpetuação da espécie. Basta examinar a representação artística da beleza femi- nina, das Deusas da fertilidade pré-históricas às estrelas de Hollywood, para se observar atributos como seios fartos e quadris largos. Isso demonstra como certas caracterís- ticas físicas são apreciadas ao longo de várias épocas e culturas. Geralmente são características que favorecem a geração e o desenvolvimento da prole. As espécies atuais são descendentes daquelas, que ao longo da evolução, se mostraram mais aptas a sobreviver e reproduzir. O pré-requisito para espécies heterossexuadas 1 Eco h. história da beleza. Record; 2004. 2 Composta entre 380 e 370 a.C A República (Politéia) é considerada a obra mais importante do filósofo. Nela ele descreve o que seria uma sociedade ideal. 3 Darwin C. A Origem das espécies (1859). Martin Claret; 2004. Introdução Visagismo, beleza e estética Fo to s: is to ck ph ot os / Ilu str aç õe s: E de r M ax Visagismo - a arte de personalizar o desenho do sorriso • 17 se reproduzirem é que haja atração entre os sexos opostos e, para isso, sinais visuais que indiquem boa saúde física e genética são bons estimulantes sexuais, pois demonstram boa chance de sucesso da prole e consequente propagação genética. Por esse motivo indivíduos que apresentam pele sedosa são mais atraentes que aqueles que apresentam pele oleosa e cheia de espinhas e acnes. Peles sedosas são sinais visuais de boa imunidade, o que impede a instalação e propagação de parasitas. Na face, determinadas características são inconsciente- mente apreciadas pelo sexo oposto. Enquanto nas mulheres traços delicados como rosto oval, mandíbulas e narizes pouco evidentes e lábios carnudos atraem por atestarem jovialidade e fertilidade, nos homens rostos bem definidos com projeção do mento, zigomáticos proeminentes, sobrancelhas grossas e dentes fortes atestam bons níveis de testosterona, hormônio ligado a masculinidade, agressividade e vigor físico. Atualmente o debate profundo sobre beleza tem perdido espaço para o enfoque em um dos seus aspectos fundamen- tais, a estética. A palavra estética tem sua origem no grego (aisthesis = princípios da observação). Sabemos que a apre- ciação e admiração humana pelo belo é uma característica inata proveniente de uma parte da nossa mente chamada cé- rebro ancestral. Essa parte da mente é como uma “platafor- ma básica” que todos os homo sapiens compartilham e nela estão gravadas muitas informações importantes relaciona- das à sobrevivência e reprodução da espécie, num processo que se estende por milhares de anos, fortemente influenciado pela seleção natural. Somos programados pela natureza para identificar e desejar coisas belas de maneira inconsciente e independente da nossa vontade ou capacidade cognitiva. Mais observado será um objeto, e nisso se inclui o sorri- so, quanto mais interessante ou atraente for ao sistema visual composto por olhos, nervos e cérebro. E como demonstrado por diversos estudos, nosso cérebro, principal órgão de per- cepção visual, é capaz de fazer uma leitura rápida de um objeto e calcular inconscientemente suas dimensões, as proporções entre suas partes e a harmonia entre seus elementos cons- tituintes. Esse órgão tem em sua plataforma ancestral certa programação para identificar quando a matemática do conjun- to é interessante ou não e dessa forma desejar ou refutar o ob- jeto de maneira inconsciente. A essa matemática ou conjunto de regras de harmonia visual, chama-se estética. Portanto, um objeto será estético quando estiver, em sua constituição visual, de acordo com esse conjunto de regras e leis matemáticas, e despertará no cérebro do observador grande interesse. No entanto, a beleza vai além disso, como disse Hegel: “a beleza, como substância da imaginação e da percepção, não pode ser uma ciência exata”. Estética, portanto, é um dos elementos da beleza, pois estar matematicamente bem proporcionado gera bem-estar e desejo ao cérebro observador. Porém, isso não basta para ser considerado belo, pois outros elementos, como autenticidade, conteúdo e integridade devem fazer parte des- sa composição para irradiar beleza. O termo estética, especialmente na Odontologia, se trans- formou em lugar comum, onde a maioria dos profissionais de- senvolve suas carreiras, estudos e estratégias de marketing. Haja vista o grande número de cursos de estética e de produ- tos e serviços com essa denominação. A estética é colocada como o mais importante ou mais interessante numa profissão em que aspectos funcionais e psicológicos têm sido menos va- lorizados. Muitas iatrogenias têm sido cometidas em nome da estética e o preço disso ainda não foi precisamente calculado. Na prática das odontologias clínica e protética beleza tem uma importância muito maior que simplesmente o con- tentamento de vaidades pessoais dos pacientes, profissio- nais ou uma cosmética superficial. Parece que o mundo moderno despertou para o fato de que a imagem pessoal está diretamente relacionada com a identidade pessoal ou como se é percebido pelos outros. É através da imagem que se expressa quem você é para o mundo. Valores, crenças e princípios pessoais, origem sociocultural, condição de saúde física e mental, profissão, nível educacional, origem genética e personalidade, são todos elementos da identidade pessoal revelados na imagem. Por isso tanta importância se tem dado a ela, e como é importante que a imagem seja percebida e desejada pelos outros, ela pre- cisa ser estética. No entanto, além da estética os demais elementos expres- sados na imagem devem ser levados em consideração na cria- ção ou adequação da imagem pessoal, inclusive na do sorriso. Essa é a proposta desse trabalho: convocar os profissionais da Odontologia a pesquisarem a expressão do sorriso e proporem a seus pacientes, trabalhos que, além de estéticos, sejam inti- Introdução Visagismo, beleza e estética 18 • VIsagIsmo - a arte de personalIzar o desenho do sorrIso mamente relacionados com aquilo que possa torná-los belos: sua originalidade, autenticidade e individualidade. E, ainda, des- pertar no leitor o prazer de trabalhar com criatividade, intuição e conhecimento na escolha de formas dentais e desenho do sor- riso e dar um passo além na sua prática diária, trabalhar com o conceito de “beleza do sorriso”, por considerar que esse concei- to vai além da estética e engloba elementos que fundamentam a existência humana. A palavra visagisme surgiu na França originária do termo visage que significa rosto, mas apesar disso ainda não havia um conceito bem definido sobre essa arte até que o artista plástico Philip Hallawell, em 2003, lançou seu livro Visagismo, Harmonia e Estética, em que estabelecia o que seria a cria- ção ou adequação da imagem pessoal segundo característi- cas pessoais autênticas. Abria-se aí uma nova possibilidade de intervenção visual totalmente alinhada com as tendências contemporâneas do comportamento humano, que nesse sé- culo, mais que nunca, busca autoconhecimento e expressão individual. A personalização é a palavra de ordem em um mer- cado cada vez mais globalizado. O Visagismo espera fazer a ponte entre o que o consumi- dor quer ou espera do tratamento e a tradução dessa vontade num desenho de sorriso que a expresse visualmente através das formas e linhas adequadas. Para isso é fundamental domi- nar o método de consultoria desenvolvido pelo artista plástico Philip Hallawell, que permite ao profissional conhecer melhor seus pacientes no âmbito psicológico, com suas particularida- des, necessidades e desejos, e poder orientá-los quanto às pos- sibilidades de expressão visual em seus casos e então definir juntamente com eles o que será criado em termos de desenho de sorriso. Dessa maneira os pacientes passam a coautores do trabalho, o que certamente diminuirá as insatisfações finais tanto de profissionais quanto de pacientes. Esta obra será dividida em dois volumes, sendo o pri- meiro dedicado à apresentação do conceito de Visagismo, à análise dos elementos básicos de expressão visual com suas conotações psicológicas, ao estudo da relação entre imagem e identidade pessoal, do método Philip Hallawell de consultoria como o fator primeiro na elaboração de um planejamento estético por esclarecer aos profissionais e pa- cientes o caminho expressivo a ser seguido, bem como o estudo dos elementos ou unidades orais, suas variações, ex- pressões psicovisuais, e sua aplicação nos delicados casos de estética dental. Neste primeiro volume será apresentada também uma abordagem distinta no planejamento estético de casos, o planejamento digital do sorriso proposto por Christian Coachman. Os casos clínicos apresentados aqui foram realizados pelo autor, como clínico, e em colaboração com outros cirurgiões- dentistas como consultor, onde o autor entrevistou os pacien- tes e definiu para a equipe operatória o desenho de sorriso a ser executado. O segundo volume será dedicado às reabilitações mais complexas, quando a equipe se verá diante da grande respon- sabilidade da composição psicodentofacial. Neste volume se- rão explorados, a consultoria visagista como referência para a correta escolha e montagem de dentes e demais elementos da configuração do desenho do sorriso em casos onde se tem menos referências orais e mais liberdade de criação como em edentados totais, além da abordagem dos fundamentos fun- cionais e apresentação da aplicação clínica dos fundamentos da composição psicodentofacial como estrutura, perspectiva, proporção, concepção de forma e volume, cor e textura, peso e leveza, como requisito para se alcançar resultados excelentes e personalizados. Hoje frente ao grande desenvolvimento da Odontologia, cabe mais pensar “no que fazer” em um caso clínico e nem tanto no “como fazer”, haja vista o grau de excelência técnica alcançado pelos profissionais, instrumentais e materiais dentá- rios. Só se saberá o que fazer quando o ser humano por trás daquela boca a ser tratada for capaz de dizer quem ele é e o que espera do tratamento, e a filosofia de trabalho apresenta- da neste livro presta-se a facilitar a obtenção dessa resposta, bem como orientar a equipe operatória na tradução dela em desenho do sorriso. A Odontologia, assim como outras pro- fissões, está engajada em oferecer às pessoas, tratamentos cada vez mais humanizados e personalizados. Introdução Visagismo, beleza e estética Fo to : i sto ck ph ot os Capítulo 1 Conceito de Visagismo e seu método 1.1 Conceito O conceito de que o sorriso de uma pessoa expressa sua personalidade é algo com que se trabalha na Odontologia há muito tempo. Muitas pesquisas e teorias a esse respeito fo- ram desenvolvidas ao longo da história da Odontologia. No entanto, por falta de um método objetivo e científico para a aplicação dessas teorias, os odontólogos, que trabalham com a estética do sorriso, dependem da intuição para obter resul- tados satisfatórios. Até a publicação dos livros Visagismo: harmonia e estética1 e Visagismo: Identidade, estilo e beleza2, o Visagismo era consi- derado somente uma técnica para harmonizar o corte de cabe- lo e a maquiagem com o formato do rosto e o tom e a “imagem interior” que a pessoa tem de si mesma. essa imagem interior é muito mais um conjunto de sensações, emoções e fragmentos de imagens indefinidas e vagas, do que uma imagem concreta e completa. Quando se pensa na imagem pessoal nesses termos percebe-se que é mais importante se importar com o que a imagem expressa do que com questões estéticas, embora es- sas também sejam importantes. há poucas coisas mais precio- sas para uma pessoa do que seu senso de identidade e, como diz a psicóloga Maria Rita Kehl, o rosto é a sede da identidade3. Partindo desse princípio, o conceito de Visagismo es- tabelecido nos livros mencionados acima é a arte de criar uma imagem pessoal customizada, que expressa a perso- nalidade e o estilo de vida, com harmonia e estética. essa Visagismo - a arte de personalizar o desenho do sorriso • 21 Philip hallawell 1hallawell P. Visagismo: harmonia e estética: Senac; 2003. 2hallawell P. Visagismo: identidade, estilo e beleza. São Paulo: Senac; 2010. 3Kehl MR. O espelho partido. Folha de São Paulo. 2005 Dez 11. conceito de Visagismo e seu método arte é constituída de duas fases: na primeira, o profissional, por meio de uma consultoria, ajuda o cliente a decidir o que deseja expressar através de sua imagem e, na segunda, uti- liza sua técnica, sensibilidade e domínio dos elementos que compõem a linguagem visual para transformar a intenção numa imagem com harmonia e estética. No Visagismo trabalha-se com a conceituação de arte proposta por James Joyce4 em Retrato do Artista quando Jovem. Neste Livro o escritor faz uma distinção entre o que seria arte pura e arte impura. Para ele, arte pura revela algo que é verdadeiro, com harmonia e estética, enquanto a arte impura se preocupa apenas com a aparência estética, em ser agradável e em ter qualidade artesanal. esse tipo de arte se baseia em regras e formas e, por isso, é acadêmica e opaca, não revelando nada. O Visagismo é um conceito baseado na arte pura, que busca oferecer os meios para criá-la com constância e consciência. 1.2 O método Philip Hallawell Foi necessário criar um método, baseado nesse conceito, para exercer essa arte. O resultado foi um método interdiscipli- nar, em que os princípios da linguagem visual são associados a trabalhos, teorias e pesquisas das áreas da psicologia, da cog- nição, da neurociência e da antropologia. No livro O homem e seus Símbolos5, Carl Jung mostra que há certos símbolos que sempre foram utilizados com o mesmo significado em todas as culturas e em todos os tempos. esses símbolos também formam a linguagem dos sonhos. Chamou- os de símbolos arquetípicos (ver Capítulo Alfabetização Visual). Os símbolos mais simples são os formatos geométricos que, inclusive, podem ser utilizados como símbolos ao estruturar a composição de um quadro. Na Renascença, os grandes mes- tres incorporavam formatos geométricos às suas composi- ções, mas baseando-se em conhecimentos esotéricos. Não é de estranhar que os significados da simbologia esotérica sejam os mesmos da simbologia arquetípica. A Ressurreição, Rafael Sanzio. Capítulo 1 Conceito de Visagismo e seu método 22 • Visagismo - a arte de personalizar o desenho do sorriso 4James J. Retrato do artista quando jovem. Rio de Janeiro: Nova Fronteira; 1998. 5Jung CG. O homem e seus símbolos. Rio de Janeiro: Nova Fronteira; 1996. Fo to : i sto ck ph ot os No estudo da composição, no entanto, aprende-se que toda composição é estruturada por formas geométricas. Pode ser uma única, como o círculo, usado por Michelangelo no afresco O Julgamento Final, da Capela Sistina em Roma, ou uma combinação de formas, como Rafael Sanzio compôs A Ressurreição, quadro pertencente à coleção do Masp em São Paulo. Isso significa que toda imagem contém um símbolo ar- quetípico na sua estrutura, seja intencionalmente ou não. Isso se aplica a todas as imagens criadas pelo homem: pinturas, fotografias, arquitetura e imagem pessoal. Aplica-se, também, às imagens naturais, como o rosto. Os formatos do rosto, das feições e dos dentes são todos símbolos arquetípicos, com significados predeterminados. Carl Jung só falou sobre os formatos geométricos, mas as linhas que compõem esses formatos também devem ser consideradas símbolos arquetípicos. As linhas encontradas nas imagens interagem com as formas geométricas e transmitem significados diversos e até complexos. Saber ler o significado das linhas e das formas permite entender o que o rosto e suas partes dizem da pessoa e de seu temperamento, e o que a ima- gem, como um todo, e nas suas partes, expressa. Como o cérebro processa os símbolos arquetípicos e como entende seus significados ainda não é bem compreendido. Carl Jung teorizou que os símbolos faziam parte do subconsciente e do inconsciente coletivo. Mas isso não explica como o cérebro os reconhece. O trabalho de Joseph LeDoux6, neurobiólogo e especialista em cognição, na Universidade de Nova YorK, eUA, começa a elucidar esse enigma. há mais de dez anos ele pesquisa como as emoções são criadas. Descobriu, primeiro, que a formação de emoções não envolve o córtex. O tálamo reconhece os ele- mentos ou “gatilhos”, que estimulam os diversos sistemas, re- lacionados às diferentes emoções, que atuam dentro da área límbica. Não há um único sistema, um suposto sistema límbico, responsável pela formação das emoções, como se pensava antes. Quando estimulados esses sistemas geram elementos químicos e hormônios que produzem reações físicas e, em se- guida, as emoções são formadas, ao mesmo tempo em que memórias relacionadas à emoção são recuperadas. Fazendo a associação entre os símbolos arquetípicos de Jung e o trabalho de LeDoux ficou claro que os arquétipos são importantes gatilhos desses sistemas. Isso significa que são compreendidos emocionalmente e não racionalmente. O sím- bolo arquetípico, portanto, age sobre o emocional da pessoa. É um processo que não envolve o racional. embora um símbolo arquetípico tenha um significado universal e comum a todos e, portanto, sempre ative determinada emoção, a reação a essa emoção será sempre individual, porque é associada às memórias que a pessoa guardou, quando experimentou emo- ções semelhantes. O mesmo símbolo arquetípico, contido na mesma imagem, que diversas pessoas observam, pode, por- tanto, provocar diferentes reações: desde uma leve sensação até violentas emoções. Que a imagem provoca reações emocionais, antes que seja compreendida racionalmente, é algo que muitos estudiosos da imagem e da linguagem visual observaram, desde que a per- cepção visual e a cognição começaram a ser estudadas no início do século 20. O artista plástico Wassily Kandinsky7 notou que toda ima- gem produz uma reação emocional antes de ser compreendi- da racionalmente e fez importantes observações sobre a na- tureza da imagem. No seu livro Ponto, Linha, Plano ele explica como é a dinâmica de cada tipo de linha (ver Capítulo Alfabeti- zação Visual). Kandinsky, porém, não tinha pesquisas científicas em que pudesse apoiar suas teorias, mas tinha um profundo Capítulo 1 Conceito de Visagismo e seu método Visagismo - a arte de personalizar o desenho do sorriso • 23 6 LeDoux J. O cérebro emocional. Rio de Janeiro: Objetiva; 1998. 7 Kandinsky Wassily (1866-1944), artista, teórico e autor russo. Kandinsky W. Ponto, linha, plano (ed. 70; 2006) e “Do espiritual na arte” (Martins Fontes; 2000). conhecimento da linguagem visual e seu uso. Nessa época, as primeiras teorias de psicologia foram criadas, como a Gestalt, mas ainda não havia técnicas para estudar o funcionamento do cérebro, como a ressonância magnética. A associação dos princípios da linguagem visual com a teoria de Jung, dos símbolos arquetípicos, e com as pes- quisas de LeDoux sobre o cérebro emocional permitem compreender melhor como imagens são percebidas e pro- cessadas. entender que o cérebro reage primeiro, instanta- neamente, aos símbolos arquetípicos contidos na imagem – linhas e formas em particular – e que estes estimulam os sistemas que produzem as emoções, antes que se possa pensar racionalmente a respeito disso, é fundamental para quem trabalha com ela. Implica que toda imagem contém, na sua estrutura, uma mensagem subliminar, contida nos símbolos arquetípicos que a estruturam. Para o profissional da Odontologia, isso tem uma impor- tância maior, porque implica que a imagem pessoal, que ele cria, afeta emocionalmente o próprio cliente e as pessoas com quem ele se relaciona, influenciando sua autoestima, seu esta- do emocional e psicológico e seu comportamento. Acima de tudo, explica por que a imagem pessoal estabelece a identidade e por que é tão importante que haja o encontro entre as ima- gens exterior e interior. De fato, pode-se afirmar que esse é um encontro de emoções. Se houver sintonia de emoções será al- tamente salutar emocional e psicologicamente. Por outro lado, conflitos podem provocar consequências muito graves. Segue que se pode ler o temperamento de uma pessoa ao analisar o formato do rosto e as características de cada área da face, porque esses elementos são símbolos arque- típicos que se relacionam e revelam seu temperamento. Por exemplo: o retângulo exprime força, determinação e certa imobilidade; portanto, uma pessoa com o formato de rosto retangular expressa essas características. Se ela não fosse assim, cada vez que se olhasse no espelho as emoções geradas pelo formato do seu rosto entrariam em conflito com seu senso de si mesma. evidentemente isso pode acontecer se a pessoa sofrer algum tipo de repres- são, mas seria considerado um transtorno ou desvio de personalidade. Para completar o método, ainda foi neces- sário adotar um sistema de classificação dos temperamen- tos e um procedimento para estimular a reflexão do cliente, que o ajudasse a definir o que gostaria de expressar atra- vés de sua imagem, a consultoria (ver Capítulo Consultoria). 1.3 Visagismo e a evolução da criação da imagem pessoal A maneira como se trata a imagem pessoal no Ocidente é muito diferente de como é tratada por tribos de indígenas, índios americanos e africanos, e isso é reflexo dos sistemas básicos em que cada cultura é estruturada. Tribos são estruturadas em sistemas cooperativos. São pequenos núcleos de pessoas, que vivem de acordo com determinada filosofia ou religião. Na maioria dessas cultu- ras, acredita-se que cada pessoa e sua vida são regidas por guias. Os guias dos índios americanos são animais, enquanto os dos africanos são o que chamamos de orixás, por exem- plo. A individualidade é valorizada, porque cada membro da tribo tem uma função e uma posição nessa hierarquia e é importante que sejam facilmente identificados: seu guia, sua função e sua posição. Por isso, os estilos de cabelos, ma- 24 • Visagismo - a arte de personalizar o desenho do sorriso Composição com vermelho, amarelo e azul, Piet Mondrian (1930). Capítulo 1 Conceito de Visagismo e seu método Fo to : i sto ck ph ot os quiagens, pinturas no corpo e vestimentas são altamente individualizados8. Podemos dizer que o conceito de Visagis- mo é parte fundamental de suas culturas. Portanto, embora o termo seja novo, a ideia de personalizar ou customizar a imagem pessoal é algo muito antigo. No Ocidente, somente pessoas com um alto senso de estilo, inteligência visual e um forte senso de identidade fo- ram capazes de criar um estilo próprio. essas pessoas são raras. Sabem o que querem e orientam os profissionais que executam o trabalho. Geralmente são pessoas de destaque na sociedade, com muita influência ou poder. Todo estilo e todas as tendências de moda têm suas origens nos estilos pessoais que essas pessoas criaram. Um estilo expressa princípios filosóficos, morais e cultu- rais e um modo de vida e, quando pessoal, a personalidade de uma pessoa. Nas culturas ocidentais e orientais, basea- das em sistemas feudais, uma elite da sociedade dominava todos os outros membros. A sociedade era formada por um grande grupo de pessoas, que dominava a massa, a maioria com funções genéricas e todos no mais baixo nível hierárqui- co, e uma pequena elite, com enorme poder e que dominava a massa. Portanto, a individualização não era valorizada. Por isso, só a elite, a classe nobre e a burguesia emergente, tinham direito a se expressarem através de um estilo. Ma- nifestações de estilo pelo povo eram encontradas somente em alguns artefatos, construções e nas vestimentas utiliza- das em festivais, que expressavam o caráter de uma nação ou de um clã. Os nobres adotavam um estilo padronizado que expressava os princípios da nobreza, e que indicava o grau de poder do indivíduo pela suntuosidade e riqueza dos materiais empregados nas vestimentas. As únicas qualida- des individuais que podiam ser mostradas eram a sensibi- lidade, o refinamento e o senso artístico, nos cabelos, nas maquiagens e nas vestimentas. esse estilo padronizado era igual para todos os nobres na europa e nas suas colônias, por isso é difícil distinguir um nobre francês de um espanhol. O final do século 18 marcou o início da revolução indus- trial e o fim da era agrícola, que provocou enormes mudanças nas sociedades no mundo todo. Foi caracterizada pela gradual mecanização na produção de manufaturados, incentivada por sucessivas inovações tecnológicas. Com o desenvolvimento in- dustrial em diversas áreas, houve um êxodo do campo e a cria- ção de metrópoles. Com início na Inglaterra, aos poucos, todos os países europeus foram transferindo sua dependência na agricultura para a produção industrial. O mesmo aconteceu nos eUA e, eventualmente, no mundo todo. No brasil, esse processo só foi intensificado a partir de 1930. esse processo teve um profundo impacto social que ainda vivenciamos. Com a criação de grandes cidades e a educação de pessoas para que tivessem condições de trabalhar nas fábricas, uma classe proletária foi criada e a classe média cresceu consideravel- mente. Na europa e nos eUA já havia uma pequena classe média formada por profissionais liberais, negociantes e ban- queiros, principalmente. houve, também, maior distribuição de renda. em consequência disso, muitas pessoas ganharam condições de se vestir e se produzirem com estilo. A classe média queria se diferenciar do proletariado e procurava as- censão social, com aspirações a se assemelhar ao nobre. Por isso, adotou seu estilo, embora com menos luxo. A indústria da moda foi criada e em vez de personalidades como Marie Antoinette, ditarem a moda, de uma estação, estilistas surgi- ram criando modelos de roupas que pessoas das classes alta e média copiavam na europa e outras partes do mundo. Paris se tornou o centro desse movimento. Por outro lado, a revolução industrial promoveu uma crescente consciência social, que resultou no fortalecimen- to do socialismo e do advento do sindicalismo, a defesa das liberdades individuais e o fim dos privilégios. Depois da I Guerra Mundial, a maioria dos intelectuais, poetas, artistas e até alguns membros da elite se declaravam socialistas e mate- rialistas. Procuravam manifestar essa maneira de pensar na Visagismo - a arte de personalizar o desenho do sorriso • 25 8Lody R. Cabelos de axé. Identidade e resistência. Rio de Janeiro: Senac; 2004. Capítulo 1 Conceito de Visagismo e seu método 26 • Visagismo - a arte de personalizar o desenho do sorriso Capítulo 1 Conceito de Visagismo e seu método sua aparência. exigiam estilos diferentes dos da classe dominan- te, com a qual não se identificavam. A ideia da personalização da imagem pessoal também apareceu nessa época, como uma forma de valorizar a individualização e combater a crescente massificação, que as indústrias incentivavam, a fim de aumen- tarem suas vendas. Ao longo do século 20, milhões de pessoas ganharam o direito de fazer escolhas, por causa do aumento do nível eco- nômico, melhor educação, acesso à informação e novas expe- riências. A invenção do automóvel, a possibilidade de viajar de navio e, depois, de avião e conhecer outros lugares e povos, o conhecimento e cultura obtidos por meio de livros, jornais, revis- tas, o rádio, a televisão e, agora, pela internet fez com que um universo, que até há pouco tempo era restrito a uma minoria, fosse disponível a qualquer um. Isso fez com que o conflito entre a massificação e a customização fosse se intensificando e ge- rou dois problemas: a grande maioria das empresas não sabe oferecer escolhas e como customizar seus produtos ou servi- ços, e as pessoas não são ensinadas a como fazer escolhas. As escolas não empregam sistemas muito diferentes daque- les utilizados desde o século 19. Tudo isso pode fazer com que nos sintamos incapazes de lidar com as imposições do mundo contemporâneo, além de insignificantes diante da grandeza do mundo que conhecemos. Não é fácil lidar com a consciência de que se é “um” entre bilhões de habitantes deste mundo. Todo mundo quer se sentir especial, mas ao mesmo tempo quer ser aceito e respeitado. Por isso as redes sociais ganham tanta força: ao mesmo tempo em que cada um pode expor o que pensa e faz, compartilha isso com centenas de pessoas. A ne- cessidade de se sentir único também criou a moda de se ta- tuar, pois a tatuagem é como uma marca pessoal. Porém, a “marca pessoal” deveria ser expressa em todos os aspectos da imagem pessoal. Já há alguns anos, todas as agências que pesquisam ten- dências apontam a customização e a despadronização como sendo as principais tendências em todas as áreas. Na área de beleza, no entanto, é a massificação que se vê praticada. É essa a realidade da maioria dos salões, clínicas e butiques. Rara- mente o cliente sabe o que deseja expressar. As imagens criadas são geralmente padronizadas. Os melhores profissionais das diversas áreas da criação da imagem pessoal conseguem algum sucesso em atender as necessidades dos seus clientes, mas dependem somente da sua intuição, sensibilidade artística e sua capacidade de percepção do outro. Nunca dispuseram de um método, ba- seado em conhecimentos científicos, para avaliar seu cliente ou paciente; e a maioria não teve acesso, nos seus cursos de formação, ao ensino formal da linguagem visual, essencial para poder transformar um conceito abstrato numa ima- gem concreta. Por sua vez, a grande maioria das pessoas não tem meios para indicar o que querem ao profissional. É importante notar que a análise do comportamento e da linguagem corporal pode levar a muitos equívocos. A ima- gem da pessoa a afeta emocionalmente e, consequentemen- te, seu comportamento, sua postura e seus gestos. Uma imagem que não está em sintonia com seu temperamento fará com que se comporte de uma maneira inadequada. Se o profissional estiver dependendo somente de sua intenção, ele estará sendo levado pelas emoções que sente ao ver a pessoa e o que as linhas, formas e cores estão transmi- tindo. Isso significa que estará reagindo ao que a imagem expressa e não ao que a pessoa é. em outras palavras, ele vê como a pessoa está e não como ela é. evidentemente, isso poderá resultar em conclusões totalmente errôneas. Visagismo - a arte de personalizar o desenho do sorriso • 27 Capítulo 1 Conceito de Visagismo e seu método 1.4 Visagismo - Philip Hallawell na Odontologia A boca e os olhos são as duas áreas que mais transmitem informações sobre uma pessoa. A boca é o ponto focal do olhar e, imediatamente, pela cap- tação dos formatos e das linhas dos lábios e dos dentes, esta- belecem as condições das interações humanas, antes que haja comunicação verbal. A boca tem diversas funções. há a da alimentação e a da fala. Os lábios têm conotações sensuais9 e os dentes são asso- ciados às presas, elementos de ataque e defesa. A configura- ção da boca e dos dentes, especialmente da bateria anterossu- perior, indica a capacidade de exercer essas funções e afeta a autoconfiança. Para alguém se sentir confiante, a dentição pre- cisa ser alinhada, íntegra, sem falhas e sem grandes desgastes. Dentes pequenos e sem proeminência prejudicam a capacida- de de se impor, e os dentes amarelados e manchados são vis- tos como indícios de falta de saúde e de vigor. Nos trabalhos de Visagismo - Philip hallawell, realizados ao longo dos últimos oito anos, constatou-se que uma pessoa não sustenta uma imagem que a destaca, se tiver problemas sérios nos dentes, porque não se sente segura para lidar com a exposição a que está su- jeita e por que o que os dentes expressam entram em conflito com aquilo que o resto da imagem transmite. É muito impor- tante, no entanto, estar atento às mudanças na expressão que os procedimentos provocam. É mais importante preservar as características do temperamento do paciente do que promover ganhos estéticos. O ortodontista, por exemplo, precisa analisar se, ao alinhar a dentição, haverá uma mudança no formato da arcada e se isso será prejudicial ao paciente. Na Odontologia estética é sempre aconselhável questionar se os ganhos estéticos acarretam perdas no senso de identida- de ou qualidades de personalidade. em cirurgias ortognáticas é importante levar em conta que a área relacionada com a força da vontade (mento) será profundamente afetada e que, ao con- trário do que se pensa geralmente, nem sempre esse ganho estético traz consequências positivas. há um ganho estético porque o queixo retraído é associado à fraqueza, à dificuldade de se impor. É, portanto, considerado feio. Já o queixo alinhado, que expressa força, é visto como sendo bonito. O outro lado da força é a agressividade e, quando há um repentino ganho de força, muitas pessoas não estão preparadas para lidar com isso e podem se tornar agressivas. O Visagismo - Philip hallawell permite que se avalie todas essas questões e que se estabeleça uma direção clara para os procedimentos, promovendo ganhos estéticos, ao mesmo tempo em que se cria um sorriso que expressa o melhor da personalidade. Isso se aplica tanto aos casos em que a confi- guração original é modificada ou aos casos em que o envelhe- cimento ou traumatismos exigam uma recuperação parcial ou total da dentição. O Visagismo é uma arte. É a arte de criar uma imagem pes- soal customizada e bela, que faz com que o paciente se sinta valorizado, aceito e com poder de atração. 9 Morris D. O macaco nu. Rio de Janeiro: Record; 2004. Fo to : s xc .h u Capítulo 2 Alfabetização visual 28 • Visagismo - a arte de personalizar o desenho do sorriso Alfabetização Visual 2.1. Linguagem Numa definição simplória, linguagem significa troca de informações, englobando gestos, expressões faciais, cor- porais, assobios, posturas, linguagem química, matemáti- ca, verbal, escrita etc1. Na perspectiva dos estudiosos da linguagem sua delimitação à linguagem verbal e escrita é um atributo egoísta do pensamento humano. É incorreto afirmar, inclusive, que linguagem seria a troca de informa- ções entre indivíduos da mesma espécie, pois a ciência já demonstrou a possibilidade de indivíduos de espécies dife- rentes se comunicarem2-4 . Desde o surgimento da vida na terra, os seres mais primitivos necessitavam trocar informações para garantir sua sobrevivência e reprodução, e o faziam através da cha- mada comunicação química1-3. Animais como insetos, pei- xes, anfíbios, aves e mamíferos desenvolveram diferentes meios de comunicação, que vão desde a comunicação por feromônios, gestos e até linguagem sonora em variadas frequências de percepção auditiva que, muitas vezes, esca- pam à percepção humana5-6. Durante os milhões de anos de evolução dos primatas muitas características de comunicação foram surgindo e sendo aperfeiçoadas, de modo que as espécies de prima- tas existentes nos tempos atuais, apesar de apresentarem diferentes formas de comunicação, ainda compartilham es- truturas cerebrais mais antigas de processamento de infor- mações comunicativas7-11. A família dos primatas surgiu na terra a aproximadamen- te 70 milhões de anos. Seus descendentes atuais incluem desde pequenos até os grandes primatas como orangotan- gos, chimpanzés, gorilas, bonobos e, os últimos hominídeos, os seres humanos12. Entre as formas de linguagem de primatas não huma- nos pode-se citar como principais as linguagens sonora, gestual ou corporal e as expressões faciais. A comunicação através de gestos e expressões faciais são compreendidas como linguagem visual primitiva13-16. Bráulio Paolucci A na C ar ol in a Lim a (a tri z) Im ag em - M ar ce la B ar ro s Capítulo 2 Alfabetização visual Fo to s: Is to ck ph ot os O homo sapiens é o primata mais capaci- tado à comunicação por apresentar tanto as características comunicativas primitivas de seus parentes (linguagem visual primiti- va) quanto características exclusivas e mais complexas de comunicação, como a fala e a escrita. Essas duas últimas formas de linguagem estão relacionadas ao neocórtex humano, parte externa de nossos cérebros responsável pela elaboração de pen- samentos e raciocínio17. A história da evolução da linguagem em seres humanos é paralela à história da evolução do cérebro humano. Por milhões de anos o cérebro primitivo foi compartilhado pelos grandes primatas e era responsável pela compreensão do ambiente à sua volta e sua comunicação com intuito de so- brevivência e reprodução. Ao longo de milhões de anos o cé- rebro primata se desenvolveu de baixo para cima, ou seja, os centros superiores se desenvolvendo como elaborações das partes inferiores (tronco cerebral) culminando com o surgimento do neocórtex17-18. O desenvolvimento do cérebro de embriões humanos segue esse caminho19. A existência de um cérebro emocional (cérebro primitivo compartilhado pelos grandes primatas), programado para fa- zer leitura ambiental e disparar reações emocionais, com o objetivo de sobrevivência, é muito mais antiga que o cérebro racional que apresentamos hoje19-20. Seu processo de leitura visual e de interpretação é instintivo e inconsciente, e não de- pende do aprendizado e raciocínio21. Essa leitura se daria, en- tre outras maneiras, pela interpretação de arquétipos visuais ou imagens primordiais (ver Jung e os Arquétipos). Estudos com grandes primatas têm apontado cami- nhos para a compreensão da escalada evolutiva da lingua- gem visual dos seres humanos, de modo a indicar quais seriam as formas de comunicação visual mais primitivas que carregamos em nossos cérebros em comunhão com esses animais22. Estudos in vitro com gorilas demonstraram que esses, além de compreenderem gestos e expressões faciais, pos- suem capacidade para o aprendizado da linguagem de si- nais norte-americanos ou Ameslan (linguagem dos surdos- mudos americanos)1. Estudos realizados com uma fêmea de bonobo em labo- ratório apontam para uma grande capacidade de aprendi- zado da linguagem de sinais. Ela desenvolveu a capacidade de compreensão e comunicação através de um lexigrama de 256 símbolos geométricos23. Esses estudos sugerem que a compreensão visual a partir de imagens primordiais ou símbolos arquetípicos não está relacionada ao neocór- tex humano e estaria, provavelmente, relacionada aos cen- tros cerebrais mais antigos comuns àqueles primatas e ao homo sapiens24. Como demonstrado em vários experimentos, a capaci- dade para a compreensão de sinais e símbolos não é uma exclusividade humana e certamente está relacionada a estruturas cerebrais primitivas presentes em nossos cé- Capítulo 2 Alfabetização visual 30 • Visagismo - a arte de personalizar o desenho do sorriso rebros; no entanto o pensamento simbólico, ou seja, a or- ganização de processos cognitivos com signos e símbolos e a comunicação através da fala e escrita são capacidades exclusivas do homo sapiens17. O objetivo do visagismo é o estudo da linguagem visu- al, mais especificamente dos símbolos arquetípicos mais básicos (linhas, formas e cores), o seu processo de inter- pretação pelo cérebro humano e a possibilidade de seu uso consciente para gerar imagens com significado. Na Odon- tologia seu uso seria na criação estrutural de desenhos de sorriso com expressão própria, de percepção inconsciente e involuntária que deveria estar de acordo com a identidade, vontade de expressão e necessidades pessoais do paciente (ver Capítulo Consultoria). 2.2 O caminho cerebral da percepção visual Perceber é organizar dados sensoriais levados ao cére- bro através dos receptores nervosos ou sentidos (visuais, olfativos, táteis, sonoros e gustativos)25. Seres humanos são principalmente visuais no processo de percepção do am- biente, assim como lobos são olfativos e baleias auditivas, e o processo de percepção visual está intimamente ligado a uma interpretação emocional automática26. O processo de percepção e interpretação visual pelo cé- rebro humano figura entre objeto de estudo de ínumeros neurocientistas já ha algum tempo, e sua pesquisa se faz necessária para a compreensão dos processos emocionais básicos que governam a vida dos seres humanos27-29. A palavra emoção é originada do latim e sua tradução seria movere ou mover acrescida do prefixo e que significa afartar-se30. De maneira geral uma emoção implica numa ação imediata, ou seja, cada tipo de emoção predispõe o in- divíduo a uma ação pré-programada, que ao longo da evolu- ção da espécie se mostrou como a ação mais bem-sucedida para a sobrevivência e reprodução; portanto, para a perpe- tuação da espécie30-31. Não há consenso entre os cientistas sobre as emoções básicas, mas de maneira geral pode-se dizer que raiva, medo, aversão, expectativa, alegria, tristeza, surpresa e aceitação sejam algumas das principais31. Ao se deparar com uma imagem, o olho humano capta sinais sensoriais na retina e os envia a uma área ances- tral do cérebro chamada tálamo32. No tálamo esses sinais são traduzidos para a linguagem cerebral. O tálamo, então, envia mensagens para duas estruturas cerebrais, para o córtex cerebral, onde se processa um raciocínio acerca do que é visto e para uma estrutura primitiva localizada acima do tronco cerebral e logo abaixo do anel límbico, a amígda- la31-35. Essa seria responsável por disparar uma sensação ou emoção sobre aquilo que se vê30-31. Estudos mais recentes de como o cérebro processa ima- gens, realizados pela equipe de neurocientistas, do Centro de Ciência Neural da Universidade de Nova York, liderados por pesquisador36-40, indicam que há um caminho mais curto en- tre o tálamo e a amígdala, do que aquele caminho percorrido pelo impulso do tálamo ao córtex cerebral (parte pensante), indicando que o processamento de emoções acerca do que se vê ocorre mais rápido do que o raciocínio sobre o que se vê31. Com isso a natureza nos programou para agirmos rapi- damente segundo a sensação que sentimos diante de uma imagem. Isso nos permitiria sobreviver em situações críticas, como a deparação com um perigo eminente28,41-44. Em outras situações nos impele a agir para reproduzir e garantir que nos- sos genes sejam passados a gerações futuras antes que um Capítulo 2 Alfabetização visual concorrente direto o faça. Portanto, imagens trazem consigo significados emocionais próprios que podem variar de espécie para espécie. Estes estudos sugerem que imagens são processadas na amígdala como imagens primordiais ou arquétipos visu- ais e estes conduziriam a uma reação emocional condicio- nada de acordo com seu significado próprio, ou seja, cada tipo de imagem desperta sensações ou emoções próprias. Desta maneira entende-se que estes símbolos agiriam como mensagens subliminares que agem sobre nós sem que estejamos conscientes delas. Isso se aplica à estrutura de todas as imagens, sejam fotografias, gravuras, pinturas, imagens pessoais, sorrisos ou espaços tridimensionais45-46. Esse fato também indica um caminho para a compreen- O tálamo reconhece símbolos arquétipos, que disparam os diversos sistemas que produzem emoções, antes que o córtex possa processar a imagem racionalmente. Criação de emoções e sensações físicas Córtex Visual Área Límbica Tálamo Visual são da maneira como a imagem pessoal exerce influências emocionais, psicológicas e comportamentais nas pessoas. Imagens pessoais mal cuidadas podem agir negativamente sobre a autopercepção e autoestima das pessoas, podendo levar a/ou facilitar um estado depressivo, exatamente por despertarem sensações e/ou emoções negativas46. Visagismo - a arte de personalizar o desenho do sorriso • 31 Fo to s: s xc .h u, Il us tra çã o re tir ad a do li vr o Vi sa gi sm o: h ar m on ia e e sté tic a A ut or : P hi lip H al la aw el l. Se na c; 2 00 3. Capítulo 2 Alfabetização visual 32 • Visagismo - a arte de personalizar o desenho do sorriso É através desse processo de percepção visual condicio- nado por arquétipos visuais (os mais básicos seriam os ge- ométricos compostos por linhas, formas e cores) que sen- timos algo a respeito de uma pessoa pelo simples fato de observá-la. Não há necessidade de conversar com ela para que sintamos simpatia, aversão ou uma gama de outros sentimentos e emoções45. A leitura automática de aspectos faciais, inclusive do sorriso, e sua associação a uma série de sensações pré-programadas em nossa mente (algumas universais e outras de significado pessoal), é que explica a tênue relação entre esses aspectos faciais e a construção do senso de identidade visual pessoal46. 2.3 Linguagem arquetípica O suíço Carl Jung foi um dos grandes nomes da pisquiatria do século 20. E mais que um psiquiatra, Jung foi um grande pensador. A originalidade e criatividade de suas ideias se rela- cionam à maneira de pensar e ao comportamento de todos os seres humanos. O “pai” da Psicologia analítica encontrou o elo entre a razão ocidental e o misticismo e simbolismo das culturas orientais primitivas. Sua teoria psicológica fora profundamente influenciada por pensadores como Nietzs- che, Schopenhauer, Kant e Goethe, entre outros. Entre suas principais ideias algumas são especialmente relevantes ao visagismo, entre elas seu conceito de inconsciente coletivo, o simbolismo dos arquétipos, assim como suas definições so- bre persona, sombra, anima e animus. 2.3.1 Inconsciente coletivo Para Jung, o inconsciente seria composto por duas ca- madas, uma pessoal e outra coletiva, sendo o inconscien- te pessoal composto por conteúdos individuais exclusivos, adquiridos pela vivência de cada um em sua interação com o ambiente cultural, educacional e suas experiências de vida cotidiana47-48. Já o componente coletivo seria a camada mais profunda da psiquê compartilhada por todos os seres humanos, onde estariam os arquétipos ou imagens primordiais, condicionado- res de traços comportamentais pré-programados (ou instin- tos) relacionados a situações de sobrevivência e reprodução. Sobre o inconsciente Jung disse: “as camadas mais pro- fundas da psiquê perdem sua singularidade individual à medi- da que mergulham na escuridão. Nos níveis mais baixos, isto é, quando se aproximam dos sistemas funcionais autônomos, tornam-se cada vez mais coletivas até que se universalizam48”. 2.3.2 Arquétipos Jung desenvolveu profunda pesquisa sobre diversas cul- turas e civilizações e percebeu que a interpretação de deter- minados símbolos era comum a várias dessas culturas que existiram em tempos e locais distintos e não tiveram nenhu- ma relação entre si. Chamou a esses símbolos de símbolos arquetípicos ou arquétipos48. Com a publicação de O Homem e seus Símbolos, em 1968, Jung estabelecia os parâmetros da linguagem arque- típica. Afirmou que esses símbolos faziam parte do conteú- do inconsciente do ser humano e que surgiam na consciên- cia independente da vontade do indivíduo, causando reações sentimentais e emocionais. Segundo ele, a compreensão do conteúdo dos arquétipos seria fundamental para a interpre- tação da linguagem dos sonhos49. Há dois tipos de arquétipos: os que se encontram grava- dos no inconsciente coletivo (camadas mais profundas da psi- quê) e despertam emoções e sensações em todos os seres humanos da mesma maneira. Estão relacionados aos proces- sos ligados a sobrevivência e reprodução e são conhecidos como arquétipos coletivos. Há também os arquétipos pesso- ais, que estariam gravados no inconsciente pessoal (camadas mais superficiais da psiquê) e seriam fortemente influenciados Ilu str aç ão : E de r M ax Carl Jung Capítulo 2 Alfabetização visual por experiências pessoais e influências culturais e ambientais. Influenciado pela obra de Jung, Hallawell procurou demons- trar como imagens despertavam emoções específicas e porque artistas usaram, ao longo dos tempos, de maneira consciente ou intuitiva, elementos visuais de significado coletivo (símbolos geométricos) na estrutura de suas obras de forma a despertar emoções e sensações em seus observadores45. O objetivo do visagismo será o estudo de arquétipos visuais coletivos ou mais especificamente o seu uso no universo das artes visuais45-46. Os arquétipos visuais coletivos fundamentais seriam as linhas e cores primárias ou pigmentos puros. Essas linhas se organizam de maneira a constituirem formas bási- cas que têm sua expressão a partir da somatória dos valores emocionais individuais de suas linhas constituintes. Da mesma forma as cores se unem para a formação de cores secundá- rias e terciárias e lhe conferem significado. Segundo Piet Mondrian as formas puras seriam “a ex- pressão da realidade pura, livre de qualquer condicionamen- to a ideias e sentimentos subjetivos”. O significado de uma forma estaria implícito nas linhas de sua composição48. 2.3.3 Persona e sombra A palavra persona tem sua origem na Grécia antiga. O termo era usado para designar as máscaras usadas pelos atores do antigo teatro grego. Na teoria jungana representa a maneira como nos apresentamos ao convívio social. Signi- fica a forma como queremos ser percebidos pelas pessoas com quem nos comunicamos. Seu objetivo é de facilitar a aceitação social e o convívio em sociedade, de acordo com os papéis que ela exige. Um determinado indivíduo pode apresentar várias personas de acordo com o ambiente em que vive e suas exigências. Pode representar o papel de dentista em seu consultório, de pai, irmão, filho, amigo, ma- rido e outras possibilidades ligadas a situações de convívio social. A persona tende a facilitar o convívio por transmitir certa segurança ao indivíduo, impedindo que o mesmo se exponha demasiadamente. Pode se tornar negativa quando o indivíduo se prende a ela e permanece distanciado de sua natureza, ocorrendo aí muitos problemas de ordem psico- lógica. Sua compreensão e uso interessam ao visagismo, pois na transformação da imagem, a equipe pode reforçar a persona ou contrabalanceá-la, trazendo para a imagem pessoal aspectos da identidade46. No caso de intervenções de imagens mutáveis, como cortes de cabelo, maquiagem, roupas e acessórios, pode-se reforçá-la de acordo com as necessidades momentâneas individuais pelo uso dos elementos visuais adequados, mas em intervenções permanentes, como no caso da Odonto- logia, deve-se analisar a vontade de expressão do paciente com cuidado para não evidenciar aspectos que não tenham a ver com sua identidade, pois com o tempo, aquela nova imagem criada passará a influenciar o indivíduo em seu comportamento, inclusive em seu senso de identidade de maneira não controlada. Por esse motivo é tão importante Visagismo - a arte de personalizar o desenho do sorriso • 33 Fo to : I sto ck ph ot os Capítulo 2 Alfabetização visual 34 • Visagismo - a arte de personalizar o desenho do sorriso a investigação prévia das razões e necessidades apresenta- das pelos pacientes e orientá-los quanto às consequências da execução de sua vontade de expressão. Entende-se
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