Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
1 HARMONIZAÇÃO FACIAL, VISAGISMO E NEUROESTÉTICA 1 Sumário FACULESTE ............................................................................................ 2 INTRODUÇÃO ......................................................................................... 3 TOXINA BOTULINICA ............................................................................. 3 BICHECTOMIA ........................................................................................ 6 ÁCIDO HIALURÔNICO ............................................................................ 8 POLIMETILMETACRILATO (PMMA)..................................................... 10 OS PRINCÍPIOS DO VISAGISMO: IDENTIDADE E ADEQUAÇÃO ...... 13 HISTÓRIA DO VISAGISMO E SUAS CONTRIBUIÇÕES PARA A ESTÉTICA FACIAL .......................................................................................... 16 COMO ATUAM OS PROFISSIONAIS DE VISAGISMO ........................ 24 ABSTRAÇÃO E IDEALIZAÇÃO ............................................................. 30 ABORDAGENS NEUROCIENTÍFICAS DA PERCEPÇÃO DA OBRA DE ARTE ................................................................................................................ 36 REFERÊNCIAS ..................................................................................... 44 2 FACULESTE A história do Instituto FACULESTE, inicia com a realização do sonho de um grupo de empresários, em atender à crescente demanda de alunos para cursos de Graduação e Pós-Graduação. Com isso foi criado a FACULESTE, como entidade oferecendo serviços educacionais em nível superior. A FACULESTE tem por objetivo formar diplomados nas diferentes áreas de conhecimento, aptos para a inserção em setores profissionais e para a participação no desenvolvimento da sociedade brasileira, e colaborar na sua formação contínua. Além de promover a divulgação de conhecimentos culturais, científicos e técnicos que constituem patrimônio da humanidade e comunicar o saber através do ensino, de publicação ou outras normas de comunicação. A nossa missão é oferecer qualidade em conhecimento e cultura de forma confiável e eficiente para que o aluno tenha oportunidade de construir uma base profissional e ética. Dessa forma, conquistando o espaço de uma das instituições modelo no país na oferta de cursos, primando sempre pela inovação tecnológica, excelência no atendimento e valor do serviço oferecido. 3 INTRODUÇÃO A Harmonização Facial é um conjunto de procedimentos estéticos que tem por objetivo harmonizar os dentes esteticamente e funcionalmente com a boca e a com a face. É um tratamento multidisciplinar integrando o trabalho do Cirurgião Dentista com Dermatologista e com o Cirurgião Plástico (ROVIDA; GARBIN, 2013). O grande número de profissionais que divulgam seus trabalhos nos mais variados meios de comunicação inclusive em redes sociais, que utilizam o impacto que um sorriso bonito tem na vida dos indivíduos. A aplicação de toxinas e preenchedores têm indicações, além de estéticas, funcionais, sendo coadjuvantes nos tratamentos. Pode-se atuar em bruxismo, distonias, volume facial, envelhecimento da face, etc. (COELHO, 2015). Nesse aspecto, cabe ao cirurgião dentista ter bom senso e entendimento das necessidades e expectativas dos pacientes, sem renegar a importância do tratamento multidisciplinar e a eventual necessidade da indicação de outros profissionais ao paciente (VON-HELD et al., 2016). Como em toda obra que se objetiva uma harmonização estética, onde tudo se começa pela parte estrutural, na harmonização orofacial não é diferente. Deve-se primeiramente estabelecer o correto posicionamento dos dentes para a partir de aí trabalharmos toda a parte estética dental e facial. Uma vez que o posicionamento dentário interfere diretamente em todo o contexto estético funcional (BARBOSA; BARBOSA, 2017). A área de atuação do cirurgião-dentista abrange desde o osso hioide, até o limite do ponto násio (ossos próprios de nariz) e anteriormente ao tragus, abrangendo estruturas anexas e afins. Para os casos de procedimentos não cirúrgicos, de finalidade estética de harmonização facial em sua amplitude, inclui-se também o terço superior da face (RIOS, 2017). TOXINA BOTULINICA A toxina botulínica (TxBo) ou neurotoxina botulínica, é um recurso relativamente novo na Odontologia, e merece atenção especial para que se 4 possa conhecer suas aplicações clínicas e limitações, mesmo sendo bastante conhecida na área médica. É uma das mais potentes toxinas biológicas estudadas até hoje. Já foi utilizada e temida como arma biológica e pode ser letal até mesmo em doses baixas. Entretanto, essa concepção mudou drasticamente nas últimas décadas do século passado, e hoje é utilizada com sucesso como um agente terapêutico em milhões de pessoas por todo o mundo (HOQUE; MCANDREW, 2009). A utilização terapêutica da toxina botulínica foi primeiramente estudada por Scott e colaboradores em 1973, em primatas. No final da década de 1970 a toxina foi introduzida como um agente terapêutico para o tratamento do estrabismo. Desde então suas aplicações terapêuticas têm se ampliado em diferentes campos (MAJID, 2010). A toxina botulínica é produzida pela bactéria Clostridium botulinum. Há sete formas distintas de neurotoxina, que vão desde o tipo A a G, com o tipo A (BTX-A), sendo os mais comumente utilizados por razões terapêuticas. "Botox" (Allergan, Inc, USA) é o nome comercial da toxina botulínica do tipo A primeiramente aprovada para uso cosmético e terapêutico, sendo o mais amplamente divulgado muitas vezes é aplicado como sinônimo do procedimento (CARVALHO et al., 2012). Os 7 tipos de toxina possuem toxicidades específicas, diferentes tempos de persistência nas células nervosas e diferentes potenciais, entretanto todos os sorotipos de BTX, fundamentalmente atuam inibindo a liberação de acetilcolina. Os efeitos clínicos podem ocorrer em um período de 1 a 7 dias após a administração, sendo comumente notados entre 1 a 3 dias. Segue-se um período (entre 1 a 2 semanas) de efeito máximo e então os níveis atingem um patamar moderado até a recuperação completa do nervo em um período entre 3 a 6 meses (COELHO, 2015). Injeções de toxina botulínica são efetivas para diversas desordens clínicas que envolvam atividade muscular involuntária ou aumento do tônus muscular. Estudos recentes sugerem ainda que a toxina botulínica também desempenha um papel no alívio de dor pela inibição da liberação de CGRP e da substância P, neuropeptídeos associados ao mecanismo de sensação dolorosa. Além disso, quando aplicada em tecidos glandulares, atua no bloqueio da liberação de secreções (VON-HELD et al., 2016). Nesse sentido a BTX apresenta um potencial de emprego na área de atuação do cirurgião- 5 dentista, como em casos de bruxismo, hipertrofia do masseter, disfunções têmporo-mandibulares, sialorréia, assimetria de sorriso, exposição gengival acentuada e, mais recentemente tem sido descrita a utilização profilática para a redução da força muscular dos músculos masseter e temporal em alguns casos de implantodontia de carga imediata (RIOS, 2017). Por possuir conhecimento sobre as estruturas de cabeça e pescoço cirurgião-dentista pode tratar certas afecções da face e da cavidade oral de forma conservadora e segura com a aplicação da toxina botulínica, desde que possua treinamento específico e conhecimento sobre sua utilização e não extrapole suas funções. Ressalta-se ainda que as toxinas botulínicas são o agente causal da doença botulismo, um tipo de envenenamento potencialmente fatal, devendo sempre ser utilizadas por profissionais capacitados (BARBOSA; BARBOSA, 2017). Fios de sustentação amplamente utilizados na Europa, Ásia e EUA, o fio de sustentação tem comoprincipal diferencial, a capacidade de ancoragem, tração, de seu fio reabsorvível, feito à base de PDO (polidioxanona). A tecnologia de fabricação e design dos fios garante um procedimento minimamente invasivo, de efeito imediato, extremamente eficaz e mais duradouro, quando comparado a alternativas disponíveis no mercado (ZANATTI, 2015). Além do resultado imediato, os fios induzem a formação de colágeno pelo organismo, constituindo então uma forma de tratamento também em longo prazo, possibilitando não somente o lifting facial, mas tratando também a flacidez, os sulcos e rugas. O tempo de duração do resultado depende muito do grau de flacidez, do tipo de fio e da combinação com outros tratamentos concomitantemente. Em geral, o resultado do lifting pode ser notado até cerca de dois anos e meio depois da aplicação. O que garante o efeito de lifting não é o fio propriamente dito, e sim a formação de uma rede de colágeno, que é formada sobre o músculo e abaixo da pele tratada, sendo a principal responsável pela sustentação da pele. Assim, com o passar do tempo, pode-se optar por colocar outros fios, em localizações diferentes na face, conforme a necessidade (VALADÃO, 2016). A anestesia é local e o procedimento é feito em consultório, com duração média em torno de 30 a 45 minutos, e basicamente o que o cirurgião dentista faz é reposicionar a pele, através da suspensão da musculatura, e cada fio é colocado com uma microcânula, com foco, é claro, nos pontos que precisam de maior definição. 6 Além do Rejuvenescimento Facial, é possível corrigir o sorriso assimétrico, e rugas decorrentes até mesmo do Bruxismo (BARBOSA; BARBOSA, 2017). O surgimento desta técnica faz com que a odontologia estética entre em uma nova fase, trazendo um novo enfoque, uma abordagem moderna, investindo sempre na melhoria da estética orofacial. Ainda é um assunto que gera uma curiosidade, mas que tem surgido com muitas vantagens para ajudar os pacientes a rejuvenescer de uma forma pouco invasiva e com um resultado excelente (VALADÃO, 2016). BICHECTOMIA Trata-se da cirurgia que remove uma parte do corpo adiposo da bochecha, também conhecida como bola de Bichat, e tem a finalidade de criar um afilamento na superfície lateral do rosto. O procedimento consiste na retirada parcial de uma gordura do tipo sissarcose encontrada nos planos mais profundos da face, especificamente entre o músculo masseter e o músculo bucinador. Profissionais que têm habilidade e experiência em cirurgias orais menores são capacitados para realizar a bichectomia. (HAIDAR, 2013). De acordo com Ana Elisa Pawlenko, cirurgiã-dentista, essa técnica se destina àqueles que possuem muito volume na face, porém, só deve ser realizada quando for identificado que esse volume provém do corpo adiposo bucal, e não do tecido subcutâneo. Portanto, o cirurgião-dentista deve ter o conhecimento da cavidade bucal e das estruturas anatômicas anexas relacionadas ao procedimento (PAWLENKO, 2013). O planejamento cirúrgico começa com a tomografia volumétrica 3D e a avaliação das indicações precisas da necessidade do paciente, realizando uma boa anamnese e ouvindo suas expectativas. Depois, faz-se uma avaliação intrabucal seguida pela avaliação da face e da mastigação. Ressalta-se que o candidato ideal precisa apresentar ótima saúde bucal, com dentes preservados e livre de infecções ativas – o que se traduz em uma boa avaliação dentária antes da cirurgia (NUNES, 2014). O procedimento é contra indicado para pessoas dolicofaciais (que já possuem o 7 rosto afilado), com saúde geral debilitada ou pessoas mais velhas (com elastose avançada). Em rostos muito magros, a remoção da bola de Bichat leva à esqueletização da face e à desarmonização facial, ou seja, exatamente o oposto do propósito do procedimento (VALADÃO, 2016). No pós-operatório, o paciente deve manter repouso, alimentação macia, tomar as medicações prescritas, não se expor ao sol sem fotoproteção da face e manter uma higienização bucal rigorosa. O tempo de cicatrização, até a formação do tecido cicatricial, acontece em cerca de 90 dias (PUTINATTI, 2016). Putinatti (2016) ainda relata que ao contrário do que muitos pensam, o prolongamento da bola de Bichat removido na bichectomia não sustenta o tecido cutâneo – diferentemente dos depósitos superficiais da gordura da pele, que interferem diretamente nas rugas da face. A cirurgia é feita há quase 50 anos em países como os Estados Unidos, e os pacientes acompanhados há longo prazo não apresentam nenhuma variação no processo de envelhecimento facial. Como a cirurgia remove em torno de 30% do corpo adiposo da bochecha, isso não compromete futuros procedimentos odontológicos que o paciente possa precisar, já que atualmente não há nenhuma terapia funcional que necessite exclusivamente da bola de Bichat como única resolução. Existe uma técnica de fechamento de fístulas tardias do seio maxilar através de um retalho utilizando uma parte pediculada da gordura. Um profissional experiente ainda conseguiria pegar um pedaço do corpo da bola de Bichat mesmo depois de uma bichectomia bem executada. Porém, essa não é a única solução para esta rara condição, já que pudesse recorrer também à gengiva e às membranas (BARBOSA; BARBOSA, 2017). Barbosa e Barbosa (2017) explica que é importante esclarecer que a bola de Bichat tem a característica de responder lentamente ao metabolismo de ácidos graxos, ou seja, em uma variação pequena ou média de massa corporal ela permanece sempre igual. Portanto, é uma estrutura praticamente inerte em seu volume. Ao removê-la, em seu lugar, ocorrerá a formação do tecido de cicatrização. Caso a pessoa engorde, a gordura subcutânea será responsável pela mudança na face, pois o tecido de cicatrização já está no local da extração da gordura de Bichat. 8 ÁCIDO HIALURÔNICO O ácido hialurônico, também conhecido como hialuronato ou hialuronan, é um componente essencial da matriz extracelular e exerce muitos papéis importantes na formação e reparo dos tecidos (LAURENT; FRASER, 1992). O ácido hialurônico aumenta a atividade osteoblásticain vitro através do aumento da diferenciação e migração das células mesenquimais. A aplicação local também mostrou estimular a diferenciação e migração de células mesenquimais e musculares in vivo. Ele apresenta papel bastante importante na morfogênese, migração e diferenciação celulares. Muitos estudos têm indicado que a utilização de ácido hialurônico exógeno pode ser benéfica na cicatrização (SASAKI; WATANABE, 1995). O ácido hialurônico constitui o meio de tratamento mais utilizado na harmonização orofacial, pois, caracteriza-se por ser minimamente invasiva para estimular a produção de colágeno e atenuar leves desequilíbrios na mandíbula ou nos lábios, bem como para preencher determinadas áreas da face que estão diretas ou indiretamente associadas ao funcionalismo e/ou à estética odontológica (REGIS FILHO, 2004). Uma das aplicações do ácido hialurônico é a aplicação tópica, como a biomodelação labial, onde se realiza um procedimento para corrigir a perda de volume nos lábios e devolver o seu contorno a partir de aplicações do ácido hialurônico em pontos específicos do lábio inferior, superior ou em ambos. Trata-se de uma alternativa indicada especialmente para pacientes com lábios que se afinaram em decorrência da idade, da genética ou do hábito de fumar, por exemplo, (MORALES, 2012). Outra possibilidade de tratamento com injeções de ácido hialurônico é a atenuação de rugas e sulcos. Por meio da aplicação da substância com uma microcânula é possível eliminar a aparência envelhecida causada pelo famoso “bigode chinês”, marca de expressão que atinge as proximidades do nariz, chegando até o canto da boca, também chamada de “sulco nasogeniano”. Embora seja comumente provocado pelo excessode expressões faciais ao longo dos anos, o problema também pode surgir devido a características hereditárias ou pela força da gravidade sobre os tecidos da maçã do rosto. Da mesma maneira, o ácido hialurônico pode ser usado para suavizar as “rugas de marionete”, marcas que se formam entre os cantos da boca e o queixo, 9 conhecidas entre os cirurgiões-dentistas como “rugas melomental” e “rugas tipo código de barras”, aquelas que incidem de forma perpendicular aos lábios, originando um aspecto flácido na parte superior (MELO, 2014) Rovida e Garbin (2013) comentam que o ácido hialurônico pode ser utilizado em regiões além da labial, onde, levando-se em conta a denominação científica oficial, a Odontologia estuda e trata o sistema estomatognático, isto é, o sistema que abrange a cavidade bucal, os dentes, a face e o pescoço – músculos, nervos, ossos, articulações e tecidos. Assim sendo, os cirurgiões-dentistas possuem o aval para preencher determinadas áreas da face com ácido hialurônico, sobretudo aquelas que afetam estética e/ou funcionalmente o paciente. Tal aval se justifica principalmente pelo alto conhecimento anatômico do cirurgião-dentista a respeito de toda essa região ‒ conhecimento este que, associado ao seu elevado senso de estética e proporções ideais, faz com que o dentista seja um dos melhores profissionais para atuar com essa técnica. No caso do preenchimento de determinadas áreas da face com ácido hialurônico, a administração da substância tem o objetivo de promover o rejuvenescimento das regiões faciais afetadas pela perda de colágeno e hidratação, inclusive as extensões da mandíbula e queixo, que em muitos pacientes necessitam ser delineadas para recuperar os ângulos mais bonitos do rosto. Essa intervenção estética é feita somente após um estudo de características como forma, tamanho e comprimento do mento e de toda a região malar, tendo em vista que a finalidade primordial do procedimento é harmonizar os traços que compõem a face (MELO, 2014). É importante destacar que as injeções de ácido hialurônico são aplicadas depois de uma anestesia local, que torna o procedimento completamente indolor, o que é outro diferencial da aplicação em âmbito odontológico. Eventualmente, podem ocorrer leves edemas e inchaços na pós-aplicação, que geralmente desaparecem em até 24 horas. Entretanto, na maioria dos casos, o paciente poderá retornar normalmente às suas atividades de rotina, bastando realizar compressas de água fria e se medicar com analgésicos e/ou anti-inflamatórios prescritos pelo cirurgião-dentista (COELHO, 2015). 10 POLIMETILMETACRILATO (PMMA) O Polimetilmetacrilato é um polímero utilizado como preenchedor com apresentação na forma de microesferas sintéticas com diâmetro entre 40 e 60 mm veiculadas em um meio de suspensão que pode ser colágeno, aprotéico ou cristaloide. Conforme o veículo utilizado, têm-se as diversas apresentações comerciais, respectivamente Artecoll®, Metacrill® e PMMA®. As apresentações comerciais podem ser de 2%, 10% e 30%, conforme a concentração de PMMA. O produto é de caráter permanente, havendo apenas a absorção do veículo. É empregado no preenchimento de sulcos, de rugas profundas, de cicatrizes, de defeitos dérmicos, de tecidos moles e ósseos (BADIN, 2005). O polimetilmetacrilado (PMMA) foi sintetizado em 1902, mas foi em 1936 que houve sua primeira utilização com fins de saúde, no caso, a odontologia. Em 1940 o mesmo material foi manuseado para fechamento da calota craniana. A partir de então o PMMA passou a ter outras funções, de modo que há 24 anos foi descoberta sua aplicação para fins de preenchimento (PASSY, 2003). Estudos clínicos constataram que uma solução de 20% de metacrilato com partículas regulares, de 40 micras, era o suficiente para estimular 80% de tecido do próprio paciente. Este é um tecido conjuntivo rico em colágeno que promove não apenas volume, mas uma melhoria na qualidade da pele, diferentemente de outras substâncias preenchedoras, como o ácido hialurônico, que promovemos um aumento volumétrico, mas sem estímulo tecidual significativo (HANEKE, 2004). Com esta evolução e regularização das partículas, em 1994 o produto foi aprimorado nos EUA, o que diminuiu a incidência de granuloma de 3% para menos de 0,01%. Em 2006, o PMMA foi purificado por meio da retirada de nano partículas que ainda existiam, passando a ser liberado nos Estados Unidos (EUA) como primeiro e único implante líquido definitivo reconhecido pelo FDA (ALLE et al., 2008). No Brasil, entretanto, a evolução não foi tão rápida. Até 2007, dezenas de farmácias de manipulação fabricavam o produto com partículas totalmente irregulares, sem devido controle pelos órgãos competentes, sendo a manipulação sabidamente proibida (em 2007) mantendo apenas as indústrias com o controle mais rigoroso na produção e qualidade (PEREYRA, 2005). 11 Complicações resultantes dos preenchedores faciais Antes de qualquer procedimento de preenchimento facial é preciso salientar que o indivíduo deve procurar um profissional cirurgião-dentista habilitado à prática da harmonização facial (RAYESS, 2014). O preenchimento facial, sobretudo os realizados com o Ácido Hialurônico representam risco insignificante ao paciente, porém, todo procedimento de preenchimento facial necessita ser precisamente avaliado, a fim de se evitar quaisquer prejuízos à estética e à saúde do paciente (HANEKE, 2004). Por se tratar de um procedimento que não está livre de complicações, o preenchimento através do AH (ácido hialurônico) necessita de um profissional experiente para o sucesso do procedimento, pois, é comum a esses profissionais cirurgiões se depararem com reações adversas como eritema e sangramentos, ou observadas um pouco mais tarde, como a nodulação. A abordagem das complicações deve ser bem conhecida do especialista, pois, embora também possam ser decorrência de má técnica, acidentes na aplicação e variações anatômicas podem contribuir para seu aparecimento (BOWMAN; NARINS, 2005). De modo geral os preenchedores são muito seguros, e as complicações raras, os casos mais comuns são de inchaço e infecção, que se tratam de complicações benignas, sem quaisquer efeitos permanentes (REQUENA et al., 2011). Nesse estudo constatou-se que a complicação mais notificada, apesar de rara foi a cegueira. Rayess (2014) em um estudo analisou eventos adversos associados a preenchimentos relatados no banco de dados do consumidor e do fabricante da FDA, agência americana que regula alimentos e medicamentos, entre janeiro de 2014 e dezembro de 2016. Os resultados demonstraram que nesse período, foram identificados 1.748 eventos adversos envolvendo danos devido a preenchimento entre 2014 e 2016 e nove processos sobre o assunto. As complicações mais comuns foram inchaço, infecção, presença de nódulo ou caroço e dor. Muitos casos (43%) foram provenientes de injeções nas bochechas e 30% nos lábios. “O inchaço compreendeu cerca de 0,01% de todas as injeções. Casos mais graves, como cegueira, foram associados a apenas seis procedimentos, a maioria realizado no nariz, onde os preenchedores são usados para alterar a forma do nariz sem a necessidade de cirurgia. Globalmente o fenômeno também é raro (RAYESS, 2014). 12 Em relação ao uso do polimetilmetacrilato (PMMA) como preenchedor facial, independentemente da quantidade aplicada, podem ocorrer reações inflamatórias crônicas, dor crônica, infecções, formação de nódulos, enrijecimento da região, rejeição do organismo e até necrose do tecido. Mas o risco aumenta conforme a quantidade aplicada, por isso, o volume usado deve seguir o bom senso do médico especialista. Quando aplicado em grandes volumes, também, o PMMA pode se espalhar para outras regiões do corpo. Ainda existe o aspecto de que o produto é injetado em camadas profundasda pele e sua remoção total é muito difícil e complicada, o que o torna um implante definitivo (JUNKINS-HOPKINS, 2015). Para que se evite complicações é importante que o paciente no primeiro dia não abaixe a cabeça ou faça qualquer esforço. Em geral, depois do procedimento não há necessidade de cuidados extras, mas é recomendado usar analgésicos e evitar a movimentação excessiva do local. Caso a região fique um pouco inchada, é necessário aplicar compressas frias ou geladas. Também é importante não se expor a ação direta do sol e usar protetor solar com FSP acima de 30 (CARRUTHERS; CARRUTHERS, 2015). No caso da Toxina Botulínica (TB) alguns efeitos adversos e complicações também podem ser produzidos. A maioria destas adversidades como em outros tratamentos de preenchimento facial são consideradas leves e transitórias, mas causam preocupação e desconforto ao paciente (SPOSITO, 2015). É comum traumas localizados em regiões onde se aplica qualquer substância na pele, no caso da aplicação da TB os mais comuns são eritema, dor e equimose (SANTOS, 2016). O eritema é a vermelhidão da pele, devido à vasodilatação dos capilares cutâneos e o edema é o acumulo de líquido no tecido. Esses estão associados ao trauma da própria injeção e ao volume de líquido do injetado. Quando as diluições de TB são maiores, o edema tende a ser proporcionalmente maior. Essas complicações regridem de forma espontânea na primeira hora, não havendo necessidade de qualquer tratamento. Em pacientes com flacidez associada, um edema vespertino pode ocorrer, cedendo com o decorrer do dia (SPOSITO, 2016). Cefaleia e náuseas podem ser relatadas após a aplicação, mas tendem ser muito leves. Além do trauma da injeção, está relacionado ao estado de ansiedade antes e/ou durante o procedimento. Tem regressão espontânea, mas podem ser tratadas caso tragam 13 muito desconforto. Em casos raros são intensas e duram dias (MAIO, 2017). A ptose palpebral é a complicação mais temida e mais importante. Caracteriza-se por queda de 1 a 2 mm na pálpebra, obscurecendo o arco superior da íris ocorre em consequência de injeção na glabela e fronte, pela difusão da TB ou pela injeção no septo orbital, paralisando o músculo levantador da pálpebra superior. Diluições muito altas, injeções muito próximas da borda orbital, massagens ou intensa manipulação da área depois da aplicação e maior difusão das preparações de TB são fatores que aumentam a possibilidade de ocorrência dessa complicação. Os sintomas aparecem após 7 a 10 dias da aplicação e tendem a ser leves. Além da queda da pálpebra os pacientes referem dificuldade para movimentá-las e sensação de peso quando os olhos estão abertos. Essa complicação resolve-se espontaneamente em 2 a 4 semanas (DADZIE, 2017). OS PRINCÍPIOS DO VISAGISMO: IDENTIDADE E ADEQUAÇÃO A beleza e a estética através da arte Para entendermos de assuntos como beleza, visagismo e identidade, precisamos de um breve percurso histórico com olhar voltado para as diferentes concepções de ideais de beleza que vêm de registros mais antigos, desde a pré- história até o século XXI, tendo como referência a História da Arte. Temos registros existentes há 25.000 anos, que foram preservados na arte primitiva por meio de pinturas, esculturas e outras manifestações culturais. Nessa época, existia uma consciência sobre a estética entre os seres da mesma espécie. Nos desenhos, além de animais e atividades diárias, como a caça, é possível notar a figura feminina representada e cultuada como reprodutora: as mulheres de curvas volumosas eram convencionadas como belas. Por que trabalhar o belo através da arte? Porque foram os artistas, os poetas e romancistas que nos contaram, ao longo dos séculos, o que era considerado belo e nos deixaram seus exemplos. 14 A representação feminina do belo é facilmente notada, as figuras representadas aqui trazem curvas volumosas e a fertilidade é sugerida pelos seios fartos à mostra. Outro registro antigo e que nos relata padrões estéticos vem da cultura egípcia, que representa seu ideal de beleza através das esculturas e pinturas de faraós encontrados em monumentos e túmulos que revelam o ideal de beleza daquela época. Essas representações de arte não buscavam retratar só o presente, mas a eternidade, já que eles acreditavam que dessa forma estenderiam essa posteridade de beleza para o mundo espiritual. Na Grécia antiga, entre 1300 e 1600, surgiram os estudos no campo da arte, literatura e ciências, o belo, aqui idealizado, foi representado em esculturas clássicas e na arquitetura dos teatros e complexos esportivos, e aqui é fácil a percepção da grande influencia mitológica nesse contexto. Arte Renascentista Na Renascença, as musas que eram retratadas nas telas da maioria dos artistas da época tinham formas arredondadas, eram “rechonchudas” e pálidas, e esse estereótipo era de fato um indicador de vitalidade e nobreza, já que as camponesas eram queimadas pelo sol e magras por causa do trabalho do campo, uma estética contrastante com o padrão de beleza do século XVI. Dentre os principais pintores daquela época, destacamos: Michelangelo, Rafael e Leonardo da Vinci. Chegando aos tempos modernos, no final do século XIX, o movimento impressionista merece reconhecimento, tendo se desenvolvido junto à industrialização da sociedade. A principal característica foi o realismo, o olhar subjetivo da forma e sua técnica. A representação do perfeccionismo por meio das estatuetas gregas e romenas é tida como ideal estético, esse estilo de arte clássica disseminou-se em toda a Europa até o final do século. Arte Realista 15 A grande quebra de paradigmas na arte aconteceu por volta de 1910, quando ocorreu uma rejeição dos padrões clássicos, impressionistas, de beleza. Tal movimento foi batizado como Modernismo, uma tentativa de ser “moderno”, um movimento que buscava abandonar os valores estéticos antigos. Seu novo olhar não estava mais preso à forma ou à técnica, o foco nesse momento estava em representar a “sensação”, o sentimento do artista. Aqui no Brasil tal movimento foi representado pela Semana de Arte Moderna, no ano de 1922, da qual participaram diversos artistas e intelectuais, dentre eles Anita Malfatti e o escritor Oswald de Andrade, com um destaque especial para o pintor Di Cavalcanti e suas modernas mulatas. Os movimentos artísticos que surgiram no século XX, a partir da Segunda Guerra Mundial, foram classificados como arte contemporânea. Entre os mais reconhecidos estão o Cubismo, de Pablo Picasso, em que as formas cilíndricas e simétricas se misturam com uma visão distorcida da realidade; o Dadaísmo, de Marcel Duchamp, um exímio visionário que convencionou a ideia de que tudo poderia ser arte, até mesmo uma latrina; e o Surrealismo enigmático de Salvador Dali e Pollock, que disseminaram o conceito de que a arte não nasceu para ser entendida. Surrealismo Já em meados da década de 1960 e 1980, a época foi marcada pela Pop Art, inserida por Andy Warhol, e aqui começamos a entrar no viés que pretendo discorrer sobre uma reflexão da estética e dos ideais de beleza no século XXI. As grandes mudanças que podemos observar nesse período são as influências da mídia e da indústria cultural na sociedade. Andy Warhol interpretou ícones da mídia e retratou grandes artistas da época, como Elvis Presley e Marilyn Monroe, também estabeleceu um diálogo com produtos como garrafas de Coca Cola, Sopas Campbel, entre outros itens de consumo. Trouxe uma concepção da produção mecânica da arte, como a técnica da serigrafia, e disseminou a arte na moda, no cinema e nas mídias de massa. 16 A partir desse momento na história da arte, as mídias e revistas impressas exerceram forte influência sobre a disseminação de ideais de beleza nos diferentes contextos. O conceitoda aldeia global, criado na década de 1960 por Herbert Marshall McLuhan, está relacionado diretamente ao conceito de globalização e corresponde a uma nova visão do mundo possível através do desenvolvimento de tecnologia moderna de informação e comunicação e pela facilidade e rapidez dos meios em que são distribuídos. Assim, percebemos que os ideais de beleza se instalam facilmente em nosso meio devido a tanta informação que nos cerca e nos bombardeiam de imagens e padrões estereotipados de beleza. Ouvimos tanto que a beleza diferente é muito interessante, mas que beleza diferente é essa que segue os mesmos padrões estipulados pelas mídias? HISTÓRIA DO VISAGISMO E SUAS CONTRIBUIÇÕES PARA A ESTÉTICA FACIAL O que desejamos expressar com a nossa imagem? Esse é o questionamento que permeia os conceitos de Hallawell em uma de suas obras, e esse pensamento é realmente relevante quando nos deparamos com a busca nos dias atuais por padrões estéticos estipulados por muitos meios, especialmente as mídias. É exatamente em torno desse recorte, que envolve mídia, identidade e imagem pessoal, que o visagismo proposto neste material se apoia, justamente porque o rosto do indivíduo é a principal expressão da identidade, assim, se a face não estiver de acordo com a personalidade do indivíduo, essa pessoa terá problemas em se relacionar com outras pessoas ou consigo mesma. O profissional da área de embelezamento pode facilmente aliar conhecimentos de algumas técnicas de visagismo na tentativa de reconhecer a personalidade de cada indivíduo, desvendando assim algumas inquietações de seus clientes em relação à sua imagem pessoal. A palavra visagisme, derivada de visage, significa, em francês, rosto. Foi usada por Fernand Aubry, em 1937, com o intuito de criar uma imagem personalizada, seguindo conceitos do 17 visagismo, que existe há séculos e nos mostra que todo estilo é uma manifestação individual e personalizada. O profissional da área de embelezamento com conhecimentos e conceitos voltados para as técnicas de visagismo deve reconhecer que o estilo, a personalidade, as crenças, a cultura e principalmente o contexto em que os indivíduos estão inseridos estabelecem fortes influências para a construção da imagem adequada. Podemos observar na história exemplos de pessoas como Maria Antonieta e Cleópatra, que cultivavam um estilo próprio, entretanto, naquele momento da história, respeitar um estilo significava pertencer a alguma classe que impusesse princípios e valores, e isso era atribuído a grupos, e não individualmente. Tanto nas culturas ocidentais como nas orientais, o estilo de cada pessoa era uniforme e estabelecido de acordo com as elites existentes. No século XX, essas elites culturais se diferenciavam por seus estilos, principalmente pelas elites de poder. Um exemplo das diferenças de estilos, observado e reconhecido por Fernand Aubry, era que um artista com valores e visões de um mundo materialista não poderia ter uma imagem sequer parecida com um integrante de uma elite centralizadora, conservadora e cristã. Contudo, Aubry, entendendo essas necessidades, criou a ideia de uma imagem despadronizada. Isso aconteceu depois da Primeira Guerra Mundial, e quando essa ideia foi disseminada, as pessoas começaram a entender que poderiam se desvencilhar dos padrões estéticos parecidos entre si. Seguir regras e padrões não permite que a criatividade seja estimulada e isso vai na contramão dos conceitos Para personalizar características individuais de cada pessoa, é necessário um enfoque estético, que ajuste cabelo, maquiagem, traços físicos, entre outras características do rosto, e aos poucos, a sociedade se abria para a expressão individual, principalmente na década de 1960, em Londres, com o trabalho de um cabelereiro que também teve grandes contribuições para o visagismo, Vidal Sassoon. Cada vez mais se contestava a imposição da beleza idealizada e se falava muito em expressar a beleza interior do indivíduo, porém, 18 nunca foi possível aplicar esse conceito totalmente, porque faltavam informações essenciais, principalmente sobre linguagem visual. Fernand Aubry não deixou suas contribuições e descobrimentos registrados para a história do visagismo, porém, cada vez mais era constatado que a beleza ideal e padronizada não existia, e a aplicação de se apropriar da beleza interior também discutia a beleza interior de cada indivíduo. Porém, não era possível aplicar esses conceitos já que não existiam livros e materiais suficientes para o profissional da beleza. Foi quando Philip Hallawell, reconhecendo essas necessidades, contribuiu para essa área de conhecimento com livros, artigos e pesquisas que, além de facilitar o trabalho de muitos profissionais da área do embelezamento, também trouxe aprimoramento, principalmente sobre a linguagem visual. Sendo Hallawell o principal escritor que discorre sobre esse assunto no Brasil, sua literatura se faz importante para os profissionais da área de embelezamento, principalmente para os que estiverem pautados na construção da beleza do rosto individualizada do visagismo, que é exatamente despadronizar e adaptar imagens personalizadas de acordo com cada indivíduo distinto. O visagismo é a arte de criar uma imagem personalizada, abrange muitas áreas do conhecimento: estética, artes visuais, geometria, física óptica, matemática, psicologia, antropologia e sociologia. Analisar o cliente é importante, porque o profissional de beleza precisa saber reconhecer com que tipo de pessoa vai trabalhar. Ele precisa também ter consciência de como sua criação, no cabelo ou na maquilagem afetará o estado psicológico e emocional e o comportamento desse cliente. Outros nomes também tiveram relevância para o visagismo. Robert Dorr criou o Color Key System, que mudou a indústria cosmética por mostrar que as tonalidades de pele poderiam ser classificadas como quentes ou frias. Suzanne Caygill (1911-1994) também teve grande influência para conceitos do visagismo e colaborou com uma pesquisa aprofundada sobre cores de pele, identificando, na década de 1940, 32 tipos de tonalidades diferentes, e contribuiu ainda com a criação da Suzanne Caygill Academy of Color e escreveu Color: The Essence of You (Celestial Arts: Millbrae USA, 1980), infelizmente não catalogado. 19 Para simplificar essa pesquisa e identificar o tipo de cada pele, desde então, elas estão classificadas em quatro estações: primavera, verão, outono e inverno. Isso é explicado no livro de Berenice Kentner, Color Me A Season. Outro autor que tornou público o conceito do visagismo nos últimos anos foi Claude Juillard, coautor do livro Formes et Couleurs (Solar: Paris, 1999), com Brigitte Gautier. Ele foi o principal responsável por manter vivos alguns conceitos do visagismo, e também por criar o método que se baseia na análise da linguagem corporal e comportamental e nas características físicas. Entretanto o visagismo se restringe especialmente a formatos de rostos, olhos, tons de pele e formatos de sobrancelhas, já a análise da personalidade é mais intuitiva que qualquer outra coisa e, por consequência, a tendência à padronização é muito grande. Philip Hallawell criou uma técnica associada a quatro áreas de estudo científico: linguagem visual, psicologia, ciência e antropologia. Em se tratando da psicologia, no conceito do visagismo, ela engloba a teoria de símbolos de arquétipos, do psicólogo Carl Jung, estudos sobre identidade, personalidade e temperamento. Quem trabalha com imagem pessoal entende que seu trabalho está diretamente ligado à psicologia e aqui se enquadram todos os profissionais do embelezamento: cabelereiros, esteticistas, maquiadores, cirurgiões plásticos, consultores de imagem, personal stylists, entre outros. Por isso, é preciso toda cautela quando falamos sobre“diagnósticos” relacionados à imagem de um indivíduo, esse parecer pode afetar psicologicamente – positiva ou negativamente – o indivíduo. Por isso, o trabalho de um visagista ou de um profissional que trabalha com esses conceitos, mesmo que superficialmente, precisa ser conciso e organizado, para que o resultado traga benefícios a seus clientes. De acordo com a psicanálise, a imagem que temos do nosso corpo estabelece nossa identidade sexual, mas o que tem maior peso na elaboração da nossa identidade é a imagem do nosso rosto. Enquanto crianças, não criamos nossa própria imagem, e sim nossas mães, que com seus gostos, valores, estilos, entre outros, determinam nossas roupas, nosso corte de cabelo e as cores que usamos, tudo de acordo com suas preferências pessoais. 20 É só a partir da adolescência que o indivíduo consegue se impor e então decidir coisas básicas do cotidiano, como a roupa que pretende usar, a cor e o corte do cabelo, a cor da maquiagem, entre outros. Porém, essas escolhas são ainda muito influenciadas por fatores externos, como: padrões e ideais estabelecidos pelo meio em que o indivíduo está inserido. Na fase adulta, a imagem chega, finalmente, ao que somos, entretanto, existem pessoas que se olham no espelho e não reconhecem sua verdadeira essência, portanto, sua identidade não está completamente em sintonia com seu interior, ora por apresentar mais características negativas que positivas, ora por não saberem o que desejam expressar com suas próprias imagens, parecendo assim caricaturas de si mesmas. É por isso que o rosto é ao mesmo tempo uma identidade e uma máscara. Essa máscara será saudável se funcionar como uma proteção ou escudo. Não se escancarando ao mundo, a pessoa se defende da vulnerabilidade. Mas esconder a essência do seu ser pode provocar varias crises de identidade. (HALLAWELL, 2009, p. 30) Segundo Hallawell, o grande paradigma que o profissional de beleza enfrenta refere-se à palavra desenho, o autor refere-se ao “desenho” com o sentido de desígnio, que significa intenção. Com isso, o profissional de visagismo deve entender que a linguagem visual é o conjunto de símbolos e signos que representam e expressam sensações, emoções, conceitos e intenções. Os maquiadores são como pintores de telas, pois trabalham com as possibilidades de colorir, ressaltar, disfarçar e deixar bela aquela moldura/face que representa o indivíduo. No caso do cabelereiro acontece a mesma coisa, porém, com a tesoura ele esculpe o formato do rosto, deixando os traços mais harmônicos e esteticamente coerentes com a personalidade de cada cliente/indivíduo. Dentro dos conceitos do visagismo é importante ressaltar que a leitura da personalidade do indivíduo não se dá somente através das características do rosto, pelos traços da face, esse é apenas um dos passos do processo que envolve vários outros na análise, cujo objetivo principal é dar ao indivíduo uma imagem personalizada. Mais uma vez, precisamos estabelecer uma conexão com a antiguidade e entender como os temperamentos eram estudados nas 21 culturas chinesa, hindu e grega, para a qual Hipócrates teve relevante contribuição. Na cultura chinesa os temperamentos são cinco e têm nomes de elementos, água, fogo, terra, madeira e metal. Hipócrates, considerado o pai da medicina ocidental, um pesquisador grego do século IV a.C., chamou os temperamentos de colérico, melancólico, sanguíneo e fleumático. Já os hindus classificaram apenas três os temperamentos, são eles: vata, pita e kappa. A medicina holística, que é conhecida também como medicina do ser, era aplicada em muitas culturas da antiguidade. Os médicos tratavam todas as pessoas com igualdade de diagnósticos e viam as doenças como desequilíbrios, entendendo assim que todas as pessoas deviam abandonar velhos hábitos, comportamentos e atitudes para alcançarem êxito nos tratamentos, pois eles consideravam que os desequilíbrios tinham origem nas emoções do indivíduo. Vamos entender, a partir de agora, como nós, enquanto profissionais da área de embelezamento, podemos identificar por meio das características do rosto do indivíduo parte de sua identidade. As características do nosso rosto representam nossa identidade, mas o que define parte da nossa personalidade é a cor do cabelo, o formato da sobrancelha e o corte de cabelo, e geralmente essas características são diferentes da nossa imagem original, aquela que temos de cabelo molhado, para trás e sem maquiagem. Porém nos enxergamos exatamente como estamos no momento e essa imagem define nossa identidade. Seu rosto é você – para você mesmo e para os outros. Reconhecemos as pessoas principalmente pelo rosto. As outras características, como o andar, os gestos ou a fala, são muito menos importantes no reconhecimento de um indivíduo. (HALLAWELL, 2009, p. 37) O equilíbrio entre a imagem do próprio rosto e a imagem interna que a pessoa tem de si mesma é essencial para sua saúde mental, emocional e física, elevando sua autoestima e autoconfiança. (HALLAWELL, 2009, p. 38) 22 Os princípios do visagismo, além de harmonizar todas as características que temos no rosto, também precisam representar o que sentimos interiormente, é por isso que o profissional que se apoia em conceitos do visagismo não pode, por exemplo, fazer um corte de cabelo extravagante ou usar uma coloração muito moderna se seu cliente tiver uma personalidade introvertida: a imagem representada será equivocada e poderá trazer transtornos para esse indivíduo. O visagista precisa se apropriar da linguagem visual e usar suas técnicas (maquiagem, cabelo, sobrancelha) para transformar a intenção do cliente na imagem compatível ao que se deseja. Para chegar ao momento de encontro do “eu interior” com o “eu exterior”, é necessário que o profissional respeite os gostos, valores e estilo do seu cliente, para que não ocorra um estado de crise de identidade, podendo causar problemas para a imagem do indivíduo. Esse conflito de imagem é muito recorrente em reality shows nos quais mudam o estilo das pessoas para melhorar sua aparência sem respeitar os gostos de cada um. Isso pode desencadear problemas psicológicos e ainda, o que é comum, depois de certo período de tempo, o indivíduo faz o “caminho de volta” ao seu estilo e características iniciais. Alguns profissionais do visagismo não têm consciência de que a mudança na imagem pessoal do indivíduo pode ter efeitos influentes no comportamento emocional e psicológico da pessoa. Isso pode ser notado também na infância, quando algumas mães, por causa de valores culturais e emocionais, refletem em seus filhos tais comportamentos; a criança pode ser tímida e a mãe projetar nela seus anseios, podendo assim frustrá-la. Outro fator influente acerca da imagem dos indivíduos é a mídia, e os indivíduos que ainda não tiveram um encontro com sua verdadeira personalidade, podem se equivocar quando, por exemplo, decidem copiar o corte ou a cor de cabelo de uma personalidade de filme ou novela, sem entender ou respeitar tantos fatores que podem fazer com que esse mesmo indivíduo perca suas referências ao optarem por mudanças drásticas sem consultas aprofundadas de tonalidades de pele e características do rosto. Isso pode fazer com que os clientes percam suas referências individuais. 23 Até meados de 1960 era comum pessoas se vestirem igual, terem o mesmo corte de cabelo, a mesma maquiagem, ditados pela sociedade ou de acordo com a moda da época, fazendo com que todos parecessem estar uniformizados. O que acontece hoje é que cada indivíduo se identifica com determinadas “tribos urbanas” e se caracteriza de forma parecida, porém, menos padronizados. As pessoas procuram se diferenciar com tatuagens personalizadas e no modo de se vestir, mas ignoram que é o rosto e o cabelo que estabelecem o estilo. Porisso continuam uniformizadas. (HALLAWELL, 2009, p. 46) De acordo com Vigarello, “A beleza é algo que chama a atenção do homem desde o início dos tempos”, seja na literatura, na pintura, na arte ou no próprio homem. Os pintores famosos procuravam modelos que lhes eram belas para pintarem. “É nos ateliês que se acumulam, desde o fim do século XV, retratos de mulheres escolhidas menos por seu prestígio ou seu estatuto social do que por sua beleza.” Foi a partir do século XIX que surgiu uma nova classe, não menos abastada, que acreditava que merecia os mesmos poderes e direitos da nobreza, e por isso copiou o estilo e o padrão dos nobres, visando principalmente à ascensão social. O que acontecia na Europa quando a nobreza criou um estilo próprio, reconhecido em qualquer país, fazia com que seus membros fossem identificados com facilidade, pois expressavam valores e princípios da classe (nobreza): refinamento, cultura e sofisticação. Isso tudo era percebido através dos modelos e tecidos das roupas, dos penteados e da cultura do indivíduo, sinalizando que a pessoa tinha dinheiro. Porém, segundo Hallawell, valores, princípios e estilo não se compram. Na antiguidade, para ter um estilo era necessário conteúdo, algo que muitos dos burgueses não entendiam. Os burgueses confundiam beleza e estilo com luxo e ostentação. Estes sim eram possíveis de adquirir com dinheiro, porém, não proporcionavam estilo. Entretanto, o poder exclusivo desapareceu da classe nobre e com isso o estilo perdeu seu requinte e deu lugar à particularidade. O que acontece nos dias atuais é que muitas pessoas confundem luxo com estilo, o que vale mesmo é a atitude do indivíduo, dar espaço a valores 24 pessoais e saber como transmitir isso a um estilo próprio, despadronizado e, principalmente, desvinculado de dinheiro, luxo e ostentação. O estilo próprio está dentro de você mesmo, nos seus valores pessoais, culturais, você precisa encontrá-lo, olhar para si e compreendê-lo. COMO ATUAM OS PROFISSIONAIS DE VISAGISMO A busca pela beleza e o desejo de ser jovem para sempre, ou pelo menos retardar a velhice, é tão comum nos dias atuais como era em outras épocas. Desde os egípcios a beleza era fundamental e extremamente cobiçada. Entretanto, atualmente, por causa da forte influência das mídias que predeterminam os padrões da beleza contemporânea, isso acarreta muitas vezes na perda da identidade por conta da apropriação da imagem que é vendida pelos meios de comunicação em massa. O mercado de produtos ligados à estética e beleza é promissor, e por isso existem todos os dias descobertas que promovem a juventude prolongada, e levam muitos indivíduos a terem uma beleza estereotipada. Na moda, a cada temporada existem tendências que levam o consumidor a querer inovar seus armários, usando peças que estão em alta naquela estação. Na área de embelezamento, não é muito diferente, podendo se distinguir apenas pelo espaço de tempo em que surgem novas propostas. Como pudemos observar na pré-história, por exemplo, segundo esculturas e pinturas nas paredes de cavernas, o ideal de beleza eram mulheres mais “robustas”, hoje em dia é preservada a mulher com muitas curvas, corpos malhados e definidos e/ou magros. E assim os ideais de beleza são construídos e impostos por mídias, redes sociais e outros meios. Isso acontece com cortes de cabelo, cores, 25 comprimentos, cores de sombras, batom, esmaltes e composições de ultima geração de cremes para corpo, rosto, cabelo, entre outros. Hoje a beleza natural é quase extinta, uma pessoa que nunca tenha feito nada para aperfeiçoar sua aparência pode ser vista com estranhamento, e, por isso, o indivíduo busca cada vez mais opções para aperfeiçoar sua aparência, ou pelo menos tentar uma melhora. E é assim que o visagista pode desenvolver seu trabalho. Os padrões de beleza impostos nos dias atuais são considerados ideais para os indivíduos se sentirem inseridos na sociedade em que vivem, conseguindo, além de aceitação, sucesso profissional, social e também psicológico. Entender o papel do visagista é fundamental para que o profissional da área de embelezamento aplique alguns conceitos voltados para indivíduos distintos e direcione algumas decisões que se enquadram em diferentes características. Muitas informações, fatores externos e estereótipos de beleza têm influenciado as pessoas de forma errada, e aqui uma opinião profissional pode colaborar para boas escolhas. Os conceitos do visagismo buscam revelar aos indivíduos características que devem ser expressadas, aceitação do seu melhor e reconhecimento do que não é tão relevante assim. E para tanto é preciso que o indivíduo se liberte das imposições, midiáticas, sociais e do sistema, trazendo à tona o verdadeiro eu de cada um, libertando sua verdadeira essência. O visagista, com sua criatividade e seu conhecimento, pode então ajudar seu cliente a reconhecer seu potencial, suas características internas positivas e também negativas. Customizando assim essa imagem, resgatando a importância de se encontrar, para o indivíduo estabelecer assim sua identidade verdadeira. Alguns elementos inseridos nos conceitos do visagismo permitem ao profissional do embelezamento avaliar o compromisso de elaborar uma estética coerente ao “eu” de cada cliente, rompendo os padrões que dizem que o profissional dessa área atua apenas com uma visão superficial e dentro de padrões estabelecidos por fatores externos. É normal percebermos as expressões faciais mais comuns, como tristeza, alegria, dor, prazer, raiva, surpresa, admiração, entre outras. Para entender 26 essas expressões não é preciso estudo, somente atenção, todavia, para entender outras expressões é preciso fazer uma leitura mais aprofundada de traços do rosto, formatos e feições. O visagista é o mediador entre a beleza natural e os meios técnicos que conseguem aperfeiçoá-la, para tanto os profissionais dessa área devem aplicar de uma forma precisa e funcional aspectos que enriqueçam a beleza natural do indivíduo. É primordial que, além das mudanças na aparência do rosto do indivíduo, o profissional conheça os anseios de seus clientes, valores, profissão e o que se pretende com tais mudanças. Assim todas as mudanças sugeridas terão propriedade e consciência dos impactos positivos e negativos que o indivíduo enfrentará. O que agrada, de maneira geral, é ver a harmonia dos contornos, mas muitas vezes uma forma desarmoniosa toma conta da imagem física. Em contrapartida, existe algo além da exterioridade, o que faz com que uma pessoa seja bela ou não, exprimindo a sua essência. “Estamos falando do que cada ser emana" e “irradia" a cada instante da vida. E sendo tão poderoso, ou mais, que as formas geométricas. (MARTINEZ, 1997, p. 24) O trabalho do visagista envolve análises físicas, psicológicas e comportamentais. Além de precisar conhecer todos os trabalhos realizados pelo seu cliente, o que gosta de fazer nas horas de lazer, seus hábitos, enfim, todas as suas particularidades. No primeiro momento é necessária uma releitura física do cliente, seu jeito de olhar, de sorrir, o modo de falar, os gestos, as proporções faciais e os tons de pele. Com o tempo o profissional fará essa análise em poucos minutos, e a pessoa não precisa saber o que exatamente está sendo analisado, para que continue agindo com naturalidade. Depois dessas análises, é preciso que o cliente prenda seus cabelos, para que todos os detalhes do rosto sejam observados de forma clara, converse bastante com a pessoa para que detalhes faciais sejam revelados de forma clara através dos trejeitos que o cliente expressa, assim as conclusões já começam se formar mais claramente. O conhecimento dos tons de pele é mais específico e precisa de aperfeiçoamento, leitura e pesquisas, e para essa observação é necessário27 prestar atenção no ambiente em que se faz o estudo, que deve estar bem iluminado com luz natural. Em seguida, o profissional de visagismo deve analisar o temperamento do indivíduo. Essa análise auxilia a pessoa a encontrar um parâmetro para expressar o que deseja. O visagista ajuda nesse encontro de conscientização da imagem com o que realmente se pretende transmitir. É muito comum acontecer de alguém querer se parecer com celebridades, personalidades, atores, apresentadores, entre outros, seja imitando a maquiagem ou a cor e o corte de cabelo. O cuidado nessa hora deve ser redobrado, já que é preciso analisar todas as características internas e externas para saber se essas mudanças são condizentes com o comportamento e a aparência dessa pessoa. O que o visagista pode aproveitar das referências que o cliente apresenta na hora de uma consultoria são as possíveis características que este admira em outras pessoas, por exemplo. Uma pessoa que se apoiou numa imagem bela por uma vida inteira pode ter dificuldades em expressar o que sente no seu interior, porque sua beleza até o momento foi superficial, sem objetivos concretos. Quando o indivíduo resolve modificar a “embalagem”, muitas outras coisas podem desabar, nesse caso, uma consultoria mais aprofundada com conceitos do visagismo poderá desencadear uma grande crise de identidade e isso com certeza não faria bem a essa pessoa. Quando um cliente aparece com uma foto, ou com a frase: gostaria de ficar parecida com “tal pessoa”, essa é a porta de entrada para o profissional colher informações, a fim de entender mais sobre a personalidade do seu cliente. Sobre a neuroestética, apesar de destacarmos algumas das obras presentes na exposição, o próprio Antes de abordar especificamente as relações do funcionamento do cérebro e meu processo, introduzo, de forma breve, os estudos de Semir Zeki sobre a neuroestética, para desenhar um plano geral do que trata esse campo da neurociência, ainda pouco explorado nas artes visuais. Zeki introduz, pela primeira vez, o termo neuroestética em 1998, com a publicação de seu artigo Art and the Brain, abrindo um novo campo de pesquisa da neurociência. Zeki apresenta o estudo sobre a arte e as funções do cérebro 28 visual. Nesse primeiro artigo e em publicações subsequentes sobre a neuroestética, Zeki descreve a função da arte como sendo uma extensão da função do cérebro. Tais estudos partem de anos de pesquisa sobre o funcionamento do cérebro visual através dos sistemas de processamento individualizados4 do córtex visual, áreas especializadas em processar separadamente atributos da imagem como forma, cor e movimento. Além do sistema individualizado, Zeki também descreve o funcionamento geral do cérebro através dos conceitos, constância, abstração e ambiguidade, os quais abordarei mais adiante. Em seus estudos, Zeki (2004, p. 1, tradução nossa) trata esses conceitos como leis do cérebro, por defender que a arte tem uma base biológica e “assim como todas as atividades humanas, depende e obedece as leis do cérebro”. Segundo Zeki (2004, p. 1, tradução nossa), “podemos Fabíola Scaranto, Relações entre o processo artístico e o funcionamento do cérebro 140 traçar as origens da arte para uma característica fundamental do cérebro, isto é, a sua capacidade para formar conceitos”. É sobre essa capacidade de formar conceitos, que Zeki define como abstração, que inicio minhas pontuações sobre possíveis relações entre seus estudos e meu processo artístico. Abordarei nessa reflexão apenas alguns conceitos que Zeki pesquisa, não cabendo aqui, pelo menos não nesse momento, uma análise sobre o sistema de processamento individualizado do cérebro visual. Focarei neste ensaio os conceitos de constância, abstração, idealização. Além desses conceitos, também abordarei a noção de ambiguidade, mas tentarei identificar esse conceito de ambiguidade no próprio processo de produzir um trabalho em artes visuais, ainda que Zeki trate em seus estudos esse aspecto sob a ótica do observador/público. Antes de iniciar essa discussão, gostaria de ressaltar que Zeki, em muito de seus artigos, enxerga o artista como um neurologista5 que atinge os mesmos objetivos de compreensão do cérebro visual, mas com suas próprias ferramentas e estratégias. Quero ressaltar que não me coloco como uma artista dentro dessa concepção, embora concorde com Zeki (1998), quando afirma que não enxergarmos com os olhos, mas com o cérebro, e ignorar a responsabilidade do funcionamento do cérebro seria também ingenuidade do artista. Por isso, tentarei aqui iniciar uma reflexão, dentro das minhas limitações como uma artista 29 intrusa, mas interessada em entender o próprio processo artístico sob a ótica da neurociência, não menos válida que outras abordagens, como uma visão também possível desse processo Constância X impermanência Um dos principais interesses que me movem a pensar e produzir no campo das artes visuais é a consciência da impermanência de tudo que nos rodeia. Muitas das imagens que produzo são, sob muitos aspectos, destinadas a perderem-se numa busca constante ao desencontro com o imutável. Ao deparar-me com estudos do neurocientista Semir Zeki, chamou-me atenção o conceito de constância, que descreve um processo biológico do sistema visual para obter conhecimento sobre o mundo. A constância é definida por Zeki (1998) como a principal função do cérebro visual, que é buscar o conhecimento das propriedades de todas as superfícies que nos cercam e que estão em constante mutação. O cérebro está apenas interessado em obter conhecimento sobre as propriedades essenciais ou características permanentes dos objetos e superfícies que lhe permite classificá- los. No entanto, a informação que chega ao cérebro sobre essas superfícies e objetos está em fluxo contínuo. (Zeki, 1998, p. 2, tradução nossa). Zeki (1998, p. 3, tradução nossa) descreve que a constância também é aplicável à arte. Ele define arte como “uma busca de características constantes e duradouras, essencial e permanente de objetos, superfícies e situações que nos permitem adquirir conhecimento”. Nesse ponto, inicio uma problematização sobre o que produzo como matéria artística e sobre o que Zeki indica como função geral da arte, pois vai em direção oposta quando em meu processo tento retirar justamente a imutabilidade da imagem, como, por exemplo, no trabalho Imagem para deixar de existir (Fig.1-2), que se configura em desenhos de paisagens em grandes dimensões, realizado em lápis-grafite, destinado para o público apagar. No entanto, Zeki (1999) também problematiza esse processo, ou seja, a busca do imutável em um mundo essencialmente mutável. Para representar o mundo real, o cérebro (ou artista) deve descontar (“sacrifício”), uma grande quantidade de informação que chega a ele para atingir seu objetivo. [...] Aqui reside um problema geral para a neurobiologia e a filosofia, este conhecimento deve ser adquirido em um mundo onde tudo está em constante mudança. (Zeki, 30 1999, p. 4, tradução nossa). Assim, a aquisição de conhecimento, o registro constante e essencial dos objetos também relaciona-se com arte. De acordo com Zeki (1998, p. 4, tradução nossa), ambos enfrentam o mesmo problema, “a forma de refinar a partir das informações em constante mutação no mundo visual apenas o que é importante para representar as características permanentes dos objetos”. Embora meu interesse pela impermanência da imagem vá em direção oposta ao que Zeki define como uma das características da arte identifico nesse mesmo processo de refinamento, que busca o essencial das coisas para ser concretizado, (mesmo que, no meu caso, não seja para durar), uma etapa significativa em meu processo que pode explicar muitas das minhas escolhas artísticas. ABSTRAÇÃO E IDEALIZAÇÃO Zekidenomina esse processo de refinamento de abstração, que é imposta ao cérebro por uma de suas funções principais, a aquisição de conhecimento e que está intimamente ligada à constância. De acordo com Zeki (2001, s/p, tradução nossa), “a abstração é um passo crítico na aquisição eficiente de conhecimentos, sem ela, o cérebro seria escravizado ao particular”. Logo, a abstração é esse sacrifício que o cérebro faz para refinar e selecionar o essencial para obter-se um conhecimento. É a partir do conceito de abstração que identifico as relações entre o funcionamento do cérebro visual e meu processo artístico. Esse processo de abstração é descrito intuitivamente no depoimento que apresento na parte introdutória deste ensaio, no qual defino como uma infinidade de filtros. Embora na época não tivesse consciência, havia descrito um processo muito semelhante ao processo de abstração do funcionamento do cérebro visual. Consigo, agora, reconhecer, nos filtros que menciono esse processo que sacrifica informações para atingir um conhecimento essencial. É nesse sentido que Zeki (2001) defende a ideia de que a arte exterioriza o funcionamento interno do cérebro, pois a arte, assim como o cérebro visual, também abstrai. Esse processo interessa-me, pois é uma etapa 31 que se reflete também como uma característica da minha prática artística. Na troca de e-mails, que tive com a artista Teresa Siewerdt, ela questionou-me se esses filtros não seriam capazes de fazer o trabalho não ter mais necessidade de existir materialmente. Em resposta a esse questionamento, expus o excesso de filtros como uma forma de idealização que acaba desmaterializando o trabalho antes mesmo de concretizá-lo. Mas, de algum modo, isso também se refletia nos trabalhos que se concretizavam, pois, em geral, eram feitos para durar pouco ou abordavam questões sobre a duração referentes à aparição e desaparição, da passagem de um estado para o outro. Zeki (2004, p. 65, tradução nossa), ao abordar o conceito de abstração, aponta para o conceito de ideal e a “impossibilidade de promover os ideais formados pelo cérebro na experiência dos elementos na vida real”. Ele ilustra muito bem esse conceito de ideal, muitas vezes envolvido em um processo em crise, ao apresentar as obras inacabadas de Michelangelo. Na intepretação de Zeki (1998), ele acredita que Michelangelo deixou suas esculturas inacabadas, pois encontrou nesse gesto uma solução para o problema de representar a beleza espiritual. No entanto, segundo Zeki (2001, p. 52, tradução nossa), a abstração “cobra um preço alto do indivíduo, para que a arte seja um refúgio, pois o “ideal” sintetizado pelo cérebro pode levar a um descontentamento profundo, porque a experiência diária é de particularidades”. A arte, assim, para Zeki, é basicamente um subproduto dessa abstração, a formação de conceitos. É plausível supor que o resultado deste processo de abstração é a criação de um “ideal”, na qual todas as experiências sensoriais foram combinadas para sinteticamente gerar uma construção que, embora dependente de muitos elementos em sua construção, também é independente de um determinado particular. [...] A partir disto, segue-se que o ideal formado por um cérebro é dependente de sua maquinaria neurológica (um mecanismo inato), assim como a experiência adquirida pelo indivíduo. Essa máquina neurológica, bem como a experiência, varia entre os indivíduos. Daí os ideais formulados por um cérebro não são necessariamente idênticos aos formulados por outro, mesmo se houver um elemento comum subjacente à formulação de ideais. No entanto, todos os cérebros têm a capacidade comum de abstrair e formar ideais. (Zeki, 2004, p. 60, tradução nossa). A abstração, esse processo 32 repetidamente aplicado pelo cérebro, como ressalta Zeki (2004), conduz a construção dos ideais simples, como um lugar, um cenário, um gesto ou situação a ideais mais complexos, como amor um tema muito recorrente nos exemplos de Zeki. No entanto, esse processo de Fabíola Scaranto, Relações entre o processo artístico e o funcionamento do cérebro abstração e construção de conhecimento que é comum a todos é pesquisado na arte por Zeki (1998), pois ele acredita que o artista explora as capacidades e potencialidade do cérebro visual de uma forma muito rica e interessante e atinge isso através de métodos bastante particulares. É através desse modo particular que o artista processa e produz uma imagem, que me leva a analisar e descrever as particularidades de meu processo. As descobertas da Neurociência das últimas décadas, assim como as investigações desse campo que envolvem diretamente a obra de arte, têm se mostrado relevantes ao estudo da mente, da linguagem e da própria arte. Dentro da Neurociência, a neuroestética se destaca pela relação direta que mantém com o campo da arte, tendo sido adotada, inclusive, por vários artistas e outros pesquisadores da arte, como diretriz para o entendimento da percepção visual. Contudo, vínhamos identificando uma incoerência importante sobre o uso do termo “neuroestética”, criado por Semir Zeki em 2002 (Changeaux, 2012). Do nosso ponto de vista, o termo tanto distorce, quanto se esquiva da Neurociência como fundamento do modelo teórico proposto por Zeki. Em busca de subsídio para fundamentar nosso trabalho a respeito dessa incoerência, deparamo-nos com William P. Seeley (2011). Seeley observa o movimento crescente de estudos filosóficos que se baseiam em pesquisas da neuropsicologia e da Neurociência cognitiva. Nesse movimento, se instaura um campo fértil denominado por ele como Neurociência cognitiva da arte – uma subdivisão da estética empírica dedicada à aplicação de métodos neurocientíficos para estudar o nosso envolvimento com obras de arte. Seeley faz uma retrospectiva histórica que demonstra que estudos semelhantes têm suas raízes na estética empírica da psicologia experimental e já estão presentes no livro On experimental aesthetics (1871), de Gustav Fechner, um dos pioneiros da psicofísica. Ainda sob o ponto de vista histórico, Changeaux (2012) diz que na década de 1970, Alexander Luria também buscou identificar as bases neurais da 33 contemplação e da criação da obra de arte. Seeley argumenta ser mais apropriado falarmos de uma Neurociência cognitiva da arte em vez de neuroestética. Segundo ele, o termo neuroestética reflete uma visão ideológica bastante delicada, uma vez que a estética não engloba questões ontológicas e semânticas sobre a natureza da arte e tampouco nos instrumenta a investigar nosso envolvimento com a obra. Ele entende que a nomenclatura que propõe é mais abrangente sobre a problemática aí envolvida. Para defender esse ponto de vista, Seeley destaca que os modelos de atenção seletiva da Neurociência demonstram que existe uma conexão muito estreita entre o significado, a identidade, a projeção semântica, as características afetivas e perceptivas que atribuímos ao estímulo. Segundo ele, para modelar os efeitos do estímulo, os cientistas cognitivos usam redes atencionais que conectam áreas pré-frontais (associadas a identidade do objeto, a memória de trabalho e a atribuição de projeção afetiva a um estímulo) ao processamento sensorial dos sistemas visual, auditivo e somatossensorial. Seeley diz que isso sugere que as respostas a questões sobre a projeção semântica da obra de arte têm um papel regulativo no nível neurológico, ao determinar a qualidade estética de nosso envolvimento com a obra. Outras observações críticas sobre a neuroestética são feitas por Bevil R. Conway e Alexander Rehding (2013). Eles listam alguns pontos polêmicos desse campo e defendem que o envolvimento com obras de arte deve ser investigado considerando-se a distinção entre beleza, arte e percepção, já que esses termos têm sido frequentemente confundidos com estética. Conwaye Rehding lembram que a própria compreensão do que quer que seja estética tem um histórico complexo: os gregos a relacionavam com a percepção, Kant à beleza e à arte; no século XIX a estética se transforma em sinônimo de filosofia da arte – estas três conotações, segundo eles, são frequentemente confundidas nas propostas neuroestéticas. Ao conhecer as ressalvas que os autores mencionados fazem à neuroestética, fortalecemos a nossa interpretação sobre as dificuldades acarretadas por esse campo. Sabemos que essa confusão permeia, igualmente, os estudos da arte. Assim, um estudioso de outra área, que não a artística, também teria dificuldades em navegar nesse mar de conceitos. Quando tratamos de estética, estamos falando de Filosofia. A própria epistemologia da área impede o uso de um termo 34 (neuroestética) que desarma a sua base, pois a desloca do seu campo. Nesse sentido, sentimos contemplada a nossa linha de raciocínio pela crítica que Conway e Rehding fazem a Zeki, entre outros, dizendo que os neuroestetas têm preferência por Kant, pois este filósofo oferece uma visão universal do belo (aquilo que desperta uma atitude de contemplação desinteressada) com muito apelo, uma vez que o belo parece conter uma discreta base neural, segundo observam os dois autores. Conway e Rehding ainda apontam dois outros problemas: o belo de Kant é muito criticado no campo da arte, dado o pluralismo das experiências artísticas, e também por não existir consenso na literatura sobre o que quer que ele seja. De fato, parece-nos que Zeki não adentra essas questões. Essa diversidade de opiniões sobre o belo, para os autores, tem a ver com as diferentes funções que ele ocupa dentro dos vários sistemas filosóficos, estando por vezes relacionados com a epistemologia ou a ética. A experiência do belo é frequentemente comovente, porém estar comovido nem sempre significa uma instância do belo; já as reações emocionais sim (Conway; Rehding, 2013). Postas essas questões, Conway e Rehding clamam que a arte deve ser estudada no contexto da Neurociência, pensando- se como sinais sensoriais são processados pelo sistema nervoso para produzir comportamento, isto é, deve-se levar em conta os vários estágios de processamento. Destacam que a arte não é a única a provocar respostas estéticas e que outros experimentos, que não aqueles realizados apenas com obras de arte, mas que englobam manifestações estéticas, também devem ser levados em conta. Ou seja, é necessário que olhemos para outras pesquisas da Neurociência que poderiam informar a arte, como aquelas relacionadas à atenção, recompensa, aprendizado, memória, emoção e tomada de decisão, pois elas contêm modelos mais completos que auxiliariam a entender as questões da arte. Assim, igualmente Conway e Rehding, contemplam nossas observações anteriores que levaram ao início desta parte de nossa pesquisa. De fato, antes de nos deparar com o trabalho desses dois autores, críamos que não havia entre os neurocientistas aqueles que soubessem que há mais do que similaridades entre a arte e outros aspectos do sensível no mundo. É bem verdade que uma grande parte dos artistas ainda vê a arte como que habitando um lugar especial 35 do fazer humano. Nós, entretanto, vemos o fazer do artista como qualquer outro fazer, guardando, como em todos os fazeres, diferenças que lhes são próprias, mas não destacáveis em termos de valor; como qualquer produção de conhecimento que o humano desenvolve, assim a arte deve ser avaliada. Mais outros dois autores, Alkim Salah e Albert Salah (2008), também fazem observações a respeito da neuroestética. Dizem que é importante lembrar que a avaliação dos juízos estéticos, através da Neurociência, está confinada às experiências com estímulos visuais, e que se tem esquecido que esses juízos existem em todos os domínios: “a sensação percebida por um pintor em frente a uma bela imagem é muito semelhante à sensação percebida por um matemático ao ler uma equação elegante” (Salah; Salah, 2008, p.150). Para Salah e Salah tal observação, inevitavelmente, nos leva a esta discussão: tanto o matemático, quanto o artista, estariam examinando diferentes objetos, sob o ponto de vista especializado de cada um, dentro de sua área de conhecimento – mas qual seria a impressão do leigo acerca da mesma equação, ou da mesma obra artística? Ou, se pedíssemos para que esses mesmos especialistas examinassem um a obra do outro, o que resultaria? Como estamos executando a pesquisa por etapas, e esta é aquela a qual examinamos, com maior atenção, o fruidor da obra, embora venhamos nos dirigindo a entender a percepção de uma forma que abranja tanto o fazer, quanto o fruir a obra artística, concordamos com as observações de Seeley, Conway e Rehding e Salah e Salah sobre a neuroestética, pois supomos que elas servem de diretrizes para uma revisão no programa de pesquisas neurocientíficas sobre o nosso envolvimento com a obra de arte e, igualmente, permitem alicerçar uma visão mais condizente com a variedade de questões que emergem do estudo da arte. As abordagens da Neurociência que apresentamos adiante não serão discutidas sob o ponto de vista da neuroestética, embora algumas delas tenham sido apresentadas por seus autores sob essa nomenclatura. Assim como Seeley, preferimos pensar as abordagens em suas relações com uma possível Neurociência cognitiva da arte, cujo modelo geral considera a obra de arte como uma classe de estímulos, que são intencionalmente desenhados para induzir a uma variedade de respostas afetivas, emocionais, perceptivas e cognitivas no leitor, espectador, observador ou ouvinte. Como Seeley aponta, a obra de arte, 36 estudada sob essa perspectiva, sugere que o nosso envolvimento com ela pode ser pensado como um problema de processamento de informação: como consumidores adquirem, representam e manipulam a informação contida na estrutura formal desses estímulos? A Neurociência cognitiva torna-se, então, uma ferramenta que pode ser usada para modelar esses processos e comportamentos, e seus modelos poderiam ser adotados para avaliar a natureza de nosso envolvimento com a obra de arte em uma variedade de mídias. ABORDAGENS NEUROCIENTÍFICAS DA PERCEPÇÃO DA OBRA DE ARTE A partir daqui dispensamos o uso da expressão “neuroestética” pelas razões lançadas anteriormente. Entretanto, aproveitamos os resultados de algumas pesquisas trazidas pelos “neuroestetas”, já que encontramos em seus estudos sobre o sistema de percepção visual dispositivos fundamentais para o entendimento da percepção da obra de arte. A maioria das abordagens neurocientíficas da percepção da obra de arte se baseia nos avanços científicos sobre o cérebro visual, que tornam possível investigar as bases neurais da arte visual e da experiência estética, como nos trabalhos de Semir Zeki (2000) e Margareth Livingstone (2002). Tais abordagens constroem modelos teóricos fundamentados na observação de indivíduos experienciando obras de arte e na inspeção do mecanismo da visão. Acreditamos que esse direcionamento, possivelmente, tem relação com a qualidade da cultura ocidental de ser fortemente organizada com atenção para os estímulos visuais. Esse aspecto nos interessa, pois estamos realizando uma parte da pesquisa de nosso grupo dirigida a entender como, então, a percepção se dá em pessoas que possuem privação de certos sentidos, como outras necessidades especiais. A seguir, apresentamos alguns estudos da Neurociência que lidam, especificamente, com a percepção da obra de arte, e que foram considerados os mais relevantes segundo a revisão bibliográfica que realizamos. O projeto de pesquisa que se refere ao problema das necessidades especiais é intitulado “Interfaces assistivas para as artes: da difusão à inclusão”. Ele está explicado no 37 Capítulo 1 deste livro.
Compartilhar