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1-SONETO DE FIDELIDADE, VINICIUS DE MORAES De tudo, ao meu amor serei atento Antes, e com tal zelo, e sempre, e tanto Que mesmo em face do maior encanto Dele se encante mais meu pensamento. Quero vivê-lo em cada vão momento E em louvor hei de espalhar meu canto E rir meu riso e derramar meu pranto Ao seu pesar ou seu contentamento. E assim, quando mais tarde me procure Quem sabe a morte, angústia de quem vive Quem sabe a solidão, fim de quem ama Eu possa me dizer do amor (que tive): Que não seja imortal, posto que é chama Mas que seja infinito enquanto dure. 2-POEMA NO MEIO DO CAMINHO, CARLOS DRUMMOND DE ANDRADE No meio do caminho tinha uma pedra tinha uma pedra no meio do caminho tinha uma pedra no meio do caminho tinha uma pedra. Nunca me esquecerei desse acontecimento na vida de minhas retinas tão fatigadas. Nunca me esquecerei que no meio do caminho tinha uma pedra tinha uma pedra no meio do caminho no meio do caminho tinha uma pedra. 3-RETRATO, CECÍLIA MEIRELES Eu não tinha este rosto de hoje, Assim calmo, assim triste, assim magro, Nem estes olhos tão vazios, Nem o lábio amargo. Eu não tinha estas mãos sem força, Tão paradas e frias e mortas; Eu não tinha este coração Que nem se mostra. Eu não dei por esta mudança, Tão simples, tão certa, tão fácil: — Em que espelho ficou perdida a minha face? 4-MORTE E VIDA SEVERINA , JOÃO CABRAL DE MELO NETO — O meu nome é Severino, como não tenho outro de pia. Como há muitos Severinos, que é santo de romaria, deram então de me chamar Severino de Maria como há muitos Severinos com mães chamadas Maria, fiquei sendo o da Maria do finado Zacarias. Mas isso ainda diz pouco: há muitos na freguesia, por causa de um coronel que se chamou Zacarias e que foi o mais antigo senhor desta sesmaria 5-ORA DIREIS OUVIR ESTRELAS (OLAVO BILAC) Ora (direis) ouvir estrelas! Certo Perdeste o senso!‖ E eu vos direi, no entanto, Que, para ouvi-las, muita vez desperto E abro as janelas, pálido de espanto… E conversamos toda a noite, enquanto A Via Láctea, como um pálio aberto, Cintila. E, ao vir do sol, saudoso e em pranto, Inda as procuro pelo céu deserto. Direis agora: ―Tresloucado amigo! Que conversas com elas? Que sentido Tem o que dizem, quando estão contigo?‖ E eu vos direi: ―Amai para entendê-las! Pois só quem ama pode ter ouvido Capaz de ouvir e de entender estrelas.‖ 6-CANÇÃO DO EXÍLIO (GONÇALVES DIAS) Minha terra tem palmeiras, Onde canta o Sabiá; As aves, que aqui gorjeiam, Não gorjeiam como lá. Nosso céu tem mais estrelas, Nossas várzeas têm mais flores, Nossos bosques têm mais vida, Nossa vida mais amores. Em cismar, sozinho, à noite, Mais prazer encontro eu lá; Minha terra tem palmeiras, Onde canta o Sabiá. Minha terra tem primores, Que tais não encontro eu cá; Em cismar — sozinho, à noite — Mais prazer encontro eu lá; Minha terra tem palmeiras, Onde canta o Sabiá. Não permita Deus que eu morra, Sem que eu volte para lá; Sem que desfrute os primores Que não encontro por cá; Sem qu’inda aviste as palmeiras, Onde canta o Sabiá. 7-AMOR (ÁLVARES DE AZEVEDO) Amemos! Quero de amor Viver no teu coração! Sofrer e amar essa dor Que desmaia de paixão! Na tu’alma, em teus encantos E na tua palidez E nos teus ardentes prantos Suspirar de languidez! Quero em teus lábios beber Os teus amores do céu, Quero em teu seio morrer No enlevo do seio teu! Quero viver d’esperança, Quero tremer e sentir! Na tua cheirosa trança Quero sonhar e dormir! Vem, anjo, minha donzela, Minha’alma, meu coração! Que noite, que noite bela! Como é doce a viração! E entre os suspiros do vento Da noite ao mole frescor, Quero viver um momento, Morrer contigo de amor! 8-GUARDA-CHUVAS, DE ROSANA RIOS Tenho quatro guarda-chuvas todos os quatro com defeito; Um emperra quando abre, outro não fecha direito. Um deles vira ao contrário seu eu abro sem ter cuidado. Outro, então, solta as varetas e fica todo amassado. O quarto é bem pequenino, pra carregar por aí; Porém, toda vez que chove, eu descubro que esqueci… Por isso, não falha nunca: se começa a trovejar, nenhum dos quatro me vale – eu sei que vou me molhar. Quem me dera um guarda-chuva pequeno como uma luva Que abrisse sem emperrar ao ver a chuva chegar! Tenho quatro guarda-chuvas que não me servem de nada; Quando chove de repente, acabo toda encharcada. E que fria cai a água sobre a pele ressecada! Ai… 9-OU ISTO OU AQUILO, DE CECÍLIA MEIRELES Ou se tem chuva e não se tem sol ou se tem sol e não se tem chuva! Ou se calça a luva e não se põe o anel, ou se põe o anel e não se calça a luva! Quem sobe nos ares não fica no chão, quem fica no chão não sobe nos ares. É uma grande pena que não se possa estar ao mesmo tempo em dois lugares! Ou guardo o dinheiro e não compro o doce, ou compro o doce e gasto o dinheiro. Ou isto ou aquilo: ou isto ou aquilo … e vivo escolhendo o dia inteiro! Não sei se brinco, não sei se estudo, se saio correndo ou fico tranqüilo. Mas não consegui entender ainda qual é melhor: se é isto ou aquilo 10-PESSOAS SÃO DIFERENTES, DE RUTH ROCHA São duas crianças lindas Mas são muito diferentes! Uma é toda desdentada, A outra é cheia de dentes… Uma anda descabelada, A outra é cheia de pentes! Uma delas usa óculos, E a outra só usa lentes. Uma gosta de gelados, A outra gosta de quentes. Uma tem cabelos longos, A outra corta eles rentes. Não queira que sejam iguais, Aliás, nem mesmo tentes! São duas crianças lindas, Mas são muito diferentes! 11-MENINA PASSARINHO, DE FERREIRA GULLAR Menina passarinho, que tão de mansinho me pousas na mão Donde é que vens? De alguma floresta? De alguma canção? Ah, tu és a festa de que precisava este coração! Sei que já me deixas e é quase certo que não voltas, não. Mas fica a alegria de que houve um dia em que um passarinho me pousou na mão. 12-A BONECA, DE OLAVO BILAC Deixando a bola e a peteca, Com que inda há pouco brincavam, Por causa de uma boneca, Duas meninas brigavam. Dizia a primeira: "É minha!" — "É minha!" a outra gritava; E nenhuma se continha, Nem a boneca largava. Quem mais sofria (coitada!) Era a boneca. Já tinha Toda a roupa estraçalhada, E amarrotada a carinha. Tanto puxaram por ela, Que a pobre rasgou-se ao meio, Perdendo a estopa amarela Que lhe formava o recheio. E, ao fim de tanta fadiga, Voltando à bola e à peteca, Ambas, por causa da briga, Ficaram sem a boneca. 13-RECEITA DE ESPANTAR A TRISTEZA, ROSEANA MURRAY Faça uma careta e mande a tristeza pra longe pro outro lado do mar ou da lua vá para o meio da rua e plante bananeira faça alguma besteira depois estique os braços apanhe a primeira estrela e procure o melhor amigo para um longo e apertado abraço. 14-A UM LIVRO, DE FLORBELA ESPANCA No silêncio de cinzas do meu Ser Agita-se uma sombra de cipreste, Sombra roubada ao livro que ando a ler, A esse livro de mágoas que me deste. Estranho livro aquele que escreveste, Artista da saudade e do sofrer! Estranho livro aquele em que puseste Tudo o que eu sinto, sem poder dizer! Leio-o, e folheio, assim, toda a minh’alma! O livro que me deste é meu, e salma As orações que choro e rio e canto! … Poeta igual a mim, ai que me dera Dizer o que tu dizes! … Quem soubera Velar a minha Dor desse teu manto! 15-AUTOPSICOGRAFIA, DE FERNANDO PESSOA O poeta é um fingidor. Finge tão completamente Que chega a fingir que é dor A dor que deveras sente. E os que leem o que escreve, Na dor lida sentem bem, Não as duas que ele teve, Mas só a que eles não têm. E assim nas calhas de rodaGira, a entreter a razão, Esse comboio de corda Que se chama coração. 16-ACALANTO, DE PAULO HENRIQUES BRITTO Noite após noite, exaustos, lado a lado, digerindo o dia, além das palavras e aquém do sono, nos simplificamos, despidos de projetos e passados, fartos de voz e verticalidade, contentes de ser só corpos na cama; e o mais das vezes, antes do mergulho na morte corriqueira e provisória de uma dormida, nos satisfazemos em constatar, com uma ponta de orgulho, a cotidiana e mínima vitória: mais uma noite a dois, e um dia a menos. E cada mundo apaga seus contornos no aconchego de um outro corpo morno. 17-DESPEDIDA, DE CECÍLIA MEIRELES Por mim, e por vós, e por mais aquilo que está onde as outras coisas nunca estão, deixo o mar bravo e o céu tranquilo: quero solidão. Meu caminho é sem marcos nem paisagens. E como o conheces? - me perguntarão. - Por não ter palavras, por não ter imagens. Nenhum inimigo e nenhum irmão. Que procuras? - Tudo. Que desejas? - Nada. Viajo sozinha com o meu coração. Não ando perdida, mas desencontrada. Levo o meu rumo na minha mão. A memória voou da minha fronte. Voou meu amor, minha imaginação... Talvez eu morra antes do horizonte. Memória, amor e o resto onde estarão? Deixo aqui meu corpo, entre o sol e a terra. (Beijo-te, corpo meu, todo desilusão! Estandarte triste de uma estranha guerra...) Quero solidão 18-SAUDADES, DE CASIMIRO DE ABREU Nas horas mortas da noite Como é doce o meditar Quando as estrelas cintilam Nas ondas quietas do mar; Quando a lua majestosa Surgindo linda e formosa, Como donzela vaidosa Nas águas se vai mirar! Nessas horas de silêncio, De tristezas e de amor, Eu gosto de ouvir ao longe, Cheio de mágoa e de dor, O sino do campanário Que fala tão solitário Com esse som mortuário Que nos enche de pavor. Então – proscrito e sozinho – Eu solto aos ecos da serra Suspiros dessa saudade Que no meu peito se encerra. Esses prantos de amargores São prantos cheios de dores: – Saudades – dos meus amores, – Saudades – da minha terra 19-TOMARA, DE VINICIUS DE MORAES Tomara Que você volte depressa Que você não se despeça Nunca mais do meu carinho E chore, se arrependa E pense muito Que é melhor se sofrer junto Que viver feliz sozinho Tomara Que a tristeza te convença Que a saudade não compensa E que a ausência não dá paz E o verdadeiro amor de quem se ama Tece a mesma antiga trama Que não se desfaz E a coisa mais divina Que há no mundo É viver cada segundo Como nunca mais...
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