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Michel Foucault A densidade do trabalho de Foucault faz com que dissertar sobre a sua obra transforme-se em uma empreitada difícil, justamente porque muito já foi escrito sobre ele e sobre seu pensamento, muitas polêmicas já foram criadas e desfeitas, outras permanecem. Michel Foucault (1926 – 1984) pode, sem dúvida, ser considerado um dos mais influentes intelectuais franceses contemporâneos. Inicialmente influenciado pelo estruturalismo 1, desenvolveu um pensamento próprio, com hipóteses ousadas, análise inovadora, contestador e extremamente original e criativo. A obra de Foucault teve grande importância nos anos 70 e 80, influenciando diferentes vertentes, inclusive no Brasil, a partir da metodologia que propôs, a arqueologia e a genealogia. A filosofia elaborada por Foucault apresenta uma crítica ao indivíduo, dono de seu saber e de seu fazer, questiona a ideia de verdade única e acabada, questiona as práticas que permitem definir o que são as coisas e situar o uso das palavras. Partindo do conceito de episteme, que classifica como uma rede de significados que influencia e caracteriza uma determinada época nos diversos domínios da sociedade, empreendeu uma significativa análise epistemológica do surgimento das ciências humanas e de seu papel na cultura ocidental, bem como uma crítica à noção tradicional de sujeito. Foucault (1999) destaca que a episteme moderna opera uma ruptura na história do pensamento ocidental, caracterizado anteriormente pelo saber dos clássicos. Para entender as diferentes configurações dos saberes clássico e moderno, e a ruptura entre eles, Foucault utiliza o processo da análise arqueológica, focalizando múltiplas transformações no espaço do saber e inferindo sobre a criação de novas formas de racionalidade (MOTTA, 2005). Para o intelectual francês, a episteme clássica é caracterizada pela representação e a moderna marcada pela dupla experiência do homem como sujeito e objeto do saber. O saber clássico está situado numa dimensão na qual existem seres e coisas organizados e classificados de acordo com as semelhanças e diferenças. Deste modo, a episteme dos séculos XVII e XVIII tem como característica marcante a classificação e ordenação das representações, sendo que representar significa comparar as estruturas visíveis das coisas da natureza e relacioná-las por meio de um princípio ordenador. Entre os séculos XIX e XX organizou-se outra positividade distinta da clássica. Foucault (1999) considera que, apesar de se poder reconhecer o homem no classicismo, essa ordem não se configura com uma consciência epistemológica do homem como fundamento e objeto. Com a modernidade que o homem como ser, como objeto desse novo saber, foi vinculado aos aspectos que o constituem como homem. Neste momento, o homem apontado por Foucault nasce na biologia, na economia política e na filologia e é pensado como um objeto a ser descoberto e desvendado, como um objeto que tem um corpo físico com estrutura e funcionamento que devem ser explorados. A linguagem fará parte dessa busca por entender qual homem é esse, que se constitui também pela fala. Enquanto um ser que trabalha, as condições que circulam nesse espaço serão pensadas como constitutivas dele próprio. Em sua importante obra “As palavras e as coisas” (1966), reconhecendo a influência de Nietzsche, Foucault elabora uma arqueologia do pensamento, mostrando o que faz com que as ciências humanas, contemporaneamente, tornarem-se possíveis. Discute, nesta obra de caráter metodológico, a arqueologia como método de análise crítica do discurso. Crítica, porém, não no sentido de partir de um ideal de conhecimento e de verdade, mas enquanto método adequado para explicar os elementos subentendidos em um determinado saber e de examinar seus efeitos e consequências, implicações e aplicações práticas (MARCONDES, 2007, p.277). No Capítulo X da referida obra, intitulado “As ciências humanas”, o pensador mostra o processo de formação destas. A organização, ou nascimento das ciências humanas como profere o autor francês, ocorreu no momento sociocultural em que o homem enquanto sujeito homem surgiu no plano do pensamento, todavia, não como privilégio das ciências humanas. As ciências humanas por ter o homem como objeto não as distingue dos demais saberes, mas sim a maneira como tais ciências tematizam o homem, ocupando um novo lugar que se situa entre a distância que separa o empírico e o transcendental Segundo Foucault, as ciências humanas não podem ser compreendidas como as responsáveis pela simples análise do que o homem é por natureza, mas como as responsáveis pela análise do que há entre o que o homem é, ser que vive, trabalha, fala, e o que o permite saber o que é a vida, qual a essência do trabalho e como pode falar (1987, p. 488). O homem, como elemento das ciências humanas, está ligado à biologia, à filologia e à economia. Assim, Foucault apresenta o homem como sujeito que está inserido e como sujeito que elabora o conhecimento de si mesmo, transpondo métodos e conceitos das ciências empíricas ou dedutivas, e num movimento transcendental, pensando em si como objeto do conhecimento por meio das reflexões filosóficas. O autor enfatiza que quatro segmentos teóricos estabeleceram, através do pensamento filosófico, uma nova forma de apreensão do homem, que serviria como alicerce, juntamente com as disciplinas empíricas, para a constituição das ciências humanas. Trata-se da finitude do homem, do homem como duplo-empírico-transcendental, da relação entre o cogito moderno e o impensado e, finalmente, do distanciamento e do retorno da origem do ser. Cabe destacar que, Foucault não supervaloriza uma cientificidade matematizada, ao defender que as ciências humanas surgem como discursos científicos na modernidade, a partir das ciências empíricas e da filosofia.Partindo-se da ideia do homem como coisa empírica e objeto de um saber filosófico, estabelecendo sua premissa do a priori histórico e o homem passa a ser considerado como representação. Abandonando o idealismo as ciências humanas e voltam-se ao concreto, ao real,considerando nele a organização abstrata, da profundidade, ou seja,inaugura um método, um saber, completamente diferente da tradição da constituição do saber clássico. Acontece, então, o que Foucault chama de ruptura com a história natural. A partir de então não seria mais necessário classificar “seres da natureza” a partir apenas dos critérios estabelecidos ao nível da visibilidade e da representação, mas relacionar o visível com o invisível (FOUCAULT, 1987, p. 130). Seria a transformação do saber superficial em um conhecimento capaz de penetrar verticalmente no domínio das coisas. Percebe-se aí o método arqueológico proposto por Michel Foucault cujo objeto é a epistemologia, ou seja, o conhecimento e a história dos saberes. O método arqueológico é definido pelo autor como uma forma de análise que não seria propriamente histórica e nem epistemológica, mas a descrição do arquivo. Sendo o arquivo o conjunto de discursos efetivamente pronunciados, ou seja, jogos de regras que determinam numa cultura o aparecimento e o desaparecimento dos enunciados, sua permanência e sua extinção, sua existência paradoxal de acontecimentos e coisas (FOUCAULT, 1987). A arqueologia traz consigo o sentido de escavação do passado que Foucault determina em dois sentidos: o que se refere ao tema da origem, a busca pelo “início”, ou melhor, pelas transformações dos saberes; e o que está relacionado à escavação propriamente dita, mas esta última não quer dizer a busca por algo secreto, escondido, o que o pensador pretende é dar visibilidade ao que já está dito e se encontra invisível por alocar-se na superfície dos discursos. O método arqueológico elaborado por Foucault, possibilita analisar as redes de relações entre o discurso e outros domínios, que são as instituições, acontecimentos políticos, práticas e processos econômicos (GREGOLIN, 2004). Deste modo, a arqueologiaconstitui-se, segundo o próprio filósofo, como uma teoria para uma história do saber empírico, já que essas ciências têm grande profusão na sociedade e na história dos homens. Ao se interrogar sobre como os discursos e práticas se relacionam, surgem e se transformam, Foucault pretende, na verdade, questionar a cultura e a sociedade sobre o nascimento de sua história, impondo a esta os limites da própria cultura, das condições de produção, “vai em busca da estruturação dos saberes, das epistemes que funcionam como o solo de possibilidade para os saberes que coexistem em um certo momento histórico” (GREGOLIN, 2004). Segundo Foucault, sua arqueologia não é uma história do conhecimento, e sim dos movimentos de uma experiência. A história da loucura, por exemplo, é a história da experiência da loucura, das noções, instituições, conceitos e práticas fundados nessa experiência, que se constitui além do próprio saber sobre ela. Em seu livro sobre a história da loucura, o autor reconstitui o arquivo de enunciados efetivamente pronunciados sobre o que é a loucura, o que é ser louco, concluindo que as práticas discursivas da atualidade (psicologia, psiquiatria, psicanálise, arte) narram o louco não mais como o desatinado, o insensato e sim como o alienado. A arqueologia de Foucault pretende elucidar o fato de que as ciências humanas se constituem pela articulação com um conjunto de discursos que possibilitaram sua insurgência. Sua temática é a auto tematização do homem, enquanto objeto e sujeito da ciência, no contexto da historicização da cultura ocidental (GREGOLIN, 2004). O homem é o centro da experiência da modernidade, os discursos científicos e artísticos têm o homem como elemento central de seus saberes. O saber sobre o homem não é um privilégio das ciências humanas. Foucault desconstrói, portanto, a ideia de causalidade da história tradicional, mostrando ser possível haver ruptura entre duas epistemes, entre dois pensamentos, deixando de lado a ideia de continuidade histórica como uma linha sem falhas ou interrupções. O método de análise proposto por Foucault se pretende crítico de maneira diferente do que podemos verificar ao analisarmos a filosofia de Kant ou da Escola de Frankfurt, uma vez que busca explicar o implícito e demonstrar as relações entre os saberes e as formas de e exercer o poder em nossa cultura até então não detectados. Seu trabalho, portanto, pode ser definido como história das ideias ou da cultura, como ele mesmo reconhece, do que como vinculado à filosofia em seu sentido mais tradicional por envolver um conhecimento mais profundo de história, uma análise documental, e uma pesquisa de campo, que comumente não pertencem à metodologia filosófica. Esse tipo de análise se caracteriza exatamente por sua interdisciplinaridade e por romper com os limites das disciplinas e áreas do saber. O filósofo e historiador Michel Foucault forma, ao lado de Louis Althusser, Pierre Bourdieu, Jean Paul Sartre, Edgar Morin entre outros, o grupo dos pensadores franceses mais significativos na história do pensamento contemporâneo. A obra legada por Foucault ultrapassa o campo da filosofia e influencia as mais distintas áreas do conhecimento como a sociologia, a antropologia, a linguística, a psicanálise, a história, a educação e, o direito.
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