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Rejeitada no altar - Jessica Macedo

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Prévia do material em texto

Copyright ©2023 Jéssica Macedo
 
Todos os direitos reservados. É proibido o armazenamento ou a
reprodução de qualquer parte desta obra - física ou eletrônica -, sem
autorização prévia do autor. A violação dos direitos autorais é crime
estabelecido na Lei nº 9.610/98 e punido pelo artigo 184 do Código Penal.
Capa e Diagramação
Jéssica Macedo
Revisão
Sônia Carvalho
 
Esta é uma obra de ficção. Nomes de pessoas, acontecimentos, e
locais que existam ou que tenham verdadeiramente existido em algum
período da história foram usados para ambientar o enredo. Qualquer
semelhança com a realidade terá sido mera coincidência.
 
 
Sumário
Sumário
Sinopse
Prólogo
Capítulo um
Capítulo dois
Capítulo três
Capítulo quatro
Capítulo cinco
Capítulo seis
Capítulo sete
Capítulo oito
Capítulo nove
Capítulo dez
Capítulo onze
Capítulo doze
Capítulo treze
Capítulo quatorze
Capítulo quinze
Capítulo dezesseis
Capítulo dezessete
Capítulo dezoito
Capítulo dezenove
Capítulo vinte
Capítulo vinte e um
Capítulo vinte e dois
Capítulo vinte e três
Capítulo vinte e quatro
Capítulo vinte e cinco
Capítulo vinte e seis
Capítulo vinte e sete
Capítulo vinte e oito
Capítulo vinte e nove
Capítulo trinta
Capítulo trinta e um
Capítulo trinta dois
Capítulo trinta e três
Capítulo trinta e quatro
Capítulo trinta e cinco
Capítulo trinta e seis
Capítulo trinta e sete
Capítulo trinta e oito
Capítulo trinta e nove
Capítulo quarenta
Capítulo quarenta e um
Capítulo quarenta e dois
Capítulo quarenta e três
Capítulo quarenta e quatro
Capítulo quarenta e cinco
Capítulo quarenta e seis
Capítulo quarenta e sete
Capítulo quarenta e oito
Capítulo quarenta e nove
Capítulo cinquenta
Epílogo
Agradecimentos
Sobre a autora
Outras obras
Sinopse
 
Deveria ser o dia mais feliz da vida de um casal, mas ele destruiu o
coração dela...
Ian Gray é o CEO do hospital San Rose. Uma instituição que há
anos foi criada pela sua família. Mas, por trás de sua aparência impecável e
fria, esconde uma ferida que o faz se afundar em um mar de amargura.
Priscilla Menezes, teve seu coração destroçado pelo homem que
acreditava ser o amor de sua vida. Abandonada no altar, sem quaisquer
explicações e apenas um profundo vazio. Dias depois, descobriu que estava
grávida, mas ele não estava disposto a ouvi-la, nem para que contasse da
filha, fruto do amor com que um dia se iludiu, pensando que duraria para
sempre.
Ela não imaginava que voltaria àquele hospital, nem veria
novamente o homem que a destruiu. Contudo, um acidente com a sua bebê
a deixou sem escolhas, só que ela sabia não estar preparada para confrontá-
lo, muito menos lidar com a dor da rejeição.
 
Para minha leitora Priscilla ❤
 
Prólogo
 
 
Um ano atrás...
Aquele era o dia mais feliz da minha vida.
Depois de três anos de um relacionamento feliz com o Ian, finalmente
iríamos nos casar.
Não me esquecia do dia em que ele me pediu em casamento durante uma
viagem que havíamos feito para Nova York durante o Natal, já que um dos meus
maiores sonhos era ver a neve. Eu nasci em Miami e ainda não tinha me afastado
muito da costa leste. Estava acostumada com a Flórida, onde era verão o ano
inteiro.
Por mais que possuíssemos diferenças bem evidentes, Ian e eu nos
dávamos muito bem desde o momento em que ele havia batido no meu carro e me
levado para ser tratada no hospital da família dele.
Bela forma de se conhecerem...
Minhas amigas riam disso, mas eu tinha certeza de que ele era o homem da
minha vida desde que ele não se afastou da cama enquanto eu me recuperava dos
ferimentos até ter alta e poder voltar para casa. Mesmo depois disso, continuou me
visitando para se certificar de que estava tudo bem.
Em meio a horas de conversas e alguns encontros, quando me dei conta,
estávamos transando pela primeira vez no meu sofá. Foi só uma questão de tempo
para que ele fosse de um motorista desatento ao meu namorado e grande amor da
minha vida.
Ian Gray era tudo o que eu havia desejado e sonhado em um homem só e
tinha absoluta certeza de que não queria estar em outro local que não fosse ali,
prestes a me casar com ele.
Sônia, minha melhor amiga, me entregou o buquê de lírios e rosas brancas
e deu alguns tapinhas nas minhas costas quando dei um passo para frente e saí da
casa, pisando na areia da praia.
Estávamos em um requintado salão de festas, com direito a toda pompa
que a fortuna dele poderia pagar, onde fora montado o altar do nosso casamento.
Os convidados se reuniam em cadeiras brancas dispostas em dois lados sobre um
tapete vermelho. O céu, muito azul, resplandecia deixando evidente que até o
clima concordava com o nosso casamento.
Meu vestido era suntuoso, porém, confortável e a saia voava com a brisa
fresca que entrava das janelas e varria o local de uma forma calma, quase como
uma carícia de casal.
Meu pai segurou o meu braço e eu sorri para ele. Estava tudo tão perfeito
que eu não conseguia deixar de pensar no quanto estava feliz.
Ian estava de pé no altar e o meu sorriso se tornou ainda mais largo quando
eu o encontrei com um terno cinza-claro e o rosto mais bonito do que nunca. Sua
barba estava rala e perfeitamente desenhada, seus braços estavam cruzados e ele
os soltou quando me viu, parecendo mais tranquilo.
Eu só não andei mais rápido porque o meu pai estava me segurando, mas a
vontade de correr até ele era imensa.
Ian...
Dei mais alguns passos até que finamente ficamos diante um do outro e Ian
segurou as minhas mãos, tomando-as do meu pai. Esperei que ele fosse se inclinar
para me beijar, mas ao invés disso só me conduziu para o altar. Imaginei que ele só
estivesse esperando o momento: pode beijar a noiva, para me dar um beijo intenso
e apaixonado como sempre fazia.
— Priscilla, Ian... — O celebrante disse nossos nomes e o meu sorriso se
alargou ainda mais.
Não havia outro lugar em que eu quisesse estar que não fosse esse. —
Estamos aqui reunidos hoje para reafirmar a união desse jovem casal... — ele
começou a dizer, falando para os convidados que estavam ali.
Eram amigos e familiares, pessoas da empresa de publicidade onde eu
trabalhava e muitos funcionários do Hospital da família. Todos que tinham
acompanhado o nosso relacionamento desde o início.
O celebrante começou a falar do nosso relacionamento, da forma como
havíamos nos conhecido até chegarmos ali. Cada momento, as coisas que
tínhamos feito e lembranças que enchiam os meus olhos de lágrimas.
Tinha certeza de que daquele dia em diante eu seria ainda mais feliz, só
não fazia ideia do quanto estava errada.
Ficamos de frente um para o outro, seguramos as mãos, nos encarando e
por alguns minutos, me perdi no seu olhar. Por mais que ele parecesse
estranhamente inexpressivo. Estava esperando o típico sorriso largo, porém,
imaginei que o Ian só estivesse nevoso com o casamento. Não o culparia se tivesse
acordado com dor de barriga, porque isso havia acontecido comigo.
Movi os lábios em um eu te amo, que não foi respondido de volta.
Imaginei que ele apenas não tivesse prestado atenção.
— Priscilla, você aceita o Ian como seu legítimo marido?
— Sim! — Não levei um segundo para responder, com o sorriso se
tornando ainda mais largo. — É claro que sim.
— Ian, você aceita Priscilla como sua legítima esposa, para amá-la,
respeitá-la e cuidar dela por todos os dias da sua vida?
Ele não respondeu tão rapidamente, ficou me encarando e meu coração
disparou com a ansiedade.
Será que o tempo parou e não percebi?
— Ian? — quando o celebrante insistiu, querendo saber a resposta do meu
noivo, percebi que não era apenas impressão minha.
— Amor?
— Não. — Ele soltou as minhas mãos, respondendo em um tom tão firme
que me deixou com ainda mais falta de ar.
— Ian? — o celebrante ficou perdido.
— Não, eu não aceito. — Ele se afastou de mim.
— Quê?
— Não vou me casar com ela. — Afastou-se de mim, dando as costas e
seguindo para longe do altar e do nosso casamento.
Fiquei paralisada, sem reação e fôlego.
Estava preparada para o dia mais feliz da minha vida,mas aquele foi o pior
de todos. Fiquei completamente estatelada no altar até que Sônia me envolveu e
me tirou dali. A incredulidade era tão grande que levei um tempo até mesmo para
começar a chorar.
 
 
Capítulo um
 
Dias atuais...
Quase caí da cama quando acordei com o choro da Lis, não fazia ideia de
quanto tempo havia dormido, mas pela sensação de cansaço espalhando-se por
todo o meu corpo, parecia bem pouco.
Arrependia-me um pouco de não ter aceitado quando meus pais quiseram
que eu fosse para a casa deles e passasse os primeiros meses da vida da minha
filha lá, acreditava que fosse dar conta sozinha, mas estava sendo um desafio
muito maior do que o previsto. Ao menos ainda tinha alguns meses de licença-
maternidade.
— Oi, filha... — Fiquei de pé e a peguei do Moisés que eu havia deixado
ao lado da minha cama. — O que é dessa vez? Cólica? Fralda?
Coloquei-a no centro da cama e vi que a fralda estava ensopada. Fui com
ela até o trocador para colocar uma limpa, mas Lis estava se mexendo muito
enquanto ria e me encarava com os seus olhinhos azuis.
— Minha criancinha polvo. — Toquei a ponta do seu nariz com a fralda
limpa e Lis riu.
Minha pequeninha tinha puxado vários traços meus, a começar pela cor
dos olhos, mas eu não conseguia olhar para ela e não pensar no seu pai. Era como
se o fato de tê-la nunca me permitisse esquecer a presença do Ian na minha vida.
Queria que fosse mais fácil, porém, definitivamente fácil não era uma
palavra que se aplicava à minha situação depois que o homem da minha vida disse
não para mim no altar e nunca mais quis olhar na minha cara.
Garantia para mim todos os dias que havia superado, que não precisava
dele para continuar de pé, mas o fato de nem mesmo saber o motivo para ele ter
desistido do casamento me enlouquecia. Ian parecia tão convencido que se
recusou a falar comigo dias depois e nem se deu ao trabalho de me dar uma
explicação.
Acreditava que ele me amasse tanto quanto eu o amava, porém, descobri
que esse amor tinha se transformado em raiva e eu nem sabia a causa.
— Vamos voltar a dormir, pequenininha. — Coloquei a Lis de volta no
Moisés e fiquei encarando o teto do meu quarto, na esperança de pegar no sono
em algum momento, mas sempre era difícil quando eu voltava a pensar no Ian.
Felizmente ainda estava de licença-maternidade e não tinha que me
preocupar em sair correndo para o trabalho na manhã seguinte.
Ian não sabia da Lis, tinha descoberto que estava grávida dias depois do
casamento cancelado. Era para estarmos na lua de mel e aumentado ainda mais a
minha felicidade, mas tudo o que consegui foi um homem que se recusava a falar
comigo e sempre colocava alguém para intermediar e nem mesmo olhar na minha
cara.
Ele não sabia da nossa filha.
Não sabia que o nosso amor havia se transformado em um serumaninho
fofo com o sorriso mais encantador do mundo.
Apesar de tudo, do abandono, da tristeza e da dor ao pensar que tudo tinha
acabado daquele jeito, todas as vezes que olhava para a minha filha ainda a
enxergava como o maior presente que ele havia me dado.
Sônia, minha melhor amiga e madrinha da minha bebê, vivia dizendo para
mim que quem havia perdido era ele. Preocupava-se em fazer a caveira do Ian
todos os dias para que eu me sentisse melhor, por mais que no fundo eu ainda não
soubesse o que de fato havia acontecido.
Esses babacas ricos são assim mesmo, mudam de ideia e a gente é quem
se ferra, vivia repetindo como se fosse o bastante para resolver a situação.
Queria que fosse simples assim, mas o vazio no meu peito não tinha ido
embora ainda que um ano já houvesse se passado.
 
 
Capítulo dois
 
— Senhor Gray?
— Sim. — Eu e meu irmão nos viramos ao mesmo tempo quando uma
mulher apareceu no corredor chamando.
Ela apontou para mim e o Ivan abriu um sorriso amarelo.
— Você é o doutor Gray. — Bati com a mão no peito dele.
— É claro! Tenho que ir para uma cirurgia em alguns minutos, boa sorte
para você.
— Igualmente.
Ivan se afastou, caminhando para o elevador e eu segui até a funcionária da
administração que estava me esperando com uma pilha de papéis nas mãos.
— Senhor, estou com a documentação que foi solicitada das finanças e
projeções do hospital para que possa analisar a possibilidade de fazer uma
ampliação da ala oncológica.
— Eu estava esperando por isso. — Fiz um gesto para que ela seguisse na
minha frente. — Vamos para a minha sala. Quero analisar isso com calma.
— Claro.
Ela seguiu na minha frente enquanto percorríamos o longo corredor até a
ala administrativa do hospital.
— Bom dia, senhor. — Helena, minha secretária, abriu um largo sorriso.
— Bom dia. — Não correspondi com a mesma ênfase, apenas abri a porta
e entrei com a funcionária, acomodando-me na minha cadeira de couro atrás da
minha escrivaninha. — Qual a sua opinião? — questionei para a funcionária.
— Precisamos aumentar o nosso faturamento em dez por cento para termos
fôlego financeiro o suficiente para realizar todas as obras previstas no projeto.
— Me deixa ver. — Estendi a mão para que ela me entregasse a
documentação.
— Aqui.
— Obrigado. Pode ir. Se eu precisar de algo a mais eu informo.
— Sim, senhor — ela assentiu com um movimento de cabeça e deu as
costas, saindo da minha sala e fechando a porta atrás de si.
O San Rose era um hospital familiar que havia começado com uma
pequena clínica com o meu bisavô há quase oitenta anos, mas havia expandido e
se tornado uma das principais referências em Miami. Meu avô, meu pai e até
mesmo Ivan, meu irmão gêmeo, haviam se tornado médicos, perpetuando a
linhagem da família e seguindo uma tradição inquebrável, ao menos até chegar em
mim.
Desde criança eu tinha certeza de uma coisa, não queria ser um médico.
Era bonito pensar em salvar as pessoas, mas infelizmente nunca foi algo que me
tocou a ponto de me dedicar na faculdade para reproduzir a carreira que tanto
marcava a minha família. Eu sempre preferi outra área, a burocracia, como dizia o
Ivan. Gostava da parte financeira, da matemática, dos números e sempre acreditei
que dessa forma pudesse fazer um trabalho melhor do que dar pontos em pessoas
vivas ou mortas.
A escolha da faculdade de administração veio naturalmente e no fundo a
minha família acabou me apoiando, queriam que eu fizesse o que achavam melhor
para mim, por mais que intimamente, meu pai até parecesse um pouco chateado.
Só que no fim das contas, acabei não me afastando dos negócios da
família. O hospital, por mais que tivesse um foco principal em cuidar de pessoas,
ainda era um negócio, uma empresa e precisava de administração.
Depois que o antigo CEO do hospital acabou se aposentando, eu fui
indicado pelo meu pai, que ainda era o chefe da cirurgia, para assumir esse papel.
No fim, não me afastar tanto assim dos negócios da família havia sido bom.
Estava com o meu pai e meu irmão todos os dias e ainda fazia o que mais
gostava, administrar. Ainda que isso representasse um desafio constante.
Com a taxa dos pacientes com câncer aumentando, precisávamos de mais
leitos e da ampliação da ala especializada no tratamento dessas pessoas passando
por um processo tão delicado. Porém, eu precisava conseguir cerca de quarenta
milhões para a reforma e compra de novos equipamentos, uma tarefa não tão fácil,
por mais que o retorno fosse acontecer em breve.
Puxei os papéis e comecei a analisar as finanças e projeções feitas pelo
meu setor financeiro. Dez por cento era algo otimista, precisávamos ao menos do
dobro para que tudo corresse como o esperado e não tivéssemos nenhuma surpresa
durante as obras. Entretanto, eu estava disposto a traçar metas e fazer cronogramas
para tonar a ampliação possível.
Ouvi uma batida na porta.
— Quem é?
— Senhor Gray? — Era a voz da minha secretária do outro lado da porta.
— Posso entrar?
— Sim.
Ela girou a maçaneta e veio para perto de mim, carregando um copo de
café da lanchonete.
— Zero lactose e sem açúcar, do jeito que o senhor toma.
— Obrigado, pode deixar aí.— Indiquei o canto da minha mesa enquanto
os meus olhos ainda estavam presos na papelada.
— Precisa de alguma ajuda?
Fiz que não.
— Vou dar conta disso sozinho.
— Se precisar de qualquer coisa é só falar.
— Sei disso, Helena.
Ela manteve o sorriso que destacava ainda mais os seus lábios pintados de
vermelho. Ela era uma mulher jovem e muito solícita que trabalhava para mim há
cerca de um ano meio. Estava sempre disposta a me ajudar e fazer tudo o que eu
precisava, ainda que isso significasse ficar depois do horário.
— Pode ir.
— Não se esqueça de que tem uma reunião com investidores na hora do
almoço. Fiz uma reserva naquele restaurante de sempre e você ficou de encontrá-
los ao meio-dia.
— Bem lembrado! Não vou me esquecer.
— Estou aqui sempre para isso.
— Faz um bom trabalho.
Ela assentiu com um sorriso ainda maior e mexeu no cabelo antes de ficar
me encarando. Como eu não disse mais nada, ela acabou se virando e saiu da sala,
deixando-me sozinho.
Tentei adiantar o máximo daquela parte antes de sair para me encontrar
com os investidores.
 
Capítulo três
 
Levantei-me do sofá quando ouvi uma batida na porta e dei um enorme
sorriso ao me deparar com a Sônia do outro lado.
— Onde está a menininha mais linda do mundo? — Ela passou por mim e
foi até o carrinho onde estava a Lis.
— Bom dia para você também — resmunguei diante da atitude dela.
— Ah, bom dia! Estava com saudades dessa princesa. — Pegou a minha
filha no colo e a balançou, fazendo com que a bebê risse.
— Obrigada por vir ficar com ela para mim essa manhã, ainda mais que é
o seu dia de folga. Talvez tivesse outros planos...
— Não tem nada melhor do que ficar com essa lindeza. Pode ir tranquila,
vamos estar muito bem quando você voltar.
— Ainda não acredito que clonaram o meu cartão de crédito. — Bufei.
Odiava ter que ir ao banco, ainda mais para uma situação tão desagradável
como aquela. Algum infeliz tinha me roubado e eu estava com uma fatura de
quase dez mil dólares em compras que eu não tinha feito.
— As compras foram feitas em outro estado, eles vão ter que dar um jeito
nisso.
— Espero que sim, porque com a licença-maternidade, nem com a
multiplicação de dinheiro magicamente eu conseguiria pagar por essa fatura.
— Vai dar tudo certo.
— Obrigada, Sônia.
— Por nada. Dá tchau para a mamãe. — Ela segurou a mãozinha da minha
filha e a balançou para mim.
— Tchau. — Dei um beijo na testinha macia e cheirosa dela. — Sônia, eu
tirei leite, está congelado no freezer. Em cima do trocador tem tudo que precisa se
tiver que trocar a fralda...
— Vamos ficar bem, Prih!
— Mas...
— Você pode ir.
— Okay, obrigada.
Minha filhinha tinha pouco mais de três meses e era a primeira vez que eu
saía de casa sem ela, ou me afastava por mais de dez minutos, era difícil para o
meu coração e eu ficava aflita só de pensar que não estaria ao lado dela se algo
acontecesse.
Vai dar tudo certo...
Prendi a respiração e repeti aquela frase para mim um milhão de vezes
enquanto entrava no meu carro e dirigia até a agência bancária que ficava a quase
meia hora do apartamento onde eu morava com a minha filha.
Sabia que em algum momento precisaríamos nos afastar, a licença acabaria
e eu teria que voltar ao trabalho, mas como eu ainda tinha alguns meses, queria
evitar pensar nisso no momento.
Dirigi até a agência e parei o carro em um estacionamento que não ficava
muito distante do prédio. O dia estava particularmente quente naquela manhã e eu
me sentia suando mesmo usando um vestido.
Pessoas passavam na minha frente de biquíni e carregando pranchas para
atravessarem até a praia que ficava há alguns quarteirões. Por mais que eu
houvesse nascido e passado a minha vida inteira naquela cidade, nunca fora muito
fã de esportes aquáticos ou de um pouco mais de adrenalina. Para ser honesta, às
vezes pensava que tinha medo de me afogar.
Entrei na agência bancária após passar pela segurança e o gerente já estava
esperando por mim depois da ligação que eu havia feito e o caos que criara via
telefone.
— Senhorita Menezes...
— Eu não fiz aquelas compras — fui logo dizendo.
Os outros clientes que estavam no banco se viraram para mim, curiosos
com o meu tom de voz e o pequeno escândalo.
— Por que não vem comigo? — O gerente fez um gesto para que eu o
acompanhasse e puxou uma cadeira para que eu me sentasse diante da sua mesa.
— Aceita um copo d'água?
— Não. Só quero resolver o meu problema.
— Tenho certeza de que sim. Posso garantir que o cartão já foi cancelado e
vamos emitir uma nova via que será entregue na sua residência em alguns dias.
— Estou preocupada é com as compras.
— Estamos fazendo uma investigação.
— Investigação? Elas aconteceram na Virgínia, eu nunca pisei lá.
— Precisa compreender que é um assunto delicado.
— Delicada é a fatura de dez mil dólares que estão me cobrando.
— Vamos deixar o pagamento suspenso até o fim da análise do nosso
departamento de fraudes.
— E o que acontece depois dessa análise?
— Vamos cancelar as compras feitas pelo cartão clonado.
— E se não cancelarem?
— Podemos negociar.
— Negociar coisa nenhuma! Não vou pagar por coisas que eu não
comprei.
— Garanto à senhorita que faremos o melhor para solucionar essa situação
o mais rápido possível.
— Eu espero que sim.
Meu celular começou a tocar, porém, eu o ignorei, tinha ido até o banco
para resolver aquela situação terrível e não sairia dali antes disso.
O aparelho começou a tocar novamente e eu o puxei para ver quem era,
deparando-me com o número da Sônia. Ela estava tão certa de que poderia ficar
com a minha filha por algumas horas que eu não imaginava que me ligaria.
— Eu preciso atender. Tenho uma filha de poucos meses...
— Tudo bem. — O gerente foi minimamente compreensível, mas se não
fosse, àquela altura eu voaria na jugular dele.
— O que foi, Sônia?
— Priscilla, aconteceu algo terrível. — A voz dela estava fraca e ofegante
do outro lado da linha.
 
 
Capítulo quatro
 
Parei o meu carro em uma das vagas do estacionamento do hospital e
entreguei a chave para o manobrista após chegar da reunião com os investidores.
Havia apresentado para eles a nova ala da oncologia e ficaram animados com as
projeções e o aumento significativo na receita do hospital.
A primeira entrada depois do estacionamento era a do pronto socorro.
Onde geralmente estavam todos correndo e agitados. Meu pai costumava dizer que
era o coração do hospital, por mais que ele passasse pouco tempo ali.
Ajeitei a barra do meu blazer e entrei, deparando-me com uma mulher
gritando. O problema era que não se tratava de qualquer mulher...
Priscilla...
Havia um ano desde que eu a tinha visto da última vez, um ano se passara
depois do momento em que disse não no altar e cancelei todo aquele casamento,
colocando um ponto final no relacionamento que tínhamos e nunca mais tive
coragem de olhar na cara dela. Só de pensar naquela mulher eu sentia muita raiva.
— Onde está a minha filha? — berrou.
Filha? Desde quando Priscilla tinha uma filha?
— Senhora, precisa se acalmar.
— Eu não vou me acalmar, ela só tem três meses...
Uma parte de mim queria passar direto, fingir que ela não estava ali, mas a
curiosidade foi maior e fez com que eu me aproximasse.
Seus olhos se arregalaram ainda mais quando ela me enxergou.
— De todos os hospitais...
— Acredite, eu não queria estar aqui. — Cerrou os dentes, demonstrando
raiva.
— Priscilla! — Ouvi uma outra voz e vi Sônia correndo até ela.
Ao que parecia, as coisas continuavam como antes e as duas ainda eram
melhores amigas.
— Eu estava trocando a fralda dela e desviei o olhar por dois segundos,
foram só dois segundos para pegar a pomada de assadura que caiu no chão, eu juro
que não imaginava que ela fosse rolar e cair do trocador...
— Como ela está? — Priscila parecia ainda mais aflita.
— Eu não sei. A levaram e disseram que iam fazer alguns exames.
— Por que a trouxeram para cá?
— Foram os paramédicos, disseram que era o hospital mais próximo.
Entãoera verdade, Priscilla tinha mesmo uma filha e isso me deixou ainda
mais irritado e confuso.
— Quem é o pai dessa criança? — Arrisquei-me a questionar, por mais que
pudesse receber um belo não é da sua conta.
Sempre fui muito bom em matemática e pelas minhas rápidas contas
mentais, para que ela tivesse com uma filha naquela idade, tinha ficado grávida
enquanto ainda estávamos juntos ou logo depois.
— Quem você acha? Seu idiota! — Priscilla não disse nada, mas a resposta
veio da sua melhor amiga.
— Espera...
— Eu preciso saber como a minha filha está. — Priscilla parecia não se
importar comigo, ao puxar a mão da amiga e ir até o guichê de atendimento.
Fiquei completamente parado, em choque, enquanto todos naquela
pequena recepção me encaravam tentando compreender o motivo daquele pequeno
escândalo. Por mais que a minha família tivesse influência, não éramos famosos a
ponto de aparecermos em jornais e revistas, então a maioria ali não fazia a menor
ideia de quem eu era.
— Tem alguma coisa acontecendo, senhor Gray? — O chefe do pronto
socorro se aproximou de mim quando me encontrou encarando o nada, perdido
como se fosse eu a sofrer um acidente.
— Alguma criança deu entrada no trauma?
— Sim, um bebê de três meses. Uma menina.
— Como ela é?
— Olhos azuis, cabelo castanho... Senhor, por que o interesse?
— Onde ela está?
— Em uma tomografia para verificar se sofreu algum traumatismo com a
queda.
— Quero o meu irmão aqui embaixo agora.
— Ele geralmente não vem ao PS, chamamos o neuro de plantão.
— Mandem chamar o Ivan, agora!
— Claro, senhor.
— Me mantenham informado.
Assim que o médico se afastou, eu virei o rosto novamente, vendo a Sônia
e a Priscilla sentadas nas cadeiras de espera. Os olhos dela estavam cheios de
lágrimas e sem dúvidas ela parecia muito abalada pelo que havia acontecido.
Quem você acha?
Por mais que Sônia não houvesse respondido de forma direta à minha
pergunta, a resposta somada às datas, deixou tudo subentendido. Havia uma
possibilidade de que aquela menina fosse a minha filha, ou talvez não fosse...
Cerrei os dentes e os punhos me recordando do motivo pelo qual havia
cancelado o casamento e dito não para ela.
Não deixaria que a Priscilla me fizesse de idiota mais uma vez.
 
 
Capítulo cinco
 
Eu estava completamente em pânico, com o meu coração quase saindo
pela boca e uma vontade insana de chorar. Tinha deixado a minha bebezinha por
pouco mais de uma hora e algo assim tão terrível acontecera.
— Eu sinto muito... — Sônia estava aos prantos ao meu lado. — Juro que
estava de olho nela. Foram dois segundos e ela rolou do trocador.
— Tinha sangue? Ela desmaiou?
Eu não era médica, tampouco tinha feito um curso básico de primeiros
socorros, mas havia passado anos da minha vida com uma família que vivia em
função de um hospital e isso fazia com que eu houvesse aprendido uma coisa ou
outra.
— Não, sem sangue, mas ela ficou desacordada por alguns minutos.
— O que os médicos disseram?
— Que tínhamos que esperar.
— Quero mais do que isso, Sônia.
— Me desculpa, Priscilla.
Por mais que soubesse que não fora algo que ela havia deixado acontecer
de propósito e que poderia ter ocorrido com qualquer um, inclusive comigo, não
conseguia deixar de ficar com raiva. O desespero me consumia de uma forma
inevitável.
Virei a cabeça e encontrei o Ian ainda me encarando. Era a primeira vez
que eu o via depois do nosso casamento. Tinha tentado falar com ele outra vezes,
principalmente para contar sobre a minha gravidez, mas a secretária sempre
inventava desculpas, dizendo que ele não estava, além de outras pessoas fazendo o
mesmo. Com o passar do tempo eu simplesmente desisti. Se aquele imbecil não
queria me ouvir o problema era dele.
Não sei quanto tempo se passou, mas a minha aflição foi se tornando cada
vez maior até que eu vi o Ivan caminhando na minha direção. Não bastava ver o
Ian, o rosto dele num corpo de médico ainda reforçava mais aquela imagem na
minha cabeça.
Os dois eram gêmeos, tinham a mesma idade, o mesmo jeito e para piorar,
geralmente usavam o mesmo corte de cabelo. Eu costumava achar o Ivan mais
egocêntrico e narcisista, mas depois de tudo o que havia acontecido
provavelmente eu só havia me enganado.
— Priscilla? — Levantei-me quando o Ivan parou diante de mim.
— Tem alguma notícia da minha filha? — O fato do melhor neurocirurgião
daquele hospital estar ali me deixou ainda mais aflita.
O que poderia ter acontecido?
— Ela...
— Vai ficar bem, Priscilla...
Suas palavras me fizeram soltar um longo e profundo suspiro de alívio.
— Eu mesmo analisei a tomografia e ela só teve uma concussão. Pode
ficar com um galo, mas vai desaparecer em alguns dias.
— Posso levá-la para casa?
— Acho melhor que ela fique aqui até amanhã.
— Mas você disse que ela está bem.
— Sim, mas por precaução é melhor observamos ela por um tempo.
— Ela é só um bebê, Ivan.
— Eu sei, mas a pediatria está de olho nela.
— Posso vê-la?
— Sim.
— Obrigada.
Ele fez um gesto para que eu o seguisse e caminhamos até um elevador,
subindo até a ala da pediatria, onde a minha filha estava em um pequeno berço
branco junto com outras crianças que também pareciam estar esperando alguma
avalição médica.
— Ah, Lis!
Ela estava deitada no berço e me encarou com seus olhos arregalados,
como fazia todas as manhãs quando acordávamos.
— Que susto deu na gente, princesa. — Suspirou Sônia, parecendo um
pouco mais aliviada depois de todo o estresse que havíamos passado.
Coloquei a mão dentro do berço e ela envolveu o meu dedo com os seus
pequeninhos, apertando-os com força.
— Meu amor... — Inclinei-me e dei um beijo na testa dela.
Não sairia dali até que a minha filha pudesse voltar para casa comigo.
 
 
Capítulo seis
 
Eu estava no corredor de pé quando o Ivan saiu da ala da pediatria e cruzou
comigo.
— Como ela está? — Não esperei que ele dissesse nada antes de
questioná-lo.
— Vai ficar bem.
— Que bom! — Soltei um suspiro de alívio.
— Que bebê é esse, Ian? — meu irmão disse em voz alta a pergunta que
estava me corroendo desde que a Priscilla havia dito as palavras minha filha.
— Eu não sei... Ela se parece comigo?
— Sim, não, talvez... Sabe que bebês tem cara de joelho. Mas os olhos e o
cabelo são como os da Priscilla... Acha que é sua?
— Ela não me disse que estava grávida antes do casamento.
— Vai ver é de outro.
— Eu quero saber. Podem fazer um exame?
— Tecnicamente não sem a autorização dela.
— Estamos em um hospital, vocês podem dar um jeito.
— Quer mesmo que a equipe faça um teste de DNA sem a autorização da
mãe?
— Só preciso saber se ela é a minha filha, Ivan.
— Não é mais fácil perguntar para a Priscilla? — Ele deu de ombros.
— Não confio nela depois do que aconteceu.
— E o que pretende fazer se a criança realmente for sua filha?
— Não sei... — Ainda não havia conseguido pensar nisso. — Primeiro eu
só preciso saber a verdade.
— Verei o que eu posso fazer.
— Valeu, cara.
Meu irmão passou por mim e deu um tapinha no meu ombro antes de
seguir para o elevador e provavelmente voltar para a ala da cirurgia.
Fiquei parado no corredor por um tempo, observando a porta onde sabia
que a Priscilla e a bebê estavam, mas não me arrisquei a me aproximar, muito
menos entrar.
Ainda tinha muita mágoa para querer falar com ela novamente.
 
 
Capítulo sete
 
A enfermeira de plantão deixou que eu pegasse a minha bebê no colo e a
amamentasse, mas tomando bastante cuidado para não a balançar demais. Segurei
a Lis como nos primeiros dias que ela nasceu, como se fosse quebrar ao mínimo
movimento meu.
Por mais que o Ivan houvesse me garantido que tudo ficaria bem e ele
fosse um expert na parte neurológica das pessoas, eu ainda não havia conseguido
espantar todo medo de que me corroía e só dela fechar os olhinhos me deixava
aflita.
Sônia voltou para casa, por mais que houvesse tentado bater o pé para ficar
comigo, mas só era permitido apenas um acompanhante. Garanti para ela que
daria notíciase em breve voltaríamos para casa. Ainda não havia ligado para os
meus pais nem avisado a ninguém mais sobre o acidente, estava tão preocupada
com a minha bebê que não queria dar explicações e sim passar o tempo todo com
ela até ter cem por cento de certeza de que não haveria mais qualquer risco.
— Senhora, com licença... — Uma enfermeira tocou o meu ombro e fez
com que eu me virasse para trás.
— O que foi?
— Vim colher um pouco de sangue da sua filha.
— Sangue? — Arregalei os olhos. — Por que querem sangue da minha
bebê?
— Vamos fazer alguns exames.
— Por quê? Ela não vai ficar bem?
— A diretoria nos pediu para ter um cuidado muito especial com ela e
garantir que não tenha nenhum problema antes que receba alta.
— Isso é mesmo necessário?
— Será rápido.
— Está bem. — Levantei-me da poltrona onde estava com a minha filha e
coloquei-a sobre um trocador, deixando que a enfermeira fizesse uma picadinha no
braço da Lis e tirasse um pouco de sangue.
Estava impressionada com o tratamento especial que a família Gray estava
direcionando à minha filha mesmo após tudo o que havia acontecido. Por mais que
esperasse que o Ian fosse aparecer e falar algo mais para mim, qualquer coisa que
não fosse aquele vazio do último ano. Entretanto, no fundo, era melhor assim.
Depois do que ele havia feito comigo, eu não precisava escutar explicações.
Se ele tinha me afastado era melhor que ficasse bem longe. Eu e a minha
filha estávamos indo muito bem sem ele.
— Prontinho. — A enfermeira sorriu para o meu bebê. — Os resultados
estarão prontos em algumas horas na patologia, mas qualquer alteração
preocupante a senhora será informada por um pediatra.
— Obrigada.
— Logo essa coisa fofa poderá voltar para casa.
— É tudo o que eu mais quero.
A enfermeira assentiu com um movimento de cabeça e saiu da enfermaria,
deixando-me com o meu bebê.
Havia outras duas mães ali com as suas crianças, mas não tínhamos
conversado muito. Os bebês delas pareciam estar muito mais doentes do que a
minha e todas estavam desesperadas, não era para menos.
Depois que a minha pequena tinha nascido, eu sentia como se o meu
coração houvesse começando a bater fora do peito.
 
 
Capítulo oito
 
— O senhor precisa de algo mais? — questionou Helena, parada na porta
do meu escritório enquanto me encarava.
Balancei a cabeça fazendo que não.
— Pode ir para casa.
— Tem certeza? Ainda não pegou as suas coisas...
— Vou ficar um pouco mais.
— Algum assunto urgente? Eu posso ajudar...
— Não, você não pode. — Interrompi a frase antes que ela continuasse
mostrando a sua inacreditável boa disposição.
— Ah, tem certeza?
— Sim, é um assunto pessoal, coisa de família.
— Entendi, mas se houver algo que eu possa fazer é só falar.
— Agradeço, Helena, mas pode ir.
— Tenha uma boa noite, senhor.
— Você também.
Ela se despediu e fechou a porta.
Sabia que a bebê, assim como a Priscilla, estava na enfermaria da pediatria.
Nunca havíamos ficado tão próximos depois do fim do nosso noivado. Com
certeza eu havia feito de tudo para afastar aquela mulher da minha vida e esperava
nunca mais ter que encontrá-la, por mais que continuássemos morando na mesma
cidade.
O que eu realmente não esperava era que nesse reencontro ela estivesse
com uma filha que poderia ser minha.
Antes de tudo, antes da minha vida ruir, não havia nada que eu desejasse
mais do que construir uma vida com aquela mulher. Chegar depois de um longo
dia de trabalho e ver meus filhos montando castelo de areia em uma casa à beira-
mar. Encontrar o sorriso da Priscilla e transar com ela a noite inteira mesmo que
estivéssemos exaustos.
Eu tinha feito muitos planos, imaginado centenas de cenas como essa, mas
então, no dia do nosso casamento, tudo foi para o espaço...
Saí do meu devaneio quando ouvi a porta do meu escritório ser aberta e o
meu pai entrou num rompante, usando seu típico jaleco branco. Aquela era a
imagem que estava gravada na minha mente desde que eu era um bebê.
— Ian!
— Oi, pai.
— Fiquei sabendo que você solicitou um exame de DNA. — Aproximou-
se ainda mais da minha mesa e parou diante de mim.
— Era para ser um segredo.
— Quem você está testando, Ian?
— A filha da Priscilla.
— A Priscilla tem uma filha?! — Ele arregalou os olhos, surpreso.
— Descobri hoje.
— E quer saber se é sua?
— Sim.
— Achei que não tivesse mais nada com essa mulher.
— Eu não tenho, mas não é como se eu não houvesse transado com ela o
suficiente antes para que ela não engravidasse.
— É... — Meu pai acabou concordando. — O que pretende fazer?
— Primeiro, esperar o resultado... — ponderei por alguns instantes. — O
senhor já não deveria ter ido para casa?
— Tive uma cirurgia hoje que acabou demorando mais do que esperado.
— Foi o Ivan quem contou? — voltei para o assunto querendo um culpado
pela notícia ter chegado tão rapidamente ao meu pai.
— Não, mas sabe que nesse hospital nada é um segredo, principalmente
relacionado à nossa família.
— Fofoqueiros. — Bufei.
— Ela pode nos processar por um exame sem autorização...
— Honestamente, pai, essa é a minha menor preocupação no momento e
não estava a fim de discutir com ela antes de ter certeza se a menina era minha ou
não. Além disso, como não sou médico, não tenho licença para perder e os
funcionários só estavam cumprindo ordens.
— Realmente acha...
— Eu não sei. — Inclinei-me para a frente, segurando a cabeça com as
mãos e massageando as têmporas.
Ouvimos uma batida na porta e meu pai se virou para ela.
— Pode entrar — autorizei.
Um dos carregadores do hospital entrou, segurando um envelope branco
que eu esperava conter o resultado que eu estava aguardando desde que a Priscilla
havia chegado naquele hospital com uma bebê.
— Senhor Gray, me mandaram trazer esse resultado com urgência.
— Pode me entregar aqui. — Entendi a mão, ansioso e ele acabou com a
pequena distância para me dar.
— Tenha uma boa noite, senhor... doutor... — Ele assentiu com um
movimento de cabeça para mim e para o meu pai antes de sair da sala e fechar a
porta.
Meu pai nem esperou que o carregador desaparecesse de vista para se
aproximar e olharmos juntos o resultado do exame. Eu não era médico, não sabia
ler exames, principalmente um de DNA, algo que não costumávamos fazer com
frequência, porém, havia um laudo bem claro apontando a compatibilidade dos
alelos paternos.
— Ela é sua filha! — Foi meu pai quem exclamou em voz alta.
— Sim ela é... — Deixei os papéis escorregarem para a mesa e os fiquei
encarando.
 
 
Capítulo nove
 
Estava sonolenta, debruçada sobre o berço onde a minha filha dormia na
enfermaria do hospital enquanto ouvia outra mãe cantando uma canção de ninar
para a sua criança.
Precisávamos ficar ali até a manhã seguinte para que a pediatria
acompanhasse qualquer possível complicação no quadro da minha bebê. Contudo,
ao ver que ela estava aparentemente bem, isso me deixava um pouco mais calma.
Lis tinha apenas três meses e aquele era um susto que eu não desejava para
nenhuma outra mãe.
— Você deveria ter me contado!
Tomei um susto com a voz grossa que ecoou atrás de mim, fazendo com
que a Lis se remexesse dentro do berço.
Virei-me para trás e me deparei com o Ian parado atrás de mim, com as
duas mãos na cintura e uma expressão de fúria. Ele parecia um cão prestes a me
atacar e não assustou apenas a mim, mas também as outras mães que estavam ali.
— Quê? — Balancei a cabeça um tanto confusa.
— Como pôde esconder de mim?! — Cerrou ainda mais os dentes.
— Senhor Gray... — uma das enfermeiras surgiu entre nós e chamou a
atenção dele em relação ao pequeno escândalo que estava fazendo no meio da
noite em uma enfermaria com bebês.
— Fique de olho nela — falou com a enfermeira, indicando a Lis e
inclinou-se na minha direção, agarrando o meu braço.
Ian saiu me arrastando para o corredor e só parou quando estávamos em
um armário de suprimentos, longe de olhos curiosos e onde ele poderia gritar
comigo sem que o restante dos pacientes ouvisse.
— Ai! —Tentei puxar o meu braço para me libertar dele. — Me solta!
Quando ele finalmente me libertou do seu agarre, dei alguns passos
cambaleantes para trás e por pouco não batia em uma estante com materiais
descartáveis.
— Ela é minha filha! — Ele tirou um papel e arremessou-o em mim.
Precisei me agachar para pegar a folha que havia caído no chão e constatei
que era um exame de DNA, não me preocupei exatamente em como ele havia
conseguido aquilo, porque nunca foi um objetivo meu esconder a Lis do Ian.
— Sim, ela é. — Dei de ombros.
— E por que não tinha me contado isso até agora?
Deixei escapar uma gargalhada amarga que fez com que ele arregalasse os
olhos e recuasse um passo, surpreso com a minha reação.
— Como eu contaria se depois de ter me abandonado no altar você nunca
mais olhou na minha cara, nem mesmo para me explicar por que diabos fez aquilo.
Achei que você me amasse, Ian, mas me abandonou sem nenhuma explicação e
me tratou feito lixo depois. Tentei falar com você algumas vezes, mas sempre
estava ocupado, não atendia as minhas ligações e sempre que eu vinha ao hospital
mandava alguém me dispensar. Como eu contaria da gravidez para você?
— Deveria... — Ele hesitou, sem encontrar as palavras certas para retrucar.
— Com os meses passando eu percebi que precisava seguir em frente e me
preocupar em cuidar da minha filha já que o pai dela deu as costas para nós.
— Deu as costas? — Foi a vez dele rir.
— Foi exatamente o que você fez, Ian.
— Agora você age como se fosse uma vítima? — Ele cerrou os dentes com
ainda mais fúria e bufou para mim.
Não compreendia o motivo da sua raiva.
— Eu sou uma vítima! — Foi a minha vez de elevar a voz. — Me deixou
no altar, Ian, destruiu os meus planos para o futuro e despedaçou o meu coração.
— O seu coração? — A incredulidade dele me surpreendeu. — Quem é
você para falar de coração destroçado? Deveria ter pensado nisso antes de me trair,
sua vadia.
Trair?
— Do que você está falando? — fiquei completamente confusa.
Se havia uma certeza era de que não tinha me envolvido com outro homem
enquanto estava com o Ian. Eu o amava e não imaginava a minha vida ao lado de
outra pessoa que não fosse ele.
— Não se faça de sonsa...
— É você quem está pirando.
— Pirando? É difícil não pirar quando se acorda na manhã do seu
casamento com fotos da sua noiva e outro cara.
— Isso não faz sentido...
— Infelizmente eu enxergo muito bem.
— Nunca fiquei com outro homem, Ian...
— Acha que eu vou acreditar.
— Mas é a verdade!
— Não sou um idiota, Priscilla. Não importa o que você diga, mas aquelas
fotos são inquestionáveis.
— Que fotos?!
Estava tão confusa e ao mesmo tempo queria saber mais sobre aquilo.
Tinha passado um ano sem saber o motivo do Ian ter me abandonado no altar e
certamente aquele não era um que eu estivesse cogitando.
Tinha amado aquele homem com todo o meu coração e não faria nada para
atrapalhar o que havíamos construído, muito menos o trairia. Não havia como isso
ter acontecido.
— Não importa. — Ele deu de ombros.
— É claro que importa! Eu não traí você.
— Chega, Priscilla. Não queria explicações suas na época e continuo não
querendo agora. A única coisa que eu quero saber é da minha filha.
— Agora você se preocupa?! — Estava irritada e raivosa.
Ele tinha gritado comigo, me ofendido e me chamado de traidora, isso
depois de me deixar no altar sem me dar explicações e nem me dar brechas para
consertar a situação. Não sabia que fotos eram aquelas nem como elas haviam
chegado ao Ian, mas tinha certeza de que não eram reais.
— Eu teria me preocupado antes se não tivesse escondido ela de mim.
— Não tem direito de falar desse jeito comigo — rosnei para ele.
— Depois do que você fez eu tenho sim.
— Não fiz nada!
— Não quero suas mentiras, Priscilla.
— Quem não quer mais te ouvir sou eu. — Espalmei as mãos no peito dele
e o empurrei para o lado a fim de passar.
Resumindo, poderia ter sido melhor não termos conversado após o fim do
casamento e ter me poupado de uma situação tão desagradável.
— Priscilla! — Ele segurou o meu pulso, impedindo-me de me afastar tão
rapidamente quanto eu gostaria
— Me solta! — Tentei me libertar do seu agarre.
— Espera! Não terminamos aqui.
— Quer saber, é melhor não conversarmos mesmo.
— Agora vai fugir?
— Percebi que eu e a minha filha estamos muito melhor sem você.
— Vai ver não me falou nada porque achou que ela pudesse ser filha do
outro cara.
Fiquei tão furiosa com aquela fala dele que não me contive, girando a mão
livre e acertando o seu rosto com um tapa.
Eu não tinha feito nada e ele não possuía o direito de me ofender daquela
forma. Sempre soube quem era o pai da Lis, mas quem não a merecia era ele.
— Seu imbecil! — Empurrei-o com ainda mais força e consegui me
libertar, escapando para o corredor.
Não iria ficar ali diante dele ouvindo todas aquelas ofensas.
Depois de toda dor que o Ian havia me causado eu não merecia sofrer
ainda mais. Já tinha chorado muito por causa daquele homem e depois das
palavras grosseiras que ouvi naquele momento, foi difícil segurar outra onda de
lágrimas.
Se não fosse pela minha bebê, seria um desafio ainda maior me manter de
pé, mas tinha descoberto a minha força ao me tornar mãe solteira e não deixaria
que o reencontro com o Ian fosse uma recaída para a minha tristeza.
 
 
Capítulo dez
 
Ela passou por mim furiosa e foi para o corredor.
Eu me inclinei, tirando do chão o exame de DNA que ela havia deixado
cair e o guardei todo amassado no bolso. Era melhor que outros funcionários do
hospital não o encontrassem para não alimentarem ainda mais a fogueira de
fofocas que se inflava muito rápido quando o assunto era a minha família.
Voltei para a enfermaria pediátrica e encontrei a Priscilla tirando a Lis do
berço e a neném soltou alguns resmungos ao ser acordada abruptamente.
— Vamos embora daqui, filhinha.
— Senhora! — Uma enfermeira se meteu, tentando impedi-la. — É melhor
que ela ainda fique em observação por algumas horas. Não queremos que
nenhuma complicação aconteça.
— Eu também não quero e prometo que irei levá-la a outro hospital, só não
podemos continuar nesse.
— Só por mais algumas horas...
— Não!
A enfermeira levantou a cabeça, encontrando o meu olhar na porta e eu
apenas balancei a minha assentindo.
Mesmo que a menina fosse a minha filha, eu ainda não tinha qualquer
poder legal sobre ela e não poderíamos impedir a decisão de um responsável se ele
queria seguir para outro hospital. Por mais furioso que eu estivesse com a situação
toda, sabia que era melhor assim, não queria um escândalo enorme com outros
funcionários comentando.
Ela passou com a filha por mim, como se eu fosse feito de fumaça e
acompanhei-as com o olhar até que sumissem de vista.
— O que está acontecendo, senhor Gray? — questionou a enfermeira ao se
aproximar de mim.
— Foque no seu trabalho.
Ela engoliu em seco com o meu tom ríspido.
Iria ser apenas uma questão de tempo para que todos no hospital
soubessem o que realmente havia acontecido, mas não seria da minha boca e eu
também acreditava que a minha vida pessoal não lhes dizia respeito, por mais que
pensassem o contrário.
Retirei-me da ala pediátrica e caminhei até o elevador para o andar onde
ficava o meu escritório. Logo que saí da caixa de metal, deparei-me com o meu
irmão esperando na porta da minha sala.
Embora ele fosse meu gêmeo e melhor amigo, não era um momento que eu
queria falar com ninguém, nem mesmo com ele.
— Nos vemos em casa — resmunguei ao passar por ele.
— Estou de plantão hoje.
— Então até amanhã. — Entrei na sala e abri uma gaveta da minha
escrivaninha, pegando o meu celular e carteira.
— Está indo embora?
— Sim.
— Não quer conversar?
— Não. — Fui seco e ríspido.
— A menina realmente é sua filha?
— É.
— Falou com a Priscilla?
— Ela disse que não me contou porque não deixei.
— Aquela vaca!
— Dane-se! — Bufei. Tudo o que havia acontecido naquele dia fora o
suficiente para me deixar muito irritado.
— E o quevocê vai fazer?
— Não sei... Ainda não sei.
— O bar do Jack deve estar aberto.
— Você não está de plantão? — Levantei a sobrancelha para encará-lo de
esgueira.
— Não tenho nenhuma cirurgia programada para as próximas horas e
espero que ninguém chegue com um trauma neurológico de urgência.
— Tomamos essa mais tarde.
— Você que sabe. — Ele deu de ombros.
— Nos vemos depois. — Dei um tapinha nas costas dele.
— Okay.
Deixei o meu escritório e meu irmão saiu logo em seguida, trancando a
porta. Ainda que algumas rodadas de cerveja parecessem uma boa ideia, tinha
certeza de que não seria assim que eu resolveria os meus problemas.
Depois que eu deixei a Priscilla no altar, acreditava que ela nunca mais
cruzaria o meu caminho, tinha me esforçado para isso e achava que estava fazendo
o certo depois de me sentir tão enganado e injustiçado por ela.
Tinha dado o meu coração para aquela mulher, feito de tudo por ela e me
senti apunhalado da pior forma. Jamais a perdoaria pela traição, não importava o
que ela fizesse, porém, saber que tinha uma filha abalava meu mundo todo e
colocava à prova uma estrutura que eu mesmo já havia aceitado tão bem.
Com uma filha entre nós não dava mais para simplesmente me esquecer da
existência da Priscilla na minha vida nem fingir que nada do que havíamos
passado acontecera de verdade.
 
 
Capítulo onze
 
— Ela está bem, mamãe. Mas qualquer alteração, no sono, no choro ou no
comportamento dela pode trazer de volta para uma consulta — garantiu a pediatra
ao examinar a Lis num hospital que ficava bem mais distante da minha casa do
que o San Rose, mas sair das vistas e do controle do pai dela me parecia ser a
melhor coisa a fazer, ainda que confiasse na equipe que trabalhava lá, bem como
no diagnóstico do irmão dele.
Felizmente a queda da Lis não havia provocado danos e nós podíamos
voltar para casa.
Voltei com a minha filha para o estacionamento do hospital e abri a porta
de trás do meu carro, acomodando-a no bebê conforto, chequei para verificar se
tudo estava bem preso e seguro antes de me acomodar no banco do motorista.
Peguei o celular na bolsa e vi que já se passavam das três horas da manhã.
Havia sido um dia muito mais agitado do que eu gostaria, mas felizmente a minha
filha estava bem e isso era tudo o que importava.
Havia algumas mensagens da minha melhor amiga. Sônia estava
desesperada com o que havia acontecido e muito preocupada com a Lis. Eu tinha
certeza de que havia sido um acidente e que ela não havia deixado a minha filha
sem cuidados, mas em seu lugar eu também estaria me culpando muito.
 
Sônia:
Priscilla, por favor, me dá notícias!
Como ela está?
O que os médicos disseram?
Priscilla:
Estamos voltando para casa.
Ela está bem, só preciso ficar atenta com ela pelos próximos dias
para garantir que não tenha nenhuma complicação, mas os exames não
mostraram nada e o próprio Ivan me garantiu isso.
Sônia:
Ah, graças a Deus!
Que bom que o neurocirurgião da família estava lá.
Priscilla:
É...
Sônia:
E como foi reencontrar o Ian depois de todo esse tempo?
Priscilla:
Uma merda!
Sônia:
Sinto muito.
Priscilla:
Ele disse que me largou no altar porque eu o traí.
Sônia:
Fala sério!
Priscilla:
Não tem mundo em que eu faria isso.
Sônia:
Você amava até demais aquele cara.
Priscilla:
Pois é! Chegou se achando o dono da razão e brigando comigo por
não ter contado sobre a Lis, como se ele houvesse me dado brecha para
isso em algum momento.
Sônia:
Ele foi um idiota.
Priscilla:
Continua sendo.
Sônia:
Sinto muito.
Priscilla:
Agora já foi.
Sônia:
Acha que ele vai querer algo com a Lis agora?
Priscilla:
Não sei, mas fez a porcaria de um teste de DNA, como se as minhas
palavras não fossem o suficiente.
Sônia:
E aí?
Priscilla:
Não quero mais ficar pensando nisso.
Sônia:
Eu entendo.
Já voltou para casa?
Priscilla:
Não, ainda estou no estacionamento.
Sônia:
Então conversamos depois.
Qualquer coisa é só me ligar.
Priscilla:
Obrigada.
 
Coloquei o celular de volta na minha bolsa e a joguei sobre o banco do
carona antes de dar partida no veículo, dirigindo de volta para a minha casa.
Estava com um pouco de sono, mas tinha certeza de que passaria a noite em claro,
não apenas pela preocupação com o bem-estar da minha filha, mas graças a tudo o
que havia acontecido naquele dia.
O San Rose já fora cenário de muitas lembranças felizes na minha vida,
porém, elas estavam se tornando cada vez mais distantes com o passar do tempo e
sendo substituídas por outras nas quais eu preferia nem pensar.
 
 
Capítulo doze
 
Não consegui dormir, virei-me de um lado para o outro na cama a noite
inteira. Havia muito tempo que não tinha uma noite tão maldormida, mas
considerando o que havia acontecido, não era para menos.
Rever a minha ex, descobrir que eu tinha uma filha e ainda por cima
confrontá-la por algo que estava entalado na minha garganta há um ano.
Acreditava que havia superado e que tudo aquilo estava num passado bem
distante, porém, ficou evidente que não era bem assim.
Meu despertador ainda nem havia tocado quando me levantei na cama e fui
até o banheiro, jogar um pouco de água no rosto e escovar os dentes.
Geralmente o hospital era mais a minha casa do que aquela residência com
quartos aconchegantes e uma bela piscina na qual a minha mãe passava a maior
parte dos seus dias, se bronzeando. Meu pai nos levava para lá desde que me
entendia por gente, mas naquele dia pensar em ir me deixava um pouco aflito por
causa dos murmurinhos que eu sabia que estariam rondando.
Se todos os funcionários ainda não sabiam que a minha ex havia aparecido
com uma filha, era só uma questão de tempo para que o assunto se espalhasse
rapidamente e logo todos estarem comentando sobre uma criança cuja existência
eu desconhecia há menos de vinte e quatro horas.
Escolhi uma camisa branca entre as várias iguais e coloquei um par de
abotoaduras de ouro. Arrumando-me para sair como qualquer outro dia, porque no
fundo sabia que fugir dos problemas não os resolvia.
Desci para a sala de jantar e me deparei com os meus pais ao redor da
mesa do café.
A primeira coisa que minha mãe fez foi erguer os olhos na minha direção e
eu sabia que meu pai tinha comentado algo com ela.
— Quando vou conhecer a minha neta?
Virei-me para ele com uma expressão cerrada e meu pai deu de ombros
como se não tivesse culpa por aquela situação.
— É complicado. — Segurei o encosto de madeira da minha cadeira de
sempre e ponderei se me sentava ou não para comer algo.
— Como assim? Seu pai disse que fizeram um teste de DNA e que a
menina realmente é sua filha.
— Mas eu não a registrei, mãe. Teria que abrir um processo para isso caso
a Priscilla não concorde.
— Por que ela não concordaria?
— Como eu disse, é complicado.
— Mas você não pode simplesmente não fazer parte da vida dessa menina.
— Oi, família! — Ivan apareceu no nosso campo de visão, distraindo-nos
do assunto que estávamos discutindo por alguns instantes e isso me aliviou um
pouco.
Meu irmão bocejou e puxou a sua cadeira de sempre, puxando um pratinho
e se servindo com ovos mexidos e bacon.
— Nossa, teve um acidente com engarrafamento, múltiplas vítimas, achei
que essa noite não chegaria ao fim nunca.
— Muitos golpes na cabeça? — questionei.
— Não faz ideia — respondeu antes de colocar um pedaço de bacon na
boca.
— Você está chegando do hospital e eu preciso ir. Até mais tarde! —
Aproveitei a brecha para escapar dos meus pais.
— Ian! — chamou a minha mãe e fingi não a ouvir. — Ian, não pode sair
assim sem comer.
Dei meia-volta e peguei um croissant em uma cesta de pães.
— Até mais tarde.
— Ian!
Deixei a minha mãe falando sozinha e fui até a garagem onde havia
deixado o meu esportivo conversível. Uma das vantagens do clima de Miami era
poder andar pela cidade com o vento batendo no rosto enquanto o calor
geralmente era muito intenso.
Segui pela cidade, vendo as pessoas nas ruas, muitas delas de roupas de
banho ou carregandopranchas e outros equipamentos aquáticos. Por mais que
praia não fosse algo que eu amasse tanto, era o principal destino das pessoas que
vinham de outras partes dos Estados Unidos ou mesmo do mundo. Parei em um
semáforo e algumas pessoas atravessaram na frente do carro, entre elas, um
homem segurando a filha pela mão. Ela deveria ter ao menos uns cinco anos, mas
me levou a pensar na Lis e no que eu provavelmente teria perdido ausente na vida
dela.
Isso fez com que eu sentisse ainda mais raiva da Priscilla, porque graças a
ela não éramos a família que deveríamos ser. Não suportava a ideia de que ela
tinha jogado no lixo tudo o que eu fizera por ela.
Pensar nisso me deixava ainda mais furioso.
Depois que eu desistira do casamento eu tinha apagado todas as fotos dela
no meu celular, todas as referências ao nosso relacionamento. Havia me livrado de
vestidos, fotos ou qualquer outra coisa que ela pudesse ter deixado entre os meus
pertences.
Achava que seria fácil excluí-la da minha vida, livrar-me das sensações
ruins e da dor que pensar em tudo me provocava, porém, o destino parecia
disposto a brincar comigo.
Meu celular começou a tocar e a chamada pareceu na multimídia do carro.
Atendi através de um botão no volante.
— Eva, não é um bom momento.
— Nossa, querido! Até parece que não queria ouvir a minha voz, mas vou
pensar que algo aconteceu no hospital e é o responsável pelo seu mau humor.
— Mais ou menos...
— Imaginei.
Por falar em ex, Priscilla não era a única com a qual eu lidava. Eva tinha
sido a minha primeira namorada com quem eu havia terminado depois de perceber
que ela não era o tipo de mulher que eu queria para mim, por mais parecida que
fosse com a minha mãe. Entretanto, naquele último ano, desde que eu havia
cancelado o meu casamento com a Priscilla, ela estava fazendo de tudo para que
voltássemos.
O que ela nunca entendeu é que o motivo de não estarmos juntos havia
aparecido muito antes do acidente que colocou a Priscilla na minha vida.
— Estou chegando no hospital agora e não posso conversar. Tenho uma
reunião importante em alguns minutos — menti.
— Podemos combinar um almoço então? Naquele restaurante de sempre.
— Hoje não dá.
— E para o jantar? Se me lembro bem você sai depois das dezoito do
hospital.
— Se não tiver nenhum assunto importante para resolver.
— Tenho certeza de que pode dar um jeito por hoje.
— Não vai rolar.
— Ian...
— Eva, não insiste.
— Até quando vai inventar todas as desculpas do mundo para me dar um
bolo. Sei que podemos superar o que aconteceu, só preciso de uma chance para
mostrar isso a você.
— Somos passado um do outro há muito tempo.
— Mas quando você terminou tudo com aquela lá...
— Sabe que isso não significa nada na nossa relação.
— Posso mostrar para você que está errado...
— Não, Eva, só não insiste. Tenha um bom dia. — Desliguei a chamada
antes que ela continuasse com o discurso.
Nós dois éramos um passado ainda mais distante do que meu romance com
a Priscilla e ao contrário da mãe da minha filha, nunca havia pensado em me casar
com a Eva. Ela era uma garota que havia crescido comigo pelo mesmo círculo
social, mas nunca fomos realmente compatíveis.
Estacionei o carro na minha vaga de sempre e desci, caminhando até a
entrada do hospital. Não tinha compromisso aquele horário, mas esperava
encontrar um pouco de paz no meu escritório sem ter que falar com ninguém.
— Bom dia, senhor Gray — comentou alguém na recepção e eu não disse
nada, apenas assenti com um movimento de cabeça.
— Bom dia!
Segui para o elevador e apertei o botão para o meu andar, colocando as
mãos dentro dos bolsos e perdendo o meu olhar nos espelhos.
Havia passado a noite em claro e ainda estava com a mente um tanto
perdida, sem saber exatamente o que fazer ou sem encontrar uma alternativa de
estar próximo da minha filha sem que o meu caminho cruzasse com o da Priscilla.
Ela poderia negar o quanto quisesse, mas não havia nada mais vivo na
minha mente do que aquelas fotos que haviam chegado no meu celular na manhã
do nosso casamento. Elas me arruinaram, me destruíram e fizeram com que eu
odiasse a mulher que mais havia amado antes.
Só de pensar nisso me dava vontade de cerrar os dentes e os punhos.
— Senhor Gray... — minha secretária se levantou assim que eu apareci no
seu campo de visão.
— Bom dia.
— Chegou cedo.
— Vou ficar na minha sala, me chame só se for algo urgente.
— Está bem.
Nem deixei que ela falasse mais nada antes de me trancar e fechar a porta.
Seria um dia logo...
 
 
Capítulo treze
 
Quase caí da minha poltrona de amamentação quando ouvi o som do choro
da minha filha. Dei-me conta de que o cansaço havia me vencido e fiquei brava
comigo mesma por ter pegado no sono.
E se algo acontecesse e eu estivesse dormindo?
Fiquei de pé ao lado do berço e a peguei no colo, envolvendo-a junto ao
meu peito e inspirando profundamente.
— Estou aqui, meu amorzinho...
Ela esfregou a cabecinha nos meus seios e percebi que o motivo do choro
era apenas fome. Sentei-me com ela na poltrona e abri a minha blusa, tirando o
seio do sutiã de amamentação e a minha filha não pensou duas vezes antes de
abocanhá-lo. Fiz carinho no seu rostinho e ela me encarou de volta, como se não
houvesse qualquer motivo para que eu ficasse tensa, nem ela.
Inspirei profundamente e deixei que a minha filha sorvesse o leite,
alimentando-se enquanto eu apenas a contemplava.
Apesar da minha vida ter virado de cabeça para baixo depois que o Ian
havia me deixado no altar e toda a dor que esse momento causara em mim, não
poderia negar que ele também tinha me dado tudo de mais precioso. Era
impossível medir o amor que eu sentia pela Lis e a forma como ela completava a
minha vida.
Eu era capaz de tudo por ela e a minha filha me dava uma força que eu
nem conseguia mensurar.
Por mais que ela não houvesse sido planejada e que ser mãe solteira fosse
um desafio diário, tinha certeza de que era capaz de passar por tudo novamente só
para tê-la.
Eu poderia não entender de onde Ian tinha tirado aquela traição, na minha
mente provavelmente tudo continuaria daquele jeito, com ele sabendo ou não da
filha, mas não importava, porque eu a tinha.
Se alguém estava perdendo por não dar valor àquela bebezinha linda era
ele.
Fui surpreendida quando o interfone tocou, ainda era dia, mas estávamos
perto do horário do almoço e eu imaginei que a Sônia pudesse ter dado uma
escapada do hotel onde trabalhava para ver como estávamos.
Eu me levantei com a minha filha nos braços, ainda mamando e fui até a
sala, abrindo a porta sem pensar muito, mas o que eu não esperava era me deparar
com ele.
— Ian!
— Parece que você ainda mora no mesmo lugar.
— O que está fazendo aqui? — Cerei os dentes, furiosa.
Minha filha acabou se assustando e soltou o meu seio para encontrar o
homem que havia mexido com a minha paz.
— Vim ver como ela está.
— Fez medicina nesse um ano? — questionei em um tom ríspido.
— Não, contínuo na administração do hospital.
— Então não precisamos de você.
— Mas eu sou o pai dela...
— Estamos nos virando muito bem até o momento.
Lis ignorou a nossa discussão e voltou a mamar. Para ela o Ian era um
completo estranho, porque não estava ali durante a minha gravidez nem nos
primeiros momentos da sua vida.
— Imagino que sim.
— Então pode ir.
— Ela voltou a passar mal?
— Não.
— Levou-a em outro hospital?
— Sim, disseram que estava tudo bem e que eu só precisava ficar muito
atenta.
— Pelas olheiras imagino que nem tenha dormido.
— Isso é normal para quem cuida sozinha de uma criança desse tamanho.
— Fala como se eu tivesse abandonado vocês. — Pareceu irritado.
— Não foi exatamente o que aconteceu?
— Você...
— Eu nada! — Nem deixei que ele terminasse a frase. Não permitiria que
chegasse no meu apartamento e começasse a me ofender. — Você nem se deu ao
trabalho de falar nada comigo.
— Prometi para mim mesmo que nunca mais olharia na sua cara.
— Então está sendo péssimo em cumprir promessas.
— Nãodá para cumprir essa considerando que temos uma filha.
Dei de ombros. Precisaria de mais do que aquele discurso para me
convencer, mas eu estava me deixando levar por toda a mágoa e tristeza do último
ano. Tinha cultivado muita dor pensando naquele homem e na forma como ele
havia me deixado.
— E agora acha que simplesmente pode aparecer e ser o pai do ano?
— É mais do que simplesmente achar, é a minha responsabilidade. Pode
até não me querer por perto e eu também não te quero por perto, mas a maior
prejudicada se eu ficar longe vai ser a Lis.
O fato de ele estar certo me deixava com ainda mais raiva. Ian sempre
tinha sido um homem sensato, protetor e carinhoso. O fato de ele acreditar que eu
realmente poderia tê-lo traído aumentava ainda mais a minha mágoa.
— Vai me deixar parado aqui fora? — Tirou as mãos dos bolsos.
Encarei o corredor vazio atrás dele e ponderei bater com a porta na sua
cara, mas sabia que fazer isso era apenas me deixar levar pela raiva. Acabei
assentindo e dei alguns passos para trás para que ele entrasse na minha sala.
Ian passou pela porta e a fechou atrás de si.
Lis parou de mamar e a coloquei sobre o meu ombro, para que pudesse
arrotar. Com uma das mãos eu a segurei firme e com a outra, ajeitei o meu sutiã.
Por mais que o Ian já houvesse visto o meu seio uma infinidade de vezes, ainda
assim, foi um pouco constrangedor. Toda a intimidade que nutrimos por anos
parecia ter se evaporado.
 
 
Capítulo quatorze
 
A princípio, aparecer daquele jeito no apartamento dela parecia uma
péssima ideia. Sabia que o turbilhão de sensações, que misturavam raiva e rancor,
poderia colocar tudo a perder e me deixar insano e irresponsável. Porém, ao olhar
para a minha filha, era como se nada disso mais importasse.
Ela tinha os olhos e o cabelo da Priscilla, mas ainda assim eu conseguia me
reconhecer em outros traços, como o formato do nariz.
— Posso segurá-la? — Estendi os braços.
— Ela precisa arrotar.
— É só você me mostrar como eu a deixo.
Priscilla hesitou, mas acabou concordando com um movimento de cabeça.
Ela colocou a minha filha sobre o meu ombro e posicionou as minhas mãos para
que eu a segurasse bem. Lis era tão pequena e frágil que eu tinha uma sensação
terrível de que poderia machucá-la, mas se quisesse ser um bom pai, o mínimo que
eu precisava fazer era conseguir segurar a minha filha.
Alguns instantes depois, ouvi um barulho e Priscilla começou a rir.
— O que foi? — Franzi o cenho sem compreender.
— Ela golfou no seu blazer.
— Está tudo bem. — Comecei a rir.
Priscilla se levantou, desaparecendo de vista por alguns segundos e
voltando instantes depois com uma toalhinha de boca.
— Pode me devolvê-la agora... — Estendeu a mão para mim.
— Não, quero ficar com ela um pouco mais de tempo.
— Se quiser descê-la do ombro.
— Okay. — Segurei a Lis com os braços em concha, de um jeito que eu
poderia passar a eternidade encarando o seu rostinho. — Ela é tão linda...
— Sim.
Meus olhos estavam marejados e eu demorei a perceber.
Eu tinha planos de ser pai, imaginava construir uma família com a Priscilla
quando a pedi em casamento. Só não esperava que a situação fosse acabar daquele
jeito.
Ela não deveria ter acabado com tudo.
— Pode ficar de olho nela para que eu vá ao banheiro?
— É claro!
Não tinha qualquer experiência com bebês, mas segurar a minha filha por
alguns minutos estava longe de ser o fim do mundo. além disso, o tempo em que
ela estava nos meus braços, me encarando ao passo que eu a olhava de volta,
parecia permitir que nos conectássemos de um jeito que eu nem conseguia
descrever.
A magia daquele momento foi a coisa mais intensa que eu senti na minha
vida. Ela era só um bebê e não tinha feito nada além de me encarar de volta, mas
ao mesmo tempo era como se houvesse mudado uma chave dentro de mim.
— Pronto, voltei!
— Ela está bem comigo.
— Você não precisava estar no hospital? — Priscilla torceu os lábios.
— Ninguém vai morrer pela minha ausência por algumas horas.
— Vantagens de não ser médico.
— Exatamente!
— Já que você está aqui vou preparar algo para comer.
— Está bem.
Nunca achei que pudesse ser tão estranho e também tão natural estar perto
da Priscilla depois de todo aquele tempo e o desconforto que eu sentia ao pensar
na traição. Acho que o fato de ela parecer exatamente a mesma mulher a quem eu
havia pedido em casamento tornava tudo esquisito.
Cuidado, Ian!
Não queria me deixar levar por qualquer emoção e me frustrar ainda mais.
Só estava ali por causa da minha filha. Independente do que a mãe havia feito, eu
sentia que ela era minha e o teste de DNA comprovava isso.
 
 
Capítulo quinze
 
Só me dei conta do quanto estava faminta quando coloquei os bifes de
hambúrguer na chapa e o cheiro de carne tomou conta da pequena cozinha do meu
apartamento.
Amamentar sugava bastante das minhas energias, porém, eu adorava esse
momento e a ligação que eu tinha com a minha filha durante aquele instante.
Preparei uma salada, lavando as folhas e cortando algumas fatias de
tomate. Ainda que ele não estivesse merecendo, fiz um para o Ian também,
lembrando-me das vezes em que comemos cachorro-quente juntos assistindo ao
pôr do sol diante da praia que ficava mais próxima ao hospital.
Por muitas vezes, tínhamos sentado no capô do carro dele em silêncio,
apenas observando o momento e curtindo-o juntos. Fiquei tão chateada após a
forma como ele havia me deixado que fizera o possível para apagar essas cenas da
minha mente, porém, no fundo, elas ainda estavam ali.
Peguei uma jarra de suco de laranja que eu havia comprado no mercado no
dia anterior e servi dois copos, colocando-os em uma bandeja junto com os
hambúrgueres e voltei para a sala, onde o Ian estava com a Lis no colo, encarando-
a como se estivesse paralisado. Nesse momento eu nem poderia julgá-lo, porque
tinha perdido as contas das inúmeras vezes que eu havia feito exatamente a mesma
coisa.
— Fiz um para você também — disse num tom mais firme e a minha fala
quebrou o transe em que ele se encontrava, fazendo com que se virasse para mim.
— Não precisa comer se já tiver almo...
— Valeu, também estou com fome. — Ele me interrompeu.
Deixei a bandeja sobre a mesa de centro entre o sofá e o móvel com a
televisão e aproximei-me dele para pegar a minha filha dos seus braços. A
contragosto, Ian acabou me entregando a bebê e a coloquei em um carrinho que
estava num canto da sala. Puxei-o para perto de mim para que pudesse ficar de
olho nela enquanto comia.
Ian se inclinou para a frente e pegou o outro hambúrguer para ele, sem
falar uma única palavra comigo.
Tínhamos compartilhado muito das nossas vidas antes, mas foi como se
naquele momento houvéssemos nos transformado em completos estranhos um
para o outro. Talvez porque eu nunca tivesse imaginado que o nosso para sempre
terminaria em algum momento. Só de pensar nisso, o meu coração voltava a se
estilhaçar.
Nada me doía mais ao longo do último ano do que pensar naquele homem.
Já passara por alguns desafios ao longo da vida, mas ser deixada por ele no altar
fora o que mais me doeu. Tinha sofrido e ainda sofria tanto, que não consegui me
aproximar de outro homem depois. Minha vida havia se transformado em apenas
trabalho e a expectativa da chegada da minha filha até que ela finalmente nasceu.
Ter a Lis me mostrou que nada mais importava, nem mesmo o que o pai
dela fizera comigo. Já tinha aceitado que Ian nunca mais faria parte da minha vida,
mas tê-lo ali de novo, tão próximo, me deixava muito desconfortável e trazia à
tona velhas feridas que me faziam sofrer.
Já tinha sofrido demais por aquele homem e achava que a presença dele só
faria com que tudo piorasse.
Traição? Fala sério!
Eu o amava demais para sequer conseguir olhar para outro cara na rua. Já
estávamos separados há um ano e eu ainda não tinha conseguido superar isso.
— Você poderia ter inventado uma desculpa melhor se não queria nada
mais comigo — soltei em meio a um resmungo, por mais quefosse um
pensamento.
— Quê? — Ele parou no meio do caminho antes de dar uma mordida no
hambúrguer e se virou para mim.
— Para jogar a culpa em mim e cancelar o casamento.
— Do que está falando, Priscilla?
— Sabe que eu jamais trairia você.
— Não é o que eu sei, é o que eu vi.
— Viu?! — Deixei escapar um gritinho que fez com que a minha filha
tomasse um sustinho e desse um salto no carrinho. — Só se foi uma ilusão.
Ian bufou, colocando o hambúrguer de volta na bandeja e puxou o celular
do bolso, mexendo nele por alguns instantes até encontrar algo e praticamente
esfregar no meu rosto.
— Isso parece ilusão para você?
Também coloquei o meu hambúrguer de lado ao me deparar com a foto.
Não reconheci o quarto, muito menos o homem que estava comigo na
cama, mas o rosto parecia exatamente o meu. Nem me importei em sujar o celular
dele de molho enquanto encarava aquela foto que não fazia o menor sentido para
mim.
— Essa não sou eu.
Ele balançou a cabeça e começou a rir, pegando o celular de volta.
— Até onde eu sei, eu que tenho um irmão gêmeo e não você.
— Eu não conheço esse cara nem esse lugar.
— Era exatamente isso que eu não queria ouvir. — Bufou, guardando o
celular novamente no bolso.
— É a verdade.
— Fala sério, Priscilla! Não sou idiota.
— Não importa o que você ache ou não que é. Não sou eu! Nunca estive
nesse lugar, muito menos com esse cara.
Ian balançou a cabeça em negativa, demonstrando que não acreditava em
mim e isso me deixou ainda mais irritada.
— Acho que já chega.
— O quê?
— É melhor você ir embora.
— Vim ficar com a minha filha.
— Podemos planejar visitas programadas depois, se o juiz achar
apropriado.
— Visitas programadas?! Juiz? Priscilla!
— Não é assim que casais divorciados fazem?
— Não é o nosso caso.
— Exatamente, nem chegamos a nos casar, mas acho que essa não é a
questão, só não quero que apareça aqui de supetão de novo. Eu posso estar
acompanhada — disse aquela última frase em um acesso de raiva ao me recordar
de que ele não havia confiado em mim nem a ponto de me questionar sobre aquela
foto.
Depois de tudo o que havíamos passado eu merecia o mínimo de
consideração, porém, ele me tratou como se nada importasse.
— Priscilla...
— Vai embora, Ian.
Ele cerrou os dentes, bufando e acabou ficando de pé, encarando a nossa
filha no carrinho e depois voltou a olhar para mim.
— Okay. Imagino que seu celular também continue o mesmo.
— Continua.
— Eu vou ligar.
— Está bem.
Fiquei esperando que ele deixasse o meu apartamento e não desviei o olhar
dele até que Ian desaparecesse no elevador.
Queria nunca mais ter que olhar na cara dele, o problema era que eu tinha
certeza de que não seria tão simples.
 
 
Capítulo dezesseis
 
Voltei para o hospital depois da minha visita nada amistosa ao apartamento
da minha ex-noiva. Felizmente eu passei alguns minutos com a minha filha e isso
parecia ter feito valer a pena. Por mais parecida que a Lis fosse com a mãe, a
ligação que nós tínhamos era inacreditável e me fazia sentir sensações que nunca
havia experimentado antes.
Num misto de felicidade e irritação, debrucei-me sobre as hastes de ferro
que serviam de parapeito no mezanino do andar da administração onde eu passava
a maior parte do meu tempo naquele hospital.
Inclinei a cabeça para a frente e massageei as têmporas.
Jurei que poderia tirar aquela mulher de uma vez por todas da minha vida.
Achei que conseguiria ignorá-la e tudo o que havia acontecido entre nós dois, mas
havia ficado evidente que não seria assim tão simples. Eu teria que reviver tudo
aquilo e encontrar um meio termo para poder fazer parte da vida da minha filha.
— Dor de cabeça?
Virei-me para o lado e vi o meu irmão escorar-se ao meu lado. Ele estava
com um uniforme azul e uma toca no cabelo. Parecia ter acabado de sair do bloco
cirúrgico.
— Antes fosse apenas isso. — Soltei o ar com força.
— Podemos fazer uma tomografia...
— Só se for na ala psiquiátrica, porque o meu problema não é físico.
— Então sabe a causa.
— Não preciso ser um grande médico para isso...
— Quer falar a respeito?
Movi a cabeça querendo negar, mas acabei assentindo. Ivan não era apenas
o meu gêmeo, mas o meu melhor amigo e não havia ninguém com que eu me
sentisse mais à vontade para desabafar.
— Fui até o apartamento da Priscilla ver a minha filha.
— Parece que não saiu como você esperava.
— Não mesmo...
— Ela mandou você embora?
— Mais ou menos. Fiquei com a menina um pouco e depois que
começamos a falar da traição, ela me mandou embora e disse que poderíamos
programar visitas de acordo com o que o juiz determinasse.
— Juiz? É sério?
— Isso me deixou puto.
— Acha mesmo que ela vai exigir que você entre na justiça para fazer
parte da vida da sua filha?
— Eu não sei, espero que não, mas continua negando sobre a traição
mesmo quando eu mostrei a foto que recebi na manhã do nosso casamento. Jura
que não é ela, que não conhece o cara nem o quarto. Como ela pode negar mesmo
eu mostrando a prova?
— Tem essa foto aí? — quis saber o meu irmão.
— Tenho...
— Nunca me mostrou, posso?
Assenti e puxei o aparelho, buscando mais uma vez a imagem na galeria e
entregando o aparelho para o Ivan.
Ele ficou encarando a imagem por minutos intermináveis até que me
devolveu o aparelho.
— Viu, é ela! — Cerrei os dentes.
— Sim, parece ela.
— Parece? — Eu quis dar um soco no meu irmão por causa do que ele
disse.
— Sou um neurocirurgião, acostumado com os mínimos detalhes. Um
milímetro errado e eu posso causar morte cerebral ao meu paciente.
— E o que isso tem a ver com a minha noiva fodendo com outro cara?
— O nariz dela é mais redondo e o rosto um pouco mais fino. São detalhes
mínimos que chamam a minha atenção. Talvez se tivesse me mostrado essa foto
antes...
— O que está insinuando, Ivan?
— Já pensou que pode realmente não ser ela?
— Você não está vendo a mesma foto que eu?! — soltei com um ar
profundo de indignação. — É claro que é ela.
— Já ouviu falar de deep fake?
— O que é isso? — Franzi o cenho confuso, como se o meu irmão
estivesse falando um dialeto que eu desconhecia.
— Ouvi alguns pacientes falando sobre isso uma vez, não conheço
exatamente, mas parece que tem alguns aplicativos e programas que conseguem
colocar o rosto de uma pessoa em outra, em fotos ou vídeos. Eu não tenho certeza,
mas justificaria as pequenas falhas que eu vejo no rosto dela.
— Está me dizendo que eu cancelei o meu casamento por uma farsa?
Ivan não disse nada, apenas deu de ombros.
Fiquei tão furioso que não sabia se me dava um soco ou urrava.
— Como eu sei se essa foto foi forjada?
— Cara, sou um médico, não um especialista em programas de
computador.
— Mas...
— Deve conseguir encontrar alguém que verifique isso para você. Veja
com os técnicos da informática, sei lá...
— Você realmente acha... — O chão estava desmoronando debaixo dos
meus pés.
— Eu não sei, mas é uma possibilidade.
— Perdi o nascimento da minha filha...
— Doutor Gray! — Uma enfermeira apareceu no corredor, chamando pelo
meu irmão e ele apenas deu de ombros ao se afastar de mim.
Que merda!
 
Capítulo dezessete
 
Hesitei antes de abrir a porta novamente, mas deixei escapar um suspiro de
alívio quando a Sônia passou por ela e veio na minha direção, pegando a minha
filha dos meus braços.
— Como está a garotinha da dinda? — Fez uma careta para a minha filha,
tentando interagir com ela, mas a Lis ignorou completamente.
— Ela está bem, não demonstrou nenhum sinal preocupante que me fizesse
correr com ela para o hospital novamente.
— Que notícia maravilhosa! Priscilla, eu sinto muito mesmo... — Minha
melhor amiga começou a se desculpar novamente.
— Tudo bem, Sônia — interrompi. — Poderia ter acontecido com
qualquer pessoa.
— Nunca mais eu desvio o olhar dessa princesa, eu prometo.
— Sei disso.
— Então por que continua com uma cara péssima?
— O Ian apareceu aqui.
— É sério?
Balancei a cabeça fazendo que sim. Depois me afastei dela alguns passos e
deixei o meu

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