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CLASSES E MOVIMENTOS SOCIAIS PROF. ME. LOURIVAL SOUZA FELIX Reitor: Prof. Me. Ricardo Benedito de Oliveira Pró-Reitoria Acadêmica Maria Albertina Ferreira do Nascimento Diretoria EAD: Prof.a Dra. Gisele Caroline Novakowski PRODUÇÃO DE MATERIAIS Diagramação: Alan Michel Bariani Thiago Bruno Peraro Revisão Textual: Fernando Sachetti Bomfim Marta Yumi Ando Produção Audiovisual: Adriano Vieira Marques Márcio Alexandre Júnior Lara Osmar da Conceição Calisto Gestão de Produção: Aliana de Araújo Camolez © Direitos reservados à UNINGÁ - Reprodução Proibida. - Rodovia PR 317 (Av. Morangueira), n° 6114 Prezado (a) Acadêmico (a), bem-vindo (a) à UNINGÁ – Centro Universitário Ingá. Primeiramente, deixo uma frase de Sócrates para reflexão: “a vida sem desafios não vale a pena ser vivida.” Cada um de nós tem uma grande responsabilidade sobre as escolhas que fazemos, e essas nos guiarão por toda a vida acadêmica e profissional, refletindo diretamente em nossa vida pessoal e em nossas relações com a sociedade. Hoje em dia, essa sociedade é exigente e busca por tecnologia, informação e conhecimento advindos de profissionais que possuam novas habilidades para liderança e sobrevivência no mercado de trabalho. De fato, a tecnologia e a comunicação têm nos aproximado cada vez mais de pessoas, diminuindo distâncias, rompendo fronteiras e nos proporcionando momentos inesquecíveis. Assim, a UNINGÁ se dispõe, através do Ensino a Distância, a proporcionar um ensino de qualidade, capaz de formar cidadãos integrantes de uma sociedade justa, preparados para o mercado de trabalho, como planejadores e líderes atuantes. Que esta nova caminhada lhes traga muita experiência, conhecimento e sucesso. Prof. Me. Ricardo Benedito de Oliveira REITOR 33WWW.UNINGA.BR U N I D A D E 01 SUMÁRIO DA UNIDADE INTRODUÇÃO ................................................................................................................................................................4 1. AS CLASSES SOCIAIS DISPUTAM OS ESPAÇOS POLÍTICOS NO ESTADO .........................................................5 1.1 OS MOVIMENTOS SOCIAIS IMPULSIONAM O SUFRÁGIO UNIVERSAL PARA DEMOCRATIZAR O ESTADO BURGUÊS ......................................................................................................................................................................9 1.2 O DEBATE: DA PERSPECTIVA REVOLUCIONÁRIA À CRÍTICA AO REFORMISMO NO SEIO DO MOVIMENTO OPERÁRIO ................................................................................................................................................................... 11 CONSIDERAÇÕES FINAIS ........................................................................................................................................... 19 CLASSES SOCIAIS E OS MOVIMENTOS SOCIAIS FRENTE À DEMOCRATIZAÇÃO DO ESTADO BURGUÊS A PARTIR DO SÉCULO XIX PROF. ME. LOURIVAL SOUZA FELIX ENSINO A DISTÂNCIA DISCIPLINA: CLASSES E MOVIMENTOS SOCIAIS 4WWW.UNINGA.BR CL AS SE S E M OV IM EN TO S SO CI AI S | U NI DA DE 1 EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA INTRODUÇÃO Houve destaque para o sufrágio universal (inicialmente, sufrágio restrito), sendo a expressão democrática do Estado, que, ao longo do século XIX, contemplou um número maior de participantes nas instituições estatais, especialmente no parlamento. Contudo, isso não alterou a sobreposição da burguesia perante as classes trabalhadoras, mas fomentou processos políticos por meio dos quais a pressão de setores operários e populares fez a burguesia recuar em determinados momentos – o que implicou na ampliação de segmentos dos trabalhadores e populares (pequenos comerciantes e camponeses) com direito a voto. Com a experiência política da classe operária, sobretudo posteriormente à formação da Primeira Internacional, sindicatos e partidos políticos que representavam as massas trabalhadoras ganharam destaque e foram, evidentemente, importantes para combater a forma democrática que assumiria o Estado. Sobretudo um Estado que “de governo do povo” só tinha o nome, tendo em vista que a administração dos governantes servia, predominantemente, aos interesses da burguesia. As experiências políticas em defesa dos interesses dos trabalhadores tiveram resultados. Desde meados do século XIX, houve um movimento operário que foi ampliando suas bases de influência, indo para além das fronteiras nacionais, inclusive com uma perspectiva internacionalista. A partir do final do século XIX, eclodiu um debate polêmico frente ao reformismo, que tinha Bernstein como uma de suas lideranças, profundamente questionado por Rosa Luxemburgo (2015), dado seu revisionismo que traduzia numa perspectiva reformista para o movimento operário. Esse período também foi marcado pelas críticas de Lênin (1980, 2007) a Kautsky com relação ao debate quanto à democracia burguesa e democracia operária. 5WWW.UNINGA.BR CL AS SE S E M OV IM EN TO S SO CI AI S | U NI DA DE 1 EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA 1. AS CLASSES SOCIAIS DISPUTAM OS ESPAÇOS POLÍTICOS NO ESTADO Nesta unidade, abordaremos o desenvolvimento do Estado burguês sob sua forma democrática, cuja organização e luta dos trabalhadores foram fundamentais, sem se desconsiderarem outras formas de organização do Estado (como as ditaduras militares, que se fizeram presentes por necessidade do acirramento da luta de classes e/ou dos choques entre as frações burguesas), utilizando-se, principalmente, da leitura de Hobsbawm (2010, 2015, 2016a, 2016b), analisando-se de que forma a democracia vai sendo forjada como a melhor forma de organização do Estado burguês, assegurando a propriedade privada capitalista. Nesse sentido, o sufrágio terá importância central, o qual, a partir do século XIX, ampliou- se até chegar ao sufrágio universal no século XX, embora com várias advertências, conforme se apontará oportunamente. Com isso, buscar-se-á demonstrar o impacto do sufrágio universal para a organização das lutas das massas trabalhadoras e o modo como as burguesias se comportaram frente a esse fenômeno. O Estado burguês, cuja finalidade é assegurar a grande propriedade privada dos meios de produção, é o resultado de uma longa evolução do próprio modo de produção capitalista e das formas de organização do Estado. A burguesia, no processo de se tornar a classe dominante, teve que se utilizar das formas de Estado que encontrou à época de seu nascimento. É o que se verifica, por exemplo, como resultado da revolução encabeçada por Oliver Cromwell, em meados do século XVII, a qual resultou na constituição da monarquia constitucional, vigente até hoje. A própria burguesia francesa passou por várias fases da sua revolução iniciada em 1789, indo da república até à monarquia napoleônica. A forma democrática (tampouco a republicana) não foi a única forma de organização do Estado que a burguesia dominante estruturou para garantir seu domínio sobre as massas trabalhadoras. Recorreu às formas pré-existentes, adaptando-as naquilo que pôde e, lentamente, pela pressão da luta de classes, chegou à forma democrática durante alguns períodos. Contudo, mesmo tendo atingido essa forma, dependendo dos choques entre as potências econômicas próprias do período imperialista, em alguns lugares, abandonou a forma democrática e a substituiu pelo fascismo, nazismo e outras formas autoritárias de governo. É assim até hoje, quando encontramos diversas formas de organização estatal combinadas ou em substituição à organização democrática (HOBSBAWM, 2015). Essencialmente, interessa enfatizar que a democracia consiste em apenas uma forma de o Estado se organizar, ao lado de outras formas possíveis. Essas formas são determinadas pela luta de classes e pelos choques econômicos entre os setores da grande burguesia. As rápidas alternâncias de regime – Diretório (1795 – 1799), Consulado (1799 – 1804), Império (1804 – 1814), a restaurada Monarquia Bourbon (1815 – 1830), a MonarquiaConstitucional (1830 – 1848), a República (1848 – 1851) e o Império (1852 – 1870) – foram todas tentativas para se manter uma sociedade burguesa, evitando ao mesmo tempo o duplo perigo da república democrática jacobina e do velho regime (HOBSBAWM, 2016). Havia uma situação de instabilidade política, mas se mantinha o “duplo perigo” da “república democrática jacobina e do velho regime” fora do poder do Estado. Para isso, o exército teve um papel fundamental. “Ele conquistou; pagou-se a si mesmo; e, mais do que isto, suas pilhagens e conquistas resgataram o governo” (HOBSBAWM, 2016). Destacou-se o papel de Napoleão Bonaparte como o mais inteligente e capaz dos líderes do Exército. 6WWW.UNINGA.BR CL AS SE S E M OV IM EN TO S SO CI AI S | U NI DA DE 1 EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA De acordo com Hobsbawm (2010), nos períodos pós-revoluções inglesa e francesa, em que se verifica a consolidação do modo de produção capitalista, vai-se processando a formação do Estado moderno (burguês). Com isso, o próprio desenvolvimento capitalista vai, aos poucos, criando as novas classes trabalhadoras, as quais, do ponto de vista das classes dirigentes, foram se tornando, cada vez mais, um perigo à dominação de classe. [...] Elas [as novas classes trabalhadoras] eram, por definição, numerosas, ignorantes e perigosas; muito perigosas, precisamente por conta de sua ignorante tendência para acreditar em seus próprios olhos, dizendo-lhes que aqueles que os governam davam muito pouca atenção a suas misérias, e a simples lógica sugerindo-lhes que, como elas formavam a grande maioria do povo, o governo deveria basicamente servi-lhes em seus interesses (HOBSBAWM, 2010, p. 162). Essa percepção das massas, de identificar e sugerir que o governo deveria atender a seus interesses, era uma constatação lógica dada a sua realidade e experiência, a ponto de as próprias classes dirigentes perceberem a possibilidade de essas novas classes influenciarem e se insurgirem na vida política. Tanto que, segundo Hobsbawm (2010), nos países mais desenvolvidos do Ocidente, fomentaram-se mecanismos que expandiram lenta e gradativamente a participação popular, ainda que de forma restrita, pois a forma típica da organização política era o governo apoiado na realização das assembleias eleitas por pequenos grupos, cujo critério de posse (propriedade privada dos meios de produção) determinava. Aqui, tratava-se do sufrágio restrito, o qual, ao longo do desenvolvimento do capitalismo e do próprio Estado burguês, tornar-se-á sufrágio universal. Há uma questão relevante que reverbera nos processos políticos e expande a possibilidade de participação dos trabalhadores no governo, no sentido de que, segundo Engels (1989), “[...] as massas trabalhadoras aprendem com suas experiências fora e dentro das fábricas onde ocorre a exploração da força de trabalho”. Nesse sentido, conforme Hobsbawm (2010), para os setores da sociedade vistos como ignorantes, as revoluções de 1848 demonstraram na prática que seu alcance político poderia avançar e romper com alguns círculos governamentais até então impermeáveis à grande parte das reivindicações da classe operária. [...] as revoluções de 1848 tinham mostrado como as massas podiam irromper no círculo fechado de seus governantes, e o progresso da sociedade industrial tornou a sua pressão constantemente maior mesmo em períodos não revolucionários (HOBSBAWM, 2010, p. 163). Mas não apenas os trabalhadores aprenderam com as revoluções e processos posteriores que vieram a desenvolver novas formas de governos. Para Hobsbawm (2010, p. 164), o próprio Napoleão III aprendeu e tirou vantagens com as revoluções de 1848. Aprendeu a ponto de reconhecer a importância da democracia com “[...] uma crença segura, talvez excessiva, na inevitabilidade das forças históricas tais como o nacionalismo e a democracia”. Mas isso não garante a democracia como forma única de governo. Ao contrário, o mesmo Napoleão III, eleito para Presidência em 1848 com esmagadora preferência dentre os eleitores, foi “[...] o primeiro dirigente de um grande país, com exceção dos Estados Unidos, a chegar ao poder pelo sufrágio (masculino) universal e nunca esqueceu dele” (HOBSBAWM, 2010, p. 165). Mas, em meados do século XIX, Napoleão III não precisou de novas eleições para ser eleito: aplicou um golpe de Estado, do qual resultou sua declaração como imperador. Ou seja, a forma de o Estado se organizar pode variar conforme as relações de luta de classes e, mesmo, conforme as relações internas à burguesia. 7WWW.UNINGA.BR CL AS SE S E M OV IM EN TO S SO CI AI S | U NI DA DE 1 EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA A atitude de Napoleão III em relação à política eleitoral era ambígua e é isto que a faz interessante. Como ‘parlamentarista’, ele fez aquilo que era então o jogo normal da política, quer dizer, obteve a maioria suficiente de uma assembleia de indivíduos eleitos, agrupados em alianças frouxas e mutáveis, com etiquetas vagamente ideológicas, que não devem ser confundidas com os modernos partidos políticos. Portanto, políticos sobreviventes da Monarquia de julho (1830 – 1848), como Adolphe Thiers (1797 – 1877), e futuros luminares da Terceira República, como Jules Favre (1809 – 1880), Jules Ferry (1832 – 1893) e Gambetta (1838 – 1882), recuperaram ou fizeram seus nomes na década de 1860. Ele não foi bem-sucedido nesse jogo, especialmente quando decidiu afrouxar o firme controle burocrático sobre as eleições e a imprensa (HOBSBAWM, 2010, p. 165). Embora Napoleão III tenha sido vitorioso nas eleições que disputou, não havia organização de seus eleitores. Sobre isso, um dos aspectos que parece decisivo para o fracasso de Napoleão III foi a falta de um “movimento” que compusesse sua base social (eleitoral) organizada. Em que pese sua tentativa de agregar setores das classes trabalhadoras da cidade (inclusive com a tentativa de se aproximar de lideranças de esquerda, como ocorreu com o anarquista Pierre – Joseph Proudhon (1809 – 1865)) e mesmo tendo se “[...] esforçado seriamente para conciliar e domesticar o crescimento do movimento trabalhista na década de 1860 – tendo legalizado as greves de 1864” (HOBSBAWM, 2010, p. 166), tudo isso foi insuficiente para romper o vínculo do movimento trabalhista com a esquerda. Portanto, Napoleão III se apoiou em setores conservadores e no campesinato, os quais viam em Napoleão III “[...] um governo estável e antirrevolucionário, seguro contra as ameaças à propriedade” (HOBSBAWM, 2010). Num caso ou noutro, havia um interesse comum: um governo que assegurasse a propriedade privada dos meios de produção. Aparentemente, pode ser estranho o fato de Napoleão III ter procurado lideranças de esquerda, e não Karl Marx ou outros que estavam exilados exatamente por se oporem ao regime político vigente à época. Mas do anarquismo, dirigentes “[...] como P. J. Proudhon fez com Napoleão III” (HOBSBAWM, 2010, p. 176). O “fez” se refere a uma posição política que, naquele contexto, aceitou a direção do Estado sob Napoleão III. Ressalte-se, ao mesmo tempo, que havia divergências e contraposições entre os setores dominantes: reacionários e conservadores, frente aos liberais/burgueses à consolidação do capitalismo. Por outro lado, havia aproximações entre lideranças, que iam do anarquismo até ao chefe do Estado burguês. Este último que, como já exposto, chega à Presidência via sufrágio ou se proclama imperador mediante golpe de Estado. Nos apontamentos de Hobsbawm (2010), a partir da década de 1860, evidenciou-se o reaparecimento das classes trabalhadoras nos meios políticos, cuja pressão demonstrava que a burguesia não mais conseguiria mantê-las isoladas. Isso se explicitou, sobretudo, com o sufrágio universal, meio de participação popular que foi para além das fronteiras dos países que realizaram verdadeiras revoluções burguesas. As burguesias, por outro lado, escoavam-se na sua riqueza, na sua indisponibilidade e no destino históricoque fazia delas e de suas ideias as bases dos Estados ‘modernos’ desse período. Entretanto, o que as transformava em força, no interior dos sistemas políticos, era a habilidade para mobilizar o apoio dos não burgueses que possuíam número e, portanto, votos (HOBSBAWM, 2010, p. 169). Isso não nos autoriza a afirmar que a luta de classes fora interrompida. Houve um processo econômico e político de avanço das burguesias, inclusive, permitindo a participação de setores que não eram da classe dominante (mas, também, não eram precisamente da classe dominada). Eram setores concentrados na “[...] camada intermediária – pequenos comerciantes, artesãos, e outros ‘pequeno-burgueses’, proprietários camponeses etc.” (HOWBSBAWN, 2010, p. 168). 8WWW.UNINGA.BR CL AS SE S E M OV IM EN TO S SO CI AI S | U NI DA DE 1 EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA Para os trabalhadores de forma geral, embora a maioria não tivesse acesso à representação no Estado, pois sequer votavam, a sua pressão influenciava em maior ou menor medida. Não que isso determinasse uma nova direção do Estado burguês, mas as pressões, como elemento da luta de classes, foram ganhando corpo à medida que a própria experiência política foi escancarando a necessidade de organizações trabalhistas. Com o acirramento da pressão advinda da classe operária, o impacto sobre a burguesia foi evidente, a ponto de ela buscar apoio para continuar a governar. Na França, a burguesia há muito já não consegue governar sozinha, ou mesmo sob a bandeira liberal, e seus candidatos buscavam apoio popular por meio de rótulos cada vez mais inflamados. ‘Reforma’ e ‘Progressista’ davam lugar a ‘Republicano’ e este a ‘Radical’, e, na Terceira República, a ‘Radical-socialista’, cada qual ocultando uma nova geração dos mesmos bárbaros Sólons, de sobrecasaca, com línguas de ouro e frequentemente recheadas de ouro também, rapidamente mudando para posições moderadas depois de seus triunfos eleitorais com a esquerda (HOBSBAWM, 2010, p. 170). Participar da “direção” do Estado burguês era ilusório. E isso levou as correntes políticas de esquerda a saírem à força, a darem golpes de Estado ou, então, a se adaptarem à própria ordem burguesa. Dessa forma, a esquerda francesa de radical se tornou moderada. Isso ocorreu na França, na década de 1860, o que se justifica, segundo Hobsbawm (2010), vez que os radicais não tinham força política frente aos liberais, já que os dirigentes do Estado, desde 1850, eram predominantemente liberais. Justificável também, porque, no contexto político de meados do século XIX e posterior, alguns setores dos liberais faziam parte da esquerda, sob o prisma de se oporem à forma de organização política e da propriedade no feudalismo. Não há dúvidas de que a maioria dos camponeses na maior parte da Europa ainda era tradicionalistas, pronto para apoiar a Igreja, o rei ou o imperador e seus superiores hierárquicos de forma automática, especialmente contra os malignos desígnios dos homens da cidade (HOBSBAWM, 2010, p. 175). A relação entre setores mais reacionários como a Igreja (sobretudo a Católica) apoiando “partidos conservadores e reacionários” obtinha forte influência sobre o campesinato, que se destacava sob a defesa de ser “[...] contra o socialismo e a revolução, a Igreja apoiava qualquer coisa” (HOBSBAWM, 2016, p.146). Evidentemente, a partir da década de 1860, os “homens da cidade” contemplavam desde setores da pequena burguesia e até da burguesia dirigente do Estado. Mas divergência maior se identificava com os setores das massas trabalhadoras urbanas, surgindo e expandindo a partir das duas últimas décadas de industrialização, em especial, o proletariado, que foi desenvolvendo organizações – a exemplo de sindicatos e partidos – com uma política combatente frente aos interesses reacionários e conservadores de parte da Europa tradicionalista. O fato de os camponeses, mesmo em países avançados industrialmente como Inglaterra e França, constituírem- se quantitativamente em parte significativa da população, comparada com a população em geral, refletiu na política, pois a evolução do sufrágio restrito para o sufrágio universal, que ocorreu lenta e gradativamente, contemplou os camponeses. 9WWW.UNINGA.BR CL AS SE S E M OV IM EN TO S SO CI AI S | U NI DA DE 1 EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA 1.1 Os Movimentos Sociais Impulsionam o Sufrágio Universal para Democratizar o Estado Burguês Estamos partindo da análise da democracia como forma de Estado, em seu desenvolvimento do ponto de vista histórico, considerando-a a partir do que Hobsbawm (2016) chamou de dupla revolução: revolução inglesa (industrial) e francesa (política). Tais revoluções demarcaram o “triunfo do capitalismo liberal burguês”. No contexto político e econômico inglês, do final do século XVIII a meados do século XIX, “a política já estava engatada ao lucro”. Isso porque a Inglaterra, naquele momento, já havia conquistado maior desenvolvimento das relações capitalistas de produção com a formação da grande indústria. Nesse sentido, “[...] o dinheiro não só falava como governava” (HOBSBAWM, 2016, p. 64). A burguesia industrial não apenas havia penetrado nas instituições estatais, como já tinha os governantes subordinados à sua política. Do ponto de vista dos trabalhadores e da pequena burguesia, agora não somente na Inglaterra, mas também (pelo menos) na França e nos Estados Unidos da América, já havia formação de grupos oposicionistas ao Estado. Esses grupos desenvolviam uma política de acordo com os interesses da grande burguesia, o que gerava ainda mais conflitos entre os trabalhadores e a pequena burguesia. Os trabalhadores e a queixosa pequena burguesia, prestes a desabar no abismo dos destituídos de propriedade, partilhavam, portanto, dos mesmos descontentamentos. Estes descontentamentos por sua vez uniam-nos nos movimentos de massa do ‘radicalismo’, da ‘democracia’ ou da ‘república’, cujos exemplares mais formidáveis, entre 1815 e 1848, foram os radicais britânicos, os republicanos franceses e os democratas jacksonianos americanos (HOBSBAWM, 2016, p. 76). Essa união estava vinculada ao processo do desenvolvimento econômico a cujos benefícios a pequena burguesia não tinha acesso. Mas pior ainda era a situação dos trabalhadores. Para nos centrarmos em nosso objetivo (qual seja, a ampliação da democracia), interessam-nos alguns aspectos que decorreram da Revolução Francesa. “[...] a revolução na França forneceu o vocabulário e os temas da política liberal e radical-democrática para a maior parte do mundo” (HOBSBAWM, 2016, p. 98). Contudo, as diferenças políticas e econômicas entre França e Inglaterra não podem ser tomadas ao ponto de se colocar aquela como centro das organizações políticas (inclusive burguesas) e esta como o centro de produção de mercadorias apenas. Na França, houve um desenvolvimento técnico e científico cuja base material dava-se no desenvolvimento do capitalismo, sobretudo da burguesia industrial, ainda que concentrado nas grandes cidades, principalmente em Paris. Dessa forma, já havia desenvolvimento das organizações políticas. Por outro lado, apenas o contexto político francês produziu uma quantidade de agitações em nível mundial, que outros países não provocaram. Daí advém a afirmação: “[...] a Revolução Francesa é um marco em todos os países” (HOBSBAWM, 2016, p.100). Ela influenciou os levantes que levaram à libertação de países da América Latina, dentre outros movimentos em países de vários outros continentes. 10WWW.UNINGA.BR CL AS SE S E M OV IM EN TO S SO CI AI S | U NI DA DE 1 EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA A ampliação da democracia pode ser observada na lenta e gradativa expansão do sufrágio universal, que aparece em 1791 na França, a qual Hobsbawm (2016) atestou ser a primeira Constituição genuinamente democrática proclamada por um Estado moderno (burguês). O seu conteúdo era de abolição dos direitos feudais, aplicação de uma política que beneficiasseos pequenos compradores de terras, abolição da escravidão nas colônias francesas etc. Vale notar dois importantes elementos. Essa Constituição é resultado de um processo revolucionário – no sentido de ter ocorrido a transição do modo de produção feudal para o capitalista – que ocorreu na França, pois representa a conformação do ordenamento burguês, que surge e avança para se tornar, nas décadas posteriores, a classe dominante. Com relação à abolição da servidão, essa era uma necessidade para o desenvolvimento e consolidação do modo de produção capitalista, além do estímulo à expansão do trabalho assalariado. Na década de 1860, o sufrágio universal já não era prerrogativa de regimes surgidos de revoluções burguesas (França, Inglaterra etc.). A proporção de eleitores, comparada à população em geral, aumentava, mas ainda era minoria frente à população em geral. O Second Reform Act na Inglaterra mesmo duplicando o número de eleitores, ainda os deixava com 8% da população, enquanto no recém-unificado Reino da Itália era apenas 1% (Nesse período, no mundo, o voto poderia conferir direitos a 20% ou 25% da população, a julgar pelas eleições francesas, alemães e americanas, e outras da década de 1870) (HOBSBAWM, 2010, p. 168). O voto era direito de proprietários do sexo masculino. Portanto, quem tinha acesso a chegar ao poder do Estado eram a burguesia ou os camponeses proprietários. Com isso, os dirigentes do Estado eram da burguesia e, portanto, representavam suas ideias e implementavam políticas de acordo com seus interesses. Entre os eleitores, estavam os pequenos comerciantes, artesãos, pequenos burgueses e proprietários camponeses. O fato de haver vários representantes das frações burguesas e a perspectiva de ampliação do voto refletem a necessidade de a burguesia se articular com as frações de sua própria classe e com os camponeses, além de com setores do proletariado que vinham aumentando quantitativamente em virtude da expansão crescente da industrialização. Por mais que alguns setores da pequena burguesia, dos camponeses e dos artesãos não tivessem capacidade de dirigir o Estado, eles votavam. E é esse o interesse maior dos grupos burgueses dirigentes do Estado. Segundo Hobsbawm (2016), ainda que lenta e gradativamente, a democracia foi se ampliando a partir de 1870. “[...] as massas marchariam para o palco da política, quer isso agradasse ou não aos governantes [...]” (HOBSBAWM, 2016, p. 137) em países como a França, Suíça e Dinamarca. Na Inglaterra, o eleitorado quase quadruplicou “[...] com as leis de Reforma de 1867 e 1883, o que elevou de 8% a 29% para os homens de mais de 20 anos” (HOBSBAWM, 2016, p. 137). A Bélgica democratizou esses direitos em 1894, após uma greve geral, que aumentou de 3,9% para 37,3%, para a população adulta. A Noruega dobrou essas cifras em 1898, partindo de 16,6%, chegando a 34,8%. Na Finlândia, houve uma democracia extensiva única, alcançando 76% de adultos. Na Suécia, o eleitorado dobrou em 1908, atingindo o nível da Noruega. Fora da Europa, países como os EUA, Austrália do Sul e Nova Zelândia já eram democráticos no sentido do avanço na constituição de seus eleitorados. É importante ressaltar que são dados dos países à época, dentre os mais próximos de contemplarem o sufrágio universal. [...] essa democratização ainda era incompleta – o eleitorado comum, sob o sufrágio universal, era de 30% a 40% da população adulta – mas deve-se notar que até o voto feminino já era mais um utópico slogan (HOBSBAWM, 2016, p. 138, grifo do autor). 11WWW.UNINGA.BR CL AS SE S E M OV IM EN TO S SO CI AI S | U NI DA DE 1 EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA No que tange à expansão da democratização via ampliação do eleitorado, lembra Hobsbawm (2016), uma das influências foi a Revolução Russa de 1905, movimento espontâneo, antigovernamental, que se espalhou por todo o Império Russo, aparentemente sem liderança, direção, controle ou objetivos muito precisos. Geralmente, é considerada o marco inicial das mudanças sociais que culminaram com a Revolução de 1917. A Revolução Russa de 1905 acelerou processos e organizações operárias com inspirações revolucionárias por todo o mundo. Tal aceleração provocou na burguesia a necessidade do controle de seus governos e Estados para ampliar suas bases de influência e repressão sobre os trabalhadores. Esse panorama acerca da democratização via expansão do sufrágio universal teve influência sobre as classes dominantes, à medida que o acirramento da luta de classes as colocou, ainda que estivessem no poder, em uma situação de renderem-se a exigências das classes dominadas. A nova situação política desenvolveu-se passo a passo, e irregularmente, dependendo da história interna dos diversos Estados. Isso dificulta e quase inutiliza uma avaliação corporativa da política de 1870 – 1890. Foi a súbita emergência internacional dos movimentos operários de massa e dos movimentos socialistas, durante e após 1880 que parece ter colocado numerosos governos e classes dominantes em dificuldade essencialmente semelhantes, conquanto retrospectivamente seja possível conceber que não foram estes os únicos movimentos de massas a dar dores de cabeça aos governantes (HOBSBAWM, 2016, p. 155). Por meio da análise de dados retirados das obras de Hobsbawm, evidenciou-se a lenta e gradativa ampliação do sufrágio universal. Ademais, o processo de democratização possibilitou conquistar direitos sociais, civis e políticos, contemplados sob a forma de governo democrático. Porém, mesmo com a ampliação do eleitorado, a burguesia é quem continua sendo a classe à qual o Estado está subordinado. Por outro lado, nota-se que esses processos de democratização influenciaram as massas trabalhadoras a conquistarem direitos sociais, civis e políticos, contemplados sob a forma de governo democrático. 1.2 O Debate: da Perspectiva Revolucionária à Crítica ao Re- formismo no Seio do Movimento Operário A partir da década de 1860, no movimento operário, começam a se destacar organizações trabalhistas – os sindicatos. Sobretudo na Inglaterra, avançava sua influência com trabalhadores de outros países. Somente na Inglaterra, na Austrália e – curiosamente – nos Estados Unidos, os sindicatos de trabalhadores tinham significado real, sendo que nos dois últimos casos geralmente chegavam na bagagem dos imigrantes ingleses com organização e consciência de classe (HOBSBAWM, 2010, p. 177). O peso do operariado inglês se justifica pela própria história da Revolução Industrial, que impulsionou e desenvolveu formas de organização em prol dos interesses dos trabalhadores. Na Inglaterra, o movimento sindical era atravessado por disputas internas entre as correntes reformistas, anarquistas etc. Mas, no seu desenvolvimento, havia uma perspectiva, segundo Hobsbawm (2012), socialista e revolucionária explicitada nas décadas seguintes. 12WWW.UNINGA.BR CL AS SE S E M OV IM EN TO S SO CI AI S | U NI DA DE 1 EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA Outra organização resultante de processos políticos (gestada desde as experiências das revoluções de 1848, em um contexto em que os movimentos em prol dos interesses gerais das massas trabalhadoras concentravam vários segmentos identificados como radical, democrático, anárquico etc.) que contavam com disseminação e influência internacional foi a Associação Internacional dos Trabalhadores, criada em 1864 – “[...] a Primeira Internacional de Karl Marx (1864 – 1872)” (HOBSBAWM, 2010, p. 178). A primeira internacional já havia sido criada antes de chegar a Marx. Na sua composição inicial, havia correntes políticas diversas as quais, curiosamente, continham uma combinação de lideranças sindicalistas inglesas insulares e liberal-radicais, misturadas ideologicamente com militantes sindicalistas franceses bem mais esquerdistas. Essa diversidade de correntes provocou várias divergências internas à própria internacional. Mas, no final, de acordo com Hobsbawm (2010), a posição deMarx venceria, frente à posição de anarquistas como Proudhon e Mikhail Bakunin. Contudo, Marx não conseguiu manter o controle da Internacional, o que se evidenciou no início da década de 1870. A internacional, que era a base da organização dos trabalhadores em nível internacional, foi se desintegrando, embora as posições de Marx acerca da necessidade de um programa revolucionário – explicitado, inicialmente, no Manifesto do Partido Comunista, desde 1848 – tenham permanecido influentes. A primeira internacional é muito mais do que podemos expor aqui. Cabe ressaltar seu caráter internacionalista e radical dado (não só) por Marx, que foi manifestação do próprio acirramento da luta de classes, com resultados importantes para o movimento operário internacional desde, pelo menos, o pós-1860. Daquele momento em diante, os movimentos da massa trabalhadora se tornariam organizados, independentes, políticos e socialistas. A influência da esquerda socialista pré-marxista havia sido quebrada e em consequência, a estrutura da política seria constantemente modificada (HOBSBAWM, 2010, p. 186). As modificações não explicitaram até o final da década de 1880, quando já se formava a Segunda Internacional (1889 – 1916), conhecida também por Internacional Socialista ou, ainda, Internacional Operária, criada, principalmente, pela iniciativa de Engels. A referida internacional “[...] renasceria como uma frente de partidos de massa, em grande parte marxista” (HOBSBAWN, 2010, p.186). Desde 1871, a Associação Internacional de Trabalhadores recomendou a criação de partidos políticos nos países avançados industrialmente. Na Alemanha, já havia dois partidos: “[...] União Geral dos Trabalhadores, fundada por Lassalle, e o Partido Trabalhista Social- Democrático, liderado por August Betel e Wilhelm Liebknecht” (ABENDROTH, 1977, p. 45). Esses avançavam sua influência sob uma fração das massas trabalhadoras alemãs. Fato constatado a partir das poucas porcentagens de votos que teve nas eleições para o Parlamento em 1874, (3%) atingindo um percentual maior posterior à unificação destes partidos em 1875 – “Partido Socialista de Trabalhadores” –, chegando a 9% dos votos gerais obtidos para o parlamento em 1877. De acordo com Abendroth (1977, p. 46), “[...] o partido se identificou sobre a base de um raciocínio marxista simplificado”. Do ponto de vista da política do partido, que se expressava em jornais, por exemplo, estavam sob a responsabilidade de Eduard Bernstein (1850 – 1932) e de Karl Kautsky (1854 – 1938). O partido ia se tornando simpático, não exatamente à classe operária, mas às camadas da sociedade alemã que, à época, poderiam ser identificadas como pequena burguesia. O fato de ser o único partido a defender o direito da mulher, mesmo em matéria de direito eleitoral, tornava-o simpático às minorias críticas das camadas intelectualizadas. Por parte do governo do Reich, isso resultou em medidas políticas que não ultrapassaram a instituição do seguro-desemprego, o seguro-acidentes e o seguro-doença, sem que, contudo, o efeito pretendido 13WWW.UNINGA.BR CL AS SE S E M OV IM EN TO S SO CI AI S | U NI DA DE 1 EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA se fizesse sentir. Nesse sentido, houve uma simplificação do marxismo, doutrina que defende a destruição do Estado burguês, e não a conquista do Estado para reformá-lo. No contexto da socialdemocracia alemã, a estratégia de seu partido estava direcionada a organizar os trabalhadores para a luta via parlamento, com a expectativa de que a pressão dos trabalhadores seria suficiente para o governo responder suas reivindicações. Consequentemente, isso resultaria em melhores condições de trabalho e de vida às massas. À medida que o capitalismo se desenvolveu, de fato, avançou-se em alguns aspectos que influenciam a vida dos trabalhadores, condições de trabalho, transporte, moradia etc. O que importa é o método de luta que orientava os trabalhadores que negavam a violência organizada necessária à luta de classes, limitando-se a uma ação pacífica. Logo, direcionada a concentrar a luta no parlamento como a arena da política do proletariado. Esse êxito só se tornou possível, porque o partido, de um lado, se mostrou fiel à sua meta da democracia política e da sociedade econômica socialista, bem como da transferência gradativa dos principais meios de produção da coletividade. De outro lado, aproveitaria, coerentemente, todas as chances legais de luta, tendo aprendido a resistir a qualquer tentação de realizar atos de violência e a utilizar o Parlamento como tribuna das discussões políticas, as eleições políticas como medida de sua influência, as lutas eleitorais como meio de propaganda. Assegurava, assim, a possibilidade de uma atuação legal às organizações sindicais, ao contrário das associações sindicais liberais de Hirsch-Duncker, que tinham a greve como recurso principal a luta de classes (ABENDROTH, 1977, p. 46, grifo do autor). A questão não é estender a greve promovida pelo movimento sindical como elemento central tático de um partido, mas negar o papel da violência – não confundir com atos terroristas – na luta de classes e orientar para ação organizada, em que o Parlamento é o espaço de lutas mediante as representações eleitas. Isso reflete a perspectiva pacífica numa estratégia em que a reforma é a grande salvação para os explorados e oprimidos. Se se quer destacar a conjugação do que se passou nos países europeus centrais de uma política, tendo o Parlamento como espaço de denúncia por parte dos trabalhadores, sem transformá-lo no espaço onde as massas trabalhadoras terão seus interesses respondidos. Segundo Abendroth (1977), a exemplo da Alemanha, mas com particularidades nacionais, a socialdemocracia austríaca também constituiu seus partidos com grupos que se intitulavam moderados e radicais. No segundo caso, era representado por Joseph Peukert, sob influência anarquista, cujos “[...] métodos [...] minaram a sua unidade e aniquilaram a influência socialista sobre o movimento trabalhista austríaco” (ABENDROTH, 1977, p. 47). Na França, o movimento operário teve que se reorganizar após a derrota da Comuna de Paris em 1871, superando o banho de sangue provocado pela burguesia vitoriosa. Mas não só isso. Mesmo nos anos posteriores, “[...] os principais líderes trabalhistas haviam sido assassinados ou aprisionados ou tiveram que emigrar” (ABENDROTH, 1977, p. 48). Apenas no período pós 1879, com a anistia, foi possível às lideranças e aos trabalhadores reorganizar o movimento operário francês, com destaque para a Federação do Partido dos Trabalhadores Socialistas. Duas personalidades importantes do movimento operário, Eduard Bernstein e Karl Kautsky, influenciaram o movimento operário além das fronteiras alemãs. Segundo Rosa Luxemburgo (reconhecida internacionalmente pelo movimento operário pela militância revolucionária à Social-Democracia da Polônia (SDKP), ao Partido Social- Democrata da Alemanha (SPD) e ao Partido Social-Democrata Independente da Alemanha (USPD)), os equívocos de Bernstein podem ser localizados em vários momentos, mas, em especial, quando ele rejeita a destruição do capitalismo, esvaindo-se para a teoria da adaptação ao capitalismo, devido a alterações que o grau de desenvolvimento provocaria. Nesse sentido, Rosa lembra de Conrad Schmidt, que detalha as formulações de Bernstein. 14WWW.UNINGA.BR CL AS SE S E M OV IM EN TO S SO CI AI S | U NI DA DE 1 EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA [...] a luta sindical e a luta política pelas reformas trarão um controle social cada vez mais vasto das condições de produção e, ‘por meio da legislação, rebaixarão cada vez mais o proprietário capitalista, com a diminuição de seus direitos, ao papel de simples administrador’, até que, finalmente, em um belo dia, a direção e administração da exploração sejam tiradas das mãos do capitalista, domesticado ao ver a sua propriedade ir perdendo cada vez mais qualquer valor para ele próprio(LUXEMBURGO, 2015, p. 43). Portanto, o caráter da reforma expressa a perspectiva pacífica frente à necessidade de direcionar a luta das massas trabalhadoras para arrancar-lhes a propriedade privada capitalista. Somando o papel destinado aos sindicatos às reformas sociais, a democratização política do Estado será “[...] os meios de realização progressiva do socialismo” (LUXEMBURGO, 2015, p. 44). As reformas e a democratização do Estado, ambas propostas por Bernstein, revelam um rebaixamento na compreensão de que o capitalismo tem o controle e define até que ponto as reformas podem ir. Outro ponto é com relação ao Estado, negando seu caráter de classe. Salta aos olhos a mistificação. Precisamente, o Estado atual não é uma ‘sociedade’ no sentido da ‘classe operária ascendente’, mas o representante da sociedade capitalista, isto é, um Estado de classe. Eis porque a reforma por ele mesmo praticada não é uma aplicação do ‘controle social’, isto é, do controle da sociedade trabalhando livremente no seu próprio processo de trabalho, mas o controle da organização da classe do capital sobre o processo de produção do capital. É nisso, igualmente, isto é, no interesse do capital que as reformas acham seus limites naturais (LUXEMBURGO, 2015, p. 48). O Estado é o representante dos interesses da burguesia, como ele poderia legislar ao contrário dos interesses à classe a quem ele serve, como e onde caberia uma legislação trabalhista que servisse para o “controle social”, senão dos capitalistas sobre os trabalhadores. Nesse sentido, a legislação operária, sendo resultado de interesses da burguesia, mas também da sociedade em geral, pode até constituir em uma perspectiva harmônica, “[...] mas essa harmonia não dura senão até certo ponto do desenvolvimento capitalista” (LUXEMBURGO, 2015, p. 54). A burguesia, em períodos em que a acumulação de riquezas se encontra em escala crescente, pode tolerar e conceder reformas que incidem sobre a melhor qualidade de vida das massas trabalhadoras. Nas condições de crise e recessão, frente às reivindicações dos trabalhadores, a burguesia e seu Estado lhes oferecem mais repressão e exploração. Segundo Luxemburgo (2015), caso os interesses do Estado colidam com o modo de produção capitalista, isso se deverá à ordem do próprio desenvolvimento econômico que extrapola fronteiras nacionais, seja pelo acirramento da luta de classes seja por choques internos às burguesias que compõem a classe dominante. Frente a isso, nota-se um Estado cujas funções, frente ao papel de defender a propriedade privada capitalista, explicitará e aprofundará a medida do acirramento da luta de classes, ampliando, também, a repressão sobre as organizações dos trabalhadores. Mais uma vez, os equívocos de Bernstein são alvo de críticas de Luxemburgo (2015). A extensão da democracia, em que Bernstein vê igualmente o meio da realização do socialismo por etapas, não contradiz esta transformação da natureza do Estado, mas ao contrário, corresponde-lhe inteiramente (LUXEMBURGO, 2015, p. 58). 15WWW.UNINGA.BR CL AS SE S E M OV IM EN TO S SO CI AI S | U NI DA DE 1 EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA Os espaços de democracia burguesa, como o parlamento, estão tomados pelos interesses da classe dominante. Afirmações como essa dizem respeito tanto à forma como ao conteúdo da democracia. “São as instituições democráticas, nessa sociedade, pela forma e pelo conteúdo, simples instrumentos dos interesses da classe dominante” (LUXEMBURGO, 2015, p. 59). Para Luxemburgo (2015), na história do surgimento da sociedade burguesa, a reforma legal foi necessária ao desenvolvimento e à consolidação da burguesia como classe dominante. Assim sendo, há períodos em que a reforma e a revolução podem estar postas às classes trabalhadoras, mas não no sentido de elas escolherem o que é melhor ou pior, mas dadas as condições de desenvolvimento das relações de produção capitalistas nas quais se expressa a luta de classes. O que importa diferenciar é que a revolução social tem o objetivo de instaurar uma nova sociedade; já as reformas objetivam alterações superficiais no capitalismo. Assim, partindo das concepções políticas do revisionismo, a conclusão é a mesma a que se chegou tendo partido de suas teorias econômicas, isto é, que no fundo, não tendem elas à realização da ordem socialista, mas unicamente à reforma da ordem capitalista, não à supressão do assalariado, mas à diminuição da exploração, em suma, a supressão dos abusos do capitalismo e não do próprio capitalismo (LUXEMBURGO, 2015, p. 102). A partir dessas exposições de Luxemburgo (2015), notam-se divergências entre formulações que incidem em posições políticas no movimento operário internacional, no qual as críticas em oposição ao revisionismo de Bernstein constituem-se na vertente do reformismo, sobretudo durante e a partir da Segunda Internacional. Mas ele não era o único. Pelo contrário, ele foi um expoente e se destacou por sua influência no movimento operário. Outro destacado dirigente igualmente muito criticado, não mais por Rosa, mas por Lênin (1980), foi Kautsky, “[...] a maior autoridade da II Internacional foi também responsável pela deturpação do marxismo” (LÊNIN, 1980, p.5). Lênin (1980) atribui a Kautsky o equívoco ao se tratar da ditadura do proletariado, voltando ao século XVIII, com o objetivo de analisar a democracia burguesa com relação ao absolutismo, e dando as costas ao século XX. O que estava posto no século XX é a “[...] questão da relação do Estado proletário com o Estado burguês, da democracia proletária com a democracia burguesa” (LÊNIN, 1980, p. 7). É precisamente nisso que Kaustsky se perde: ao falar em democracia, refere- se ao plano geral, e não à democracia burguesa nas condições do século XX. À medida que Lênin (1980) vai desenvolvendo suas críticas direcionadas a Kaustsky, evidenciou divergências que tiveram influência no proletariado. Se Kaustsky consagra até dezenas de páginas a ‘demonstrar’ a verdade de que a democracia burguesa é progressiva em comparação com a Idade Média e de que o proletariado deve obrigatoriamente utilizá-la na sua luta contra a burguesia, isto é precisamente charlatanice de liberal, destinada a enganar os operários (LÊNIN, 1980, p. 15, grifo do autor). O problema se localiza em alimentar esperanças no proletariado, com sua inserção nas instituições do Estado, diluindo o conteúdo da democracia, como se ela fosse “pura”, ou seja, desconsiderando seu caráter de classe. Tão logo no Estado burguês a democracia será restrita, pois capitalismo, pela sua própria natureza, concentra a riqueza e o poder político nas mãos de poucos. Frente a isso, a democracia representará essa pequena quantidade de pessoas. A exemplo: as eleições são formas democráticas de manifestação da sociedade em geral, em que, por meio do voto, elegem-se seus representantes no Estado; contudo, isso em nada garante que os eleitos governarão para a maioria, para quem os elegeu. 16WWW.UNINGA.BR CL AS SE S E M OV IM EN TO S SO CI AI S | U NI DA DE 1 EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA A democracia, como forma de organização do Estado, estará vinculada à classe dominante de cada época. Esse é o sentido da formulação marxista de que a república democrática é a melhor crosta possível do capitalismo. Isso porque, no capitalismo, especialmente em sua fase imperialista, a democracia “[...] firmou seu poder de maneira tão sólida, tão segura, que nenhuma mudança, de pessoas, instituições ou partidos, na república democrática burguesa, é suscetível de abalar esse poder” (LÊNIN, 2007, p. 33). Isso não exclui o fato de a democracia conviver com outras formas de organização do Estado. Com isso, Lênin (2007, p. 34) explicita a democracia como forma de Estado burguês, a qual tem vários “instrumentos” e meios para manter seu domínio. Um deles é abordado por Engels, citado por Lênin (2007), “[...] o sufrágio universal de forma categórica: um instrumento de dominação da burguesia”.Contudo a democracia, enquanto categoria política, também é percebida como forma política do estado transitório após a tomada do poder pelo proletariado. A democracia operária é, fundamentalmente, diferente da democracia burguesa, embora o referido autor deixe claro o seu limite. A democracia proletária é apenas a forma política da ditadura do proletariado, etapa transitória até à completa extinção das classes e do Estado, portanto, também da democracia. Há algumas análises de Marx e Engels com relação à democracia proletária, enquanto classe dominante, o que contribui para a conformação da ditadura do proletariado. Sob esse aspecto, [...] o proletariado aproveitará a sua supremacia política para arrancar, pouco a pouco, todo o capital da burguesia, para centralizar todos os instrumentos de produção nas mãos do Estado, isto é, do proletariado organizado em classe dominante, e para aumentar o mais rápido possível a quantidade das forças produtoras (LÊNIN, 2007, p. 44). Assim como Marx e Engels, Lênin (2007) vai além da defesa da democracia, pois o que está abordando é a ditadura do proletariado. Dessa forma, o referido dirigente revolucionário classifica o marxismo como sendo “[...] aquele que estende o reconhecimento da luta de classes ao reconhecimento da ditadura do proletariado” (LÊNIN, 2007, p. 55), ficando explícito que a ditadura proletária vai além da democracia. Vale notar que a ditadura do proletariado significa “[...] um Estado democrático (para os proletários e os não possuidores em geral) inovador e um Estado ditatorial (contra a burguesia) igualmente inovador” (LÊNIN, 2007, p. 55). Assista ao vídeo disponível em https://www.youtube.com/watch?v=PFAC9CgfSIc. 17WWW.UNINGA.BR CL AS SE S E M OV IM EN TO S SO CI AI S | U NI DA DE 1 EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA O Estado sob o controle da classe operária, agora como classe dominante, passa a adotar medidas realmente democráticas. Para expor com exemplos, Lênin (2007) lembra de medidas tomadas pela Comuna de Paris, analisadas por Marx. Algumas delas são: “[...] supressão dos privilégios pecuniários dos funcionários, redução de ‘todos’ os ordenamentos administrativos ao nível do salário operário” (LÊNIN, 2007, p. 64). Essas medidas expressaram a possibilidade de uma transição de um Estado democrático burguês para um Estado sob direção do proletariado, cuja democracia justifica-se exatamente pelo fato de o proletariado ter em suas mãos a capacidade de dirigir suas organizações etc., e não se subordinar a organizações que estão sob a direção da burguesia. É precisamente nesse sentido que a democracia operária é um elemento que compõe a ditadura do proletariado. Verifica-se outro exemplo de medidas democráticas quando Lênin (2007) ressalta uma das análises de Engels sobre a Comuna. Ela [a Comuna de Paris] submeteu todos os cargos - na administração, na justiça e no ensino – à escolha, dos interessados, por eleições, por sufrágio universal. Depois retribuiu esses serviços, superiores e inferiores, com um salário igual ao que recebem os outros trabalhadores (ENGELS apud LÊNIN, 2007, p. 96). Mais uma vez, a Comuna de Paris é objeto de análise de um evento que apresentou alternativas significativas do ponto de vista da democracia operária. Porém, a democracia tem data de validade, assim como o Estado. Se “o Estado”, como afirma Lênin (2007), de acordo com Engels, “[...] não é outra coisa senão uma máquina de opressão de uma classe por outra, e isso tanto numa república democrática quanto numa monarquia” (LÊNIN, 2007, p. 98), cabe ao proletariado ir para além da democracia, enquanto movimento de tomada e destruição do Estado burguês, para instaurar a ditadura do proletariado conformada no Estado operário. Recomenda-se a leitura das seguintes obras: - HOBSBAWM, J. Era dos extremos: o breve século XX: 1914 – 1991. 2. ed. São Paulo: Companhia das Letras, 2015. - HOBSBAWM, J. A era das revoluções. 37. ed. São Paulo: Paz e Terra, 2016. 18WWW.UNINGA.BR CL AS SE S E M OV IM EN TO S SO CI AI S | U NI DA DE 1 EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA Nota-se que ao longo das análises realizadas por Lênin (2007), a democracia é sempre vista como uma das formas de Estado. Como a proposta é clara, tomar o Estado burguês e destruí-lo; assim, construir o Estado Operário, em uma perspectiva de colocá-lo em condições de definhamento. Logo, a democracia tem validade, tendo a sua duração enquanto existir Estado. Isso fica explícito quando Lênin (2007), pautado nas análises de Engels, afirma que “[...] esquece-se de que a supressão do Estado é igualmente a supressão da democracia e que o definhamento do Estado é o definhamento da democracia” (LÊNIN, 2007, p. 100). Esse processo de destruição e definhamento do Estado terá como consequência a eliminação das classes sociais que são fundadas na propriedade privada dos meios de produção capitalista, eliminação da opressão de uma classe sobre a outra, da exploração do homem pelo próprio homem etc. Por esses e tantos outros motivos, a democracia, mesmo com conteúdo da classe operária, mais depressa, tornar-se-á supérflua e, por isso, desaparecerá. Evidentemente, o debate acerca das críticas às reformas e à democracia como meio para o socialismo vai além. O período caracterizado como stalinismo teve outra importante influência e se destacou pela postulação do socialismo em um só país refletindo numa posição pacífica. 19WWW.UNINGA.BR CL AS SE S E M OV IM EN TO S SO CI AI S | U NI DA DE 1 EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA CONSIDERAÇÕES FINAIS É possível inferir que, ao longo do desenvolvimento do Estado burguês, a democracia constituiu uma das formas de organização das instituições estatais, como o parlamento, viável para assegurar a grande propriedade privada capitalista. A partir de meados do século XIX, o Estado, em sua forma democrática, constituiu- se como resultado das lutas de classes e de choques internos à burguesia. A luta pelo sufrágio universal demonstrou às massas trabalhadoras, ao longo do século XIX, sua importância à medida que permitiu aos trabalhadores perceber o caráter de classe do Estado quando em confronto, defendendo-se os direitos trabalhistas. A própria experiência histórica do movimento operário explicitou a inviabilidade para atingir seu objetivo, que foi sendo colocado pelo movimento operário internacional, não mais apenas de direitos trabalhistas, mas da destruição da própria ordem burguesa e, com ela, a exploração da força de trabalho das classes sociais e da propriedade privada dos meios de produção. Evidenciou-se que o “governo do povo”, eleito pelo sufrágio, na prática, serve a interesses muitos específicos: os da burguesia. A partir desse momento, não era colocada apenas a forma democrática que o Estado burguês deveria assumir, mas sua própria sobrevivência como instituição a serviço do capitalismo. Essa orientação política foi sendo difundida pelo movimento operário internacional ao longo do século XIX. No entanto, por volta de 1890, houve uma orientação contrária à destruição do capitalismo e, com ele, seu Estado na forma democrática burguesa. Uma orientação de promover reformas para, supostamente, destruir o Estado no futuro. Essa corrente foi denominada reformismo, duramente combatida pelos marxistas, em virtude da inviabilidade de se reformar o capitalismo. 2020WWW.UNINGA.BR U N I D A D E 02 SUMÁRIO DA UNIDADE INTRODUÇÃO ................................................................................................................................................................4 1. AS CLASSES SOCIAIS DISPUTAM OS ESPAÇOS POLÍTICOS NO ESTADO .........................................................5 1.1 OS MOVIMENTOS SOCIAIS IMPULSIONAM O SUFRÁGIO UNIVERSAL PARA DEMOCRATIZAR O ESTADO BURGUÊS ......................................................................................................................................................................9 1.2 O DEBATE:DA PERSPECTIVA REVOLUCIONÁRIA À CRÍTICA AO REFORMISMO NO SEIO DO MOVIMENTO OPERÁRIO ................................................................................................................................................................... 11 CONSIDERAÇÕES FINAIS ........................................................................................................................................... 19 DESENVOLVIMENTO CAPITALISTA, CLASSES TRABALHADORAS E AS IMPLICAÇÕES PARA A ORGANIZAÇÃO DOS MOVIMENTOS SOCIAIS NO BRASIL A PARTIR DO SÉCULO XX PROF. ME. LOURIVAL SOUZA FELIX ENSINO A DISTÂNCIA DISCIPLINA: CLASSES E MOVIMENTOS SOCIAIS 21WWW.UNINGA.BR CL AS SE S E M OV IM EN TO S SO CI AI S | U NI DA DE 2 EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA INTRODUÇÃO Durante o período compreendido entre o fim do século XIX e início do XX, ocorreu a transição do capitalismo concorrencial para o capitalismo monopolista. É nesse último que se colocam, de forma mais acentuada, as contradições do capitalismo que norteiam a exploração da classe trabalhadora. “Essa nova organização do capitalismo em monopólios permite o acréscimo dos lucros do capital através do controle dos mercados” (NETTO, 2011, p. 20). Existe, nesse momento, uma tendência em relação ao acréscimo dos preços das mercadorias e o forte investimento em novas tecnologias, contribuindo para a diminuição dos postos de trabalhos nas fábricas. No capitalismo monopolista, há uma maior concentração de riqueza. Intensificam-se as contradições entre as classes antagônicas no capitalismo, pois há um ápice de incoerências entre a socialização da produção e a apropriação privada dos meios de produção. Permanecem os proletários sendo os produtores diretos, mas a eles não pertence a produção. Consoante a visão de Braverman (1980), na era dos monopólios, ocorre a centralização do capital, juntamente ao processo de condensação de vários pequenos capitais em poucos grandes capitais. Assim sendo, ultrapassa-se sua forma pessoal limitada e limitadora, passando-se a uma forma institucional. Dessa forma, prevaleceu a lógica do grande capital, no qual o processo de formação dos monopólios ocorre na medida em que os pequenos capitais são sugados, isto é, com o processo de monopolização, aglutina-se a propriedade privada em um pequeno grupo que se torna dominante. Com o advento dos monopólios, a produção no interior das empresas capitalistas foi se modernizando, com os avanços das tecnologias empregadas na maquinaria. Em fins do século XIX, ocorreu uma substituição da maquinaria do capital, na medida em que as novas tecnologias vão sendo implementadas nas máquinas e em equipamentos elétricos. Similarmente ao processo de produção, que implica maior resultado, exige-se dos trabalhadores uma qualificação maior e uma função exercida de forma específica de cada operário. 22WWW.UNINGA.BR CL AS SE S E M OV IM EN TO S SO CI AI S | U NI DA DE 2 EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA 1. O DESENVOLVIMENTO DO CAPITALISMO E SEUS DESDOBRAMENTOS PARA AS CLASSES TRABALHADORAS O movimento da sociedade capitalista, como aponta Braverman (1980), ao impulso de inovar produtos diversos no aspecto econômico, em novos serviços e em novas indústrias, implica novos processos de trabalho, como o surgimento do rádio e da televisão, que acarretam novas alterações nos instrumentos de produção das novas mercadorias. Além disso, determina o surgimento de novas categorias de trabalhadores, como é o caso dos radialistas e técnicos em televisão, dentre muitas outras. Essas necessidades e determinações de novos ramos ocorreram de forma generalizada. É por isso que o mercado se torna universal a partir da expansão das mercadorias, com as prestações de serviços que são exemplos típicos do capitalismo de monopólios. Na fase do capitalismo monopolista, o primeiro passo na criação do mercado universal é a conquista de toda a produção de bens sob forma de mercadoria; o segundo passo é a conquista de uma gama crescente de serviços e sua conversão em mercadorias; e o terceiro é um ‘ciclo de produto’, que inventa novos produtos e serviços, alguns dos quais se tornam indispensáveis à medida que as condições de vida moderna mudam para destruir alternativas (BRAVERMAN, 1980, p. 239). Segundo Braverman (1980), em tempos de dominação monopólica, é prioridade transformar todos os bens e serviços em mercadorias. Esse processo de mercadologização determina tornar também a força de trabalho em mercadoria, passível de compra e venda pelo capitalista, entendido como o seu proprietário. Isso possibilita ao capitalista uma posição de “chefe” no processo de produção; logo, como proprietário da força de trabalho, é sobre seu domínio que se torna mercadoria. O capitalismo, mais precisamente a partir do século XX, expande, assim, segundo Braverman (1980), o monopólio, impondo-se como forma dominante por praticamente todo o globo. Para tanto, de acordo com Netto (2011), para o capitalismo se organizar na era de monopólios, são necessários mecanismos extraeconômicos, como a contribuição do Estado para reproduzir a lógica do capital. Lucrar constantemente sobre a produção e, principalmente, sobre o seu produtor - o proletário - é a lógica do capitalismo monopolista. [...] a intervenção estatal incide na organização e na dinâmica econômica desde dentro, e de forma contínua e sistemática. Mais exatamente, no capitalismo monopolista, as funções políticas do Estado imbricam-se organicamente com suas funções econômicas (NETTO, 2011. p. 25). A intervenção do Estado incide, essencialmente, na questão econômica. O Estado burguês intervém com funções diretas e indiretas. Vejamos as funções diretas. No capitalismo monopolista, o Estado é orientado para que, quando “empresas” estatais entram em dificuldades, a solução seja privatizá-las e subsidiar com dinheiro de fundos públicos o financiamento aos monopólios para a empresa, antes estatal, sair da ruína. Permite-se, daí, cada vez melhores condições para a empresa aumentar sua produtividade. 23WWW.UNINGA.BR CL AS SE S E M OV IM EN TO S SO CI AI S | U NI DA DE 2 EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA Já nas funções indiretas, o Estado contribui para o crescimento do capital por meio das encomendas-compra que [...] o Estado realiza com as empresas privadas, com os investimentos públicos em meios de transportes e infraestrutura, com a preparação institucional da força de trabalho ao capital e com os gastos com investigação e pesquisa (NETTO, 2011, p. 25). O Estado oportuniza ao capital as possibilidades de gerar lucros maiores, atuando explicitamente como instrumento de organização da economia capitalista. Em épocas de crise, essa intervenção se torna mais explícita. Além de o Estado qualificar a força de trabalho para servir ao capital com instalações de centros de ensino, de qualificação profissional, dentre outras, ele tem a responsabilidade de zelar pelas boas condições dos trabalhadores, proporcionando atendimento médico e unidades básicas de saúde. Nesse processo de consolidação do capitalismo monopolista, com o Estado obviamente apoiando a iniciativa privada, a produção se desenvolverá com um processo específico: o fordismo, que foi uma das formas de acumulação que o capital encontrou por via de novas alterações da produção no interior das indústrias. O fordismo é compreendido a partir do início do século XX. De acordo com Bihr (2010), o fordismo iniciou um processo de substituição da mão de obra não especializada pela especializada. Tal substituição impõe aos operários uma identidade ideológica, pois uma das razões para o sucesso do fordismo deve-se ao trabalho, na perspectiva de promoção da ética e do amor ao oficio. Esses foram os argumentos usados por ideólogos burgueses, no sentido de que, caso não acabe, ao menos se possa controlar a classe trabalhadora. Sob essa ótica, o processo de trabalho é imposto de forma hierarquizada nas relações de trabalho, juntamentecom a mecanização e a parcialização. Por essa razão é que ocorreu um novo fenômeno tão relevante quanto os demais. Reduz-se (para não se dizer que cessa) a produção doméstica; aumenta-se a produção capitalista industrial. Esse fato provoca agravantes no interior da classe explorada, transferindo a produção doméstica para a produção industrial, aumentando a produção industrial e, mais ainda, o consumo pelo proletariado. Por isso, Bihr (2010) explica que, ideologicamente, é elaborada e internalizada a ideia de consumo individual. Isso gera problemas gravíssimos aos proletariados, como a promoção da individualidade, competição para o operário ter emprego, receber um salário e, posteriormente, ter poder de compra. Agora, resta ao trabalhador a venda da sua força de trabalho, já que ela se tornou sua única forma de sobrevivência. Como aponta Antunes (2010), ao longo do século XX, dá-se a prevalência do fordismo enquanto processo de trabalho industrial, na indústria automobilística. Sob esse regimento, a produção se dá de forma fragmentada, parceirizando a produção de determinados produtos, funções específicas que o operário deve seguir, promovendo uma nítida separação entre as atividades de ordem intelectual (elaboração) e as de execução. Na indústria de produção em que impera o fordismo, tem-se poucos homens a fazer parte da “elite pensante” na elaboração dos produtos (denominadas funções de gerência) e um grande contingente da classe trabalhadora empregada sendo responsável pela execução, pela realização propriamente dita, dos produtos. Juntamente com a proposta de Keynes, agregou-se o pacto fordista, o qual, na ótica de Behring e Boschetti (2008), acarretou uma produção em massa para um consumo e acordos coletivos com os trabalhadores do setor monopolista em termos de ganhos de produtividade do trabalho. O fordismo representou mais que mudanças técnicas na produção: ele representou uma nova forma de relações sociais. 24WWW.UNINGA.BR CL AS SE S E M OV IM EN TO S SO CI AI S | U NI DA DE 2 EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA Esse novo processo de produção tem suas bases no início do século XX; contudo, teve sua implementação de forma generalizada a partir de meados da década de 1940. Do ponto de vista das autoras, é evidente, desde o início do século XX até 1945, uma elaboração das ideias de Keynes sobre a posição do Estado e o pacto fordista com sua inovação no processo de produção. Entretanto, a concretização em benefício de uma maior produtividade ao capital e melhorias nas condições da classe trabalhadora só ocorre, de fato, no período considerado “os anos de ouro,” compreendido entre 1945 e o início da década de 1970. O marco decisivo em destaque, exposto por Behring e Boschetti (2008), foram as tecnologias implementadas no esforço da Segunda Guerra Mundial, gerando a necessidade de se produzirem carros e armamentos, atrelada a um processo de produção fordista que chega a sua fase madura, juntamente com a intervenção estatal. O resultado, obviamente, só poderia ser o seguinte: [...] o keynesianismo e o fordismo, associados, constituem os pilares do processo de acumulação acelerada de capital no pós-1945, com forte expansão da demanda efetiva, altas taxas de lucros, elevação do padrão de vida das massas no capitalismo central, e um alto grau internacionalização do capital, sob o comando da economia norte-americana, que sai da guerra sem grandes perdas físicas e com imensa capacidade de investimento e compra de matérias-primas, bem como de dominação militar (BEHRING; BOSCHETTI, 2008, p. 88). O fordismo domina o processo de produção até, aproximadamente, a década de 1970, havendo um acúmulo de produção, por fatores advindos das novas tecnologias, e o consumo com um grande contingente da classe trabalhadora empregada, cujos salários propiciaram a consumação. Casos explícitos são os dos trabalhadores que adquiriram bens como rádios e televisores. Porém, a década de 1970 é marcada por uma crise do capital acerca da queda da taxa de lucros, causada pelo aumento do preço da força de trabalho. Outro agravante, também decisivo para a crise ocorrer, foram as altas taxas de desemprego, que acarretarem diminuição do consumo. Esses apontamentos característicos do Fordismo subsidiam fundamentos para compreendermos o impacto das mudanças no capitalismo sobre os proletários. A transição ao capitalismo de monopólios foi realizada paralelamente ao movimento operário. No momento em que há um movimento de organização, inicia-se o aparecimento de partidos operários de massas. O Estado, os representantes do capital e a burguesia unida realizam intervenções seja de caráter coercitivo seja de garantias de direitos, conseguindo impor seus objetivos sobre os trabalhadores, que permaneceram na continuação da exploração sobre a força de trabalho. Netto (2011) aponta que o capitalismo e o Estado, ao se articularem, efetivam uma proposta de aumento à produção do capital, cuja finalidade é de trabalhar para neutralizar a classe operária, trabalho que pretende estabelecer “consenso” entre classes antagônicas (burgueses e proletários), com garantias mínimas de direitos à classe trabalhadora. 25WWW.UNINGA.BR CL AS SE S E M OV IM EN TO S SO CI AI S | U NI DA DE 2 EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA 1.1 O Estado de Bem Estar Social como Alternativa ao Capi- talismo Análises elaboradas acerca do Estado de bem-estar social compreendem seu ápice a partir do pós-Segunda Guerra Mundial de 1945, até aproximadamente fins da década de 1960. A princípio, o Estado de bem-estar social ocorre nos países capitalistas centrais da Europa. A abordagem teórica deve compreender os fundamentos históricos para a consolidação e crise na forma do Estado, como uma nova configuração da posição do Estado frente às relações de capital e trabalho. Verificamos, do ponto de vista de Behring e Boschetti (2008), os fundamentos sócio- históricos do Estado de bem-estar social. As ideias do Keynesianismo se pautavam em estratégias de superar as crises do capital a partir da grande depressão de 1929-1932. Para tanto, ele se voltava à redefinição da posição do Estado frente ao capital. O fundamento da teoria de Keynes, de o Estado ser “ampliado”, é, de fato, resultante em se recolocar, agora como esfera produtora e reguladora. Em relação a essa “inovação” do papel do Estado, salientamos a seguinte premissa: Segundo Keynes, cabe ao Estado, a partir de sua visão de conjunto, o papel de restabelecer o equilíbrio econômico, por meio de uma política fiscal, creditícia e de gastos, realizando investimentos ou inversões reais que atuem nos períodos de depressão como estimulo à economia (BEHRING; BOSCHETTI, 2008, p.85). Implica ao Estado uma intervenção que sustente um aumento na demanda, resistindo às crises econômicas, intervindo na relação capital e trabalho, estabelecendo uma política salarial, isto é, o “controle dos preços”, que são características de que o Estado, segundo o Keynesianismo, deve promover formas de “superação” da crise do capitalismo e, ainda, do próprio modo de produção vigente. De acordo com Behring e Boschetti (2008), tal intervenção e mecanismos para “superar” as crises no capitalismo tiveram sua efetividade, de certa forma, no setor de empresariado, em uma perspectiva centrada em dois pilares: pleno emprego e igualdade social, o que seria consequência da ação do Estado, gerando empregos via produção de serviços públicos, além dos gerados pela propriedade privada. Outro pilar dessa proposta seria, também, por consequência de se ter uma classe trabalhadora, em grande parte, inserida no mercado de trabalho, aumentando a renda e promovendo a “igualdade” social com serviços públicos, gerando empregos. Isso denota que o Estado se posiciona de forma diferente, sendo agora uma instituição que produz. Isso, em termos, implica um Estado “ampliado”, com um papel mais presente nas relações de produção. Um aspecto importantea mencionar é que o Estado intervém com a promoção de emprego, surgindo novas necessidades que devem ser supridas. Além da população ativa, existe a população não ativa. Segundo Behring e Boschetti (2008), para esses seguimentos como os das pessoas idosas, deficientes e crianças, o Estado dispõe de políticas sociais específicas para subsidiar sua sobrevivência, como os benefícios a idosos, a aposentadoria e as pensões para pessoas com deficiência. Ao nos reportarmos ao Estado enquanto instrumento de dominação da classe trabalhadora, é relevante a posição de Lessa (2007). Segundo ele, o Estado de bem-estar possibilitou um campo fértil para promover a domesticação e o adestramento dos sindicatos e subordiná-los às imposições do capital, rumo a todo um movimento do capitalismo para, posteriormente, estabelecer o neoliberalismo, conformando o Estado mínimo. 26WWW.UNINGA.BR CL AS SE S E M OV IM EN TO S SO CI AI S | U NI DA DE 2 EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA [...] o Estado de Bem-Estar se desenvolveu na sequência da derrota do movimento operário pós II Guerra Mundial e em um período de domesticação e adestramento das estruturas sindicais aos ditames do capital. Este adestramento será um elemento importante para que, décadas depois, a transição ao neoliberalismo não provocasse uma reação sindical mais importante (LESSA, 2007, p. 285). Conforme o momento histórico vivenciado, o Estado altera sua posição frente às classes fundamentais, burguesia e proletariado. Contudo, o Estado não altera sua essência em nada, permanecendo como o comitê gestor dos interesses do capital. É nesse sentido que Lessa (2007) fundamenta sua posição analítica, pois o que mudou foram as necessidades para a reprodução do capital. O autor aborda, também, que “[...] o capital nos países centrais da Europa e nos Estados Unidos logrou anos de produtividade sem precedentes na história durante o período dos ‘anos de ouro’” (LESSA, 2007, p. 290). Os altos lucros do capital possibilitaram a absorção das crises capitalistas, as greves e as insatisfações da classe trabalhadora, empregando parte dos trabalhadores. Isso, de certa forma, extraiu a essência dos movimentos organizados e a centralidade da luta de classes, fazendo com que adestrassem os lucros para formar, em suas ações, melhorias a fim de adotar uma posição de negociação, não mais uma posição de confronto. Com o Estado de bem-estar intervindo na produção, o fordismo, com grande poder de produção, no fim dos anos de 1960, mostra indícios de esgotamento, pois a produção é demasiadamente desproporcional ao consumo. Nesse sentido, Lessa (2007) aponta que houve um agravamento pela saturação do mercado de vários produtos-chave, como é o caso dos automóveis. A partir da década de 1970, como o fordismo não era mais viável como processo de trabalho, nota-se a necessidade de “flexibilizar” esse processo. Há uma nova configuração do capital e, certamente, os impactos sobre a classe trabalhadora foram, e ainda são, profundos. 27WWW.UNINGA.BR CL AS SE S E M OV IM EN TO S SO CI AI S | U NI DA DE 2 EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA 2. A CRISE ESTRUTURAL DO CAPITAL E O NEOLIBERALISMO Nesse momento histórico, junto à análise de Behring e Boschetti (2008), com destaque a Mandel (1982), o capitalismo se torna maduro, pois se esgotam todas as possibilidades de o capital ter um papel civilizatório. Na perspectiva de que o capitalismo não promovesse o desenvolvimento do indivíduo, em uma perspectiva humana, Mészáros (2007) identifica que, no pós-1970, a crise do capitalismo é estrutural. [...] não estamos mais diante de subprodutos ‘normais’ e voluntariamente aceitos do ‘crescimento e do desenvolvimento’, mas de seu movimento em direção a um colapso; nem tampouco diante de problemas periféricos dos ‘bolsões de subdesenvolvimento’, mas diante de uma contradição fundamental do modo de produção capitalista como um todo, que transforma até mesmo as últimas conquistas do ‘desenvolvimento’, da ‘racionalização’ e da ‘modernização’ em fardos paralisantes de subdesenvolvimento crônico. E o mais importante de tudo é que quem mais sofre as consequências não mais é a multidão socialmente impotente, apática e fragmentada das pessoas ‘desprivilegiadas’, mas todas as categorias de trabalhadores qualificados e não-qualificados: ou seja, obviamente, a totalidade da força de trabalho da sociedade (MÉSZÁROS, 2007, p. 143). O sentido da crise estrutural do capital, nesse momento, é devastador pelo aumento desenfreado do desemprego, atingindo diversas categorias da classe trabalhadora, tanto as categorias compostas por trabalhadores qualificados quanto as compostas por não qualificados. Não somente sob as orientações de outros autores (ANTUNES, 2009; NETTO, 2001; SOARES, 2002; ANDERSON, 2008), mas em especial de Mandel e Mészáros, é que prosseguiremos neste processo analítico do capitalismo tardio, e, por conseguinte, o caráter incontrolável, incorrigível e desumanizador do capitalismo, com vistas à crise estrutural do capital para nos aproximarmos das condições da classe trabalhadora frente a todo esse processo de crises existente. De acordo com Mandel (1982), o capitalismo tardio não é uma nova época no desenvolvimento capitalista, mas se conforma a partir da década de 1970, no modo de produção que entra em crise profunda. Assim, Mandel (1982) se propõe a esclarecer a crise do capitalismo e sua defesa acerca das implicações sobre a saturação do desenvolvimento de técnicas de produção, propiciando lugar a uma crise de superprodução. É nesse sentido que elaboramos este tópico referente ao capitalismo tardio, essencialmente nos apoiando na análise de Mandel. Tratando-se de capitalismo tardio, Mandel (1982) abarca em sua análise o processo de grande implementação das tecnologias na produção, tendo suas expressões a partir da Segunda Guerra Mundial. Esse estágio tardio do modo de produção capitalista é caracterizado, também, como terceira revolução tecnológica. Dessa revolução, o autor destaca algumas características assumidas a partir de 1970. Todavia, interessam-nos, em especial, certas características e seus impactos no mundo do trabalho. A aceleração qualitativa do aumento na composição orgânica do capital, isto é, o deslocamento do trabalho vivo pelo trabalho morto. Nas empresas plenamente automatizadas esse deslocamento é quase total (MANDEL, 1982, p. 136). 28WWW.UNINGA.BR CL AS SE S E M OV IM EN TO S SO CI AI S | U NI DA DE 2 EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA Primeiramente, vale notar que “[...] a composição orgânica do capital diz respeito às relações técnicas e físicas, entre o conjunto das máquinas, matérias-primas e trabalho necessário para produzir mercadorias” (MANDEL, 1982, p. 412). A inserção de tecnologias avançadas no processo de produção promoveu, e promove, uma substituição do trabalho humano por funções executadas por máquinas. Isso implica desempregos em larga escala; logo, com grande parte da classe trabalhadora desempregada, diminui o poder de consumo da população, o que acarreta menor taxa de lucro do capital. A terceira revolução tecnológica, nas palavras de Mandel (1982), traz a crescente importância da reprodução da força de trabalho em um nível superior de qualificação intelectual e técnica. Esse processo exige maior planejamento econômico das empresas, ou seja, a desvalorização do trabalho manual em detrimento do trabalho intelectual e de formação técnica. De forma pontual, podemos dizer que os elementos apontados incidem a partir dos anos 1970, com alterações no modo de produção dominante. Contudo, sua essência permanece intacta. A lógica do capital em lucrar sobre tudo e todos impõe, a partir da implementação de novas tecnologias, uma precarização da vida da classe trabalhadora, pois existe aumento das taxas de desemprego, acarretando, na vida de trabalhadores, a insatisfação de suas necessidades básicas, inclusive de alimentação, moradia adequadae de boas condições de sobrevivência. As três últimas décadas do século XX e do século XXI são marcadas por uma crise profunda, que afeta a classe trabalhadora como um todo. Mészáros (2007) aponta que tal crise é estrutural, pois atinge a totalidade da classe trabalhadora, ou seja, trabalhadores de todas as categorias, tanto das categorias mais qualificadas como das menos qualificadas. De acordo com os apontamentos de Mészáros (2009), a crise do capital se torna devastadora a partir dos anos 1970, assumindo tamanha proporção, que invade não apenas o mundo financeiro, mas, também, a esfera da vida social e cultural. Frente a isso, as crises capitalistas não são “solucionadas” no interior de cada país: trata-se de crises que surgem em determinado país, mas acabam afetando outros. As crises não podem mais ser “solucionadas” em seus países de origem; dependem de uma política mundial, e não mais nacional. Um exemplo disso, conforme Mészáros (2009), é a maior potência econômica – os Estados Unidos – que, em tempos de crise, carece de contribuições de outros países, inclusive daqueles denominados de “terceiro mundo”. Sendo assim, Mészáros tem uma visão pessimista em relação à produção e reprodução da acumulação da ordem vigente: A acumulação capitalista não poderia funcionar adequadamente no âmbito da economia produtiva. Agora estamos falando da crise estrutural do sistema que se estende por toda parte e viola nossa relação com a natureza, minando as condições fundamentais da sobrevivência humana (MÉSZÁROS, 2009, p. 130). O autor vem afirmando que a crise, além de estrutural, é destrutiva, pois as extrações da natureza estão sendo tão absurdas que implicam uma desordem entre humanidade e natureza, à medida que a humanidade, de tanto extrair da natureza, pode estar colocando em risco sua própria existência. Juntamente com a exploração predatória da natureza no atual modo de produção, existe a subordinação do valor de uso pelo valor de troca das mercadorias, realizada pela classe dominante. Ressalta Mészáros (2009) que, na produção capitalista, há um grande investimento em mercadorias desnecessárias para a grande parte da humanidade. Isso se explica pelo fato de o capitalismo não priorizar as necessidades humanas, mas sim as suas próprias necessidades de permanecer como modo de produção dominante. 29WWW.UNINGA.BR CL AS SE S E M OV IM EN TO S SO CI AI S | U NI DA DE 2 EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA Dessa forma, os produtos e as mercadorias devem chamar a atenção do consumidor por sua aparência e não pela sua utilidade, na perspectiva da valorização estética promovida pelo burguês. É nesse sentido que Antunes (2009) aponta para as mercadorias. Além de deterem superfluidade, elas são valorizadas pela sua aparência, além de terem seu tempo útil reduzido. Isso implica desperdício e destrutividade. Explicitamente, a lógica do capital se impõe, determinando o consumo e promovendo a miséria, fome e outras questões que afetam a população carente de recursos para sua sobrevivência. Outro ponto destacado por Mészáros (2009) se refere à especulação financeira. Ele defende que a expansão da especulação financeira e a crise estrutural do capital estão atreladas aos ideólogos burgueses, que usam da especulação para ressaltar o potencial de “superação” do capitalismo em relação às crises, e, então, ocultar as reais condições do capitalismo e suas implicações sobre o mundo do trabalho. A imensa expansão especulativa do aventureirismo financeiro – sobretudo nas últimas três décadas ou quatro décadas – é naturalmente inseparável do aprofundamento da crise dos ramos produtivos da indústria, assim como das resultantes perturbações que surgem com a absolutamente letárgica acumulação de capital (na verdade, acumulação fracassada) no campo produtivo da vida econômica. Agora, inevitavelmente, também no domínio da produção industrial a crise está ficando muito pior (MÉSZÁROS, 2009, p. 25). Conforme as implicações da crise estrutural do capital, proporções astronômicas são geradas, resultando em um índice de bilhões de desempregados por todo o mundo. As especulações financeiras se tornam inseparáveis da crise e têm a função de supervalorizar as mercadorias relevantes ao olho do proprietário dos meios de produção. Todavia, o risco é grande, porque a supervalorização da mercadoria pode não acontecer, acarretando problemas ao capital. Em tempos de crise profunda, o capital recorreu a novas alternativas para “superar” a crise, que tem suas bases em dois pontos fundamentais: o primeiro se refere ao processo de trabalho, compreendido como a implementação do Toyotismo; já o segundo se refere à organização do capital com orientações, atingindo o modelo político-institucional e ideológico do Estado, de acordo com os interesses capitalistas (o que é conhecido como neoliberalismo). A implementação do Toyotismo é um novo processo de trabalho, com novas formas de acumulação do capital (ANTUNES, 2009), o que, em contrapartida, provoca aumento nas taxas de desemprego. Inicialmente, ao ser implantado no Japão e Alemanha e, mais tarde, em grande parte do território mundial, o Toyotismo “ganha vida”. Apesar de não ser o único vigente no capitalismo, é o dominante a partir da década de 1970. A discussão acerca dos elementos constitutivos do Toyotismo é complexa. Portanto, de acordo com Antunes (2010), o capital, a partir do Toyotismo, passou por uma série de alterações que norteiam o mundo do trabalho. Mais especificamente, foram promovidas implementações da automação, da robótica e da microeletrônica, que invadiram o universo fabril, inserindo-se e desenvolvendo-se nas relações de trabalho e de produção (ANTUNES, 2010). A inserção de avançadas tecnologias no processo produtivo impõe uma nova dinâmica no mundo do trabalho, emergindo a flexibilização das relações entre capital e trabalho. Segundo Antunes (2010), a flexibilização promoveu várias alterações na relação entre a classe trabalhadora e a capitalista, a saber: (a) perdas antes conquistadas pela classe trabalhadora. (b) a promoção do trabalhador “qualificado” para atender às novas imposições do mercado de trabalho. (c) a ideologização sobre a relevância do trabalhador em negar o sindicato. (d) as lutas coletivas. 30WWW.UNINGA.BR CL AS SE S E M OV IM EN TO S SO CI AI S | U NI DA DE 2 EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA (e) a internalização de valores que levam ao individualismo. (f) o parceiro-colaborador da empresa. Tudo isso em conformidade com uma série de imposições por parte dos detentores dos meios de produção, na perspectiva única e exclusiva de lucrar sobre tudo e todos, especialmente sobre os trabalhadores. Segundo Antunes (2010), são também características do Toyotimo as novas formas de gestão organizacional, a qual o trabalhador “intelectual” passa a destacar em detrimento dos trabalhadores que operam as máquinas (em uma definição clássica: o operário). Ao capitalista, é mais fácil se desfazer de um simples operário do que de um trabalhador que ocupa um cargo de gerência e/ou gestão. O operário simples, além de estar nas sobras do exército industrial de reserva, pode ser substituído por novas máquinas. Já o trabalhador qualificado detém conhecimento gerencial, conhecimento de gestão, tornando-se mais precioso ao mercado de trabalho. Outra característica peculiar do capitalismo a partir dos anos 1970 (e, atualmente, isto é bem visível) é a falácia da “qualidade total”. [...] a falácia da qualidade total, tão difundida no ‘mundo empresaria moderno’, na empresa enxuta da era da reestruturação produtiva, torna-se evidente quanto mais ‘qualidade total’ os produtos devem ter, menor devem ser seu tempo de uso [...] a aparência ou o aprimoramento do supérfluo, uma vez que os produtos devem durar pouco e ter uma reprodução ágil no mercado (ANTUNES, 2009, p. 52). De acordocom as contribuições teóricas de Antunes (2010), o Toyotismo, enquanto processo de trabalho, conquista espaço para além do Japão e de seu país de origem. Ele oferece uma combinação de fatores que se amoldam ao movimento histórico do capitalismo, movimentos preconizados por crises além de cíclicas destrutivas. Seu desenho organizacional, seu avanço tecnológico, sua capacidade de extração intensificada do trabalho, bem como a combinação de trabalho em equipe, os mecanismos de envolvimento, o controle sindical, eram vistos pelos capitalistas do Ocidente como via possível de superação da crise de acumulação (ANTUNES, 2009, p. 55). A velocidade e a capacidade de produção em tempo mínimo, a redução de trabalhadores na fábrica e a contenção desses operários foram essenciais para o capital se reorganizar e possibilitar vias de “superação” da crise de acumulação (ANTUNES, 2009). O Toyotismo oportunizou a acumulação de capital. Paralelamente, enquanto resposta à crise estrutural do capital, também houve outro elemento para sua reorganização: o neoliberalismo. O neoliberalismo, de acordo com Netto (2001), teve sua origem na Inglaterra, por volta dos anos 1950, chegando aos Estados Unidos da América com grande força. O neoliberalismo, posteriormente, conquistou espaço em outros países da Europa e da América Latina. Entretanto, as implementações ocorreram a partir da década de 1970. Analisemos alguns elementos centrais do neoliberalismo, constituindo-se, historicamente, como modelo político-institucional e aparelho ideológico a serviço plenamente da classe dominante. Cabe relatarmos aqui alguns pontos elementares da origem do neoliberalismo. De acordo com Anderson (2008), o modelo neoliberal tem suas bases teóricas no texto de Friedrech Hayek, escrito em 1944, intitulado O Caminho da Servidão. A princípio, a orientação era se contrapor ao Partido Trabalhista Inglês. Posteriormente, Hayek se organizou com aliados e, junto a eles, ampliou a discussão acerca do neoliberalismo. 31WWW.UNINGA.BR CL AS SE S E M OV IM EN TO S SO CI AI S | U NI DA DE 2 EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA As raízes da crise, afirmavam Hayek e seus companheiros, estavam localizada no poder excessivo e nefasto dos sindicatos e, de maneira mais geral, o movimento operário, que havia corroído as bases de acumulação capitalista com suas pressões reivindicações sobre os salários e com sua pressão parasitaria para que o Estado aumentasse cada vez mais os gastos públicos (ANDERSON, 2008, p. 10). O “parasita” da economia capitalista são os sindicatos. Além disso, qualquer forma de regulação do Estado em relação ao mercado pode apontar “soluções.” Logo, “[...] o remédio, então, era claro: manter um Estado forte, sim, em sua capacidade de romper o poder dos sindicatos e no controle do dinheiro, mas parco em todos os gastos sociais e nas intervenções econômicas” (ANDERSON, 2008, p. 11). Hayek, citado por Anderson (2008), é claro ao afirmar que o remédio é o Estado desmobilizador de todo tipo de organização da classe trabalhadora. Diminuir ao máximo os gastos com políticas públicas sociais significa reduzir gastos com saúde, habitação, assistência social e, sobretudo, liberar o mercado, o qual se autorregula. Contudo, o Estado permanece somente para oportunizar melhores condições de expansão do capital. Em momentos de crises, por exemplo, o Estado se torna necessário, contribuindo para superá-las. É por isso que o “crescimento” é inevitável. Assim, surge o ideário neoliberal na década de 1940 e 1950. Todavia, é a partir da década de 1970 que essa discussão ganha corpo e credibilidade. Vale ressaltar que o país embrionário foi a Inglaterra e, apenas depois, os Estados Unidos aderiram ao ideário neoliberal. Consequentemente, grande parte da Europa. Contudo, segundo Anderson (2008), o neoliberalismo tem políticas distintas em relação à Inglaterra e aos EUA. A orientação neoliberal na Inglaterra teve intenções de promover uma política institucionalmente (completamente) contra o Estado de bem-estar social, de abolição dos controles dos fluxos financeiros, elevando a taxa de juros e baixando custos de impostos sobre os altos rendimentos. Isso tudo impôs uma nova legislação antissindical. Além disso, cortar gastos públicos (ANDERSON, 2008) com esses elementos levou a política neoliberal a conquistar espaços nos países europeus. O neoliberalismo à moda norte-americana teve particularidades em sua orientação, exclusivamente em um determinado ponto. Quase não havendo, segundo Anderson (2008), o Estado de bem-estar social nos EUA, a prioridade era deteriorar o regime socialista da União Soviética e eliminar por completo o comunismo na Rússia, pois ele oferecia (e oferece) riscos concretos à economia capitalista. Em um panorama, Anderson (2008) aponta que o neoliberalismo prevaleceu e promoveu alguns êxitos. Do ponto de vista da classe dominante, constituíram-se avanços na economia capitalista. São eles: a baixa taxa de inflação, a “derrota” do movimento sindical e as altíssimas taxas de desemprego. Sumariamente, o capital ganha vitalidade, pois os sindicatos perdem parte dos militantes de forma qualitativa e quantitativa. Isso implicou problemas profundos na organização da classe trabalhadora. A perda quantitativa, que diz respeito à diminuição dos trabalhadores em seus postos de trabalho, gerou, de certa forma, um aspecto qualitativo ao neoliberalismo, promovendo a individualidade e a competição. Tudo isso gerou obstáculos contra a organização e mobilização dos trabalhadores. 32WWW.UNINGA.BR CL AS SE S E M OV IM EN TO S SO CI AI S | U NI DA DE 2 EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA O neoliberalismo, segundo Netto (2001), atribui ao Estado duas funções essenciais. Primeiro, o mercado deve determinar o espaço legítimo do Estado, que proverá a estrutura necessária ao capital e aos serviços que o mercado não pode fornecer (NETTO, 2001 apud MERQUIOR, 1991). Segundo, ao Estado compete a responsabilidade por ações voltadas ao pauperismo, ou seja, manter o exército industrial de reserva vivo e qualificar a mão-de-obra para disponibilizar seus serviços de acordo com as necessidades do capitalismo. Com uma argumentação anticapitalista, Netto (2001) aponta um elemento essencial implícito no neoliberalismo: a despolitização das relações sociais. Qualquer regulamentação política do mercado, por intermédio do Estado ou de suas instituições, é, a princípio, rechaçada (NETTO, 2001). Em relação a esses pressupostos, os ideólogos burgueses firmam sua posição e colocam o neoliberalismo como resposta à crise do capital a partir das últimas três décadas do século XX. Como resposta à sua própria crise, iniciou-se um processo de reorganização do capital e de seu sistema ideológico e político de dominação, cujos contornos mais evidentes foram o advento do neoliberalismo, com a privatização do Estado, a desregulamentação dos direitos do trabalho e a desmontagem do setor produtivo estatal (ANTUNES, 2009, p. 33). Consoante Antunes (2009), o capital ganhou força, pois, por um lado, houve alguns processos de privatizações e, por outro, uma classe trabalhadora sendo esmagada pelas altas taxas de desemprego que se acentuam nesse momento. Em uma perspectiva neoliberal, o capitalismo tem em seu horizonte um campo fértil para acumulação. Isso porque o mercado ganha autonomia. “O neoliberalismo inclui a informalidade do trabalho, o desemprego, o subemprego, a desproteção trabalhista e, consequentemente acarreta uma ‘nova’ pobreza” (SOARES, 2002, p. 12). O ajuste neoliberal implica questões profundas, ultrapassando as barreiras econômicas. Dessa forma, existe uma proposta redefinindo o campo político-institucional e o campo das relações sociais. Sob tal orientação, há uma esmagadora internalização de valores fundamentados no individualismo, acarretando um processo de ideologização da acumulação de capital, ou seja, proporcionandoespaço oportuno ao capital, no sentido de naturalização das relações sociais em que existem ganhadores e perdedores, assim como fortes e fracos. É assim que se vai promovendo o individualismo e a competição, a qual se dá, até mesmo, entre os pertencentes à classe trabalhadora. O neoliberalismo tem suas bases na autonomia do mercado sobre o Estado, na desregulamentação das leis trabalhistas e na promoção da liberdade individual. Essa base possibilita ganhos ao capital, pois existe uma prevalência da economia sobre a política, além da sobreposição do individual em detrimento do coletivo. Segundo aponta Soares (2002), os ajustes neoliberais na América Latina ocorreram de forma não generalizada, pois o motivo se encontra de acordo com as especificidades econômicas, políticas e sociais de todos os países. De qualquer forma, a proposta ao neoliberalismo se deu a partir da década de 1970. Todavia, as reformas impostas iniciaram no fim da década de 1980 para o início de 1990. Contudo, as orientações foram similares por todo o território latino-americano. [...] a) aumentar o grau de abertura da economia para o exterior afim de lograr um maior grau de competitividade de suas atividades produtivas; b) racionalizar a participação do Estado na economia, liberalizar os mercados, os preços e as atividades produtivas; c) estabilizar o comportamento dos preços e de outras várias macroeconômicas (SOARES, 2002, p. 24). 33WWW.UNINGA.BR CL AS SE S E M OV IM EN TO S SO CI AI S | U NI DA DE 2 EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA É relevante pontuar que houve um “receituário” nas orientações determinadas aos países latino-americanos, desconsiderando-se as particularidades pertencentes ao contexto do país (SOARES, 2002). Em relação ao Brasil, faz-se necessário notar alguns elementos que retardaram as implementações das reformas orientadas pelo neoliberalismo, quando comparadas aos ajustes realizados na América Latina. O primeiro desses elementos refere-se ao fato de aqui existir, mesmo que atrasada, a tentativa de montar o Estado de Bem-Estar Social, o que implicou em partes da sociedade se contrapondo às imposições dos países dominantes. O segundo elemento, que merece menção, é a economia brasileira. “O Brasil já havia avançado na industrialização e articulando-se internacionalmente por sua inserção internacional” (SOARES, 2002, p. 37). Contudo, na virada dos anos 1990, o ajuste ganha força, o que se explica, por um lado, pela crise econômica dos anos 1989 e 1990 e, por outro, pelo esgotamento do Estado desenvolvimentista. É a partir de meados da década de 1990 que a autora considera terem ocorrido as implementações das reformas neoliberais. Nas eleições ganhas pelo então presidente Fernando Henrique Cardoso, o qual assumiu o discurso de que as reformas devem ser de cunho econômico no combate à inflação, a finalidade era realizar o “crescimento” do Estado brasileiro, fato que já era de se esperar com as reformas que seguiriam com as imposições dos países dominantes. De acordo com as exposições de Soares (2002), os ajustes foram similares aos implementados na América Latina, sobre os quais já se escreveu anteriormente. A essencialidade aqui está nos impactos que sofreram as políticas sociais. Elas se tornaram (ainda mais) fragmentadas, imergidas em caráter assistencialista. Com o movimento do capital ao longo da história e, mais precisamente, a partir da década de 1970, as implicações sobre a classe trabalhadora foram (e são) profundas. Inicialmente, a “flexibilização” pretendida pelo grande capital é favorecida pelo “[...] direcionamento a que ele submete a verdadeira revolução tecnológica que, desde os anos cinquenta, afeta os trabalhadores” (NETTO, 1996, p. 91). Com o advento dessa revolução, a operação da substituição da eletromecânica pela eletrônica e uma crescente informatização do processo de produção resultaram em uma enorme substituição de trabalho humano por trabalho morto, o que, por óbvio, acarretou aumento das taxas de desemprego. Todavia, faz-se necessário esclarecer que “[...] a tendência do capital em gerar desempregos cresce exponencialmente à força de trabalho excedentário em face dos interesses do capital” (NETTO, 1996, p. 92). Com isso, fica claro que as origens do desemprego têm raízes profundas, não se devendo, exclusivamente, à implementação das tecnologias, mas, também, pela lógica do modo de produção vigente. A dinâmica da sociedade capitalista tem uma gama de implicações complexas acerca da classe trabalhadora. Por isso é que recorremos aos construtos teóricos de Antunes (2010) para compreendermos a classe trabalhadora atual. Segundo Antunes (2010), devemos analisar os novos elementos, que não se encontram no pensamento marxiano por serem elementos da contemporaneidade. Porém, Marx é indispensável para tal compreensão, pois se identifica com a flexibilização das relações de trabalho, propiciando espaço fértil para o trabalho precário, parcial, temporário e subcontratado. Hoje, a classe trabalhadora vive um processo de desproletarização, no sentido da queda quantitativa do operariado industrial. Contrariamente, existe uma expansão do assalariamento, ampliando o setor de serviços: [...] vivencia-se também uma subproletarização intensificada, presente na exploração do trabalho parcial, temporário, precário, subcontratado, ‘terceirizado’, que marca a sociedade dual no capitalismo avançado (ANTUNES, 2010, p. 47). 34WWW.UNINGA.BR CL AS SE S E M OV IM EN TO S SO CI AI S | U NI DA DE 2 EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA Com o processo de subproletarização como expõe Antunes (2010), os países centrais se tornam referência para a imigração, provocada pelas altas taxas de desemprego estrutural que atinge o mundo do trabalho em escala global. A atual tendência do mercado de trabalho é reduzir o número de trabalhadores centrais e empregar cada vez mais uma força de trabalho que entra facilmente e é demitida sem custos. [...] enquanto vários países de capitalismo avançado viram decrescer os empregos em tempo completo, paralelamente assistiram a um aumento da forma de subproletarização, através da expansão dos trabalhadores parciais, precários, temporários, subcontratados etc. (ANTUNES, 2010, p. 50). As alterações no interior da classe de trabalho vão para além da subproletarização. Antunes (2010) refere-se ao processo duplo: por um lado, de qualificação e, por outro, de desqualificação dos trabalhadores. A qualificação diz respeito à substituição do trabalho realizado pelo homem e que, agora, é realizado pela maquinaria do capital. Mesmo a substituição do trabalho vivo pelo trabalho morto no processo de produção não implica o risco de desaparecimento da classe trabalhadora. O que ocorreu, e ocorre, é a diminuição dos trabalhadores com seus empregos, especialmente, os trabalhadores manuais (ANTUNES, 2010). Se a máquina existe em função da produção, obviamente, terá de haver homens para com elas produzirem, seja no setor de engenharia, gerência ou setor de administração. Não é mais o trabalhador industrial quem desempenha essas funções. No entanto, esses homens continuam vendendo sua força de trabalho. Portanto, com a evolução científica e tecnológica, os trabalhadores certamente terão de se qualificar para, com as máquinas, executarem atividades. A desqualificação ocorre em grande parte com os trabalhadores industriais oriundos do fordismo. É esse segmento das classes trabalhadoras que mais sofre com o trabalho parcial, precário. São setores de serviços que correspondem a 50% dos trabalhadores dos países avançados, incluindo os desempregados, os quais, de acordo com o autor, são denominados subproletariado moderno (ANTUNES, 2010). Evidencia-se, portanto, que ao mesmo tempo em que se visualiza uma tendência para a qualificação do trabalho, desenvolve-se também intensamente um nítido processo de desqualificação dos trabalhadores, que acaba configurando um processo contraditório que superqualificaem vários ramos produtivos e desqualifica em outros (ANTUNES, 2010, p. 58). É viável afirmar que o processo de desqualificação atinge, especialmente, os trabalhadores dos setores de serviços, dos precários e dos parciais. Contrariamente, há um movimento de qualificação do trabalho intelectual. Isso significa uma supervalorização do trabalhador intelectual, em detrimento da desvalorização do trabalhador manual. A precarização do trabalho e seu impacto nas classes trabalhadoras ocorrem em escala global. Frente a todo esse panorama das classes trabalhadoras, percebe-se uma redução dos operariados industrial e fabril, paralelamente a um aumento significativo do trabalhador precário. De acordo com Antunes (2010), isso acontece devido à lógica histórica do capitalismo, mais precisamente devido à lógica do capital assumida a partir da década de 1970. Tal processo de alteração da classe operária está relacionado a um resultado que expõe a obviedade do que vem a ser o capitalismo. 35WWW.UNINGA.BR CL AS SE S E M OV IM EN TO S SO CI AI S | U NI DA DE 2 EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA O mais brutal resultado dessas transformações é a expansão, sem precedentes na era moderna, do desemprego estrutural, que atinge o mundo em escala global. Pode-se dizer, de maneira sintética, que há uma processualidade contraditória que, de um lado, reduz o operariado industrial e fabril; de outro, aumenta o subproletariado, o trabalho precário e o assalariamento no setor de serviços (ANTUNES, 2010, p. 47). Nos países de capitalismo avançado, é mais explícito o aumento do “[...] trabalhador parcial em função da automação, da robótica e da microeletrônica, logo, oportunizando ao capital uma capacidade de diminuir custos com trabalho vivo” (ANTUNES, 2010, p. 49). Temos aqui uma questão central em nossa discussão: o avanço do capitalismo em sua capacidade de aumentar a produção e as implicações sobre a classe trabalhadora. Ainda conforme os postulados teóricos de Antunes (2010), o subproletariado compõe-se de trabalhadores que, além de se encontrarem em situação de trabalho precário, estão vinculados aos serviços terceirizados. Isso faz com que as empresas realizem contratações por tempo determinado e prestem serviços a outros setores. Logo, o trabalhador terá emprego enquanto durar o serviço, que, geralmente, já está com seu tempo determinado. É aí que se escancara a desregulamentação das relações de trabalho, já que o trabalhador não tem garantias de emprego. O desemprego é estimado em 2,5 bilhões de pessoas em todo o mundo, pois “[...] cerca de 35% encontram-se atualmente na situação de subutilização do trabalho (desempregado ou subemprego)” (POCHMANN, 1999, p. 39). Essa informação mostra a crise de desemprego que vivenciamos atualmente. Vale lembrar que nas altas taxas de desemprego está incluída a totalidade da classe trabalhadora, incluídos os idosos, as mulheres, os imigrantes e os jovens. Assim, ficam mais explícitas as exigências do mercado de trabalho, o qual, além de empregar pequena parte da classe trabalhadora, ainda realiza rigoroso processo de seleção para empregar. Sabe-se que, atualmente, existe uma parte das classes trabalhadoras que é mais bem qualificada, estando, portanto, empregada. A outra parte, não tão qualificada, está desempregada. Não que a qualificação seja critério para se estar empregado; caso contrário, todos os trabalhadores qualificados estariam empregados. O que não ocorre efetivamente. Contudo, é a parte dos trabalhadores mais qualificados que consegue emprego. Portanto, resta saber se à parte da classe trabalhadora não tão bem qualificada é dada a oportunidade de se qualificar para, posteriormente conseguir emprego. Nesse contexto, portanto, o que sobra a esses trabalhadores? Recomenda-se a leitura destas obras: - ANTUNES, R. Adeus ao trabalho? São Paulo: Cortez, 2000. - ANTUNES, R. Os Sentidos do trabalho: Ensaio sobre a afirmação e negação do trabalho. São Paulo: Bomtempo, 2000. 36WWW.UNINGA.BR CL AS SE S E M OV IM EN TO S SO CI AI S | U NI DA DE 2 EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA Por fim, vale a pena você assistir aos vídeos disponíveis em https://www.youtube.com/watch?v=YZP8zQSKRPU, https://www.youtube.com/watch?v=CcBF1DpuePU e https://www.youtube.com/watch?v=6Lh5ZSNo1Hc. As classes trabalhadoras, no capitalismo contemporâneo, vivenciam uma situação de desemprego. O trabalho informal se coloca como forma de manutenção de sobrevivência e mascaramento da realidade. Dá-se a ideia de que a classe dos explorados faz parte do mercado de trabalho, mas, na realidade, sua situação é degradante (ANTUNES, 2009), pois, se em condições de trabalho formal, os trabalhadores estão em condições precárias, na informalidade, a ausência de direitos trabalhistas piora sua condição de trabalho ainda mais. Contudo, é mister que compreendamos que, mesmo sendo trabalhadores no mercado de trabalho informal, eles contribuem para a produção de riqueza do capital. 37WWW.UNINGA.BR CL AS SE S E M OV IM EN TO S SO CI AI S | U NI DA DE 2 EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA CONSIDERAÇÕES FINAIS Os apontamentos feitos acerca do desemprego e das alternativas de emprego por meio do trabalho informal de modo global também são uma realidade vivenciada pelos trabalhadores no Brasil. De acordo com Lira (2006), são altas as taxas de trabalhadores que, na falta de trabalho regulamentado, encontram no trabalho informal a fonte de sua sobrevivência, mesmo sendo sacrificados os seus direitos trabalhistas. Frente a isso, “[...] o informal faria parte das estratégias das grandes empresas formais para reduzir os custos e ampliar a flexibilização das formas de trabalho disponíveis” (LIRA, 2006, p. 139), ou seja, “[...] com o trabalho precário, temporário, através da subcontratação via pequenas empresas terceirizadas de produção de bens e serviços” (LIRA, 2006, p. 139). No capitalismo, a informalidade do trabalho se tornou mais que estratégias de sobrevivência para os trabalhadores que não estão inseridos no mercado de trabalho formal. Ela se torna fator vital nas relações capitalistas de produção, pois facilita a contratação e a despensa do trabalhador, já que se reduzem os custos com direitos trabalhistas. Isso porque a informalidade do trabalho está mais restrita aos setores de serviços que, em parte, são compostos por serviços terceirizados. No capitalismo contemporâneo, existe uma valorização da informalidade que, ideologicamente, internaliza formas de pensar, o que leva à ideia de que a informalidade seria uma “opção de trabalho,” proporcionando ao trabalhador a oportunidade de se tornar um empreendedor, um pequeno empresário. Todavia, de acordo com Lira (2006), o que ocorre é a prevalência dos interesses do capital em priorizar os polos que oferecem campo fértil para mais acumulação de riquezas. Esse desenho das condições das classes trabalhadoras implica precarização nas condições de vida. Havendo no capitalismo contemporâneo uma parte significativa de trabalhadores desempregados ou subempregados, isso se torna fator central da não realização das necessidades básicas de homens e mulheres. 3838WWW.UNINGA.BR U N I D A D E 03 SUMÁRIO DA UNIDADE INTRODUÇÃO ...............................................................................................................................................................39 1. OS MOVIMENTOS SOCIAIS E O CARÁTER DEMOCRÁTICO DA REVOLUÇÃO BRASILEIRA .............................40 1.1 A TRANSIÇÃO DEMOCRÁTICA ESTÁ COLOCADA AOS MOVIMENTOS SOCIAIS ..............................................45 1.2 A DEMOCRACIA COMO MEIO PARA O SOCIALISMO NO BRASIL E SUA INFLUÊNCIA NOS MOVIMENTOS SOCIAIS ........................................................................................................................................................................48 CONSIDERAÇÕES FINAIS ...........................................................................................................................................53OS MOVIMENTOS SOCIAIS NA LUTA PELA DEMOCRACIA NO BRASIL PROF. ME. LOURIVAL SOUZA FELIX ENSINO A DISTÂNCIA DISCIPLINA: CLASSES E MOVIMENTOS SOCIAIS 39WWW.UNINGA.BR CL AS SE S E M OV IM EN TO S SO CI AI S | U NI DA DE 3 EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA INTRODUÇÃO Nesta unidade, analisaremos o caráter da revolução brasileira a partir das formulações do Partido Comunista Brasileiro (doravante, PCB), referentes às décadas de 1940 e 1950. Foi período que ganhou importância no movimento operário, camponês e popular no Brasil, ou seja, nos movimentos sociais de forma geral. A defesa de um governo democrático, popular e progressista, que haveria de fazer aliança – política de conciliação de classes – entre setores das massas trabalhadoras e a “burguesia progressista”. Tudo isso em virtude da realidade brasileira, porque, segundo Carone (1982), ao expor documentos do PCB, era preciso realizar a revolução democrática burguesa para – no futuro, quem sabe – realizar-se a revolução proletária. Essa orientação política do estalinismo foi determinante para o PCB defender a tese do caminho pacífico para a revolução brasileira, em sua forma gradual e por dentro do Estado burguês. Nesse momento, o PCB defendia disputar as eleições para assumir cadeiras no parlamento e avançar na revolução via caminho pacífico. Tal concepção de democracia, que inclui disputar eleições para democratizar o Estado, foi analisada por Carlos Nelson Coutinho (1979, 1992, 2008) (e não estamos, com isso, diluindo os diferentes contextos em que foram escritos esses textos) e por outros, em uma perspectiva de defesa da democracia como o único caminho para o socialismo no Brasil. Nesse sentido, a partir do final de década de 1990, o próprio autor reafirmará sua concepção de democracia, mas evidenciando a necessidade da democratização. Ou seja, uma política de Estado que universalize os serviços públicos de saúde, educação, moradia etc. Para tanto, era necessário que os movimentos sociais assumissem o “reformismo revolucionário”, que parece ser a continuidade da tese do caminho pacífico para a revolução brasileira, postulada pelo PCB. A conclusão da concepção de democracia como o único caminho para o socialismo parece- nos ter caminhado para a democratização, a qual assumiu uma dada perspectiva reformista, que conduziu ao governo democrático e popular. 40WWW.UNINGA.BR CL AS SE S E M OV IM EN TO S SO CI AI S | U NI DA DE 3 EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA 1. OS MOVIMENTOS SOCIAIS E O CARÁTER DEMOCRÁTICO DA REVOLUÇÃO BRASILEIRA Segundo a análise de Netto (1986), na América Latina não se consolidou uma tradição cultural democrática. No caso do Brasil, cuja existência como república é mais recente (1889), o seu nascimento não teve qualquer traço democrático, pois nasceu de um golpe militar comandado por militares. O caráter oligárquico da formação social brasileira fez com que a mesma classe de fazendeiros que influenciavam os rumos durante o império comandasse também o período republicano, particularmente durante a Primeira República, a chamada República do café com leite, em que as principais oligarquias se alternavam no comando do governo central. Nessas condições, não poderia mesmo se desenvolver qualquer cultura política democrática e de fato. Essa perspectiva não foi formulada pelas classes dominantes brasileiras, a quem as doutrinas liberais puderam servir enquanto favoreciam seus negócios e associações com o capital imperialista. Tinham pavor de qualquer restrição democrática ao seu domínio patrimonialista. Na ausência de formulações políticas ou doutrinárias democráticas pela burguesia, coube ao movimento operário a postulação da democracia no Brasil, particularmente à sua vertente estalinista, que postulava, em síntese, que o caráter da revolução brasileira se limitaria ao caráter burguês e democrático – reforma agrária, soberania nacional etc. –, conformando-se ao governo democrático, popular e progressista. Foi no âmbito do PCB/estalinismo que se elaborou uma concepção de democracia que influenciou não apenas o movimento operário das décadas de 1940-50, mas que chegou aos nossos dias. Examinaremos, inicialmente, essas formulações e seu desenvolvimento posterior. Ao analisarmos as formulações do PCB no Brasil a partir do final da década de 1940 e entrada da década de 1960, inclusive a partir de seus próprios documentos, examinaremos as formulações do “caráter democrático da revolução brasileira”. Para tanto, abordaremos os aspectos econômicos e políticos, indissociáveis que são. Para que se organize melhor o texto, será analisada a relação das economias nacional e internacional, visto que um dos pontos centrais das teses da revolução do PCB era que o Brasil se desenvolvesse economicamente, opondo-se ao imperialismo, ou seja, promovendo o “anti- imperialismo”, (CARONE, 1982, p. 86). Posteriormente, analisar-se-á a perspectiva pacífica que, em síntese, postulava a necessidade de se disputarem eleições, fazer alianças e apoiar outros partidos como alternativa a representar os interesses das massas trabalhadoras via Estado burguês, a exemplo, no parlamento. Segundo Caio Prado Jr. (2012), a intervenção do capital estrangeiro na economia brasileira vem de longa data. Contudo, interessa assinalar “[...] efetivamente a ação que o capital estrangeiro ocupa na economia brasileira contemporânea uma posição central e um dos elementos fundamentais do seu condicionamento” (PRADO JR., 2012, p. 270). Historicamente, o desenvolvimento econômico do Brasil esteve subordinado a uma relação com os países de economia central: países europeus e os Estados Unidos da América. De acordo com Prado Jr. (2012), a penetração do capital financeiro na economia brasileira tem origem nos primeiros empréstimos concedidos pela Inglaterra, posteriormente à Independência, período em que se formava o novo governo da nação. Naquele momento, os empréstimos tinham função política, de organização estatal e visavam a desenvolver o comércio. 41WWW.UNINGA.BR CL AS SE S E M OV IM EN TO S SO CI AI S | U NI DA DE 3 EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA No período que vai de meados do século XIX ao início do século XX, começam a operar no Brasil os bancos internacionais. Primeiramente, os bancos ingleses e, junto a eles, os franceses, multiplicados para os alemães e, em uma escala crescente, os italianos, holandeses e, finalmente, já no início do século XX, os norte-americanos. “O principal negócio dos bancos estrangeiros no Brasil será operar com as disponibilidades do país no exterior e provenientes das exportações” (PRADO JR., 2012, p. 273). Dessa forma, os produtos exportados do Brasil eram controlados no exterior por esses bancos. Nesse mesmo período, houve a penetração do capital estrangeiro via empreendimentos industriais, acerca de construções nas áreas de transporte, serviços urbanos, fornecimento de energia e instalações portuárias, o que proporcionou certo desenvolvimento que refletiu na própria condição de vida dos brasileiros, ainda que a grande parte não fosse contemplada: pequenos camponeses e trabalhadores rurais. Porém, foi a partir da Segunda Guerra Mundial que o imperialismo penetrou de forma profunda e explicitou o caráter de subordinação da economia brasileira à dos países centrais. [...] depois da Segunda Guerra que o fato alcança vulto considerável, e o estabelecimento de empresas subsidiarias de grandes trustes internacionais no Brasil se torna a principal via de penetração do imperialismo e de suas operações na economia do nosso país, assumindo papel relevante e de primeiro plano no conjunto da vida econômica brasileira (PRADO JR., 2012, p. 274). Por volta de meados do século XX, a produção brasileira de manganês, que se dava no Estado de Minas Gerais, foi inicialmente quase toda controlada pela Companhia Meridional de Mineração, uma filial da United States Steel Corpotation. Na mesma época, iniciou-se a exploração do território do Amapá por láhaver grande concentração de jazidas de manganês. Nesse caso, o controle coube a outro truste imperialista, do setor siderúrgico norte-americano. Referimo-nos a Bethlehem Steel Coronos, que tem como subsidiária no Brasil a Indústria e Comércio de Minerais S/A. Esses são apenas aspectos da economia que estão dentro de um plano maior da economia mundial. Para Prado Jr. (2012), o imperialismo “[...] forma um sistema amplo e geral de organização econômica do mundo” (PRADO JR., 2012, p. 277), que, a partir de alguns poucos países e organizações econômicas mundiais, domina todo o globo. Com isso, o desenvolvimento econômico e social do Brasil está fadado ao fracasso pela sua própria dinâmica e vinculação ao mercado mundial. A economia nacional avança (ou não) conforme as necessidades do imperialismo. O Brasil não será mais que um dos elos da grande corrente que envolve o universo e mantém ligados todos os povos numa única estrutura que tem por centro diretor os grupos controladores do capital financeiro internacional. Tais grupos são este punhado de gigantescos trustes que imperam respectivamente nos diferentes setores da economia contemporânea, e estendem também para o Brasil seus tentáculos absorventes. O que não exclui naturalmente as fricções e choques entre eles; choques que tomam um caráter nacional porque, embora internacionais por essência, apelam nas lutas que têm de sustentar para o poder político de uma ou de outra nação soberana que se põe a seu serviço. Identificam- se assim com nações e nacionalidades; arvoram uma bandeira, mas efetivamente seu caráter é internacional, e esta bandeira não é mais que fachada atrás da qual se abrigam (PRADO JR., 2012, p. 278). 42WWW.UNINGA.BR CL AS SE S E M OV IM EN TO S SO CI AI S | U NI DA DE 3 EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA Mesmo em um sistema econômico no qual existe uma articulação global com suas burguesias, seja em uma relação subordinada a outra ou não, há, entre elas, determinados momentos que se chocam. Isso ocorre em função de seus interesses acerca do desenvolvimento nacional, muitas vezes afirmando (como foi o caso do PCB) a possibilidade de o Brasil desenvolver sua indústria nacional, opondo-se ao imperialismo. De acordo com Prado Jr. (2012), levar isso a cabo mais parece um equívoco ou mesmo uma “fachada” para ocultar a posição de subordinação da economia brasileira à economia mundial. O Brasil, como os demais povos de sua categoria, não conta senão como massa inerte de manobra, não é senão parcela insignificante num todo imenso em que se dilui e desaparece. A sua vida econômica não é função de fatores internos, de interesses e necessidades da população que nele habita; mas de contingências da luta de monopólios e grupos financeiros internacionais concorrentes (PRADO JR., 2012, p. 279). Na fase imperialista, economias como a nossa (e outras de mesmo patamar) permanecem marginais e secundárias até que sejam necessárias às grandes potências mundiais. Um elemento é a exploração da abundante força de trabalho que o Brasil oferece para ampliar a produção agrícola, industrial, dos bancos e/ou do comércio. Contudo, mesmo sendo imperialistas ou vinculados ao imperialismo, existe o fator positivo, já que o Brasil avançou do ponto de vista tecnológico. Por outro lado, os resultados desses avanços são estranhos às classes trabalhadores – rurais e urbanas – e, até mesmo, aos setores da pequena burguesia, pois as riquezas produzidas são escoadas para além das fronteiras nacionais. De qualquer forma, o imperialismo “[...] representou sem dúvida um grande estímulo para a vida econômica do país” (PRADO JR., 2012, p. 282). O próprio salto tecnológico que é proporcionado ao Brasil, se comparados os períodos pré e pós-Segunda Guerra Mundial, materializou-se em serviços urbanos, portos modernos e grandes indústrias. É importante ressaltar que essa relação de vinculação econômica do Brasil aos países imperialistas, analisada a partir de Prado Jr. (2012), confirma-se na atualidade, considerando seu traço fundamental: a relação de subordinação dos países de economia colonial e/ou semicolonial ao imperialismo. A partir das décadas de 1950 e 1960, ocorreram alterações que influenciaram o desenvolvimento industrial do país. O próprio período do governo de Juscelino Kubitschek (1956 – 1961), com a ampliação do capital estrangeiro operando no país, fez avançar a indústria automobilística, seguida pelos eletrodomésticos. Esse foi um período no qual o Estado, em nome do desenvolvimento econômico – e, também, em nome do “progresso” – e do emprego, vinculou- se ainda mais ao imperialismo. O Estado, visando favorecer o processo de industrialização, mantivera uma política fiscal conservadora, não ampliando suas receitas e recorrendo cada vez com maior frequência ao capital estrangeiro para manter suas inversões em energia, transportes, siderurgia etc. Crescia sua participação na economia, quer diretamente – organizando e girando infraestrutura e grandes empresas destinadas à produção de bens de capital -, quer indiretamente – através do financiamento público dos ramos de longa maturação, especialmente através do BNDE (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico) (MENDONÇA; FONTES, 1994, p. 9). Embora não se tenha evidenciado nas análises de Prado Jr. (2012) a intervenção estatal na economia capitalista, ela estava presente na relação da economia imperialista com os países de economia colonial ou semicolonial, como o Brasil, por meio da operacionalização dos bancos, das industriais e/ou comércios estrangeiros que aqui se instalaram. 43WWW.UNINGA.BR CL AS SE S E M OV IM EN TO S SO CI AI S | U NI DA DE 3 EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA A relação da economia nacional com a internacional evidenciou a subordinação da primeira à segunda, o que torna problemática a formulação de o caráter da revolução no Brasil ser anti-imperialista, inclusive com frações da burguesia nacional (“progressista”) compondo a direção do movimento frente às massas trabalhadoras. Portanto, a partir daqui, analisaremos mais o aspecto político do caráter da formulação do PCB, referente a seu conteúdo quanto ao governo popular, democrático e progressista. A [...] revolução agrária e anti-imperialista, que conseguiremos mobilizar as massas a fim de que resistam à reação e lutem pela derrubada do atual governo de traição nacional, pela instauração no país de um governo popular, democrático e progressista, único capaz de salvar o país da miséria, do aniquilamento, da perda total de sua soberania (CARONE, 1982, p. 86, grifo do autor). Nessa tese, está embutida a justificativa da existência do feudalismo no Brasil, o que justificaria a revolução democrático-burguesa para eliminar os restos feudais, democratizar as instituições de Estado burguês e fomentar um terreno fértil para, um dia, realizar a revolução proletária. “O que convém agora à classe operária é a liquidação dos restos feudais, de maneira que se torne possível o desenvolvimento o mais amplo, o mais livre e o mais rápido no capitalismo em nosso país” (CARONE, 1982, p. 22-23). A ênfase da tese no aspecto da “revolução agrária” tinha em vista que a população brasileira, em meados do século XX, era, em grande parte, habitante de áreas rurais. Na verdade, a “revolução agrária” seria uma “etapa”, anterior a outras, que, posteriormente, poderia levar à revolução proletária em um futuro indefinido. Na prática, era uma política que pretendia conciliar interesses divergentes ao defender um governo que fosse “popular, democrático e progressista”. Basicamente, consistia em postular a identidade de interesses entre pequenos camponeses e, sobretudo, do trabalhador rural com os interesses dos latifundiários, além dos interesses da classe operária e da burguesia “progressista”. A política de alianças se mostrou presente na prática política do PCB tanto na época de legalidade como em períodos de ilegalidade. O PCB luta pela sua legalizaçãoe acredita na viabilidade da fase democrática- burguesa, período em que também o movimento operário se beneficiária largamente com as reformas que seriam impostas ao país (CARONE, 1982, p. 9). Acreditava-se que, com a revolução democrático-burguesa, constituir-se-ia uma unidade nacional com o objetivo de fazer oposição ao imperialismo, sobretudo ao norte-americano, e de desenvolver a indústria nacional. Afinal, em um país industrialmente “atrasado”, o sofrimento da classe operária se dá muito menos por conta da “exploração capitalista” e muito mais pelo parco “desenvolvimento do capitalismo” em nosso país. Isso levaria à ampliação de empregos e melhores condições de vida para as classes trabalhadoras, como os serviços públicos de saúde e educação. Carone (1982), utilizando-se dos documentos do PCB, mostra que, em nome do governo democrático, popular e progressista, propõe-se a unidade entre os mais variados setores dos trabalhadores e da burguesia (tendo em vista setores da burguesia que expressavam perspectiva progressista e nacionalista). Caracterizar-se-ia uma política conciliadora cuja união, em nome de interesses da nação, contemplaria setores que vão dos operários aos industriais, dos intelectuais pobres aos comerciantes, dos camponeses aos oficiais das forças armadas etc. Com isso, constituir- se-ia uma ampla frente de ação anti-imperialista cujo programa terá algumas teses. Destacamos uma delas: 44WWW.UNINGA.BR CL AS SE S E M OV IM EN TO S SO CI AI S | U NI DA DE 3 EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA Por um governo democrático e popular – Substituição da atual ditadura feudal- burguesa serviçal do imperialismo por um governo revolucionário, emanação direta do povo e legitimo representante do bloco de todas as classes e camadas sociais, de todos os setores da população do país que participem efetivamente da luta revolucionária pela libertação nacional do jugo imperialista, sob a direção do proletariado (CARONE, 1982, p. 109, grifo do autor). Há que se destacar que, aqui, “direção do proletariado” significa direção do PCB. Mas direção para qual política? Para a aliança do proletariado e dos setores da população com a burguesia nacional, ou seja: a colaboração de classes. Com o desenvolvimento da prática política do PCB em períodos de sua legalidade e ilegalidade na década de 1950, o conteúdo da formulação da revolução brasileira implica uma orientação política cuja direção seja pacífica. “[...] por formas e meios pacíficos, a revolução anti-imperialista e antifeudal” (CARONE, 1982, p. 191-192) é a melhor opção, tendo em vista as condições da sociedade brasileira ou, para ser preciso, a linha política do PCB. “Este caminho é o que convém à classe operária e a toda a nação” (CARONE, 1982, p. 192). É possível verificar um alinhamento político na defesa da revolução, que, na verdade, é um rebaixamento e uma negação do caráter e da necessidade da violência organizada em uma revolução proletária. O caminho pacífico da revolução brasileira é possível em virtude de fatores como a democratização crescente da vida política, o ascenso do movimento operário e o desenvolvimento da frente única nacional e democrática em nosso país. [...] O aperfeiçoamento da legalidade, através de reformas democráticas da Constituição, deve e pode ser alcançado pacificamente, combinando a ação parlamentar e a extraparlamentar (CARONE, 1982, p. 192, grifo do autor). Essa linha de argumentação, que defende “o caminho pacífico da revolução brasileira” como alternativa às reformas democratizantes realizadas pela burguesia e que reconhece o parlamento como um espaço de lutas e de conquista de reivindicações das classes trabalhadoras, também se encontra, décadas depois, nas análises dos materiais de Coutinho, como analisaremos adiante. No núcleo desse “caminho pacífico”, está a defesa das reformas. Segundo Carone (1982), à medida que, por um lado, a política do PCB orienta as massas a se organizarem em partidos, sindicatos, movimentos populares etc., por outro lado, orienta o caminho da disputa parlamentar para defender as reformas, mesmo sendo graduais. O que importa é que sejam contínuas para atingir um caráter radical, com desdobramentos que possam oferecer transformações na lógica do desenvolvimento do capitalismo no Brasil. O povo brasileiro pode resolver pacificamente os seus problemas básicos com a acumulação, gradual, mas incessante, de reformas profundas e consequentes na estrutura econômica e nas instituições políticas, chegando até a realização completa das transformações radicais colocadas na ordem do dia pelo próprio desenvolvimento econômico e social da nação (CARONE, 1982, p. 192, grifo do autor). O meio para o povo brasileiro resolver seus problemas se centra no plano eleitoral. Ou seja, “[...] o povo brasileiro necessita conquistar um governo nacionalista e democrático” (CARONE, 1982) via voto para representar seus interesses no Estado. O PCB entende a pressão popular como necessária, pois fortalece os parlamentares que defendem os interesses do “povo”. Para além, “[...] será sempre necessário o amplo desenvolvimento da luta de classes do proletariado, dos camponeses e das camadas médias urbanas em defesa de seus interesses específicos e dos interesses gerais da nação” (CARONE, 1982, p. 193). 45WWW.UNINGA.BR CL AS SE S E M OV IM EN TO S SO CI AI S | U NI DA DE 3 EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA O PCB não abandona por completo, diante “dos inimigos do povo brasileiro”, a possibilidade de empregar a repressão em nome dos interesses imperialistas e, com isso, tendo a necessidade de “uma solução não pacífica”. Frente a isso, “[...] os comunistas confiam em que, nas circunstâncias favoráveis da situação internacional, às forças anti-imperialistas e democráticas terão condições para garantir o curso pacífico da revolução brasileira” (CARONE, 1982, p. 193). Como via pacífica, afirma a necessidade de defender os pleitos eleitorais como a alternativa correta para concretizar a “revolução brasileira” em uma perspectiva pacífica. Precisamente, é eleger candidatos e disputar os espaços do Estado burguês (parlamento). “As eleições constituem, portanto, um acontecimento de excepcional importância em nossa vida política” (CARONE, 1982, p. 193). Cabe ressaltar que, na opção pelo “caminho pacífico para a revolução brasileira”, traduzida na valorização do caminho eleitoral, está embutida a defesa da democracia burguesa como horizonte estratégico. Ao longo dos últimos parágrafos, espera-se que isso tenha ficado evidente quando se expressa o termo “pacífica” não apenas como uma das alternativas, mas como o caminho para a realização da revolução brasileira. É nesse sentido que Coutinho (1979, 2008), dentre outros autores, defende a democracia como meio único para o socialismo no Brasil. É igualmente por esse viés que trataremos os tópicos sequentes, não só do ponto de vista da formulação, mas da orientação política e econômica adotada pelo governo democrático e popular nos anos 2000. 1.1 A Transição Democrática Está Colocada aos Movimentos Sociais Ao analisar a perspectiva democrática, é preciso olhar para o contexto político pelo qual passava o Brasil: uma ditadura militar (1964 – 1985). Nesse sentido, a defesa da democratização se colocava por setores da classe operária, populares e, inclusive, por parte dos próprios militares e da burguesia nacional e internacional. Essa relação, que, por um lado, explicitava uma junção de setores da sociedade em prol da democratização, por outro, produziu conflitos entre aqueles mesmos setores, evidenciados (não só) pela reforma partidária. Segundo Netto (2014), o que se seguia a partir do final da década de 1970, era um movimento promovido pelos próprios dirigentes militares da ditadura, impondo várias leis para se avançar na abertura democrática, mas também para dividir e enfraquecer a frente democrática. Em sua composição, a frente tinha setores heterogêneos da sociedade; contudo,não houve, pelo menos até a entrada dos anos 1980, rupturas bruscas. Ocorreram manifestações da ditadura acerca de “[...] dividir a frente democrática fracionando o MDB (e, em seguida, o PMDB) e fomentando a tensão entre seus componentes heterogêneos mostrava-se uma estratégia eficiente, e o regime apostou nela” (NETTO, 2014, p. 222). Para Netto (2014), as eleições que ocorrem a partir do início da década de 1980 provocaram a divisão, que se torna concreta à medida que alguns partidos vão mudando ou se alinhando a outros, há o surgimento de novas legendas e a formação de outros partidos. A Aliança Renovadora Nacional (ARENA) manteve-se unida no Partido Democrático Social (PDS). Parte majoritária do MDB manteve-se no Partido do Movimento Democrático Brasileiro. A inclusão da letra P foi uma exigência da ditadura. Contudo, membros tanto da ARENA como do MDB alinharam- se ao Partido Progressista (PP), tendo à sua frente Tancredo Neves. Leonel Brizola esteve no comando do Partido Democrático Trabalhista (PDT). O Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), de Ivete Vargas e, por último, mas não menos importante, surge o Partido dos trabalhadores (PT), tendo Luiz Inácio Lula da Silva como sua principal liderança. 46WWW.UNINGA.BR CL AS SE S E M OV IM EN TO S SO CI AI S | U NI DA DE 3 EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA Em menor ou maior grau, esses partidos estavam na frente democrática. Em que pesem suas divergências, havia uma “unidade” no sentido de se manter à frente. Contudo, o “racha” se efetivou quando a ditadura lhes ofereceu condições de disputar as instituições representativas do Estado burguês via eleições. O Partido Comunista Brasileiro (PCB), fundado em 1922, e o Partido Comunista do Brasil (PCdoB), formando-se da cisão do PCB, em 1962, também participavam da frente democrática, mas tiveram sua legalização apenas a partir de 1985. O PCB, desde, pelo menos, a década de 1950, ao definir o caminho pacífico para a revolução brasileira, já defendia a necessidade de se disputarem as eleições. Tanto é que, “[...] em 1955 resolveu apoiar [...] a candidatura presidencial de Juscelino. O que veio a ser significativo para a vitória do líder pessebista por pequena margem de votos” (GORENDER, 1987, p. 23). Esses apontamentos de ordem política servem para sinalizar que houve esforço da ditadura militar para desintegrar a frente democrática, ao mesmo tempo em que promovia a abertura democrática. A reforma partidária, que se iniciou com a Lei 6.767 de 1979, teve posteriormente outros dispositivos legais que permitiram a formação de novos partidos políticos para disputar as eleições. Tal conjuntura foi propiciando processos políticos caracterizados, por Netto (2014), como abertura democrática e, por Reis (2014), como transição democrática. Para os fins desta pesquisa, são expressões equivalentes. Esse movimento da política brasileira ocorria em um contexto de crises econômicas. De acordo com Mendonça e Fontes (1988, p. 52), “A conjuntura pós-1974 inaugurou-se sob o signo da busca: de uma nova forma de dominação e de novas alternativas para a economia”. A crise do petróleo passou a ocupar um lugar que ultrapassava os meios de comunicação oficiais e a própria imprensa, embora o País, a partir do final da década de 1960 e na entrada da década seguinte, estivesse vivendo, economicamente, o período denominado “milagre econômico”. A tônica do processo de expansão da economia brasileira entre 1968 – 1974 foi dada, como sabemos, por dois suportes – a abundância de recursos no mercado financeiro internacional e o favorecimento da empresa multinacional na estrutura industrial do país. Pelo vulto e magnitude de sua estrutura técnica e de capital, ela propiciou um implemento tal na escala da acumulação que chegou a representar um salto qualitativo na dinâmica do nosso capitalismo (MENDONÇA; FONTES, 1988, p. 53-54). Com a intensificação da instalação de multinacionais na estrutura da economia brasileira, o capitalismo, em sua fase imperialista, havia caminhado a passos largos, inclusive com a exploração da força de trabalho e retirada de riquezas naturais de colônias e semicolônias, a exemplo do Brasil (PRADO JR., 2012). Segundo Mendonça e Fontes (1988), do patrimônio líquido total das maiores empresas da indústria brasileira, cerca de 30% são contemplados pelo capital estrangeiro. Dessa forma, registra-se uma queda do capital local, seja com relação ao tamanho da empresa, seja sob o aspecto da participação na vida econômica do País, em detrimento das empresas estatais e multinacionais. O Estado, que, durante a década de 1970, fortaleceu-se com uma intervenção estratégica no processo produtivo com o domínio financeiro, explicita seu caráter de classe, na medida em que oferece suportes ao desenvolvimento do capital estrangeiro. No contexto de desenvolvimento capitalista no Brasil, por capital estrangeiro entendem-se as multinacionais instaladas em território nacional, sobretudo em São Paulo e no Rio de Janeiro, que são expressões do imperialismo operacionalizado com suportes ou, até mesmo, vantagens oferecidas pelo Estado. 47WWW.UNINGA.BR CL AS SE S E M OV IM EN TO S SO CI AI S | U NI DA DE 3 EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA O Estado, que fortalecera sua capacidade de controle dos fluxos de investimento – através do domínio do sistema financeiro e de sua posição estratégica no processo de produção – tinha-se disposto, até então, a cobrir os riscos dos grandes investidores (MENDONÇA; FONTES, 1988, p. 54). Um aspecto central é a intervenção do Estado para o desenvolvimento da economia brasileira subordinada ao imperialismo. Até certo ponto, a grande burguesia nacional foi amplamente beneficiada pela ação estatal. Tanto que, segundo Mendonça e Fontes (1988, p. 54), um dos motivos da crise econômica dos anos que se arrastaram a partir da década de 1970 “[...] foi uma crise de endividamento e uma crise de fim do fôlego do Estado na manutenção do ritmo de crescimento”. Endividamento ocorreu pelo fato de a intervenção estatal subsidiar o desenvolvimento capitalista no Brasil. Sob a perspectiva de Prado Jr. (2012), não é mero subsídio e, muito menos, é fato recente, datando, pelo menos, desde meados do século XIX, quando se instalaram no Brasil os bancos estrangeiros, oriundos dos países de economias centrais, como a Inglaterra, França e, no início do século XX, os bancos norte-americanos. Na mediação dessa articulação triangular entre exterior-multinacionais-exterior, estava o Estado, principal tomador de empréstimos do país. Com eles, financiava a importação de equipamentos das empresas produtivas estatais e repassava créditos ao setor privado – através de agências como o BNDE, por exemplo – as taxas de juros negativas. O Estado constituía-se no agenciador da lucratividade das empresas oligopolistas (MENDONÇA; FONTES, 1988, p. 54-55). O processamento da crise que se gestava a nível nacional com o endividamento do Estado e sua reduzida capacidade de intervenção para fazer avançar a industrialização se vinculava à “[...] conjuntura recessiva internacional é uma dimensão fundamental para o entendimento da crise brasileira” (MENDONÇA; FONTES, 1988, p. 55). Mas se lançou a “solução” para a crise, a exemplo de outras intervenções do Estado na economia capitalista, e a relação entre economia nacional e internacional evidencia-se novamente, a cujo interesse o Estado serve. Nesse sentido, a “solução” acaba sendo a ampliação das dívidas externa e interna e a aceleração do processo inflacionário. “No Brasil, entre 1974–1976, os primeiros passos desta ciranda foram dados” (MENDONÇA; FONTES, 1988, p. 56-57). Com isso, segundo José Paulo Netto (2014), os “passos” posteriores podem ser verificados com o volume da dívida externa, que aumentou em proporções absurdas sob o governo de “[...] Figueiredo e a direção econômica de Delfim Netto -, a dívida externa brasileira saltou de 49,9 bilhões de dólares (1979) para 91 bilhões de dólares(dezembro de 1984).” Nesse mesmo período, registra-se que “[...] a renda per capta reduziu-se em 25%”, o que implicou o aumento dos “[...] brasileiros extremamente pobres, que saltaram de 17,25 milhões em 1979 para 23,70 milhões em 1985” (NETTO, 2014, p. 214). Esse processo de crises econômicas propiciou um quadro político que inflamou a luta entre a burguesia e o proletariado e setores populares, mas também frações burguesas, que se encontravam ou eram representadas por dirigentes da ditadura. Ou seja, quanto à da defesa da democratização, havia segmentos oriundos de classes ou frações das classes fundamentais, quais sejam, burguesia e proletariado. Paralelamente, a partir do final da década de 1970, iniciou-se uma discussão acerca da defesa da democracia como meio único para a realização do socialismo no Brasil. Isso não estava divorciado da reabertura democrática. Pelo contrário, estava implicado nela. 48WWW.UNINGA.BR CL AS SE S E M OV IM EN TO S SO CI AI S | U NI DA DE 3 EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA 1.2 A Democracia como Meio para o Socialismo no Brasil e sua Influência nos Movimentos Sociais A concepção de democracia no Brasil se expressa sob perspectivas opostas, mesmo quando analisada a partir de autores que se colocam na mesma corrente de pensamento: o marxismo. Segundo Carlos Nelson Coutinho (1979, p. 34), “[...] a luta pela conquista de um regime de liberdades políticos-formais que ponha definitivamente termo ao regime de exceção que, malgrado a fase de transição que se esboça, ainda domina em nosso País.” Em uma observação inicial, notamos que a democracia é o meio que possibilita a transição da ditadura militar, pela qual passava o Brasil (1964 a 1985), para um regime de garantias de “liberdades político-formais”, em que se desenvolveria, ao limite, a democracia sob o prisma liberal. Daí, posteriormente, ela cederia espaço à democracia de massas, forjando o caminho para o socialismo. Tais afirmações são confrontadas quando comparadas às de outro autor. [...] a contradição entre a igualdade político-formal, consagração da Constituição, e as ‘restrições e artifícios reais’ próprio de todas as sociedades de classe [...] A contradição, próprias as democracias burguesas, entre a igualdade político- formal e a desigualdade econômico-material é insuficiente para revelar ao proletariado a existência de um processo (capitalista) de exploração do trabalho (SAES, 1994, p. 171). A divergência acerca da concepção de democracia se verifica. Por um lado, o primeiro autor considera a democracia como sendo o caminho para a conquista das liberdades político- formais. Já para o segundo autor, a democracia burguesa é funcional às formalidades das relações políticas a serem cumpridas pelas classes trabalhadoras, mas com o interesse de ocultar o processo de produção e reprodução do capital, pois é nela que se encontra a exploração da força de trabalho. Consequentemente, é na relação entre capital e trabalho que se concentram as desigualdades econômicas, sociais e políticas. Na perspectiva de Coutinho (1979), as dimensões da democracia seguem por variados processos e instrumentos, diferentes de acordo com a realidade dos continentes e seus países. Por outro lado, Coutinho (1979) defende a democracia cujas tarefas são o caminho da realização do socialismo no Brasil. [...] essas tarefas não podem ser identificadas com a luta direta pelo socialismo, mas sim com um combate árduo e provavelmente longo pela criação dos pressupostos políticos, econômicos e ideológicos que tornarão possível o estabelecimento e a consolidação do socialismo em nosso País (COUTINHO, 1979, p. 35). De acordo com o referido autor, a história do Brasil mostra a ausência da constituição de uma sociedade democrática. Antes de 1930, as decisões tomadas para impor líderes políticos eram tomadas por um pequeno grupo. Posteriormente à década de 1930, a situação política do Brasil, no sentido de eleger/impor líderes, não se alterou fundamentalmente. As oligarquias agrárias foram perdendo espaço e força política para a burguesia industrial nacional e internacional, que passou a orientar e a determinar o desenvolvimento industrial que o Brasil deveria seguir. Segundo Coutinho (1979), pela ausência da constituição de uma sociedade brasileira democrática, faz-se necessário 49WWW.UNINGA.BR CL AS SE S E M OV IM EN TO S SO CI AI S | U NI DA DE 3 EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA [...] que o processo de renovação democrática assuma como tarefa prioritária de hoje a construção e consolidação de determinadas formas de relacionamento social que num primeiro momento, não deverão provavelmente ultrapassar os limites da democracia liberal (COUTINHO, 1979, p. 42). Em uma espécie de atualização do texto de 1979, Coutinho (2008) segue afirmando a democracia como valor universal, ou seja: sem democracia, não haverá socialismo. Ao citar uma das expressões do documento do Partido Comunista Italiano (PCI), “[...] a democracia não é um caminho para o socialismo, mas sim o caminho do socialismo” (COUTINHO, 2008, p. 20). Há um elemento novo. Ao se referir à democracia, o destaque é para o processo de democratização. Isso porque Coutinho (2008) entende que, ao se tratar de democracia, a ênfase era dada ao Estado. Ao se introduzir a discussão da democratização, o foco passa a ser os processos políticos que ocorreram, e ocorrem, para se atingirem determinados fins; nesse caso, o socialismo. A consolidação de um regime democrático aparece como um pressuposto que deverá ser reposto – conservando e ao mesmo tempo aprofundando – em cada etapa da luta pela completa realização dos objetivos finais das correntes socialistas (COUTINHO, 1979, p. 43). De forma geral, segundo Coutinho (2008), o sentido da renovação democrática cerca o processo de democratização e ampliação dos espaços de participação popular. Portanto, é preciso criar meios que consistam em superar uma questão central do capitalismo no Brasil atualmente. Meios que consistam em “[...] superar a contradição existente entre, por um lado, a socialização da participação política, e, por outro, a apropriação não social dos mecanismos de governo da sociedade” (COUTINHO, 2008, p. 29). A luta pela renovação democrática [...] implica em conceber a unidade como valor estratégico [...] a democracias de massas – enquanto democracia real [...] a tarefa da renovação democrática implica a crescente socialização da política [...] ‘elevar a nível superior’ a democracia (COUTINHO, 1979, p. 45, grifo do autor). Há uma árdua dedicação de Coutinho (2008) para constatar que, na sociedade brasileira, existe um contingente significativo de excluídos dos meios e das formas de participação política em processos de lutas sociais, cujo foco está nas conquistas concretas da população economicamente carente e excluída dos processos democráticos. Por isso, existem, de acordo com ele, alguns instrumentos dos quais as classes trabalhadoras devem se apropriar para unificarem seus interesses, o que representa um desafio não só para essas classes, mas para os partidos políticos de esquerda e sindicatos. Nesse sentido, afirma Netto (1990, p. 80), “[...] somente uma nova prática política do movimento socialista revolucionário poderá persuadi-los de que a democracia e transição socialista são indissociáveis”. É evidente que um contexto de democracia burguesa é mais propício para a prática político-revolucionária do que uma ditadura militar, como ocorreu no Brasil de 1964 a 1985. Contudo, isso não elimina o caráter autoritário dessa democracia, que se expressa com mais ou menos violência a depender do grau da luta de classes. Entende-se, na perspectiva de Coutinho (2008), que, em seus programas, esses partidos devem ter objetivos e metas que vislumbram atender a questões de ordem imediata dos trabalhadores, como é o caso de questões relacionadas à saúde e à educação pública, com foco na tomada do poder político. Isso se se trabalha na perspectivaque Coutinho (2008, p. 155) definiu como “reformismo revolucionário”. Esse reformismo implica reformas de curto e longo prazos. 50WWW.UNINGA.BR CL AS SE S E M OV IM EN TO S SO CI AI S | U NI DA DE 3 EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA Similarmente, são reformas que, aos poucos, contemplam a conformação de uma nova sociedade – a socialista. Essa é uma linha de argumentação que encontra respaldo em outras análises acerca da renovação da prática política, com a finalidade de vinculação entre democracia e socialismo. Um reformismo que tem como objetivo explícito aprofundar a democracia e superar o capitalismo é um reformismo revolucionário. Nas sociedades onde o Estado se ‘ampliou’, como é o caso do Brasil, esse reformismo radical é o novo nome da revolução (COUTINHO, 2008, p. 48, grifo do autor). O “reformismo revolucionário” já vinha sendo formulado por Coutinho (2008) desde, pelo menos, o início da década 1990. Nele, atribuiu-se o papel central das reformas em um caráter gradativo e contínuo para o desenvolvimento de uma política que atingisse as massas e nelas penetrasse, não como uma das alternativas possíveis de lutas, mas sob a definição de que as reformas assumissem o caminho da revolução brasileira. [...] a complexidade das sociedades modernas, entre as quais se inclui a brasileira, impõe uma concepção ‘processual’ de revolução: a ‘mudança política radical’ pode e deve ser obtida através de um conjunto sistemático de reformas de estrutura, numa estratégia que poderia ser definida como ‘reformismo revolucionário’. As reformas são hoje o caminho da revolução, e não uma das formas alternativas de luta (COUTINHO, 1992, p. 17, grifo do autor). A perspectiva revolucionária aqui está subordinada aos processos políticos que se caracterizam por reformas oriundas das disputas no interior do Estado burguês. Aqui, trata-se do período posterior a meados da década de 1980, quando se entrou em processo de redemocratização, o que alimentou a perspectiva reformista com o “[...] avanço da democratização política é, ao mesmo tempo, condição e resultado de um processo de transformações também nas esferas econômica e social” (COUTINHO, 2008, p. 40). O núcleo dessa perspectiva é a democracia política posta não apenas no plano tático, mas no plano estratégico. Ou seja, com o passar das décadas, cada vez mais explicitar-se-á um alinhamento nas análises quanto à democracia como objetivo-fim e as reformas como objetivo-meio, no sentido de avançar e superar os limites da propriedade privada dos meios de produção capitalista. Essa linha de argumentação encontra contraposições em Moraes (2013), em crítica a Coutinho (1979). [...] ela [a democracia] ocupa o lugar da análise concreta e, em vez de marxismo, oferece um socialismo ético (mais igualdade, mais cidadania, mais ‘justiça social’, mais participação, menos excluídos, menos repressão policial), cuja expressão doutrinária é o ‘valor universal’ da democracia (MORAES, 2013, p. 28). Segundo Moraes (2013, p. 23), “[...] sobre as bases das relações capitalistas de produção, a democracia será sempre a forma política da dominação de classe burguesa”. Isso nos autoriza a afirmar que a democracia, embora possa ser necessária ao proletariado e demais oprimidos em determinados momentos, é limitada. “Produto da história, a democracia é, entretanto, a realidade mais ampla – sempre histórica – das formas institucionais em que se exprime” (MORAES, 2013, p. 26). De outra forma, podemos afirmar que a realização da democracia está vinculada às instituições estatais as quais, uma vez existindo no Estado burguês, farão com que a democracia tenha um conteúdo burguês, assegurando a propriedade privada capitalista. 51WWW.UNINGA.BR CL AS SE S E M OV IM EN TO S SO CI AI S | U NI DA DE 3 EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA Segundo Coutinho (2008), no que se refere às instituições de Estado, o “reformismo revolucionário” levará as lutas para o interior do parlamento, sob a perspectiva de se “[...] obter, ainda no interior da economia capitalista e sob a dominação do Estado burguês, o reconhecimento e a satisfação de expressivas demandas das classes subalternas” (COUTINHO, 2008, p. 43). Essa afirmação tem como ponto de partida a ampliação do Estado brasileiro, cujo marco foi a redemocratização que consagrou uma Constituição Federal em 1988, a qual, por um lado, garantiu direitos, como serviços de saúde e educação pública à população, mas, por outro lado, manteve o fundamento ao garantir a propriedade privada capitalista. Nas análises dos textos de Coutinho, percebe-se uma linha de continuidade com relação aos textos dos anos 1990 e 2000, quanto à sua defesa de a democracia ser o caminho do socialismo no artigo de 1979. “O generoso leitor que se recordar do velho ensaio e o comparar com os novos verá que, em sua substância, esses últimos conservam a orientação proposta naquele” (COUTINHO, 2008 p.15). Isso não exclui alterações nos textos ao longo das décadas que os separam. A ênfase é para a tese central: sem democracia, não há socialismo. Até porque, em 1979, vivenciava-se uma conjuntura de transição para a redemocratização. A partir dos anos 2000, inicia-se um período no qual o autor depositou suas esperanças quanto ao avanço da democracia para o desenvolvimento das instituições de Estado burguês com vistas à participação popular. Posteriormente, e de forma gradativa, chegar-se-ia ao socialismo. Com relação ao partido político como dirigente do movimento social em prol dos interesses da classe operária e dos oprimidos, Coutinho (2008), em crítica aos partidos “comunistas” e “socialdemocratas”, expõe sua perspectiva acerca dos desafios e do próprio programa de um partido inovador, afirmando o reformismo revolucionário com um conteúdo segundo o qual a democracia é o único caminho para o socialismo. O grande desafio de um moderno partido de esquerda continua a ser sua capacidade de reconstruir um projeto socialista radicalmente democrático. [...] um tal partido de esquerda, efetivamente pós ‘comunista’ e pós-social-democrata, deveria concluir que a estratégia de hoje mais adequada à luta pelo socialismo é o reformismo revolucionário. E não se deve esquecer que, para o reformismo revolucionário, a democracia não é um caminho para o socialismo, nem muito menos uma alternativa ao socialismo, mas sim o caminho do socialismo (COUTINHO, 2008, p. 89, grifo do autor). Segundo Coutinho (2008), o próprio desenvolvimento da política no Brasil impõe a necessidade de se redefinir uma política para um partido de novo caráter, negando-se os partidos clássicos em nome da atualidade da realidade brasileira. E, também, pelo fato de a história recente ter demonstrado ao autor seu equívoco quanto ao Partido dos Trabalhados ser o portador de um conteúdo democrático e popular que levasse ao socialismo. 52WWW.UNINGA.BR CL AS SE S E M OV IM EN TO S SO CI AI S | U NI DA DE 3 EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA A chegada do PT ao poder ao governo federal – que tornou explicito seu abandono do socialismo e sua adesão às práticas mais perversa da política tradicional brasileira – dissipou de uma vez esta minha ilusão (COUTINHO, 2008, p. 12, grifo do autor). O que se evidenciará não é o abandono do socialismo pelo PT, mas o contrário, explicado a partir do próprio reconhecimento da ilusão de Coutinho (2008) quanto ao PT. Salvo alguns setores (cuja parte da vanguarda defendia o socialismo) desse partido, o seu núcleo dirigente, sobretudo o vinculado a Lula, não se colocava como defensor do socialismo. A essa altura, Coutinho (2008) já vinha tecendo críticas às posições do PT, tanto que, em 2002, deixara o partido. Mas permaneceu afirmando a necessidade do partido político como um dos dirigentes das classes trabalhadoras rumo ao socialismo, com uma plataforma política sustentada no reformismo revolucionário. Segundo as formulações de Coutinho (2008), em especial quanto à sua defesa do reformismo revolucionário,é possível perceber sua crítica ao PT quando este assume o governo federal e implementa uma política de “[...] adesão às práticas mais perversas da política tradicional brasileira” (COUTINHO, 2008, p.12). Ou seja, implementa uma política que serve, predominantemente, aos interesses da burguesia. Também pode se observar nas formulações de Coutinho (2008) uma vinculação à perspectiva pacífica formulada pelo estalinismo, que entra no Brasil via PCB, com a tese do caminho pacífico para a revolução brasileira, com reformas graduais e por dentro do Estado burguês, justificando a necessidade de se disputarem eleições. Sugere-se a leitura da seguinte obra: NETTO, J. P. Pequena história da ditadura brasileira (1964 – 1985). São Paulo: Cortez, 2014. Sugere-se o vídeo disponível em https://www.youtube.com/watch?v=pSyE82yRaKU. 53WWW.UNINGA.BR CL AS SE S E M OV IM EN TO S SO CI AI S | U NI DA DE 3 EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA CONSIDERAÇÕES FINAIS No Brasil, a tese formulada pelo estalinismo adentra o País via PCB, justificando a existência de restos feudais. Dessa forma, o caráter da revolução brasileira deveria ser, antes, democrático-burguês, para, no futuro, ser a revolução proletária. Isso implicou uma aliança entre setores camponeses, operários, populares e a burguesia progressista. A história revelou a inviabilidade dessa aliança, que significou uma política de conciliação de classes. O que se desenvolveu a partir disso, a partir das teses do PCB de 1940 e 1950, foi a defesa do caminho pacífico para a revolução brasileira. Nesse caso, foi apontada a via eleitoral para disputar a direção do Estado e realizar as reformas que, gradualmente, levariam à elevação política e à revolução. Expressou o caráter democrático burguês na defesa do PCB. Primeiro, por defender o caminho pacífico, descaracterizando a revolução proletária, como se a burguesia fosse entregar sua propriedade privada pacificamente. Segundo, por desconsiderar a tese marxista da inviabilidade das reformas no capitalismo em sua fase imperialista. Além de outros elementos questionáveis, como afirmar que haveria restos feudais no Brasil e promover uma revolução em aliança com a burguesia progressista, a qual já estava subordinada ao imperialismo. No contexto da redemocratização, isso levou à postulação da democracia como o único caminho para o socialismo no Brasil, assumindo uma perspectiva democrática de ampliar os espaços de luta dentro do Estado burguês. Incluía elevar politicamente as organizações dos trabalhadores – sindicatos, associações de moradores, movimento estudantil – e exigia a necessidade de um partido político assumir tal perspectiva. Ao longo das décadas posteriores à defesa da democracia como o caminho único para o socialismo, passa-se a ter a finalidade de lutar pela democratização já no contexto do final dos anos 1980 e décadas posteriores. A postulação da democracia como o caminho único para o socialismo e suas implicações posteriores em uma defesa da democratização não ficaram apenas no plano dos partidos e organizações de trabalhadores: afetaram a orientação política de profissões, particularmente do Serviço Social brasileiro, a partir de profissionais que compuseram (alguns ainda compõem) setores da vanguarda profissional. 5454WWW.UNINGA.BR U N I D A D E 04 SUMÁRIO DA UNIDADE INTRODUÇÃO .............................................................................................................................................................. 55 1. A PERSPECTIVA DAS VANGUARDAS DO SERVIÇO SOCIAL FRENTE AOS MOVIMENTOS SOCIAIS NO BRASIL A PARTIR DE 1980 ...................................................................................................................................................... 56 1.1 MOVIMENTOS SOCIAIS E A PERSPECTIVA DEMOCRATIZANTE DAS VANGUARDAS DO SERVIÇO SOCIAL ...................................................................................................................................................................................... 62 1.2 DEMOCRACIA: O NÚCLEO DA RELAÇÃO MOVIMENTOS SOCIAIS E SERVIÇO SOCIAL A PARTIR DO FINAL DA DÉCADA DE 1990 .................................................................................................................................................. 64 CONSIDERAÇÕES FINAIS .......................................................................................................................................... 69 MOVIMENTOS SOCIAIS E SERVIÇO SOCIAL NO BRASIL A PARTIR DO FINAL DA DÉCADA DE 1970 PROF. ME. LOURIVAL SOUZA FELIX ENSINO A DISTÂNCIA DISCIPLINA: CLASSES E MOVIMENTOS SOCIAIS 55WWW.UNINGA.BR CL AS SE S E M OV IM EN TO S SO CI AI S | U NI DA DE 4 EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA INTRODUÇÃO Nesta unidade, analisaremos como setores do Serviço Social – especialmente a vanguarda – aderiram a uma dada concepção de democracia, a qual implicou a orientação política tanto para a formação quanto para a ação profissional. Verificaremos o pós-década de 1980 no Brasil, período em que as vanguardas profissionais concebiam a democracia como o único caminho para o socialismo, além de seus desdobramentos posteriores (os quais foram analisados em artigos mais recentes que compõem o universo da pesquisa). O contexto de reorganização e reinserção da classe operária, com destaque para o movimento sindical e político em defesa da redemocratização da sociedade brasileira, influenciou setores que constituem as vanguardas do Serviço Social, colocando-se em uma perspectiva crítica frente à ditadura militar (1964 a 1985) pela redemocratização. De acordo com Netto (2011), o movimento que conferiu um nível de politização mais qualificado e avançado a uma parcela da categoria profissional teve momentos e lugares. Os momentos se referem ao período que se inicia na década de 1970 e atravessa a década de 1980. Os lugares dizem respeito à inserção de assistentes sociais em movimentos sociais, associações de moradores, sindicatos, organizações da categoria, na universidade, dentre outros. No âmbito universitário, Netto (2011) afirma que, de meados da década de 1970 até meados de 1980, o Serviço Social sofreu expansão e avanços no campo teórico e metodológico, sob a influência da oposição do Serviço Social, em sua vertente crítica, frente à conservadora e à aproximação com a teoria “marxista”. A perspectiva democrática também marca presença em documentos oficiais da profissão. No quarto princípio do código de ética do/a assistente social, de 1993, a concepção de democracia ocupa espaço especial, in verbis: “[...] defesa do aprofundamento da democracia, enquanto socialização da participação política e da riqueza socialmente produzida”. A importância dessa citação está no vínculo estabelecido entre a democracia e “a socialização” e seu significado na orientação política para a profissão. 56WWW.UNINGA.BR CL AS SE S E M OV IM EN TO S SO CI AI S | U NI DA DE 4 EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA 1. A PERSPECTIVA DAS VANGUARDAS DO SERVIÇO SOCIAL FRENTE AOS MOVIMENTOS SOCIAIS NO BRASIL A PARTIR DE 1980 Primeiramente, é importante ressaltar que o período analisado constitui o da transição de uma ditadura militar (1964 – 1985) à redemocratização. Isso será decisivo na própria formulação e defesa da democracia no interior do Serviço Social. Nesse momento, contava-se com a presença de amplos setores da classe operária e organizações populares vinculadas às lutas sociais pela efetivação de outra forma de organização do Estado, que não fosse a ditadura militar. A transição à qual estamos nos referindo, iniciada no final da década de 1970 por iniciativa dos próprios militares, determinada pela crise econômica, contou com o protagonismo dos “[...] trabalhadores, os setores populares, colocam-se como força social no cenário político” (CARVALHO, 1985, p. 20). Acerca de a transição da ditadura militar ter ocorrido mediante um processo lento e gradual, cujos interesses eramde setores dirigentes da ditadura e da burguesia nacional e imperialista ou ter sido derrotada pela classe operária e setores populares, afirma Netto (2010): A resistência à ditadura, conduzida no plano legal por uma frente de oposição hegemonizada por segmentos burgueses descontentes, ganhou profundidade e qualidade novas quando, na segunda metade dos anos setenta, a classe trabalhadora se reinseriu na cena política, por meio da mobilização dos operários metalomecânicos do cinturão industrial de São Paulo (o ‘ABC paulista’). A partir de então, a ditadura – que promovera a modernização conservadora do país contra os interesses da massa da população, valendo-se, inclusive, do terrorismo de Estado – foi levada, de derrota em derrota, à negociação com a qual, culminando na eleição indireta de Tancredo Neves (1985), concluiu seu ciclo desastroso (NETTO, 2010, p. 9). A ditadura militar, que já vinha mostrando sinais de esgotamento por conta da crise econômica, foi pressionada por setores da burguesia nacional e internacional para realizar a transição democrática, em fins dos anos 1970 e início de 1980. Conformou uma transição sem grandes alterações no que diz respeito às relações das classes burguesia e proletariado. Para a transição ocorrer, foi decisivo o acirramento das lutas sociais a partir da organização de setores da classe operária, campesinato e populares (a exemplo: movimento sindical; movimentos de trabalhadores rurais que, em 1984, constituíram o Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST); movimentos em defesa de creches, asfalto etc.), os quais conduziram a um maior grau de politização, a ponto de alguns autores afirmarem que a ditadura tinha sido derrotada. Esse duplo movimento pode ser constatado nesta afirmação: A ditadura instaurada pelo golpe de 1 de abril de 1964 perdurou por cerca de vinte anos, esgotando-se na entrada dos anos 1980, quando já não dispôs mais de condições para reproduzir-se e, derrotada politicamente, foi obrigada, pela pressão do movimento democrático e popular, a pactuar a sua substituição por um regime político formalmente democrático (NETTO, 2009, p. 651-652). 57WWW.UNINGA.BR CL AS SE S E M OV IM EN TO S SO CI AI S | U NI DA DE 4 EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA Segundo Luiz Eduardo Wanderley (1985), a transição que estava ocorrendo, efetivamente, era uma transição que não garantia a penetração dos interesses dos trabalhadores; pelo contrário, era um movimento feito, por cima da classe operária e oprimida, por setores dos próprios dirigentes da ditadura militar, com apoio de setores da burguesia nacional e internacional. Contudo, Wanderley (1985, p. 10) ressalta a necessidade de “[...] eleger, se possível, representantes populares que vão defender esses temas na próxima Constituição, buscando introduzir essas coisas novas, ao menos uma democracia social efetiva.” Nesse sentido, trata-se de uma nova Constituição que garanta os diretos políticos, sociais e civis dos trabalhadores. Esse desenho inicial, acerca da perspectiva da necessidade de haver uma democracia efetiva, foi sendo desenvolvido e canalizado pelo Movimento Popular, o qual, de acordo com Wanderley, O grande projeto do movimento popular é negar esse sistema e lutar pela construção de um outro. Mas isso não está claro na consciência da maioria do movimento popular e sim de setores e lideranças. Ele hoje luta pela sua própria sobrevivência: comer, morar, ter saúde. Dar esse passo qualitativo para a construção de um projeto de uma nova sociedade é o vetor, o norte desse movimento popular. Contudo, ele não pode ficar na estratosfera nem como bandeira de luta apenas, mas tem que enraizar em projetos concretos (WANDERLEY, 1985, p. 11, grifo do autor). A perspectiva apontada requer explicitar a estratégia do movimento popular, que é o projeto de uma nova sociedade. O autor não se refere qual sociedade especificamente. A ênfase é para dois tipos de reformas: primeiro, “[...] uma reforma agrária inteligente e bem executada é a base para combater a miséria e melhorar o nível de vida” (WANDERLEY, 1985, p.11). Depois, “[...] uma segunda reforma fundamental é no setor do trabalho. Quer dizer, garantir o direito ao trabalho” (WANDERLEY, 1985, p. 11). Essas reformas estão no plano tático do movimento popular e fazem parte da conquista de uma democracia que deve ser constituída em uma perspectiva contrária à que vem sendo forjada como democracia no Brasil. Por isso, ao se referir às duas reformas, elas são “[...] só embriões da nova sociedade que nós queremos construir, na direção de uma democracia que vem de baixo para cima e não de cima para baixo” (WANDERLEY, 1985, p. 12). Nesse sentido, o desenvolvimento do que vem sendo colocado canaliza para a relação de construção dessa “nova sociedade” com o Estado. Ou seja, na linha de pensamento do autor, o movimento popular é o portador do projeto de transformação da sociedade em que vivemos e constituir uma sociedade nova requer criar um novo Estado democrático, efetivo às massas trabalhadoras e aos populares. De acordo com Cardoso (1990), a relação dos movimentos sociais urbanos com o Estado se coloca em um campo minado, por um lado, considerando o papel político de caráter transformador dos movimentos sociais, e, por outro lado, a função do Estado burguês. 58WWW.UNINGA.BR CL AS SE S E M OV IM EN TO S SO CI AI S | U NI DA DE 4 EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA Os movimentos sociais urbanos se organizam a partir de suas necessidades básicas e coletivas como: [...] habitação, taxa de transporte coletivo, infraestrutura, saneamento e energia etc. Dadas as necessidades provenientes da realidade urbana, esses movimentos se organizam, quase sempre, em função de problemas locais e de interesses imediatos, procurando resistir às condições de vida a que são submetidas, formulando inúmeras reivindicações dirigidas ao Estado, que é visto como o único capaz de entendê-las, uma vez que é ele quem determina as políticas sociais para o atendimento das populações, assim como normatiza, regula e intervém junto às mesmas. Assim, o Estado, ao mesmo tempo que se coloca como adversário a esses movimentos, torna-se, também, uma garantia. O Estado, portanto, é um espaço contraditório onde, ao mesmo tempo que incorpora de certa forma os interesses dos setores populares, se constitui também ‘representante direto dos interesses capitalistas, fixando salários, decretando as condições de trabalho, proibindo os sindicatos, aumentando os preços e atuando como proprietário de grande número de empresas’ (CARDOSO, 1990, p. 25). Ao se referir aos grupos sociais que compõem os movimentos sociais populares como sendo agentes da transformação da ordem estabelecida, Cardoso (1990) considera tais setores de trabalhadores como o núcleo orgânico do movimento. Quando nos referimos aos grupos populares, estamos entendendo os setores majoritários da sociedade que vivem uma condição de exploração e dominação determinada pelas contradições geradas pelo capitalismo. Tal concepção compreende, portanto, o operariado, o campesinato, os funcionários, os ‘marginais’ e demais parcelas da classe dominada que vivem nas condições acima elucidadas (CARDOSO, 1990, p. 22). Dessa forma, os movimentos sociais populares têm suas origens e seus fundamentos assentados nas contradições que são expressão da relação capital e trabalho. O grau de desenvolvimento e o surgimento de novas organizações do proletariado e de setores populares estão submetidos às relações de classes no ordenamento burguês. Ou seja, o próprio desenvolvimento capitalista no Brasil (a exemplo, o industrial) formou a classe operária, a qual se opõe ao processo de exploração da força de trabalho. Segundo Cardoso (1990), os movimentos devem defender sua independência de classe frente às organizações da burguesia e seu Estado. Não se trata de cada um fazer o que quer; pelo contrário, diz respeito a preservar a autonomia, mas com conteúdo classistae democrático acerca da defesa dos direitos dos trabalhadores. Essa autonomia é colocada, principalmente, em oposição aos “modelos socialistas”, os quais, na perspectiva desse autor, em um processo de degeneração e burocratização de inspiração estalinista, limitaram o alcance do potencial dos movimentos sociais populares em uma perspectiva de transformação. A valorização, pelo autor, do papel da autonomia dos movimentos sociais populares no processo de transformação social vincula-se diretamente à crise dos ‘modelos socialistas’, entendida, numa primeira abordagem, como a constatação de uma degenerescência das sociedades pós-revolucionárias, onde havia projetos socialistas, como também a constatação de conservadorismo, burocratismo, sectarismo e elitismo das organizações partidárias criadas para serem instrumentos da revolução e da libertação social (CARDOSO, 1990, p. 16). 59WWW.UNINGA.BR CL AS SE S E M OV IM EN TO S SO CI AI S | U NI DA DE 4 EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA Na perspectiva apontada, a verificação dos elementos que, de certa forma, bloquearam o avanço rumo a uma sociedade socialista, ficou hipotecada ao desvio do stalinismo em relação ao leninismo. O desenvolvimento dessa análise levou a se justificar a existência de crise do socialismo. Para Cardoso (1990), há que se pensar os próprios modelos de socialismo, considerando os novos processos históricos que vêm se constituindo. Sobre isso, um elemento central diz respeito ao partido político que dará direção à luta dos movimentos populares. [...] o verdadeiro partido revolucionário deve ter o papel de sistematizar experiências, elaborar propostas para a luta política, impulsionar a unidade e a autonomia dos movimentos sociais dos explorados e oprimidos, para que as massas se capacitem e façam frente à ordem do Estado burguês (CARDOSO, 1990, p. 18). De acordo com Cardoso (1990), a preocupação com relação ao partido tem por finalidade questionar a separação radical entre os militantes profissionais e os movimentos sociais, cujos encaminhamentos das lutas nos processos revolucionários estavam subordinados às vanguardas políticas, distantes e separadas dos movimentos das massas. Sobre a autonomia defendida, há uma concepção de democracia subjacente, que é seu chão histórico e que começa a aparecer à medida que vão se desenvolvendo os próprios aspectos políticos e organizativos dos movimentos sociais nos momentos de luta em uma perspectiva revolucionária. Porém, à autonomia dos movimentos é preciso ater o seu conteúdo. Cardoso (1990) atesta: [...] o conteúdo e a realização da perspectiva da autonomia do movimento popular são a preparação de um processo político que levará à extinção ou separação do Estado e projetará um Estado de transição em que esse processo se realize como expansão da democracia, das liberdades políticas e da participação de todos na gestão da coisa pública (CARDOSO, 1990, p. 20, grifo do autor). A concepção de autonomia que pressupõe a democracia estava posta em uma conjuntura política de organização do movimento popular dos anos 1980, em que ocorria a luta pela democratização do Estado, vista, por alguns autores e correntes políticas, como o prosseguimento das lutas sociais à conformação de um período que corresponderia à expansão da democracia, das liberdades políticas e da participação de todos na gestão da coisa pública. Nesse caso, a própria referência na citação não autoriza afirmar que a perspectiva de expansão da democracia subsidiará os elementos para a constituição da ordem socialista no Brasil. Nesse processo, segundo Cardoso (1990), a autonomia guarda relação com dois níveis. O nível mais elementar é a autonomia dos movimentos sociais locais, que não podem estar pautados na espontaneidade e tampouco podem se subordinar a reivindicações específicas de caráter corporativo (isso não quer dizer que eles não tenham). Caso isso aconteça, ocorrerá a separação entre reivindicações do trabalho e da política. Em segundo lugar, elevar-se-á o nível da formação política e organizativa para haver o adensamento entre as reivindicações que sejam da ordem concreta dos trabalhadores. 60WWW.UNINGA.BR CL AS SE S E M OV IM EN TO S SO CI AI S | U NI DA DE 4 EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA A conquista da autonomia cultural, política e econômica dos trabalhadores e do povo envolve um empenho na participação em todos os níveis, dos indivíduos em todos os espaços do seu cotidiano, baseia-se na crítica á delegação de soberania, que é essência do liberalismo burguês e implica a capacidade de traduzir os interesses dos sujeitos das lutas, permanecendo sob o seu controle. Toda ênfase na luta pela autonomia dos movimentos sociais, das classes e das camadas exploradas decorre do entendimento de que a exploração e opressão são aspectos inseparáveis na dinâmica das lutas de classe e que a afirmação da autonomia com o rompimento da dominação representa um movimento contra a exploração (CARDOSO, 1990, p. 21). Seguindo o desenvolvimento da análise de Cardoso (1990), há que se privilegiar a autonomia dos movimentos com relação à sua participação, inclusive, ao se tratar do Estado. Segundo advertência de Nascimento (1986) quanto ao período em que se estava vivendo, embora a ditadura militar tenha formalmente entrado em um processo de esgotamento e transitado para uma forma democrática, ainda permanecem aspectos autoritários que inviabilizam ou manipulam a participação popular no interior das instituições do Estado. Contudo, o autor enfatiza a importância da participação para defender suas necessidades. [...] as práticas participativas autoritárias começam a perder sua razão de ser, a encontrar maiores resistências entre técnicos, e sobretudo no seio da população trabalhadora. Na perspectiva democrática, o mais justo, talvez, seja não se abster de participar de propostas, mas entrar no jogo, tentando desenvolver as potencialidades democráticas que elas contêm, numa aliança com os setores mais democráticos da sociedade civil (NASCIMENTO, 1986, p. 15, grifo do autor). Essa perspectiva democrática está relacionada ao seu contraponto – a ditadura militar. Portanto, as mudanças ocorreram em uma relação entre Estado e sociedade, o que desembocou nas políticas estatais, inclusive com a participação da comunidade. Mas houve uma alteração caracterizada pela forma de articulação. Ou seja, o movimento popular tinha reivindicações de longa data: transporte, habitação, creches e escolas. Agora, começa a se postular que o mais justo, talvez, seja entrar no jogo, tentando desenvolver as potencialidades democráticas que elas contêm, numa aliança com os setores mais democráticos da sociedade civil. Isso abarcava outra compreensão da democracia, não mais justificada como o caminho ao socialismo, mas como o espaço em que seria possível conquistar as reivindicações populares. Vê-se, enfim, uma gradual transformação daquilo que seria meio. Segundo Gohn (1985), de 1975 a 1979, os movimentos sindicais de bairros eram dirigidos por seus próprios núcleos internos. Essa relação começa a sofrer alterações profundas com as eleições de 1982, as quais refletiram a relação dos movimentos com os partidos políticos. Em um primeiro momento, há implicações no sentido de se institucionalizarem as lutas. “[...] em decorrência deste ponto temos uma certa institucionalização de vários movimentos populares que antes pressionavam o Estado e agora penetraram em seu bojo, a exemplo da Luta por Creches em São Paulo” (GOHN, 1985, p. 21). Os efeitos disso não se colocam no plano do bom ou ruim, mas da política e autonomia dos movimentos do que seria a defesa dos interesses das massas trabalhadoras. A própria reformulação da vida partidária que se iniciou nos anos 1980 rebateu e provocou um refluxo dos movimentos, com a sua fragmentação e institucionalização. Obviamente, isso reflete na capacidade de luta e defesa de uma democracia interna dos setores organizados. Contudo,explicita uma novidade com relação à forma de articulação dos movimentos em prol da defesa de suas necessidades concretas e com relação à vinculação do partido político com o movimento social. 61WWW.UNINGA.BR CL AS SE S E M OV IM EN TO S SO CI AI S | U NI DA DE 4 EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA A articulação movimento-partido na década de 1980 tem gerado várias contraditoriedades no que se refere à questão da organização. Para alguns segmentos das correntes políticas existentes, a organização deve vir da base, de baixo para cima. A forma como isso se daria varia do espontaneísmo às táticas de nucleação e agregação dos indivíduos por regiões, categorias profissionais etc. Nesta corrente os movimentos populares vão ser visto como fontes preciosas de organização na medida em que representam demandas reais a partir das próprias bases. Esta corrente encontra-se bastante disseminada no interior do Partido dos Trabalhadores – PT (GOHN, 1985, p. 22). Essa relação “movimento-partido” causa discussões internas aos movimentos sociais entre as correntes políticas referentes à institucionalização e autonomia das reivindicações de lutas. Segundo Cardoso (1990), inicia-se um processo em que as lutas teriam de passar ou depender das respostas do Estado, implicando uma relação de dependência, o que se refletiria em uma guinada à direita na medida que seus dirigentes vão se alinhando a adversários políticos. A vitória de partidos oposicionistas nas urnas, em novembro de 1982, levou a várias transformações da dinâmica dos movimentos populares. Vários militantes dos movimentos de bairro passaram a ter nos órgãos estatais não mais seus adversários, mas seus companheiros de partido. As estratégias se alteram. A questão deixou de ser mobilizar a população para pressionar o governo, para ser colaborar em políticas participativas. Passou a ocorrer uma tendência a certa institucionalização dos movimentos (GOHN, 1985, p. 23, grifo do autor). Se compararmos o conteúdo dessa citação às análises de Cardoso (1990), veremos um distanciamento do potencial político dos movimentos em face de seu papel questionador. Para defender a participação popular dentro do Estado, perde-se o caráter organizador de setores de trabalhadores em uma posição oposta ao Estado. Do ponto de vista de segmentos sociais e de categorias profissionais, como a do Serviço Social, o contexto político da luta contra a ditadura militar e pela redemocratização expressou, nas bandeiras dos movimentos sociais, as suas reivindicações concretas quanto às necessidades básicas da população, que vão desde salário e condições de trabalho até melhorias nos bairros, como asfalto e creches. Uma vez que parte dos assistentes sociais estava defendendo tais reivindicações (e aqui estamos expondo como esses processos políticos eram analisados nos artigos das revistas da profissão), é necessário precisar as análises com relação aos movimentos sociais. 62WWW.UNINGA.BR CL AS SE S E M OV IM EN TO S SO CI AI S | U NI DA DE 4 EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA 1.1 Movimentos Sociais e a Perspectiva Democratizante das Vanguardas do Serviço Social A partir do final da década de 1970, ocorreram processos que alteraram e impactaram as análises acerca da democracia. A tentativa de Netto (1986) de redefini-la corresponde a um período de transição no qual as instituições do Estado estavam se reorganizando com a penetração de setores populares, em uma tentativa de a democracia burguesa canalizar as “lutas” para se darem no parlamento (o que, antes, passava-se nas ruas). Certamente, essa canalização não levou todos os movimentos (operário, sindical, popular e camponês) a hipotecarem suas reivindicações no parlamento e demais órgãos, os quais, sendo burguês o Estado, responderam aos interesses burgueses, em que pese a penetração de representantes de setores populares. Contudo, segundo constatação de Cardoso (1990), houve um alinhamento político que se tornou predominante, como já referido anteriormente. Com relação aos movimentos e partidos políticos, as lutas deixam de ser nas ruas, onde se expressava a maior possibilidade de os trabalhadores defenderem seus interesses. Passou-se ao reconhecimento das lutas institucionalizadas em espaços da ordem burguesa, passando pelo crivo das eleições como meio de se atingir uma posição no Estado e de influenciar, de alguma maneira, os representantes da população. Essa perspectiva, embora flagrante mesmo em setores mais críticos do Serviço Social, foi predominante nos setores operários e, em especial, nos setores populares contemplados por lideranças como estudantes, lideranças de associação de bairro etc. Também as vanguardas do Serviço Social aderiram à institucionalização crescente das lutas populares. No entanto, nos últimos cinco anos, no bojo do avanço da luta pela redemocratização do país, a luta pela hegemonia no Serviço Social também avança, explicitando-se, no processo de formação profissional, tendências no interior das forças sociais básicas com propostas políticas diversas (CARVALHO, 1985, p. 22). Ao se referir à hegemonia na profissão, Carvalho (1985) está olhando para estudantes e professores que, no interior da universidade, “[...] vêm compondo uma vanguarda progressista” (CARVALHO, 1985, p. 23) em uma luta contra o conservadorismo profissional, em prol do Serviço Social crítico. Ao longo dos anos 1980, tal contraposição entre setores críticos e setores conservadores forjou um projeto profissional com o objetivo de orientar tanto a formação quanto o exercício profissional, o qual defende a vinculação aos movimentos sociais na defesa dos interesses da “clientela” e das lutas sociais. [...] contribuição no processo de transformação da sociedade brasileira, ou seja, o Projeto de Serviço Social comprometido com os interesses da clientela enquanto classe dominada e com suas lutas expressas nos movimentos sociais (CARVALHO, 1985, p. 26). 63WWW.UNINGA.BR CL AS SE S E M OV IM EN TO S SO CI AI S | U NI DA DE 4 EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA No contexto da década de 1980, essa transformação marca a transição da ditadura militar para a democracia, quando os interesses dos trabalhadores se colocam em outro plano de reivindicação. Colocam-se “[...] no âmbito da democracia burguesa, em que se configura a Nova República, a luta de classes assume formas distintas e específicas em relação ao longo período de ditadura” (CARVALHO, 1985, p. 34). Essas novas formas se relacionam ao fato de os movimentos sociais ocuparem os espaços da democracia burguesa e deles fazerem um local de representação dos interesses dos trabalhadores. Portanto, seguindo-se a linha de pensamento da autora, talvez o que muda é a compreensão dos espaços onde deva ser travada a luta de classes (e, não, que a luta de classes deva assumir outras formas). Tanto é que suas análises estão respaldadas nos novos espaços e instituições que a democracia burguesa oferece e que os setores dos trabalhadores podem ocupar. Há uma relação com o Estado que, mesmo resguardada a devida autonomia dos movimentos sociais gerais ou mesmo interna à profissão, acaba por refletir-se em novas estratégias. [...] E, no contexto desta democracia burguesa, precisam encontrar novas estratégias em termos de avançar nas suas lutas, aproveitando com lucidez e consciência os espaços que se vêm colocando ao nível dessa postura estratégica do Estado sem perder a sua autonomia e sua força de pressão (CARVALHO, 1985, p. 35). As novas estratégias sugeridas por Carvalho (1985) se desenvolvem com a participação dos assistentes sociais em seus trabalhos; logo, de forma institucional, via políticas sociais na relação com os movimentos sociais, construídas em uma perspectiva plural. Com isso, segundo Sposati (1992), há um campo a cumprir na construção da institucionalidade democrática. Nessa linha de argumentação, há que se precisar o pluralismo que, frequentemente, é confundido com ecletismo no interiorda profissão. Para além, ele subsidiará o espaço de debate profissional que vem se arrastando ao longo dos anos 1980 e contribuirá às vinculações necessárias às organizações dos trabalhadores e demais setores populares, formatando os espaços de debates. Portanto, o pluralismo [...] é sinônimo de abertura para o diferente, de respeito pela posição alheia, considerando que essa posição, ao nos advertir para com nossos erros e limites, e ao fornecer sugestões, é necessária ao próprio desenvolvimento da nossa posição e, de modo geral, da ciência (COUTINHO, 1987, p.15). A ideia de pluralismo foi elemento central à constituição do já mencionado projeto profissional do Serviço Social, que ficou conhecido a partir do final da década de 1990 como projeto ético-político do Serviço Social brasileiro. O que interessa, a seguir, é a concepção de democracia que, implícita ou explicitamente, permeava os debates internos à profissão. “Há que se reinventar o sentido e a esperança de uma relação libertária na busca da radicalidade democrática” (SPOSATI, 1992, p. 7). Nessa linha, a importância do pluralismo reside no fato de constituir espaços de debates interno e externo à profissão, além de ser elemento constitutivo do projeto profissional. Nesse sentido, segundo Guerra (2009), a inserção do assistente social nos espaços de lutas dos anos 1980 (e que atravessa os anos 1990) propiciou a “[...] construção de uma concepção universal, pública e gratuita de política social, nomeadamente da política de Seguridade Social” (GUERRA, 2009, p. 9). A profissão, que já vinha se desenvolvendo nos anos 1980, chega em 1993 a construir um novo código de ética profissional. E há, ainda que tímida, a expansão de espaços de participação popular resultantes da Seguridade Social, composta por três políticas sociais: Saúde, Previdência Social e Assistência Social. 64WWW.UNINGA.BR CL AS SE S E M OV IM EN TO S SO CI AI S | U NI DA DE 4 EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA É neste processo e na medida em que se ampliam as demandas democráticas e os instrumento jurídico-legal em defesa dos direitos socais e das minorias, que se configuram as práticas profissionais e se ampliam as áreas e campos de intervenção (GUERRA, 2009, p. 9). Com isso, a defesa das políticas sociais deve ser colocada tanto no “[...] sentido da democratização política quanto no da socialização da riqueza coletivamente produzida” (GUERRA, 2009, p. 11). Esse é o núcleo em que se fundamentam as vanguardas do Serviço Social para defenderem a democracia, expressando suas lutas e resistências. É preciso enfatizar, ao longo do texto e, sobretudo, neste tópico, que a concepção de democracia entendida como o único meio para atingir o socialismo passa pela democratização. Isso pressupõe que o Estado desenvolva políticas sociais que contemplem um número maior de pessoas, em uma perspectiva reformista, chegando a desenvolver tais políticas no plano universal. Tudo isso para que, posteriormente, atinja-se uma sociedade sem classes, sem exploração do homem pelo homem, o que leva a entender o socialismo (embora não o explicite). 1.2 Democracia: o Núcleo da Relação Movimentos Sociais e Serviço Social a Partir do Final da Década de 1990 Neste tópico, nossa preocupação não será o projeto ético-político do serviço social, mas um de seus princípios fundamentais: a democracia. A partir do final da década de 1990, o professor José Paulo Netto publicou um texto intitulado A construção do Projeto Ético-Político do Serviço Social (1999), pautando a construção do projeto em meio a uma conjuntura de lutas sociais que abrangiam vários segmentos da sociedade brasileira, sobretudo, a classe operária. Nesse sentido, os movimentos sociais influenciaram a organização política de setores do Serviço Social, que ficou conhecido como movimento de intenção de ruptura do Serviço Social crítico com relação ao conservadorismo profissional. A luta contra a ditadura e a conquista da democracia política possibilitaram o rebatimento, no interior do corpo profissional, da disputa entre projetos societários diferentes, que se confrontavam no movimento das classes sociais. As aspirações democráticas e populares, irradiadas a partir dos interesses dos trabalhadores, foram incorporadas e até intensificadas pelas vanguardas do Serviço Social (NETTO, 2010, p. 11). Dois aspectos a ressaltar. Primeiramente, o movimento de intenção de ruptura, que deu impulso ao referido projeto, estava vinculado às manifestações pela redemocratização desde o final da década de 1970, quando a classe operária e setores populares vinham se organizando para se oporem à ditadura militar. Em segundo lugar, democratizar o Estado era a tarefa dos movimentos sociais, com a contribuição de setores críticos do Serviço Social. Nesse processo, segundo Netto (2010), a ditadura concluiu seu curso a partir de aspectos internos pela reinserção da classe operária, a qual se reorganizou em defesa da democratização, viabilizando o debate entre os setores conservadores e críticos da profissão. A luta pela democracia na sociedade brasileira, encontrando eco no corpo profissional, criou o quadro necessário para romper com o quase monopólio do conservadorismo no Serviço Social: no processo de derrota da ditadura se inscreveu a primeira condição – a condição política – para a constituição de um novo projeto profissional (NETTO, 2010, p. 10). 65WWW.UNINGA.BR CL AS SE S E M OV IM EN TO S SO CI AI S | U NI DA DE 4 EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA É evidente que, sob um regime democrático, projetos como o do Serviço Social melhor se desenvolveriam, até porque a sua proposta era romper com o conservadorismo profissional para que se desse a constituição de um novo projeto profissional a orientar politicamente tanto a formação quanto a prática profissional. Adiante, sob o prisma do projeto, Netto (2010) aponta outros elementos que devem constituí-lo. E, mais uma vez, aponta a democracia e as conquistas que ela pode oferecer dentro do Estado burguês, a saber: avanço teórico, metodológico e crítico nas produções do Serviço Social com a pós-graduação, em oposição ao conservadorismo profissional, a conquista de direitos cívicos e sociais que acompanhou a restauração democrática na sociedade brasileira e o código de ética profissional de 1993. Contudo, a questão não é negar tais conquistas democráticas, mas, sim, verificar que, dentro do Estado burguês, isso é permitido ora de formas mais alargadas ora de formas restritas, de acordo com os interesses em disputa entre as classes fundamentais do capitalismo, prevalecendo- se os interesses que preservam a propriedade privada. De acordo com Netto (2010), “[...] o projeto se declara radicalmente democrático – considerada a democratização como socialização da participação política e socialização da riqueza socialmente produzida” (NETTO, 2010, p.16). Há que se fazer uma diferenciação. Pode até ter ocorrido a participação política, como participação popular nas instituições do Estado; contudo, essa participação (em grande medida) é determinada pelo Estado e suas instituições. As instâncias que, de fato, decidem as orientações essenciais da economia e da organização social funcionam, inclusive, fora dos espaços representativos (congresso, ministérios etc.), os quais, ao contrário de terem sido democratizados, foram oligarquizados. Mas nos centremos no desenvolvimento da democracia a partir do entendimento do Serviço Social e suas vinculações. Segundo Netto (2010), a partir da década de 1980, confirmando-se na década de 1990, vêm se acumulando, no meio profissional, alguns avanços na constituição de bases para a profissão. Ganham destaque o código de ética profissional e o avanço teórico-metodológico advindo das sistematizações de pesquisas com pós-graduações, ambos resultados de um longo debate político e profissional e da redemocratização. Afinal, “[...] à conquista de direitos cívicos e sociais que acompanhou a restauraçãodemocrática na sociedade brasileira” (NETTO, 2010, p. 14). A linha democrática assumida pelas vanguardas do Serviço Social, constituída no interior do projeto ético-político, estava vinculada ao movimento democrático e popular. Neste sentido, a construção deste projeto profissional acompanhou a curva ascendente do movimento democrático e popular que, progressivamente e positivamente, tensionou a sociedade brasileira entre a derrota da ditadura e a promulgação da Constituição de 1988 (à qual Ulisses Guimarães chamou de Constituição Cidadã) – um movimento democrático e popular que, inclusive apresentando-se como alternativa nacional de governo nas eleições presidenciais de 1989, forçou uma rápida redefinição do projeto democrático das classes proprietárias (NETTO, 2010, p. 18, grifo do autor). Embora Netto (2010) não explicite, o movimento democrático e popular apresentado como alternativa às eleições presidenciais de 1989 era a candidatura de Lula, pelo PT. A ausência de tal explicitação foi sanada em análise de Netto dez anos depois. O ímpeto democratizante, no entanto, persistiu até 1989, quando, à falta de uma melhor solução confiável, o grande capital patrocinou a chegada de Collor de Melo ao governo. Esta aventura política, se serviu à grande burguesia para barrar a alternativa democrático-popular (representada, no segundo turno, pela candidatura de Luiz Inácio Lula da Silva) (NETTO, 2009, p. 672, grifo do autor). 66WWW.UNINGA.BR CL AS SE S E M OV IM EN TO S SO CI AI S | U NI DA DE 4 EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA Anteriormente, apontamos que, no início dos anos 1980, o então recém-nascido Partido dos Trabalhadores vinha penetrando, politicamente, no movimento popular e fazendo suas as reivindicações operárias e populares. Ao longo das décadas posteriores, foi elegendo seus candidatos e se institucionalizando. Historicamente, a vinculação do partido político aos movimentos sociais, em particular com o PT, refletiu também na vinculação do PT às vanguardas do Serviço Social. O elo dessa vinculação constatava-se em uma questão concreta: contra a ditadura militar, em defesa da democratização. Segundo Netto (2009), o ponto de partida dessa vinculação ocorreu em 1979, posteriormente, tornando-se um marco entre os assistentes sociais na luta pela redemocratização. Trata-se do III Congresso Brasileiro de Assistentes Sociais (CBAS), realizado em 1979, conhecido como o “congresso da virada”. Evento “[...] em que as tendências profissionais comprometidas com a democracia ganharam visibilidade no Serviço Social” (NETTO, 2009, p. 650). Esse foi um processo político que vinha se acumulando ao longo da década de 1970 à medida que trazia as tendências políticas democráticas profissionais. Revela-se seu vínculo com a reinserção da classe operária na arena política brasileira, a qual vinha se reorganizando. Isso não autoriza a afirmar que os profissionais, em sua totalidade, estavam na mesma linha de atuação política. Muito pelo contrário: parte dos assistentes sociais, de acordo com o autor, ou estava assessorando os serventuários da ditadura ou se colocava em um plano de aparente neutralidade. [...] o que particulariza a situação do Serviço Social (embora, numa análise mais abrangente de suas categorias profissionais, possam ser identificadas situações similares) é a tardia manifestação opositiva à ditadura por parte das instâncias e fóruns representativos da categoria profissional: o que se sobressaí, quando se estuda o Serviço Social sob a autocracia burguesa, é a olímpica ‘neutralidade’ dessas instâncias e fóruns em face do regime ditatorial. De fato, nas suas expressões imperam, até o III CBAS, o silêncio e a omissão em face da ditadura (NETTO, 2009, p. 665). Internamente, “[...] o avanço que se teve com o congresso da virada foi uma decisiva transformação na dinâmica profissional no país” (NETTO, 2009, p. 666), que não eliminou, mas quebrou o monopólio conservador nas instâncias e fóruns da categoria profissional. Nesse sentido, seguem as análises de Guerra (2009) ao se referir ao congresso da virada. [...] como ato encarna um momento em que significativos segmentos profissionais passaram a enfrentar, aberta e enfaticamente, o histórico conservadorismo da/ na profissão, declarando a adoção de posicionamento ideo-político radical, construindo uma vertente crítica na profissão, que passa a atuar na construção de uma nova direção social hegemônica (GUERRA, 2009, p. 6). É importante ressaltar que o III Congresso “[...] trouxe para a cena política os componentes democráticos até então reprimidos na categoria profissional” (NETTO, 2009, p. 669). Isto é, não se pode afirmar que, antes de 1979, os assistentes sociais não tenham se posicionado. O que há de novo é a configuração de uma vanguarda profissional que impulsionou a luta interna contra o conservadorismo profissional à medida que lutou pela democratização e constituição de outros e novos espaços de participação política. A “[...] ruptura com o monopólio político conservador teve implicações que contribuíram decisivamente para o desenvolvimento global do Serviço Social no Brasil” (NETTO, 2009, p. 669). Como resultado do processo político que vem se desdobrando a partir de 1979, Guerra (2009) destaca a direção hegemônica forjada e constituída pela vertente crítica na profissão. 67WWW.UNINGA.BR CL AS SE S E M OV IM EN TO S SO CI AI S | U NI DA DE 4 EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA O mais significativo para uma mudança radical na profissão foi que, neste contexto sócio histórico, marcado por confrontos e resistências, se explicitam os interesses antagônicos das classes sociais e se põe a nu o papel do Estado na defesa intransigente dos interesses da classe dominante, criando as bases para que a profissão realize uma apreciação crítica da direção hegemônica da categoria e da organização político-representativa vigente à época, questionando sua funcionalidade aos interesses do capital (GUERRA, 2009, p. 7). Ademais, no desenvolvimento profissional, destacam-se, segundo Netto (2009), as pós- graduações (Mestrado em 1972, e Doutorado em 1981), as quais possibilitaram espaço para sistematizações críticas frente à própria ditadura, período, inclusive, em que houve ampliação do mercado nacional de trabalho para o Serviço Social. Com isso, houve a generalização do assalariamento, o que passou a ser objeto de análise em uma perspectiva crítica na relação capital e trabalho. Segundo exposição de Netto (2009), a ampliação da participação política resultou na constituição de um pluralismo, o qual foi se diferenciando e, portanto, separando-se do ecletismo. A expressão “virada” se refere ao citado Congresso. Diz respeito à substituição da própria composição da mesa (“oficial”), da qual o então principal líder metalúrgico Luiz Inácio da Silva – o Lula – passou a fazer parte, exatamente por representar parte significativa do proletariado, ao qual segmentos de assistentes sociais se vinculavam. Mas outros motivos vieram à tona posteriormente, os quais revelam as razões por que Lula compôs a mesa. Em nota de rodapé, Bravo (2009) cita Netto (2004) para demonstrar os vínculos da vanguarda que surgiu com o III CBAS. Destaca que a presença de Luiz Inácio da Silva na mesa de encerramento do III Congresso não foi por acaso, e como também não é por acaso que importantes lideranças profissionais que conduzem a ‘virada’ nos anos imediatamente seguintes tenham convergido partidariamente para o PT. A atmosfera política que resultou no nascimento do PT foi a mesma que influenciou diversos segmentos profissionais (BRAVO, 2009, pp. 700-701). Esse dado, quanto à relação de parte dos profissionais articulados politicamente a Lula, na entrada da década de 1980 quando da criação do PT, comprovou o vínculo das lideranças profissionais. Tais lideranças, nas palavras de Netto (2009), são as vanguardas. Consequentemente, o vínculo se encontra “[...] amplamente difundido entreos assistentes sociais que se traduziu numa ‘partidarização’ – a quase totalidade da vanguarda ou aderiu formalmente ao recém-nascido Partido dos Trabalhadores – PT ou seguiu suas orientações” (NETTO, 2009, p. 670). 68WWW.UNINGA.BR CL AS SE S E M OV IM EN TO S SO CI AI S | U NI DA DE 4 EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA A relação da vanguarda profissional atingiu também setores que “[...] no movimento estudantil em Serviço Social, a hegemonia foi toda do PT (Partido dos Trabalhadores), registrando-se uma participação absolutamente residual do PCdoB” (BRAZ, 2009, p. 715). Os estudantes que vinham se despontando politicamente no final da década de 1970, naturalmente, seguiram seu curso e, posteriormente, também compuseram a vanguarda profissional – o que não quer dizer que todos estejam vinculados ao PT até hoje. Sugere-se a leitura da seguinte obra: - DURIGUETTO, M. L. Movimentos Sociais e Serviço Social no Brasil pós anos 1990: desafios e perspectivas. São Paulo: Cortez, 2015. Sugere-se que se assistam aos seguintes vídeos, disponíveis em https://www.youtube.com/watch?v=JNpmYmBKTFQ, https://www.youtube.com/watch?v=rZ2vm4CleHA&feature=youtu.be e https://www.youtube.com/watch?v=YNrKIaxWFGM. 69WWW.UNINGA.BR CL AS SE S E M OV IM EN TO S SO CI AI S | U NI DA DE 4 EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA CONSIDERAÇÕES FINAIS O papel dos movimentos sociais quanto à transformação da sociedade via Estado burguês, na verdade, vai se institucionalizar, a ponto de eleger e ter seus próprios representantes eleitos. À medida que os processos políticos avançam, há críticas quanto à perda de autonomia dos movimentos sociais. A pauta de luta dos movimentos deixa de ser reivindicações de suas bases para ser de suas direções, que se burocratizaram a ponto de aceitarem entrar no jogo democrático burguês. Isso resultou no alinhamento político de parte dos movimentos sociais, os quais, de oposição ao Estado, passaram à defesa do mesmo Estado, o burguês. Com relação aos artigos publicados nos anos 2000, é preciso destacar, ao menos, dois elementos. O primeiro se refere à concepção de democracia da vanguarda profissional, que surgiu em 1979, com a realização do III Congresso dos Assistentes Sociais Brasileiros (CBAS), mais conhecido como o “congresso da virada”. Tal concepção foi sendo forjada ao longo das décadas posteriores, sendo que parte dessa mesma vanguarda estava (e está) ideologicamente vinculada ao PT. Não se quer questionar a participação de assistentes sociais em partido político: a questão é uma orientação política para a profissão que coloca, de um lado, os “profissionais críticos” e, de outro, os “conservadores”, diluindo suas particularidades. O segundo elemento se refere ao ciclo de defesa da democracia no Serviço Social, que foi concluído explicitando-se seu vínculo com o governo democrático e popular. Nos artigos mais recentes, surgiram críticas quanto ao papel de o Governo Federal seguir a orientação político- econômica do imperialismo. Mesmo os setores mais críticos da vanguarda profissional questionam o posicionamento político e econômico do PT (partido da ordem) a partir de 2003, não obstante assumam que tinham esperança de o partido avançar na luta em uma perspectiva reformista, a qual contribuiria à construção de uma sociedade socialista. Isso mostrou a inviabilidade da via democrática para se chegar ao socialismo. É com a perspectiva democrática (defesa das eleições para se terem representantes dos trabalhadores no parlamento, reformas etc.) – mesmo os setores profissionais mais críticos – que temos uma orientação política para o Serviço Social, a qual leva, de forma consciente ou não, os estudantes e profissionais a seguirem os postulados de uma concepção de democracia que muitas vezes ignora as particularidades dos próprios estudantes e assistentes sociais. A inserção ou não na política, que extrapola os meios profissionais, não pode ser critério obrigatório, devendo fazer parte de um convencimento. Ademais, a concepção de democracia predominante no Serviço Social, inclusive, é um dos princípios do Código de Ética profissional de 1993. Essa concepção desconsidera que, no trabalho profissional, é o mercado de trabalho que determina. Isso porque a postulação da defesa da democracia nos meios profissionais, muitas vezes, é colocada como critério obrigatório aos assistentes sociais, exigindo-se a sua participação política nas organizações profissionais. Não se quer negar o caráter político da profissão. Muito pelo contrário: o que estamos apontando é para o fato de que, como profissionais, os assistentes sociais têm sua capacidade de organização política muito limitada. A participação na vida política deve ocorrer a partir de organizações que rompam com o corporativismo profissional. 70WWW.UNINGA.BR ENSINO A DISTÂNCIA REFERÊNCIAS ABENDROTH, W. A história social do movimento trabalhista europeu. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1977. ABRAMIDES, M. Projeto ético-político do serviço social: contribuições à sua crítica. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2015. ANTUNES, R. Adeus ao trabalho?: ensaio sobre as metamorfoses e a centralidade no mundo do trabalho. 14. ed. São Paulo: Cortez, 2010. BOBBIO, N. 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