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CLASSES E MOVIMENTOS SOCIAIS PROF. ME. LOURIVAL SOUZA FELIX Reitor: Prof. Me. Ricardo Benedito de Oliveira Pró-Reitoria Acadêmica Maria Albertina Ferreira do Nascimento Diretoria EAD: Prof.a Dra. Gisele Caroline Novakowski PRODUÇÃO DE MATERIAIS Diagramação: Alan Michel Bariani Thiago Bruno Peraro Revisão Textual: Fernando Sachetti Bomfim Marta Yumi Ando Produção Audiovisual: Adriano Vieira Marques Márcio Alexandre Júnior Lara Osmar da Conceição Calisto Gestão de Produção: Aliana de Araújo Camolez © Direitos reservados à UNINGÁ - Reprodução Proibida. - Rodovia PR 317 (Av. Morangueira), n° 6114 Prezado (a) Acadêmico (a), bem-vindo (a) à UNINGÁ – Centro Universitário Ingá. Primeiramente, deixo uma frase de Sócrates para reflexão: “a vida sem desafios não vale a pena ser vivida.” Cada um de nós tem uma grande responsabilidade sobre as escolhas que fazemos, e essas nos guiarão por toda a vida acadêmica e profissional, refletindo diretamente em nossa vida pessoal e em nossas relações com a sociedade. Hoje em dia, essa sociedade é exigente e busca por tecnologia, informação e conhecimento advindos de profissionais que possuam novas habilidades para liderança e sobrevivência no mercado de trabalho. De fato, a tecnologia e a comunicação têm nos aproximado cada vez mais de pessoas, diminuindo distâncias, rompendo fronteiras e nos proporcionando momentos inesquecíveis. Assim, a UNINGÁ se dispõe, através do Ensino a Distância, a proporcionar um ensino de qualidade, capaz de formar cidadãos integrantes de uma sociedade justa, preparados para o mercado de trabalho, como planejadores e líderes atuantes. Que esta nova caminhada lhes traga muita experiência, conhecimento e sucesso. Prof. Me. Ricardo Benedito de Oliveira REITOR 33WWW.UNINGA.BR U N I D A D E 01 SUMÁRIO DA UNIDADE INTRODUÇÃO ................................................................................................................................................................4 1. AS CLASSES SOCIAIS DISPUTAM OS ESPAÇOS POLÍTICOS NO ESTADO .........................................................5 1.1 OS MOVIMENTOS SOCIAIS IMPULSIONAM O SUFRÁGIO UNIVERSAL PARA DEMOCRATIZAR O ESTADO BURGUÊS ......................................................................................................................................................................9 1.2 O DEBATE: DA PERSPECTIVA REVOLUCIONÁRIA À CRÍTICA AO REFORMISMO NO SEIO DO MOVIMENTO OPERÁRIO ................................................................................................................................................................... 11 CONSIDERAÇÕES FINAIS ........................................................................................................................................... 19 CLASSES SOCIAIS E OS MOVIMENTOS SOCIAIS FRENTE À DEMOCRATIZAÇÃO DO ESTADO BURGUÊS A PARTIR DO SÉCULO XIX PROF. ME. LOURIVAL SOUZA FELIX ENSINO A DISTÂNCIA DISCIPLINA: CLASSES E MOVIMENTOS SOCIAIS 4WWW.UNINGA.BR CL AS SE S E M OV IM EN TO S SO CI AI S | U NI DA DE 1 EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA INTRODUÇÃO Houve destaque para o sufrágio universal (inicialmente, sufrágio restrito), sendo a expressão democrática do Estado, que, ao longo do século XIX, contemplou um número maior de participantes nas instituições estatais, especialmente no parlamento. Contudo, isso não alterou a sobreposição da burguesia perante as classes trabalhadoras, mas fomentou processos políticos por meio dos quais a pressão de setores operários e populares fez a burguesia recuar em determinados momentos – o que implicou na ampliação de segmentos dos trabalhadores e populares (pequenos comerciantes e camponeses) com direito a voto. Com a experiência política da classe operária, sobretudo posteriormente à formação da Primeira Internacional, sindicatos e partidos políticos que representavam as massas trabalhadoras ganharam destaque e foram, evidentemente, importantes para combater a forma democrática que assumiria o Estado. Sobretudo um Estado que “de governo do povo” só tinha o nome, tendo em vista que a administração dos governantes servia, predominantemente, aos interesses da burguesia. As experiências políticas em defesa dos interesses dos trabalhadores tiveram resultados. Desde meados do século XIX, houve um movimento operário que foi ampliando suas bases de influência, indo para além das fronteiras nacionais, inclusive com uma perspectiva internacionalista. A partir do final do século XIX, eclodiu um debate polêmico frente ao reformismo, que tinha Bernstein como uma de suas lideranças, profundamente questionado por Rosa Luxemburgo (2015), dado seu revisionismo que traduzia numa perspectiva reformista para o movimento operário. Esse período também foi marcado pelas críticas de Lênin (1980, 2007) a Kautsky com relação ao debate quanto à democracia burguesa e democracia operária. 5WWW.UNINGA.BR CL AS SE S E M OV IM EN TO S SO CI AI S | U NI DA DE 1 EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA 1. AS CLASSES SOCIAIS DISPUTAM OS ESPAÇOS POLÍTICOS NO ESTADO Nesta unidade, abordaremos o desenvolvimento do Estado burguês sob sua forma democrática, cuja organização e luta dos trabalhadores foram fundamentais, sem se desconsiderarem outras formas de organização do Estado (como as ditaduras militares, que se fizeram presentes por necessidade do acirramento da luta de classes e/ou dos choques entre as frações burguesas), utilizando-se, principalmente, da leitura de Hobsbawm (2010, 2015, 2016a, 2016b), analisando-se de que forma a democracia vai sendo forjada como a melhor forma de organização do Estado burguês, assegurando a propriedade privada capitalista. Nesse sentido, o sufrágio terá importância central, o qual, a partir do século XIX, ampliou- se até chegar ao sufrágio universal no século XX, embora com várias advertências, conforme se apontará oportunamente. Com isso, buscar-se-á demonstrar o impacto do sufrágio universal para a organização das lutas das massas trabalhadoras e o modo como as burguesias se comportaram frente a esse fenômeno. O Estado burguês, cuja finalidade é assegurar a grande propriedade privada dos meios de produção, é o resultado de uma longa evolução do próprio modo de produção capitalista e das formas de organização do Estado. A burguesia, no processo de se tornar a classe dominante, teve que se utilizar das formas de Estado que encontrou à época de seu nascimento. É o que se verifica, por exemplo, como resultado da revolução encabeçada por Oliver Cromwell, em meados do século XVII, a qual resultou na constituição da monarquia constitucional, vigente até hoje. A própria burguesia francesa passou por várias fases da sua revolução iniciada em 1789, indo da república até à monarquia napoleônica. A forma democrática (tampouco a republicana) não foi a única forma de organização do Estado que a burguesia dominante estruturou para garantir seu domínio sobre as massas trabalhadoras. Recorreu às formas pré-existentes, adaptando-as naquilo que pôde e, lentamente, pela pressão da luta de classes, chegou à forma democrática durante alguns períodos. Contudo, mesmo tendo atingido essa forma, dependendo dos choques entre as potências econômicas próprias do período imperialista, em alguns lugares, abandonou a forma democrática e a substituiu pelo fascismo, nazismo e outras formas autoritárias de governo. É assim até hoje, quando encontramos diversas formas de organização estatal combinadas ou em substituição à organização democrática (HOBSBAWM, 2015). Essencialmente, interessa enfatizar que a democracia consiste em apenas uma forma de o Estado se organizar, ao lado de outras formas possíveis. Essas formas são determinadas pela luta de classes e pelos choques econômicos entre os setores da grande burguesia. As rápidas alternâncias de regime – Diretório (1795 – 1799), Consulado (1799 – 1804), Império (1804 – 1814), a restaurada Monarquia Bourbon (1815 – 1830), a MonarquiaConstitucional (1830 – 1848), a República (1848 – 1851) e o Império (1852 – 1870) – foram todas tentativas para se manter uma sociedade burguesa, evitando ao mesmo tempo o duplo perigo da república democrática jacobina e do velho regime (HOBSBAWM, 2016). Havia uma situação de instabilidade política, mas se mantinha o “duplo perigo” da “república democrática jacobina e do velho regime” fora do poder do Estado. Para isso, o exército teve um papel fundamental. “Ele conquistou; pagou-se a si mesmo; e, mais do que isto, suas pilhagens e conquistas resgataram o governo” (HOBSBAWM, 2016). Destacou-se o papel de Napoleão Bonaparte como o mais inteligente e capaz dos líderes do Exército. 6WWW.UNINGA.BR CL AS SE S E M OV IM EN TO S SO CI AI S | U NI DA DE 1 EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA De acordo com Hobsbawm (2010), nos períodos pós-revoluções inglesa e francesa, em que se verifica a consolidação do modo de produção capitalista, vai-se processando a formação do Estado moderno (burguês). Com isso, o próprio desenvolvimento capitalista vai, aos poucos, criando as novas classes trabalhadoras, as quais, do ponto de vista das classes dirigentes, foram se tornando, cada vez mais, um perigo à dominação de classe. [...] Elas [as novas classes trabalhadoras] eram, por definição, numerosas, ignorantes e perigosas; muito perigosas, precisamente por conta de sua ignorante tendência para acreditar em seus próprios olhos, dizendo-lhes que aqueles que os governam davam muito pouca atenção a suas misérias, e a simples lógica sugerindo-lhes que, como elas formavam a grande maioria do povo, o governo deveria basicamente servi-lhes em seus interesses (HOBSBAWM, 2010, p. 162). Essa percepção das massas, de identificar e sugerir que o governo deveria atender a seus interesses, era uma constatação lógica dada a sua realidade e experiência, a ponto de as próprias classes dirigentes perceberem a possibilidade de essas novas classes influenciarem e se insurgirem na vida política. Tanto que, segundo Hobsbawm (2010), nos países mais desenvolvidos do Ocidente, fomentaram-se mecanismos que expandiram lenta e gradativamente a participação popular, ainda que de forma restrita, pois a forma típica da organização política era o governo apoiado na realização das assembleias eleitas por pequenos grupos, cujo critério de posse (propriedade privada dos meios de produção) determinava. Aqui, tratava-se do sufrágio restrito, o qual, ao longo do desenvolvimento do capitalismo e do próprio Estado burguês, tornar-se-á sufrágio universal. Há uma questão relevante que reverbera nos processos políticos e expande a possibilidade de participação dos trabalhadores no governo, no sentido de que, segundo Engels (1989), “[...] as massas trabalhadoras aprendem com suas experiências fora e dentro das fábricas onde ocorre a exploração da força de trabalho”. Nesse sentido, conforme Hobsbawm (2010), para os setores da sociedade vistos como ignorantes, as revoluções de 1848 demonstraram na prática que seu alcance político poderia avançar e romper com alguns círculos governamentais até então impermeáveis à grande parte das reivindicações da classe operária. [...] as revoluções de 1848 tinham mostrado como as massas podiam irromper no círculo fechado de seus governantes, e o progresso da sociedade industrial tornou a sua pressão constantemente maior mesmo em períodos não revolucionários (HOBSBAWM, 2010, p. 163). Mas não apenas os trabalhadores aprenderam com as revoluções e processos posteriores que vieram a desenvolver novas formas de governos. Para Hobsbawm (2010, p. 164), o próprio Napoleão III aprendeu e tirou vantagens com as revoluções de 1848. Aprendeu a ponto de reconhecer a importância da democracia com “[...] uma crença segura, talvez excessiva, na inevitabilidade das forças históricas tais como o nacionalismo e a democracia”. Mas isso não garante a democracia como forma única de governo. Ao contrário, o mesmo Napoleão III, eleito para Presidência em 1848 com esmagadora preferência dentre os eleitores, foi “[...] o primeiro dirigente de um grande país, com exceção dos Estados Unidos, a chegar ao poder pelo sufrágio (masculino) universal e nunca esqueceu dele” (HOBSBAWM, 2010, p. 165). Mas, em meados do século XIX, Napoleão III não precisou de novas eleições para ser eleito: aplicou um golpe de Estado, do qual resultou sua declaração como imperador. Ou seja, a forma de o Estado se organizar pode variar conforme as relações de luta de classes e, mesmo, conforme as relações internas à burguesia. 7WWW.UNINGA.BR CL AS SE S E M OV IM EN TO S SO CI AI S | U NI DA DE 1 EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA A atitude de Napoleão III em relação à política eleitoral era ambígua e é isto que a faz interessante. Como ‘parlamentarista’, ele fez aquilo que era então o jogo normal da política, quer dizer, obteve a maioria suficiente de uma assembleia de indivíduos eleitos, agrupados em alianças frouxas e mutáveis, com etiquetas vagamente ideológicas, que não devem ser confundidas com os modernos partidos políticos. Portanto, políticos sobreviventes da Monarquia de julho (1830 – 1848), como Adolphe Thiers (1797 – 1877), e futuros luminares da Terceira República, como Jules Favre (1809 – 1880), Jules Ferry (1832 – 1893) e Gambetta (1838 – 1882), recuperaram ou fizeram seus nomes na década de 1860. Ele não foi bem-sucedido nesse jogo, especialmente quando decidiu afrouxar o firme controle burocrático sobre as eleições e a imprensa (HOBSBAWM, 2010, p. 165). Embora Napoleão III tenha sido vitorioso nas eleições que disputou, não havia organização de seus eleitores. Sobre isso, um dos aspectos que parece decisivo para o fracasso de Napoleão III foi a falta de um “movimento” que compusesse sua base social (eleitoral) organizada. Em que pese sua tentativa de agregar setores das classes trabalhadoras da cidade (inclusive com a tentativa de se aproximar de lideranças de esquerda, como ocorreu com o anarquista Pierre – Joseph Proudhon (1809 – 1865)) e mesmo tendo se “[...] esforçado seriamente para conciliar e domesticar o crescimento do movimento trabalhista na década de 1860 – tendo legalizado as greves de 1864” (HOBSBAWM, 2010, p. 166), tudo isso foi insuficiente para romper o vínculo do movimento trabalhista com a esquerda. Portanto, Napoleão III se apoiou em setores conservadores e no campesinato, os quais viam em Napoleão III “[...] um governo estável e antirrevolucionário, seguro contra as ameaças à propriedade” (HOBSBAWM, 2010). Num caso ou noutro, havia um interesse comum: um governo que assegurasse a propriedade privada dos meios de produção. Aparentemente, pode ser estranho o fato de Napoleão III ter procurado lideranças de esquerda, e não Karl Marx ou outros que estavam exilados exatamente por se oporem ao regime político vigente à época. Mas do anarquismo, dirigentes “[...] como P. J. Proudhon fez com Napoleão III” (HOBSBAWM, 2010, p. 176). O “fez” se refere a uma posição política que, naquele contexto, aceitou a direção do Estado sob Napoleão III. Ressalte-se, ao mesmo tempo, que havia divergências e contraposições entre os setores dominantes: reacionários e conservadores, frente aos liberais/burgueses à consolidação do capitalismo. Por outro lado, havia aproximações entre lideranças, que iam do anarquismo até ao chefe do Estado burguês. Este último que, como já exposto, chega à Presidência via sufrágio ou se proclama imperador mediante golpe de Estado. Nos apontamentos de Hobsbawm (2010), a partir da década de 1860, evidenciou-se o reaparecimento das classes trabalhadoras nos meios políticos, cuja pressão demonstrava que a burguesia não mais conseguiria mantê-las isoladas. Isso se explicitou, sobretudo, com o sufrágio universal, meio de participação popular que foi para além das fronteiras dos países que realizaram verdadeiras revoluções burguesas. As burguesias, por outro lado, escoavam-se na sua riqueza, na sua indisponibilidade e no destino históricoque fazia delas e de suas ideias as bases dos Estados ‘modernos’ desse período. Entretanto, o que as transformava em força, no interior dos sistemas políticos, era a habilidade para mobilizar o apoio dos não burgueses que possuíam número e, portanto, votos (HOBSBAWM, 2010, p. 169). Isso não nos autoriza a afirmar que a luta de classes fora interrompida. Houve um processo econômico e político de avanço das burguesias, inclusive, permitindo a participação de setores que não eram da classe dominante (mas, também, não eram precisamente da classe dominada). Eram setores concentrados na “[...] camada intermediária – pequenos comerciantes, artesãos, e outros ‘pequeno-burgueses’, proprietários camponeses etc.” (HOWBSBAWN, 2010, p. 168). 8WWW.UNINGA.BR CL AS SE S E M OV IM EN TO S SO CI AI S | U NI DA DE 1 EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA Para os trabalhadores de forma geral, embora a maioria não tivesse acesso à representação no Estado, pois sequer votavam, a sua pressão influenciava em maior ou menor medida. Não que isso determinasse uma nova direção do Estado burguês, mas as pressões, como elemento da luta de classes, foram ganhando corpo à medida que a própria experiência política foi escancarando a necessidade de organizações trabalhistas. Com o acirramento da pressão advinda da classe operária, o impacto sobre a burguesia foi evidente, a ponto de ela buscar apoio para continuar a governar. Na França, a burguesia há muito já não consegue governar sozinha, ou mesmo sob a bandeira liberal, e seus candidatos buscavam apoio popular por meio de rótulos cada vez mais inflamados. ‘Reforma’ e ‘Progressista’ davam lugar a ‘Republicano’ e este a ‘Radical’, e, na Terceira República, a ‘Radical-socialista’, cada qual ocultando uma nova geração dos mesmos bárbaros Sólons, de sobrecasaca, com línguas de ouro e frequentemente recheadas de ouro também, rapidamente mudando para posições moderadas depois de seus triunfos eleitorais com a esquerda (HOBSBAWM, 2010, p. 170). Participar da “direção” do Estado burguês era ilusório. E isso levou as correntes políticas de esquerda a saírem à força, a darem golpes de Estado ou, então, a se adaptarem à própria ordem burguesa. Dessa forma, a esquerda francesa de radical se tornou moderada. Isso ocorreu na França, na década de 1860, o que se justifica, segundo Hobsbawm (2010), vez que os radicais não tinham força política frente aos liberais, já que os dirigentes do Estado, desde 1850, eram predominantemente liberais. Justificável também, porque, no contexto político de meados do século XIX e posterior, alguns setores dos liberais faziam parte da esquerda, sob o prisma de se oporem à forma de organização política e da propriedade no feudalismo. Não há dúvidas de que a maioria dos camponeses na maior parte da Europa ainda era tradicionalistas, pronto para apoiar a Igreja, o rei ou o imperador e seus superiores hierárquicos de forma automática, especialmente contra os malignos desígnios dos homens da cidade (HOBSBAWM, 2010, p. 175). A relação entre setores mais reacionários como a Igreja (sobretudo a Católica) apoiando “partidos conservadores e reacionários” obtinha forte influência sobre o campesinato, que se destacava sob a defesa de ser “[...] contra o socialismo e a revolução, a Igreja apoiava qualquer coisa” (HOBSBAWM, 2016, p.146). Evidentemente, a partir da década de 1860, os “homens da cidade” contemplavam desde setores da pequena burguesia e até da burguesia dirigente do Estado. Mas divergência maior se identificava com os setores das massas trabalhadoras urbanas, surgindo e expandindo a partir das duas últimas décadas de industrialização, em especial, o proletariado, que foi desenvolvendo organizações – a exemplo de sindicatos e partidos – com uma política combatente frente aos interesses reacionários e conservadores de parte da Europa tradicionalista. O fato de os camponeses, mesmo em países avançados industrialmente como Inglaterra e França, constituírem- se quantitativamente em parte significativa da população, comparada com a população em geral, refletiu na política, pois a evolução do sufrágio restrito para o sufrágio universal, que ocorreu lenta e gradativamente, contemplou os camponeses. 9WWW.UNINGA.BR CL AS SE S E M OV IM EN TO S SO CI AI S | U NI DA DE 1 EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA 1.1 Os Movimentos Sociais Impulsionam o Sufrágio Universal para Democratizar o Estado Burguês Estamos partindo da análise da democracia como forma de Estado, em seu desenvolvimento do ponto de vista histórico, considerando-a a partir do que Hobsbawm (2016) chamou de dupla revolução: revolução inglesa (industrial) e francesa (política). Tais revoluções demarcaram o “triunfo do capitalismo liberal burguês”. No contexto político e econômico inglês, do final do século XVIII a meados do século XIX, “a política já estava engatada ao lucro”. Isso porque a Inglaterra, naquele momento, já havia conquistado maior desenvolvimento das relações capitalistas de produção com a formação da grande indústria. Nesse sentido, “[...] o dinheiro não só falava como governava” (HOBSBAWM, 2016, p. 64). A burguesia industrial não apenas havia penetrado nas instituições estatais, como já tinha os governantes subordinados à sua política. Do ponto de vista dos trabalhadores e da pequena burguesia, agora não somente na Inglaterra, mas também (pelo menos) na França e nos Estados Unidos da América, já havia formação de grupos oposicionistas ao Estado. Esses grupos desenvolviam uma política de acordo com os interesses da grande burguesia, o que gerava ainda mais conflitos entre os trabalhadores e a pequena burguesia. Os trabalhadores e a queixosa pequena burguesia, prestes a desabar no abismo dos destituídos de propriedade, partilhavam, portanto, dos mesmos descontentamentos. Estes descontentamentos por sua vez uniam-nos nos movimentos de massa do ‘radicalismo’, da ‘democracia’ ou da ‘república’, cujos exemplares mais formidáveis, entre 1815 e 1848, foram os radicais britânicos, os republicanos franceses e os democratas jacksonianos americanos (HOBSBAWM, 2016, p. 76). Essa união estava vinculada ao processo do desenvolvimento econômico a cujos benefícios a pequena burguesia não tinha acesso. Mas pior ainda era a situação dos trabalhadores. Para nos centrarmos em nosso objetivo (qual seja, a ampliação da democracia), interessam-nos alguns aspectos que decorreram da Revolução Francesa. “[...] a revolução na França forneceu o vocabulário e os temas da política liberal e radical-democrática para a maior parte do mundo” (HOBSBAWM, 2016, p. 98). Contudo, as diferenças políticas e econômicas entre França e Inglaterra não podem ser tomadas ao ponto de se colocar aquela como centro das organizações políticas (inclusive burguesas) e esta como o centro de produção de mercadorias apenas. Na França, houve um desenvolvimento técnico e científico cuja base material dava-se no desenvolvimento do capitalismo, sobretudo da burguesia industrial, ainda que concentrado nas grandes cidades, principalmente em Paris. Dessa forma, já havia desenvolvimento das organizações políticas. Por outro lado, apenas o contexto político francês produziu uma quantidade de agitações em nível mundial, que outros países não provocaram. Daí advém a afirmação: “[...] a Revolução Francesa é um marco em todos os países” (HOBSBAWM, 2016, p.100). Ela influenciou os levantes que levaram à libertação de países da América Latina, dentre outros movimentos em países de vários outros continentes. 10WWW.UNINGA.BR CL AS SE S E M OV IM EN TO S SO CI AI S | U NI DA DE 1 EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA A ampliação da democracia pode ser observada na lenta e gradativa expansão do sufrágio universal, que aparece em 1791 na França, a qual Hobsbawm (2016) atestou ser a primeira Constituição genuinamente democrática proclamada por um Estado moderno (burguês). O seu conteúdo era de abolição dos direitos feudais, aplicação de uma política que beneficiasseos pequenos compradores de terras, abolição da escravidão nas colônias francesas etc. Vale notar dois importantes elementos. Essa Constituição é resultado de um processo revolucionário – no sentido de ter ocorrido a transição do modo de produção feudal para o capitalista – que ocorreu na França, pois representa a conformação do ordenamento burguês, que surge e avança para se tornar, nas décadas posteriores, a classe dominante. Com relação à abolição da servidão, essa era uma necessidade para o desenvolvimento e consolidação do modo de produção capitalista, além do estímulo à expansão do trabalho assalariado. Na década de 1860, o sufrágio universal já não era prerrogativa de regimes surgidos de revoluções burguesas (França, Inglaterra etc.). A proporção de eleitores, comparada à população em geral, aumentava, mas ainda era minoria frente à população em geral. O Second Reform Act na Inglaterra mesmo duplicando o número de eleitores, ainda os deixava com 8% da população, enquanto no recém-unificado Reino da Itália era apenas 1% (Nesse período, no mundo, o voto poderia conferir direitos a 20% ou 25% da população, a julgar pelas eleições francesas, alemães e americanas, e outras da década de 1870) (HOBSBAWM, 2010, p. 168). O voto era direito de proprietários do sexo masculino. Portanto, quem tinha acesso a chegar ao poder do Estado eram a burguesia ou os camponeses proprietários. Com isso, os dirigentes do Estado eram da burguesia e, portanto, representavam suas ideias e implementavam políticas de acordo com seus interesses. Entre os eleitores, estavam os pequenos comerciantes, artesãos, pequenos burgueses e proprietários camponeses. O fato de haver vários representantes das frações burguesas e a perspectiva de ampliação do voto refletem a necessidade de a burguesia se articular com as frações de sua própria classe e com os camponeses, além de com setores do proletariado que vinham aumentando quantitativamente em virtude da expansão crescente da industrialização. Por mais que alguns setores da pequena burguesia, dos camponeses e dos artesãos não tivessem capacidade de dirigir o Estado, eles votavam. E é esse o interesse maior dos grupos burgueses dirigentes do Estado. Segundo Hobsbawm (2016), ainda que lenta e gradativamente, a democracia foi se ampliando a partir de 1870. “[...] as massas marchariam para o palco da política, quer isso agradasse ou não aos governantes [...]” (HOBSBAWM, 2016, p. 137) em países como a França, Suíça e Dinamarca. Na Inglaterra, o eleitorado quase quadruplicou “[...] com as leis de Reforma de 1867 e 1883, o que elevou de 8% a 29% para os homens de mais de 20 anos” (HOBSBAWM, 2016, p. 137). A Bélgica democratizou esses direitos em 1894, após uma greve geral, que aumentou de 3,9% para 37,3%, para a população adulta. A Noruega dobrou essas cifras em 1898, partindo de 16,6%, chegando a 34,8%. Na Finlândia, houve uma democracia extensiva única, alcançando 76% de adultos. Na Suécia, o eleitorado dobrou em 1908, atingindo o nível da Noruega. Fora da Europa, países como os EUA, Austrália do Sul e Nova Zelândia já eram democráticos no sentido do avanço na constituição de seus eleitorados. É importante ressaltar que são dados dos países à época, dentre os mais próximos de contemplarem o sufrágio universal. [...] essa democratização ainda era incompleta – o eleitorado comum, sob o sufrágio universal, era de 30% a 40% da população adulta – mas deve-se notar que até o voto feminino já era mais um utópico slogan (HOBSBAWM, 2016, p. 138, grifo do autor). 11WWW.UNINGA.BR CL AS SE S E M OV IM EN TO S SO CI AI S | U NI DA DE 1 EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA No que tange à expansão da democratização via ampliação do eleitorado, lembra Hobsbawm (2016), uma das influências foi a Revolução Russa de 1905, movimento espontâneo, antigovernamental, que se espalhou por todo o Império Russo, aparentemente sem liderança, direção, controle ou objetivos muito precisos. Geralmente, é considerada o marco inicial das mudanças sociais que culminaram com a Revolução de 1917. A Revolução Russa de 1905 acelerou processos e organizações operárias com inspirações revolucionárias por todo o mundo. Tal aceleração provocou na burguesia a necessidade do controle de seus governos e Estados para ampliar suas bases de influência e repressão sobre os trabalhadores. Esse panorama acerca da democratização via expansão do sufrágio universal teve influência sobre as classes dominantes, à medida que o acirramento da luta de classes as colocou, ainda que estivessem no poder, em uma situação de renderem-se a exigências das classes dominadas. A nova situação política desenvolveu-se passo a passo, e irregularmente, dependendo da história interna dos diversos Estados. Isso dificulta e quase inutiliza uma avaliação corporativa da política de 1870 – 1890. Foi a súbita emergência internacional dos movimentos operários de massa e dos movimentos socialistas, durante e após 1880 que parece ter colocado numerosos governos e classes dominantes em dificuldade essencialmente semelhantes, conquanto retrospectivamente seja possível conceber que não foram estes os únicos movimentos de massas a dar dores de cabeça aos governantes (HOBSBAWM, 2016, p. 155). Por meio da análise de dados retirados das obras de Hobsbawm, evidenciou-se a lenta e gradativa ampliação do sufrágio universal. Ademais, o processo de democratização possibilitou conquistar direitos sociais, civis e políticos, contemplados sob a forma de governo democrático. Porém, mesmo com a ampliação do eleitorado, a burguesia é quem continua sendo a classe à qual o Estado está subordinado. Por outro lado, nota-se que esses processos de democratização influenciaram as massas trabalhadoras a conquistarem direitos sociais, civis e políticos, contemplados sob a forma de governo democrático. 1.2 O Debate: da Perspectiva Revolucionária à Crítica ao Re- formismo no Seio do Movimento Operário A partir da década de 1860, no movimento operário, começam a se destacar organizações trabalhistas – os sindicatos. Sobretudo na Inglaterra, avançava sua influência com trabalhadores de outros países. Somente na Inglaterra, na Austrália e – curiosamente – nos Estados Unidos, os sindicatos de trabalhadores tinham significado real, sendo que nos dois últimos casos geralmente chegavam na bagagem dos imigrantes ingleses com organização e consciência de classe (HOBSBAWM, 2010, p. 177). O peso do operariado inglês se justifica pela própria história da Revolução Industrial, que impulsionou e desenvolveu formas de organização em prol dos interesses dos trabalhadores. Na Inglaterra, o movimento sindical era atravessado por disputas internas entre as correntes reformistas, anarquistas etc. Mas, no seu desenvolvimento, havia uma perspectiva, segundo Hobsbawm (2012), socialista e revolucionária explicitada nas décadas seguintes. 12WWW.UNINGA.BR CL AS SE S E M OV IM EN TO S SO CI AI S | U NI DA DE 1 EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA Outra organização resultante de processos políticos (gestada desde as experiências das revoluções de 1848, em um contexto em que os movimentos em prol dos interesses gerais das massas trabalhadoras concentravam vários segmentos identificados como radical, democrático, anárquico etc.) que contavam com disseminação e influência internacional foi a Associação Internacional dos Trabalhadores, criada em 1864 – “[...] a Primeira Internacional de Karl Marx (1864 – 1872)” (HOBSBAWM, 2010, p. 178). A primeira internacional já havia sido criada antes de chegar a Marx. Na sua composição inicial, havia correntes políticas diversas as quais, curiosamente, continham uma combinação de lideranças sindicalistas inglesas insulares e liberal-radicais, misturadas ideologicamente com militantes sindicalistas franceses bem mais esquerdistas. Essa diversidade de correntes provocou várias divergências internas à própria internacional. Mas, no final, de acordo com Hobsbawm (2010), a posição deMarx venceria, frente à posição de anarquistas como Proudhon e Mikhail Bakunin. Contudo, Marx não conseguiu manter o controle da Internacional, o que se evidenciou no início da década de 1870. A internacional, que era a base da organização dos trabalhadores em nível internacional, foi se desintegrando, embora as posições de Marx acerca da necessidade de um programa revolucionário – explicitado, inicialmente, no Manifesto do Partido Comunista, desde 1848 – tenham permanecido influentes. A primeira internacional é muito mais do que podemos expor aqui. Cabe ressaltar seu caráter internacionalista e radical dado (não só) por Marx, que foi manifestação do próprio acirramento da luta de classes, com resultados importantes para o movimento operário internacional desde, pelo menos, o pós-1860. Daquele momento em diante, os movimentos da massa trabalhadora se tornariam organizados, independentes, políticos e socialistas. A influência da esquerda socialista pré-marxista havia sido quebrada e em consequência, a estrutura da política seria constantemente modificada (HOBSBAWM, 2010, p. 186). As modificações não explicitaram até o final da década de 1880, quando já se formava a Segunda Internacional (1889 – 1916), conhecida também por Internacional Socialista ou, ainda, Internacional Operária, criada, principalmente, pela iniciativa de Engels. A referida internacional “[...] renasceria como uma frente de partidos de massa, em grande parte marxista” (HOBSBAWN, 2010, p.186). Desde 1871, a Associação Internacional de Trabalhadores recomendou a criação de partidos políticos nos países avançados industrialmente. Na Alemanha, já havia dois partidos: “[...] União Geral dos Trabalhadores, fundada por Lassalle, e o Partido Trabalhista Social- Democrático, liderado por August Betel e Wilhelm Liebknecht” (ABENDROTH, 1977, p. 45). Esses avançavam sua influência sob uma fração das massas trabalhadoras alemãs. Fato constatado a partir das poucas porcentagens de votos que teve nas eleições para o Parlamento em 1874, (3%) atingindo um percentual maior posterior à unificação destes partidos em 1875 – “Partido Socialista de Trabalhadores” –, chegando a 9% dos votos gerais obtidos para o parlamento em 1877. De acordo com Abendroth (1977, p. 46), “[...] o partido se identificou sobre a base de um raciocínio marxista simplificado”. Do ponto de vista da política do partido, que se expressava em jornais, por exemplo, estavam sob a responsabilidade de Eduard Bernstein (1850 – 1932) e de Karl Kautsky (1854 – 1938). O partido ia se tornando simpático, não exatamente à classe operária, mas às camadas da sociedade alemã que, à época, poderiam ser identificadas como pequena burguesia. O fato de ser o único partido a defender o direito da mulher, mesmo em matéria de direito eleitoral, tornava-o simpático às minorias críticas das camadas intelectualizadas. Por parte do governo do Reich, isso resultou em medidas políticas que não ultrapassaram a instituição do seguro-desemprego, o seguro-acidentes e o seguro-doença, sem que, contudo, o efeito pretendido 13WWW.UNINGA.BR CL AS SE S E M OV IM EN TO S SO CI AI S | U NI DA DE 1 EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA se fizesse sentir. Nesse sentido, houve uma simplificação do marxismo, doutrina que defende a destruição do Estado burguês, e não a conquista do Estado para reformá-lo. No contexto da socialdemocracia alemã, a estratégia de seu partido estava direcionada a organizar os trabalhadores para a luta via parlamento, com a expectativa de que a pressão dos trabalhadores seria suficiente para o governo responder suas reivindicações. Consequentemente, isso resultaria em melhores condições de trabalho e de vida às massas. À medida que o capitalismo se desenvolveu, de fato, avançou-se em alguns aspectos que influenciam a vida dos trabalhadores, condições de trabalho, transporte, moradia etc. O que importa é o método de luta que orientava os trabalhadores que negavam a violência organizada necessária à luta de classes, limitando-se a uma ação pacífica. Logo, direcionada a concentrar a luta no parlamento como a arena da política do proletariado. Esse êxito só se tornou possível, porque o partido, de um lado, se mostrou fiel à sua meta da democracia política e da sociedade econômica socialista, bem como da transferência gradativa dos principais meios de produção da coletividade. De outro lado, aproveitaria, coerentemente, todas as chances legais de luta, tendo aprendido a resistir a qualquer tentação de realizar atos de violência e a utilizar o Parlamento como tribuna das discussões políticas, as eleições políticas como medida de sua influência, as lutas eleitorais como meio de propaganda. Assegurava, assim, a possibilidade de uma atuação legal às organizações sindicais, ao contrário das associações sindicais liberais de Hirsch-Duncker, que tinham a greve como recurso principal a luta de classes (ABENDROTH, 1977, p. 46, grifo do autor). A questão não é estender a greve promovida pelo movimento sindical como elemento central tático de um partido, mas negar o papel da violência – não confundir com atos terroristas – na luta de classes e orientar para ação organizada, em que o Parlamento é o espaço de lutas mediante as representações eleitas. Isso reflete a perspectiva pacífica numa estratégia em que a reforma é a grande salvação para os explorados e oprimidos. Se se quer destacar a conjugação do que se passou nos países europeus centrais de uma política, tendo o Parlamento como espaço de denúncia por parte dos trabalhadores, sem transformá-lo no espaço onde as massas trabalhadoras terão seus interesses respondidos. Segundo Abendroth (1977), a exemplo da Alemanha, mas com particularidades nacionais, a socialdemocracia austríaca também constituiu seus partidos com grupos que se intitulavam moderados e radicais. No segundo caso, era representado por Joseph Peukert, sob influência anarquista, cujos “[...] métodos [...] minaram a sua unidade e aniquilaram a influência socialista sobre o movimento trabalhista austríaco” (ABENDROTH, 1977, p. 47). Na França, o movimento operário teve que se reorganizar após a derrota da Comuna de Paris em 1871, superando o banho de sangue provocado pela burguesia vitoriosa. Mas não só isso. Mesmo nos anos posteriores, “[...] os principais líderes trabalhistas haviam sido assassinados ou aprisionados ou tiveram que emigrar” (ABENDROTH, 1977, p. 48). Apenas no período pós 1879, com a anistia, foi possível às lideranças e aos trabalhadores reorganizar o movimento operário francês, com destaque para a Federação do Partido dos Trabalhadores Socialistas. Duas personalidades importantes do movimento operário, Eduard Bernstein e Karl Kautsky, influenciaram o movimento operário além das fronteiras alemãs. Segundo Rosa Luxemburgo (reconhecida internacionalmente pelo movimento operário pela militância revolucionária à Social-Democracia da Polônia (SDKP), ao Partido Social- Democrata da Alemanha (SPD) e ao Partido Social-Democrata Independente da Alemanha (USPD)), os equívocos de Bernstein podem ser localizados em vários momentos, mas, em especial, quando ele rejeita a destruição do capitalismo, esvaindo-se para a teoria da adaptação ao capitalismo, devido a alterações que o grau de desenvolvimento provocaria. Nesse sentido, Rosa lembra de Conrad Schmidt, que detalha as formulações de Bernstein. 14WWW.UNINGA.BR CL AS SE S E M OV IM EN TO S SO CI AI S | U NI DA DE 1 EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA [...] a luta sindical e a luta política pelas reformas trarão um controle social cada vez mais vasto das condições de produção e, ‘por meio da legislação, rebaixarão cada vez mais o proprietário capitalista, com a diminuição de seus direitos, ao papel de simples administrador’, até que, finalmente, em um belo dia, a direção e administração da exploração sejam tiradas das mãos do capitalista, domesticado ao ver a sua propriedade ir perdendo cada vez mais qualquer valor para ele próprio(LUXEMBURGO, 2015, p. 43). Portanto, o caráter da reforma expressa a perspectiva pacífica frente à necessidade de direcionar a luta das massas trabalhadoras para arrancar-lhes a propriedade privada capitalista. Somando o papel destinado aos sindicatos às reformas sociais, a democratização política do Estado será “[...] os meios de realização progressiva do socialismo” (LUXEMBURGO, 2015, p. 44). As reformas e a democratização do Estado, ambas propostas por Bernstein, revelam um rebaixamento na compreensão de que o capitalismo tem o controle e define até que ponto as reformas podem ir. Outro ponto é com relação ao Estado, negando seu caráter de classe. Salta aos olhos a mistificação. Precisamente, o Estado atual não é uma ‘sociedade’ no sentido da ‘classe operária ascendente’, mas o representante da sociedade capitalista, isto é, um Estado de classe. Eis porque a reforma por ele mesmo praticada não é uma aplicação do ‘controle social’, isto é, do controle da sociedade trabalhando livremente no seu próprio processo de trabalho, mas o controle da organização da classe do capital sobre o processo de produção do capital. É nisso, igualmente, isto é, no interesse do capital que as reformas acham seus limites naturais (LUXEMBURGO, 2015, p. 48). O Estado é o representante dos interesses da burguesia, como ele poderia legislar ao contrário dos interesses à classe a quem ele serve, como e onde caberia uma legislação trabalhista que servisse para o “controle social”, senão dos capitalistas sobre os trabalhadores. Nesse sentido, a legislação operária, sendo resultado de interesses da burguesia, mas também da sociedade em geral, pode até constituir em uma perspectiva harmônica, “[...] mas essa harmonia não dura senão até certo ponto do desenvolvimento capitalista” (LUXEMBURGO, 2015, p. 54). A burguesia, em períodos em que a acumulação de riquezas se encontra em escala crescente, pode tolerar e conceder reformas que incidem sobre a melhor qualidade de vida das massas trabalhadoras. Nas condições de crise e recessão, frente às reivindicações dos trabalhadores, a burguesia e seu Estado lhes oferecem mais repressão e exploração. Segundo Luxemburgo (2015), caso os interesses do Estado colidam com o modo de produção capitalista, isso se deverá à ordem do próprio desenvolvimento econômico que extrapola fronteiras nacionais, seja pelo acirramento da luta de classes seja por choques internos às burguesias que compõem a classe dominante. Frente a isso, nota-se um Estado cujas funções, frente ao papel de defender a propriedade privada capitalista, explicitará e aprofundará a medida do acirramento da luta de classes, ampliando, também, a repressão sobre as organizações dos trabalhadores. Mais uma vez, os equívocos de Bernstein são alvo de críticas de Luxemburgo (2015). A extensão da democracia, em que Bernstein vê igualmente o meio da realização do socialismo por etapas, não contradiz esta transformação da natureza do Estado, mas ao contrário, corresponde-lhe inteiramente (LUXEMBURGO, 2015, p. 58). 15WWW.UNINGA.BR CL AS SE S E M OV IM EN TO S SO CI AI S | U NI DA DE 1 EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA Os espaços de democracia burguesa, como o parlamento, estão tomados pelos interesses da classe dominante. Afirmações como essa dizem respeito tanto à forma como ao conteúdo da democracia. “São as instituições democráticas, nessa sociedade, pela forma e pelo conteúdo, simples instrumentos dos interesses da classe dominante” (LUXEMBURGO, 2015, p. 59). Para Luxemburgo (2015), na história do surgimento da sociedade burguesa, a reforma legal foi necessária ao desenvolvimento e à consolidação da burguesia como classe dominante. Assim sendo, há períodos em que a reforma e a revolução podem estar postas às classes trabalhadoras, mas não no sentido de elas escolherem o que é melhor ou pior, mas dadas as condições de desenvolvimento das relações de produção capitalistas nas quais se expressa a luta de classes. O que importa diferenciar é que a revolução social tem o objetivo de instaurar uma nova sociedade; já as reformas objetivam alterações superficiais no capitalismo. Assim, partindo das concepções políticas do revisionismo, a conclusão é a mesma a que se chegou tendo partido de suas teorias econômicas, isto é, que no fundo, não tendem elas à realização da ordem socialista, mas unicamente à reforma da ordem capitalista, não à supressão do assalariado, mas à diminuição da exploração, em suma, a supressão dos abusos do capitalismo e não do próprio capitalismo (LUXEMBURGO, 2015, p. 102). A partir dessas exposições de Luxemburgo (2015), notam-se divergências entre formulações que incidem em posições políticas no movimento operário internacional, no qual as críticas em oposição ao revisionismo de Bernstein constituem-se na vertente do reformismo, sobretudo durante e a partir da Segunda Internacional. Mas ele não era o único. Pelo contrário, ele foi um expoente e se destacou por sua influência no movimento operário. Outro destacado dirigente igualmente muito criticado, não mais por Rosa, mas por Lênin (1980), foi Kautsky, “[...] a maior autoridade da II Internacional foi também responsável pela deturpação do marxismo” (LÊNIN, 1980, p.5). Lênin (1980) atribui a Kautsky o equívoco ao se tratar da ditadura do proletariado, voltando ao século XVIII, com o objetivo de analisar a democracia burguesa com relação ao absolutismo, e dando as costas ao século XX. O que estava posto no século XX é a “[...] questão da relação do Estado proletário com o Estado burguês, da democracia proletária com a democracia burguesa” (LÊNIN, 1980, p. 7). É precisamente nisso que Kaustsky se perde: ao falar em democracia, refere- se ao plano geral, e não à democracia burguesa nas condições do século XX. À medida que Lênin (1980) vai desenvolvendo suas críticas direcionadas a Kaustsky, evidenciou divergências que tiveram influência no proletariado. Se Kaustsky consagra até dezenas de páginas a ‘demonstrar’ a verdade de que a democracia burguesa é progressiva em comparação com a Idade Média e de que o proletariado deve obrigatoriamente utilizá-la na sua luta contra a burguesia, isto é precisamente charlatanice de liberal, destinada a enganar os operários (LÊNIN, 1980, p. 15, grifo do autor). O problema se localiza em alimentar esperanças no proletariado, com sua inserção nas instituições do Estado, diluindo o conteúdo da democracia, como se ela fosse “pura”, ou seja, desconsiderando seu caráter de classe. Tão logo no Estado burguês a democracia será restrita, pois capitalismo, pela sua própria natureza, concentra a riqueza e o poder político nas mãos de poucos. Frente a isso, a democracia representará essa pequena quantidade de pessoas. A exemplo: as eleições são formas democráticas de manifestação da sociedade em geral, em que, por meio do voto, elegem-se seus representantes no Estado; contudo, isso em nada garante que os eleitos governarão para a maioria, para quem os elegeu. 16WWW.UNINGA.BR CL AS SE S E M OV IM EN TO S SO CI AI S | U NI DA DE 1 EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA A democracia, como forma de organização do Estado, estará vinculada à classe dominante de cada época. Esse é o sentido da formulação marxista de que a república democrática é a melhor crosta possível do capitalismo. Isso porque, no capitalismo, especialmente em sua fase imperialista, a democracia “[...] firmou seu poder de maneira tão sólida, tão segura, que nenhuma mudança, de pessoas, instituições ou partidos, na república democrática burguesa, é suscetível de abalar esse poder” (LÊNIN, 2007, p. 33). Isso não exclui o fato de a democracia conviver com outras formas de organização do Estado. Com isso, Lênin (2007, p. 34) explicita a democracia como forma de Estado burguês, a qual tem vários “instrumentos” e meios para manter seu domínio. Um deles é abordado por Engels, citado por Lênin (2007), “[...] o sufrágio universal de forma categórica: um instrumento de dominação da burguesia”.Contudo a democracia, enquanto categoria política, também é percebida como forma política do estado transitório após a tomada do poder pelo proletariado. A democracia operária é, fundamentalmente, diferente da democracia burguesa, embora o referido autor deixe claro o seu limite. A democracia proletária é apenas a forma política da ditadura do proletariado, etapa transitória até à completa extinção das classes e do Estado, portanto, também da democracia. Há algumas análises de Marx e Engels com relação à democracia proletária, enquanto classe dominante, o que contribui para a conformação da ditadura do proletariado. Sob esse aspecto, [...] o proletariado aproveitará a sua supremacia política para arrancar, pouco a pouco, todo o capital da burguesia, para centralizar todos os instrumentos de produção nas mãos do Estado, isto é, do proletariado organizado em classe dominante, e para aumentar o mais rápido possível a quantidade das forças produtoras (LÊNIN, 2007, p. 44). Assim como Marx e Engels, Lênin (2007) vai além da defesa da democracia, pois o que está abordando é a ditadura do proletariado. Dessa forma, o referido dirigente revolucionário classifica o marxismo como sendo “[...] aquele que estende o reconhecimento da luta de classes ao reconhecimento da ditadura do proletariado” (LÊNIN, 2007, p. 55), ficando explícito que a ditadura proletária vai além da democracia. Vale notar que a ditadura do proletariado significa “[...] um Estado democrático (para os proletários e os não possuidores em geral) inovador e um Estado ditatorial (contra a burguesia) igualmente inovador” (LÊNIN, 2007, p. 55). Assista ao vídeo disponível em https://www.youtube.com/watch?v=PFAC9CgfSIc. 17WWW.UNINGA.BR CL AS SE S E M OV IM EN TO S SO CI AI S | U NI DA DE 1 EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA O Estado sob o controle da classe operária, agora como classe dominante, passa a adotar medidas realmente democráticas. Para expor com exemplos, Lênin (2007) lembra de medidas tomadas pela Comuna de Paris, analisadas por Marx. Algumas delas são: “[...] supressão dos privilégios pecuniários dos funcionários, redução de ‘todos’ os ordenamentos administrativos ao nível do salário operário” (LÊNIN, 2007, p. 64). Essas medidas expressaram a possibilidade de uma transição de um Estado democrático burguês para um Estado sob direção do proletariado, cuja democracia justifica-se exatamente pelo fato de o proletariado ter em suas mãos a capacidade de dirigir suas organizações etc., e não se subordinar a organizações que estão sob a direção da burguesia. É precisamente nesse sentido que a democracia operária é um elemento que compõe a ditadura do proletariado. Verifica-se outro exemplo de medidas democráticas quando Lênin (2007) ressalta uma das análises de Engels sobre a Comuna. Ela [a Comuna de Paris] submeteu todos os cargos - na administração, na justiça e no ensino – à escolha, dos interessados, por eleições, por sufrágio universal. Depois retribuiu esses serviços, superiores e inferiores, com um salário igual ao que recebem os outros trabalhadores (ENGELS apud LÊNIN, 2007, p. 96). Mais uma vez, a Comuna de Paris é objeto de análise de um evento que apresentou alternativas significativas do ponto de vista da democracia operária. Porém, a democracia tem data de validade, assim como o Estado. Se “o Estado”, como afirma Lênin (2007), de acordo com Engels, “[...] não é outra coisa senão uma máquina de opressão de uma classe por outra, e isso tanto numa república democrática quanto numa monarquia” (LÊNIN, 2007, p. 98), cabe ao proletariado ir para além da democracia, enquanto movimento de tomada e destruição do Estado burguês, para instaurar a ditadura do proletariado conformada no Estado operário. Recomenda-se a leitura das seguintes obras: - HOBSBAWM, J. Era dos extremos: o breve século XX: 1914 – 1991. 2. ed. São Paulo: Companhia das Letras, 2015. - HOBSBAWM, J. A era das revoluções. 37. ed. São Paulo: Paz e Terra, 2016. 18WWW.UNINGA.BR CL AS SE S E M OV IM EN TO S SO CI AI S | U NI DA DE 1 EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA Nota-se que ao longo das análises realizadas por Lênin (2007), a democracia é sempre vista como uma das formas de Estado. Como a proposta é clara, tomar o Estado burguês e destruí-lo; assim, construir o Estado Operário, em uma perspectiva de colocá-lo em condições de definhamento. Logo, a democracia tem validade, tendo a sua duração enquanto existir Estado. Isso fica explícito quando Lênin (2007), pautado nas análises de Engels, afirma que “[...] esquece-se de que a supressão do Estado é igualmente a supressão da democracia e que o definhamento do Estado é o definhamento da democracia” (LÊNIN, 2007, p. 100). Esse processo de destruição e definhamento do Estado terá como consequência a eliminação das classes sociais que são fundadas na propriedade privada dos meios de produção capitalista, eliminação da opressão de uma classe sobre a outra, da exploração do homem pelo próprio homem etc. Por esses e tantos outros motivos, a democracia, mesmo com conteúdo da classe operária, mais depressa, tornar-se-á supérflua e, por isso, desaparecerá. Evidentemente, o debate acerca das críticas às reformas e à democracia como meio para o socialismo vai além. O período caracterizado como stalinismo teve outra importante influência e se destacou pela postulação do socialismo em um só país refletindo numa posição pacífica. 19WWW.UNINGA.BR CL AS SE S E M OV IM EN TO S SO CI AI S | U NI DA DE 1 EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA CONSIDERAÇÕES FINAIS É possível inferir que, ao longo do desenvolvimento do Estado burguês, a democracia constituiu uma das formas de organização das instituições estatais, como o parlamento, viável para assegurar a grande propriedade privada capitalista. A partir de meados do século XIX, o Estado, em sua forma democrática, constituiu- se como resultado das lutas de classes e de choques internos à burguesia. A luta pelo sufrágio universal demonstrou às massas trabalhadoras, ao longo do século XIX, sua importância à medida que permitiu aos trabalhadores perceber o caráter de classe do Estado quando em confronto, defendendo-se os direitos trabalhistas. A própria experiência histórica do movimento operário explicitou a inviabilidade para atingir seu objetivo, que foi sendo colocado pelo movimento operário internacional, não mais apenas de direitos trabalhistas, mas da destruição da própria ordem burguesa e, com ela, a exploração da força de trabalho das classes sociais e da propriedade privada dos meios de produção. Evidenciou-se que o “governo do povo”, eleito pelo sufrágio, na prática, serve a interesses muitos específicos: os da burguesia. A partir desse momento, não era colocada apenas a forma democrática que o Estado burguês deveria assumir, mas sua própria sobrevivência como instituição a serviço do capitalismo. Essa orientação política foi sendo difundida pelo movimento operário internacional ao longo do século XIX. No entanto, por volta de 1890, houve uma orientação contrária à destruição do capitalismo e, com ele, seu Estado na forma democrática burguesa. Uma orientação de promover reformas para, supostamente, destruir o Estado no futuro. Essa corrente foi denominada reformismo, duramente combatida pelos marxistas, em virtude da inviabilidade de se reformar o capitalismo. 2020WWW.UNINGA.BR U N I D A D E 02 SUMÁRIO DA UNIDADE INTRODUÇÃO ................................................................................................................................................................4 1. AS CLASSES SOCIAIS DISPUTAM OS ESPAÇOS POLÍTICOS NO ESTADO .........................................................5 1.1 OS MOVIMENTOS SOCIAIS IMPULSIONAM O SUFRÁGIO UNIVERSAL PARA DEMOCRATIZAR O ESTADO BURGUÊS ......................................................................................................................................................................9 1.2 O DEBATE:DA PERSPECTIVA REVOLUCIONÁRIA À CRÍTICA AO REFORMISMO NO SEIO DO MOVIMENTO OPERÁRIO ................................................................................................................................................................... 11 CONSIDERAÇÕES FINAIS ........................................................................................................................................... 19 DESENVOLVIMENTO CAPITALISTA, CLASSES TRABALHADORAS E AS IMPLICAÇÕES PARA A ORGANIZAÇÃO DOS MOVIMENTOS SOCIAIS NO BRASIL A PARTIR DO SÉCULO XX PROF. ME. LOURIVAL SOUZA FELIX ENSINO A DISTÂNCIA DISCIPLINA: CLASSES E MOVIMENTOS SOCIAIS 21WWW.UNINGA.BR CL AS SE S E M OV IM EN TO S SO CI AI S | U NI DA DE 2 EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA INTRODUÇÃO Durante o período compreendido entre o fim do século XIX e início do XX, ocorreu a transição do capitalismo concorrencial para o capitalismo monopolista. É nesse último que se colocam, de forma mais acentuada, as contradições do capitalismo que norteiam a exploração da classe trabalhadora. “Essa nova organização do capitalismo em monopólios permite o acréscimo dos lucros do capital através do controle dos mercados” (NETTO, 2011, p. 20). Existe, nesse momento, uma tendência em relação ao acréscimo dos preços das mercadorias e o forte investimento em novas tecnologias, contribuindo para a diminuição dos postos de trabalhos nas fábricas. No capitalismo monopolista, há uma maior concentração de riqueza. Intensificam-se as contradições entre as classes antagônicas no capitalismo, pois há um ápice de incoerências entre a socialização da produção e a apropriação privada dos meios de produção. Permanecem os proletários sendo os produtores diretos, mas a eles não pertence a produção. Consoante a visão de Braverman (1980), na era dos monopólios, ocorre a centralização do capital, juntamente ao processo de condensação de vários pequenos capitais em poucos grandes capitais. Assim sendo, ultrapassa-se sua forma pessoal limitada e limitadora, passando-se a uma forma institucional. Dessa forma, prevaleceu a lógica do grande capital, no qual o processo de formação dos monopólios ocorre na medida em que os pequenos capitais são sugados, isto é, com o processo de monopolização, aglutina-se a propriedade privada em um pequeno grupo que se torna dominante. Com o advento dos monopólios, a produção no interior das empresas capitalistas foi se modernizando, com os avanços das tecnologias empregadas na maquinaria. Em fins do século XIX, ocorreu uma substituição da maquinaria do capital, na medida em que as novas tecnologias vão sendo implementadas nas máquinas e em equipamentos elétricos. Similarmente ao processo de produção, que implica maior resultado, exige-se dos trabalhadores uma qualificação maior e uma função exercida de forma específica de cada operário. 22WWW.UNINGA.BR CL AS SE S E M OV IM EN TO S SO CI AI S | U NI DA DE 2 EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA 1. O DESENVOLVIMENTO DO CAPITALISMO E SEUS DESDOBRAMENTOS PARA AS CLASSES TRABALHADORAS O movimento da sociedade capitalista, como aponta Braverman (1980), ao impulso de inovar produtos diversos no aspecto econômico, em novos serviços e em novas indústrias, implica novos processos de trabalho, como o surgimento do rádio e da televisão, que acarretam novas alterações nos instrumentos de produção das novas mercadorias. Além disso, determina o surgimento de novas categorias de trabalhadores, como é o caso dos radialistas e técnicos em televisão, dentre muitas outras. Essas necessidades e determinações de novos ramos ocorreram de forma generalizada. É por isso que o mercado se torna universal a partir da expansão das mercadorias, com as prestações de serviços que são exemplos típicos do capitalismo de monopólios. Na fase do capitalismo monopolista, o primeiro passo na criação do mercado universal é a conquista de toda a produção de bens sob forma de mercadoria; o segundo passo é a conquista de uma gama crescente de serviços e sua conversão em mercadorias; e o terceiro é um ‘ciclo de produto’, que inventa novos produtos e serviços, alguns dos quais se tornam indispensáveis à medida que as condições de vida moderna mudam para destruir alternativas (BRAVERMAN, 1980, p. 239). Segundo Braverman (1980), em tempos de dominação monopólica, é prioridade transformar todos os bens e serviços em mercadorias. Esse processo de mercadologização determina tornar também a força de trabalho em mercadoria, passível de compra e venda pelo capitalista, entendido como o seu proprietário. Isso possibilita ao capitalista uma posição de “chefe” no processo de produção; logo, como proprietário da força de trabalho, é sobre seu domínio que se torna mercadoria. O capitalismo, mais precisamente a partir do século XX, expande, assim, segundo Braverman (1980), o monopólio, impondo-se como forma dominante por praticamente todo o globo. Para tanto, de acordo com Netto (2011), para o capitalismo se organizar na era de monopólios, são necessários mecanismos extraeconômicos, como a contribuição do Estado para reproduzir a lógica do capital. Lucrar constantemente sobre a produção e, principalmente, sobre o seu produtor - o proletário - é a lógica do capitalismo monopolista. [...] a intervenção estatal incide na organização e na dinâmica econômica desde dentro, e de forma contínua e sistemática. Mais exatamente, no capitalismo monopolista, as funções políticas do Estado imbricam-se organicamente com suas funções econômicas (NETTO, 2011. p. 25). A intervenção do Estado incide, essencialmente, na questão econômica. O Estado burguês intervém com funções diretas e indiretas. Vejamos as funções diretas. No capitalismo monopolista, o Estado é orientado para que, quando “empresas” estatais entram em dificuldades, a solução seja privatizá-las e subsidiar com dinheiro de fundos públicos o financiamento aos monopólios para a empresa, antes estatal, sair da ruína. Permite-se, daí, cada vez melhores condições para a empresa aumentar sua produtividade. 23WWW.UNINGA.BR CL AS SE S E M OV IM EN TO S SO CI AI S | U NI DA DE 2 EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA Já nas funções indiretas, o Estado contribui para o crescimento do capital por meio das encomendas-compra que [...] o Estado realiza com as empresas privadas, com os investimentos públicos em meios de transportes e infraestrutura, com a preparação institucional da força de trabalho ao capital e com os gastos com investigação e pesquisa (NETTO, 2011, p. 25). O Estado oportuniza ao capital as possibilidades de gerar lucros maiores, atuando explicitamente como instrumento de organização da economia capitalista. Em épocas de crise, essa intervenção se torna mais explícita. Além de o Estado qualificar a força de trabalho para servir ao capital com instalações de centros de ensino, de qualificação profissional, dentre outras, ele tem a responsabilidade de zelar pelas boas condições dos trabalhadores, proporcionando atendimento médico e unidades básicas de saúde. Nesse processo de consolidação do capitalismo monopolista, com o Estado obviamente apoiando a iniciativa privada, a produção se desenvolverá com um processo específico: o fordismo, que foi uma das formas de acumulação que o capital encontrou por via de novas alterações da produção no interior das indústrias. O fordismo é compreendido a partir do início do século XX. De acordo com Bihr (2010), o fordismo iniciou um processo de substituição da mão de obra não especializada pela especializada. Tal substituição impõe aos operários uma identidade ideológica, pois uma das razões para o sucesso do fordismo deve-se ao trabalho, na perspectiva de promoção da ética e do amor ao oficio. Esses foram os argumentos usados por ideólogos burgueses, no sentido de que, caso não acabe, ao menos se possa controlar a classe trabalhadora. Sob essa ótica, o processo de trabalho é imposto de forma hierarquizada nas relações de trabalho, juntamentecom a mecanização e a parcialização. Por essa razão é que ocorreu um novo fenômeno tão relevante quanto os demais. Reduz-se (para não se dizer que cessa) a produção doméstica; aumenta-se a produção capitalista industrial. Esse fato provoca agravantes no interior da classe explorada, transferindo a produção doméstica para a produção industrial, aumentando a produção industrial e, mais ainda, o consumo pelo proletariado. Por isso, Bihr (2010) explica que, ideologicamente, é elaborada e internalizada a ideia de consumo individual. Isso gera problemas gravíssimos aos proletariados, como a promoção da individualidade, competição para o operário ter emprego, receber um salário e, posteriormente, ter poder de compra. Agora, resta ao trabalhador a venda da sua força de trabalho, já que ela se tornou sua única forma de sobrevivência. Como aponta Antunes (2010), ao longo do século XX, dá-se a prevalência do fordismo enquanto processo de trabalho industrial, na indústria automobilística. Sob esse regimento, a produção se dá de forma fragmentada, parceirizando a produção de determinados produtos, funções específicas que o operário deve seguir, promovendo uma nítida separação entre as atividades de ordem intelectual (elaboração) e as de execução. Na indústria de produção em que impera o fordismo, tem-se poucos homens a fazer parte da “elite pensante” na elaboração dos produtos (denominadas funções de gerência) e um grande contingente da classe trabalhadora empregada sendo responsável pela execução, pela realização propriamente dita, dos produtos. Juntamente com a proposta de Keynes, agregou-se o pacto fordista, o qual, na ótica de Behring e Boschetti (2008), acarretou uma produção em massa para um consumo e acordos coletivos com os trabalhadores do setor monopolista em termos de ganhos de produtividade do trabalho. O fordismo representou mais que mudanças técnicas na produção: ele representou uma nova forma de relações sociais. 24WWW.UNINGA.BR CL AS SE S E M OV IM EN TO S SO CI AI S | U NI DA DE 2 EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA Esse novo processo de produção tem suas bases no início do século XX; contudo, teve sua implementação de forma generalizada a partir de meados da década de 1940. Do ponto de vista das autoras, é evidente, desde o início do século XX até 1945, uma elaboração das ideias de Keynes sobre a posição do Estado e o pacto fordista com sua inovação no processo de produção. Entretanto, a concretização em benefício de uma maior produtividade ao capital e melhorias nas condições da classe trabalhadora só ocorre, de fato, no período considerado “os anos de ouro,” compreendido entre 1945 e o início da década de 1970. O marco decisivo em destaque, exposto por Behring e Boschetti (2008), foram as tecnologias implementadas no esforço da Segunda Guerra Mundial, gerando a necessidade de se produzirem carros e armamentos, atrelada a um processo de produção fordista que chega a sua fase madura, juntamente com a intervenção estatal. O resultado, obviamente, só poderia ser o seguinte: [...] o keynesianismo e o fordismo, associados, constituem os pilares do processo de acumulação acelerada de capital no pós-1945, com forte expansão da demanda efetiva, altas taxas de lucros, elevação do padrão de vida das massas no capitalismo central, e um alto grau internacionalização do capital, sob o comando da economia norte-americana, que sai da guerra sem grandes perdas físicas e com imensa capacidade de investimento e compra de matérias-primas, bem como de dominação militar (BEHRING; BOSCHETTI, 2008, p. 88). O fordismo domina o processo de produção até, aproximadamente, a década de 1970, havendo um acúmulo de produção, por fatores advindos das novas tecnologias, e o consumo com um grande contingente da classe trabalhadora empregada, cujos salários propiciaram a consumação. Casos explícitos são os dos trabalhadores que adquiriram bens como rádios e televisores. Porém, a década de 1970 é marcada por uma crise do capital acerca da queda da taxa de lucros, causada pelo aumento do preço da força de trabalho. Outro agravante, também decisivo para a crise ocorrer, foram as altas taxas de desemprego, que acarretarem diminuição do consumo. Esses apontamentos característicos do Fordismo subsidiam fundamentos para compreendermos o impacto das mudanças no capitalismo sobre os proletários. A transição ao capitalismo de monopólios foi realizada paralelamente ao movimento operário. No momento em que há um movimento de organização, inicia-se o aparecimento de partidos operários de massas. O Estado, os representantes do capital e a burguesia unida realizam intervenções seja de caráter coercitivo seja de garantias de direitos, conseguindo impor seus objetivos sobre os trabalhadores, que permaneceram na continuação da exploração sobre a força de trabalho. Netto (2011) aponta que o capitalismo e o Estado, ao se articularem, efetivam uma proposta de aumento à produção do capital, cuja finalidade é de trabalhar para neutralizar a classe operária, trabalho que pretende estabelecer “consenso” entre classes antagônicas (burgueses e proletários), com garantias mínimas de direitos à classe trabalhadora. 25WWW.UNINGA.BR CL AS SE S E M OV IM EN TO S SO CI AI S | U NI DA DE 2 EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA 1.1 O Estado de Bem Estar Social como Alternativa ao Capi- talismo Análises elaboradas acerca do Estado de bem-estar social compreendem seu ápice a partir do pós-Segunda Guerra Mundial de 1945, até aproximadamente fins da década de 1960. A princípio, o Estado de bem-estar social ocorre nos países capitalistas centrais da Europa. A abordagem teórica deve compreender os fundamentos históricos para a consolidação e crise na forma do Estado, como uma nova configuração da posição do Estado frente às relações de capital e trabalho. Verificamos, do ponto de vista de Behring e Boschetti (2008), os fundamentos sócio- históricos do Estado de bem-estar social. As ideias do Keynesianismo se pautavam em estratégias de superar as crises do capital a partir da grande depressão de 1929-1932. Para tanto, ele se voltava à redefinição da posição do Estado frente ao capital. O fundamento da teoria de Keynes, de o Estado ser “ampliado”, é, de fato, resultante em se recolocar, agora como esfera produtora e reguladora. Em relação a essa “inovação” do papel do Estado, salientamos a seguinte premissa: Segundo Keynes, cabe ao Estado, a partir de sua visão de conjunto, o papel de restabelecer o equilíbrio econômico, por meio de uma política fiscal, creditícia e de gastos, realizando investimentos ou inversões reais que atuem nos períodos de depressão como estimulo à economia (BEHRING; BOSCHETTI, 2008, p.85). Implica ao Estado uma intervenção que sustente um aumento na demanda, resistindo às crises econômicas, intervindo na relação capital e trabalho, estabelecendo uma política salarial, isto é, o “controle dos preços”, que são características de que o Estado, segundo o Keynesianismo, deve promover formas de “superação” da crise do capitalismo e, ainda, do próprio modo de produção vigente. De acordo com Behring e Boschetti (2008), tal intervenção e mecanismos para “superar” as crises no capitalismo tiveram sua efetividade, de certa forma, no setor de empresariado, em uma perspectiva centrada em dois pilares: pleno emprego e igualdade social, o que seria consequência da ação do Estado, gerando empregos via produção de serviços públicos, além dos gerados pela propriedade privada. Outro pilar dessa proposta seria, também, por consequência de se ter uma classe trabalhadora, em grande parte, inserida no mercado de trabalho, aumentando a renda e promovendo a “igualdade” social com serviços públicos, gerando empregos. Isso denota que o Estado se posiciona de forma diferente, sendo agora uma instituição que produz. Isso, em termos, implica um Estado “ampliado”, com um papel mais presente nas relações de produção. Um aspecto importantea mencionar é que o Estado intervém com a promoção de emprego, surgindo novas necessidades que devem ser supridas. Além da população ativa, existe a população não ativa. Segundo Behring e Boschetti (2008), para esses seguimentos como os das pessoas idosas, deficientes e crianças, o Estado dispõe de políticas sociais específicas para subsidiar sua sobrevivência, como os benefícios a idosos, a aposentadoria e as pensões para pessoas com deficiência. Ao nos reportarmos ao Estado enquanto instrumento de dominação da classe trabalhadora, é relevante a posição de Lessa (2007). Segundo ele, o Estado de bem-estar possibilitou um campo fértil para promover a domesticação e o adestramento dos sindicatos e subordiná-los às imposições do capital, rumo a todo um movimento do capitalismo para, posteriormente, estabelecer o neoliberalismo, conformando o Estado mínimo. 26WWW.UNINGA.BR CL AS SE S E M OV IM EN TO S SO CI AI S | U NI DA DE 2 EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA [...] o Estado de Bem-Estar se desenvolveu na sequência da derrota do movimento operário pós II Guerra Mundial e em um período de domesticação e adestramento das estruturas sindicais aos ditames do capital. Este adestramento será um elemento importante para que, décadas depois, a transição ao neoliberalismo não provocasse uma reação sindical mais importante (LESSA, 2007, p. 285). Conforme o momento histórico vivenciado, o Estado altera sua posição frente às classes fundamentais, burguesia e proletariado. Contudo, o Estado não altera sua essência em nada, permanecendo como o comitê gestor dos interesses do capital. É nesse sentido que Lessa (2007) fundamenta sua posição analítica, pois o que mudou foram as necessidades para a reprodução do capital. O autor aborda, também, que “[...] o capital nos países centrais da Europa e nos Estados Unidos logrou anos de produtividade sem precedentes na história durante o período dos ‘anos de ouro’” (LESSA, 2007, p. 290). Os altos lucros do capital possibilitaram a absorção das crises capitalistas, as greves e as insatisfações da classe trabalhadora, empregando parte dos trabalhadores. Isso, de certa forma, extraiu a essência dos movimentos organizados e a centralidade da luta de classes, fazendo com que adestrassem os lucros para formar, em suas ações, melhorias a fim de adotar uma posição de negociação, não mais uma posição de confronto. Com o Estado de bem-estar intervindo na produção, o fordismo, com grande poder de produção, no fim dos anos de 1960, mostra indícios de esgotamento, pois a produção é demasiadamente desproporcional ao consumo. Nesse sentido, Lessa (2007) aponta que houve um agravamento pela saturação do mercado de vários produtos-chave, como é o caso dos automóveis. A partir da década de 1970, como o fordismo não era mais viável como processo de trabalho, nota-se a necessidade de “flexibilizar” esse processo. Há uma nova configuração do capital e, certamente, os impactos sobre a classe trabalhadora foram, e ainda são, profundos. 27WWW.UNINGA.BR CL AS SE S E M OV IM EN TO S SO CI AI S | U NI DA DE 2 EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA 2. A CRISE ESTRUTURAL DO CAPITAL E O NEOLIBERALISMO Nesse momento histórico, junto à análise de Behring e Boschetti (2008), com destaque a Mandel (1982), o capitalismo se torna maduro, pois se esgotam todas as possibilidades de o capital ter um papel civilizatório. Na perspectiva de que o capitalismo não promovesse o desenvolvimento do indivíduo, em uma perspectiva humana, Mészáros (2007) identifica que, no pós-1970, a crise do capitalismo é estrutural. [...] não estamos mais diante de subprodutos ‘normais’ e voluntariamente aceitos do ‘crescimento e do desenvolvimento’, mas de seu movimento em direção a um colapso; nem tampouco diante de problemas periféricos dos ‘bolsões de subdesenvolvimento’, mas diante de uma contradição fundamental do modo de produção capitalista como um todo, que transforma até mesmo as últimas conquistas do ‘desenvolvimento’, da ‘racionalização’ e da ‘modernização’ em fardos paralisantes de subdesenvolvimento crônico. E o mais importante de tudo é que quem mais sofre as consequências não mais é a multidão socialmente impotente, apática e fragmentada das pessoas ‘desprivilegiadas’, mas todas as categorias de trabalhadores qualificados e não-qualificados: ou seja, obviamente, a totalidade da força de trabalho da sociedade (MÉSZÁROS, 2007, p. 143). O sentido da crise estrutural do capital, nesse momento, é devastador pelo aumento desenfreado do desemprego, atingindo diversas categorias da classe trabalhadora, tanto as categorias compostas por trabalhadores qualificados quanto as compostas por não qualificados. Não somente sob as orientações de outros autores (ANTUNES, 2009; NETTO, 2001; SOARES, 2002; ANDERSON, 2008), mas em especial de Mandel e Mészáros, é que prosseguiremos neste processo analítico do capitalismo tardio, e, por conseguinte, o caráter incontrolável, incorrigível e desumanizador do capitalismo, com vistas à crise estrutural do capital para nos aproximarmos das condições da classe trabalhadora frente a todo esse processo de crises existente. De acordo com Mandel (1982), o capitalismo tardio não é uma nova época no desenvolvimento capitalista, mas se conforma a partir da década de 1970, no modo de produção que entra em crise profunda. Assim, Mandel (1982) se propõe a esclarecer a crise do capitalismo e sua defesa acerca das implicações sobre a saturação do desenvolvimento de técnicas de produção, propiciando lugar a uma crise de superprodução. É nesse sentido que elaboramos este tópico referente ao capitalismo tardio, essencialmente nos apoiando na análise de Mandel. Tratando-se de capitalismo tardio, Mandel (1982) abarca em sua análise o processo de grande implementação das tecnologias na produção, tendo suas expressões a partir da Segunda Guerra Mundial. Esse estágio tardio do modo de produção capitalista é caracterizado, também, como terceira revolução tecnológica. Dessa revolução, o autor destaca algumas características assumidas a partir de 1970. Todavia, interessam-nos, em especial, certas características e seus impactos no mundo do trabalho. A aceleração qualitativa do aumento na composição orgânica do capital, isto é, o deslocamento do trabalho vivo pelo trabalho morto. Nas empresas plenamente automatizadas esse deslocamento é quase total (MANDEL, 1982, p. 136). 28WWW.UNINGA.BR CL AS SE S E M OV IM EN TO S SO CI AI S | U NI DA DE 2 EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA Primeiramente, vale notar que “[...] a composição orgânica do capital diz respeito às relações técnicas e físicas, entre o conjunto das máquinas, matérias-primas e trabalho necessário para produzir mercadorias” (MANDEL, 1982, p. 412). A inserção de tecnologias avançadas no processo de produção promoveu, e promove, uma substituição do trabalho humano por funções executadas por máquinas. Isso implica desempregos em larga escala; logo, com grande parte da classe trabalhadora desempregada, diminui o poder de consumo da população, o que acarreta menor taxa de lucro do capital. A terceira revolução tecnológica, nas palavras de Mandel (1982), traz a crescente importância da reprodução da força de trabalho em um nível superior de qualificação intelectual e técnica. Esse processo exige maior planejamento econômico das empresas, ou seja, a desvalorização do trabalho manual em detrimento do trabalho intelectual e de formação técnica. De forma pontual, podemos dizer que os elementos apontados incidem a partir dos anos 1970, com alterações no modo de produção dominante. Contudo, sua essência permanece intacta. A lógica do capital em lucrar sobre tudo e todos impõe, a partir da implementação de novas tecnologias, uma precarização da vida da classe trabalhadora, pois existe aumento das taxas de desemprego, acarretando, na vida de trabalhadores, a insatisfação de suas necessidades básicas, inclusive de alimentação, moradia adequada
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