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Controle social
penal e estado
democrático
de direito
Prof. Fabrício Veiga Costa
Descrição
Relação entre as missões e a seletividade normativa do direito penal com a legitimidade do poder punitivo
do Estado. Características e análise comparativa do processo penal inquisitivo e acusatório. Garantias
constitucionais e processuais penais do acusado no Estado democrático de direito. Leis penais simbólicas e
os desafios quanto a sua efetividade normativa.
Propósito
Analisar criticamente como o controle social penal no Estado democrático de direito permite tratar
adequadamente as garantias constitucionais do acusado, os desafios da efetividade normativa das leis
penais simbólicas, bem como o papel e a missão do direito diante do poder punitivo do Estado.
Preparação
Tenha em mãos o Código Penal brasileiro vigente (Decreto-lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940), o
Código de Processo Penal (Decreto-lei nº 3.689, de 3 de outubro de 1941) e a Constituição brasileira de
1988, legislações disponíveis no Portal de Legislação do Planalto.
Objetivos
Módulo 1
A seletividade do direito penal
Relacionar as missões e a seletividade do direito penal com o poder punitivo do Estado.
Módulo 2
Os sistemas processuais penais
Comparar os sistemas processuais penais.
Módulo 3
As leis penais simbólicas
Descrever as leis penais simbólicas.
Introdução
Neste material, você estudará os fundamentos teóricos e conceituais que permitem o entendimento da
missão, do papel, da proposta e dos parâmetros críticos e constitucionais do direito penal. Discutiremos se
essa área da ciência do direito pode ser considerada um instrumento de seletividade e controle social,
fortalecendo o poder do Estado em detrimento da segregação e marginalidade dos indivíduos. Você
também analisará criticamente a criminalização da homossexualidade como ferramenta hábil a demonstrar
o intervencionismo estatal na criação de tipos penais, que objetivam fortalecer as estruturas sociais de
discriminação sexual, preconceito e marginalização de homens e mulheres homossexuais.
Vamos verificar que o estudo comparativo dos sistemas processuais penais, inquisitivo e acusatório
demonstra que o direito penal e o processo penal não podem ser vistos como ferramentas de etiquetação
de condutas que visam fortalecer a segregação, a desigualdade, a marginalização e a exclusão de pessoas.
Por isso, veremos os princípios constitucionais da presunção de inocência, do contraditório, da ampla
defesa, do devido processo legal, da individualização da pena e da inadmissibilidade de provas ilícitas no
entendimento crítico do processo penal democrático, caracterizado pela ampla dialogicidade das questões
controversas, exaltando o dever do poder estatal desconstituir o estado de inocência assegurado
constitucionalmente como critério da dignidade humana.
Ao final, vamos estudar as leis penais simbólicas, destacando os desafios da sua efetividade normativa,
além de evidenciar a falência nas propostas legislativas que apresentam objetivos quase sempre
inalcançáveis, como é o caso da Lei Maria da Penha (Lei nº 11.340, de 7 de agosto de 2006).

1 - A seletividade do direito penal
Ao final deste módulo, você será capaz de relacionar as missões e a
seletividade do direito penal com o poder punitivo do Estado.
Direito penal e o princípio da legalidade
O direito penal é um ramo do direito público que pretende sistematizar normas jurídicas que possuem o
objetivo de tipificar condutas consideradas penalmente relevantes, bem como suas sanções
correspondentes — penas e medidas de segurança. O Código Penal brasileiro trouxe expressamente, em seu
art. 1º, a literalidade de que não há crime sem lei anterior que o defina, assim como não há pena sem prévia
cominação legal; esse mesmo conteúdo normativo-legal também está estampado no inciso XXXIX, do art.º
5 da Constituição brasileira de 1988.
Assim, o princípio da legalidade é o fundamento regente para a definição de quais
condutas serão consideradas crimes pelo Estado. Ou seja, tipificar uma conduta se
equipara à lógica da etiquetação estatal de pessoas criminosas e comportamentos
eleitos pelo Estado como crime, sendo para isso necessário que o legislador defina
previamente quais são essas questões estatais consideradas penalmente
relevantes.
Na realidade, a lei que institui o crime e sua respectiva pena deverá ser anterior ao fato que se pretende
punir, condição fundamental para proteger a dignidade dos cidadãos. Estes não poderão ser surpreendidos
com proposições normativas que antes não eram condutas ou ilícito penais, mas repentinamente se
tornaram crimes. Essa previsão legal do que se entende e define como crime é, além de uma garantia que
prima pela segurança jurídica, uma forma de assegurar a todas as pessoas condições de se planejarem, no
sentido de agirem nos moldes das disposições expressamente previstas no plano legislativo.
O direito de o Estado punir penalmente uma pessoa, por determinada conduta por ela praticada, exige
obrigatoriamente a observância do princípio da legalidade. O Estado tem o dever de vincular todas as
atividades de seus agentes aos ditames legais e o direito penal “impõe a observância da estrita legalidade
para a definição dos crimes e aplicação das penas” (GALVÃO, 2011, p. 110); uma vez que “a vinculação da
atividade repressiva do Estado aos limites previamente estabelecidos por lei constitui verdadeiro
instrumento de contenção da tirania e do despotismo” (GALVÃO, 2011, p. 110).
A tipicidade penal é um princípio que estabelece o dever de o legislador descrever, minuciosamente e de
forma prévia, quais são as condutas humanas consideradas ilícitas e relevantes sob a perspectiva penal.
Se o Estado possui o interesse em punir e criminalizar determinada atitude, primeiro deverá descrevê-la de
forma clara, pontual, objetiva e sistematizada, uma vez que isso é o que preveem os princípios da legalidade
e taxatividade. A legalidade é, assim, uma das mais importantes conquistas do direito penal moderno.
Esse postulado trouxe, ainda, o debate e a importância de sistematização jurídico-legal da anterioridade
penal como requisito para a punição de atitudes consideradas penalmente relevantes, a destacar:
A adequação de uma determinada conduta ao tipo penal exige do aplicador do direito uma interpretação
literal e restritiva: não poderá o magistrado ou o órgão acusador interpretar de forma analógica, ampla,
valorativa ou metajurídica determinado comportamento objetivando incriminar e punir penalmente seu
agente.
Toda pessoa tem constitucionalmente assegurado o estado de inocência, cabendo ao Estado
desconstituir essa presunção de inocência apenas quando a conduta humana se enquadrar, literalmente,
ao conteúdo descrito na lei como crime.
Havendo qualquer possibilidade de o Estado agir fora dos limites estabelecidos pela lei, tal ação será
reprimida pelo direito penal; uma vez que o princípio da legalidade (reserva legal), juntamente com a
anterioridade penal, tipicidade penal, segurança jurídica e dignidade humana, trouxeram maior segurança
e estabilidade jurídica aos cidadãos.
O Estado tem o dever de vincular todas as atividades de seus agentes aos ditames legais e o direito penal:
[...] impõe a observância da estrita legalidade para a definição dos
crimes e aplicação das penas [uma vez que] a vinculação da
atividade repressiva do Estado aos limites previamente
estabelecidos por lei constitui verdadeiro instrumento de
contenção da tirania e do despotismo.
(GALVÃO, 2011, p. 110)
Mas qual é a finalidade e a missão do direito penal no Estado moderno de direito?
Vejamos na sequência!
Vejamos na sequência!
Estado moderno
É possível considerar a modernidade o período histórico que se inicia no século XVII, após o absolutismo
monárquico, e que se estende até a primeira metade do século XX.
Finalidade e missão do direito penal
Originariamente, esse ramo da ciência do direito deixou claro seu propósito de fortalecer o exercício legítimo
dopoder estatal, além de ser instrumento de controle social.
Pois, no momento em que o Estado etiqueta e estabelece previamente quais são as condutas humanas
reprimidas penalmente e consideradas crimes, deixa claro o seu interesse e legitimidade jurídica quanto à
punição dos sujeitos que violarem de forma dolosa ou culposa tais determinações legais.
Por isso, o Estado foi colocado “à frente de um fenômeno originado pelo desrespeito de alguns cidadãos
aos direitos e garantias individuais de outros, na medida em que bens jurídicos tutelados por escolhas da
sociedade, através de seus legítimos representantes, eram ofendidos e necessitavam de proteção”
(ANDREUCCI, 2008, p. 3).
Nesse cenário sociojurídico, o Estado passou a utilizar o direito penal como instrumento institucionalizado
de controle social, deixando claro o poder estatal de punir mediante previsões legais estabelecidas no
ordenamento jurídico brasileiro. A principal máxima utilizada pelo Estado para justificar sua atuação punitiva
é que:
[...] os bens protegidos pelo Direito Penal não interessam ao
indivíduo, exclusivamente, mas à coletividade como um todo
[pois] a relação existente entre o autor de um crime e a vítima é
de natureza secundária, uma vez que esta não tem o direito de
punir.
(BITENCOURT, 2002, p. 4)
A lógica jurídica estabelecida é que o poder punitivo do Estado tem as seguintes vertentes:
Retribuir ao agente a conduta ilícita por ele praticada, objetivando sua ressocialização e mudança de postura
diante do contexto individual e coletivo.
Reforçar a legitimidade em proteger a coletividade mediante a demonstração simbólica de segurança social.
A partir dessas premissas, fica bastante clara a missão inicial do direito penal na modernidade:
Punir agentes que praticam condutas tipicamente consideradas
crimes pela norma legal, além do interesse de prevenir e
desestimular a sociedade civil em geral quanto à prática dessas
atitudes.
A retribuição justa ao agente — autor de um crime — está entre essas missões do direito penal trazidas pela
modernidade, pois sua tarefa seria a “proteção dos elementares valores ético-sociais da ação e só por
extensão a proteção de bens jurídicos” (TOLEDO, 1994, p. 7). Na realidade, a principal missão do direito
penal com o advento da modernidade foi fortalecer o poder do Estado, legitimando legalmente a aplicação
de penas a sujeitos que transgridam a norma penal, como mecanismo simbólico de proteção da sociedade
civil.
Protesto pela morte da vereadora Marielle Franco, que atuava fortemente nas causas de direitos humanos e fim do racismo.
A missão do direito penal, nessa perspectiva teórica, é o controle social. Acredita-se que a norma jurídica em
si mesma, especialmente se vier acompanhada de penas severas, é capaz por si só de desestimular o
agente à prática de ilícitos.
Na perspectiva trazida pela modernidade, no momento em que o Estado pune alguém que comete um ilícito
penal, estaria desestimulando outros sujeitos a praticarem a mesma conduta, como se fosse uma lógica
matemática e quantitativa.
A revisitação das respectivas premissas teóricas na sociedade democrática é de fundamental importância
para o entendimento crítico sobre a própria missão democrata-constitucional do direito penal. A norma
jurídico-legal, na sua específica literalidade, não tem o condão de desestimular de forma automática e
vegetativa os seus destinatários de deixarem de praticar determinada conduta reprimida penalmente.
Comentário
Se essa lógica fosse verdadeiramente real, seria apenas criar um amplo arcabouço normativo, com penas
severas e densas, o que seria suficiente para garantir à sociedade civil sua ampla e integral proteção.
Vejamos agora a missão efetiva do direito penal no Estado democrático de direito.
Plenário do Senado.
A democraticidade da atuação do Estado exige inicialmente que os destinatários dos provimentos estatais
tenham a oportunidade de participar discursivamente de sua construção. Se determinada norma jurídica é
pensada para reprimir condutas, consideradas penalmente relevantes, é importante que seus receptores
participem dialogicamente de sua construção e aplicabilidade, para que consigam enxergar e dimensionar a
importância desse conteúdo normativo, tanto na esfera coletiva quanto na individual.
No momento em que o Estado constrói e elabora unilateralmente uma lei penal, sem se preocupar em
construir um debate, faz com que os destinatários não se sintam partes integrantes e pertencentes à norma.
Quando isso acontece, a consequência automática é um déficit de efetividade normativa, ou seja, se o
receptor da norma não participou do debate construído no processo legislativo que culminou com sua
aprovação, qual é o sentido de visualizar a importância no que tange à aderência ao conteúdo dessa norma?
Se é incapaz de compreender a sua importância jurídico-social, qual é o sentido de apoiar o seu conteúdo?
Marcha pela democracia em São Paulo.
Um exemplo que ilustra bem o fato de que a norma jurídico-penal em si seja incapaz de modificar
estruturalmente a realidade social é a Lei Maria da Penha (Lei nº 11.340/2006). Se qualquer destinatário de
uma norma penal não consegue compreender a dimensão do seu conteúdo simbólico, fica
consequentemente comprometido o seu efetivo propósito, que é reprimir e desestimular o agente de
praticar a conduta penalmente reprovada pelo Estado.
Lei Maria da Penha (Lei nº 11.340/2006)
Aprovada originariamente para coibir atos de violência doméstica, essa norma objetiva punir o agente (homem)
que pratica violência doméstica contra a mulher (violência psicológica, moral, física e sexual).
Maria da Penha, líder de movimentos de defesa dos direitos das mulheres.
Antes de o Estado aprovar uma norma penal repressora e punitiva, é importante diagnosticar as razões e
motivos que levam as pessoas a praticarem determinadas condutas reprovadas penalmente, o que é objeto
da criminologia.
Quando se realiza um estudo preliminar das causas que levam à delinquência, consegue-se diagnosticar
outras estratégias interventivas, que vão além da lei penal, no sentido de prevenir a prática de condutas
delituosas e lesivas aos interesses individuais e sociais.
Criminologia
A criminologia é uma ciência cuja “principal atividade centra-se no estudo das causas do delito, ou seja, em
explicá-lo – a perspectiva etiológica” (SANTOS, 2020, p. 71). “Através de várias teorias se busca tentar entender
por que as pessoas acabam cometendo os crimes e qual o motivo que na sociedade esses delitos ocorrem”
(SANTOS, 2020, p. 71). A criminologia crítica cumpre seu papel “retendo como material de interesse para o
Direito Penal apenas o que efetivamente mereça punição reclamada pelo consenso social, e denunciando todos
os expedientes destinados a incriminar condutas que, apenas por serem contrárias aos interesses dos
poderosos do momento, política ou economicamente, venham a ser transformadas em crime” (MIRABETE,
1998, p. 30). “A criminologia moderna também se ocupa atualmente com as causas do fenômeno delitivo, suas
formas de prevenção, controle, sendo considerada uma ciência causal-explicativa em que enxerga o delito
como um fenômeno social e também individual” (SANTOS, 2020, p. 74).
É preciso deixar de enxergar o delinquente como um inimigo do Estado e da sociedade civil, procurando-se
entender a dimensão em que ele se encontra inserido para, assim, compreender sistematicamente as razões
que o levam à prática delituosa. Nesse sentido, destaca-se o princípio da intervenção mínima ou da última
ratio, que implica a intervenção do direito penal restrita “ao mínimo necessário à manutenção da harmonia
social”(GALVÃO, 2011, p. 116).
A força punitiva de intervenção do Estado na esfera penal deve ser bem orientada, pelo seguinte motivo:
A incriminação só se justifica diante de ataque a bem jurídico
considerado relevante, e a apenação, além de ser proporcional ao
dano social produzido, deve ser a mínima necessária à realização
dos finsde proteção almejados.
(GALVÃO, 2011, p. 117)
A intervenção mínima do Estado quanto à tipificação penal deixa claro que o direito penal deve ser utilizado
como instrumento subsidiário — não principal — de controle social.
A criminalização somente se justifica democraticamente quando as instituições — sociedade, Estado,
família — comprovadamente demonstram sua insuficiente atuação no sentido de prevenir comportamentos
delituosos, não restando outra alternativa ao Estado a não ser a incriminação dessas condutas.
A missão do direito penal democrata-constitucional é proteger amplamente a dignidade humana, seja na
esfera individual ou na coletiva, o que justifica a imprescindibilidade de intervenção estatal mínima, no que
atine à criminalização e punição de pessoas. Antes de ser instrumento de controle social e fortalecimento
do poder punitivo do Estado, a missão constitucionalizada e democratizante do direito penal é permitir que
cada cidadão seja amplamente protegido em sua dignidade, quando se encontra diante das arbitrariedades
possivelmente praticadas pelo Estado.
Isso não foi sustentado pelos estudiosos da modernidade que, contrariamente a essas premissas aqui
expostas, defenderam a aplicabilidade do principio do direito penal máximo. Os defensores deste preceito
insistem na ideia de eleger o criminoso como um inimigo do Estado, em vez de procurar entender as razões
que levam ao aumento constante e significativo dos números da criminalidade no Brasil.
Mas quais seriam as razões para o constante crescimento da criminalidade no Brasil? É o que
entenderemos a seguir.
Fatores para o crescimento de atos
criminosos na sociedade brasileira
São inúmeras as razões que explicam, na prática, o crescimento de atos criminosos no Brasil. O déficit de
eticidade e alteridade (valorização do outro), o crescente abismo social, além de aspectos morais, sociais e
religiosos, são alguns fatores que podem elucidar inicialmente a questão.
O comportamento tipicamente individual e patrimonialista de muitos sujeitos, além da incapacidade de
conseguir se colocar no lugar do outro (ausência de alteridade), influencia de forma direta na prática de
alguns ilícitos penais, como os crimes contra o patrimônio (tais como furto, roubo e estelionato) e contra
administração pública (peculato, concussão, corrupção ativa e passiva, prevaricação).
A desigualdade social e o grande número de pessoas vivendo ou sobrevivendo abaixo da linha da pobreza,
desempregadas e sem acesso a direitos fundamentais básicos, também contribuem significativamente para
a prática de ilícitos penais, como é o caso do crime de tráfico de drogas.
Razões morais explicam, por exemplo, a prática de crimes contra a dignidade sexual (estupro de vulnerável),
homicídios (feminicídio, ou seja, reflexo do machismo estrutural), ressaltando-se que a dominação
masculina se reflete de forma direta em muitos crimes contra mulheres, assim como há o interesse do
Estado em criminalizar a sexualidade, ao penalizar atos praticados contra a integridade sexual da vítima.
Reflexão
Mas será que essa atuação punitiva do Estado, no sentido de penalizar essas e diversas outras condutas,
assegura a modificação de estruturas sociais que explicam muitos desses comportamentos?
Atuação punitiva do Estado
O direito penal é uma ciência normativa que institui como crime condutas consideradas, em princípio,
anormais no campo social. Em contrapartida, a criminologia considera o crime (conduta típica, antijurídica e
culpável) um problema social, um fenômeno comunitário, que possui quatro componentes:
Incidência massiva na população
Não se pode tipificar como crime um fato isolado.
Incidência aflitiva do fato praticado
O crime deve causar dor à vítima e à comunidade.
Persistência espaço-temporal do fato delituoso
É preciso que o delito ocorra reiteradamente por um período significativo de tempo no mesmo
território.
Consenso inequívoco acerca de sua etiologia e técnicas de
intervenção eficazes
A criminalização de condutas depende de uma análise minuciosa desses elementos e sua
repercussão na sociedade.
A criação de um tipo penal deve ser reflexo de uma decisão amadurecida do Estado, após análise
cuidadosa dos critérios aqui expostos. O crime não pode ser visto como um instrumento normativo-legal por
meio do qual o Estado institucionaliza uma guerra contra quem é por ele declarado como inimigo (criminoso
ou delinquente).
Comentário
Definitivamente, essa não pode ser a missão do direito penal: criminalizar condutas com o propósito de
objetificar sujeitos, fortalecendo a marginalidade e a exclusão reproduzida naturalmente pela sociedade
civil.
Na perspectiva da Constituição de 1988, o direito penal tem a missão de reprimir condutas
comprovadamente danosas à coletividade, quando não restar outra alternativa a não ser punir o agente
mediante a intervenção da norma jurídica. Ou seja, seguindo-se a lógica da intervenção mínima, apenas
quando as demais estruturas sociais demonstrarem insuficiência em sua atuação, é que se deve criar um
tipo penal.
A missão democrata-constitucional do direito penal é punir o agente (autor do ilícito penal) de forma a
assegurar-lhe, tanto durante o processo judicial quanto ao longo do cumprimento da pena, a proteção ampla
e efetiva de sua dignidade. Não se pode admitir a atuação repressiva do Estado na sociedade democrática,
ignorando-se os direitos fundamentais constitucionalmente assegurados a todos os sujeitos, especialmente
àqueles que praticam ilícitos penais.
Sob a perspectiva crítica, qual a utilidade prática e a importância
teórica do direito penal para o Estado?
Por meio da criação de figuras típicas (crimes), o Estado fortaleceu seu poder na modernidade, explicitando
sua autoridade de punir pessoas que praticavam condutas por ele consideradas ilícitos penais. Além disso,
o direito penal era visto como um instrumento estatal para marginalizar pessoas, tornar formalmente
invisíveis aqueles sujeitos que já o são socialmente.
É o caso do jovem negro e periférico, peça fundamental para o tráfico de drogas, que se desenvolve
naturalmente sob os olhos do Estado, sem que este implemente políticas públicas de repressão efetiva ao
negócio de substâncias entorpecentes ilícitas. Em vez disso, o que o Estado faz? Criminaliza a conduta do
jovem negro periférico, objetificando-o e reforçando a ação das estruturas sociais que naturalizam sua
jovem negro periférico, objetificando-o e reforçando a ação das estruturas sociais que naturalizam sua
exclusão e marginalidade.
Protesto contra operação policial.
Agindo dessa forma, o Estado simbolicamente oferece à sociedade civil — composta pelos ditos sujeitos de
“bem” — uma situação de aparente conforto e segurança jurídica, sem atacar o problema central que
permeia a respectiva temática: o combate ao tráfico de drogas mediante o planejamento e a execução de
políticas públicas. Estas deveriam objetivar a geração de empregos, a punição dos chefes do tráfico de
drogas e o oferecimento de condições dignas para o jovem negro periférico — emprego, educação, moradia.
No momento em que o Estado opta pela punição do jovem negro periférico, em razão de seu envolvimento
com o tráfico de drogas, deixa claro que a missão do direito penal é meramente punitiva, segregacionista e
marginalizadora, contrariando os ditames constitucionais da dignidade humana e da igualdade. Em
contrapartida, no Estado democrático de direito, a missão do direito penal deve ir muito além do seu caráter
condenatório, de controle social e exercício autocrático do poder punitivo estatal.
A missão democrática da norma penal deve ser excepcionalmente punir o sujeito
(intervenção mínima), ressaltando-se que a tipificação de condutas como ilícitos
penais deve ser a última ratio, apenas quando comprovada a insuficiência das
demais estruturas sociais (sociedade, família, Estado) em garantir a dignidade, a
inclusão e a igualdade, especialmente das pessoas em absoluta condição de
vulnerabilidadesocial.
A missão do direito penal brasileiro não pode ser o encarceramento em massa, mediante a criminalização
da pobreza, com a punição massificada e institucionalizada daqueles sujeitos categorizados legalmente
como os inimigos do Estado.
Mas quem seriam os inimigos do Estado? Vamos conhecê-los.
Missão do direito penal
Proteção da dignidade humana no tratamento igual das pessoas, mediante a intervenção mínima do Estado na
criminalização e na penalização de condutas.
Os inimigos do Estado
Antes de identificar os efetivos inimigos do Estado, no campo penal, é importante compreender o instituto
do lawfare. O modelo do lawfare contraria as premissas democráticas do processo penal e direito penal
constitucionalizado, que se fundem na presunção da inocência, além de assegurarem amplamente aos
sujeitos o direito de se defenderem, mediante a implementação e a efetividade dos princípios
constitucionais do contraditório, da ampla defesa e do devido processo legal.
Políticos, traficantes de drogas, pedófilos, policiais, além dos sujeitos negros e pardos de periferia, são
considerados os inimigos legais do Estado brasileiro. Quando essas pessoas são denunciadas pelo
Ministério Público, passam a conviver com o calvário da presunção da culpabilidade, devendo provar
perante o Estado a sua condição constitucional de inocência — que deveria ser presumida. Nesse contexto,
temos decisões judiciais autocráticas, fundadas na discricionariedade judicial, num modelo hermenêutico
com forte carga axiológica. Isso torna inviável a participação desses sujeitos na construção discursiva e
racional do provimento final de mérito, uma vez que, quando são processados, assumem a obrigação de
desconstituir a presunção de culpabilidade suportada em razão de serem vistos como inimigos expressos
do Estado.
Quando o Estado legitima aprioristicamente a construção legal de um inimigo, utilizando-se da norma
penal para segregar tal sujeito, assume um papel inquisidor e autocrático. O direito penal democrático tem
a missão de criminalizar condutas, não pessoas escolhidas previamente pelo legislador. O direito penal,
quando opta pela criminalização de sujeitos específicos (pedófilos, jovens negros periféricos, políticos,
policiais), assume uma missão inquisitiva e de certo modo belicosa, que não se compatibiliza com as
diretrizes normativas trazidas pelo texto da Constituição brasileira de 1988.
Lawfare
O lawfare pode ser definido como “guerra a partir das leis”, haja vista que lei é vista como mais um desses
instrumentos e ferramentas ideologicamente construídos para atacar aqueles sujeitos considerados inimigos
do Estado ou das instituições que conduzem as diretrizes do sistema jurídico vigente. O lawfare é uma
proposição teórica que possui relação direta com o modelo de processo penal e direito penal inquisitivo. O
Estado se utiliza da lei como instrumento de guerra, construindo aprioristicamente os sujeitos que são
considerados inimigos do Estado. Trata-se de proposições que dialogam diretamente com o “direito penal do
inimigo”, ressaltando-se que seu surgimento se deu inicialmente na China, robustecendo-se as proposições
teóricas apresentadas nos Estados Unidos da América, especialmente após o atentado de 11 de setembro de
2001. A partir desse acontecimento histórico, o próprio EUA institucionalizou o lawfare em seu país, deixando
claro em sua legislação que terroristas e estrangeiros suspeitos de atentar contra a segurança nacional são
considerados os sujeitos legalmente inimigos do Estado. Importante esclarecer que o Brasil adotou
expressamente em sua legislação o instituto do lawfare, por meio da Portaria 666, de 25 de junho de 2020,
elegendo terroristas, pedófilos, traficantes de drogas e outros sujeitos como inimigos do Estado, presumindo
que esses sujeitos são perigosos à segurança nacional. O conteúdo dessa portaria institucionalizou no Brasil a
possibilidade dessas pessoas serem extraditadas ou expulsas sem o direito de defesa, sistematizando de
forma clara o modelo de processo penal e direito penal inquisitivo.
Outro ponto importante a ser abordado é o papel higienista assumido como missão do direito penal
moderno. A norma penal é vista como instrumento de limpeza e higienização social, sendo utilizada como
ferramenta para eliminar, objetificar, marginalizar, segregar e robustecer a exclusão daqueles “ditos”
inimigos do Estado, que já são natural e socialmente excluídos pelas estruturas de poder vigentes. Quando
se faz essa afirmação, pretende-se demonstrar que, sob a ótica do senso comum, os problemas sociais
existem como um dado da realidade, como algo natural.
É frequente a reverberação do discurso de que a vida em sociedade é naturalmente conflituosa por si só,
visando justificar a intervenção normativo-penal, cujo objetivo é regular a própria vida em sociedade. A
visando justificar a intervenção normativo-penal, cujo objetivo é regular a própria vida em sociedade. A
complexidade de fatores que envolvem tal análise é tamanha que nos leva a afirmar que o problema da
criminalidade social não pode ser reduzido a soluções mágicas propostas pelo direito penal.
Exemplo
A política criminal de combate às drogas, por exemplo, objetiva criminalizar condutas de agentes que
comercializam e consomem substâncias categorizadas juridicamente como ilícitas, ignorando-se as razões
que explicam a existência de tal fenômeno social.
Quando as estruturas sociais (sociedade, Estado, família, mercado financeiro e de consumo) naturalizam o
consumo de tabaco e bebidas alcoólicas, responsável pela movimentação direta da economia, estimula-se
consequentemente, de forma indireta, o consumo de outras substâncias químicas, como cocaína, maconha
e drogas sintéticas. Visando manter seu poder inato, o Estado criminaliza muitas dessas condutas,
categorizando como ilícito o consumo de apenas algumas substâncias químicas. A partir dessas premissas,
aquele que consome ou comercializa as ditas substâncias entorpecentes ilícitas será punido criminalmente.
O que se verifica nesse contexto é que o objetivo do Estado, ao criminalizar o uso e
o consumo de drogas ilícitas, não é especificamente reprimir o comércio ilegal
dessas substâncias, mas sim eleger um inimigo (traficante ou usuário) como forma
de demonstrar seu poder de controle social.
O problema da criminalização do consumo e do uso de substâncias proibidas é, além do fortalecimento do
poder estatal, a objetificação dos sujeitos eleitos como pessoas delituosas, justificando a existência e a
atuação do Estado punitivista. A criminalização do consumo e da comercialização de drogas no Brasil
representa uma estratégia de poder muito articulada e pensada pelo Estado.
Não se pretende, por meio da norma jurídica, reprimir efetivamente o consumo de substâncias químicas
pela sociedade civil. Objetiva-se, na verdade, o fortalecimento jurídico dos mecanismos de controle social
mediante a solidificação do poder autocrático-inquisitivo do Estado.
No momento em que o Estado cria legalmente um inimigo, utiliza-se da norma penal para punir pessoas
específicas e institucionaliza um sistema de seletividade normativo-punitivista, como estratégia simbólica
para responder às demandas de uma sociedade que muitas vezes busca a vingança, não a aplicabilidade de
penas nos moldes democrata-constitucional e garantista.
Pode o direito penal ser visto como uma estrutura de dominação e geração de
violência praticada e legitimada pressupostamente pelo próprio Estado?
Tem ficado claro que o direito penal, quando utilizado como mecanismo punitivista de seleção de condutas
e pessoas determinadas, é considerado uma estratégia que visa fortalecer a atuação do poder autocrático
do Estado. Em vez de ser visto como forma de controle social, dominação e segregação de pessoas, o
direito penal garantista deve primar pela proteção ampla, efetiva, sistemática e inclusiva das pessoas, de
forma indistinta. Quando o direito penal assume o papel exclusivamentepunitivista, gera violência simbólica
contra as pessoas, especialmente com relação aos sujeitos categorizados como inimigos ou indignos pelo
Estado que, por isso, deverão ser penalizados.
O verdadeiro papel do direito penal
A partir dos conceitos discutidos neste módulo, vamos agora refletir com o professor doutor Fabrício Veiga
Costa o verdadeiro papel do direito penal e suas respectivas premissas.

Falta pouco para atingir seus objetivos.
Vamos praticar alguns conceitos?
Questão 1
Assinale a alternativa que apresenta uma afirmativa correta a partir da relação entre os princípios da
legalidade e da tipicidade penal e os propósitos e objetivos do direito penal no Brasil.
Parabéns! A alternativa B está correta.
No ordenamento jurídico brasileiro vigente, somente é punível a conduta do agente praticada
posteriormente à aprovação de uma lei que tipifique penalmente determinado comportamento, em
homenagem ao princípio da anterioridade penal. O princípio da legalidade prevê expressamente que
toda conduta penalmente reprimida deve estar previamente tipificada em lei, de forma específica, não
se admitindo interpretação extensiva por parte do magistrado, quando da aplicação da norma penal
incriminadora.
A
O direito penal brasileiro autoriza excepcionalmente a punição de condutas praticadas
anteriormente à tipificação penal prevista em lei.
B
A legalidade é fundamento do princípio da tipicidade penal, por isso uma conduta
somente poderá ser punida pelo direito se estiver prevista em lei.
C
A tipicidade penal é um princípio que autoriza a descrição legal de condutas penalmente
reprováveis, ressaltando-se que tais condutas poderão ser descritas de forma genérica
ou específica.
D
A norma penal que tipifica determinada conduta poderá ser interpretada de forma
restritiva ou ampliativa pelo magistrado, quando do julgamento do mérito da pretensão
deduzida em juízo.
E
Em observância ao princípio da legalidade, a lei penal, na modalidade estrita, permite a
analogia em in malam partem.
Questão 2
Considerando o instituto do lawfare e a política criminal brasileira de combate e repressão do uso e da
comercialização de drogas no Brasil, assinale a alternativa correta.
Parabéns! A alternativa B está correta.
O lawfare é uma proposição teórica utilizada pelo Estado com o objetivo de penalizar os sujeitos por ele
considerados inimigos. O traficante e os usuários de substâncias entorpecentes ilícitas são
considerados inimigos do Estado e, por esse motivo, suas condutas são criminalizadas pelo direito
penal brasileiro.
A
A criminalização do uso e da comercialização de drogas ilícitas no Brasil tem o objetivo
específico de proteger a sociedade civil.
B
A atual política criminal brasileira de combate do uso e da comercialização de drogas
objetiva especificamente punir penalmente o usuário e o traficante, considerados
inimigos do Estado.
C
O instituto do lawfare tem como propósito criminalizar o uso e o comércio de drogas no
Brasil para garantir a proteção jurídica da sociedade.
D
O lawfare é um instituto jurídico compatível com o Estado democrático de direito, pois
tem como eixo central a proteção jurídica da dignidade da pessoa do usuário e do
traficante.
E
As principais características do lawfare são a não escolha de jurisdição e a observância
ao princípio da igualdade, sendo vedada a criação de tribunais de exceção, bem como o
tratamento desigual entre réus, independentemente do tipo penal imputado.
2 - Os sistemas processuais penais
Ao final deste módulo, você será capaz de comparar os sistemas
processuais penais.
Sistema inquisitivo
O Código de Processo Penal, em sua redação primitiva, adotou o sistema de processo inquisitivo, fundado
na presunção de culpabilidade do acusado. Uma das principais características do sistema inquisitivo do
processo penal é a desigualdade jurídica em relação ao tratamento conferido ao acusado. O sujeito acusado
de praticar uma determinada infração penal, na perspectiva inquisitiva, carrega em si a presunção de culpa
— não o estado de inocência ou presunção de não culpabilidade, tal como proposto pelo texto da
Constituição brasileira de 1988.
Perspectiva inquisitiva
Na realidade, o processo inquisitivo pode ser considerado uma antítese do sistema acusatório, já que não há o
contraditório e “as regras da igualdade e da liberdade processuais” (TOURINHO FILHO, 1998, p. 92).
No modelo inquisitivo de processo penal, fica claramente comprometida a
imparcialidade do magistrado, pois “é ele quem inicia, de ofício, o processo, quem
recolhe as provas e quem, afinal, profere a decisão, podendo, no curso do processo,
submeter o acusado a torturas, a fim de obter a rainha das provas: a confissão”
(TOURINHO FILHO, 1998, p. 92).
No sistema tipicamente inquisitivo, tanto na fase de investigação quanto na fase de julgamento e instrução
probatória, o acusado é colocado em posição de absoluta subserviência à autoridade judicial, sendo-lhe
cerceado o direito de defesa em virtude da absoluta concepção teórica que preconiza a presunção de
culpabilidade.
Embora o Brasil não adote mais o modelo tipicamente inquisitivo de processo penal, sabe-se que ainda
temos vestígios desse modelo no inquérito policial.
O Brasil adota, na realidade, o sistema misto de processo penal, visto que ainda possui raízes desse modelo,
pois “há uma fase inquisitiva, na qual se procede a uma investigação preliminar e uma instrução
preparatória, e uma fase final, em que se procede ao julgamento com todas as garantias do processo
acusatório” (CAPEZ, 199, p. 39).
O inquérito policial ainda é considerado um resquício do sistema inquisitivo. Nele o Estado produz provas
unilaterais, que serão utilizadas na fase processual, ressaltando-se que, no atual ordenamento jurídico
brasileiro, o contraditório é dispensável. Adota-se o entendimento por meio do qual os defensores do
sistema misto sustentam: o contraditório é dispensável no inquérito policial, porque tal possibilidade se
torna real na fase processual.
A principal crítica realizada a esse modelo de processo penal diz respeito às provas irrepetíveis produzidas
no âmbito do inquérito policial, sem assegurar ao acusado o direito de defesa, veja:
Inquérito policial
Fase investigativa que antecede a denúncia ou queixa crime.
O exame de corpo de delito é uma prova técnica e irrepetível produzida no inquérito policial; na fase
processual, mesmo que seja oportunizado o direito do acusado de se manifestar sobre o conteúdo
da respectiva prova, sabe-se que o contraditório seria meramente formal, haja vista a impossibilidade
de repetir a produção da prova, outrora gerada autocraticamente e de forma unilateral na fase
investigativa.
Tal possibilidade deixa evidente o cerceamento de defesa e a desigualdade processual em que o
acusado se vê obrigado a suportar, submetendo-se ao cerceamento de defesa estruturalmente
naturalizado em nosso sistema jurídico. Se a fase investigativa fosse vista e compreendida como
processo garantista e democrático, seria possível assegurar o direito de defesa quanto à produção
de provas utilizadas, como parâmetro, para o julgamento do mérito da pretensão deduzida,
especialmente no que tange às provas irrepetíveis.
Sistema acusatório e o garantismo penal
Exame de corpo de delito 
A Constituição brasileira de 1988 ressignificou a forma de estudar e entender o processo penal. Inaugurou-
se o sistema acusatório fundado no garantismo penal, visto que o direito de defesa e de produção de provas
deve ser ampla e efetivamente assegurado a todo acusado. Privilegia-se, dentro dessa lógica, o estado de
inocência constitucionalmente assegurado a todo cidadão, cabendo ao Estado desconstruir a presunção de
não culpabilidade como condição para o jus puniendi.
Significa dizer que, havendo indícios de inocência do acusado, deverá
o Estado priorizar a absolvição.
O sistema acusatório possui duas características importantes:
Separação das funções de acusação e julgamento
Éatribuição do Ministério Público o oferecimento da denúncia, enquanto é de competência do Poder
Judiciário o recebimento ou não dela.
Imparcialidade do julgador
O julgador deverá ser isento e fundamentar racionalmente suas decisões a partir das provas produzidas
nos autos do processo. Deverá garantir igualdade de condições ao acusado e ao órgão acusador no que
diz respeito à produção de provas e ao debate processual dos pontos controversos da demanda.
O sistema acusatório inaugurou estudos sobre o processo penal no Estado democrático de direito. A teoria
do direito democrático é uma proposição jusfilosófica, que passa pela superação do entendimento clássico
de que a ciência do direito é mero instrumento de controle social e exercício do poder. Considera-se que
essas novas proposições teóricas são hábeis a legitimar o entendimento de que o processo constitucional
democrático deve ser visto como lugar de inclusão e implementação dos direitos fundamentais previstos no
plano constitucional e infraconstitucional.
Democratizar o entendimento do direito, a partir das proposições teóricas trazidas pela visão do processo
enquanto lugar de ampla discursividade racional dos pontos controversos da demanda, constitui um meio
de resistência da autocracia jurisdicional, decorrente do poder inato e oracular dos julgadores de decidirem,
conforme suas percepções valorativas e sensitivas do caso concreto. O processo constitucional
democrático rompe com a dogmática concepção de que a jurisdição é um recinto de reprodução vegetativo-
sensitiva das percepções valorativas do julgador diante do caso concreto.
Estado democrático de direito
“O Estado democrático de direito trouxe para o direito processual substanciais alterações paradigmáticas,
especialmente no sentido de compreender o processo, a jurisdição e a ação sob o enfoque constitucional”
(COSTA, 2012, p. 192). Nesse sentido, “o processo democrático tem, assim, no âmbito jurisdicional, a tarefa
primordial de resgatar e oportunizar a discussão de todos os interessados” (PAOLINELLI, 2014, p. 25), haja vista
que através dele se garante “a construção de um espaço procedimentalizado em contraditório, a fim de afastar
o protagonismo e a busca solitária pela aplicação do direito como justiça” (PAOLINELLI, 2014, p. 25).
Pensar o processo e a jurisdição sob o viés da democraticidade constitucional é
reconhecer que o julgador não poderá substituir a racionalidade crítica pelos seus
desejos de decidir conforme suas concepções subjetivas e senso inato de justiça.
A construção do direito democrático pressupõe a ruptura com os estigmas da autocracia jurisdicional,
trazidos por proposições dogmáticas que priorizam o protagonismo judicial, em detrimento do debate
racional das questões trazidas para o processo. Sempre que o julgador se utiliza do processo como um
espaço para reprodução de suas percepções sensitivas, fica comprometida a legitimidade democrática do
provimento.
No âmbito da processualidade democrática, deve prevalecer o debate racional, em detrimento da
midiatização de juízes e da espetacularização da vingança mascarada processualmente.
Quando se afasta a participação dos interessados no debate racional dos pontos controversos,
enaltecendo-se a autoridade do julgador, mantém-se a dogmática concepção de que o processo ainda
continua sendo um recinto de autocracia, perpetuação do poder, exclusão e marginalização de pessoas e
violação de direitos fundamentais.
Construir reflexões jurídicas na perspectiva democrática pressupõe, inicialmente, observar as seguintes
premissas:
Ciência do direito
A ciência do direito é uma proposição que deve ser vista como um recinto de implementação
dos direitos fundamentais, expressamente previstos no plano constitucional.
Participação
A participação do titular dos bens jurídicos da vida é fundamental na construção dos
provimentos estatais.
Estado
O Estado deixa de ser soberano e absoluto, passando a legitimar o diálogo com todos os
titulares dos direitos fundamentais.
Igualdade
A igualdade material entre os sujeitos de direito é fundamental para a superação do modelo
histórico-social, preconizado pelo liberalismo, que prioriza a proteção dos direitos individuais.
Diálogo
Toda deliberação coletiva ou individual será legitimada com a possibilidade de os
interessados construírem discursivamente o mérito do provimento estatal, retirando-se dos
agentes o protagonismo e a unilateralidade típicos dos estados totalitários e
antidemocráticos.
O fenômeno da democratização e constitucionalização do processo penal busca proteger amplamente o
acusado perante o direito do Estado de puni-lo e, diante desse contexto, a presunção de inocência tem um
papel determinante como princípio informador de todo o processo penal democrático. O princípio da
presunção de inocência deve ser visto como fundamento regente e informador de todo o modelo de
processo penal democrático e garantista.
O acusado goza constitucionalmente dessa condição, cabendo ao Estado o dever de desconstituir essa
presunção de inocência, mediante provas suficientemente lícitas e legítimas para tornar viável sua punição.
A presunção de inocência certamente representa uma das mais importantes conquistas do processo penal
garantista e humanizado da sociedade contemporânea, tendo em conta que o acusado deixa de ser visto
como sujeito presumidamente culpado, passando a ser enxergado pelo direito brasileiro vigente como
alguém que goza do pressuposto da condição em questão.
Presunção de inocência
O art. 8.2 da Convenção Americana sobre Direitos Humanos, conhecida como Pacto de São José da Costa Rica,
estabelece que: “toda pessoa acusada de um delito tem direito a que se presuma sua inocência, enquanto não
for legalmente comprovada sua culpa” (BELTRAN, 2018, p. 151). No mesmo sentido “o artigo 6.2 do Convênio
Europeu para a Proteção dos Direitos Humanos e das Liberdades Fundamentais de 1950, regula que qualquer
pessoa acusada de uma infração presume-se inocente enquanto a sua culpabilidade não tiver sido legalmente
provada” (BELTRAN, 2018, p. 151). A Declaração Universal dos Direitos do Homem e do Cidadão, da
Organização das Nações Unidas (ONU), em seu art. 11, estabelece expressamente que todo ser humano
acusado de ato delituoso tem o direito de ser presumido inocente até que sua culpabilidade tenha sido provada
de acordo com a lei. No mesmo sentido o texto da Constituição brasileira de 1988 estabelece no seu art. 5º,
inciso LVII, que ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória.
O entendimento do princípio da presunção de inocência objetiva sistematizar um modelo de processo penal
que rompa com os parâmetros inquisitivos de presunção de culpa do acusado. Conferindo-lhe o estado de
inocência, cabe ao Estado o dever de demonstrar com clareza e objetividade a culpabilidade do agente para,
assim, legitimar seu poder punitivo. Por isso, o órgão acusador deve ser distinto do órgão julgador, cabendo
ao magistrado, responsável pela análise do mérito da pretensão penal deduzida em juízo, fundamentar
racionalmente suas decisões no sentido de demonstrar a desconstituição desse estado de inocência do
acusado, requisito esse considerado fundamental para legitimar o poder punitivo do Judiciário.
Princípios do processo penal
constitucionalizado
Para sistematizar o estudo do processo acusatório garantista, vamos abordar os princípios regentes do
processo penal constitucionalizado. A partir deles, vamos identificar parâmetros racionais utilizados como
referenciais interpretativos do modo de entender, compreender e analisar o direito a ser aplicado diante de
um determinado caso concreto.
A seguir, estudaremos os princípios do contraditório, da ampla defesa, do devido processo legal, da
individualização da pena e da inadmissibilidade de provas ilícitas. Esses princípios são essenciais para o
entendimento do modelo de processo acusatório que privilegia amplamente a proteçãoda dignidade
humana do acusado.
Princípios regentes
Os “princípios são proposições normativas de caráter genérico, utilizados como referenciais de interpretação,
aplicabilidade e efetividade do direito, além de viabilizar a integração, compreensão e unidade do ordenamento
jurídico-constitucional vigente” (COSTA, 2019, p. 59).
Contraditório
O contraditório é um princípio constitucional explicitamente previsto no art. 5º, inciso LV, da CF. Estabelece
que aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o
contraditório e a ampla defesa, com os meios e recursos a eles inerentes. Trata-se de princípio que objetiva
assegurar igualdade entre as partes quanto à dialogicidade dos pontos controversos que integram a
demanda judicial.
Em outras palavras, por meio desse princípio, as partes terão oportunidade de debater as questões
controversas da demanda e, assim, poder influenciar no julgamento do mérito da pretensão deduzida.
Não basta apenas a oportunização do contraditório, é essencial que ele se efetive,
ressaltando-se que esse processo ocorrerá no momento em que o magistrado
analisar, na sua decisão de mérito, todas as questões controversas suscitadas
pelas partes.
É dever constitucional de cada magistrado analisar racionalmente cada questão controvertida alegada pela
parte no âmbito processual, devendo justificar juridicamente, em sua decisão de mérito, se acolherá ou não
o que foi alegado e provado nos autos.
Atenção!
No âmbito do processo penal democrático e garantista, o acusado terá direito a uma decisão racional, que
não seja reflexo de concepções valorativas e metajurídicas do julgador, ou seja, o magistrado não pode
utilizar suas crenças e percepções subjetivas como critério para fundamentar as decisões judiciais. O art.
93, inciso IX, da CF, trouxe o princípio da obrigatoriedade de fundamentação das decisões judiciais,
destacando-se que a ausência de justificação racional tem como consequência a nulidade da decisão.
destacando-se que a ausência de justificação racional tem como consequência a nulidade da decisão.
O contraditório é um princípio que, quando implementado, assegura a legitimidade democrática do
provimento final, pois “faz parte das garantias abrangidas pelo devido processo legal e consiste no principal
elemento estruturador do procedimento democrático, uma vez que garante que o provimento jurisdicional
seja resultado da participação dos interessados” (FREITAS, 2014, p. 22).
Alguns dos desdobramentos da intepretação extensiva do princípio do contraditório no Estado democrático
de direito são:
1. O direito à ampla dialeticidade dos pontos controversos da demanda.
2. O direito de resistir às decisões arbitrárias de um julgador que ignora as alegações das partes.
3. O direito conferido às partes de participarem da construção dialética do provimento final.
4. O direito de revisão judicial de decisões contrárias aos direitos fundamentais.
5. O direito de se calar em juízo, permanecendo em silêncio.
6. O direito de nomeação de assistente técnico em caso de produção de prova técnica (prova pericial).
7. O direito de tornar controversos os fatos alegados pela parte contrária.
8. O direito de se opor à homologação de acordo judicial que comprovadamente causa lesão a direitos e
bens juridicamente tutelados.
9. O direito de fala e debate assegurado nas audiências judiciais.
10. O direito de informação de qualquer alegação suscitada no âmbito do processo judicial.
Ampla defesa
Assim como o contraditório, a ampla defesa é um princípio constitucional explícito e previsto no art. 5º,
inciso LV, da CF. Tais princípios caminham em uma via de mão dupla, mas não podem ser confundidos.
O princípio de ampla defesa legitima todos os sujeitos do processo a reconhecerem como devem agir, atuar
e conduzir o procedimento legal de esclarecimento objetivo dos pontos controversos da demanda, mediante
a exauriência probatória. A ampla defesa garante a possibilidade à exauriência probatória, ou seja, o
magistrado deverá zelar pela igualdade processual, para que o acusado tenha as mesmas oportunidades de
debate e de produção de provas conferidas ao órgão acusador (Ministério Público). Já o contraditório
assegura ao acusado a ampla exauriência argumentativa.
Ler e compreender o referido princípio, a partir dessas colocações teóricas inicialmente expostas, é uma
forma de tornar o processo penal democrático um espaço dialógico. Nele, todos os sujeitos envolvidos na
lide colaboram para tornar possível e viável o julgamento do mérito, da forma mais próxima como os fatos
alegados ocorreram na realidade.
Eventual sentença condenatória proferida em processo judicial, no qual o acusado não teve a mesma
oportunidade de debate e produção de prova, será considerada nula de pleno direito, haja vista a existência
de error error in procedendo.
Desse princípio, depreende-se a premissa de que a ordem na prática de atos no processo penal exige que a
defesa se manifeste sempre em último lugar. Em outras palavras:
Error in procedendo
Considera-se error in procedendo um ou mais vícios processuais que colocam o acusado em posição de
desigualdade processual perante o Ministério Público, configurando-se evidente cerceamento de defesa.
[...] qualquer que seja a situação que dê ensejo a que, no processo
penal, o Ministério Público se manifeste depois da defesa [...],
obriga, sempre, seja aberta vista dos autos à defensoria do
acusado, para que possa exercer seu direito de defesa na
amplitude que a lei consagra.
(CAPEZ, 1999, p. 20)
Existe uma exceção na lei processual, no caso o art. 468 do CPP: quando da realização de sorteio dos
jurados para o conselho de sentença, primeiro fala a defesa e depois a acusação (MP), não existindo, no
caso, qualquer irregularidade na manifestação da defesa antes da acusação. O artigo em comento
conceitua as chamadas recusas peremptórias e que a defesa se manifeste sempre em último lugar.
“Art. 468. À medida que as cédulas forem sendo retiradas da urna, o juiz presidente
as lerá, e a defesa e, depois dela, o Ministério Público poderão recusar os jurados
sorteados, até 3 (três) cada parte, sem motivar a recusa.” (Decreto Lei nº
3.689/1941).
Um outro viés, utilizado como parâmetro para o entendimento constitucionalizado da ampla defesa no
âmbito do processo penal, diz respeito ao direito que o acusado tem quanto à defesa técnica, que torne
controversos os fatos a ele imputados. Haverá cerceamento de defesa e ofensa ao respectivo princípio
quando o procurador, nomeado pelo acusado, deixa de enfrentar todas as questões fáticas que poderão
desconstituir seu estado de inocência, omitindo-se quanto à produção daquelas provas, consideradas
essenciais ao esclarecimento e à desconstituição dos fatos alegados pelo órgão acusador (Ministério
Público).
Na realidade, a ampla defesa deve ser vista como a garantia isonomicamente assegurada a cada acusado
de ter condições reais e efetivas de rebater e desconstituir toda imputação ou alegação a ele dirigida que
possa acarretar a sua punição.
A natureza principiológica conferida à ampla defesa se justifica em razão do
interesse do legislador brasileiro procedimentalizar o processo, como um espaço
dialógico de iguais oportunidades de provas e alegações pertinentes com os fatos
inicialmente levados a juízo.
A exauriência argumentativo-probatória constitui um dos pilares do processo penal democrático e
garantista, representando claramente uma forma legítima de resistir à discricionariedade e ao protagonismo
judicial a partir da efetividade do princípio da ampla defesa.
Devido processo legal
Trata-se de princípio constitucional explícito previsto no art. 5º, inciso LVI, da CF, que estabelece que
ninguém será privado de sua liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal. Esse é um princípio
que dialoga com todo o sistema processual vigente, tanto no plano constitucional quanto no
infraconstitucional, uma vez que a ideia trazida peloprincípio em questão se funda na obrigatoriedade de
procedimentalizar a resolução de conflitos. Assim, garante-se aos sujeitos do processo a exauriência
argumentativa e a amplitude quanto à produção das provas necessárias ao esclarecimento dos fatos
controversos.
Especificamente no âmbito do processo penal, sabemos que observar o devido processo legal é seguir uma
ritualística que oportuniza igualdade argumentativa às partes, legitimando o direito de participar
dialogicamente na construção do provimento final. São elas:
Observar todas as etapas processuais previstas em lei.
Exigir do julgador a fundamentação racional da decisão judicial.
Garantir que todas as provas produzidas e argumentos trazidos aos autos sejam apreciados pelo
magistrado como meio de viabilizar a racionalidade discursiva do provimento final.
Oportunizar aos sujeitos do processo o direito de sanar vícios processuais, priorizando-se o julgamento
do mérito da pretensão deduzida.
Legitimar a criação de técnicas processuais e procedimentais voltadas a maior efetividade processual
são alguns dos desdobramentos interpretativos do devido processo legal.
Observar o devido processo legal é uma forma de proteger constitucionalmente o estado de inocência do
acusado, impedindo que o Estado-juiz o puna sem que lhe sejam assegurados todos os meios de defesa e
produção de provas. A privação da liberdade ou dos bens do acusado somente se tornará viável mediante a
desconstituição do seu estado e inocência, após ter assegurado o amplo direito de argumentação e
produção de provas, nos moldes igualitários ao que fora assegurado ao órgão acusador. No momento em
que alguém é condenado, sem antes ter a legítima oportunidade de resistir constitucionalmente aos
argumentos apresentados em seu desfavor, temos o cerceamento de defesa como reflexo direto da
violação do princípio do devido processo legal.
O princípio do estado ou situação jurídica de inocência “impõe ao Poder Público a observância de duas
regras específicas em relação ao acusado: uma de tratamento, segundo o qual o réu, em nenhum momento
do iter persecutório, pode sofrer restrições pessoais fundadas exclusivamente na possibilidade de
condenação; e outra de fundo probatório, a estabelecer que todos os ônus da prova relativa à existência do
fato e à sua autoria devem recair exclusivamente sobre a acusação” (OLIVEIRA, 2006, p. 32).
Garantir o devido processo legal ao acusado é assegurar-lhe o direito ao silêncio (direito de ficar calado), até
porque é dever do Estado-acusador comprovar de forma efetiva a materialidade do crime e a autoria do
acusado. Havendo qualquer dúvida sobre a ocorrência do crime (materialidade) ou sobre sua autoria, deve-
se absolver o acusado, aplicando, no julgamento do mérito da pretensão penal, o princípio da presunção de
inocência ou não-culpabilidade, requisitos esses essenciais para a efetividade do modelo constitucional de
processo penal democrático e garantista.
Individualização da pena
O direito de o Estado aplicar determinada pena ao acusado exige que o órgão acusador (Ministério Público)
desconstitua enfaticamente seu estado constitucional de inocência. Nenhuma pena poderá ultrapassar a
pessoa do condenado (art. 5º, inciso LV, da CF), ressaltando-se que ela não poderá ser estendida aos seus
sucessores e nem contra eles executada. O princípio da individualização da pena (previsto no inciso XLVI, do
art. 5º da CF) objetiva estabelecer que a pena aplicada ao condenado deverá ser proporcional e equivalente
a sua culpabilidade, bem como ao que foi alegado e provado nos autos do processo pelo órgão acusador.
O fato praticado e provado pelo órgão acusador é que será o fundamento balizador para a quantificação, a
extensão e a dimensão da pena a ser aplicada ao condenado.
Saiba mais
Não será a raça, a condição social do acusado ou qualquer outro fato pessoal ou social que deverá ser
utilizado como referencial para a quantificação da pena a ele aplicada. O magistrado não poderá se utilizar
de critérios subjetivos, pessoais, morais, midiáticos e religiosos para justificar eventual pena aplicada ao
acusado. Se isso fosse possível, teríamos expressa ofensa ao princípio da segurança jurídica, além da
violação do princípio da obrigatoriedade de fundamentação de decisões judiciais, já que o art. 93, inciso IX
do texto da Constituição brasileira de 1988 prevê que todos os julgamentos proferidos pelo Poder Judiciário
serão públicos, e fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade.
Sempre que o magistrado se utilizar de critérios metajurídicos ou axiológicos (valorativos) para justificar a
aplicabilidade de uma pena a determinado condenado, sua decisão judicial será considerada
constitucionalmente nula de pleno direito, por constituir evidente ofensa ao devido processo legal, à
presunção de não culpabilidade (inocência), ao contraditório e à ampla defesa.
Inadmissibilidade de provas ilícitas
O art. 5º, inciso LVI, da CF estabelece expressamente que são inadmissíveis provas ilícitas e aquelas obtidas
por meios ilegais no processo. No âmbito do processo penal, a vedação das provas ilícitas atua no controle
e na regularidade procedimental (e processual) da atividade estatal persecutória, objetivando inibir toda e
qualquer atividade probatória e ilegal por parte do órgão acusatório. Vigora, no direito processual penal
brasileiro, a premissa de que as provas devem ser produzidas e obtidas por meios lícitos.
É importante esclarecer a distinção existente entre provas ilícitas e meio ilícito de obtenção da prova.
Considera-se ilícita a prova quando a ilicitude se encontra presente na sua produção, como é o caso, por
exemplo, da falsificação ou adulteração de documentos ou depoimento de testemunhas obtido mediante
coação — a prova já nasce ilícita, uma vez que a ilicitude integra o elemento estrutural de sua constituição.
A prova pode ser originariamente lícita, entretanto, se o meio de sua obtenção decorrer de uma conduta
ilícita, haverá a configuração da ilicitude da respectiva prova.
Exemplo
O e-mail, que é uma prova considerada genuinamente lícita, se for obtida mediante violação de senha de seu
titular, tornar-se-á ilícita, não se admitindo sua utilização no âmbito processual penal.
Antes de ser um princípio que zela pela regularidade processual e procedimental, a inadmissibilidade de
provas ilícitas, no processo penal, estabelece regramentos pontuais para o órgão acusador. Este não poderá
praticar qualquer conduta ilícita objetivando a desconstituição do estado de inocência do acusado,
limitando-se a agir nos ditames preconizados pelo devido processo legal.
Os três sistemas penais
Entenda mais detalhadamente os sistemas penais — inquisitivo, acusatório e misto — e as suas respectivas
particulariedades.

Falta pouco para atingir seus objetivos.
Vamos praticar alguns conceitos?
Questão 1
Levando em conta a comparação entre o sistema inquisitivo e o sistema acusatório no entendimento
do processo penal brasileiro, assinale a alternativa correta.
Parabéns! A alternativa B está correta.
No ordenamento jurídico brasileiro vigente, não se adota plenamente o sistema acusatório, pois na fase
de inquérito policial é dispensável a observância do principio do contraditório e da ampla defesa. Assim,
eventuais provas irrepetíveis produzidas no inquérito policial ocasionarão, nesse contexto propositivo, o
cerceamento de defesa do acusado.
Questão 2
A
No sistema inquisitivo, vigora a presunção de culpabilidade do acusado, embora o órgão
acusador seja distinto do órgão julgador.
B
O ordenamento jurídico brasileiro adota o sistema misto de processo penal, haja vista a
inexistência do contraditório quanto às provas irrepetíveis, produzidas no inquérito
policial.
C
O direito processual penal brasileiro adota o sistema acusatório, expressamente
previsto no texto da Constituição brasileira de 1988, tendo em conta a
indispensabilidade do contraditório no âmbito do inquérito policial.D
No sistema acusatório brasileiro, o órgão acusador atua conjuntamente com o órgão
julgador, assegurando-se amplamente o direito de defesa e de produção de provas ao
acusado.
E
No sistema acusatório, a gestão da prova é exercida pelo juiz, protagonista da instrução
processual.
Questão 2
Marque a opção correta considerando os princípios constitucionais que asseguram a democraticidade
do processo penal garantista brasileiro.
Parabéns! A alternativa C está correta.
O contraditório e a ampla defesa, embora sejam princípios que caminham numa via de mão dupla, não
podem ser confundidos sob o ponto de vista teórico. Enquanto o contraditório assegura o direito ao
debate dos pontos controversos da demanda, a ampla defesa garante a igualdade jurídica no que tange
ao direito de produção de provas, para que o acusado desconstitua as alegações do órgão acusador. No
A
O contraditório é um princípio que garante a todo acusado o direito constitucional de
debater os pontos controversos da demanda e produzir todas as provas legitimamente
admitidas em direito, como forma de ratificar o estado de inocência
constitucionalmente garantido.
B
A ampla defesa garante a ampla exauriência probatória e a dialeticidade dos pontos
controversos da demanda, instrumento esse essencial para resistir às alegações
apresentadas pelo órgão acusador.
C
O devido processo legal é princípio constitucional explícito que estabelece que a
privação de bens e da liberdade do acusado se condiciona à observância do direito que
ele tem de produzir todas as provas e apresentar todas as alegações possíveis, para
ratificar seu estado e inocência.
D
O inquérito policial é uma fase investigativa em que é obrigatória a observância dos
princípios constitucionais do contraditório, da ampla defesa e do devido processo legal,
requisitos essenciais para a concretização do modelo constitucional e democrático de
processo penal garantista.
E
Aos litigantes em procedimento administrativo e aos acusados em geral, não são
assegurados o contraditório e a ampla defesa.
ao direito de produção de provas, para que o acusado desconstitua as alegações do órgão acusador. No
mesmo sentido, o devido processo legal propõe a observância de todo procedimento legal de defesa e
produção de provas pelo acusado antes que ele seja privado de seus bens ou de sua liberdade. É
importante, ainda, esclarecer que o contraditório, a ampla defesa e o devido processo legal são
dispensáveis no âmbito do inquérito policial.
3 - As leis penais simbólicas
Ao final deste módulo, você será capaz de descrever as leis penais
simbólicas.
Leis penais simbólicas
Leis simbólicas são proposições normativas que objetivam sistematizar, regulamentar, instituir e regular
padrões de conduta, relações e situações jurídicas cotidianas, mas que, em razão de seu conteúdo,
padrões de conduta, relações e situações jurídicas cotidianas, mas que, em razão de seu conteúdo,
esbarram no desafio de sua efetividade. Considera-se efetiva uma norma jurídica quando alcança, no campo
prático, os objetivos por ela propostos.
O Código de Trânsito Brasileiro, por exemplo, ao instituir a obrigatoriedade quanto ao uso do cinto de
segurança, pode ser considerado uma norma jurídica efetiva, visto que os objetivos estabelecidos pelo
legislador — o uso obrigatório do acessório — se concretizaram em termos práticos, considerando-se que
essa é a realidade vivenciada pela maioria de brasileiros.
Quando o destinatário da norma jurídica introjeta e adere ao seu conteúdo normativo, pode-se considerá-la
como uma proposta legislativa, cujas premissas instituídas se consolidaram em termos práticos.
Compreender a efetividade normativa como um dos objetivos práticos do direito
brasileiro vigente é reconhecer que os efeitos buscados pela norma jurídica se
realizaram no campo e na perspectiva das relações humanas, ultrapassando as
questões meramente formais para, assim, reconhecer que o que foi idealizado pelo
legislador foi concretamente alcançado.
Em contrapartida, verifica-se no ordenamento jurídico brasileiro vigente uma quantidade significativa de
normas jurídicas cujos objetivos planejados pelo legislador estão longe de serem alcançados.
É nesse cenário que surge o debate referente ao conceito de leis simbólicas: são normas jurídicas cujo
conteúdo propositivo, idealizado pelo legislador, não alcança os resultados e os efeitos práticos esperados.
Há inúmeros exemplos de leis brasileiras que esbarram no déficit ou na limitação de efetividade normativa,
visto que os objetivos desenhados pelo legislador estão longe de serem concretizados. Um exemplo inicial
para ilustrar tal afirmação é a Lei Maria da Penha (Lei nº 11.340/2006), cujo objetivo do legislador foi
combater e reduzir os números de casos de violência doméstica praticados contra a mulher. Após vários
anos de vigência da respectiva norma jurídica, verificou-se um aumento significativo dos casos de violência
doméstica praticada contra a mulher.
O que explica esse fenômeno social?
É importante esclarecer que o combate à violência doméstica contra a mulher não será efetivado apenas
com a aprovação de uma lei que criminaliza tais condutas. Diz-se isso porque, antes de reprimir penalmente
tais condutas, é relevante saber por que motivos ocorrem.
O machismo estrutural, reflexo do processo histórico-patriarcal brasileiro, é uma das explicações cientificas
da naturalização da dominação masculina, responsável por simbolicamente despertar nos homens o
sentimento de estarem hierarquicamente em posição de superioridade em relação à mulher.
Exemplo
Quando sua esposa, companheira ou namorada tenta subverter essa lógica patriarcal, buscando a igualdade
de gênero, muitos homens reagem no sentido de praticar os mais diversos tipos de violência.
As estruturas sociais de poder reforçam tais práticas, no momento em que legitimam a dominação
masculina institucionalizada historicamente na tradição brasileira. Não será a letra fria da norma jurídica o
instrumento hábil a desconstituir essas estruturas que naturalizam a dominação masculina, ressaltando-se
a importância dos destinatários dessa norma participarem de sua construção e sistematização jurídica.
No momento em que o homem entende a importância da norma penal incriminadora, introjetando seu
conceito de normatividade, torna-se mais efetiva sua aplicabilidade. A Lei Maria da Penha, então, é exemplo
de claro fracasso da própria ciência do direito, que mais uma vez esbarra no desafio referente à efetividade
normativa: concretização e aplicabilidade prática dos objetivos propostos e planejados pelo legislador.
Um importante debate é levantado quando se discute a efetividade normativa da legislação penal brasileira
vigente. Por isso, podemos perguntar:
O direito penal consegue atingir concretamente os fins propostos e estabelecidos
pelo legislador? Qual seria a finalidade buscada hoje pelo legislador no momento
em que aprova uma norma penal incriminadora?
A criação de tipos penais, conforme anteriormente exposto, objetiva fortalecer o poder punitivo exercido
pelo Estado, além da busca incessante de instrumentos de controle social. O objetivo estabelecido pelo
legislador, por meio da institucionalização da sanção penal, é reprimir e prevenir condutas ilícitas
praticadas por agentes, quando agem no sentido de atentar contra bens jurídicos considerados
penalmente relevantes.
Busca-se, ainda, por meio da norma penal, desestimular que seu destinatário a descumpra para, então,
alcançar o fim previamente estabelecido. O objetivo do legislador no momento em que aprovou, por
exemplo, a Lei Maria da Penha foi, além de punir o agressor, desestimulá-lo quanto à prática de atos de
violência doméstica contra a mulher.
Sempre que uma norma penal atinge simultaneamente suas funções punitivas e preventivas, pode-se dizer
que ela é efetiva. Em contrapartida, se uma norma penal, quando aplicada, atinge apenas sua função
punitiva, pode-se dizer que deixou de ser efetiva,uma vez que não é suficientemente hábil a desestimular
seus destinatários quanto ao fim preventivo definido por ela mesma.
Assim, a legislação penal simbólica é aquela que deixa de alcançar a prevenção do ilícito penal nela contido
visando apenas a punição do agente com a capacidade de retroalimentar o falso sentimento de estabilidade
social, sem, contudo, resolver com efetividade as razões que geraram o conflito penal levado ao Poder
Judiciário.
Dito de outra forma, a função simbólica não tem como objetivo resolver efetivamente os conflitos de
interesse sociais por meio dos recursos punitivos do Estado. Na perspectiva simbólica, o objetivo da pena e
do direito penal é tão somente produzir, na opinião pública, uma impressão de tranquilidade, provocada
pela diligência de um legislador que alegadamente tem consciência dos problemas que a criminalidade
gera (ANJOS, 2006).
O que se verifica no Brasil, diante da crise de segurança pública que se arrasta no tempo, é a adoção por
parte do legislador de medidas legislativas simbólicas que não resolvem efetivamente o problema.
Assim, a norma penal é simbólica porque traz para a sociedade uma aparente sensação de proteção e de
segurança, sem conseguir solucionar, com efetividade, a raiz que desencadeou concretamente o ilícito
penal. E com a norma penal simbólica não é possível reduzir o número de casos envolvendo o ilícito penal,
ora tipificado.
Exemplos de legislações simbólicas
No Brasil, temos diversos exemplos de legislações penais simbólicas, como as seguintes:
Lei nº 8.072, de 25 de julho de 1990 
Trata-se da lei de crimes hediondos, aprovada no ano de 1990, com o objetivo de punir com rigor os
autores. Refere-se a crime de ampla gravidade e, por isso, possui uma penalização mais rigorosa
por parte do Estado. É inafiançável, insusceptível de graça, anistia ou indulto. Verifica-se que o
legislador estabeleceu penas mais rigorosas, objetivando prevenir novos delitos e desestimulando
seus potenciais agentes.
Após duas décadas de vigência da respectiva lei, verifica-se que o número de crimes hediondos no
Brasil tem aumentado de forma significativa, tornando evidente o déficit de efetividade normativa
pretendida pelo legislador. Sistematizados pelo Atlas da Violência, os dados deixam clara a
ineficiente atuação do legislador em tornar concretos os objetivos propostos nessa lei. Trata-se de
um primeiro exemplo clássico que evidencia que a norma jurídica não é suficiente para modificar
estruturas sociais.
O fenômeno social da criminalidade deve ser explicado de forma multissetorial. É fantasiosa a
defesa da concepção de que a norma jurídico-penal, por si só, seria instrumento hábil a resolver o
problema que envolve a prática de condutas criminosas. Por isso, essa norma penal que deixa de
alcançar os fins propostos pelo legislador — modificação de estruturas sociais — é denominada
simbólica.
Trata-se de lei que dispõe sobre a aplicabilidade de sanções aos agentes públicos em casos de
enriquecimento ilícito no exercício de mandato, cargo, emprego ou função na administração pública
direta, indireta ou fundacional.
O objetivo específico do legislador foi sistematizar a aplicabilidade de sanções penais com o
propósito de desestimular a prática de atos de improbidade administrativa. A efetividade e
concretude da norma jurídica em questão ocorrerá quando seu conteúdo propositivo for suficiente
para reduzir de forma significativa a prática de atos ilícitos contrariamente ao interesse público
(corrupção).
Mas não é isso que se verifica em termos práticos no Brasil, especialmente pelos inúmeros e
constantes escândalos de corrupção envolvendo agentes públicos.
Lei nº 8.429, de 2 de junho de 1992 
Desafios das leis simbólicas e a mídia
É possível considerar, no direito penal simbólico, uma espécie de onda propagandística dirigida
particularmente às massas populares. Isso seria feito por aqueles que têm a intenção de desviar a atenção
dos graves problemas sociais e econômicos.
O artifício utilizado é o encobrimento dos fenômenos ou problemas que desgastam
o tecido social e que, entre outros fatores, contribuem decisivamente para
desencadear o aumento da criminalidade. Esta acaba não sendo tão desenfreada e
incontrolável quanto é alardeada pela onda propagandística (SANTORO FILHO,
2002, p. 87).
A norma penal em si não é capaz de modificar tais estruturas, embora o Estado assim reproduza a voz que
simbolicamente representa um alento à sociedade civil, conferindo-lhe um conforto irreal de que, por meio
da aplicabilidade de proposições normativo-penais, teremos uma segurança pública mais efetiva. O
simbolismo, assim, não busca resolver problemas. Antes, porém, está mais comprometido em tranquilizar a
população.
Nesse sentido, o adjetivo simbólico se aplica porque “o legislador, ao submeter determinados
comportamentos à normatização penal, não pretende, propriamente, preveni-los ou mesmo reprimi-los, mas
tão-só infundir e difundir, na comunidade, uma só impressão — e uma falsa impressão — de segurança
jurídica”. Isso implica dizer que se busca produzir na opinião pública, se valendo de uma repressão
puramente retórica, apenas uma “impressão tranquilizadora de um legislador atento decidido” (QUEIROZ,
1999, p. 9).
A mídia assume um significativo papel em relação à retroalimentação do sistema penal simbólico, pois é
responsável por introjetar, de forma direta no seio da sociedade civil, o sentimento de que, por meio da
aprovação de uma nova norma penal incriminadora, a coletividade estaria mais segura e protegida diante da
criminalidade vigente.
Essas premissas difundidas pela mídia, além de irreais e fantasiosas, representam simbolicamente uma
estratégia utilizada pelo Estado para reforçar o controle social, uma das principais finalidades assumidas
pelo direito penal autocrático.
A visão distorcida da realidade produzida pela mídia alimenta um sentimento ou uma sensação de
insegurança generalizada entre o público. Ao mesmo tempo, a mídia explora discursos que defendem
punição mais rigorosa e exemplar, como a prisão perpétua e a pena de morte, com todos esses meios
justificando o fim retributivo. Nesse discurso que escolhe o inimigo e o estigmatiza, a repressão penal é o
principal instrumento (GOMES; ALMEIDA, 2013, p. 4).
A eficácia que se reconhece na lei penal não é outra que não a de trazer tranquilidade à opinião pública, ou
seja, se produz um efeito que acaba conduzindo a um direito penal de risco simbólico. No entanto, ao levar
as pessoas a acreditarem que esses riscos não existem, a ansiedade é diminuída ou, de forma mais clara,
se recorre à mentira, dando lugar a um direito penal promocional, que acaba se convertendo em um mero
difusor de ideologia (BATISTA, 2007, p. 631).
A sociedade civil recebe com naturalidade e uma certa expectativa a ideológica concepção estabelecida
pelo direito penal, que prega a estabilidade social, a segurança pública e a proteção coletiva, mesmo que
tais promessas contrariem os dados estatísticos que ilustram um aumento exponencial dos casos de
violência e criminalidade. No mesmo sentido, o Estado insiste nesse discurso midiático, com o poder de
fortalecer as estratégias de controle social e fomento de um exercício de poder pressuposto, já que mesmo
contrariando dados estatísticos, o importante é alimentar o sentimento social de segurança coletiva.
Leis penais simbólicas e os desafios da
efetividade normativa
Compreenda a atuação do direito penal quando instituído pelo Estado e como suas normas impactam a
sociedade.

Falta pouco para atingir seus objetivos.
Vamos praticar alguns conceitos?
Questão 1
Assinale a alternativa que descreve corretamente a efetividade normativa das leis penais.
Parabéns! A alternativa C está correta.
A validade jurídica de uma norma está diretamente condicionada à observância rigorosa dos requisitos
legais exigidos no processo legislativo. Efetividade normativa não se confunde com validade da norma
jurídica.

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