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© 2017, Marisa Lajolo, Regina Zilberman
2017, PUCPRess
Este livro, na totalidade ou em parte, não pode ser reproduzido por qualquer meio sem 
autorização expressa por escrito da Editora.
Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR)
Reitor
Waldemiro Gremski
Vice-reitor
Vidal Martins
Pró-Reitora de Pesquisa e Pós-Graduação
Paula Cristina Trevilatto
Conselho Editorial
Auristela Duarte de Lima Moser
Cilene da Silva Gomes Ribeiro
Eduardo Biacchi Gomes
Evelyn de Almeida Orlando
Jaime Ramos
Léo Peruzzo Júnior
Rodrigo Moraes da Silveira
Ruy Inácio Neiva de Carvalho
Vilmar Rodrigues Moreira
Zanei Ramos Barcellos
 
PUCPRess – Editora Universitária Champagnat
Coordenação editorial
Michele Marcos de Oliveira
Editor
Marcelo Manduca
Editora de arte
Solange Freitas de Melo Eschipio
Administrativo
Larissa Conceição
Revisão
Camila Fernandes de Salvo 
Amanda Rodrigues Soares
Capa, projeto gráfico e diagramação
Solange Freitas de Melo Eschipio
L191L 
2017
Produção de ebook
S2 Books
Editora Universitária Champagnat 
Pontifícia Universidade Católica do Paraná
Rua Imaculada Conceição, 1155 - Prédio da Administração
6º andar - Câmpus Curitiba - CEP 80215-901 - Curitiba / PR
Tel. (41) 3271-1701
editora.champagnat@pucpr.br
editorachampagnat.pucpr.br
 
 
 
 
Dados da Catalogação na Publicação 
Pontifícia Universidade Católica do Paraná
Sistema Integrado de Bibliotecas – SIBI/PUCPR – Biblioteca Central
Lajolo, Marisa
Literatura infantil brasileira: uma nova / outra história. Marisa Lajolo, Regina Zilberman. Curitiba :
PUCPRess, 2017.
152 p. : il. ; 23 cm.
 
Inclui bibliografia
ISBN 978-85-68324-42-4
eISBN 978-85-68324-66-0
 
1. Literatura infanto-juvenil – História e crítica. 2. Literatura infanto-juvenil brasileira. I. Lajolo, Marisa. II.
Zilberman, Regina. III. Título.
CDD 20. ed. − 809.89282
http://www.s2books.com.br/
mailto:editora.champagnat%40pucpr.br?subject=
http://editorachampagnat.pucpr.br/
SUMÁRIO
Capa
Folha de rosto
Créditos
Prefácio
Citação
Abrindo o livro
Literatura infantil e juvenil para além do livro
1. Pode haver “livro depois do livro”?
2. “Que coisa é o livro?”
3. E a literatura?
4. Novas fronteiras
5. Autores de leitores on-line
5.1 Sérgio Capparelli e Ana Cláudia Gruszynski
5.2 Leo Cunha
file:///tmp/calibre_4.99.4_tmp_t91ul9dl/k_xqdfyq_pdf_out/OEBPS/Text/Capa.xhtml
5.3 Angela Lago
6. Entre as antigas fronteiras
7. “Tudo ao mesmo tempo agora”
O peso dos números e das instituições
1. O mercado editorial
2. A profissionalização dos agentes da cadeia do livro
3. A interferência da escola e o papel do estado
Novos territórios de criação para crianças e jovens
1. Livros de histórias sobre histórias
2. Um novo indianismo
3. Presença do não verbal
Pode haver livro e leitura para além da escola?
1. Uma ficção para lá de fantástica
2. Herança e transformação da liberação feminina
Fechando o livro
Referências
PREFÁCIO
Este livro sutil e sábio de Marisa Lajolo e Regina Zilberman, a propósito
da história da literatura brasileira para crianças e jovens dos trinta últimos
anos, permite re�etir sobre três apostas mais fundamentais de nosso tempo.
A primeira diz respeito à relação entre nossas de�nições tradicionais do
“livro” entendido como um discurso que tem suas próprias características e
as possibilidades técnicas oferecidas pelo mundo digital. Descrevem as duas
modalidades desta relação. A primeira modalidade quer manter, na nova
técnica de publicação dos textos, os critérios que a partir do século XVIII
de�niram o que é um “livro”: a originalidade da escritura, a identidade
sempre reconhecível da obra e a propriedade literária de seu autor. As
edições digitais de obras que já têm uma larga história impressa exempli�cam
o esforço de libertar-se de formas e conceitos, através de textos móveis,
abertos, maleáveis, que podem ser palimpsestos e polifonia.
A segunda modalidade deriva da inventividade dos criadores de literatura
infantil e juvenil. Neste caso, são as possibilidades digitais que propõem
gêneros, objetos, criações irredutíveis à forma impressa. São no cenário
digital “alternativas de criação”. Não se limitam à introdução na cultura do
livro dos gêneros da rede (e-mails, blogs, links), senão que produzem criações
que são, segundo as expressões das autoras, “hibridismo de linguagens” ou
“amálgamas de linguagens”. O site substituiu o livro, a liberdade do leitor,
que pode escolher entre opções narrativas, ao absolutismo do texto, e, muitas
vezes, a gratuidade do acesso ao comércio editorial. A aposta não é sem
importância, pois pode levar tanto à introdução na textualidade eletrônica de
alguns dispositivos capazes de perpetuar os critérios clássicos de identi�cação
de obras, na sua identidade e propriedade, quanto ao abandono dessas
categorias para inventar uma nova maneira de compor novas produções
estéticas que exploram uma “plurimidialidade” mais rica que a simples
relação entre texto e imagens e que localizam o leitor numa posição que
permite escolhas ou mesmo participação.
A segunda aposta discutida neste livro refere-se à relação entre o mundo
digital e o mercado editorial, já que a edição na sua forma comercial clássica
se apresenta como a forma dominante da circulação das novas criações
digitais.
Enfatizam Marisa Lajolo e Regina Zilberman dois elementos: por um
lado, “situação de precariedade de práticas leitoras” no Brasil, por outro, a
importância das políticas públicas de aquisições dos livros para as escolas.
Concordam, assim, com os dados levantados pela pesquisa Retratos da leitura
no Brasil e as políticas públicas e publicados neste ano de 2016 por José Castilho
Marques Neto, que mostram os efeitos positivos das políticas nacionais da
leitura e a escrita.
Entre 2011 e 2015, a população dos leitores aumentou no Brasil de 6%,
passando de 50% a 56%. Não parece muito, mas na escala do Brasil signi�ca
que 16 milhões de pessoas iniciaram-se em prática de leitura. Os
instrumentos deste crescimento foram a renovação das bibliotecas públicas, as
feiras do livro, as manifestações literárias, os apoios na edição. O desa�o do
presente é manter ou acrescentar estas intervenções que associam a leitura e a
cidadania. No momento em que existe a forte tentação de desmantelar as
políticas e instituições públicas, e não só no Brasil, a primeira
responsabilidade dos governos e da sociedade é a defesa do direito ao saber e
à poesia dos mais vulneráveis dos cidadãos.
A terceira aposta contemplada pelo livro de Marisa Lajolo e Regina
Zilberman vincula-se à relação ou ausência de relação entre as leituras
propostas ou impostas pela escola e as novas produções da literatura infantil e
juvenil. Depois da análise dos tópicos originais dessas criações, constatam as
autoras: “ainda que não ostensivamente voltadas para o circuito escolar, obras
que tematizam outras criações literárias, tratam das culturas indígenas ou
investem solidamente na dimensão visual do objeto livro, também circulam
entre carteiras e alunos.” A mesma conclusão se impõe para o gênero da
“fantasy �ction” inaugurado por Harry Potter.
Daí as questões �nais do livro. Deve a literatura infantil e juvenil tornar-
se “aliada explícita da pedagogia” ou �car fora da escola para manter seu
“caráter libertário”? Devemos atribuir à inventividade dessa literatura, que se
vale de “procedimentos metalinguísticos e intertextuais”, um papel decisivo
no incremento, não somente dos tempos de leitura dos jovens, senão
também na difusão de competências de leitura capazes de favorecer o
desfrute das invenções literárias? E se é o caso, como articular aprendizagem
escolar e leituras livres tanto digitais como tradicionais?
Marisa Lajolo e Regina Zilberman obrigam seus leitores a dar resposta às
questões que assim formulam. É o grande mérito do seu elegante livro.
Roger Chartier
Surgirá a História Nova do Brasil em suas verdadeiras dimensões. Na
medida em que ela surgir é que o país se transformará naquilo que todos
desejamos – em que o povo brasileiro bem merece.
Joel Rufino dosSantos [1]
abrindo o livro
Que não parece razão
Nem seria cousa idônea
Por abrandar a paixão,
Que cantasse em Babilônia
As cantigas de Sião.
Luís de Camões [2]
Literatura infantil brasileira: uma nova / outra história constitui uma
apresentação da literatura brasileira para crianças e jovens em circulação no
Brasil nos últimos trinta anos. Não obstante constituir obra independente,
autônoma e autorreferenciada, ela dialoga com outros livros nossos,
especialmente com Literatura infantil brasileira: história e histórias (1984) e Um
Brasil para crianças (1986).
Nas últimas décadas do século passado, a literatura infantil ganhou status
acadêmico, oferecendo-se enquanto campo de investigação original e
estimulante para os estudos literários. Na esteira de trabalhos pioneiros como
Problemas de literatura infantil (1950), [3] de Cecília Meireles (1901-1964), e de
Literatura infantil brasileira: ensaio de preliminares para a sua história e suas fontes
(1968), [4] de Leonardo Arroyo (1918-1986), a década de 1980 abre-se com a
publicação de A literatura infantil: história, teoria e análise (1981), [5] de Nelly
Novaes Coelho, que, no ano seguinte, publica seu Dicionário crítico de literatura
infantil e juvenil brasileira. [6]
Os trabalhos de Nelly Novaes Coelho marcam, com a concretude do
livro impresso e com a chancela da Universidade de São Paulo, a maturidade
da área, que também passou a integrar currículos de cursos de Letras. De lá
para cá e particularmente no século XXI, articulados com a expressiva
produção do setor, multiplicam-se livros, ensaios, dissertações de mestrado e
teses de doutorado, cursos e eventos voltados para a literatura infantil e
juvenil. É neste contexto que surge, desenvolve-se e amadurece este Literatura
infantil brasileira: uma nova / outra história.
Tratar livros para crianças e jovens enquanto literatura implica conferir-
lhes o mesmo statusda literatura não infantil e, consequentemente, considerá-
los aptos a receber o idêntico tipo de re�exão voltado àquela. Implica, assim,
considerar seu estudo habilitado a desenvolver-se através de metodologias e
epistemologias formuladas a partir de e desenvolvidas a propósito da literatura
não infantil e vice-versa.
Com tais pressupostos, nossos livros anteriores Literatura infantil brasileira:
história e histórias e Um Brasil para crianças, seguindo a lição de estudos clássicos
da literatura brasileira, formatam em épocas o panorama da literatura infantil
brasileira que delineiam, estabelecendo traços textuais e temáticos
característicos de cada período, elencando seus autores representativos e
discutindo suas criações. A portabilidade desejável para Literatura infantil
brasileira: história e histórias, que pretendia, como efetivamente conquistou,
largo trânsito na graduação universitária, aconselhou a migração para outro
título – Um Brasil para crianças – a extensa antologia de textos representativos
de cada época. De um título para o outro, um movimento de condensação e
ilustração.
Examinados em perspectiva, do livro de 1984 para o de 1986, desfere-se
um trajeto de afunilamento, representado pela busca e discussão de elementos
cada vez mais básicos e estruturantes de textos voltados para crianças e
jovens. Como contrapartida deste afunilamento da visada que norteou as
obras de 1982 e 1986, dez anos depois, A formação da leitura no Brasil (1996)
desferiu trajetória oposta. Em um zoom signi�cativo, discute práticas sociais
através das quais se forma e se desenvolve (ou não se forma, nem se
desenvolve...) o público brasileiro, do qual faz parte o leitorado de livros
infantis e juvenis.
Transposto o ano 2000, o novo século – com a sedução dos números
redondos – aguçava a curiosidade e propunha desa�os: que sistematização
poderia trazer, dialogando com os livros anteriores – Literatura infantil
brasileira: história e histórias e Um Brasil para crianças –, a re�exão para mais
perto dos dias atuais? A�nal, o que dizer no século XXI, quando a discussão
de eventuais danos e vantagens representados pelos quadrinhos se substitui
pela discussão de eventuais vantagens e desvantagens representadas pelo e-
book e pelos games (capítulo I)? Se os livros anteriores propunham uma
determinada forma de olhar e discutir a produção de literatura infantil
brasileira em circulação até a década de setenta do século XX, que debates e
olhares suscitava a extensa produção posterior a 1980 (capítulo II)?
O primeiro aprendizado que a questão patrocinou foi que o espantoso
volume da produção de livros infantis e juvenis (capítulo II) proscrevia de
forma radical a retomada do modelo cronológico dos livros anteriores. Ao
longo das várias decisões que precisaram ser tomadas durante a longa
ruminação e elaboração deste livro, também se con�rmou a velha lição de
que quantidade afeta qualidade, entendida essa última, aqui, não no sentido de
avaliação positiva, mas no sentido de natureza, de modo de ser dos seres do
mundo, inclusive delivros. O gigantismo da produção da área permitiria
ainda a discriminação autor por autor ou a delimitação de épocas? Salvo em
algumas passagens, a tradicional apresentação autor a autor ou obra a obra
pareceu desaconselhável.
A grande produção contemporânea de livros que hoje circulam entre
crianças e jovens – quer por sugestão escolar, quer por leitura espontânea,
quer por compra governamental, quer por aquisição individual – parece
proscrever qualquer categorização ortodoxa de títulos.
O panorama cultural das últimas décadas sofreu alterações profundas.
Inclusive – e talvez sobretudo – na área de livros infantis e juvenis.
A literatura para crianças e jovens, mais do que a literatura não infantil,
mostra-se sensível a esse panorama, marcado pela intensa movimentação
política de segmentos sociais pouco expressivos até as décadas �nais do século
XX. Recortada por legislação que, de forma crescente a partir da aprovação
e promulgação da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional
(1996/1997), pauta a leitura escolar, transforma-se a cadeia que vai da
produção ao consumo de livro destinados à infância e juventude.
Concebendo a literatura enquanto um sistemapor meio do qualobras,
autores e públicos interagem a partir de condições sociais que diferentes
momentos históricos proporcionam, [7] o novo contexto cultural do país afeta
a literatura infantil e juvenil (apenas ela?) desde seu modo de produção até
sua forma de circulação, multiplicando as (outras) linguagens com as quais
precisa dialogar.
À medida que esta percepção se foi impondo, pareceu-nos pouco
produtiva qualquer ordenação cronológica de épocas, tendências, autores ou
obras. Foram então abandonadas propostas de abordagem individual de
autores e de obras, exceto quando obras e autores davam concretude à
discussão de uma ou outra tendência.
Assim, este Literatura infantil brasileira: uma nova / outra história, ao longo
dos capítulos que o constituem, propõe um conjunto de re�exões sobre o
gênero literatura infantil e juvenil,focalizando-o da perspectiva que nos pareceu
enriquecer o conhecimento, discussão e fruição da literatura infantil e juvenil
brasileira dos últimos trinta anos.
Se a decisão foi ou não acertada, �ca para os leitores decidirem.
Pois a prerrogativa maior dos leitores é discordarem dos autores que leem,
o que – claro! – constitui também uma forma de diálogo.
Literatura infantil e 
juvenil para além do 
livro
Nós estamos em um momento de muita nostalgia da possibilidade da
perda de um objeto que nós amamos, o livro. Isso provoca, em qualquer
um de nós, um apaixonamento pelos últimos livros que estamos
construindo. Se é que de fato – eu tenho as minhas dúvidas – o livro de
papel vai desaparecer completamente. Eles podem substituir o papel por
algum outro material que não seja tão caro à natureza. Mas o livro digital,
quer dizer, a possibilidade do livro digital, da compra imediata, da
diminuição de custo, da ausência da necessidade de lugar para guardá-los,
tudo isso faz com que o livro digital seja um caminho sem volta mesmo.Angela Lago [8]
1. Pode haver “livro depois do
livro”? [9]
Todas as principais formas de representação dos primeiros 5 mil anos da
história humana já foram traduzidas para o formato digital. Não há nada
criado pelo homem que não possa ser representado nesse ambiente
multiforme: das pinturas no interior das cavernas de Lascaux às
fotografias de Júpiter feitas em tempo real; dos pergaminhos do Mar
Morto ao primeiro exemplar de Shakespeare; das maquetes de templos
gregos pelas quais se pode passar aos primeiros filmes de Edison. E o
reino digital assimila, o tempo todo, mais capacidades de representação, à
medida que pesquisadores tentam construir dentro dele uma realidade
virtual tão densa e tão rica quando a própria realidade.
Janet H. Murray [10]
Em 2007, a Editora Globo, a partir de então detentora dos direitos
autorais de Monteiro Lobato (1882-1948), lançou versão eletrônica de A
menina do narizinho arrebitado. [11] O e-book contém 56 telas, permitindo aos
leitores acessar as primeiras aventuras da neta de Dona Benta no reino das
Águas Claras por meio de texto verbal e visual, e de sons e �guras em
movimento. Com ilustrações de Rogério Borges (Figura 1), o enredo retoma
o capítulo inicial do livro que, originalmente de 1920, foi reescrito para a
edição de 1931 de Reinações de Narizinho, obra que reúne várias das histórias
publicadas isoladamente ao longo da década anterior.
É muito sugestivo que uma das primeiras obras brasileiras – se não a
primeira – efetivamente interativa, digital, multi e hipermidiática relance o
livro de estreia do escritor mais importante – e para muitos o fundador – da
literatura infantil nacional. Como sublinha Vladimir Sacchetta na
apresentação, esta versão em suporte digital patrocina “um mergulho na
fantasia”.
Ambientada em cenários predominantemente aquáticos, a história se
desenrola em telas que alternam a imagem de páginas convencionais e as que
representam água (Figura 2). Ao toque de dedos (e, às vezes, prescindindo
deste gesto do leitor), algumas telas são cruzadas por �guras que se movem
(peixes, folhas, uma carruagem, apresentação de vestidos a Narizinho) sendo
acompanhadas de músicas (cenas de bailes) e de sons relativos aos episódios
narrados (o espirro de Narizinho, gotas que caem, zumbido de abelhas e de
motores).
 
Globo Livros/ © Monteiro Lobato, 2007
Figura 1
 
Globo Livros/ © Monteiro Lobato, 2007
Figura 2
 
Na cena �nal da história – o despertar de Narizinho –, um belo recurso
de dissolução de telas: a cena subaquática desmancha-se e, em seu lugar,
emerge a tela inicial de Narizinho sentada à beira do ribeirão no fundo do
qual se passa(ra)m as aventuras. O texto, conforme a editora, “teve como
base a edição de 1920”, incluindo, pois, passagens descartadas em versões
posteriores, como, por exemplo, a irreverente cena em que um Fr. Louva a
Deus dá a extrema unção a uma barata moribunda. [12]
A omissão desta passagem em edições posteriores à primeira deveu-se
provavelmente à carta, a seguir reproduzida, que o escritor recebeu do
amigo, então Diretor da Instrução Pública do Ceará e professor da Escola
Normal de Fortaleza, Lourenço Filho (1897-1970), alertando-o para o
desagrado de autoridades educacionais com a irreverência religiosa e os
consequentes riscos de um possível encalhe do livro:
Lobato,
V. não tem razão. A esta hora já terá recebido o jornal com a nota o�cial da aprovação e
adoção dos seus livros, bem como do Dr. Doria.
E veja como V. é ingrato: o único embaraço na minha ação, aqui, foi exatamente o
resultado da aprovação de Narizinho arrebitado. O clero me moveu tremenda guerra, sob o
pretexto de que a adoção do livro visava ridicularizar a sagrada religião católica. Foi
preciso, para manter a aprovação, que eu inventasse haver uma 2ª edição, sem os
inconvenientes da primeira.
Lembra-se V. de que lhe falei sobre aquele tópico do frei com os sacramentos etc. Esse
tópico, aí mesmo, ofendeu a muitos professores. V. só terá vantagens em suprimi-lo,
quando reeditar o livro.
(...) Abraços. Saudade aos camaradas.
Lourenço Filho. [13]
Sensível a questões tanto literárias quanto �nanceiras, o escritor seguiu o
conselho e, a partir de então, omitiu a cena nas outras edições do livro. Foi
esse, talvez, seu primeiro – e posteriormente constante – gesto de reescrita
de sua própria obra ao longo de suas inúmeras reedições. [14]
A questão da reescrita, tão rica e importante na trajetória da obra
lobatiana, parece excelente entrada para propor uma re�exão sobre a
literatura infantil brasileira mais contemporânea. O recente aparecimento de
e-books e de e-readers, e as consequências disto para o livro de papel, para a
leitura e a literatura, são temas que têm (pre)ocupado quase todos os que se
movem pela cidade das letras.
É instigante a escolha da primeira obra do escritor pioneiro na
modernização da literatura infantil brasileira enquanto título comercialmente
inaugural na utilização plena e recorrente de recursos digitais no âmbito de
livros e de leituras. Sugere as nuances da dialética entre continuidade e
ruptura que, como grande interrogação, pontua debates recentes sobre
alterações que a cultura digital imprimirá – ou já está imprimindo – à cultura
do impresso. E, quando se diz cultura do impresso,talvez já se esteja,
metonimicamente, dizendo cultura ocidental.
Sintomático do encaminhamento polêmico da questão livro impresso
versus digital é a obra É um livro, [15] do escritor e ilustrador norte-americano
Lane Smith, publicada originalmente em 2010, traduzida no Brasil no
mesmo ano e premiada, na categoria Tradução/Adaptação, pela Fundação
Nacional de Literatura Infantil e Juvenil (FNLIJ). À sua maneira, ela traz para
primeiro plano o desconforto que o aparecimento de e-readers acarreta às
vezes para alguns nativos e cidadãos plenos do mundo do impresso.
De forte cunho metalinguístico, a história é um diálogo seco, apresentado
em balões como os que pontuam histórias em quadrinhos, entre duas �guras
de feições animais: um macaco e um burro.
Uma delas, o macaco, é grande; a outra, o burro, é pequena. Esta, ao ver
que a primeira segura um livro, manifesta, através de perguntas, sua completa
falta de familiaridade com tal objeto. O macaco (um adulto?), representante
de indivíduo habituado ao mundo do impresso e talvez �gura insatisfeita
com o mundo digital, responde, de modo impaciente e nem sempre bem
humorado, às perguntas da �gura menor (uma criança?).
A obra inscreve-se no discurso contemporâneo de valorização do livro
impresso, e o faz de forma categórica e incisiva, que parece desquali�car
outros suportes de leitura. Tal estratégia, no entanto, talvez produza efeito
oposto ao pretendido. Ao desquali�car o interlocutor menor, destinatário
presuntivo da obra e por hipótese familiarizado com o mundo digital, é bem
possível que É um livro hostilize boa parte do segmento de mercado ao qual
se dirige.
A versão original norte-americana dessa obra inclui postagem no
YouTube, [16] dinâmica e divertida. A duplicidade de linguagens, a impressa e
a digital, parece sinalizar evidente contradição, pois a superioridade do
impresso parece ser comprovada por uma demonstração via formato digital,
em tese superior àquele, mas não na prática.
Se o atual surgimento e difusão de e-books e e-readers é o contexto ao qual
se articula a obra de Lane Smith, não deixa de ser singular a argumentação
monolítica pela qual nela se faz a defesa do antigo suporte da escrita.
Bastante distinta é a forma de antecipar a questão nos versos de alguns poetas
brasileiros, que se ocuparam do livro quando a cultura digital ainda não fazia
parte do horizonte.
De que livro falavam eles?
2. “Que coisa é o livro?”
Nada é novo sobre a terra
nem permanece hodierno
Logo fica obsoleto
o que agora é moderno
Se hoje vai sendo ontem
só o futuro é eterno.
Manoel Monteiro [17]
Talvez se possa a�rmar que a literatura nasceu quando começou a era do
livro. Antes dele, havia a poesia, o gesto, a imagem, o som, que se produziam
e eram transmitidos por meioda voz, do corpo, do olhar e da audição. A
visão foi desviada para as letras, quando se disseminou o emprego da escrita.
A criação do códice, abrigando e reunindo em volumes de feitio retangular
um conjunto de manuscritos registrados em pergaminho, reduziu as tarefas
da voz e obscureceu as funções do corpo.
No agora longínquo século I d. C. aparecia o livro no formato que
conhecemos até hoje. Sua ampla difusão, no entanto, só se viabilizou a partir
da invenção da prensa mecânica, ocorrida em meados do século XV. Com
Johannes Gutenberg (c. 1398-1468), estabilizaram-se várias práticas que
percorriam caminhos paralelos: a leitura silenciosa, [18] a cópia artesanal de
manuscritos, a organização dos estudos laicos, em então recentemente
fundadas universidades europeias.
Do códice romano ao livro moderno, poucas mudanças se registraram.
Pelo menos até poucos anos.
Talvez tenham sido poetas os mais sensíveis na percepção de sinais de
mudanças no horizonte do mundo letrado. E, pressentindo os sinais,
tematizaram a instabilidade do suporte da escrita e da leitura.
Carlos Drummond de Andrade (1902-1987), nos versos dedicados “A
José Olympio”, [19] já em 1955 pergunta-se:
 
Que coisa é o livro? Que contém na sua
frágil arquitetura transparente?
São palavras, apenas, ou é a nua
exposição de uma alma con�dente?
De que lenho brotou? Que nobre instinto
da prensa fez surgir esta obra de arte.
Que vive junto a nós, sente o que sinto
e vai clareando o mundo em toda a parte? [20]
 
Para o poeta, o livro “brotou” de um “lenho”, metonímia que o
relaciona ao mundo vegetal, fornecedor de uma das matérias-primas
responsáveis pela produção do papel, con�gurando-o enquanto um
organismo vivo para além de sua aparente objetualidade. Mais adiante, o
poema menciona o processo industrial da fabricação do livro, em paralelo
com sua dimensão emocional e intelectual: a “prensa fez surgir essa obra de
arte / que vive junto a nós, sente o que eu sinto / e vai clareando o mundo
em toda a parte”.
Enquanto suporte privilegiado da escrita, o papel é também tema de
versos de João Cabral de Melo Neto (1920-1999), em “O poema”, de O
engenheiro, de 1945:
 
O papel nem sempre
é branco como
a primeira manhã.
É muitas vezes
o pardo e pobre
papel de embrulho;
 
É de outras vezes
de carta aérea,
leve de nuvem.
Mas é no papel,
no branco asséptico,
que o verso rebenta.
Como um ser vivo
pode brotar
de um chão mineral? [21]
 
A menção a distintas espécies de papel – de embrulho e de carta – abre
espaço para a celebração de sua vocação maior: constituir suporte da poesia.
Com isso, o poeta substitui a assertividade das quatro primeiras estrofes pela
interrogação com a qual entrelaça a metáfora da poesia enquanto elemento
orgânico ao mundo inorgânico do chão mineral, assinatura maior do poeta
de A educação pela pedra.
Em “Para a Feira do Livro” (Educação pela pedra, 1966), João Cabral
retoma a relação entre o livro, a folha, sua origem vegetal e o registro da
escrita, cujo enlace é celebrado por meio da sonoridade dos versos em que
sons fricativos se sucedem:
 
Folheada, a folha de um livro retoma
o lânguido vegetal de folha folha,
e um livro se folheia ou se desfolha
como sob o vento a árvore que o doa;
folheada, a folha de um livro repete
fricativas e labiais de ventos antigos,
e nada �nge vento em folha de árvore
melhor do que o vento em folha de livro. [22]
 
Com tudo isso, no entanto, permanece a pergunta do primeiro verso do
poema de Drummond, que em 1955 indagava a si e a seus leitores: “Que
coisa é o livro?”
De lá para cá, no mais de meio século de distância dos versos com que o
poeta mineiro celebrava o editor José Olympio, os atributos até então
identi�cados como característicos do livro parecem já não bastar para de�ni-
lo. Não é mais possível falar do livro com segurança, já que novas tecnologias
impuseram outros formatos e materiais, novos modos de produção e de
circulação, distintas maneiras de leitura, restaurando em muitos casos as
relações entre comunicação, corpo, voz, olhar e gesto.
Uma questão se apresenta: que consequências a pluralidade de suportes
pode trazer para a literatura?
3. E a literatura?
Esta folha branca
me proscreve o sonho,
me incita ao verso
nítido e preciso.
João Cabral de Melo Neto [23]
Como se disse antes, a era do livro fomentou a literatura.
A expressão literatura [originária do latim (littera = letra)], encampou o
que, até então, era denominado poesia, favorecendo a prática da leitura
silenciosa em detrimento do som e da voz.
Assim como a poesia que, conforme ensina a Poética, de Aristóteles (384-
322 a. C.), desde o século IV a. C. subdividiu-se em gêneros diferentes,
também a noção de literatura passou a recobrir grande variedade de gêneros.
A – digamos – natureza literáriade certos textos é postulada / reconhecida /
avaliada por um grupo especí�co – críticos e acadêmicos – a quem se avocou
a missão de estabelecer, alterar e legislar a respeito da identidade e do valor
dos escritos que almeja(va)m o status de arte.
A emergência da modernidade, processo que se estende do século XVI
ao XVIII, deu origem a novos gêneros, ampliando o número de formas
narrativas (o conto, a novela, o romance constituindo os tipos básicos), e
de�nindo-os por distintos critérios: ora por seus consumidores (literatura
infantil e juvenil, literatura de massa), ora por seus temas (literatura policial,
literatura fantástica), ora pelas formas de relatar (memórias, autobiogra�a),
ora por sua aplicação (literatura escolar, didática, paradidática), e outras vezes
por seu emprego (dicionários, enciclopédias, receitas culinárias).Mas, não
obstante a permanência da chamada literatura oral, um fator uni�cava os
gêneros mais tradicionais: o formato livro, que garantia certa uniformidade
ao universo do impresso, embora se tratasse de uma unidade precária,
precariedade bem visível na materialidade do objeto (dimensões, capas,
matérias-primas etc.).
No âmbito da literatura infantil e juvenil, amplia-se e expressa-se de
distintas maneiras essa parceria antiga entre a escrita, o impresso e o livro, ao
mesmo tempo em que nela também se manifesta hibridismo de linguagens.
Com efeito, desde suas manifestações iniciais, ainda no século XVIII, obras
destinadas a crianças eram acompanhadas de ilustrações, ultrapassando assim
o âmbito do escrito, de que a literatura é a principal �adora.
Essa parceria foi enunciada, há mais de um século, pelos versos de uma
autora paulista, que, desde o título de seu poema, registra, em presuntivo
diálogo com seus leitores, a pluralidade de linguagens que, cada vez mais, se
fazem presentes em livros para crianças e jovens:
 
LIVRO BONITO
- P’ra mim, livro bonito
É aquele que tem �guras,
P’ra você não é, Carlito?
- P’ra mim é o que tem doçuras,
E nossas almas retrata
E da terra as formosuras!
Mas a mim também é grata
Uma gravura risonha,
Com vermelho, azul e prata...
Perto d’água uma cegonha,
E nos verdores da mata,
Um passarinho que sonha... [24]
 
Com a emergência e expansão das histórias em quadrinhos, ao �nal do
século XIX, e, depois, com sua plena difusão no Brasil a partir da segunda
metade do século XX, a imagem passou a ser tão ou mais relevante que o
texto, impondo sua presença nos gêneros com os quais compartilhava o
público. E como o maior número de seus consumidores situava-se na faixa
etária de�nida como infantil e juvenil (e, mais contemporaneamente, jovens
adultos), a literatura dirigida a esse segmento de mercado incorporou a
linguagem visual, cedendo espaço crescente à matéria �gurativa.
A nova parceria de linguagens – a verbal, escrita e a visual – não se fez,
nem se faz, sem custos. Implicou aumento das despesas de produção,
exigindo a remuneração de vários criadores e técnicos, assalariados e
empresários. E também implicou a eventual necessidade de uma nova
concepção de autoria, bem como de sua legitimação e valoração no campo
intelectual e estético.
Historicamente, parece ter sido a ilustração o primeiro elementoa
desa�ar o privilégio da escrita, rompendo a soberania da linguagem verbal,
ao incluir em cenários de leitura elementos de natureza grá�ca e pictórica.
Com efeito, desde muito cedo, na Europa e também no Brasil, o gênero
infantil circulou em livros que acoplavam visuale verbal. Vem desta aliança a
denominação álbum, que nomeava a produção de Père Castor, coleção
fundada por Paul Faucher (1898-1967) na França da década de 1930, [25] e os
“livros de �guras”, mencionados por Manuel Bandeira (1886-1968), ao
relembrar suas memórias de leitura:
Procuro me lembrar de outras impressões poéticas da primeira infância e eis que me
acodem os primeiros livros de imagens: João Felpudo, Simplício olha para o ar, Viagem à roda
do mundo numa casquinha de noz. Sobretudo este último teve in�uência muito forte em
mim; por ele adquiri a noção de haver uma realidade mais bela, diferente da realidade
quotidiana, e a página do macaco tirando cocos para os meninos despertou o meu
primeiro desejo de evasão. No fundo, já era Pasárgada que se prenunciava. [26]
Sintoma do reconhecimento progressivo e contemporâneo da
importância desta parceria verbo-visual são as transformações ocorridas nas
categorias de distribuição de prêmios literários a livros para crianças e jovens.
O principal deles, a medalha Hans Christian Andersen, desde 1956
concedida a cada dois anos pelo International Board on Books for Young People
(IBBY), destinava-se, originalmente, apenas a escritores. A partir de 1966, o
prêmio passou a ser atribuído também a ilustradores. Processo similar
ocorreu no Brasil: a Fundação Nacional do Livro Infantil e Juvenil (FNLIJ)
criou, em 1974, o prêmio “O Melhor para Criança”, outorgado a um
escritor; a partir de 1981, incluiu, entre os prêmios que distribui anualmente,
a categoria “Imagem”, destinada a ilustradores. Da sua parte, o prêmio
Jabuti, conferido pela Câmara Brasileira do Livro (CBL), inclui atualmente
os quesitos capa, projeto grá�co e ilustração, distinguindo dos demais, neste
último ponto, livros voltados para crianças e jovens.
Mesmo sem mencionar livros mais contemporâneos, dirigidos a crianças
muito pequenas, que exploram texturas e cheiros, constata-se que a
plurimidialidade se faz presente há muito tempo na literatura para crianças e
jovens, não constituindo, pois, uma novidade de nosso tempo, ainda que
contemporaneamente ela se manifeste em grau mais intenso.
Livros para crianças podem, inclusive, prescindir do texto escrito, como
evidenciam Ida e volta (1976), de Juarez Machado, ou Cena de rua (1994), de
Angela Lago. Podem igualmente abrir mão do papel, apresentando-se como
livros de pano ou de plástico, ou ainda como livro brinquedo, conceito
limítrofe, pois talvez já não pertença à esfera do literário, mas à do lúdico.
Ao lado da plurimidialidade, o livro de literatura infantil e juvenil, mais
do que outros gêneros, constitui, muitas vezes, resultado de produção
coletiva, somando no mínimo um escritor, um ilustrador e um editor, o que
traz para seu âmbito a intersubjetividade, pois a qualidade do produto �nal
decorre da integração, adequada e e�ciente, entre os vários sujeitos que
participam de sua realização.
Neste contexto de livros compostos por amálgamas de linguagens, até
onde chegam as novas fronteiras que delimitam livros e literatura de seus
outros?
4. Novas fronteiras
 
Andam no dia cibernético
As tar
ta
ru
gas eletrônicas.
Eu robô?
Ledo Ivo [27]
 
Eu quero entrar na rede pra contactar
Os lares do Nepal, os bares do Gabão
Que o chefe da polícia carioca avisa pelo celular
Que lá na praça Onze tem um videopôquer para se jogar
Gilberto Gil [28]
O dado novo, na cena contemporânea é a literatura infantil (mas talvez
não apenas ela...) prescindir do livro.
Experiências pioneiras de uma literatura sem livro foram, por exemplo, os
discos gravados por Braguinha (1907-2006), compositor e carnavalesco que,
entre 1965 e 1980, musicou vários contos de fadas tradicionais. Os pequenos
discos de vinil colorido, no entanto, não sobreviveram isolados, e seu
sucessor, o CD, passou a acompanhar os livros para crianças, via de regra
encartado neles. Tratava-se de complemento do livro, não de seu substituto.
Foram a expansão e a popularização da internet que �zeram diferença,
possibilitando ruptura radical entre literatura e livro.
Constituída por um conglomerado de redes de comunicação, a internet
opera de modo interligado no que se denomina ciberespaço, ambiente de
existência virtual disponibilizado pela tecnologia. Por meio de aplicativos
baixados em equipamento eletrônico, torna-se possível o intercâmbio de
mensagens representadas por texto escrito, grá�cos, vídeos, imagens,
animações, sons e música. Sites e blogs, em número in�nito, ao lado das
redes sociais – Facebook, Linkedin, Twitter, Instagram, entre as (hoje, 2015)
mais populares – colocam em relevo não apenas novos formatos de
comunicação, mas a possibilidade de interação entre sujeitos, grupos,
comunidades e projetos.
Incluem-se, entre as interações viabilizadas, intercâmbios inovadores entre
autores e leitores...
O processo de comunicação digital, operando com múltiplas plataformas,
impõe novas sensibilidades e formas de percepção, facilitando a associação
entre texto e imagem. Inclui também a possibilidade de articulação entre
texto, movimento, som e a terceira dimensão. Neste cenário digital,
emergem, assim, alternativas de criação, sendo que, no âmbito da produção
literária, uma notável contribuição, até agora experimentada com sucesso, é
representada pelo hipertexto, que materializa de forma radical os
procedimentos de construção do intertexto.
Intertexto, noção presente nos estudos literários a partir de 1966, quando
Julia Kristeva difundiu a expressão intertextualidade, [29] é a possibilidade de
as manifestações da escrita se apropriarem de textos anteriores, em processo
permanente de citação e reelaboração. Bastante presente no mundo da
literatura impressa, o intertexto, para fazer sentido, supõe a memória, por
parte dos leitores, da matéria verbal que cita. Já o hipertexto – de formato
digital – prescinde da memória, já que, por meio de links, remete de
imediato de um produto escrito a outro. [30] Linkstambém podem ampliar e
completar o texto em que ocorrem.
O hipertexto favorece ainda leitura não sequencial e não linear.
Mais do que o texto impresso em papel, o hipertexto permite ao leitor-
internauta percorrer caminhos próprios de leitura, na medida em que cabe a
ele, através dos links que escolhe, eleger os atalhos e interagir. Como
interatividade e simultaneidade pertencem de antemão à natureza da
comunicação digital, compete ao hipertexto acentuá-las e aprofundá-las,
levando seu usuário a mergulhar no universo virtual do ciberespaço.
Quando ao hipertextoassociam-se imagem, animação e som, entramos no
universo da hipermídia. Com tais possibilidades, o hipertexto abre campos
até então inexplorados de criação, favorecendo o aparecimento de novos
gêneros literários, como, por exemplo, a fan�ction que consiste na apropriação
(in)devida de obras alheias, redigindo novos relatos a partir dos originais.
Concebida como reescrita / continuação / retomada de obras alheias, a
fan�ction não é propriamente invenção dos tempos da internet. Talvez se
possa alinhar, entre seus precursores remotos, Alonso Fernández de
Avellaneda (pseudônimo não identi�cado), o autor do falso Dom Quixote,
publicado em 1614, que dava continuidade às aventuras do �dalgo espanhol
narradas por Miguel de Cervantes (1547-1616) em publicação de 1605.
Foi, no entanto, com a explosão da cultura de massa que o gênero tomou
corpo, sendo que sua propagação deveu-se efetivamente às possibilidades
oferecidas pela internet. Graças à interatividade, histórias protagonizadas por
personagens de grande popularidade, oriundas da literatura, de histórias em
quadrinhos ou de seriados da televisão, podem envolver-se em novas
aventuras, propostas e disponibilizadas no ciberespaço por fãs dos originais.
[31]
No universo do ciberespaço, a produção e a circulaçãode textos – os
hipertextos – são extremamente facilitadas. Espaços como blogs, sites e redes
sociais acolhem hipertextos ao lado de textos à moda antiga, como notícias,
receitas de cozinha, autoajuda, narrativas e con�ssões, e ainda gêneros
canônicos, como poemas e crônicas. No ciberespaço, o livro pode aparecer
sob um formato especí�co – o do e-book –, mas não �ca restrito a esse, já
que incorpora obras tradicionais digitalizadas por meio de softwares
adequados.
Provavelmente, o ciberespaço veio para �car. E o que ele representa de
novo é às vezes assustador. A dimensão distópica da tecnologia foi tema de
inúmeras obras.
Projeções relativas ao futuro da sociedade humana imaginadas antes da
emergência e expansão do universo digital incluem os efeitos deste na
humanidade. Distopias como Admirável mundo novo (1932), de Aldous
Huxley (1894-1963), 1984 (1949), de George Orwell (1903-1950), e
Farenheit 451 (1953), de Ray Bradbury (1920-2012), obras vizinhas do �nal
da Segunda Guerra (1939-1945), quando se evidenciou que a vitória pendeu
para as nações que melhor lidaram com o mundo da informação, antecipam
a importância de máquinas na vida cotidiana.
A expansão da cultura cibernética e das ferramentas eletrônicas
determinou, por sua vez, discussões sobre modos e riscos de controle social
por mecanismos como computadores.
Filmes como 2001 – Uma odisseia no espaço, de 1968, do cineasta Stanley
Kubrick (1928-1999), sugerem a hipótese de as máquinas tornarem-se
autossu�cientes, passando a gerenciar a vida dos seres humanos. Por sua vez,
o totalitarismo exercido pela tecnologia mostra-se vinculado ao
enfraquecimento e mesmo desaparecimento da cultura considerada elevada:
em Farenheit 451, o grupo social, dominado por um estado centralizador e
despótico, abre mão da fantasia, de que a literatura é expressão, e do livro,
seu suporte convencional. A posse de obras impressas é crime, punível com a
destruição delas, por uma brigada de bombeiros, que queima livros, objetos
tidos por subversivos. [32]
O título Farenheit 451 alude à temperatura necessária para a queima do
papel. A data de sua publicação, próxima dos poemas brasileiros antes
comentados, antecipa a questão tão contemporânea: a criação e difusão de
textos em meio digital encerrará a era do livro? Acabará igualmente com a
literatura, uma vez que, como se observou, sua existência coincide com a era
do livro?
Têm, assim, longa e respeitável genealogia os debates que opõem livro
impresso e livro digital. [33] Também se discute amiúde a permanência da
literatura, destacando-se sobretudo a observação de que a natureza do texto
literário não sofreu alterações – sejam ganhos ou perdas – ao migrar (ou
deixar de migrar) para o formato digital. Tal ponto pode ser controverso no
âmbito da literatura não infantil, [34] porém, no caso dos livros para crianças e
adolescentes, esses se bene�ciam da familiaridade maior de gerações mais
jovens com o mundo da cibercultura, o que faz com que talvez o gênero
infantil possa oferecer algumas lições à sua irmã mais velha, a literatura que
não se dirige especi�camente a crianças e jovens.
Será? E se for? Quais e como são algumas das primeiras obras brasileiras a
desa�ar as fronteiras do livro e da literatura?
5. Autores de leitores on-line
Os leitores pensam com razão que são apenas filhos de Deus, pessoas,
indivíduos, meus irmãos (nas prédicas), almas (nas estatísticas), membros
(nas sociedades), praças (no exército), e nada mais. Pois são ainda uma
certa coisa, – uma coisa nova, metafórica, original.
Machado de Assis [35]
5.1 Sérgio Capparelli e Ana Cláudia Gruszynski
Exemplos de produção brasileira recente sugerem e�ciente ocupação das
novas fronteiras, provindo um deles do endereço www.ciberpoesia.com.br,
de autoria de Sérgio Capparelli e Ana Cláudia Gruszynski. [36]
 
Sérgio Capparelli e Ana Cláudia Gruszynski
http://www.ciberpoesia.com.br/
Figura 3
 
A tela de abertura (Figura 3), como a página de rosto de um livro,
identi�ca o conteúdo (ciber & poemas,no canto superior esquerdo) e a autoria
(Sérgio Capparelli e Ana Cláudia Gruszynski, no canto superior direito). Na
sequência, informa os procedimentos (“cliques nos ícones”) necessários à
interação do leitor, aqui tratado como internautaexperiente. Ao longo da
navegação, o leitor-internauta não apenas lêpoemas, mas é convidado a
compor seus próprios versos. O primeiro ícone tem a forma de um
computador de mesa, e o segundo – que leva às poesias visuais – representa
um olho, sublinhando as características imagéticas dos textos exibidos.
 
Sérgio Capparelli e Ana Cláudia Gruszynski
Figura 4
 
A �gura 4 reproduz um dos poemas visuais: os versos de Sérgio
Capparelli inscrevem-se sobre pintura de Vincent Van Gogh (1853-1890),
copiada em variações de cinza. Os versos distribuem-se por linhas
assimétricas e descontínuas, simulando visualmente os caminhos que os
sapatos, tema do quadro, podem ter percorrido. Por sua vez, naquilo que
corresponderia a uma segunda estrofe, há um diálogo do sujeito poético com
o autor da pintura, sugerindo agora uma interação entre o escritor e o
pintor, de que participa o leitor, na medida em que ele pode conferir
movimento às �guras disponibilizadas na tela.
Um terceiro ícone, na tela de abertura (Figura 3), propõe outro percurso
de navegação: ao lado da imagem de lombadas de livros, o usuário é
convidado a visitar “outros sites e ideias de ciberpoesia”, o que favorece a
familiaridade de seus internautas com produções literárias pioneiras na
utilização de recursos digitais para a criação artística. Ao convidar a conhecer
“a poesia como um jogo dentro e fora da sala de aula”, o siteextrapola o
âmbito estritamente escolar.
Como ocorre a grande parte das home pages, as possibilidades de
navegação neste site são inúmeras. De uma parte, elas acompanham a
proposta criativa dos autores dos ciberpoemas, de outra, colocam seu
trabalho em perspectiva, ao se integrar a produtos resultantes de outros
projetos on-line. O www.ciberpoesia.com.br (disponível em setembro de
2014) assume a dimensão própria de ambientes digitais multimídia, ao lidar
simultaneamente com texto, imagem, animação e som, [37] além de proceder
a apropriações intertextuais e �gurativas, como a pintura de Van Gogh.
Enquanto proposta, o produto digital de 2000, que é hiper /
intermidiático, mostra-se mais arrojado do que a obra impressa a que remete,
lançada naquele mesmo ano. Por outro lado, o produto impresso pode ser
comercializado e remunerado, retorno �nanceiro que não ocorre (ainda) à
maioria dos sites brasileiros dedicados à literatura, cujo acesso é livre e
gratuito, embora sua realização incida em custos com os quais precisam arcar
seus proponentes. Não tendo rentabilidade, não inspira investimentos altos, o
que talvez reduza as possibilidades de sua produção.
Vale a pena debruçar-se sobre algumas questões: a disponibilização
gratuita de sites remete a livros e autores enquanto marketing do produto
impresso? O problema se resolveria com o lançamento de e-books, produto
tão comercializável quanto o livro de papel? Pesquisas recentes, porém, têm
revelado que ainda é incipiente o acesso às obras literárias via internet [38] e
rarefeita a difusão, e consequente aquisição, de versões digitais de livros de
autores brasileiros. [39]
A resposta a essas questões certamente levará em conta ganhos e perdas:
ganhos são literalmente os lucros a auferir pelos empresários e a remuneração
a ser alcançada por autores, ilustradores, programadores, editores, revisores,
en�m, os pro�ssionais envolvidos no processo de produção de sites e e-book.
As perdas relacionam-se à redução das oportunidades de improvisação
colocadas ao alcance do leitor-internauta. De todo modo, alargam-se as
possibilidades de criação, circulação e acesso aos bens literários, sendo essas
provavelmente as maiores vantagens, ao alcance de todos os usuários.
 
http://www.ciberpoesia.com.br/
5.2 Leo Cunha
Também exemplar em relação ao emprego de recursos digitais na
produção de literatura infantilé a home page de Leo Cunha.
O autor disponibiliza em
http://www.leocunha.jex.com.br/poemas+animados [40] quatro poemas,
datados de 20 de agosto de 2011, que se apresentam em permanente
movimento.
Jesus Clips dispensa a linguagem verbal, utilizada apenas no título do
poema, acessível na página do poeta. O texto vale-se da imagem de clipes,
pequenos objetos de arame ou plástico, utilizados, usualmente, para prender
folhas de papel.
Na tela, vários clipes unidos formam a cruz em que Jesus Cristo foi
sacri�cado. O substantivo comum clips substitui o nome próprio Cristo,
facultando o trocadilho, que também remete a signi�cados mais
contemporâneos do vocábulo, no universo da comunicação e da informação:
os clips de notícias e os videoclipes. [41] Por outro lado, uma interpretação
metalinguística pode ser igualmente acrescentada: no mundo em que o papel
vem sendo substituído pela tela, o clipe não deixa de, da sua parte, também
ser sacri�cado, como o Cristo na cruz.
Gol de letra é outra produção de Leo Cunha extremamente inventiva.
Nela predominam as cores verde e amarelo, alusão explícita ao apego
nacional ao futebol. A composição vale-se da visualidade dos grafemas, ao
transformar o “G”, que aparece deitado na imagem proposta, em uma baliza,
com suas traves, por onde passa a bola, chutada pelo craque. [42]
Em outro poema, Água, Leo Cunha vai um pouco mais longe.
O título remete ao conteúdo do poema, que se constitui de uma
sequência de palavras relacionadas a água: torneira, cascata, cachoeira e
catarata, dispostas em diagonal na tela. As palavras mimetizam quedas d’água,
avançando da mais simples à mais volumosa, efeito construído pelo diferente
tamanho das fontes grá�cas, que aumentam à medida que os vocábulos
remetem a volumes de água cada vez maiores, de “torneira” a “catarata”.
Preserva-se ainda o recurso a rimas (torneira/cachoeira; cascata/catarata),
tradicional em poemas impressos, embora sua realização maior ocorra na
http://www.leocunha.jex.com.br/poemas+animados
oralidade [43]. No mesmo sentido de sonorização, trabalha a repetição
alternada de oclusivas, sibilantes e vibrantes.
A �gura 5 mostra o momento �nal do processo:
 
Leo Cunha
Figura 5
 
Um último poema do sitede Leo Cunha compõe-se aparentemente de
uma única frase: “A poesia se faz num piscar/pescar de olhos”. A alternância
entre as palavras “piscar/pescar” fragmenta o período em duas orações que se
substituem uma à outra pelo revezamento das vogais, que se dá por
intermédio de movimento que simula a ação de piscar que o poema
menciona. [44]
Na alternância dos verbos que compõem o verso de onze sílabas, a rima
entre as palavras que comutam pode ainda sugerir ações que remetem
respectivamente ao poeta e ao leitor-internauta. Qualquer das duas
interpretações sugere tanto o trabalho de seleção que preside à produção
literária (“pescar”), quanto a volatilidade da tela e o caráter visual do poema
em meio eletrônico (“piscar”).
 
5.3 Angela Lago
O site www.angela-lago.com.br/Chapeuzinho.html hospeda proposta
bastante criativa inspirada na clássica personagem de Chapeuzinho Vermelho,
conhecida pelo público infantil desde a publicação das Histórias do tempo
passado com moralidades, ou Contos da mamãe gansa (1697), de Charles Perrault
(1628-1703).
Em razão da extrema popularidade da personagem e de sua trajetória, a
narrativa digital pode prescindir da reprodução do texto, invocando já na tela
de abertura elementos principais do enredo. A história inaugura-se com a
protagonista cantarolando La vie en rose (1946), de Edith Piaf (1915-1963) e
Louis Gugliemi (1916-1991).
A escolha da canção pode produzir interessantes efeitos de sentido.
Trata-se, em primeiro lugar, de uma canção de temática adulta e de letra
em francês, o que talvez limite o público capaz de lera
inter/hipertextualidade da proposta. Estabelece-se ainda a associação entre a
cor vermelha da indumentária da personagem e o título da melodia. Mas o
fato de a letra da canção manifestar evidente conteúdo erótico [45] rati�ca
interpretações dadas ao conto de Perrault, entendido como um ritual de
iniciação à vida amorosa. [46]
É, pois, de modo �gurativo que, nas telas do sitede Angela Lago, se
desdobra a trama. Esta se desenvolve desde o momento em que a menina
deixa sua casa, para visitar a avó, e a mãe a adverte dos perigos que poderá
encontrar no caminho, até o �nal, quando o lobo é punido. A transcrição
visual poderia não se mostrar original, se a narrativa se restringisse à
repetição do enredo de antemão conhecido através de diferentes mídias
como livros, cinema, teatro, televisão, quadrinhos e mesmo outros sites.
Contudo, no trabalho de Angela Lago, o enredo sofre alterações
profundas.
A narrativa digital não confere ao caçador papel de herói. Pelo contrário:
embora multiplicado em várias �guras masculinas absolutamente iguais e
portando todas uma espingarda ao ombro, nenhuma delas ajuda
http://www.angela-lago.com.br/Chapeuzinho.html
Chapeuzinho. Temerosos face ao lobo, seguem direção contrária à da
protagonista, como se vê na �gura 6.
 
Angela Lago
Figura 6
 
Tal reversão de expectativas acrescenta um per�l feminista à intriga,
reiterando o protagonismo da menina.
A essa mudança radical de foco, somam-se procedimentos que
multiplicam o andamento da trama. Recursos digitais permitem que, a cada
trecho da narrativa, o usuário faça opções que conduzem a ação a distintos
desdobramentos.
Na �gura 7, Chapeuzinho está diante de uma encruzilhada: a seta reta, de
cor verde, aponta uma direção positiva, pois, se escolhida, a garota se depara
com o lobo, a quem põe a correr, atacando-o com a cesta de comidas; a seta
em ziguezague, cuja sinuosidade a assemelha uma serpente (podendo evocar,
É
para alguns leitores, a �gura da serpente que tentou Eva no Jardim do Éden),
conduz a personagem ao trajeto do perigo, distraindo-a e permitindo ao
lobo chegar antes dela à casa da avó.
 
Angela Lago
Figura 7
 
Esse procedimento repete-se ao longo da narrativa, facultando a eleição
de percursos próprios, a partir de múltiplos roteiros, que reproduzem, no
plano �gurativo, as virtualidades do hipertexto no âmbito verbal.
Outro elemento bastante inventivo presente no enredo proposto por
Angela Lago é o livro impresso, a que recorrem as personagens quando não
sabem como se conduzir ou a que levarão suas escolhas. A �gura 8 ilustra a
passagem.
 
Angela Lago
Figura 8
 
A presença do livro, no corpo de uma obra da qual a linguagem verbal
está excluída, é signi�cativa: parece sugerir e encenar o diálogo de dois
modos contemporâneos de existência da literatura. Atesta, além disso, a
anterioridade da expressão verbal sobre a digital, explicitando um percurso
histórico de que esta versão on-line de Chapeuzinho Vermelho é herdeira e
tributária. Trata-se de uma inserção metalinguística – inter/hipertextual e
dialógica – que enriquece o produto �nal e aponta para a importância do
permanente trânsito entre os suportes de que a literatura se vale. [47]
O desenvolvimento e difusão da informática parece ter encontrado na
literatura infantil e juvenil – particularmente na fatia infantil do gênero –
campo extremamente favorável à expansão da inventividade de seus
criadores. Como a iniciação dos internautas à navegação hipertextual dá-se
desde cedo, porque absorveram o “transletramento”, [48] supõe-se que a
informática continuará, nos próximos anos, oferecendo à literatura sugestões
originais para a produção artística, com resultados a serem observados
inclusive no âmbito da cultura mais tradicional do livro.
E como se faz presente, no universo do papel e tinta, a cultura de telas,
teclados e links?
6. Entre as antigas fronteiras
Tropeçavas nos astros desastrada
Quase não tínhamos livros em casa
E a cidade não tinha livraria
Mas os livros que em nossa vida entraram
São como a radiação de um corpo negro
Apontando pra a expansão do Universo
Porque a frase, o conceito, o enredo, o verso
(E, sem dúvida, sobretudo o verso)
É o que pode lançar mundos no mundo.
Tropeçavasnos astros desastrada
Sem saber que a ventura e a desventura
Dessa estrada que vai do nada ao nada
São livros e o luar contra a cultura.
Caetano Veloso [49]
Como se vem observando, a introdução das novas tecnologias eletrônicas
afeta a produção e a circulação da literatura. Não é, entretanto, apenas nesses
novos suportes que a cultura digital se faz presente. Ela também invade o
universo do livro, ao propor temas, ideias e procedimentos artísticos
singulares.
Um exemplo pode ser encontrado em Poesia visual, livro a que remete o
endereço www.ciberpoesia.com.br, já mencionado. A obra impressa
constitui-se de poemas em que se mesclam elementos textuais e �gurativos,
como o reproduzido na �gura 9, que tanto aparece no site, como também
faz parte do volume assinado por Sérgio Capparelli e Ana Cláudia
Gruszynski.
Observe-se que, se o salto é constituído por um desenho, a gáspea é
formada por versos dirigidos à menina Carolina, em um cenário poético em
que uma adolescente, cruzando uma praça �orida, atrai o olhar do sujeito
http://www.ciberpoesia.com.br/
lírico, que confessa a ela seu sentimento amoroso. Os versos, embora
mantendo o recurso à linguagem verbal, dispõem o escrito de maneira a
conferir a ele também uma dimensão visual, de desenho. O mesmo poema
mostra-se espelhado na página impressa (Figura 10), de modo que se
apresenta um par de sapatos, mas as palavras, agora invertidas e expostas em
fonte menor, tornam-se menos visíveis e, pela mesma razão, mais intimistas.
[50]
 
Sérgio Capparelli e Ana Cláudia Gruszynski
Figura 9
 
Sérgio Capparelli e Ana Cláudia Gruszynski
Figura 10
 
Na página 11 do livro, outro poema, mesclando texto, imagem e cor,
evidencia como recursos distintos podem compor uma obra literária e
intensi�car seus signi�cados (Figura 11).
 
Sérgio Capparelli e Ana Cláudia Gruszynski
Figura 11
 
Em livro, contudo, essas obras perdem o movimento e a interatividade,
efeitos que a linguagem digital propicia. Impressos, os poemas contam com a
materialidade do papel, o que acarreta a presença física mais concreta e
imobilizada, não ultrapassando, porém, a bidimensionalidade e linearidade.
Também resulta da interação entre produção literária e criação digital o
livro de Sérgio Capparelli 33 ciberpoemas e uma fábula virtual que, embora
circule em volume impresso, evoca, desde seu título, o mundo digital.
No livro, elementos do mundo digital tornam-se matéria literária,
oferecendo-se sob a forma de metáforas, temas e ideias. Ações como clicar,
conectar, digitar ou imprimir aparecem nos versos de Quando, que também
se vale do vocabulário da programação eletrônica e da formatação de textos
para expressar o tema amoroso:
Quando você me clica,
quando você me conecta, me liga,
quando entra nos meus programas, nas minhas janelas,
quando você me acende, me printa, me encompassa,
me sublinha, me funde e me tria:
Meus caracteres esvoaçam,
meus parágrafos se acendem,
meus capítulos se reagrupam,
meus títulos se põem maiúsculos,
e meu coração troveja! [51]
É também o mundo eletrônico que comparece ao poema Compatível:
 
O CD-Rom
formata o �m do dia
entoando a Ave Maria
de Schubert. [52]
 
Por sua vez, um dos poemas inova a representação da �gura familiar da
avóque, desde as coleções dirigidas às crianças, lançadas pela Livraria
Quaresma, até a Biblioteca Infantil, da editora Melhoramentos, passando pela
Poesias infantis (1904), de Olavo Bilac (1865-1918), protagoniza poemas e
narrativas para leitores mirins:
 
Se alguém seguir a luz, bem sei,
vai logo descobrir vovó
(tarde na noite,
cedo na cidade)
com os pássaros dos dedos pousando nas teclas,
a tricotar um xale luminoso
de 200MB de memória RAM. [53]
 
Unidades de informação armazenáveis ou transmitidas na computação e
de quanti�cação da memória virtual aparecem na condição de metáfora da
energia existencial em Bits:
Vem, amor,
mata essa minha fome de
chips,
de vips, de bits
e de bytes.
Mata essa minha fome
de ais. [54]
São as instâncias de comunicação, como a mais popular delas, o e-mail ou
correio eletrônico, que frequentam com assiduidade os textos literários que
extraem sugestões do universo cibernético. Em Mensagem, Sérgio Capparelli
não apenas menciona o recurso, como se vale dele para o trocadilho
provocado pela semelhança fônica entre ‘e-mail’ e ‘meio’:
 
Envio mensagens
pelo e-mail
e me respondes inteira:
interativa
super ativa
superativa [55]
 
Mensagens perdidas, por sua vez, re�ete sobre os limites da comunicação:
 
Tenho pena dessas mensagens
que se perdem pelo caminho
e nunca chegam ao destino.
Por causa de um engano
por causa de um comando
malsucedido. [56]
 
Também Leo Cunha, cuja obra, como vimos, transita com desenvoltura
no ciberespaço, aproveita, em Perdido no ciberespaço (2007), sugestões
conceituais do mundo digital para expressar sentimento de perda e separação,
tema clássico da poesia que, no caso de suas estrofes, e por meio da invocação
de São Longuinho, articula-se com a menção a práticas e crenças populares:
 
Veja o meu drama, amigo, ou amiga,
estou perdido na Internet,
fui �sgado pela rede,
não encontro a saída.
Maldita hora em que inventei
de navegar por esses lados.
Qualquer coisa deu errado,
de uma hora pra outra tudo �cou escuro,
tudo �cou estranho,
já não sei meu paradeiro!
Abre-te, página! Abre-te, Sésamo!
Valha-me, São Longuinho!
Eu já dei meus três pulinhos,
mas não consigo me achar! [57]
 
Da mesma forma que o e-mail, também blogsinspiram a formatação de
obras literárias que aparecem no suporte livro. Novamente, nesse caso, a
literatura se apropria de um procedimento da cultura virtual, incorporando-a
no universo do impresso, como faz Luís Dill, em Todos contra D@nte, de
2008.
O assunto da narrativa é o bullying praticado contra o Dante do título,
aluno de uma escola de elite que não é aceito pelos colegas, por pertencer a
uma classe média emergente e residir em zona suburbana da cidade,
provavelmente Porto Alegre, a se julgar pelas indicações do texto e as
expressões linguísticas empregadas pelas personagens. O assédio, brutal, acaba
resultando na morte do garoto, e o enredo se concentra nos eventos
posteriores à ação dos quatro adolescentes agressores que buscam escapar à
punição, escondendo-se por trás do anonimato e da falta de testemunhas.
A exposição da trama faz-se por meio de três tipos de discurso que
ocupam as páginas ímpares do livro.
Os diálogos, transcritos em 21 passagens, reproduzem as trocas de
informações, por telefone (geralmente celular) ou pessoalmente, entre os
agressores (a menina Manu e os garotos Cauã, Davi e James) e colegas de
turma. Os diálogos são introduzidos por uma curta oração do narrador, que
identi�ca os falantes; seguem-se conversas nas quais os agressores planejam
como se proteger mutuamente.
O segundo tipo de discurso reproduz as manifestações ofensivas e
corrosivas dos membros da Comunidade Eu sacaneio o Dante (criada à época
em que o Orkut era a rede social em evidência), composta por vários alunos,
que rechaçam jovens provenientes de segmentos sociais mais humildes por
meio do aviltamento de sua �gura física, família e caráter.
O terceiro discurso, em primeira pessoa, é emitido pelo protagonista, que
cria um blog em que dialoga imaginariamente com seu xará, o poeta
�orentino Dante Alighieri (1265-1321), autor de A divina comédia, obra
clássica do Renascimento italiano, escrita no século XIV e impressa no
século XV. O blog tem teor eminentemente confessional, permitindo ao
garoto falar dos problemas na escola, a paixão por Geovana, que considera a
sua Beatriz, e da situação familiar. Esta caracteriza-se pela ausência do pai, o
trabalho da mãe, que almeja ver o �lho bem sucedido nos estudos, e pelo
apoio emocional e material manifestado por Ulisses, o irmão mais maduro e
experiente.
A esses três discursos soma-se uma quarta voz, exibida nas páginas pares,
e anunciada por um vínculo, um link disponibilizado em algum dos outros
três discursos. Ele permite o retrospectodos acontecimentos, quer este
retrospecto se faça pela voz de um narrador onisciente, por uma citação
(como as dos versos de Alighieri relembrados pelo Dante brasileiro), ou uma
explicação, que esclarece os eventos mencionados nas páginas ímpares.
Como se vê, a estrutura da obra aproveita sugestões do mundo da
comunicação virtual. Comunidades, blogs, links são elementos do mundo
digital, facultando a navegação entre páginas distintas. O ousado projeto
grá�co da obra transforma-os em procedimentos narrativos e seus
consequentes efeitos de sentido. A esses elementos o autor acrescenta
recursos da linguagem literária, como o intertexto, ao introduzir o poema
épico de Dante Alighieri.
Concebendo o poeta de A divina comédia enquanto um dos fundadores da
modernidade, o livro de Luis Dill une as pontas: valendo-se de recursos da
linguagem digital, evoca a imagem do Inferno, ao modo como a Teologia
cristã o concebe, inferno esse que o protagonista do livro, o menino Dante,
vive diuturnamente.
A oposição entre o conteúdo das páginas ímpares e das pares permite
superar, ainda que não inteiramente, a bidimensionalidade de um livro
impresso, uma vez que tenta esboçar a profundidade de campo que a
linguagem digital propicia. Além disso, ao obrigar o leitor a voltar o olhar da
página ímpar para a página par que a antecede, e não para a que a sucede, a
técnica narrativa de Dill produz relevante modi�cação nos modos de
percepção do texto impresso, cuja apreensão dá-se, no sistema da escrita
ocidental, da esquerda para a direita. A página 27 reproduz o que conversam
– e na ortogra�a em que escrevem, ainda que sem os sublinhados em azul
que na tela indicam links – os participantes da Comunidade Eu Sacaneio o
Dante. O leitor do livro é pilotado para retroceder à página anterior (p. 26).
As duas próximas �guras reproduzem ambas as páginas:
 
DILL, Luís. Todos contra Dante. Seguinte, 1ª edição, 2008
Figura 12
 
DILL, Luís. Todos contra Dante. Seguinte, 1ª edição, 2008
Figura 13
 
E que perspectivas abre essa superposição de fronteiras?
7. “Tudo ao mesmo tempo agora”
Uma coisa de cada vez
Tudo ao mesmo tempo agora
Arnaldo Antunes [58]
As novas ferramentas e linguagens da cultura digital abrem perspectivas
inusitadas para o mundo do livro e da leitura.
Inclusive para a literatura, o que evoca o polêmico disco dos Titãs de
1991, que repete ininterruptamente a contradição dos versos “uma coisa de
cada vez / tudo ao mesmo tempo agora”.
Ao longo deste capítulo, apontaram-se algumas das parcerias celebradas
entre a cultura do impresso e a cultura digital, no que respeita às linguagens
de que se podem valer a poesia e a prosa que se pretendem voltadas para
leitura literária.
Não é, no entanto, apenas na esfera da criação que os meios eletrônicos
fazem parte do cenário literário contemporâneo. Eles parecem imprimir
alterações profundas e amplas também nos modos de divulgação de obras e
de autores. Os meios digitais podem ser uma porta que se abre sobretudo no
caso de autores ainda não su�cientemente conhecidos ou de gêneros
literários (como a poesia), cuja publicação em livro encontra resistência por
parte de editoras de grande porte.
Escritores notáveis, por sua vez, começam a manter blogs ativos como
forma de se comunicar mais diretamente com seu destinatário (de que é
exemplo o endereço http://paulocoelhoblog.com/), e inovam de forma
instigante a relação com os leitores, quer adiantando o lançamento de obras,
quer testando a reação do público diante de eventuais mudanças de rumo em
suas criações artísticas.
Nesta nova era que se inaugura para a literatura e para o livro, o mundo
digital ocupa um lugar muito expressivo, metamorfoseando-se em formas
distintas de apresentação, seja amalgamando-se ao impresso, seja substituindo-
o.
Vivemos, efetivamente, um cenário de transição e de superposição, em
um horizonte de muitas questões e poucas certezas, materializado, de uma
parte, em sites, e-readers e e-books, que reproduzem formas de livros; e, de
outra, em livros formatados com a sintaxe de sites. Com tais traços, a
literatura infantil parece desfrutar de invejável pioneirismo. Do relançamento
de Lobato ao livro de Dill, os resultados que a literatura infantil brasileira
vem atingindo hoje, por um lado, lhe são próprios, mas, por outro, podem
bem servir de exemplo para suas coirmãs do campo criativo com a palavra e
a imagem, a literatura tout court.
O volume da produção de literatura infantil e não infantil reforça ou
enfraquece esta hipótese?
O peso dos números e das
instituições
O texto quando escreve
Escreve
Ou foi escrito
Reescrito?
O texto será reescrito
Pelo tipógrafo / o leitor / o crítico;
Pela roda do tempo?
Sofre o operador:
O tipógrafo trunca o texto.
Melhor mandar à oficina
O texto já truncado.
Murilo Mendes [59]
Debruçar-se sobre a produção e a circulação de literatura infantil e
juvenil brasileira das últimas décadas do século XX e das primeiras do século
XXI não se limita à discussão sobre o impacto de novas linguagens e novas
mídiasna cultura literária do livro impresso.
O universo tradicional do livro impresso, particularmente o que se
destina a crianças e jovens, agregou, de forma lenta, porém irreversível,
outros novos e importantes traços. Alguns destes, talvez, decorrentes de uma
marca das últimas décadas: forte tendência à institucionalização e, a ela
relacionada, a marcante presença do Estado através de políticas de incentivo à
produção, circulação e consumo de obras literárias.
Além de medidas governamentais em âmbito federal, estadual e
municipal, inúmeras instituições de ensino superior, organizações não
governamentais e similares aparelhos da sociedade civil são agentes bastante
ativos no cenário da literatura infantil e juvenil brasileira de nossa época.
Qual é o Brasil em que tais processos, resultados, efeitos e perspectivas
ocorrem?
1. O mercado editorial
Antes de iniciar este livro, imaginei construí-lo pela divisão do trabalho.
Dirigi-me a alguns amigos, e quase todos consentiram de boa vontade em
contribuir para o desenvolvimento das letras nacionais. Padre Silvestre
ficaria com a parte moral e as citações latinas; João Nogueira aceitou a
pontuação, a ortografia e a sintaxe; prometi ao Arquimedes a composição
tipográfica; para a composição literária convidei Lúcio Gomes de Azevedo
Gondim, redator e diretor do “Cruzeiro”. Eu traçaria o plano, introduziria na
história rudimentos de agricultura e pecuária, faria as despesas e poria o
meu nome na capa.
Paulo Honório [60]
As décadas �nais do século XX e as primeiras do século XXI constituem
um tempo particularmente eufórico para o Brasil.
Na esteira de movimentos populares, ação armada, articulações políticas,
em 1985 uma eleição para presidente, ainda que indireta, põe �m a uma
ditadura militar de mais de vinte anos, iniciada com a deposição, em 1964,
do presidente João Goulart (1919-1976). A posse de um presidente civil, José
Sarney, dá-se em 1985.
Uma nova constituição é votada em 1988 e, com ela, o país prepara-se,
mais uma vez, para prosseguir sua lenta, inconclusa porém sempre
teimosamente retomada, caminhada em direção a uma sociedade mais justa, a
uma modernidade mais humana.
A redemocratização, o�cializada em 1985, vem acompanhada de
alterações de ordem econômica. A in�ação, constante e crescente nos anos
1980, é controlada a partir de 1994 com o Plano Real, que rebatiza e
estabiliza a moeda nacional.
O Estado brasileiro, por sua vez, passa a guiar-se pela cartilha neoliberal.
A globalização impõe igualmente suas regras, e o Brasil entra na rota dos
mercados capazes de atrair investimentos estrangeiros. Amplia-se o parque
industrial do país, ao mesmo tempo em que se desenvolve a agroindústria.
Os efeitos sociais desta política fazem-se sentir na primeira década do
século XXI, aumentando a oferta de empregos e estendendo-a a segmentos
sociais até então marginalizados do mercado de trabalho. Nesse cenário, tem
lugar nova explosão urbana, e a oferta de escolarização alcança faixas maisamplas da infância e da juventude.
Uma população politicamente mais amadurecida reivindica maiores
investimentos em educação, saúde e segurança, bem como melhor
aparelhamento urbano no âmbito do saneamento, transporte público, meio
ambiente e cultura. O comércio de bens de consumo prospera, e fortalece-se
uma nova classe média que, depois de um longo período de arrocho, pode
bene�ciar-se das facilidades de �nanciamento para aquisição de bens menos
ou mais duráveis, como eletrodomésticos e casa própria.
Um tal cenário se manifesta em todas as áreas sociais e afeta
profundamente a cultura em seus processos e produtos. Afeta de maneira
especí�ca distintas modalidades artísticas, mas mexe com todas. Da pintura à
dança, da música ao teatro e ao cinema multiplicam-se projetos públicos de
apoio à produção estética, e proliferam espaços e eventos que favorecem a
circulação de criações artísticas e seu consumo.
No que respeita à literatura, cresce consideravelmente o número de livros
impressos, em especial das obras – didáticas e literárias – destinadas a crianças
e jovens. Livros para crianças e jovens exibem espetacular desenvolvimento
quantitativo e qualitativo, propondo, desdobrando e consolidando novas
formas de produção e difusão.
Os quadros a seguir, organizados a partir de levantamentos da Câmara
Brasileira do Livro (CBL) e do Sindicato Nacional de Editores de Livros
(SNEL), registram o aumento do número de obras dirigidas ao público
infantil e juvenil. Embora tais dados sejam, desde 1992, [61] levantados
anualmente, nem sempre se mantêm constantes as categorias em torno das
quais eles se agrupam. Acresce a este embaraço a pouca autocon�ança das
autoras quando transpõem as fronteiras do mundo das letras para o dos
números. No entanto, a decisão de arriscar algumas discussões fundadas em
cifras foi tomada em função da já mencionada indissociabilidade – a partir de
um certo ponto – entre quantidade e qualidade.
O primeiro quadro dá conta da população brasileira nas últimas décadas.
O segundo, da produção de livros no Brasil em diferentes anos do século
XXI. A oscilação dos números encontrados em diferentes fontes, se não
invalida as re�exões aqui propostas (e acreditamos que não as invalida),
relativiza a objetividade que os desfamiliarizados com algarismo costumam
atribuir a eles.
 
QUADRO I - POPULAÇÃO BRASILEIRA
Ano POPULAÇÃO
1980 118.5 (milhões) [62]
1990 143.3 (milhões) [63]
1991 146.825.475 [64]
2000 165.5 (milhões) [65]
2010 186.5 (milhões) [66]
2014 202.7 ( milhões)
2015 204.4 ( milhões)
 
QUADRO II [67] - PRODUÇÃO DO SETOR EDITORIAL BRASILEIRO (Primeira edição e reedições)
PRODUÇÃO
Ano Títulos Exemplares
2002 39.800 338.700.000
2003 35.590 299.400.000
2010 54.754 492.579.094
2011 58.192 499.796.286
2012 57.473 485.261.331
2013 62.235 467.835.900
2014 60.829 501.371.513
2015 52.427 446.848.571
Fonte: SNEL – Sindicato Nacional de Editores de Livros [68]
 
QUADRO III - VENDAS
ANO TÍTULOS EXEMPLARES
1990 22.479 239.392.000
1995 40.503 330.834.320
2000 45.111 329.519.650
2005 41.528 306.463.687
2010 54.754 492.579.094
Fonte: SNEL – Sindicato Nacional de Editores de Livros [69]
 
O próximo quadro discrimina o número de títulos editados nas áreas de
didáticos, paradidáticos, infantis e obras destinadas ao público adulto.
Importa assinalar a falta de nitidez entre as fronteiras que pretendem
estabelecer a distinção entre uma e outra categoria.
 
QUADRO IV - TÍTULOS EDITADOS
  1990 1995 2000 2005 2010
INFANTIL - 5.791 3.776 2.768 -
JUVENIL - 3.026 4.065 1.730 -
INF + JUV 4.890 8.817 7.841 4.498 3.539
ADULTA 3.356 2.089 2.628 5.399 -
DIDÁTICOS 2.163 13.104 9.640 15.965 -
 
  2011 2012 2014 2015
INFANTIL - 7.047 7.802 6.783
JUVENIL - 3.964 6.783 3.952
INF + JUV 3.508 11.011 14.585 10.735
ADULTA - 5.863 6.563 4.841
DIDÁTICOS - 10.276 8.801 9712
Tabela construída com base nos dados constantes de relatórios O comportamento do setor editorial brasileiro, de anos diversos (FIPE,
CBL, SNEL)
 
 
O quadro V registra os exemplares editados em cada categoria.
 
QUADRO V - EXEMPLARES EDITADOS
  1990 1995 2000 2005 2010
INFANTIL 31.941.520 39.916.745 26.125.767 14.205.773 26.500.755
JUVENIL - 13.169.185 7.964.627 8.172.365 43.790.281
INF + JUV 31.941.520 53.085.930 34.090.394 22.378.138 70.291.036
ADULTA 28.896.440 - 8.568.078 24.906.597 39.652.617
DIDÁTICOS 104.308.640 193.736.323 196.223.729 171.531.776 230.208.962
 
  2012 2013 2014 2015
INFANTIL 32.030.337 39.269.715 37.259.612 12.499.466
JUVENIL 15.383.065 20.315.473 20.085.348 11.277.437
INF + JUV 47.413.402 59.585.188 57.344.960 23.776.903
ADULTA 37.870.478 43.342.414 48.491.769 31.649.010
DIDÁTICOS 214.250.244 195.575.296 211.518.868 219.390.259
Tabela construída com base nos dados constantes de relatórios O comportamento do setor editorial brasileiro, de anos diversos (FIPE,
CBL, SNEL)
 
Como já apontado, nem sempre é muito nítida a identidade das
categorias em torno as quais se desenham as pesquisas a partir das quais os
quadros até aqui propostos foram montados. Contudo, elas evidenciam que a
produção de literatura infantil e juvenil quase sempre supera a da literatura
destinada ao público adulto.
Tais dados mostram que o processo de encorpamento da literatura infantil
e juvenil, iniciado a partir dos anos 1970, foi levado adiante e fortalecido,
fazendo com que livros para crianças e jovens passassem a representar fatia
cada vez maior do mercado. Observa-se, no mesmo sentido, que é o livro
didático – parente próximo do livro de literatura infantil e juvenil, por
circularem ambos, em grande parte dos casos, entre o mesmo público – que
lidera, com ampla vantagem, esse mercado.
Que consequências acarreta essa con�guração do mundo dos livros?
2. A profissionalização dos agentes
da cadeia do livro
Andam todos curiosos por ler as tais Memórias da Emília, que não saem
nunca. Como vão elas?
Emília, toda ganjenta com o elogio – respondeu – rebolando-se:
- Vão indo bem, muito obrigada. Mas devagar. Meu secretário (o Visconde)
briga muito comigo e faz greves. Eu ordeno: “Escreva isto”. Ele, que é um
“sabugo ensinado”, escandaliza-se. “Oh, isso não! É impróprio”. E vem o
“fecha” e o livro vai atrasando…
Monteiro Lobato [70]
O mundo editorial brasileiro do século XXI, expresso inicialmente pelos
dados numéricos até agora apresentados, é moderno e globalizado.
Sua modernidade supõe distintas instâncias: editoras, distribuidoras,
livrarias convencionais e on-lineonde atuam e interagem pro�ssionais com
funções diferenciadas, entre os quais se contam escritores, capistas,
ilustradores, editores de texto, revisores etc.
Tudo, é claro, em função do leitor, consumidor da mercadoria por eles
fabricada.
Esse conjunto de pro�ssionais compõe a chamada cadeia do livro. A
denominação é originária da economia, e seu emprego tende a retirar a
produção do livro – inclusive o literário – da esfera de um único indivíduo.
A percepção da importância da cadeia do livroenfraquece a concepção de
literatura, durante um bom tempo subscrita e chancelada pelos estudos
literários, centralizada exclusivamente na �gura do autor, nos recursos
textuais por ele agenciados e nos sentidos por ele (presumidamente)
pretendidos.
Sabe-se hoje que o autor não está sozinho em cena, pois presencia-se o
que parece ser um irreversível movimento de pro�ssionalização por parte dos
participantes da cadeia do livro. O novo cenário afeta desde os artistas
(escritores e ilustradores) até os envolvidos com a circulação do produto �nal,
como agentes literários, divulgadores e gestores culturais responsáveis por
políticas de difusão da leitura (professores, bibliotecários, contadores de
histórias, críticos literários), cujo papel de mediadores é destacado na maioria
dos discursos e projetos voltados para livros e formação de leitores.
Se essas personagens responsabilizam-se pela mediação entre obras e
públicos, na relação autor/obrafazem-se presentes pro�ssionais nem sempre
evidentes em outras instâncias do sistema literário.

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