Buscar

3 - O NEURÔNIO

Prévia do material em texto

O Neurônio
Pontos-chave
1. Os neurônios possuem quatro regiões anatômicas distintas.
2. As membranas dos neurônios contêm um potencial elétrico de membrana em repouso.
3. O potencial de repouso da membrana é resultado de três causas principais.
4. O potencial de repouso da membrana pode ser alterado por sinalizações sinápticas de
uma célula pré-sináptica.
5. Os potenciais de ação começam no segmento inicial do axônio e propagam-se por toda
a extensão do mesmo.
Existem duas classes principais de células no sistema nervoso: o neurônio e a célula
glial (Capítulo 3). O primeiro é a unidade básica funcional do sistema nervoso. Sua
grande quantidade e interconexões explicam a complexidade do sistema nervoso. O
número de neurônios no sistema nervoso dos vertebrados varia amplamente. Existem
aproximadamente 100 milhões em um pequeno mamífero (p. ex., um camundongo), 100
bilhões em um ser humano e mais de 200 bilhões em baleias e elefantes: muito mais
neurônios em um sistema nervoso do que pessoas na Terra – e existem de 10 a 50 vezes
mais células gliais. O suporte estrutural e funcional fornecido aos neurônios pelas células
gliais e seu potencial para modular a comunicação neural constituem uma importante
contribuição para a integridade operacional do sistema nervoso. A quantidade de células
desse sistema é enorme, mas saber que elas têm elementos comuns torna mais fácil
compreendê-las.
Os Neurônios Possuem Quatro Regiões Anatômicas
Distintas
Um neurônio típico possui quatro regiões definidas morfologicamente (Figura 4-1): os
dendritos, o corpo celular, o axônio e as terminações pré-sinápticas deste. Essas quatro
regiões anatômicas são importantes para as principais atribuições elétricas e químicas
dos neurônios: receber sinalizações de terminações pré-sinápticas de outros neurônios
(nos dendritos); integrar essas sinalizações, geralmente contrárias (no segmento inicial
do axônio); transmitir impulsos de potencial de ação ao longo do axônio e sinalizar uma
célula adjacente a partir da terminação pré-sináptica. Essas funções são coletivamente
análogas ao papel geral do sistema nervoso: reunir informações do ambiente, integrar
tais informações e produzir um resultado que possa alterar o ambiente.
FIGURA 4-1 Um neurônio típico possui quatro regiões funcionalmente importantes. O corpo celular
fabrica proteínas para manter o neurônio; os dendritos recebem sinalizações a partir de neurônios
vizinhos; o axônio integra essas sinalizações e transmite potenciais de ação até certa distância ao
longo da célula; e a terminação pré-sináptica sinaliza células adjacentes. O detalhe mostra uma
ampliação da sinapse circundada.
O corpo celular (também chamado de soma ou pericário) desempenha um papel
importante na produção de proteínas essenciais para a função das células nervosas.
Quatro organelas são especialmente relevantes para esse propósito: o núcleo, contendo o
projeto para a montagem de proteínas; os ribossomos livres, que montam proteínas do
citosol; o retículo endoplasmático rugoso, onde são montadas proteínas secretoras e de
membrana; e o aparelho de Golgi, que processa e classifica mais extensamente os
componentes secretores e de membrana para transporte. O corpo celular normalmente
dá origem a vários prolongamentos semelhantes a ramos, denominados dendritos, cuja
área de superfície e extensão excede em muito a sua própria. Os dendritos funcionam
como o principal aparelho receptor do neurônio, recebendo sinalizações de outros. Essas,
normalmente de natureza química, interagem com proteínas especializadas (receptores)
que se encontram nos dendritos. O corpo celular também dá origem ao axônio, um
processo tubular geralmente longo (> um metro em alguns animais grandes). Este é a
unidade condutora do neurônio, transmitindo rapidamente um impulso elétrico (o
potencial de ação) de seu segmento inicial, no corpo celular, até sua extremidade muitas
vezes distante, na terminação pré-sináptica. Axônios adultos intactos não possuem
ribossomos, de maneira que normalmente não podem sintetizar proteínas. Em vez disso,
as macromoléculas são sintetizadas no corpo celular e transportadas ao longo do axônio
para regiões distantes e para as terminações pré-sinápticas, por um processo
denominado transporte axoplásmico. Grandes axônios são envolvidos por um envoltório
isolante, lipídico, chamado mielina. No sistema nervoso periférico, a mielina é formada
pelas células de Schwann: células gliais especializadas, que envolvem o axônio de forma
muito semelhante a papel higiênico em volta de um cabo de vassoura. Uma função
similar é desempenhada no sistema nervoso central (SNC) por células gliais,
denominadas oligodendrócitos. A bainha de mielina é interrompida, a intervalos regulares,
por espaços chamados de nodos de Ranvier. Ela aumenta significativamente a velocidade
de condução do potencial de ação ao longo do axônio.
Próximo de suas extremidades, os axônios ramificam-se em várias terminações
especializadas, denominadas terminações pré-sinápticas (ou “botões sinápticos”). Quando o
potencial chega rapidamente, essas terminações pré-sinápticas transmitem uma
sinalização química para uma célula adjacente. O local de contato entre elas é
denominado sinapse, mostrado no detalhe da Figura 4-1. A sinapse é formada pela
terminação pré-sináptica de uma célula (célula pré-sináptica), pela superfície receptora
da célula adjacente (célula pós-sináptica) e pelo espaço entre essas duas (a fenda
sináptica). Terminações pré-sinápticas contêm vesículas sinápticas cheias de transmissor
químico, que podem liberar seu conteúdo na fenda sináptica. Essas terminações de um
axônio normalmente entram em contato com a superfície receptora de um neurônio ou
uma célula muscular adjacente, geralmente com os dendritos do neurônio, mas às vezes
essa comunicação é feita no corpo celular ou, ocasionalmente, nas terminações pré-
sinápticas de outra célula (p. ex., para a inibição pré-sináptica). Em muitos neurônios, as
terminações pré-sinápticas frequentemente estabelecem sinapse em pequenas saliências
da membrana dendrítica, denominadas espinhos dendríticos ( Figura 4-2 e Capítulo 5). A
superfície receptora das células pós-sinápticas contém receptores especializados para o
transmissor químico liberado da terminação pré-sináptica.
FIGURA 4-2 Morfologia de um neurônio no córtex cerebral mamífero revelada com o método de
coloração de Golgi. O corpo celular (pericário), os dendritos e as porções proximais do axônio são
visíveis. Espinhos dendríticos minúsculos podem ser vistos ao longo dos dendritos. O corpo celular
tem aproximadamente 20 μm de diâmetro (imagem cortesia do Dr. Ceylan Isgor).
As funções de sinalização dos componentes morfológicos do neurônio podem ser
brevemente resumidas (Figura 4-3). Receptores, normalmente dendríticos, recebem
sinais neuroquímicos liberados das terminações pré-sinápticas de muitos outros
neurônios. Esses sinais, após serem transduzidos pelos receptores para uma forma
diferente (mudanças de pequena voltagem), são integrados no segmento inicial do
axônio. Dependendo dos resultados dessa integração, um potencial de ação (mudança de
alta voltagem) pode ser gerado no axônio. Esse potencial viaja com muita rapidez para as
terminações pré-sinápticas, geralmente distantes do axônio, para induzir a liberação do
neurotransmissor químico em outro neurônio ou célula muscular.
FIGURA 4-3 Visão geral da comunicação neural. PA, Potencial de ação; PEPS, Potencial
excitatório pós-sináptico; PIPS, Potencial inibitório pós-sináptico (porções modificadas de Klein BG:
Membrane potentials: the generation and conduction of electrical signals in neurons. Em Reece WO, editor: Duke's
physiology of domestic animals, ed. 12, Ithaca, NY, 2004, Comstock Publishing).
As Membranas dos Neurônios Contêm um Potencial
Elétrico de Repouso da Membrana
Os neurônios, assim como outras células do corpo, possuem um potencial elétrico, ou
voltagem, que pode ser mensurado através de sua membrana celular (potencial de repouso
da membrana). Entretanto,o potencial elétrico da membrana dos neurônios e das células
musculares é excepcional, pois sua magnitude e sinal podem ser alterados como
resultado da sinalização sináptica de outras células ou podem ser modificados no interior
de um órgão sensorial receptor, como uma resposta à transdução de alguma energia do
ambiente. Quando a alteração no potencial da membrana de um neurônio ou uma célula
muscular atinge o valor limiar, ocorre nesse potencial uma alteração adicional e drástica,
denominada potencial de ação, que se move ao longo de todo o comprimento do axônio
neuronal (ver discussão adiante).
As origens do potencial elétrico de repouso da membrana são complicadas,
especialmente do ponto de vista quantitativo. Em termos qualitativos, entretanto, o
potencial de repouso da membrana é o resultado da separação diferencial de íons
carregados, especialmente sódio (Na+) e potássio (K+), através da membrana e da
permeabilidade diferencial da membrana em repouso a esses íons, conforme eles tentam
difundir-se de acordo com suas concentrações e seus gradientes elétricos (Capítulo 1).
Embora a concentração líquida de cargas positivas e negativas seja semelhante nos
líquidos intra e extracelular, um excesso de positivas acumula-se junto à face externa da
membrana celular e um excesso de negativas junto à interna (Figura 4-4). Isso torna o
interior da célula carregado negativamente em relação ao exterior. A magnitude da
diferença (ou voltagem) elétrica, resultante através da membrana, varia de célula para
célula, indo de cerca de 40 a 90 milivolts (mV) e sendo, em geral, de aproximadamente 70
mV em neurônios de mamíferos. Como a voltagem do líquido extracelular é
arbitrariamente considerada como sendo 0 mV, o potencial de repouso da membrana é
de –70 mV, mais negativo do lado de dentro do que do lado de fora da célula.
FIGURA 4-4 As concentrações líquidas de cargas positivas e negativas são semelhantes nos
espaços intra e extracelular. Entretanto, as primeiras acumulam-se junto à face externa da
membrana celular (azul) e as segundas à interna (azul mais claro).
O Potencial de Repouso da Membrana É Resultado de Três
Determinantes Principais
Três principais fatores causam o potencial de repouso da membrana.
• A bomba Na+, K+. As membranas celulares possuem uma bomba dependente de energia,
que bombeia íons Na+ para fora da célula e traz íons K+ para dentro dela contra os seus
gradientes de concentração. Isso mantém a distribuição diferencial de cada uma dessas
espécies de íons carregados de um lado a outro da membrana, o que fundamenta sua
capacidade de produzir uma voltagem através da membrana. A própria bomba faz
uma pequena e direta contribuição para o potencial de membrana porque lança para
fora da célula três moléculas de Na+ a cada duas moléculas de K+ trazidas para dentro,
concentrando assim cargas positivas do lado de fora.
• Uma espécie de íon irá deslocar-se em direção a um equilíbrio dinâmico se puder difundir-se
através da membrana. Usando K+ como exemplo, a diferença de concentração através da
membrana ativamente mantida pela bomba de Na+, K+ produz um gradiente de
concentração, ou “força de direcionamento químico”, que tenta impelir passivamente o íon
através da membrana, da alta concentração do lado de dentro da célula para a baixa, do
lado de fora. Se o K+ pode difundir-se através de canais iônicos da membrana, o íon que
sai deixará para trás uma carga negativa sem oposição (geralmente de macromoléculas
de proteína carregadas negativamente, aprisionadas no interior da célula),
estabelecendo assim um gradiente elétrico, ou “força de direcionamento elétrico”, que
empurra o K+ de volta para dentro. Esses gradientes opostos finalmente produzem um
equilíbrio dinâmico, embora ainda possa haver mais K+ no interior do que no exterior,
bem como um desequilíbrio de carga de um lado a outro da membrana. Essa
distribuição irregular de cargas em equilíbrio dinâmico produz uma voltagem,
chamada de potencial de equilíbrio para aquele íon. Quando uma espécie de íon pode
atravessar um canal na membrana, ele segue em direção a seu estado de equilíbrio e
leva a voltagem através da membrana na direção de seu potencial de equilíbrio.
• Permeabilidade diferencial da membrana para difusão de íons. A membrana em repouso é
muito mais permeável aos íons K+ do que aos Na+, porque nela existem mais canais de
escape de K+ do que de Na+. Essa maior permeabilidade aos íons K+ significa que eles
podem estar mais próximos do seu estado de equilíbrio dinâmico e do potencial de
equilíbrio, em comparação com os Na+, que têm dificuldade para atravessar a
membrana. Portanto, o potencial de equilíbrio para os íons K+, mais permeáveis (cerca
de –90 mV em muitos neurônios de mamíferos), terá influência predominante sobre o
valor do potencial de repouso da membrana, em comparação com o potencial de
equilíbrio dos íons Na+, muito menos permeáveis (cerca de +70 mV em muitos
neurônios de mamíferos). Portanto, como foi observado anteriormente, o potencial de
repouso da membrana de muitos neurônios de mamíferos é de aproximadamente –70
mV, próximo do potencial de equilíbrio para os íons K+.
Essas três causas — a bomba de Na+, K+, o movimento de um íon permeável em direção
ao equilíbrio dinâmico e a membrana diferencialmente permeável — são a principal
fonte do potencial de repouso da membrana. É possível prever o valor desse potencial
pelas equações de Nernst e de Goldman, consulte o Capítulo 1 e a Bibliografia para um
entendimento mais quantitativo a respeito desse assunto.
A discussão do potencial de repouso da membrana tem uma série de implicações
clínicas importantes. A bomba de Na+, K+ requer energia na forma de trifosfato de
adenosina (ATP), o qual é derivado do metabolismo intracelular de glicose e oxigênio. Na
verdade, estima-se que 50% a 70% da energia cerebral derivada de ATP sejam gastas na
bomba. Como o neurônio não pode armazenar glicose nem oxigênio, qualquer coisa que
prive o sistema nervoso de um dos dois substratos pode resultar em danos à bomba e
déficits neurológicos clinicamente graves. Felizmente, hormônios e outros fatores
geralmente mantêm os níveis séricos desses dentro de limites estreitos. Como Na+ e K+
são íons importantes, envolvidos no estabelecimento do potencial de repouso da
membrana, é essencial que seus níveis séricos sejam cuidadosamente regulados. O
sistema endócrino (Capítulo 33) e os rins (Capítulo 41) mantêm os níveis desses íons
dentro de limites rigorosos. Qualquer coisa que altere os níveis séricos de um dos dois
além dos limites normais também leva a déficits neurológicos potencialmente sérios.
O Potencial de Repouso da Membrana Pode Ser Alterado
por Sinalizações Sinápticas de uma Célula Pré-sináptica
Embora a maior parte das células do corpo tenha um potencial de repouso da membrana,
os neurônios e as células musculares são excepcionais, pois seus potenciais podem ser
alterados por uma sinalização sináptica a partir de outra célula. Um neurotransmissor
liberado de uma terminação pré-sináptica de um axônio liga-se aos receptores na
membrana pós-sináptica, resultando na abertura ou fechamento de canais iônicos
seletivos e na alteração do potencial de membrana da célula pós-sináptica. Embora haja
trilhões de sinapses no sistema nervoso, um sinal pré-sináptico pode alterar o potencial
da membrana pós-sináptica de, basicamente, apenas duas maneiras: tornando-o mais
negativo ou mais positivo (menos negativo). O tipo de alteração depende da natureza do
receptor ativado pelo transmissor químico liberado pelas vesículas sinápticas da
terminação do axônio pós-sináptico. A alteração no potencial de membrana pós-sináptico
é chamada de potencial pós-sináptico.
Quando uma transmissão química ao nível da sinapse leva a um potencial pós-
sináptico mais positivo, em comparação com o nível em repouso (p. ex., de –75 para –65
mV), diz-se que se trata de um potencial excitatório pós-sináptico (PEPS) (Figura 4-5, A). É
chamado de “excitatório” porque aumenta as chances de que o limiar para o
desencadeamentode um potencial de ação seja atingido no segmento inicial do axônio
da célula pós-sináptica. Quando um PEPS modifica o potencial de membrana pós-
sináptica para um valor mais positivo, diz-se que esta está despolarizada. Se a interação do
transmissor químico com seu receptor apropriado na membrana pós-sináptica provocar a
abertura de canais de Na+ (dependente de ligante), o resultado poderá ser a
despolarização da mesma. A abertura permite que os íons Na+ se difundam pelo
neurônio, à medida que começam a passar através da membrana em direção ao
equilíbrio, movendo o potencial de membrana na direção do potencial de equilíbrio do
sódio, mais positivo. Os canais iônicos que normalmente alteram sua condutividade em
consequência da ligação de um neurotransmissor com um receptor são os dependentes de
ligante ou quimicamente dependentes (Capítulo 1).
FIGURA 4-5 Potenciais pós-sinápticos. A, Um potencial excitatório pós-sináptico (PEPS) orienta o
potencial de membrana em direção ao limiar. B, Um potencial inibitório pós-sináptico (PIPS) dirige o
potencial de membrana para longe do limiar.
Como o transmissor químico é rapidamente removido da sinapse, a alteração pós-
sináptica é transitória, durando apenas alguns milésimos de segundo. Além disso, como
a modificação no fluxo iônico resultante da ativação do receptor é limitada, a magnitude
do potencial pós-sináptico geralmente é bem pequena (p. ex., 2 a 3 mV). Entretanto, é
maior na sinapse. Embora a despolarização se difunda pela membrana pós-sináptica, ela
diminui com a distância a partir da sinapse onde se originou, assim como as ondas
criadas por uma pedra atirada em um lago diminuem de tamanho a partir de onde a
pedra caiu.
Se, em vez disso, a interação entre o neurotransmissor pré- sináptico e o receptor pós-
sináptico resultar na abertura dos canais de K+ quimicamente dependentes, os íons K+ se
difundem, levando o potencial de membrana ainda mais para perto do potencial de
equilíbrio destes (–90 mV). Essa alteração do potencial de repouso para um potencial de
membrana mais negativo é chamada de hiperpolarização. A hiperpolarização da
membrana pós-sináptica tem o nome de potencial inibitório pós-sináptico (PIPS) (Figura 4-
5, B) porque cada uma dessas transmissões torna menos provável que um potencial de
ação resulte no segmento inicial do axônio. A exemplo dos PEPSs, os PIPSs se difundem
pela membrana do neurônio e a hiperpolarização diminui com a distância a partir da
sinapse em que se originou. Deve-se notar que apenas dois dos efeitos mediados pelo
receptor mediante canais de íon quimicamente dependentes, responsáveis por gerar
PEPSs ou PIPSs, foram discutidos anteriormente.
Os Potenciais de Ação Iniciam-se no Segmento Inicial do
Axônio e Propagam-se por Toda a Extensão do Axônio
Tanto os PEPSs quanto os PIPSs da membrana pós-sináptica são o resultado subsequente
dos potenciais de ação que ocorreram em, e da transmissão sináptica de, muitas células
pré-sinápticas. A integração desses potenciais pós-sinápticos é importante para
determinar se o neurotransmissor será finalmente liberado nas terminações dos
neurônios. Entretanto, a magnitude desses diminui conforme se propagam ao longo da
membrana celular pós-sináptica. Como muitas células musculares ou nervosas são
compridas, precisam de um mecanismo para enviar um impulso elétrico de sua
terminação receptora de informações, na membrana do soma e dos dendritos pós-
sinápticos, para a zona transmissora de informações na terminação do axônio,
geralmente longo. Isso é conseguido mediante um evento explosivo denominado
potencial de ação, um impulso elétrico regenerativo, que começa no segmento inicial do
axônio, é desencadeado pela integração entre PEPS e PIPS no potencial de membrana e
propaga-se ao longo de toda a extensão do axônio, sem diminuir sua magnitude.
PEPSs e PIPSs podem somar-se respectivamente na membrana pós-sináptica para
produzirem alterações no potencial de outras maiores do que cada um deles
isoladamente. No segmento inicial do axônio, esses são integrados. Se chegarem apenas
alguns PEPSs, seu potencial de membrana não ficará suficientemente positivo para
atingir seu potencial limiar (geralmente 10 a 20 mV mais positivo do que o de repouso)
para desencadear um potencial de ação. Entretanto, se chegar uma quantidade muito
maior de PEPSs do que de PIPSs, o potencial de membrana do segmento inicial ficará
suficientemente positivo para atingir seu potencial limiar e um potencial de ação será
criado no axônio. Este é resultado da abertura sequencial de canais de íon dependentes
de voltagem na membrana, que são abertos primeiro para o sódio e logo depois para o
potássio.
As mudanças explosivas no potencial de membrana, que caracterizam o potencial de
ação, podem ser descritas como: primeiro ocorre uma despolarização rápida e drástica no
potencial de membrana axonal, na qual o interior da célula fica de fato mais carregado
positivamente do que o exterior; em seguida, ocorre uma repolarização, em que o
potencial de membrana volta a cair em direção ao potencial de repouso. A primeira fase é
causada pela abertura imediata e extensa de canais de Na+ dependentes de voltagem e
pelo consequente influxo de íons Na+, à medida que tentam propagar-se em direção ao
equilíbrio. Conforme prossegue a fase de despolarização do potencial de ação, os canais
de Na+ mencionados são espontaneamente inativados, e os canais de K+ dependentes de
voltagem, que se abrem com retardo maior do que os de Na+, começam a permitir uma
saída ainda maior de íons K+, à medida que eles se movem para mais perto do seu estado
de equilíbrio. Isto leva a uma interrupção na despolarização e permite que ocorra
repolarização. À medida que esta continua, o potencial de membrana move-se
temporariamente para além do nível de repouso até um estado hiperpolarizado. Esta
hiperpolarização é atribuível ao fluxo de íons K+ para o exterior, através dos canais de K+
dependentes de voltagem, além do fluxo através dos canais de escape de K+, trazendo o
potencial de membrana ainda mais para perto do potencial de equilíbrio do K+ (–90 mV)
do que em repouso. O potencial de membrana finalmente retorna ao seu estado de
repouso à medida que os canais de K+ dependentes de voltagem gradualmente se
fecham. Em muitos neurônios, todo o potencial de ação leva cerca de 2 a 3 ms, mas é mais
longo em muitas células musculares. A Figura 4-6 ilustra essa sequência de eventos em
um neurônio.
FIGURA 4-6 O potencial de membrana do axônio altera-se drasticamente durante um potencial de
ação. Depois que o limiar é atingido pela somatória de potenciais pós-sinápticos (PPSs), a
membrana do axônio despolariza-se, repolariza-se, hiperpolariza-se e, então, retorna ao seu
potencial de repouso original (modificado de Sherwood L: Human physiology: from cells to systems, St Paul, 1989,
Wadsworth).
Pode ser útil usar uma analogia para o entendimento desses difíceis conceitos. Imagine
a membrana da célula nervosa em repouso como a descarga de um vaso sanitário. O vaso
armazenou energia em potencial preenchendo a caixa de descarga (o neurônio fez isso
através da geração de potencial de repouso da membrana). Se a alavanca da caixa de
descarga é puxada apenas brevemente, por uma curta distância, um pouco da água corre
para o vaso, mas o ciclo da lavagem não é iniciado (isso se assemelha a um PEPS sem o
potencial de ação). Entretanto, se essa for por uma distância adequada, e assim for
mantida pelo tempo necessário, o limiar crítico é atingido e o ciclo de lavagem é
desencadeado, devendo seguir seu curso, o que inclui o enchimento da caixa de descarga
antes que outro possa ser iniciado. O potencial de ação é análogo a esse ciclo de lavagem.
Ele é desencadeado quando se atinge um limiar de despolarização crítico. Em geral, deve
seguir seu curso, incluindo o restabelecimento do potencial de repouso da membrana,
antes que outro potencial de ação possa ser iniciado. Como o ciclo de descarga leva um
período finito de tempo, somente uma quantidade limitada de ciclos delavagem pode ser
completada em uma hora, mesmo que o vaso sanitário seja lavado novamente toda vez
que a caixa de descarga estiver cheia. De modo semelhante, como o potencial de ação
também tem uma duração finita, existe um limite para o número de potenciais de ação
que podem ser gerados por segundo em um axônio (entretanto, tanto para vasos
sanitários como para neurônios, é possível empregar estratégias para se produzir uma
lavagem ou um potencial de ação antes que a caixa de descarga esteja completamente
cheia ou antes que a membrana retorne completamente ao potencial de repouso).
Certas toxinas animais, como a tetrodotoxina do peixe baiacu japonês, podem bloquear
canais de Na+ dependentes de voltagem e, portanto, interferir na geração de potenciais
de ação nos axônios. Muitos anestésicos locais (p. ex., lidocaína), usados de forma
controlada para eficácia clínica, funcionam por um mecanismo similar.
O potencial de ação propaga-se ativamente pelo axônio a partir de sua origem na parte
inicial. O influxo drástico de íons Na+, que acompanha a despolarização do potencial de
ação da membrana em um primeiro momento, resulta na difusão passiva dessas cargas
positivas em direção ao segmento de membrana adjacente, em repouso. Essa migração
na superfície interna, denominada corrente eletrotônica, despolariza esse segmento
próximo até o limiar, fazendo abrir canais de Na+ dependentes de voltagem. Isto provoca
o desenvolvimento de um potencial de ação, que, por sua vez, desencadeia um ciclo
semelhante na membrana vizinha, e assim por diante, por todo o axônio. Dessa maneira,
um potencial de ação propaga-se a partir do segmento inicial do axônio até a terminação
pré-sináptica, na extremidade distal do mesmo (Figura 4-7).
FIGURA 4-7 O potencial de ação, gerado primeiramente no segmento inicial do axônio (Tempo 1,
região 1), propaga-se pelo axônio amielínico, à medida que cargas positivas migram passivamente
para a membrana imediatamente adjacente, para lá desencadear um potencial de ação (Tempo 2,
região 2) (redesenhado de Sherwood L: Human physiology: from cells to systems, St Paul, 1989, Wadsworth).
A velocidade de condução do potencial de ação através do axônio é variável. O
diâmetro interno e o grau de mielinização desempenham um papel importante na
determinação dessa. Em um axônio amielínico, com diâmetro pequeno, a velocidade de
condução é relativamente lenta (p. ex., 0,5 metro/segundo [m/seg]); sabe-se, entretanto,
que velocidades de mais de 90 m/s (ou seja, uma distância tão grande quanto a de um
campo de futebol americano percorrida em um segundo) ocorrem em axônios de
diâmetro maior, intensamente mielinizados. Isso acontece porque a corrente eletrotônica
passiva, responsável pelo desencadeamento do potencial de ação na placa adjacente
seguinte da membrana do axônio, desloca-se mais depressa e mais distante ao longo de
axônios mais largos ou de placas de axônios mielínicos. Nestes, a troca de íons através da
membrana, e portanto a geração do potencial de ação, só podem ocorrer nos nodos de
Ranvier descobertos, onde se encontra uma alta densidade de canais de Na+ dependentes
de voltagem. Considerando a rápida propagação da corrente eletrotônica ao longo das
placas mielinizadas (internodos) e o processo comparativamente mais lento de troca de
íons nos nodos, o potencial de ação parece saltar funcionalmente de nodo para nodo
(condução saltatória) em axônios mielínicos (Figura 4-8).
FIGURA 4-8 A condução saltatória dos potenciais de ação nos axônios mielinizados é mais rápida
que a condução potencial da ação nos axônios não mielinizados porque a corrente local passiva flui
muito rapidamente sob a mielina para iniciar o potencial de ação no nodo seguinte. Assim, o
potencial de ação parece saltar funcionalmente de um nodo a outro (modificado de Sherwood L: Human
physiology: from cells to systems, St Paul, 1989, Wadsworth).
A facilitação normal da velocidade de condução do potencial de ação pela mielina pode
ser apreciada considerando-se as doenças que a atacam, como a polirradiculoneurite
idiopática aguda (“paralisia do coonhound”). O atraso nas sinalizações elétricas evocadas
ao longo dos nervos sensoriais e motores e reflexos espinhais deprimidos estão
associados a essa condição.
 Correlações clínicas

Continue navegando