Buscar

30-gramatica 1 dias

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 3, do total de 250 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 6, do total de 250 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 9, do total de 250 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Prévia do material em texto

Conhecendo uma língua 
 
 
 
As tentativas de explicação para o fenômeno da língua (ou línguas), 
bem como o interesse sobre ela, são muito antigos. Não são poucos os 
mitos e lendas que foram criados para justificar essa faculdade presente 
na espécie humana. A narrativa contida em Gênesis é um exemplar de 
uma busca sobre como explicar a origem da língua, assim como a narrati- 
va da Torre de Babel, também bíblica, procura justificar o porquê de haver 
tantas línguas diferentes. Em diversas culturas, houve essa busca por ex- 
plicações, que, inicialmente, era suprida pelo mito. Houve um período de 
milhares de anos para que a língua começasse a ser estudada sob uma 
perspectiva científica. Nesse período, a humanidade lançou diferentes 
olhares sobre a língua: o místico, o filosófico, o psicológico, o social, o an- 
tropológico, o físico etc., até, finalmente, se chegar à ciência incumbida de 
estudar a língua como um objeto em si mesma, a Linguística. É por meio 
dessa ciência que serão apresentados aqui os conceitos de linguagem e 
língua, de modo que você, estudante, seja capaz de compreender a dife- 
rença entre esses dois fenômenos. 
 
 
Linguagem versus língua 
A primeira questão a ser esclarecida diz respeito à condição a que toda 
definição teórica se submete. Cada linha de estudo da Linguística, em in- 
teração com outras ciências, vai dar uma definição de língua que privile- 
gia um de seus múltiplos aspectos. Assim, a interface entre a Linguística e 
a Biologia vai preferir definir a língua como parte da dotação genética da 
espécie humana; a interface da Linguística com a Sociologia vai dar 
mais ênfase aos aspectos socioculturais da língua; a interface da Linguísti- 
ca com a Psicologia vai definir a língua como parte da cognição humana. 
Além disso, dentro de cada uma dessas interfaces, desenvolvem-se várias 
teorias diferentes. E cada teoria vai preferir definir língua de uma manei- 
ra especial, que esteja mais de acordo com suas hipóteses. Portanto, não 
existe uma única definição de língua e linguagem que possa ser aplicada 
i
n
d
i
s
c
r
i
m
i
n
a
d
a
m
e
n
t
e
. 
A 
d
e
f
i
n
i
ç
ã
o 
d
e
s
ses conceitos precisa ser entendida, então, no âmbito de uma teoria 
particular. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
13 
Conhecendo uma língua 
 
De forma a se poder discutir sobre língua e linguagem, optou-se pela apre- 
sentação de duas propostas: a de Ferdinand de Saussure (1857-1913) e a de 
Noam Chomsky. A escolha se deu em virtude de esses teóricos serem conside- 
rados os grandes "divisores de água" nos estudos linguísticos do século XX, bem 
como serem também os mais conhecidos e discutidos. 
 
Tanto a teoria saussuriana quanto a teoria chomskyana não só definem língua 
de uma maneira particular, mas também têm visões completamente diferentes 
sobre o que é a linguagem. Para Saussure, linguagem é uma faculdade humana, 
uma capacidade que os homens têm para produzir, desenvolver, compreender 
a língua e outras manifestações simbólicas semelhantes a ela. Esse autor via a 
linguagem como um sistema muito mais amplo e abrangente do que Chomsky, 
para quem a linguagem, ou a faculdade da linguagem, expressão por ele empre- 
gada, é um módulo da mente especificamente associado à língua, e não a outras 
linguagens (como a pintura, a música, a dança etc.). 
 
Outro ponto marcante nesse quesito é a falta de especificidade de Saussure a 
respeito do que seria essa faculdade que ele chama de linguagem. Especifici- 
dade que não faltou a Chomsky ao delimitar a faculdade da linguagem como um 
módulo cognitivo independente, especificamente associado à língua. Na visão 
de Chomsky, a faculdade da linguagem deve ser o objeto central do estudo de 
uma teoria linguística. Posicionamento oposto ao de Saussure, para quem o 
objeto da Linguística é a língua. 
 
Saussure entende que, de todas as manifestações da faculdade da lingua- 
gem, a língua é a que mais bem se presta a uma definição autônoma. Por isso, 
ela ocupa um lugar de destaque entre as manifestações da linguagem, e, como 
tal, deve ser tomada como base para o entendimento de todas essas outras ma- 
nifestações. Daí, hoje em dia, a Semiótica, que é a ciência que estuda todas as 
manifestações da faculdade da linguagem, partir sempre de análises feitas sobre 
a língua. O autor argumentava, segundo Petter (2007, p. 14), que: 
 
A linguagem envolve uma complexidade e diversidade de problemas que suscitam a análise 
de outras ciências, como a Psicologia, a Antropologia etc., além da investigação linguística, não 
se prestando, portanto, para objeto de estudo dessa ciência. Para esse fim, Saussure separa 
uma parte do todo linguagem, a língua - um objeto unificado e suscetível de classificação. 
 
A complexidade e diversidade de problemas, apontados por Saussure, que 
suscitam a análise de outras ciências tem a ver, segundo ele, com o caráter "he- 
teróclito e multifacetado" da linguagem. Por meio de tal caracterização, o autor 
pretendia dar conta de que a seu ver a linguagem abrange vários domínios, é 
 
14 
Conhecendo uma língua 
 
ao mesmo tempo física, fisiológica e psíquica; pertence ao domínio individual e 
social. Em contraposição à língua, que considerava um objeto passível de estudo 
pela unidade apresentada. A língua, por sua vez, é definida pelo autor como "um 
conjunto de convenções necessárias, adotada pelo corpo social para permitir o 
exercício dessa faculdade nos indivíduos" (1969, p. 17, apud PETTER, 2007, p. 14). 
Isso implica que, para Saussure, a língua é social e, por conseguinte, convencio- 
nal, isto é, um acordo coletivo aceito entre os falantes da língua. 
 
Esse acordo se revela, toma a forma, segundo o autor, de um sistema. Um 
sistema é um conjunto organizado de elementos, que se define pelas caracte- 
rísticas desses elementos, e no qual cada elemento se define pelas diferenças 
que apresenta em relação a outro elemento, e por sua relação com todo o con- 
junto. Cada elemento da língua se define pela diferença que apresenta quando 
comparado a outro elemento. Sob essa perspectiva, na língua portuguesa "p" 
se define por sua oposição a "b" e a todos os outros elementos dessa língua. 
Saussure ainda trata da diferença entre língua e fala: esta seria o resultado da- 
quela, sendo que a fala é considerada individual, no sentido de que apresentará 
características particulares, próprias a cada falante. A língua, defende o autor, é 
condição para se produzir a fala, mas não há língua sem o exercício da fala. 
 
Após esse panorama sobre o pensamento saussureano quanto às noções de 
linguagem, língua e fala, cabe dizer que, depois de Saussure, os estudos linguís- 
ticos assumiram um viés eminentemente social. Posição que foi revista a partir 
da divulgação das ideias de Chomsky, que ressaltavam a importância da inves- 
tigação das relações entre mente e língua. Se na teoria saussuriana a língua é 
considerada um objeto fundamentalmente social, na Gramática Gerativa, teoria 
elaborada por Chomsky, a língua é um objeto mental. 
 
De uma forma mais radical do que outros pesquisadores que o antecederam, o 
autor parte da hipótese de que existe um módulo linguístico em nossa mente, 
constituído de princípios responsáveis pela formação e compreensão das expres- 
sões linguísticas, e especificamente dedicado à língua. Para ele, o foco não está 
na língua propriamente dita, mas nos recursos, princípios que permitem a cons- 
trução, aprendizagem de uma língua em particular. Por isso, para a Gramática Ge- 
rativa, a noção de língua está fortemente associada ao estado inicial da faculdade 
da linguagem e aos resultados do desenvolvimento desse estado inicial pelo con- 
tato com um determinado ambiente linguístico. Essa faculdade da linguagem de 
que o autor fala seria inata, todos os seres humanos nasceriam com ela.Por meio 
dela é que o ser humano pode aprender uma língua - ou mais de uma -, no está- 
gio de aquisição linguística, desde que seja exposto a uma dada língua. 
 
Conhecendo uma língua 
 
Essa capacidade inata apontada pelo autor leva também à diferença entre 
competência linguística e desempenho linguístico. A primeira diz respeito ao 
conhecimento do sistema linguístico que o falante tem de sua língua e que lhe 
permite produzir o conjunto de sentenças da mesma. É um conjunto de regras 
que o falante construiu em sua mente pela aplicação de sua capacidade inata 
para a aquisição da língua que ouviu desde a infância. O desempenho é o com- 
portamento linguístico resultante daquelas regras aliadas a outras variantes: 
convenções sociais, crenças, atitudes emocionais do falante quanto ao que diz, 
pressupostos sobre as atitudes do interlocutor, condições fisiológicas (de fona- 
ção) etc. A competência é o que o falante, inconscientemente, sabe sobre sua 
língua; o desempenho é o uso, ou melhor, é o resultado do uso que ele faz desse 
saber, conhecimento. Para Chomsky, o desempenho pressupõe a competência, 
mas a competência não pressupõe o desempenho. 
 
Para encerrar essa seção, é possível dizer, com base no exposto, que as lín- 
guas naturais, em número muito diversificado, são manifestações de algo mais 
geral, a linguagem, e que as línguas são um meio de interpretar, organizar e 
categorizar o mundo, atribuir sentido ao que está ao nosso redor, sendo que 
cada língua pode focar ou realçar partes diferentes de uma mesma realidade. 
Por exemplo, em países em que a ocorrência de neve é constante, os falantes 
possuem, muitas vezes, palavras específicas para certos tipos de neve, o que não é 
muito comum em países em que a neve não faz parte do cotidiano dos falan- 
tes, os quais acabam empregando apenas uma palavra ou um menor número 
de palavras relacionadas ao conceito de "neve". Essa capacidade de interpretar e 
fazer um recorte do mundo é, aliás, disponível apenas para os seres humanos, 
como será visto a seguir. 
 
 
Língua e comunicação animal 
O estudo da comunicação animal permite avaliar, pelo confronto, a singu- 
laridade da linguagem humana. Como se verá, o ser humano é a única espé- 
cie a deter um sistema de comunicação, uma linguagem tão complexa, única, a 
língua. Para ilustrar o problema da comunicação animal, será tomado como base 
para discussão o caso das abelhas. 
 
Segundo Petter (2007, p. 15-16), um estudo clássico sobre o sistema de co- 
municação das abelhas revelou que: 
 
[...] a abelha-obreira, ao encontrar uma fonte de alimento, regressa à colmeia e transmite 
a informação às companheiras por meio de dois tipos de dança: circular, traçando círculos 
 
16 
Conhecendo uma língua 
 
horizontais da direita para a esquerda e vice-versa, ou em forma de oito, em que a abelha 
contrai o abdome, segue em linha reta, depois faz uma volta completa à esquerda, de novo 
corre em linha reta e faz um giro para a direita, e assim sucessivamente. Se o alimento está 
próximo, a menos de cem metros, a abelha executa uma dança circular, se está distante, realiza 
uma dança em forma de oito. 
 
Embora seja bem preciso, o sistema de comunicação das abelhas não consti- 
tui uma linguagem no sentido em que o termo é empregado quando se trata de 
linguagem humana. Isso por que existem diferenças entre o sistema de comuni- 
cação das abelhas e a linguagem humana que coloca aquele em posição muito 
distante do que pode ser considerado uma língua. Primeiramente, a mensagem 
da abelha não provoca uma resposta, apenas uma conduta, portanto, não há 
diálogo. Aliás, o tipo de conduta resultante - a busca pelo alimento - é sempre a 
mesma. No caso da espécie humana, as respostas e condutas possíveis após a 
recepção de uma mensagem são inúmeras e imprevisíveis. Essa não possibi- 
lidade de mudança de conduta, em certa medida, tem relação com o fato de 
que a comunicação da abelha se refere apenas a um dado objetivo, fruto da 
experiência. A abelha não constrói uma mensagem a partir de outra mensagem. A 
linguagem humana caracteriza-se por oferecer um substituto à experiência, 
apto a ser transmitido infinitamente no tempo e espaço. 
 
Outra diferença drástica tem a ver com o conteúdo da mensagem. Entre as 
abelhas, o único conteúdo comunicado é o alimento, residindo na distância e 
na direção a única variação possível. Com sua língua, o homem pode versar 
sobre assuntos que vão da obtenção de alimento à reflexão sobre sua existência. 
Afinal, o conteúdo da linguagem humana é ilimitado. Finalmente, a mensagem 
das abelhas não se deixa analisar, decompor em elementos menores. 
 
Na verdade, esse é o fato da linguagem humana, a língua, que mais a difere 
da comunicação das abelhas. A propriedade de articulação da língua em níveis é 
o que permite ao ser humano produzir uma infinidade de mensagens novas 
(sentenças, textos) a partir de um número limitado de elementos sonoros distin- 
tivos (os fonemas, sobre os quais se falará mais à frente). O mesmo é válido para a 
Libras, que combina um número limitado de elementos visuais para produzir 
mensagens novas infinitamente. 
 
Com isso, pode-se concluir, sem medo de errar, que a comunicação das abe- 
lhas não é linguagem no sentido em que se fala de uma linguagem humana. 
Alguns de vocês podem estar considerando a comparação com as abelhas um 
tanto "injusta", principalmente se se lembraram dos papagaios. A essa altura, a 
pergunta que alguns gostariam de fazer é: Mas e o caso dos papagaios, que 
falam? 
 
Conhecendo uma língua 
 
A verdade é que animais como o papagaio, a catatua etc. têm a capacidade 
de imitar os sons que ouvem. E "a fala" nesses animais nada mais é do que uma 
reprodução, uma cópia. Eles não são capazes de aplicar um dado enunciado 
a contextos diferentes, não são capazes de inovar. Por exemplo, um papagaio 
pode reproduzir perfeitamente, se as ouviu, as frases "O copo caiu" e "O menino 
chegou". Mas ele nunca, sem ter ouvido, ao contrário de uma criança de três 
anos, poderia aprender a partir dessas frases e produzir "O menino caiu". Agora, 
resolvida a questão da comunicação/linguagem dos animais, é hora de conhe- 
cer as características que tornam a linguagem humana - a língua - um fenôme- 
no tão singular, único. 
 
 
A natureza da língua: suas propriedades 
Todas as línguas naturais compartilham características que lhes são únicas e 
que as identificam enquanto língua, diferenciando-as de outros sistemas de co- 
municação. Nesse sentido, é possível identificar, por meio dessas características, se 
um dado sistema de comunicação se trata de uma língua. Entre os linguistas, há 
consenso sobre algumas propriedades que estão presentes nas línguas. São elas: 
 
_ Flexibilidade e versatilidade: trata-se do fato de a língua poder ser usada 
para comunicar os mais diversos conteúdos para os mais variados fins. A 
linguagem humana pode ser usada para obter alimento ou simplesmente 
para entreter as pessoas, pode versar sobre assuntos como política, filoso- 
fia, emoções e até mesmo coisas imaginadas, que não foram experiencia- 
das pelo ser humano. 
 
_ Arbitrariedade: diz respeito à característica de que não existe uma rela- 
ção direta entre uma palavra (significante) e seu conceito (significado). Por 
isso, não é possível determinar o significado de uma palavra apenas pela 
forma que ela apresenta, da mesma forma como não é possível esperar 
uma dada forma para um significado em específico. Por exemplo, nada 
na forma da palavra "elefante" remete ao seu significado. Reflita que não é 
possível, então, para um aprendiz estrangeiro do português conseguir 
alcançar o significado da palavra "elefante" apenas entrando em contato 
com a palavra. De nada adiantará a ele especular sobre a forma da palavra 
para chegar ao seu significado, pensamentos como "se a palavra é grande, 
deve se tratar de um objetogrande", "se a palavra tem uma sonoridade 
desagradável, trata-se de um significado igualmente desagradável" não o 
ajudarão a saber qual o conceito a que determinada palavra remete. 
 
18 
Conhecendo uma língua 
 
_ Descontinuidade: pequenas diferenças na forma das palavras, por exem- 
plo, podem gerar grandes diferenças no significado. Observe a diferença entre 
"lata" e "pata". A mudança de um segmento na palavra, o "p" pelo "l", levou a um 
significado totalmente diverso. Isso mostra o caráter descon- tínuo da 
diferença formal entre forma e significado. Ou seja, não necessa- riamente 
uma mudança pequena na forma levará a uma mudança peque- na no 
significado. Na verdade, pequenas mudanças na forma (fato X foto; 
vaca X faca; bola X cola) podem levar a grandes variações de significado. 
 
_ Criatividade/produtividade: característica que permite ao usuário de 
uma língua produzir um número infinito de enunciados a partir de um nú- 
mero limitado de elementos por meio da combinação e recombinação dos 
mesmos. A língua põe à disposição de seus usuários um número determi- 
nado de elementos (fonemas, morfemas, estruturas sintáticas) a partir dos 
quais os usuários podem criar sentenças num número infinito. E isso mes- mo 
que o usuário nunca tenha ouvido um dado enunciado em particular antes. 
Isso significa que um falante do português não precisa ouvir a frase "A casa 
amarela é bonita" para produzi-la. Ele pode enunciá-la após ter ou- vido 
sentenças como "A casa é amarela" e "A casa é bonita", pois empregará a 
capacidade de criatividade e produtividade que a língua lhe oferece. 
 
_ Dupla articulação: as línguas se constituem da junção de elementos 
menores, por isso sua análise é possível em dois planos. O do conteúdo/ 
significado e o da expressão/forma linguística. Assim, o primeiro plano é 
constituído por unidades dotadas de sentido e a menor dessas unidades 
chama-se morfema. Por exemplo: "padeiro" (pessoa que faz pão) pode ser 
subdividido em [pad-] (de pão) e [-eiro] (designa a pessoa que faz algo), em 
que [pad-] e [-eiro], mesmo isoladamente, remetem a um sig- nificado. Nessa 
primeira articulação da linguagem, as unidades são com- postas de matéria 
fônica e sentido, ou seja: significado + significante. No segundo plano, 
pode-se dividir os morfemas em unidades ainda me- nores e, nessa etapa, as 
unidades ficam desprovidas de sentido passando a serem chamadas de 
fonemas. Assim, [pad-] pode ser analisado quanto aos seus fonemas /p/, /a/, /d/, 
que, isoladamente, não possuem significado, são apenas distintivos entre si. A 
dupla articulação é um fator de economia linguística, pois com poucas dezenas 
de fonemas formam-se diversas uni- dades de primeira articulação. 
 
_ Padrão: estabelece a maneira como os elementos da língua devem ser or- 
ganizados na produção dos enunciados e palavras, ditando as regras para o 
que pode "andar junto" e a ordem em que aparecem no enunciado ou palavra. 
Desse modo, a partir das palavras "casa", "o", "telhado", "quebrou" e "da" podem ser 
produzidos os enunciados "O telhado da casa quebrou", 
 
Conhecendo uma língua 
 
"Quebrou o telhado da casa", "Da casa, quebrou o telhado" ou "Da casa, o 
telhado quebrou", todas sentenças aceitas como bem organizadas, bem 
construídas por falantes do português. O mesmo não acontece com: "Da 
telhado, o casa quebrou", "Casa quebrou o telhado da", "Da quebrou o te- lhado 
casa". 
 
_ Dependência estrutural: as línguas contêm estruturas dependentes que 
permitem o entendimento da estrutura interna de uma sentença, inde- 
pendente do número de elementos linguísticos envolvidos. Observe: 
 
O prédio queimou. 
 
O prédio da esquina queimou. 
 
O prédio da esquina que eu vi construir queimou. 
 
O prédio da esquina que eu vi construir quando era jovem queimou. 
 
O prédio da esquina que eu vi construir quando era jovem queimou ontem. 
 
Pelo fato de que uma estrutura depende da outra é que conseguimos en- 
tender os enunciados acima. Como bons usuários do português, enten- 
demos que "da esquina" está vinculado ao prédio da mesma forma que 
"eu vi construir" e "quando era jovem", sendo que isso não impede que o 
conteúdo fundamental - "o prédio queimou" - seja compreendido. 
 
Outro ponto a ser visitado se trata das funções da linguagem, ou seja, para 
que empregamos a língua, assunto tratado na próxima seção. 
 
 
 
Funções da linguagem 
Quanto à característica da versatilidade das línguas naturais vista na seção 
anterior, cabe um aprofundamento no que diz respeito às funções da lingua- 
gem, isto é, os usos que podem ser feitos da linguagem verbal - língua. Quem 
muito contribuiu para o estabelecimento das funções da linguagem foi Roman 
Jakobson (1896-1982), que acreditava que a linguagem deve ser examinada 
em toda variedade de suas funções. Para apontar as diferentes funções, o autor 
levou em conta em que elemento (remetente, destinatário, referente, mensa- 
gem, contato e código) do processo comunicativo por ele proposto estaria cen- 
trada a comunicação: 
 
 
 
20 
Conhecendo uma língua 
 
_ Função emotiva: centrada no remetente, isto é, em quem produz o que 
é comunicado. A informação é repassada de forma subjetiva, do ponto de 
vista do falante, de acordo com suas crenças e/ou sentimentos. 
 
_ Função conativa: centrada no destinatário, quem recebe o que é comu- 
nicado. Nessa função, a intenção é estabelecer a ideia de interação com o 
destinatário da comunicação. Tem por finalidade, muitas vezes, conven- 
cer, persuadir, provocar algum tipo de resposta ou atitude (verbal ou não) 
por parte do destinatário. 
 
_ Função referencial: centrada no referente, na informação, conteúdo da 
comunicação estabelecida. Textos com essa função têm como finalidade a 
transmissão objetiva da informação. 
 
_ Função poética: centrada na mensagem, na sua apresentação, sua forma 
de expressão. Nela, o objetivo é criar uma forma de expressão, de uso da 
língua, peculiar, inovadora, que chama atenção mais pela maneira de di- 
zer do que propriamente pelo que é dito. 
 
_ Função fática: centrada no contato. Aqui a finalidade é manter o contato 
entre remetente e destinatário, sendo que essa função apresenta estra- 
tégias para avaliar o quanto os participantes do processo comunicativo 
estão realmente interessados na comunicação estabelecida. São comuns 
expressões como: "Você está escutando?", "Entendo o que você está ten- 
tando dizer", "Como vai?", "Tudo bem". 
 
_ Função metalinguística: centrada no código, no próprio sistema linguís- 
tico. Essa função permite que se façam reflexões sobre a língua, sobre suas 
características, seus usos. É, em última análise, usar a língua para falar da 
própria língua. 
 
É importante observar, ainda, que as mensagens, comunicações, textos não 
apresentam apenas uma função da linguagem, mas várias, ou mesmo todas, 
só que de forma hierarquizada. Isso significa que, mesmo concorrendo em um 
mesmo texto várias funções, existe uma dominante. Por fim, os textos-mensa- 
gens-comunicações empregam procedimentos linguísticos e discursivos que 
produzem efeitos de sentido relacionados com as diferentes funções, permitin- 
do identificá-las. 
 
 
 
Conhecendo uma língua 
Os níveis de análise linguística 
Os estudos linguísticos podem ser feitos em diferentes níveis, cada um ocu- 
pando-se de uma parte do sistema linguístico, podendo abordá-las, e geralmen- 
te o fazendo, de forma independente. Nesta seção, o intuito é apresentar um 
panorama de cada um desses níveis, o objeto de que se ocupam (a parte do 
sistema linguístico) e maneira como o tratam. 
 
 
Fonética e fonologia 
A fonética e fonologia são dois níveis cuja análise se entrecruza, trabalhando 
a partir de um "mesmo" ponto de partida, o som. A fonética é a área da Linguísti- ca 
que se ocupa da descrição e análise da massa amorfa (sem forma, que não se 
distingue,indecifrável) fônica. Seu objeto de estudo é o som, como ele é produ- 
zido, quais as características dos sons da fala (fones), língua, que os diferencia de 
outros sons (música, barulhos, grunhidos etc.). Nesse nível não há preocupação 
com significado, com o valor dos sons para uma língua em particular, apenas com 
características físicas, acústicas e articulatórias da fonação (emissão dos sons da 
fala). A fonologia, por outro lado, trabalha com sons, mas não apenas isso, não 
apenas o som em si mesmo. Antes, está preocupada em descrever o valor de 
determinados sons para línguas em particular. Na fonologia, então, estuda-se o 
caráter propriamente linguístico desses sons. Isso significa que os sons são ana- 
lisados em termos das relações que eles estabelecem entre si, e dos valores que 
eles têm dentro de um determinado sistema linguístico. 
 
Para identificar se um som tem ou não valor no sistema de uma língua, é 
preciso descobrir se ele é capaz de distinguir significados. Se a troca de um som 
por outro dentro de um mesmo contexto resultar na mudança de significado de 
uma palavra, trata-se de um som que tem valor linguístico, portanto, um fonema. 
Caso contrário, não havendo mudança de significado com a troca do som num 
mesmo contexto, está-se diante de um fone. Desse modo, /t/ e /d/ são fonemas 
porque sua alternância na palavra leva à mudança de significado, conforme evi- 
dencia o par [tato] versus [dado]. Já a diferença entre a pronúncia da palavra 
leite entre catarinenses [ 1 - em que o fonema /t/ é pronunciado com 
uma 
espécie de "chiado", representado pelo fone [ - e paranaenses [ ] não 
é alvo 
da fonologia, posto que não leva a mudança de significado, e sim objeto da fo- 
nética, que vai descrever como esses dois sons são produzidos. 
 
1 Caro aluno, a partir daqui utilizaremos nas transcrições fonéticas o Alfabeto Fonético Internacional criado pela Associação Fonética Internacional, 
que se trata de uma padronização da representação dos sons da fala. Para maiores esclarecimentos a respeito dele ver o livro Introdução à Linguís- 
tica II, de José Luiz Fiorin, presente nas dicas de estudo desta aula. 
22 
Conhecendo uma língua 
Morfologia 
Acima dos níveis fonético e fonológico, há o morfológico, tradicionalmente 
identificado como a área responsável pelo estudo da palavra. Nesse nível, a aten- 
ção recai para como os fonemas se combinam para formar morfemas e como 
estes formam as palavras. 
 
Para uma melhor compreensão, é preciso que se tenha em mente que o mor- 
fema é a menor unidade significativa linguística, ou seja, uma função que une 
um significante a um significado. Não esqueça de que o fonema distingue sig- 
nificados, mas ele mesmo não carrega significado. Uma palavra do português 
como "sim", por exemplo, é um morfema. Ela não pode ser dividida em unidades 
menores, que tenham significante e significado. Já uma palavra como "cozinhei- ro" 
é composta por três morfemas: [cozinh-], [-eir-], e [-o]. Cada um desses mor- femas 
apresenta um significante (a forma, o próprio morfema) e um significado (o 
conceito, ideia veiculada pelo morfema): [cozinh-] significa um local em que se 
cozinha; [-eir-] significa, entre outras coisas, alguém que trabalha com um 
determinado objeto ou em uma dada área; e [-o] é o morfema que significa o 
gênero masculino. 
 
Muitas outras palavras do português são formadas de maneira semelhante: 
confeiteiro, pedreiro, joalheiro etc. Isso leva ao fato de que estudar os morfemas, 
identificá-los, saber como se unem e quais significados carregam permite en- 
tender como são formadas as palavras de uma língua, permite prever que tipos 
de produções de novas palavras (neologismos) são boas (respeitam as regras 
de formação de palavras) numa dada língua. Por exemplo, para os falantes do 
português, formações como amável, respeitável, admirável (amar + vel, e assim 
sucessivamente) são consideradas como boas, pertencentes a sua língua. O 
mesmo não se dá com formações como corrível (correr + vel), falável (falar + 
vel), brincável (brincar + vel). O papel da morfologia, nesse caso, é explicar por 
que usuários do português produzem o primeiro grupo e o aceitam como boas 
formas da língua e por que o segundo grupo, embora suscetível de ser produ- 
zido, não o é, e quando o é, recebe um olhar de estranhamento dos usuários do 
português, que não identificam as palavras do último grupo como pertencentes à 
sua língua. 
 
 
Sintaxe 
No nível de análise sintático, o objetivo é descobrir as regras internas da 
língua que regem a estruturação dos enunciados, isto é, como as palavras se 
organizam para formar sentenças. Note que não se está falando das regras da 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
23 
Conhecendo uma língua 
 
gramática tradicional, pautadas muito mais em noções de certo e errado, feio e 
bonito, do que em apontar o que é próprio da organização de uma dada língua. 
Nesse sentido, enquanto as gramáticas normativas estabelecem o que pode e 
como deve ser dito, criando a norma padrão ou culta de uma língua, a sintaxe, 
enquanto ciência, está interessada em apontar por que organizamos uma dada 
sentença de uma maneira e não de outra. Na sua condição de ciência, de campo 
de estudo filiado à Linguística, a sintaxe pode ser estudada sob perspectivas, 
teorias diferentes. Dentre as várias possibilidades, destacaram-se, ao longo da 
tradição dos estudos linguísticos, a análise sintática formal, cujo representante 
mais conhecido é a Gramática Gerativa, e a análise funcional, expressão sob a 
qual residem diferentes teorias e cuja unicidade é difícil traçar. 
 
O gerativismo, ao eleger as regras que regem o sistema da língua como seu 
objeto, dá prioridade à competência do falante e relega a outros campos do 
estudo linguístico o desempenho, o uso. Com isso, essa abordagem pratica uma 
separação entre conhecimento linguístico e processamento linguístico e limita-se a 
estudar o primeiro, descrevendo-o como comportamentos linguísticos determi- 
nados por estados da mente. Por sua vez, o funcionalismo, ao preconizar a língua 
como resultado do uso comunicativo e por admitir que este envolve capacida- 
des humanas de níveis mais elevados do que a capacidade linguística propria- 
mente dita, permite estudar não apenas como se dá o conhecimento linguístico, 
mas principalmente como ele é processado. 
 
 
Semântica e Pragmática 
A formação de palavras, bem como a formação de sentenças, implica na vei- 
culação de significados. Estes são objeto de estudo da Semântica. O problema é 
que não é fácil definir o conceito de "significado". Além disso, como a questão do 
significado está fortemente ligada à do conhecimento, outro problema que se 
levanta é o da relação entre linguagem e mundo, e de que forma o conhecimen- 
to se torna possível. Como não há consenso entre os linguistas sobre essas ques- 
tões, há várias semânticas. Cada uma, consequentemente, elege a sua noção de 
significado, responde diferentemente à questão da relação entre linguagem e 
mundo e constitui, até certo ponto, uma teoria fechada, incomunicável com as 
outras. Muitos linguistas gostam de fazer uma separação entre Semântica e Prag- 
mática. De maneira geral, para eles, a Semântica trata da significação linguística 
independentemente do uso que se faz da língua. A Pragmática, por outro lado, 
teria como objeto o estudo da significação construída a partir do momento em 
que a língua é posta em uso, ou seja, em uma determinada situação de fala. 
 
24 
Conhecendo uma língua 
 
Outros linguistas preferem não estabelecer uma distinção tão clara entre as duas 
áreas de pesquisa, na medida em que acreditam que a significação das expres- 
sões linguísticas só se constrói por inteiro quando a língua é posta em uso. 
 
Com isso, pode se considerar finalizado o panorama proposto sobreos níveis 
de análise linguística. Convém observar a utilidade dos estudos linguísticos, em 
seus variados níveis, à atuação do tradutor e intérprete. Conhecer as línguas en- 
volvidas no ato tradutório, para além do conhecimento que permite que elas 
sejam usadas pelo tradutor, possibilita que muitas decisões de cunho linguístico 
possam ser tomadas com base em análises linguísticas, sem medo de estar in- 
fringindo a constituição das línguas envolvidas no processo. 
 
 
 
Texto complementar 
 
 
E se... o mundo falasse a mesma língua 
 
(ALMEIDA, 2002) 
 
Imagine se, de comum acordo, todos os habitantes da Terra falassem um 
só idioma. Você poderia tomar um avião no Brasil, descer no Japão e se en- 
tender com todo mundo. Para alguns estudiosos, esse seria o fim de muitos 
desentendimentos. A Bíblia, por exemplo, diz que a harmonia entre os povos 
acabou na Torre de Babel, quando, por um castigo divino, pessoas que antes 
falavam a mesma língua passaram a ter diferentes idiomas. Desde então, nin- 
guém mais se entendeu, diz o texto. 
 
Mas uma língua unificada teria vida breve. Em pouco tempo, cada grupo 
selecionaria os termos adequados ao seu ambiente e à sua cultura, diferen- 
ciando novamente as linguagens. Enquanto os idiomas têm entre 2 000 e 
20 000 palavras, uma língua mundial precisaria de mais de 25 000 termos, 
para absorver, por exemplo, as 40 palavras que os esquimós dão para a cor 
branca. No Saara, essas palavras seriam abandonadas em breve. "O latim era 
uma língua unificada, mas dele saíram 10 ou 12 línguas latinas", diz o profes- 
sor de Filologia Românica da USP, Bruno Fregni Bassetto. É o que explica as 
diferenças entre o português do Brasil e o de Portugal. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
25 
Conhecendo uma língua 
 
Já houve tentativas, fracassadas, de criar uma língua universal. Filósofos 
como Voltaire, Montesquieu e Descartes foram alguns dos que tentaram. Uns 
achavam que o idioma único deveria ser totalmente novo. Outros, que ele de- 
veria ser formado de palavras já existentes, combinadas. Mas em um ponto 
eles concordavam: não é possível impor a todos uma língua já existente. O 
esperanto, criado em 1887 pelo polonês Lázaro Zamenhof e hoje adotado 
por três milhões de pessoas, foi o mais próximo que se chegou desse sonho. 
Mas mesmo seus adeptos, espalhados por mais de cem países, o consideram 
uma segunda língua, que se deve aprender sem perder o idioma natal. 
 
A difusão dessa língua mundial seria delicada. E, com certeza, não have- 
ria mistura com os idiomas locais. Onde houvesse resistência, a linguagem 
original simplesmente predominaria. Trata-se de uma verdade histórica: as 
línguas nunca se fundem - uma sempre predomina e a outra desaparece. Foi o 
que houve na Gália, terra de Asterix e Obelix, onde viviam os celtas, com 
sua própria língua. Quando os romanos conquistaram a região, impuseram o 
latim, que foi adotado. Com mudanças de pronúncia e enxertos de palavras, 
mas ainda latim. 
 
Há quem defenda a tese de que já se falou um idioma universal, quando a 
linguagem foi inventada pela humanidade. Mas essa é uma grande polêmi- 
ca. Alguns pesquisadores acham que a raça humana surgiu na África e, dali, 
se espalhou pelo resto dos continentes. Outros supõem que povos diferen- 
tes surgiram em várias regiões, cada um com sua língua. No primeiro caso, as 
línguas teriam uma origem comum. No segundo, não. 
 
"Tudo o que sabemos sobre a linguagem parte do que a língua é hoje. O 
resto é especulação", diz Carlos Alberto Faraco, professor de Linguística da 
Universidade Federal do Paraná. De certo, sabe-se que, no passado, houve 
um povo que falava uma só língua, o indo-europeu, do norte da Índia à 
Europa, com poucas exceções, como o País Basco e a Finlândia. Esse idioma 
deu origem a quase todas as línguas ocidentais e a algumas orientais. Antes 
disso, a controvérsia é tão grande que, no final do século XIX, os linguistas 
proibiram que se discutisse o tema. 
 
Frase 
 
"Então, está tudo listo, Francisco. Eu levo a birra, e você, o Sauerkraut. Só 
falta combinar onde vai ser o barbecue, se aí no Ceará ou aqui na Austrália." 
 
 
26 
Conhecendo uma língua 
Dicas de estudo 
_ Crônica: "Estudo científico das línguas?", de Sírio Possenti, em A Cor da Lín- 
gua, 2002, p. 33-35. 
Por ser uma crônica, o texto promove, numa linguagem acessível a leigos 
no assunto, discussões em torno do fazer do linguista, tentando esclarecer 
qual a sua tarefa e no que ela se diferencia em relação ao trabalho do gra- 
mático. 
_ Filme: Nell (1995), dirigido por Michael Apted. 
O filme narra a história de uma jovem encontrada morando sozinha, dis- 
tante do contato de qualquer outra pessoa que não fosse sua mãe, que 
falecera. Entre outras coisas, aponta o choque entre o encontro de uma 
pessoa "não civilizada" com o mundo "civilizado". 
O interesse particular quanto à questão da linguagem e língua recaí no 
fato de que Nell, ao ser encontrada, apresenta uma linguagem verbal 
muito diferente da falada pelas pessoas que a encontraram (o inglês). No 
decorrer da história, o médico e a psicóloga que lidam com Nell acabam 
por concluir que a linguagem que ela apresenta é, na verdade, uma "va- 
riedade" do inglês, e que todas as características que atribuíam uma na- 
tureza distinta do inglês falado pelos dois se devia a fatores como Nell ter 
convivido apenas com sua mãe e irmã - ambas já mortas no momento em 
que ela é descoberta -, à mãe de Nell ter um problema de fala ocasionado 
por paralisia facial, o que acabou se refletindo na fala das filhas, e por Nell, 
como é comum a muitas crianças, ter criado uma forma distinta de co- 
municação que apenas ela e sua irmã conheciam, o que também acabou 
sendo transportado para a sua fala, já que sua convivência se limitava a 
sua mãe e irmã. O filme nos leva à reflexão, por um meio palpável, sobre 
o que é uma língua, como identificá-la e como ela interfere na construção 
do entendimento do mundo e cultura ao nosso redor. 
_ Artigo: "Fonética", de Raquel Santana Santos e Paulo Chagas de Souza, do 
livro Introdução à Linguística II, de José Luiz Fiorin, editora Contexto, 2003. 
Este artigo é muito interessante para se ter uma noção introdutória a res- 
peito dos aspectos próprios à Fonética tanto de línguas orais como da lín- 
gua de sinais. Além desse artigo inicial há os demais que constituem uma 
fonte segura da qual o aluno pode incrementar seu conhecimento sobre 
as demais áreas da Linguística. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
27 
Conhecendo uma língua 
Atividades 
1. Discuta, definindo e dando exemplos, a propriedade de dupla articulação da 
linguagem e por que ela gera economia para as línguas. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
2. Se fonética e fonologia partem de um mesmo ponto, o som, qual a diferença 
entre esses dois níveis de análise? Afinal, seria desnecessária a existência de 
dois níveis para estudar o mesmo objeto. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
3. Partindo do senso comum, muitas pessoas podem confundir "a fala" de um 
papagaio com a língua empregada pelo ser humano ou ainda achar que a 
comunicação entre animais é uma evidência de que eles possuem uma lin- 
guagem equiparável à linguagem humana. Justifique por que equiparar a 
linguagem animal à linguagem humana é um equívoco. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
28 
Conhecendo uma língua 
Referências 
ALMEIDA, Lizandra Magon de Almeida. E se... o mundo falasse a mesma língua. 
Superinteressante, ed. 177, jun./2002. Disponível em: <http://super.abril.com. 
br/cultura/se-mundo-falasse-mesma-lingua-443082.shtml>. Acesso em: 23 ago. 
2010. 
 
BARROS, Diana Pessoa de. A comunicação humana. In: FIORIN, José Luiz (Org.). 
Introdução à Linguística I: objetos teóricos. 5. ed. São Paulo: Contexto, 2007. 
 
PETTER, Margarida. Linguagem,língua, linguística. In: FIORIN, José Luiz (Org.). 
Introdução à Linguística I: objetos teóricos. 5. ed. São Paulo: Contexto, 2007. 
 
 
 
Gabarito 
1. Resposta mínima deve contemplar que a dupla articulação da língua é um 
fator de economia, pois permite que com um número limitado de fonemas 
sejam construídos um número ilimitado de morfemas, material com o qual 
as palavras são formadas. Deve atentar também para o fato de que a primei- 
ra articulação, a morfológica, está no plano do conteúdo, posto que veicula 
significado, já a segunda articulação, a fonológica, está no plano da forma, já 
que não veicula significado. 
 
2. O estudante deve reconhecer que o objeto de análise dessas áreas parece 
ser o mesmo, mas não é. A fonética lida com o som apenas enquanto enti- 
dade física, articulatória. Ela procura saber como são produzidos os sons da 
língua humana, independentemente de eles serem distintivos na língua. A 
fonologia, por outro lado, só se ocupa dos "sons" que são distintivos dentro da 
língua. 
 
3. Igualar a linguagem humana à animal é um equívoco devido ao nível de 
complexidade da linguagem humana. Para demonstrar tal complexidade, o 
estudante pode recorrer às propriedades das línguas naturais, que dão con- 
ta de características encontradas apenas na linguagem verbal: versatilidade, 
produtividade, descontinuidade, articulação em diferentes níveis etc. O que 
deve ficar claro para o aluno é o nível de sofisticação que a linguagem huma- 
na permite, enquanto a linguagem animal é muito limitada. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
O status de língua da Libras 
 
 
 
Neste capítulo, a tarefa a cumprir é entender por que a Libras é uma 
 
língua e a razão pela qual seu estudo sistemático é necessário. Para 
tanto, apresenta-se um histórico da origem das línguas de sinais e da 
Libras. Em seguida, as propriedades linguísticas próprias das líguas 
naturais são evi- denciadas na Libras, movimento que permite desfazer 
certos mitos em relação a essa língua. Por fim, após refletir sobre a 
necessidade de estudo da Libras mesmo para seus usuários, é 
apresentado um sistema de trans- crição cujo papel é auxiliá-lo em seus 
estudos sobre a natureza linguística da Libras. 
 
 
A Libras enquanto língua 
Antes de se falar especificamente da Libras, cabe um retorno à origem 
das línguas de sinais, seus registros históricos, para que se possa entender 
como, de certa forma, o ensino das línguas de sinais em escolas determinou o 
desenvolvimento dessas línguas. A seguir, após esse panorama sobre a 
origem e evolução das línguas de sinais, a Libras será tratada no que diz res- 
peito a sua origem específica, a sua regulamentação como língua oficial dos 
surdos brasileiros e à razão pela qual ostenta o título de língua natural. 
 
Por ser uma língua ágrafa, não há registro da origem da língua de sinais, 
mas, possivelmente, ela se desenvolveu na mesma época que a língua 
oral. Diz a lenda que os surdos eram adorados no Egito, como se fossem 
deuses, porque serviam de mediadores entre os Faraós e os deuses, já que 
eram tidos como seres místicos. As primeiras referências aos surdos apa- 
recem na época da Lei Hebraica. Na China, os surdos eram lançados ao 
mar; os gauleses os sacrificavam aos deuses Teutates; em Esparta, eram 
lançados do alto dos rochedos. Na Grécia, os surdos eram encarados como 
deficientes mentais e muitas vezes eram condenados à morte. Os roma- 
nos viam os surdos como seres imperfeitos, e assim lançavam as crianças 
surdas no rio. Mais tarde, Santo Agostinho defendia que os surdos podiam 
se comunicar por meio de gestos, contudo, acreditava que os pais esta- 
vam pagando por algum pecado. Até a Idade Média, a Igreja Católica acre- 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
31 
O status de língua da Libras 
 
ditava que os surdos eram incapazes de proferir os sacramentos, diferentemente 
dos ouvintes, pois não possuíam alma imortal. Em seguida, passa-se para a pers- 
pectiva da razão, em que a deficiência passa a ser analisada sob a óptica médica e 
científica, quando sai da perspectiva religiosa, no início do Renascimento. Foi na 
Idade Moderna que Pedro Ponce de León (1520-1584), padre católico, criou a 
primeira escola para surdos no Mosteiro de San Salvador (Espanha), e se dedicou 
a ensinar os filhos surdos de pessoas nobres para que pudessem ter privilégios 
perante a lei. León desenvolveu um alfabeto manual, que ajudava os surdos a 
soletrar as palavras. Juan Pablo Bonet (1579-1629), aproveitando o trabalho ini- 
ciado por León, foi educador de surdos, escreveu sobre as maneiras de ensinar 
os surdos a ler e a falar, por meio do alfabeto manual. Sempre, contudo, esses 
modelos tinham base oralista - gesto e oralidade, alfabeto manual e oral. 
 
No século XVIII, Charles-Michel de l'Épée (1712-1789), um padre francês, re- 
conheceu a existência da língua de sinais (antiga Língua Gestual Francesa) e 
que seu desenvolvimento servia como base de comunicação entre os surdos 
que se comunicavam nas ruas de Paris, utilizando a datilologia/alfabeto manual. 
Fundou a primeira escola pública de surdos no mundo, o Instituto Nacional para 
Surdos-Mudos em Paris, que existe até hoje com o nome de "Instituto Nacional de 
Jovens Surdos". Sua metodologia era respeitada e acreditava-se ser o modelo 
correto para educação de surdos. 
 
Thomas Braidwood (1715-1816) fundou, na Europa, a escola oralista de surdos 
para correção da fala. Após muitas discussões por todo o mundo, chegou-se à 
conclusão de que era possível, sim, que o surdo falasse. Baseado nisso, Jean Marc 
Itard (1800-1838), primeiro médico a interessar-se pelo assunto, usou métodos 
não convencionais em suas pesquisas, como: cargas elétricas, sangramentos, 
perfuração de tímpanos e outras aberrações. Em abril de 1817 é fundada a pri- 
meira escola para surdos permanente dos EUA, a Escola Hartford, por Thomas 
Hopkins Gallaudet (1787-1851), educador, ouvinte, que acompanhado de Lau- 
rent Clerc (1785-1879), surdo francês, um dos melhores alunos do Instituto para 
Surdos de Paris, se tornou educador. Eles instituem nessa escola a Língua Gestual 
Americana, sendo que essa instituição também existe até hoje e é considerada o 
centro de pesquisas sobre surdez no mundo. 
 
O famoso Alexander Graham Bell (1847-1922), criador do telefone, traba- 
lhava na oralização dos surdos e veio a se casar com uma surda, Mabel, de fa- 
mília que tinha tradição em educação de surdos na Europa, embora sua famí- 
lia não aceitasse a língua gestual. No Congresso de Milão, em 1880, admite que 
os surdos deveriam ser oralizados durante um ano, mas se isso não trouxesse 
 
32 
O status de língua da Libras 
 
resultado, poderiam, então, ser expostos à língua gestual. Durante o século XVIII, 
na Europa, surgem duas tendências adversas na educação dos surdos antes do 
Congresso de Milão: o método francês, chamado de gestualismo, e o oralismo, 
ou método alemão. Em 1880, houve um momento obscuro na história da educa- 
ção dos surdos. Foi durante o famoso congresso de Milão, com duração de três 
dias, quando um grupo de ouvintes resolveu que a língua de sinais deveria ser 
excluída do ensino dos surdos, sendo substituída pelo oralismo. Durante o fim do 
século XIX e grande parte do século XX, o oralismo foi a técnica preferida na edu- 
cação dos surdos, sendo que a luta entre o oralismo e a língua de sinais continua 
até os nossos dias, o que se depreende da afirmação de Quadros (1997), em seu 
livro sobre a educação de surdos e aquisição da língua de sinais, segundo a qual a 
permissão ou não permissão para o uso de línguas espaciais-visuais interferiu no 
processo histórico e na vida das pessoas pertencentes a comunidades surdas. 
 
Em relação ao Brasil, não foi diferente nosséculos passados, experimentou-se 
as três linhas de abordagens: oralismo, comunicação total e bilinguismo. O ora- 
lismo, utilizado na década de 1960 e 1970, é o nome dado àquelas abordagens 
que enfatizam a fala (da língua utilizada no país) e a amplificação da audição e 
que rejeitam de maneira explícita e rígida qualquer uso da língua de sinais. Técni- 
cas específicas são utilizadas para desenvolver o método do oralismo, sendo elas: 
treinamento auditivo, desenvolvimento da fala e leitura labial; contudo, o fracasso 
dos alunos surdos era visível. Em seguida, veio a comunicação total, cuja proposta 
oralista é transformada e se consolida, não como método, mas como uma filosofia 
educacional. Por não explicitar claramente procedimentos de ensino, a comuni- 
cação total, na década de 1970, é incorporada, em diferentes lugares, em versões 
muito variadas, caracterizando-se, basicamente, pela aceitação de vários recursos 
comunicativos, com a finalidade de ensinar a língua majoritária - a língua oficial 
do país, no caso, a língua portuguesa - e promover a comunicação utilizando 
gesto, mímica e fala. Seguiu-se, então, a filosofia bilíngue, na década de 1980, que 
possibilitaria a relação do surdo adulto com a criança surda1, permitindo, assim, 
uma construção de identidade e que respeitaria a Libras - respeitar a língua do 
surdo não quer dizer que se deva menosprezar a língua dominante do país, mas 
apenas ter o domínio da Libras como primeira língua e, consequentemente, ter o 
português escrito/falado como segunda língua. 
 
Desse relato, já é possível compreender que a história da evolução das línguas 
de sinais, inclusive a Libras, foi marcada pela intervenção autoritária, muito por 
 
1 O modelo para criança surda deve ser um adulto surdo ou uma pessoa ouvinte que domina a Libras, para que sua identidade e sua língua 
sejam formadas nos seus primeiros anos de vida. Infelizmente, as crianças surdas não têm nem a língua portuguesa oral/escrita e nem a Libras e, 
consequentemente, recebem sua primeira língua atrasada. Pela nossa experiência em escola de surdos, o modelo ideal é o bilinguismo - Libras e 
português escrito. 
 
O status de língua da Libras 
 
desconhecimento, daqueles que formulavam as políticas de ensino para surdos. 
Mesmo que a intenção subjacente de tais políticas fosse ajudar o surdo, o que se 
fez ao proibir o ensino e o uso das línguas de sinais foi um retrocesso no processo 
de crescimento dessas línguas. Imagine o quanto não se perdeu em vocabulário, 
estrutura, sofisticação de conceitos "apenas" porque os surdos foram impedidos de 
usar livremente sua língua natural. Os reflexos dessas políticas ainda podem ser 
vistos no desconhecimento que muitos têm sobre a Libras, e não se está pen- 
sando neste momento somente no ouvinte, mas também nos surdos, já que 
muitos deles não têm acesso, ainda hoje, a essa língua. As línguas, orais ou de 
sinais, evoluem por meio do uso, são as necessidades do dia a dia, das tarefas que 
precisam ser executadas, das mensagens que precisam ser dadas que fazem com 
que qualquer língua amplie seu vocabulário, cunhe conceitos novos, padronize 
uma variedade de língua que será considerada a culta, entre outras coisas. 
 
A Libras teve sua origem na Língua de Sinais Francesa por influência de Hernest 
Huet, surdo francês, que chegou ao Brasil em 1856, a convite de D. Pedro II, para 
fundar a primeira escola para meninos surdos, o Instituto Nacional de Educação 
de Surdos (INES), que foi inaugurado no dia 26 de setembro de 1857, o qual rece- 
beu o nome de Imperial Instituto de Surdos-Mudos, com o propósito de desen- 
volver a educação dos surdos brasileiros. Hernest, o professor surdo, negociava 
a criação do instituto de surdos através de cartas com o imperador D. Pedro II, 
as quais encontram-se no Museu Imperial de Petrópolis (RJ). Aconteceu com a 
Libras um processo de colonização de língua, tal como se deu entre o portu- 
guês para os brasileiros. Nesse sentido, quando os portugueses vieram colonizar o 
Brasil, se depararam com uma série de línguas indígenas, e mais especifica- 
mente uma língua geral, usada para negociações entre as diferentes tribos. Ao 
longo dos anos, por uma série de fatores que não cabe explicar neste momento, o 
português de Portugal foi se mesclando a essa língua geral e, posteriormente, 
recebeu influências de outras línguas como o italiano, o francês e o árabe, resul- 
tando no português que hoje se fala no Brasil, o qual difere em muitos aspectos 
da língua que lhe deu origem. Portanto, quando Huet chegou ao Brasil os surdos 
já deviam possuir um sistema de comunicação, que se mesclou à língua france- 
sa de sinais, originando a Língua Brasileira de Sinais, a qual também difere em 
muitos aspectos da língua que lhe deu origem. 
 
Como visto, a Libras tem uma história de evolução ao longo dos anos, como 
qualquer outra língua natural. Assim como as línguas orais, as línguas de sinais 
nascem para suprir uma necessidade de comunicação. A diferença reside no 
canal de recepção e nos meios de produção, pois, devido à impossibilidade de 
ouvirem uma língua falada, os surdos desenvolvem a habilidade linguística de 
 
34 
O status de língua da Libras 
 
outra maneira, fazendo uso do espaço e da visão. Então, uma língua de nature- 
za espaço-visual não se configura como uma barreira perceptual no processo 
de aquisição dos surdos, já que essa é a língua natural dos surdos. Todavia, 
nem sempre essa condição de língua natural foi aceita em relação às línguas 
de sinais. Não há muito tempo, as línguas de sinais eram vistas apenas como 
gestos, mímica, um sistema de comunicação inferior, pobre, sem gramática, 
cujo único proveito era expressar conceitos concretos. Essa visão só começou a 
ser superada a partir da década de 1960, com a publicação, nos Estados Unidos, 
do primeiro trabalho conhecido sobre línguas de sinais, por William Stokoe. 
 
As discussões de Stokoe (1960, apud QUADROS; KARNOPP, 2004) para a 
língua americana de sinais foram tomadas como ponto de partida para o 
estudo de outras línguas de sinais, como a Libras. As discussões empreendi- 
das pelo autor começam com a descrição da modalidade da língua, desta- c 
a n d o q u e s u a s p ro p r i e d a d e s i n t e r n a s c o r re s p o n d e m a c r i t é r i o s c o l o c a d o 
s por universais linguísticos e que a distinção está em sua forma de produção e 
recepção: "[...] as investigações mostram que as línguas de sinais, sob o ponto de 
vista linguístico, são completas, complexas e possuem uma abstrata estru- 
turação em todos os níveis de análise" (QUADROS; KARNOPP, 2004, p. 36-37). 
A partir daí, o interesse pelo estudo das línguas de sinais na condição de 
línguas naturais cresceu significativamente, mesmo esparsos e em pequeno 
número, esses estudos levaram a uma reflexão do importante papel dessas 
línguas para as comunidades surdas. As comunidades surdas, por sua vez, 
viram nos estudos linguísticos das línguas de sinais um argumento científico, e 
n t re t a n t o s o u t ro s d e o rd e m d i ve r s a m a s d e i g u a l i m p o r t â n c i a , p a r a l h e s 
requerer o reconhecimento legal. O Brasil é um dos países que já oficializou a 
língua de sinais de seu país - a Libras - como língua própria dos surdos bra- 
sileiros. Segundo a legislação vigente, desde abril de 2002, a Libras constitui 
um sistema linguístico de transmissão de ideias e fatos, oriundos de comuni- 
dades de pessoas surdas do Brasil, nas quais há uma forma de comunicação e 
expressão, de natureza visual-motora, com estrutura gramatical própria. A o f i 
c i a l i z a ç ã o d a L i b r a s fo i d e e x t r e m a i m p o r t â n c i a , e a i n d a é, p a r a a l u t a p o r 
políticas públicas de educação bilíngue para surdos, com a presença de pro- 
fessores sinalizadores e/ou intérpretes em sala de aula. O reconhecimento 
legal, no entanto, não significaque a Libras deva parar de ser estudada em 
suas características linguísticas. Afinal, conhecer bem a natureza linguística 
da Libras é condição necessária para o seu ensino. Portanto, na seção a seguir, a 
Libras será abordada em relação às propriedades linguísticas responsáveis por 
caracterizá-la como língua natural. 
 
 
O status de língua da Libras 
As propriedades da língua na Libras 
A Libras, na sua condição de língua natural, como visto na seção anterior, é 
tão complexa e sofisticada quanto qualquer outra língua oral, apresentando as 
mesmas propriedades linguísticas. Portanto, adiante são expostas as proprieda- 
des linguísticas compartilhadas pelas línguas naturais e a forma como se mani- 
festam na Libras. 
 
A primeira característica apontada nas línguas naturais, contrastando com a 
comunicação estabelecida por animais, é a flexibilidade e versatilidade. Ela diz 
respeito às várias possibilidades de uso da língua em diversos contextos. As lín- 
guas de sinais são empregadas em várias situações, cumprindo muito bem as 
funções para as quais são requisitadas, como compor poesias, criar piadas, dis- 
cutir política e filosofia, refletir sobre a vida, falar sobre a própria língua, falar das 
coisas comuns do dia a dia etc. 
 
A arbitrariedade dá conta de que as palavras, os sinais, são convenções sociais 
acordadas entre os usuários de uma determinada língua, daí não haver relação 
direta entre muitas palavras (sua forma) e o significado a que remetem. A língua 
de sinais, ao contrário do que muitos pensam, apresenta palavras cuja forma não 
tem relação direta com o significado. Alguns exemplos transcritos da Libras (na 
última seção há um quadro explicativo sobre a transcrição empregada): PRIMO; 
MULHER B̂ENÇÃO (mãe), CONHECER. 
 
A questão da forma e do significado referido por ela, aliás, traz à tona a des- 
continuidade: pequenas diferenças na forma das palavras, por exemplo, podem 
gerar grandes diferenças no significado. Na Libras, os sinais são formados por 
meio de cinco parâmetros: configuração de mão (CM), ponto de articulação (PA), 
movimento (M), orientação (O) e expressão facial-corporal (EFC). A alteração de 
um dos parâmetros na formação de um dado sinal resulta num sinal diferente 
ou, às vezes, num sinal inexistente. Isso significa que pequenas alterações na 
formação de um sinal levam a significados diferentes. Assim, os sinais APRENDER e 
SÁBADO apresentam em comum CM, M, O, sendo que o parâmetro EFC não é 
determinante na constituição desses dois sinais, estando a diferença apenas no 
PA. O sinal de aprender é articulado em frente à testa, e o sinal de sábado, em 
frente à boca do sinalizador. 
 
 
 
 
36 
O status de língua da Libras 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
APRENDER. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
SÁBADO. 
 
Além de a Libras permitir ao seu usuário falar sobre o assunto de seu desejo, ela 
fornece inúmeras possibilidades de transferência para uma mesma informa- ção, já 
que a partir de um número finito de elementos combináveis e recombi- náveis por 
meio de regras também finitas, é possível elaborar um número de sentenças 
infinitas. Isso é possível, inclusive, mesmo quando o usuário nunca se deparou com 
uma estrutura em particular. A essa propriedade se dá o nome de 
produtividade/criatividade. Desse modo, estruturas como J-O-Ã-O GOSTAR M-A-R-I-A 
PORQUE ELA EDUCADA podem ser produzidas através do aprendi- zado adquirido de 
outras estruturas: EU GOSTAR ELA; EDUCADA ELA; J-O-Ã-O 
ESTUDAR
muito
 PORQUE ELE INTELIGENTE. 
A fim de produzir os enunciados da língua, a Libras conta com a proprieda- 
de denominada de dupla articulação. A dupla articulação se refere ao fato de as 
línguas se articularem em dois planos, no primeiro as formas não possuem 
significado, no segundo, por meio da combinação das formas sem significado se obtêm 
unidades com significado. Retomando a questão da formação de sinais, se você 
pensar isoladamente na CM dos sinais de APRENDER e LARANJA, mão na forma de "S", 
CM encontrada no quadro a seguir, verá que, por si só, ela não apre- senta significado, é 
apenas um elemento menor que comporá, por meio de sua combinação com outros 
parâmetros, unidades maiores dotadas de significado. 
 
 
 
O status de língua da Libras 
 
IE
S
D
E
 B
ra
s
il 
S
.A
. 
 
IE
S
D
E
 B
ra
s
il 
S
.A
. 
 
Quadro 1 - Configurações de mão usadas na representação do alfabeto 
da língua portuguesa e dos números de 0 a 9 
 
 
 
 
 
A 
 
 
 
 
B 
 
 
 
 
C 
 
 
 
 
D 
 
 
 
 
E 
 
 
 
 
F 
 
 
 
 
G 
 
 
 
 
H 
 
 
 
 
I 
 
 
 
 
J 
 
 
 
 
K 
 
 
 
 
L 
 
 
 
 
M 
 
 
 
 
N 
 
 
 
 
O 
 
 
 
 
P 
 
 
 
 
Q 
 
 
 
 
R 
 
 
 
 
S 
 
 
 
 
T 
 
 
 
 
U 
 
 
 
 
V 
 
 
 
 
W 
 
 
 
 
X 
 
 
 
 
Y 
 
 
 
 
Z 
 
 
 
 
1 
 
 
 
 
2 
 
 
 
 
3 
 
 
 
 
4 
 
 
 
 
5 
 
 
 
 
6 
 
 
 
 
7 
 
 
 
 
8 
 
 
 
 
9 
 
 
 
 
0 
 
As combinações tratadas no parágrafo anterior não ocorrem aleatoriamen- 
te, elas seguem um padrão de estruturação nos diferentes níveis - fonológico, 
morfológico, sintático e semântico. Isso implica que ao usar a Libras o indivíduo 
precisa respeitar as regras de combinação por ela apresentada(s). Infringir as 
regras, sair do padrão da língua, resulta em sentenças agramaticais como: * ELE 
ELA CONHECER. O padrão linguístico está vinculado a outra propriedade reco- 
nhecida nas línguas naturais, a dependência estrutural. As línguas constroem os 
enunciados por meio de estruturas dependentes que permitem o entendimen- to 
da estrutura interna de uma sentença. Isso significa que certos elementos são 
subordinados a outros na estrutura das sentenças. Por exemplo: 
 
 
 
38 
O status de língua da Libras 
 
1. * ELE ELA CONHECER 
 
2. ELE CONHECER ELA 
 
3. * EU GOSTAR SEMPRE MAÇÃ 
 
4. SEMPRE EU GOSTAR MAÇÃ 
 
As sentenças (1) e (2) são agramaticais porque não respeitam a dependência 
estrutural da Libras. No primeiro caso, o objeto (ela) não pode ocupar a posição 
ao lado do sujeito (ele) e antes do verbo (conhecer), pois nessa posição o sinal 
não é reconhecido como objeto que completa o significado do verbo. No se- 
gundo caso, o advérbio (sempre) não pode interromper a relação entre o verbo 
(gostar) e o objeto (maçã). 
 
Terminada a exposição dos motivos evidenciadores da natureza linguística 
da Libras, certo de se tratar de uma língua não apenas de direito - porque se en- 
contra oficializada como língua -, mas de fato, você, estudante, pode se ocupar, 
mais bem fundamentado, de analisar os mitos envolvendo a Libras na sua con- 
dição de língua de sinais. 
 
 
Velhos, novos conhecidos: os mitos sobre a Libras 
Ainda que avanços significativos tenham sido feitos no estudo da Libras e 
das línguas de sinais em geral, há uma carência da disseminação desses saberes, 
acarretando na existência e manutenção de algumas inverdades sobre as línguas 
de sinais que são aceitas como procedentes por muitas pessoas. São os velhos e, 
ao mesmo tempo, novos mitos sobre as línguas visuais. Então, o objetivo nesta 
seção é avaliar alguns desses mitos, com base no exposto por Quadros e Karnopp 
(2004, p. 31-37), de modo a esclarecer que se tratam de falsas afirmações e mos- 
trar por que não condizem com a realidade das línguas de sinais. 
 
O primeiro mito apregoa que as línguas de sinais seriam incapazes de expres- 
sar conceitos abstratos, pois seria apenas uma mistura de gestos e mímica. Essa 
concepção equivocada nasce da confusão de se entender os sinais como gestos. 
Afinal, os gestos não permitem a abstração das palavras, que podem nomear 
ou falar sobre algo mesmo quando esse algo não está presente, ou mesmo que 
ele não exista enquanto entidade física. Mas a verdade é que os sinais são pala- 
vras, eles permitem falar sobre pessoas ou objetos ausentes, sobre ideias, e não 
apenas sobre coisas concretas. Os sinais das línguas visuais apresentama mesma 
possibilidade de simbolismo e abstração que as palavras das línguas orais. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
39 
O status de língua da Libras 
 
Esse primeiro mito, línguas visuais serem apenas gesto e mímica, leva ao 
segundo. Posto que gestos não são arbitrários, são icônicos - isto é, sua forma 
tem relação direta com aquilo a que se referem -, muitos acreditam na existên- 
cia de uma única língua de sinais, falada por todos os surdos. Porém, estudos 
linguísticos comprovaram que as línguas de sinais são diferentes entre si, cada 
comunidade surda de um dado país apresenta vocabulário e regras gramaticais 
próprias. Algumas línguas de sinais são aparentadas, têm uma origem comum, 
como a Libras e a ASL, que nasceram a partir da língua de sinais francesa. Mas 
isso também se verifica em línguas como o português e o italiano, originadas 
do latim. Assim, ASL e Libras, como também português e italiano, compartilham 
características em comum, mas em hipótese alguma seus usuários podem trocar 
informações como se elas fossem a mesma língua. 
 
Outro mito que menospreza a complexidade linguística das línguas de sinais 
é o que as considera subordinadas às línguas orais, sem uma gramática organi- 
zada, precisando usar seus sinais na estrutura gramatical das línguas orais. Na 
verdade, como visto antes, as línguas de sinais são línguas de fato, com uma 
complexa organização estrutural em todos os níveis de análise. Além disso, con- 
siderar a língua de sinais subordinada a línguas orais é um equívoco, já que a 
Língua Brasileira de Sinais, por exemplo, teve sua origem na língua francesa de 
sinais, e a língua portuguesa de sinais, por outro lado, desenvolveu-se a partir 
da língua britânica de sinais. Não se pode, convém observar, confundir emprés- 
timos linguísticos com subordinação. Fosse assim, nossa língua portuguesa es- 
taria subordinada ao inglês pelos termos que lhe toma emprestado e agrega, na 
forma inglesa mesmo, ao vocabulário nacional brasileiro. 
 
Por fim, para finalizar a análise de alguns mitos apontados por Quadros e 
Karnopp (2004, p. 31-37), muitas pessoas pensam, por se tratarem de línguas 
visuais, articuladas espacialmente, que a localização da língua de sinais no cé- 
rebro deve ser do lado direito, responsável pelo processamento de informação 
espacial, e não do lado esquerdo, próprio da linguagem. Essa ideia, contudo, é 
derrubada por pesquisas envolvendo surdos com lesões em um dos hemisférios. 
Os resultados apontam que danos no lado direito prejudicam o processamento 
de informações puramente espaciais. Nesse caso, se for solicitado ao surdo, em 
uma sala qualquer, que se encaminhe para o lado esquerdo da porta de saída 
da sala, ele compreenderá o que deve fazer, mas não poderá executar a tarefa 
por não conseguir identificar qual seria o lado esquerdo da porta. Já lesões no 
lado esquerdo do cérebro afetam a produção e compreensão da língua, deixan- 
do intactas as informações puramente espaciais. Nesse caso, se fosse solicitado 
ao surdo a mesma tarefa, ele não a poderia executar por não compreender no 
 
40 
 
O status de língua da Libras 
 
que ela consiste. Não se pode esquecer, todavia, que tanto em línguas visuais 
como orais essa questão de localização da língua é bem complexa, pois lesões 
em áreas muito semelhantes nem sempre acarretam nos mesmos danos. Não 
bastando isso, a literatura cognitiva aponta casos de pessoas que, afetadas por 
lesões no hemisfério esquerdo na infância, especializaram o lado direito do cére- 
bro para desenvolver também a função linguística, fato creditado à plasticidade 
cerebral, responsável por desenvolver mecanismos compensatórios quando há 
condição para tal. 
 
 
Para que estudar a Libras? 
A essa altura, estudante, você deve estar se perguntando "mas por que eu, 
que sou usuário da Libras, tenho que estudar essa língua?". Se você realmente 
se fez essa pergunta, é porque está à procura de um motivo para tal estudo, e se 
ainda não encontrou a resposta, pode construí-la a partir desta seção. 
 
Divagando um pouco, pode-se dizer que existem muitos motivos para 
alguém fazer algo. Vale lembrar, contudo, que não se está falando de algo ines- 
pecífico, um "algo qualquer", tampouco se está falando de um alguém genérico, um 
"qualquer um". A resposta que se pretende construir é para a pergunta "por que um 
intérprete de Libras precisa estudar Libras?". Está se falando, então, de um alguém 
que é, ou pretende ser, intérprete de Libras, e de algo, a Libras, que é condição 
necessária para o desenvolvimento dessa profissão. Portanto, a respos- ta a que se 
chega é que o estudo da Libras é necessário porque indispensável ao 
desempenho do intérprete. É um motivo que tem por trás uma finalidade, um 
objetivo, daí o título desta seção ser "Para que estudar Libras?" e não "Por que 
estudar Libras?". 
 
No entanto, neste ponto, você deve estar pensando,"Mas eu já sei essa língua, eu 
uso essa língua, se eu não a soubesse, aí sim deveria estudá-la." Acontece que 
saber uma língua com base em seu uso não é condição suficiente para ser intér- 
prete. Paralelamente, é possível fazer a seguinte reflexão. Uma pessoa que fala a 
língua do país onde vive, o português, por exemplo, não pode ser considera- da 
apta a ensinar essa língua se não empreendeu estudos específicos para isso. Ser 
usuário de uma língua dá ao indivíduo um conhecimento intuitivo sobre ela, 
conhecimento muito importante e útil, é verdade, mas que, sozinho, não é 
suficiente para exercer funções, como tradutor, intérprete, professor de língua, 
que exigem um conhecimento técnico, consciente e sistemático da língua a ser 
traduzida, interpretada ou ensinada. 
 
O status de língua da Libras 
 
Por conhecimento técnico, consciente e sistemático da língua, deve-se en- 
tender o conhecimento construído por meio de estudo, que envolva os aspec- 
tos gramaticais, morfológicos, semânticos, pragmáticos, entre outros. Mas esse 
conhecimento não deve ser pensado do ponto de vista de "acúmulo de infor- 
mações", ele deve ser útil ao dia a dia do profissional, deve permitir solucionar 
problemas de tradução e interpretação: 
 
Na maioria das vezes a tradução é feita por escritores, pessoas que os editores têm mais à mão, 
quando não primas pobres, os tios inválidos ou as cunhadas desocupadas destes mesmos 
escritores. Mais de uma vez, o escritor empresta apenas o nome à tradução sem deitar-lhe 
sequer uma olhada. Mas ainda que seja ele mesmo o autor do trabalho, nem sempre a sua 
qualidade de escritor constitui uma garantia. O que normalmente acontece é um ficcionista, 
um poeta ou um jornalista aceitarem traduzir um livro francês, inglês ou castelhano, pelo fato 
de estarem habituados a ler obras escritas nesses idiomas. Os mais inteligentes e conscienciosos 
não tardam a reconhecer a sua falta de preparo e tentam supri-la por meio de estudos, consultas a 
pessoas e livros; os mais limitados vão galhardamente matando centenas de páginas, seguros 
da impunidade. (RÓNAI, 1976, p. 9, grifo nosso) 
 
 
Sistemas de transcrição da língua de sinais 
Ao se estudar uma língua com o objetivo de conhecer suas características 
estruturais, é preciso lançar mão de algum recurso que permita ao pesquisa- 
dor registrá-la para posterior análise. Esse é o papel dos sistemas de transcrição, 
pois permitem ao pesquisador registrar os enunciados da língua de forma que 
ele os possa analisar mesmo quando não está presente no momento em que o 
enunciado foi produzido. A transcrição é muito útil, além disso, porque permite a 
outros pesquisadores estudarem uma língua que foi transcrita anteriormen- te. 
Por exemplo, um pesquisador em particular pode fazer uma transcrição de 
dados - enunciados produzidos por sinalizadores fluentes na língua - com o 
intuito de estudar a morfologia da Libras. Um outro estudioso pode se valerda 
mesma transcrição para analisar as regras gramaticais dessa língua. Isso é possí- 
vel graças ao caráter convencional dos sistemas de transcrição. 
 
 
A transcrição consiste na representação gráfica de um enunciado, por 
meio de um conjunto de símbolos especiais, para fins de estudo. 
 
 
Para os objetivos deste curso, você vai aprender a lidar com o Sistema de No- 
tação por Palavras, criado e desenvolvido pela pesquisadora da Língua Brasileira 
de Sinais Tânia Amaro Felipe, no ano de 1998. Pela clareza da transcrição, o sis- 
tema foi muito aceito, não só por pesquisadores brasileiros que atuavam nesse 
 
 
 
42 
O status de língua da Libras 
 
período, mas também por outros que desenvolviam trabalhos com línguas de 
sinais. Assim, ao longo do curso, sempre que útil às discussões, a transcrição por 
notação será empregada. A seguir, há um quadro com exemplos de notações e a 
convenção subjacente a cada um. 
 
Sistema de notação por palavras Convenção 
 
CASA 
Os sinais da Libras são representados por itens 
lexicais da Língua Portuguesa em letras maiús- 
culas. 
 
CORTAR-COM-FACA 
Os sinais que são traduzidos por mais de uma pa- 
lavra no português são representados pelas pa- 
lavras correspondentes e separadas com hífen. 
 
 
CAVALO^LISTRA (zebra) 
Os sinais compostos da Libras, quer dizer, aque- 
les que necessitam de mais de um sinal para re- 
presentar uma ideia são representados por pala- 
vras do português separadas por ̂ . 
 
J-O-Ã-O 
O alfabeto manual utilizado para expressar no- 
mes que não tenham sinal na Libras são repre- 
sentados letra por letra separadas por hífen. 
 
 
N-U-N-C-A 
Um sinal soletrado, quer dizer, aquelas datilolo- 
gias que, por empréstimos linguísticos do por- 
tuguês, receberam um movimento próprio da 
Libras e passam a pertencer a esta língua são 
representados letra a letra, separadas por hífen 
e de forma itálica. 
 
 
AMIG@ 
Como na Libras não há marcação para gênero, 
quer dizer, a notação pode estar se referindo a 
amigo ou amiga, usa-se o símbolo @ para esta 
classificação. 
 
NOME
 interrogativa 
Marcação de sinais não manuais realizados si- 
multâneos aos sinais manuais. Neste caso, uma 
pergunta: qual seu nome? 
 
SABER
 negação 
Marcação de sinais não manuais realizados si- 
multâneos aos sinais manuais. Neste caso, uma 
negação: não sei. 
 
ADMIRAR
 exclamativo 
 
LONGE
 muito 
Marcação de sinais não manuais realizados si- 
multâneos aos sinais manuais para denotar ad- 
vérbio de modo ou intensificador. 
 
ANDAR
 pessoa 
 
ANDAR
 veículo 
Verbos com concordância para pessoa, objeto e 
animal são representados com o sujeito subscrito. 
 
 
1s DAR
 2s
 Eu dou a você. 
2s
 PERGUNTAR
 3p 
 
Você pergunta para El@s 
Verbos com concordância para as pessoas gra- 
maticais serão representadas com o seu corres- 
pondente subscrito: 
1s 2s 3s = 1.ª, 2.ª e 3.ª pessoas do singular. 
1d 2d 3d = 1.ª, 2.ª e 3.ª pessoas do dual. 
1p 2p 3p = 1.ª, 2.ª e 3.ª pessoas do plural. 
 
 
O status de língua da Libras 
 
Sistema de notação por palavras Convenção 
 
d
ANDAR
e 
 
Andar da direita para esquerda. 
Verbos com concordância para lugar serão re- 
presentados com seu correspondente subscrito: 
d = direita 
e = esquerda 
MENINA + Marca de plural pela repetição do sinal. 
 
* J-O-Ã-O M-A-R-I-A GOSTAR 
Frases que não respeitam as regras de estrutura- 
ção gramatical da língua são agramaticais, rece- 
bem o sinal de asterisco como indicativo. 
 
Essas são as principais notações que lhe serão úteis ao longo do curso. Agora 
que você sabe um pouco mais sobre os recursos empregados no estudo da 
Libras, acompanhe abaixo o relato do pesquisador sobre a experiência dele na 
aquisição da Língua Brasileira de Sinais como segunda língua. Boa leitura! 
 
 
 
Texto complementar 
 
 
Aspectos relevantes na aprendizagem de Libras 
como segunda língua por um adulto ouvinte 
 
(LEITE; MCCLEARY, 2009, p. 249-253) 
Entre os aspectos linguísticos relativos à aprendizagem da ASL destaca- 
dos por Jacobs (1996) estão: a modalidade da língua, a datilologia ou soletra- 
ção manual, os classificadores e os sinais não manuais. Além desses fatores, a 
experiência da presente pesquisa demonstrou a relevância de ainda outros 
aspectos: a morfossintaxe, o uso gramatical do espaço e a semântica lexical. 
Passo agora a tratar resumidamente de cada um desses pontos. 
 
Parte significativa da dificuldade na aprendizagem de línguas de sinais por 
ouvintes está relacionada à diferença entre línguas como o Português, que 
se apoiam fortemente na audição, e línguas como a Libras, que se apoiam es- 
tritamente na visão. Por exemplo, as línguas de sinais parecem exigir um re- 
finamento da visão que os ouvintes precisam desenvolver. Como os demais 
colegas ouvintes, a minha tendência em meus primeiros anos de aprendiza- 
gem da Libras era a de focalizar a atenção nas mãos do sinalizador em detri- 
mento do rosto, perdendo uma série de informações linguísticas importan- 
 
 
44 
O status de língua da Libras 
 
 
tes veiculadas por esse canal. Com o tempo, observei que os surdos agiam 
de maneira distinta, focalizando predominantemente o rosto e só desvian- 
do o foco visual para as mãos em algumas poucas ocasiões (e.g. em alguns 
casos de soletração manual). A dificuldade de acompanhar a sinalização se 
agravava em contextos informais, nos quais dois ou mais surdos interagiam 
ao mesmo tempo. Minha impressão era a de que os surdos acompanhavam 
esse tipo de conversa sem a necessidade de redirecionamentos da cabeça e 
do olhar tão frequentes e/ou intensos quanto os meus. Se esse refinamento 
visual de fato existe - como alguns pesquisadores têm argumentado (e.g. 
SWISHER et al., 1989) - seria fundamental que os cursos de Libras como se- 
gunda língua procurassem desenvolver essa habilidade nos alunos ouvintes, o 
que não ocorreu em minha experiência. 
 
A datilologia, a soletração de palavras das línguas orais por meio do alfa- 
beto manual, provou-se um elemento de facilidade apenas ilusória. Tendo 
em vista que o aprendizado das configurações de mão referentes a cada 
letra do alfabeto ocorre de maneira relativamente rápida e sem maiores pro- 
blemas, é comum os alunos - e inclusive os professores - considerarem esse um 
aspecto linguístico que não exige maior atenção nos cursos de Libras. 
Contudo, como Jacobs assinala, o uso fluente da datilologia no ritmo natural 
do discurso espontâneo é um dos aspectos mais difíceis de serem alcança- 
dos pelos ouvintes, exigindo uma prática muito maior do que se costuma 
pressupor. Em minha experiência de pesquisa, os cursos de Libras reserva- 
ram apenas uma ou, no máximo, duas aulas iniciais a atividades voltadas 
especificamente para a prática do alfabeto manual, demonstrando que os 
próprios professores não se davam conta da complexidade e dos diferentes 
usos dessa prática em seu uso proficiente da Libras. 
 
O plano morfossintático constituiu-se num dos aspectos de maior dificul- 
dade no aprendizado da Libras. Parecia bastante difundida, entre os profes- 
sores, a ideia de que primeiro devemos aprender sinais isolados para depois 
aprender a combiná-los, o que se revelava na estratégia de sempre intro- 
duzir uma lista de sinais antes de atividades de uso da Libras em interação. 
Tal visão resultou no desenvolvimento de hábitos prejudiciais por parte dos 
alunos ouvintes, que se viam sem alternativa a não ser a de empregar os 
sinais que eles conheciam na estrutura mais linear do português, que difere 
significativamente da estrutura mais espacial da Libras. Um outro aspecto 
problemático relacionado à morfossintaxe foi o ensino dos ditos "classifica- 
 
 
 
O status de língua da Libras 
 
 
dores"- um aspecto das línguas de sinais que, segundo Jacobs, é de difícil as- 
similação pelos ouvintes. Embora o termo classificador seja corrente

Continue navegando