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TEMA 1 DESCRIÇÃO A construção da reportagem, suas definições, seus conceitos e sua estruturação. PROPÓSITO Compreender as bases conceituais da reportagem, sua estrutura, a diferença em relação à notícia e seus diversos tipos é fundamental para o exercício jornalístico e a análise de seu material. OBJETIVOS MÓDULO 1 Descrever conceitos e fundamentos da reportagem e suas formas gerais MÓDULO 2 Reconhecer gêneros jornalísticos da atualidade INTRODUÇÃO O jornalismo é normalmente definido como a produção e a distribuição de reportagens sobre eventos recentes. Existem, no entanto, diversos tipos de reportagens que não estão confinadas somente a um meio. A sociedade contemporânea é, por natureza, multimeios ou multimídia. O jornalismo começou a ser consumido em Roma por volta de 59 anos antes de Cristo. A Acta Diurna trazia um resumo diário das discussões relevantes no Senado que afetavam a vida de todos. Desde aquele período, o jornalismo tratou principalmente de entregar notícias às pessoas. Com o tempo, o formato de entrega evoluiu de discursos públicos para incluir jornais impressos, revistas, telégrafos, rádio, televisão e, mais recentemente, plataformas online. A reportagem noticiosa se resume como a descoberta, a seleção e a apresentação de fatos relevantes, acontecidos em um período recente e que afetam muitas pessoas ou que sejam de seu interesse. O repórter é o especialista que busca revelar algo, a partir da coleta de fatos, observação de acontecimentos e entrevistas com testemunhas e especialistas. Concluída sua investigação, o repórter apresenta o que apurou por meio de um texto objetivo, equilibrado e imparcial, no qual contempla várias hipóteses, razões e consequências de um acontecimento. Mas a variedade e a profundidade das notícias cresceram muito nas últimas décadas. Desde o princípio do século passado, jornais, revistas e periódicos se tornaram a principal fonte de informação para os cidadãos. Depois, o rádio e a televisão também se tornaram relevantes para a distribuição de notícias. A internet, tornada comercial a partir do final do século XX, permitiu que entrássemos na era da informação eletrônica, marcada por ser multimídia, instantânea e global. Os pré-requisitos para o trabalho jornalístico, entretanto, permanecem os mesmos, como veremos a seguir. ACTA DIURNA A Acta Diurna é considerada o primeiro jornal de que se tem notícia. Foi criada pelo líder romano Júlio César e consistia em tábuas afixadas nos muros das principais localidades de Roma. MÓDULO 1 Descrever conceitos e fundamentos da reportagem e suas formas gerais O REPÓRTER E A REPORTAGEM São muitas as possibilidades da origem de uma reportagem no jornalismo atual. Pode ser um fato ocorrido no governo federal, estadual ou municipal ou mesmo medidas de empresas ou organizações não governamentais que afetam a sociedade. Pode ser uma descoberta feita por especialistas, cientistas ou produtores de conhecimento em geral, empenhados em estudar um fenômeno. Fonte: Shutterstock.com Fonte: Shutterstock.com O homem não vive sozinho. A maneira como se comportam seus vizinhos ou conterrâneos o afeta, portanto é de seu interesse saber sobre o mundo em que vive. Satisfazer essa curiosidade é a principal tarefa do jornalista. Fonte: Mauricio Quevedo / Shutterstock.com Além de realizar reportagens imparciais, um jornalista deve ter responsabilidade pela exatidão dos fatos que transmite. A sua reputação precisa ser de confiabilidade absoluta. O jornalista deve ser sistemático em seus hábitos e pontual no cumprimento de seus compromissos. Esse profissional deve evitar prejulgamentos, deve reconhecer seus eventuais erros e ter habilidade para narrar as notícias de forma clara, organizada e crítica. Além disso, ele precisa ser direto e simples para compor a melhor narrativa de acordo com o espaço de que dispõe. Um repórter deve se pautar pela ética profissional: perseguir a verdade, buscar os diversos lados da notícia e não obter benefícios pessoais diretos e indiretos das reportagens que produz. É importante ressaltar a diferença entre notícia e reportagem, ou reportagem noticiosa e outras reportagens, por exemplo as especiais ou suítes(Continuação e repercussão da primeira notícia.). Reportagem Noticiosa A reportagem noticiosa, ou factual, traz dados imediatos e factuais e é, às vezes, chamada de notícia (o que pode gerar confusão com a ideia de notícia como sinônimo do fato noticioso, daquilo que é notícia, e não do texto jornalístico). Reportagem A reportagem, de maneira geral, é uma continuidade da notícia, que a aprofunda e a desenvolve. Na prática, mesmo a matéria (texto jornalístico) chamada de notícia, muitas vezes replicada de uma agência de notícias ou de um comunicado oficial, tem algum grau de apuração. A chamada reportagem pode partir de uma notícia, como a divulgação do resultado de uma pesquisa, o anúncio de alguma nova diretriz de governo ou a conquista de um campeonato por um time esportivo. A reportagem pode ser a própria notícia, como acontece no jornalismo investigativo. Nem sempre a passagem de um “grau” de apuração a outro é clara, mas se pode tentar traçar linhas entre: 1. Notícia ou reportagem noticiosa. 2. Reportagem diária. 3. Reportagem especial. Existem, aliás, diferentes tipos de reportagens e diferentes formas de classificá-las, algumas das quais apontaremos adiante. Mas antes precisamos apontar as diferenças entre dois conceitos: a reportagem quente e a reportagem fria. Reportagem Quente A reportagem quente reflete informações obtidas no calor do acontecimento. Por exemplo, a repercussão de uma decisão do Supremo Tribunal Federal que impacta a vida de muitas pessoas, ou a apuração de manchas de petróleo em praias do Nordeste brasileiro. Reportagem Fria A reportagem fria, também chamada de reportagem de gaveta, refere-se a objetos desvinculados do imediatismo presente. Por exemplo, o chamado perfil(Matéria sobre uma personalidade e sua história.) de um político importante ou de uma celebridade. A BUSCA DA VERDADE, A ESSÊNCIA DA REPORTAGEM A busca pela “verdade” é a essência do jornalismo e da reportagem. No entanto, as definições da verdade jornalística a ser buscada são polêmicas e contestadas. A questão levou um grupo dos 30 principais repórteres dos Estados Unidos a criar o Committee of Concerned Journalists(Comitê de Jornalistas Preocupados), no final da década de 1990. Eles realizaram uma série de fóruns públicos para abordar os “padrões de notícias em declínio”. Ao longo de dois anos, o comitê se reuniu com três mil repórteres e cidadãos para conversar sobre o papel do jornalismo. Por fim, elaborou a "Declaração de Princípios Compartilhados"(Statement of shared purpose) que buscou conceituar o termo tão necessário: Comitê de Jornalistas Preocupados A ‘VERDADE’ JORNALÍSTICA É UM PROCESSO QUE COMEÇA COM A DISCIPLINA PROFISSIONAL DE REUNIR E VERIFICAR OS FATOS. EM SEGUIDA, OS JORNALISTAS TENTAM TRANSMITIR UM RELATO JUSTO E CONFIÁVEL DE SEU SIGNIFICADO, VÁLIDO NAQUELE MOMENTO, SUJEITO SEMPRE A UMA INVESTIGAÇÃO MAIS APROFUNDADA. OS JORNALISTAS DEVEM SER TÃO TRANSPARENTES QUANTO POSSÍVEL SOBRE AS FONTES E MÉTODOS PARA QUE O PÚBLICO POSSA FAZER SUA PRÓPRIA AVALIAÇÃO DAS INFORMAÇÕES. MESMO EM UM MUNDO DE VOZES EM EXPANSÃO, A PRECISÃO É A BASE SOBRE A QUAL TUDO O MAIS É CONSTRUÍDO — CONTEXTO, INTERPRETAÇÃO, COMENTÁRIO, CRÍTICA, ANÁLISE E DEBATE. A VERDADE, COM O TEMPO, EMERGE DESSA COMUNHÃO DE FATORES. (KOVACH; ROSENSTIEL, 2001) É preciso ressaltar que a “verdade jornalística” não é a verdade no sentido comum da palavra, muito menos no modo como os filósofos a entendem. A verdade jornalística é um processo de “classificação” que ocorre ao longo do tempo por meio da interação “entre o público, criadores de notícias e jornalistas”, como definiram Bill Kovach e Tom Rosenstiel. Os jornalistas perseguem o que se costuma chamar de “a melhor versão da verdade que se pode obter”. Entretanto, em meios diferentes, como jornal e televisão, a verdade de um mesmo evento pode ser diferente. Diversos estudos mostram que repórteresde jornais e de TV retratam campanhas eleitorais, por exemplo, com enfoques distintos. As prioridades dos jornais e das notícias da televisão raramente se assemelham porque os públicos são diversos, tornando também diferentes os objetivos dos relatos jornalísticos. Quando jornalistas falam da verdade nas notícias, muitas vezes têm uma concepção da precisão de fatos específicos. Determinado entrevistado realmente disse as palavras atribuídas a ele? As cifras, os números e as grandezas da informação estão corretos? Esses são apenas alguns exemplos do que se convencionou chamar de verdade factual, a referência precisa e objetiva no relato. Uma história, no entanto, pode ser precisa em seus detalhes e ainda assim ser construída para corroborar uma intenção enviesada. A cobertura de uma guerra, por exemplo, pode ser precisa e carregada de histórias dramáticas e humanas no particular, sem que, no entanto, seja objetiva e imparcial na narrativa ampla do conflito. Mesmo a verdade factual pode ser vítima de erros técnicos, de menor ou maior porte. A grafia incorreta de um nome ou a transcrição imprecisa de uma declaração são ruídos na busca da verdade factual. O jornalista está sempre imerso no labirinto de fatos, alguns visíveis outros ocultos. Ele julga personagens e acontecimentos com informações incompletas ou mesmo inconsistentes. Seu trabalho é colocar em um contexto correto o máximo das informações de que dispõe. Em seu livro The Elements of Journalism, Kovach e Rosenstiel dizem que a disciplina de verificação dos jornalistas é o que lhes permite apurar a verdade. A DISCIPLINA DA VERIFICAÇÃO É O QUE SEPARA O JORNALISMO DO ENTRETENIMENTO, PROPAGANDA, FICÇÃO OU ARTE. ENTRETENIMENTO — E SEU PRIMO 'INFOTAINMENT' — ENFOCA O QUE É MAIS DIVERTIDO. A PROPAGANDA SELECIONA FATOS E OS INVENTA PARA SERVIR AO PROPÓSITO REAL: PERSUASÃO E MANIPULAÇÃO. A FICÇÃO INVENTA CENÁRIOS PARA OBTER UMA IMPRESSÃO MAIS PESSOAL DO QUE CHAMA DE VERDADE. SÓ O JORNALISMO SE CONCENTRA EM NARRAR O QUE ACONTECEU DA MANEIRA PRECISA. (KOVACH; ROSENTIEL, 2013) Kovach e Rosenstiel propõem cinco princípios intelectuais como base para “uma ciência objetiva do relato”: Cinco princípios intelectuais de Kovach e Rosenstiel. Fonte: EnsineMe.Cinco princípios intelectuais de Kovach e Rosenstiel. Fonte: EnsineMe. A Medicina, o Direito, a Economia ou a Psicologia possuem conhecimentos disciplinares que orientam as decisões dos profissionais, estreitando as escolhas e diminuindo as chances de erro. Os jornalistas não têm essa vantagem. Embora haja um conhecimento teórico de jornalismo, ele não é definitivo nem é seu domínio um pré-requisito para a prática. Os jornalistas, muitas vezes, estão na posição ingrata de saber menos sobre o assunto em questão do que aqueles a quem devem questionar. Os jornalistas adquirem experiência como resultado de estarem apurando os mesmos temas por longos períodos, mas essa forma de especialização não se compara à da maioria dos profissionais. Médicos, advogados e engenheiros dominam suas ferramentas de trabalho de uma forma que os jornalistas nem sempre podem. Basta acompanhar a seção de cartas dos jornais e revistas. Embora respeitem a técnica dos jornalistas, muitos leitores reclamam que alguns profissionais não têm uma compreensão completa do mundo. Por exemplo, na cobertura econômica, é frequente que jornalistas confundam dívida e patrimônio líquido ou que não conheçam a terminologia jurídica básica usada em um julgamento. ATENÇÃO A deficiência de conhecimento dos jornalistas em determinadas áreas é um dos pontos que os tornam vulneráveis à manipulação de suas fontes. Por isso, o ceticismo é uma defesa importante, embora fraca, contra fontes que fabricam fatos ou os escondem. Sem um conhecimento prático do assunto em questão, os jornalistas ficam vulneráveis aos especialistas de quem procuram informações, citações e pistas de reportagem. Muitos especialistas são imparciais em sua busca pelo conhecimento, mas outros têm uma agenda própria ou mesmo interesses camuflados. Esses interesses podem decorrer de uma crença pessoal ou política. Em outros casos, podem ser devido à sua forma de ação pública que se coaduna à agenda de um patrocinador, como no caso de pesquisadores médicos que aceitam financiamento de empresas farmacêuticas. Considere o exemplo da obesidade. Em geral, o assunto era retratado pelo jornalismo como um problema pessoal, resultado da genética familiar e dos transtornos alimentares. Era entendido que pessoas com excesso de peso ou nasceram assim ou comiam muito. Entidades científicas tornaram público, no entanto, que o mundo vive uma epidemia de obesidade, causada principalmente pela alimentação processada, repleta de açúcar e sal. A partir de então, o enquadramento das reportagens mudou. As histórias pessoais cederam espaço às análises das causas estruturais da obesidade, como o marketing agressivo de cereais enriquecidos com açúcar ou a alimentação barata de sanduíches repletos de colesterol. Embora se distanciassem da verdade, antes os jornalistas não mentiam, apenas cobriam a obesidade a partir de uma ótica restrita. O acesso a novos estudos os aproximou da verdade factual. A maioria dos jornalistas hoje frequentou a universidade e recorre a especialistas e à ciência para embasar suas reportagens. Também existe uma maior expertise dentro do jornalismo. Embora ainda representem uma pequena fração da profissão, o número de repórteres com pós-graduação em áreas como Ciência, Saúde, Economia e Direito tem aumentado constantemente. Aqui cabe enfatizar a distinção entre reportagem especial e reportagem especializada. Reportagem especial é uma matéria com apuração mais cuidadosa e demorada, às vezes envolvendo mais de um repórter. Por sua produção demandar mais tempo, ela se contrapõem às reportagens diárias, as quais têm um aspecto mais cotidiano, embora extrapolem a circunscrição da notícia. Reportagem especializada diz respeito a repórteres que se especializam em algumas áreas, como o jornalismo científico ou de saúde. O termo, porém, está caindo em desuso, sendo substituído por “setorista” (de esportes, de política, de economia etc.). De maneira geral, os jornalistas têm sido relativamente lentos em aplicar o conhecimento sistemático ao seu trabalho diário. Embora sejam treinados na coleta e apresentação de informações, que exigem habilidades substanciais, têm dificuldades de proficiência em grande parte dos assuntos que abordam. Por mais de um século, os jornalistas confiaram em duas ferramentas básicas: observação e entrevistas. Os repórteres são treinados para olhar primeiro para a cena de ação e depois para as declarações das partes interessadas. Observação e entrevistas são ferramentas muito úteis, por isso são usadas há tanto tempo. Elas requerem julgamento e experiência para serem usadas corretamente. A observação e as entrevistas permitem que os jornalistas capturem apenas os aspectos dos desenvolvimentos que são observáveis e sobre os quais as partes disponíveis podem e desejam falar. Realizar entrevistas evita que o jornalista recorra a formas mais exigentes de investigação, e as palavras do entrevistado podem ser consideradas como "fato" à medida que forem ditas. No entanto, a entrevista não é infalível. Questões como quem é entrevistado, as perguntas feitas e mesmo a hora e o local da entrevista podem afetar as respostas. Temos de lembrar ainda que as respostas estão sujeitas a erros de memória ou até mesmo à determinação de uma fonte em enganar o repórter. Fonte: Shutterstock.com Fonte: Shutterstock.com No que diz respeito à observação, sua utilidade é limitada pelo fato de ocorrer em um determinado momento e a partir de uma perspectiva particular. Aspectos da vida pública que não estão na linha de visão recebem menos escrutínio do que aqueles que estão. EXEMPLO As atividades de lobby, por exemplo, são relatadas com menos frequência do que as atividades eleitorais. Isso não ocorre porque essas atividades têm menos influência nas políticas públicas, e sim porque são menos visíveis.Pelo mesmo motivo, os problemas de política são subnotificados até assumir a forma de um evento crítico, então dado como surpreendente. Por exemplo, a diferença de renda entre os ricos e pobres tem aumentado de forma constante no mundo, mas raramente é noticiada. Apenas quando estudos sobre o tema são lançados ou ocorrem manifestações públicas relevantes, o aumento da desigualdade recebe atenção jornalística. Grande parte das notícias fornece o “quem”, “o quê”, “onde” e “quando” dos desenvolvimentos, mas muitas vezes omitem o “porquê”. A resposta ao “por quê?”, assim como análises e desdobramentos, é serviço da reportagem. É comum, por exemplo, que a cobertura de notícias econômicas traga explicações superficiais e estereotipadas, com foco nos efeitos de curto prazo mais óbvios. As ligações raramente vão além do nível simplista. ATENÇÃO O conhecimento é a chave para fortalecer o contexto da história. Para quase todos os desenvolvimentos de complexidade, mesmo a modesta, não se pode esperar que jornalistas construam um relato abrangente e inteligente, a menos que tenham conhecimento dos fatores subjacentes. O contexto indica como eventos momentâneos se encaixam no fluxo maior da política, cultura ou história. A Internet reduziu os obstáculos para o acesso ao conhecimento. Informações confiáveis sobre uma ampla gama de assuntos de notícias estão prontamente disponíveis na rede. No entanto, o processo também não é infalível. A Internet é, ao mesmo tempo, uma mina de ouro de conteúdo sólido e um inferno de desinformação. A menos que o repórter saiba algo sobre o assunto em questão, as chances de um erro são extremamente altas. Até mesmo estudos acadêmicos revisados por pares disponíveis na rede podem ser enganosos. Alguns são profundamente falhos, e a maioria requer interpretação para aplicá-los com precisão em reportagens aprofundadas. O conhecimento, porém, nem sempre produz respostas precisas. Isso pode complicar a tarefa dos repórteres, alertando-os sobre o que não é conhecido, bem como sobre o que é conhecido. Às vezes, o efeito do conhecimento é desenterrar novas questões ou incertezas. A maneira mais segura de melhorar a precisão das notícias é fazer o uso mais completo do conhecimento. O que os jornalistas têm feito tradicionalmente — identificar eventos de interesse — agora está sendo feito também por cidadãos nas redes sociais. Se o jornalismo vai enfrentar os desafios colocados pelo ambiente de informação instantânea, simultânea e global de hoje é uma questão em aberto. A imprensa, como qualquer instituição, é conservadora em suas rotinas. As formas tradicionais de definir, estruturar e coletar as notícias são incorporadas a cada faceta da prática do jornalismo. Fonte: Shutterstock.com Embora a Internet forneça acesso a um depósito de conhecimento até então indisponível, ela também pressiona o jornalista a criar histórias e ter uma presença constantemente atualizada por meio de blogs, Twitter, Facebook e outras mídias sociais. A velocidade pode ser um obstáculo para a reportagem aprofundada. Em praticamente todas as situações de reportagem, o jornalista que sabe mais sobre o assunto em questão tem uma vantagem sobre aquele que sabe menos. Assista ao vídeo a seguir e conheça o dia a dia de diferentes tipos de redação e de reportagens VERIFICANDO O APRENDIZADO Parte superior do formulário 1. INDIQUE A OPÇÃO QUE APRESENTA CORRETAMENTE UM EXEMPLO DE NOTÍCIA, REPORTAGEM OU REPORTAGEM ESPECIAL: Notícia: Entrevista com coordenador do programa nacional de vacinação. Reportagem: Aumento da tarifa dos ônibus. Reportagem: Informação sobre a queda da bolsa de valores, com entrevista de especialistas. Reportagem especial: Divulgação dos índices de homicídios do ano, replicando dados da secretaria de segurança de determinado estado. Reportagem especial: Foto flagrante do momento de um acidente. Parte inferior do formulário Parte superior do formulário 2. QUAIS DAS AFIRMATIVAS ABAIXO ESTÃO CORRETAS A RESPEITO DA “VERDADE JORNALÍSTICA”? I. A VERDADE É UMA SÓ, SEJA ELA JORNALÍSTICA SEJA FILOSÓFICA. II. A “VERDADE JORNALÍSTICA” TEM SENTIDO DIFERENTE DO ATRIBUÍDO NO SENSO COMUM. III. A CHAMADA VERDADE JORNALÍSTICA É UM PROCESSO E DEPENDE DE REUNIR E VERIFICAR FATOS. Só está correta a afirmação I. Só pode ser considerada correta a afirmação II. Só é correta a afirmação III. Estão corretas as afirmações I e III apenas. Só estão corretas as afirmações II e III. Parte inferior do formulário GABARITO 1. Indique a opção que apresenta corretamente um exemplo de notícia, reportagem ou reportagem especial: A alternativa "C " está correta. As reportagens especiais diferem das reportagens do dia a dia pelo tempo e os recursos que o jornalista tem para apurá-las. São pautas que demandam maior investigação. A reportagem diária, por sua vez, é uma investigação ou uma análise de um acontecimento que vai além da notícia, por exemplo, ouvindo especialistas ou outras pessoas que possam ajudar a melhor informar e contextualizar a notícia. 2. Quais das afirmativas abaixo estão corretas a respeito da “verdade jornalística”? I. A verdade é uma só, seja ela jornalística seja filosófica. II. A “verdade jornalística” tem sentido diferente do atribuído no senso comum. III. A chamada verdade jornalística é um processo e depende de reunir e verificar fatos. A alternativa "E " está correta. A questão da verdade no jornalismo está mais relacionada a uma busca da verdade, de sua investigação, do que a uma verdade absoluta. O jornalista está imerso em fatos e, muitas vezes, em versões e faz parte de seu trabalho reuni-los, verificá-los e, na medida do possível, avaliá-los, consultando pessoas que tenham algo a dizer sobre aquele assunto. MÓDULO 2 Reconhecer gêneros jornalísticos da atualidade OS DIFERENTES TIPOS DE REPORTAGEM Uma das principais funções de um jornalista é ser um vigilante cívico. Para ser efetivo, seu papel exige investigação e trabalho aprofundado. Assim, de certa maneira, todas as reportagens são investigativas porque requerem pesquisa, busca da verdade, realização de entrevistas e apresentação textual rica. Todos os repórteres são investigadores treinados para fazer perguntas, descobrir informações e escrever reportagens completas. Fonte: Shutterstock.com No entanto, alguns repórteres se concentram apenas nas investigações de irregularidades, com o objetivo de descobrir informações bem guardadas por fontes frequentemente hostis. Isso os obriga a serem criativos. Muitas vezes, descobrem uma injustiça que, após revelada, será corrigida. Daí o surgimento do termo reportagem investigativa. Há formas mais relevantes de rotular as reportagens, entretanto. A seguir vamos sistematizar algumas das mais frequentes. REPORTAGEM NOTICIOSA A reportagem noticiosa, ou factual, busca narrar os acontecimentos imediatos, respondendo às perguntas clássicas da chamada pirâmide invertida:O quê? Quem? Quando? Onde? Como? Por quê? É produzida no calor dos acontecimentos, contra os relógios que definem os prazos de fechamento e ouvindo um número limitado de fontes e personagens. É a reportagem do dia a dia, que compõe a maior parte dos noticiários impressos, digitais e televisivos. Vejamos a seguir alguns exemplos de boas aberturas de reportagens factuais: Fonte: Wikipédia “Três anos depois do maior acidente ambiental do país, com o colapso da barragem do Fundão, em Mariana, outra barragem da Vale se rompeu na mina do Feijão, em Brumadinho, também em Minas Gerais. A área administrativa da empresa e parte de uma vila foram soterradas. Das 427 pessoas que estavam no local, 279 conseguiram sair. Sete corpos foram encontrados inicialmente e havia ao menos 150 desaparecidos.” (O GLOBO, 2015). Fonte: Shutterstock.com “Aquela que foi classificada como ‘a nevasca do século’ nos Estados Unidos matou pelo menos 100 pessoas e bloqueou aeroportos, estradas e edifícios com uma camada de até 80 centímetros de neve. A tempestade obrigou as autoridades a fechar seis aeroportos e a declarar estado de emergência em seis Estados. Em Nova York, 18 pessoasficaram intoxicadas pelo monóxido de carbono: o gelo obstruiu os canos de escapamento dos carros.” (ESTADO DE SÃO PAULO, 2016). Fonte: Kathy Hutchins / Shutterstock.com “Este é o momento que Judith Hill está repetindo em sua mente nos últimos dois meses: ela estava sentada em um avião com um homem que amava, conversando, jantando, quando de repente ele perdeu a consciência. Ela gritou seu nome: Prince! Ela o sacudiu. Mas ele não voltou”. (THE NEW YORK TIMES, 2016). Fonte: emka74 / Shutterstock.com “John Lennon, compositor, cantor, músico, o ‘pai’ dos Beatles, foi assassinado à 1 hora da manhã (hora de Brasília) de ontem por um vagabundo. Mark David Chapman, que disparou nele 6 tiros de um revólver 38, acertando 5. O crime aconteceu no saguão de um dos prédios mais famosos de Nova York, a oeste do Central Park, o Dakota.” (FOLHA DE S. PAULO, 1980). COMENTÁRIO A reportagem noticiosa é o primeiro momento da notícia, que deve ser informada e contextualizada. A estrutura básica da pirâmide invertida, além de auxiliar na edição da reportagem, deixando informações complementares para o fim do texto, também responde a uma busca do jornalismo de se firmar como objetivo e imparcial. REPORTAGEM NARRATIVA Na história da imprensa brasileira, em geral coloca-se na revista Realidade a marca de iniciadora por aqui do uso de instrumentos do que se convencionou rotular como reportagem narrativa ou novo jornalismo. Há ainda quem use denominações como Jornalismo Literário ou Jornalismo Narrativo. Os primórdios da reportagem narrativa, com o uso de técnicas literárias no jornalismo brasileiro, podem ser encontrados na cobertura de Euclides da Cunha para a Guerra de Canudos, em 1897, na cobertura por Oswald de Andrade de uma viagem do presidente Afonso Penna em 1909 e na produção de Joel Silveira na década de 1940. Fonte: Registro de Flávio de Barros, Fotografo Expedicionário / Wikimedia Commons / Domínio Público.Prisão de jagunços pela cavalaria. Mas a introdução sistemática no país do novo jornalismo é atribuída à revista Realidade, da Editora Abril, lançada em 1966. A publicação foi inovadora não só pela escolha dos temas, mas também pelo modo como estes eram apresentados. O sucesso da revista foi devido ao jornalismo baseado na reportagem e no estilo de texto, uma influência direta do New Journalism norte-americano. A chamada reportagem narrativa se caracteriza pelos recursos de observação e redação originários ou inspirados pela literatura. Esse novo jornalismo é marcado por algumas características, como a imersão do repórter na realidade, a voz autoral no texto, o estilo, a precisão de dados e informações, o uso de símbolos e metáforas, a digressão e a humanização. NEW JOURNALISM NORTE-AMERICANO Popularizado pelo jornalista Tom Wolfe, que aproximava literatura e jornalismo ao empregar recursos literários para narrar eventos jornalísticos ou, simplesmente, não ficcionais. VOCÊ SABIA A expressão Novo Jornalismo foi criada por Tom Wolfe ao capitanear a edição de livro com antologia de perfis e ensaios de escritores como Gay Talese, Truman Capote, Hunter Thompson, Joan Didion, Norman Mailer, além dele próprio. Na introdução da antologia The New Journalism (1973), a expressão significava uma declaração de independência de todas as formas de jornalismo praticadas até então. Os textos que integravam a obra haviam sido produzidos a partir de 1962, mas os críticos atacaram Wolfe por "tentar estabelecer uma marca registrada a técnicas que existiam duzentos anos antes". Fonte: WikipédiaO autor Tom Wolfe participa da Saudação da Casa Branca aos Autores Americanos. Fonte: Wikipédia Os mais destacados integrantes do New Journalism revelaram-se ambiciosos e talentosos. Muitos deles eram romancistas frustrados ou escritores de ficção que ganhavam a vida como jornalistas. Eles utilizavam suas técnicas de escritores para incrementar as ferramentas de comunicação da reportagem, tornando sua produção de não ficção melhor do que a ficção. O Novo Jornalismo podia escrever o quanto quisesse: de 3 mil a 50 mil palavras, quantas o assunto necessitasse. Havia um público que realmente se importava com o que eles tinham a dizer. Os jornalistas de reportagem narrativa se tornaram estrelas como os astros do rock, lotando auditórios de universidades em leituras que pareciam concertos. O trabalho do Novo Jornalismo foi marcado pela distinção em seu tempo, mas até hoje não perdeu o choque do novo. As coleções de obras de Wolfe, Talese e Thompson se mantêm firmes ainda hoje. Foi um grande momento para revistas e jornais. Afinal, eram dias sem TV a cabo e Internet, quando a mídia impressa reinava entre leitores educados e culturalmente mais experientes. Entre os anos 1960 e 1970, o Jornal do Brasil também se destacou em reportagens narrativas, caracterizadas por extensas pesquisas de campo e descrições detalhadas de ambientes e personagens, como exige o Novo Jornalismo. Sem dúvida, essa forma de abordagem noticiosa é uma das razões para a construção da mítica do jornal que até hoje se mantém. Uma das características da reportagem narrativa é o uso de imagens e metáforas para enriquecer a descrição. A obsessão com a qualidade do texto e a apuração meticulosa também a caracterizam. Outra peculiaridade é que tais textos abrem mão da regra de colocar as principais informações no parágrafo de abertura. Leia a seguir alguns bons exemplos de abertura da reportagem narrativa: “Em sua maioria, os jornalistas são incansáveis voyeurs que veem os defeitos do mundo, as imperfeições das pessoas e dos lugares. Uma cena sadia, que compõe boa parte da vida, ou a parte do planeta sem marcas de loucura não os atraem da mesma forma que tumultos e invasões, países em ruínas e navios a pique, banqueiros banidos e monjas budistas em chamas — a tristeza é seu jogo do jornalista; o espetáculo, sua paixão; a normalidade, seu desconforto.” (Gay Talese, em O Reino e o Poder, livro sobre o jornal New York Times.) “Francenildo dos Santos Costa era caseiro, tinha 24 anos, quatro bermudas, três calças jeans, cinco camisetas, três camisas, cinco cuecas, três pares de meia, um sapato e um salário de 370 reais quando tudo começou em março de 2006.” (João Moreira Salles, em "O caseiro", revista Piauí, outubro de 2008.) “Dez horas da manhã. A conversa se desenrola num bar da Travessa do Ouvidor. Embora as portas ainda estejam fechadas, há várias pessoas em torno das mesas. Todas parecem conhecer-se. As vozes nunca se elevam. Cada gesto, ditado pelo hábito, tem um sentido particular para o garçom. Música, e especialmente a música popular do passado, é quase sempre o tema das conversas. Um recém-chegado informa que morreu alguém. Exclamações de pesar a que se seguem reminiscências sobre o morto, membro destacado da velha guarda. — Estamos desparecendo — comenta, com leve sorriso, o homem sentado à minha frente, numa das mesas. Escuro, cabelo à escovinha, marcas de bexiga no rosto. Na parede, acima da cadeira onde ele se senta, uma plaqueta prateada informa: ‘Cadeira cativa, oferecida pela casa ao professor Alfredo da Rocha Viana Filho’. Este é o verdadeiro nome de Pixinguinha.” (Muniz Sodré, em Samba, o dono do corpo, 1998.) O professor Felipe Pena comenta sua teoria da estrela de sete pontas, a iluminar o jornalismo literário. REPORTAGEM INVESTIGATIVA A reportagem investigativa talvez seja a mais nobre peça produzida pelos jornalistas. Esse gênero de reportagem revela segredos, confronta desvios de poderes constituídos e personagens relevantes das esferas pública e privada. Demanda investigação minuciosa, análise de muitos documentos, pesquisa aprofundada, perseguição de pistas, averiguação pormenorizada de comportamentos e decisões de personagens. Pode resultar em série sobre corrupção política, denúncias de fraude, desvios de conduta. Fonte: Shutterstock.com Jornalismo investigativo Jornalismo investigativo é encontrar, relatar e apresentar notícias que outras pessoas tentam esconder. Em termos de forma, é muito semelhante ao noticiário padrão, exceto que as pessoas no centroda história geralmente não ajudarão o jornalista e podem até tentar impedi-lo de fazer seu trabalho. Em grande parte da rotina do jornalista, os fatos são fáceis de encontrar em lugares como tribunais e parlamentos, desastres, reuniões públicas, igrejas e eventos esportivos. As pessoas geralmente ficam satisfeitas em lhes fornecer informações. De fato, em muitos países, há profissionais que trabalham em tempo integral em relações públicas, prestando declarações, comentários, comunicados à imprensa e outras formas de informação aos jornalistas. Em todo o mundo, porém, há pessoas que preferem manter segredo sobre determinados assuntos. Na maioria dos casos, são temas privados que não têm impacto sobre outros indivíduos, como relações dentro de uma família ou um relatório ruim da escola. As questões pessoais devem permanecer secretas. Em muitos outros casos, porém, governos, empresas, organizações e indivíduos tentam ocultar decisões ou eventos que afetam a sociedade. O jornalismo investigativo atua ao realizar reportagens sobre um assunto importante que alguém quer manter em segredo. A reportagem investigativa mais famosa do mundo é o chamado “Caso Watergate”, contado no livro e no filme batizados com o mesmo título: Todos os homens do presidente. Os repórteres Bob Woodward e Carl Bernstein, do jornal americano Washington Post, investigaram um crime que acabou levando à queda do então presidente dos Estados Unidos, Richard Nixon, acusado de abuso de poder e obstrução de Justiça. Watergate foi um escândalo político que envolveu a revelação de atividades ilegais por parte da administração republicana de Nixon durante a campanha eleitoral de 1972. O caso é considerado um dos mais repercutidos da história política dos Estados Unidos. Fonte: Shutterstock.com O escândalo começou durante a noite de 17 de junho de 1972, quando agentes da CIA foram presos no prédio do hotel Watergate, na sede do comitê eleitoral do Partido Democrata, o principal opositor do presidente. Os agentes pretendiam instalar microfones e câmaras para fazer escutas clandestinas. Fonte: JHVEPhoto / Shutterstock.com Quando o escândalo parecia cair no esquecimento, Bob Woodward e Carl Bernstein, dois jornalistas do The Washington Post, revelaram detalhes do assunto e acusaram o presidente de congelar as investigações. Os jornalistas foram orientados por uma fonte secreta, batizada de "Garganta profunda", cujas dicas os ajudaram a descobrir que as mais altas instâncias de Estado estavam envolvidas no caso de espionagem. Fonte: Wikipédia O caso de Watergate foi um marco na investigação jornalística, que demorou dois anos para chegar ao seu momento mais impactante: a renúncia do presidente americano. Em 24 de julho de 1974, a Corte Suprema acusou Nixon de obstruir as investigações judiciais, abuso de poder, ultraje ao Congresso e de haver utilizado a CIA e o FBI com fins políticos. Finalmente, Nixon renunciou ao seu cargo em 8 de agosto desse ano. Pessoas podem abusar do poder que lhes é conferido, seja no governo, no mundo do comércio ou em outro grupo da sociedade. Elas podem ser corruptas, roubar dinheiro, infringir leis e cometer atos que prejudicam outros indivíduos. Também podem ser apenas incompetentes e incapazes de fazer seu trabalho adequadamente e, na maioria das vezes, tentam manter esse fato em segredo. O papel dos jornalistas é expor tais abusos. COMENTÁRIO Os jornalistas também têm o dever de observar como as pessoas no poder desempenham suas funções, especialmente aquelas que foram eleitas para cargos públicos. Eles devem perguntar e averiguar constantemente se os políticos estão cumprindo suas promessas eleitorais. Cabe aos jornalistas, entretanto, somente trazer a público o delito. É papel da sociedade e das instituições punir malfeitores ou mudar regras e sistemas injustos. O noticiário convencional depende em grande parte, às vezes inteiramente, de materiais fornecidos por terceiros, como polícia, governos, empresas etc.; é fundamentalmente reativo, senão passivo. A reportagem investigativa, em contraste, depende do material coletado ou gerado por iniciativa do próprio repórter. VOCÊ SABIA Importante lembrar que diversos fatores podem limitar os jornalistas investigativos: interferência do proprietário dos meios de comunicação que teme perder recursos, benefícios ou atingir aliados; interferência política; retaliações econômicas contra o meio de comunicação e seus jornalistas; limitações tecnológicas que dificultam trabalhar com grande massa de informação; mão de obra qualificada limitada para dominar profundamente um tema; acesso limitado à informação por governos ou instituições não transparentes; ameaças à vida de jornalistas e editores por parte de alvos da investigação. Leia a seguir bons exemplos de aberturas de reportagens investigativas. “Foi fraudulenta e determinada por corrupção a concorrência pública, cujos resultados o governo divulgou ontem à noite, para construção da ferrovia Maranhão-Brasília (ou Norte-Sul): a Folha publicou os 18 vencedores, disfarçadamente, há cinco dias e antes até de serem abertos, pela estatal Valec e pelo Ministério dos Transportes, os envelopes com as propostas concorrentes. A concorrência foi iniciada, com a abertura dos envelopes, às 9h30 da última sexta-feira, dia 8. Desde a madrugada daquele dia a Folha já circulava com o resultado para os 18 lotes de obras disputados. De posse, desde a véspera desta lista dos vencedores, não poderia publicá-la em minha coluna na pág. A-5, dado que restaria tempo para o adiamento da concorrência ou, embora com menor probabilidade, para a troca de lotes de obra, entre as empreiteiras, a Valec e o Ministério dos Transportes. O registro imediato era, porém, indispensável, já que o resultado oficial poderia sair no mesmo dia do confronto de propostas. Por isto, um anúncio ininteligível saía, na mesma sexta-feira 8, em meio do Classifolha, à pág. A-15, na sugestiva seção ‘Negócios. Oportunidades’. (JANIO DE FREITAS, em “Concorrência da ferrovia Norte-Sul foi uma farsa”, reportagem publicada na Folha de S. Paulo em 13 de maio de 1987). “Fotografias obtidas pela Folha derrubam as conclusões do inquérito policial que investigou a morte do empresário Paulo César Farias e de sua namorada Suzana Marcolino da Silva, na madrugada de 23 de junho de 1996. Tesoureiro do ex-Presidente Fernando Collor em campanhas políticas, PC Farias foi assassinado aos 50 anos na sua casa de praia em Guaxuma, bairro a 8 km do centro de Maceió (AL). Ao seu lado, também com um só tiro, foi encontrado o corpo de Suzana, 27. O médico legista Fortunato Badan Palhares afirma no laudo oficial e em carta anexada posteriormente que a namorada era 4 cm maior do que PC (1,67 m contra 1,63 m), o que as imagens agora descobertas desmentem – mesmo de salto alto, ela continuava menor, indicando altura inferior a 1,60 m. Ontem, ele reafirmou suas conclusões à Folha. Com esse tamanho, é fisicamente impossível que Suzana tenha se suicidado conforme sustenta a versão oficial. A bala a teria atingido na cabeça ou passado sobre um ombro, e não no peito, como ocorreu.” (MÁRIO MAGALHÃES, “Novas fotos derrubam a versão oficial do caso PC - Imagens mostram Suzana, de salto, menor que PC; erro na altura invalida cálculos sobre trajetória de bala”, publicada na Folha de S.Paulo em 24 de março de 1999) JORNALISMO CONSTRUTIVO A busca e o relato da verdade ao público são conceitos básicos do jornalismo e, muitas vezes, estão acompanhados de notícias de caráter negativo, as preferidas por boa parte das redações. Porém, também é possível relatar a verdade, com profundidade e de forma útil à sociedade, quando se reporta histórias e fatos positivos. A prática desse tipo de jornalismo, chamado de construtivo, vem ganhando, lentamente, espaço nas redações. Não se trata de oferecer conteúdo positivo com significância social limitada. As reportagens cobrem questões socialmente significativas, como mudança climática e relações raciais, mas o fazem de modo diferente. COMENTÁRIO Além das já citadas seis questõeselementares da prática jornalística, o jornalismo construtivo pergunta também: o que pode ser feito agora? O objetivo é alcançar uma sociedade melhor. Ao priorizar essa questão, seus proponentes estão interessados em amplificar discursos alternativos que sejam afirmativos, criativos, subnotificados e que deem voz a atores sociais sub-representados, em geral. A análise crítica do discurso, praticada no jornalismo construtivo, revela como os textos podem destacar ou contextualizar os eventos e as questões que descrevem por meio de escolhas gramaticais e de vocabulário. Por exemplo, “o manifestante foi baleado” ou “a polícia atirou no manifestante” são formas diferentes de abordagem. O objetivo da análise crítica do discurso, estimulada por esse gênero, é desconstruir e expor os desequilíbrios de poder, vieses e discriminações que poderiam permanecer escondidos nos textos. A reportagem construtiva pode ser ainda chamada de reportagem de soluções ou de narrativa restaurativa. As histórias relatadas por meio desses gêneros podem abranger uma ampla gama de tópicos, mas geralmente abordam questões sociais, como violência armada e tiroteios em massa. EXEMPLO O jornalismo construtivo pretende envolver e capacitar o público e, em última análise, melhorar a sociedade. Por exemplo, uma reportagem do New York Times, na sequência do tiroteio na boate de Orlando, concentrou-se em como as comunidades gays e latinas se uniram. As reportagens com soluções são rigorosas e baseadas em fatos que fornecem soluções confiáveis para problemas sociais. Embora muitas reportagens relatem estatísticas de violência, o jornalismo construtivo oferece informações sobre o que está funcionando, por exemplo, no enfrentamento da epidemia de violência armada. Podemos citar o jornal inglês The Guardian, que certa vez destacou programas comunitários que demonstraram reduzir assassinatos relacionados a gangues e limitar a capacidade de munição. Narrativas restaurativas enfocam a recuperação, a restauração e a resiliência na sequência ou em meio a tempos difíceis. Após um tiroteio em uma escola, o jornal americano Tampa Bay Times priorizou a recuperação de um sobrevivente, focando na resiliência da vítima de sua família. Os jornalistas mais jovens são atualmente os maiores entusiastas no jornalismo de soluções, sugerindo que esse tipo de reportagem pode estar ganhando popularidade à medida que as notícias se distanciam de suas raízes tradicionais. Jornalismo Construtivo O jornalismo construtivo demonstra que também é possível investigar soluções ao invés de focar apenas no problema. Fonte: Shutterstock.com Esses novos gêneros de reportagens contextuais consideram ativamente os melhores interesses da sociedade. Para seus defensores, eles podem ajudar a restaurar a confiança na mídia de notícias. As histórias não terminam depois que as notícias aparecem. O relato contextual oferece ao público uma história mais completa, geralmente com foco em como as comunidades respondem e se adaptam a determinadas questões. Embora a história específica possa ser desconhecida, as experiências e os problemas enfrentados por indivíduos e comunidades são experimentados mutuamente: crises de pobreza e disparidade econômica, tensões raciais, justiça social, tiroteios em massa, desafios à educação, desastres naturais e outros. Essa tendência também pode dar mais transparência às reportagens, ajudando a restaurar a confiança na mídia, que poderia se mover em direção a um jornalismo mais interpretativo e socialmente consciente. SAIBA MAIS Surgidas entre intelectuais e ativistas dos Estados Unidos e da Europa, o jornalismo construtivo (Constructive) e o jornalismo de solução (Solution Journalism) são correntes que vêm repensar a prática da produção da notícia no mundo atual. Embora sejam considerados distintos, os dois grupos têm a mesma proposição e são baseados no princípio de que a produção de notícias atual encontrou um ponto distante dos fundamentos do fazer jornalístico, preocupado em zelar pelo ideário da ética, liberdade e democracia, além do compromisso fundador com a verdade. Seja construtivo seja de solução, o fundamento básico dessa nova perspectiva é que o formato de produção de notícias existente na atualidade tem produzido menos capacidade de intervenção na realidade, provocado apatia e, finalmente, afugentado o leitor, o receptor e a audiência. Veja a seguir um exemplo de abertura de texto de reportagem construtiva: “A CADA SEMANA, GRETE FÄLT-HANSEN RECEBE UM TELEFONEMA DE UM ESTRANHO FAZENDO UMA PERGUNTA PELA PRIMEIRA VEZ: COMO É CRIAR UMA CRIANÇA COM SÍNDROME DE DOWN? ÀS VEZES, QUEM LIGA É UMA MULHER GRÁVIDA, DECIDINDO SE VAI FAZER UM ABORTO. ÀS VEZES MARIDO E MULHER ESTÃO NA LINHA, OS DOIS EM AGONIZANTE DISCORDÂNCIA. CERTA VEZ, LEMBRA FÄLT-HANSEN, ERA UM CASAL QUE ESPEROU QUE O EXAME PRÉ-NATAL DETECTASSE UM BEBÊ TÍPICO ANTES DE ANUNCIAR A GRAVIDEZ A AMIGOS E FAMILIARES. ‘QUERÍAMOS ESPERAR’, DISSERAM AOS SEUS ENTES QUERIDOS, ‘PORQUE SE TIVESSE SÍNDROME DE DOWN, TERÍAMOS FEITO UM ABORTO’. ELES CHAMARAM FÄLT-HANSEN DEPOIS QUE A FILHA DELA NASCEU - COM OLHOS PUXADOS, NARIZ ACHATADO E, O QUE É MAIS INCONFUNDÍVEL, A CÓPIA EXTRA DO CROMOSSOMO 21 QUE DEFINE A SÍNDROME DE DOWN. ELES TEMIAM QUE SEUS AMIGOS E FAMILIARES AGORA PENSASSEM QUE ELES NÃO AMAVAM SUA FILHA — TÃO PESADOS SÃO OS JULGAMENTOS MORAIS QUE ACOMPANHAM O DESEJO OU NÃO DE TRAZER UMA CRIANÇA COM DEFICIÊNCIA AO MUNDO.” (ZANG, 2020) REPORTAGEM FAITS-DIVERS OU DE ENTRETENIMENTO O termo francês fait-divers foi cunhado por Roland Barthes (2009) para enquadrar reportagens de fatos diversos, como escândalos, curiosidades e bizarrices. Por muitas vezes, caracteriza-se como sinônimo da imprensa popular e sensacionalista, mas também tem a adesão dos chamados órgãos tradicionais da imprensa. A reportagem de fait-divers sempre esteve presente na imprensa, sendo um dos primeiros recursos editoriais para chamar a atenção e promover a diversão da audiência. Atualmente, o fait-divers tem ocupado cada vez mais espaços em veículos tradicionais, principalmente na internet e na televisão. O poder editorial desse gênero está no apelo ao entretenimento e no uso do humor e ou da emoção. No desenvolvimento da atividade jornalística, os jornais de prestígio sempre deram maiores espaços para os acontecimentos de relevância pública, enquanto os assuntos voltados para o divertimento ficavam relegados a segundo plano. A imprensa popular usa desse expediente para contemplar um filão em geral pouco explorado pela mídia tradicional. SAIBA MAIS Na era da internet, o fait-divers ganhou novo impulso. As notícias mais compartilhadas em redes sociais geram audiência, uma vez que o público prefere matérias fáceis, de leitura rápida e divertidas. Fait-divers, etimologicamente, remete à notícia do dia ou ao fato do dia. Esse termo francês relaciona-se às notícias variadas, que têm importância circunstancial, constituindo-se em um elemento relevante para a promoção e a “alimentação” do entretenimento no noticiário. Assim, o crime passional, a briga de rua, o atropelamento, o assalto tendem a ser fait-divers. Barthes considera que o fait-divers é constituído por duas notações: causalidade e coincidência. Para ele, o fait-divers é o acontecimento caracterizado pela perturbação de uma causa. Por exemplo: um médico assassina uma moça com o estetoscópio. Ou ainda pela anomalia do acaso: “Ganhou na Loteria Esportiva 40 vezes”. Dessa maneira, o fait-divers é uma arte de massa. SEU PAPEL É PRESERVAR DENTRO DA SOCIEDADE CONTEMPORÂNEA A AMBIGUIDADE DO RACIONAL E DO IRRACIONAL, DA INTELIGIBILIDADE E DO IMPENETRÁVEL. (BARTHES, 2009) Um exemplo de reportagem fait-divers: “Luana não tem mais Dado em casa. Desde o fim de semana, Dado Dolabella não mora mais com Piovani.” (MEIA HORA, 29 de outubro de 2008). O JORNALISMO NA ATUALIDADE Os cálculos mais recentes apontam a existência de mais de 300 mil jornalistas em atuação no mundo. O número de postos de trabalho e de publicações vem se reduzindo, no entanto, em linha agressivamente descendente.As mudanças no sistema de mídia, em especial depois da massificação da internet, afetaram a atuação dos meios de comunicação tradicionais e fizeram surgir dúvidas sobre os caminhos futuros. Há apenas uma certeza: a reportagem, relevante, aprofundada, tecnicamente bem feita e escrita, é a essência do bom jornalismo e a garantia de que este continuará sendo necessário. Especialistas apontam as dificuldades atuais do jornalismo como resultado da precária e descoordenada transição do papel para o meio digital. O rádio e a televisão também sofrem com a concorrência do formato multimídia, que permite a informação eletrônica. Busca-se manter soluções que, no passado, foram fontes abundantes em benefícios, sendo estas soluções apoiadas agora em ferramentas de comunicação mais capazes, no entanto de resposta econômica menor. A demora das empresas jornalísticas em liderar novos processos e a ausência de regulação pública contribuíram para acelerar a distância entre a nova geração digital globalizada e a indústria que cresceu em torno da invenção de Gutenberg no século XVI. A informação consome a atenção do público, contudo, em demasia, pode torná-lo apático. A retomada da fidelidade da audiência jornalística não tem como renunciar à produção da reportagem. VERIFICANDO O APRENDIZADO Parte superior do formulário 1. ASSINALE EM QUAL DAS ALTERNATIVAS O TEXTO APRESENTADO NÃO CORRESPONDE AO TIPO DE JORNALISMO/REPORTAGEM ASSOCIADO A ELE: Novo Jornalismo – “Frank Sinatra, segurando um copo de bourbon numa mão e um cigarro na outra, estava num canto escuro do balcão entre duas loiras atraentes, mas já um tanto passadas, que esperavam ouvir alguma palavra dele. Mas ele não dizia nada; passara boa parte da noite calado; só que agora, naquele clube particular em Beverly Hills, parecia ainda mais distante, fitando, através da fumaça e da meia-luz, um largo salão depois do balcão, onde dezenas de jovens casais se espremiam em volta de pequenas mesas ou dançavam no meio da pista ao som trepidante do folk rock que vinha do estéreo. (...) ele mergulhava num silêncio soturno, uma disposição nada rara em Sinatra naquela primeira semana de novembro, um mês antes de seu quinquagésimo aniversário.” (TALESE, 1966) Reportagem noticiosa – “O presidente eleito Tancredo Neves morreu ontem, dia de Tiradentes, às 22h23, no Instituto do Coração em São Paulo. O comunicado oficial foi feito pelo porta-voz da Presidência, Antônio Britto, às 22h29. A morte de Tancredo ocorreu 38 dias após sua internação no Hospital de Base de Brasília, na véspera da posse. Nesse período, Tancredo foi submetido a sete intervenções cirúrgicas, as cinco últimas em São Paulo, para onde havia sido transferido no dia 26 de março. Tancredo Neves tinha 75 anos.” (FOLHA DE S. PAULO, 1985.) Reportagem investigativa – “Faltavam apenas quatro dias para que a denúncia que levaria o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva à prisão fosse apresentada, mas o coordenador da força-tarefa da Lava Jato em Curitiba tinha dúvidas sobre a solidez da história que contaria ao juiz Sergio Moro. A apreensão de Deltan Dallagnol, que, junto com outros 13 procuradores, revirava a vida do ex-presidente havia quase um ano, não se devia a uma questão banal. Ele estava inseguro justamente sobre o ponto central da acusação que seria assinada por ele e seus colegas: que Lula havia recebido de presente um apartamento triplex na praia do Guarujá após favorecer a empreiteira OAS em contratos com a Petrobras. As conversas fazem parte de um lote de arquivos secretos enviados ao Intercept por uma fonte anônima há algumas semanas”. (THE INTERCEPT, 2019) Reportagem narrativa – “Após ter concebido serviços de mensagens instantâneas como o ‘Yo’, que envia apenas o termo Yo, e o ‘Ethan’, para se comunicar só com Ethan Gliechtenstein, criador do chat, o mundo dos aplicativos ganha agora o ‘Pooductive’, que também é uma ferramenta usada para conectar por meio do bate-papo pessoas ao redor do mundo, mas somente aquelas que estão defecando ao mesmo tempo.” (G1, 2015.) Reportagem construtiva – “Rede de solidariedade ajuda a aquecer e alimentar moradores de rua no Rio. De madrugada grupos distribuem quentinhas e agasalhos. A chegada de uma frente fria registrando as mais baixas temperaturas do ano neste final de semana atingiu, principalmente, quem vive pelas ruas da cidade. Com uma população de rua cada vez maior, cenas de calçadas lotadas com pessoas dormindo no frio mobilizam uma rede de solidariedade de quem se dedica a ajudar o próximo”. (O GLOBO, 2019) Parte inferior do formulário Parte superior do formulário 2. ASSINALE A ALTERNATIVA QUE DEFINE CORRETAMENTE AS DIFERENÇAS ENTRE REPORTAGEM INVESTIGATIVA E REPORTAGEM CONSTRUTIVA: A reportagem investigativa prioriza a revelação de fatos ocultos públicos e privados e de relevância pública; a reportagem construtiva pretende contribuir para o desenvolvimento social. A reportagem investigativa quer destruir reputações; a reportagem construtiva quer preservá-las. A reportagem investigativa precisa de mais tempo e mais recursos; a reportagem construtiva é mais fácil de fazer, muitas vezes recorrendo a press releases. A reportagem investigativa busca dar acolhimento aos injustiçados; a reportagem construtiva fiscaliza as instituições públicas e privadas, desde escolas ao Judiciário. A reportagem investigativa derruba governos; a reportagem construtiva dá prazer. Parte inferior do formulário GABARITO 1. Assinale em qual das alternativas o texto apresentado não corresponde ao tipo de jornalismo/reportagem associado a ele: A alternativa "D " está correta. A alternativa D não trata de jornalismo narrativo, também chamado de novo jornalismo, mas, sim, da reportagem de fait-divers, explorando um tema apelativo e ruidoso. 2. Assinale a alternativa que define corretamente as diferenças entre reportagem investigativa e reportagem construtiva: A alternativa "A " está correta. A reportagem investigativa é relevante e em defesa da transparência, envolve apurações profundas de interesse público. A reportagem construtiva é uma forma de melhorar a sociedade, buscando respostas positivas aos problemas em vez de apenas noticiá-los. CONCLUSÃO CONSIDERAÇÕES FINAIS Abordamos a responsabilidade do jornalista em transmitir os fatos de maneira confiável, clara, organizada e crítica. Para tanto, a busca da verdade torna-se imprescindível. Reconhecemos os conceitos relacionados à reportagem, diferenciando-a de notícia. Além disso, identificamos os diferentes tipos de reportagem da atualidade, apresentando exemplos que ilustravam suas principais características. Por fim, aprendemos que alguns pré-requisitos para o trabalho jornalístico permanecem os mesmos embora as notícias tenham mudado em termos de profundidade. AVALIAÇÃO DO TEMA: REFERÊNCIAS BARTHES, R. Ensaios Críticos. Coimbra: Edições 70, 2009. COSTA, C. Pena de Aluguel – escritores jornalistas no Brasil. São Paulo, Companhia das Letras: 2005. FRANCIS, P. Cinco tiros abrem novos negócios. São Paulo. Folha de São Paulo, 10 de dezembro de 1980. FREITAS, J. D. Concorrência da ferrovia Norte-Sul foi uma farsa. São Paulo. Folha de São Paulo, 13 de maio de 1987. INGRAM, D.; HENSHALL, P. The News Manual. Nova York: Estate, 2019. KOVACH, B.; ROSENSTIEL, T. The Elements of Journalism. Nova York: Three Rivers Press, 2001. PATTERSON, T. Informing the news: The need for knowledge-based reporting. Nova York: Penguin Random House, 2013. TALESE, G. O Reino e o Poder. São Paulo: Cia das Letras, 2000. MAGALHÃES, M. Novas fotos derrubam a versão oficial do caso PC - Imagens mostram Suzana, de salto, menor que PC; erro na altura invalida cálculos sobre trajetória de bala. São Paulo. Folha de São Paulo, 24 de março de 1999. SALLES, J. M. O Caseiro. Rio de Janeiro. Revista piauí. Outubro, 2008. SODRÉ, M. A Narração do Fato – notas para uma teoria do acontecimento. Petrópolis: Vozes, 2012. WEINGARTEN, M. The Gang That Wouldn't Write Straight: Wolfe, Thompson, Didion, Capote, and the New Journalism Revolution. Nova York: Three Rivers Press, 2014.ZANG, S. Os Últimos Filhos da Síndrome de Down - o teste pré-natal está mudando quem nasce e quem não. Isto é apenas o começo. Boston. The Atlantic, novembro de 2020. EXPLORE+ Para conhecer um pouco mais os assuntos deste tema, recomentamos as seguintes leituras complementares: · Fama e Anonimato, de Gay Talese. Esse livro está repleto de informações aparentemente inúteis, como a quantidade de vezes que os nova iorquinos piscam, mas que, nas mãos de um escritor de primeira categoria, imprimem a textura real da cidade de Nova York e o rosto de seus habitantes. · Ensaios Críticos, de Roland Barthes. A obra é um painel essencial da reflexão do autor jornalismo, literatura e teatro. · Notícias – Pequeno manual do Usuário, de Alain de Botton. O autor se vale de histórias típicas do noticiário — como um desastre de avião, um homicídio, um escândalo político e uma entrevista com uma celebridade — para construir uma análise incomum dos por quês das notícias. CONTEUDISTA Plínio Fraga CURRÍCULO LATTES TEMA 2 – APURAÇÃO DA REPORTAGEM DESCRIÇÃO A apuração da reportagem, com suas técnicas, ferramentas úteis, dificuldades, possibilidades e prevenção de erros. PROPÓSITO Conhecer questões técnicas e éticas da apuração jornalística é imprescindível para a capacitação do jornalista na elaboração de reportagens. OBJETIVOS MÓDULO 1 Descrever o passo a passo na apuração de uma reportagem, com apresentação de método e técnicas empregados, e identificação de possíveis problemas nesse percurso MÓDULO 2 Identificar erros comuns em apurações jornalísticas, bem como formas de checagem, prevenção e correção de erros INTRODUÇÃO A apuração de reportagem é uma etapa fundamental no trabalho jornalístico, e para realizá-la é importante ter em mente o conceito de reportagem, que revisaremos adiante, assim como identificar suas fases, com foco nessa etapa específica. Compreenderemos, aqui, a reportagem como um trabalho que exige um método e, dentro desse método, vamos aprender técnicas que podem ser utilizadas na apuração das informações. Discutiremos os exemplos a serem seguidos e identificaremos os erros a serem evitados, bem como as formas de checagem dos dados obtidos. MÓDULO 1 Descrever o passo a passo na apuração de uma reportagem, com apresentação de método e técnicas empregados, e identificação de possíveis problemas nesse percurso ROTINA DA ELABORAÇÃO DA REPORTAGEM Antes de tratar da apuração, vamos relembrar o conceito de reportagem: um gênero jornalístico caracterizado pela descrição aprofundada de um conjunto de fatos. Difere da notícia – um relato mais simples e curto. A reportagem permite narrar os fatos ocorridos e apresentá-los em perspectiva, buscando causas e consequências, mostrando interpretações e conexões entre os acontecimentos. Para Lage (2001), se a notícia é o relato de um fato, a reportagem é o relato de um conjunto de fatos e seus desdobramentos, enfatizando determinado ângulo ou ângulos. Medina (1978) destaca que, enquanto a notícia fixa o aqui e agora, a reportagem leva a um quadro interpretativo dos fatos. Se a notícia exige atualidade, a reportagem pode prescindir dela, lembram Sodré e Ferrari (1986), dedicando-se a temas não necessariamente do hoje ou do ontem; pode voltar ao passado, recente ou remoto. A reportagem é, portanto, uma narrativa aprofundada de fatos e relatos verdadeiros, oferecendo informação, análise e interpretação. O repórter é o profissional que busca esses fatos e relatos, escolhendo de que maneira irá organizá-los a fim de atrair a atenção do seu público. A narrativa jornalística, porém, só existe – esta é sua condição fundamental – se e somente se, como se usa na Matemática, for sustentada na realidade. Diferentemente do ficcionista, que tem liberdade para criar acontecimentos, exige-se do repórter que escreva apenas e tão somente sobre fatos. Fonte: Photo Kozyr / Shutterstock A reportagem começa muito antes do texto ou de qualquer palavra escrita ou falada; ela começa quando o repórter vai em busca de informações para construir seu relato – é a fase da apuração. Fonte: GaudiLab / Shutterstock A produção de uma reportagem exige um método de trabalho, com a definição de fases a serem seguidas e, em cada fase, etapas a serem cumpridas. O Jornalismo exige método e técnica, e a reportagem não é diferente. Para facilitar a compreensão, vamos estabelecer fases de uma rotina a ser seguida na elaboração da reportagem: · Ideia inicial · Pauta · Pesquisa e apuração · Redação · Edição FASE 1 – A IDEIA De onde surge a ideia para fazer uma reportagem? Pode vir de qualquer lugar: de um fato do dia, da leitura de outra reportagem, de uma entrevista, da sugestão de um colega, da leitura de um livro, de uma música, de uma ida ao supermercado ou à praia. O jornalista é um profissional que deve estar atento ao que se passa à sua volta, mais que atento, curioso sobre como e por que acontecem os fatos ao seu redor. A partir da ideia, uma espécie de marco zero, o jornalista começa a pensar: será que isso renderia uma reportagem? Talvez sim, talvez não. Por que tal assunto pode se transformar em reportagem? O que justifica investir esforço e tempo em busca de informações sobre esse tema? Fonte: Jonas Pereira / Senado Federal do Brasil São os chamados critérios de noticiabilidade, que tornam um assunto mais ou menos relevante. A resposta vai depender de como essa ideia será desenvolvida e das condições objetivas existentes para a realização da reportagem. Se a ideia for aceita pela redação, o repórter passa à próxima fase. FASE 2 - A PAUTA A pauta é, no jargão jornalístico, um roteiro para a elaboração de uma reportagem. Consiste no detalhamento da ideia inicial, com a indicação de questões a serem respondidas, pessoas a serem ouvidas, documentos a serem buscados. É crucial que a pauta não traga conclusões, mas sim perguntas. O jornalista não inicia seu trabalho munido de certezas, mas de dúvidas e curiosidade. Fonte: AlisaRut / Shutterstock Usamos aqui pauta em um de seus sentidos correntes – o roteiro de trabalho de uma reportagem –, mas pauta é também o termo utilizado rotineiramente para se referir, nas redações, ao planejamento do conjunto do trabalho da redação, seja a de uma revista semanal, de um jornal, ou de um site. O que está na pauta de hoje?, perguntamos. SAIBA MAIS A pauta é, em sentido amplo, a listagem de assuntos a serem cobertos, um planejamento geral de temas e acontecimentos que um veículo de informação deverá acompanhar por determinado período. Segundo Lage (2001), a pauta generalizou-se nos jornais diários brasileiros a partir dos anos 1950 e, na década seguinte, o Jornal do Brasil chegou a publicar sua pauta, como serviço ao leitor, por algumas semanas, como um trabalho de transparência para que o público acompanhasse os assuntos que o periódico estaria cobrindo. Nos anos 1970, a pauta se generalizou nas redações. Voltemos, porém, ao segundo uso do termo pauta: cada um dos itens desse planejamento geral do repórter, o que ele receberá (ou sugerirá) e deverá cumprir – a sua pauta. TEMA DO ASSUNTO LEITURA PLANEJAMENTO TEMA DO ASSUNTO A pauta deve conter o tema do assunto a ser abordado na reportagem, que pode ser mais ou menos relacionado a temas do noticiário corrente, e o ângulo que se pretende destacar. Por exemplo: o tema da adoção de crianças por casais LGBTQI+. A pauta indica pessoas que podem ser entrevistadas, documentos a serem buscados, casos relacionados ao assunto. Esse roteiro de trabalho pode ser feito pelo chefe de reportagem ou sugerido pelo repórter. LEITURA A pauta pode sugerir leituras de outras matérias já feitas sobre o tema ou de outros conteúdos a ele relacionados – determinada entrevista, um livro, uma decisão judicial que pode ajudar o repórter a se informar sobre o assunto. Pode-se sugerir fotografias a serem realizadas ou infográficos a serem montados a partir das informações obtidas. PLANEJAMENTO Por fim, como instrumento de planejamento do trabalho, a pauta deve sugerir o tempo necessário para a elaboração de reportagem, com indicaçãode custos de deslocamento e viagens, se houver. Uma pauta bem detalhada, com informações e indicações úteis, é um roteiro precioso de trabalho para o início da elaboração de uma reportagem. Por tudo isso, a pauta exige uma pré-apuração antes de ser apresentada pelo repórter; caso contrário, limita-se a uma ideia de pauta, mais ou menos promissora, que pode ou não ser aceita. Profissionais que trabalham como freelancers costumam enviar sugestões de pauta para as redações – nessa mesma perspectiva, indicando o tema, o ângulo e as pessoas a serem entrevistadas. Caso o repórter tenha alguma informação prévia sobre o tema, como, por exemplo, um artigo científico, um levantamento exclusivo, é relevante que ela conste na pauta. ATENÇÃO Porque parte de perguntas e não de conceitos preestabelecidos, a pauta inicial está sujeita a alterações superficiais ou consistentes ao longo do trabalho. Não é incomum que, durante a reportagem, o jornalista se depare com informações apontando que sua pauta inicial estava incompleta ou errada. Ou simplesmente que havia outro ângulo a ser abordado, mais relevante e interessante que o primeiro. A pauta é um ponto de partida, não de chegada. FASE 3 – A APURAÇÃO Se partiu de uma boa pauta, o repórter tem indicações precisas sobre como começar a busca por informações. A apuração é um dos pilares do trabalho jornalístico, porque garantirá a obtenção de informações a serem utilizadas na elaboração da reportagem. É o momento em que o jornalista está em contato direto com suas fontes – pessoas, instituições, dados ou documentos capazes de fornecer informações sobre o fato que se vai noticiar. Repórteres devem colher as informações junto às fontes e processá-las segundo as técnicas jornalísticas. Fonte: Gajus / Shutterstock A reportagem tende a ser melhor quanto mais variadas forem as fontes, pela multiplicidade e pluralidade de informações e pontos de vista apresentados. É o que torna a reportagem polifônica, palco de múltiplas vozes e capaz de oferecer interpretações sobre o conjunto de fatos narrados. Fonte: Bonezboyz / Shutterstock Em busca dessa pluralidade, a apuração jornalística se traduz em método – um conjunto de procedimentos e técnicas para alcançar determinada finalidade. Assim, a apuração é um momento do trabalho jornalístico que mobiliza técnicas variadas, desde o mergulho em uma planilha de dados até a capacidade de convencer um entrevistado a compartilhar com o repórter uma informação até então guardada em segredo. Exige empenho para buscar as informações, espírito crítico para filtrá-las e organização para armazenar o conjunto de dados obtido. As técnicas de apuração incluem procedimentos variados, e destacaremos alguns a seguir. OBSERVAÇÃO A primeira ferramenta do repórter na apuração jornalística é a capacidade de observação do ambiente – para ser capaz de descrevê-lo mais tarde. É o momento em que o trabalho jornalístico mais se aproxima do exercício da etnografia, método de observação dos acontecimentos usado na Antropologia. Cabe ao repórter, quase como um etnógrafo durante um trabalho de campo, estar atento ao ambiente e acompanhar o decorrer dos acontecimentos. Ainda que a reportagem e a etnografia, em objetivo e prazo, tenham muitas distinções, o uso da observação é o ponto de contato entre as duas atividades. ETNOGRAFIA O método etnográfico foi um divisor de águas nas ciências sociais, pois havia anteriormente a figura do armchair anthropologist (o antropólogo de poltrona, ou de gabinete), ou seja, aquele pesquisador que investigava à distância, por meio de livros ou ponderações filosóficas. Já o método etnográfico pressupõe a convivência com o grupo pesquisado, a chamada observação participante, um olhar transdisciplinar, inclusive com a possibilidade de diferentes técnicas de coleta de dados, e a chamada descrição densa, que busca no acúmulo de detalhes não apenas ilustrar o grupo investigado, mas também depreender percepções sobre ele. Observar significa, muitas vezes, tornar-se invisível, acompanhar os fatos em silêncio e guardar as perguntas para um momento oportuno. É imprescindível que o repórter fique atento ao ambiente, aos ruídos e aos silêncios, às relações de proximidade e poder entre as pessoas e às situações vividas. No Rio de Janeiro, cidade dominada pelo confronto entre facções criminosas, os hospitais se deparam com a rotina de um fluxo constante de pessoas feridas por disparos de armas de fogo, além dos outros pacientes. Um repórter pautado para acompanhar um plantão em um desses hospitais pode ter dificuldades para estabelecer uma rotina de entrevistas longas e demoradas, já que os profissionais de saúde estarão geralmente sobrecarregados, passando sempre às pressas, mal tendo tempo para falar entre um atendimento e outro. Obter informações dos pacientes pode ser ainda mais difícil. Nesses casos, a observação é ainda mais importante para, a partir dela, construir um relato do que ali se passa. EXEMPLO Uma reportagem da Folha de S.Paulo relatou, em um plantão noturno no Hospital Souza Aguiar, no centro do Rio de Janeiro, parto realizado em pias (o hospital não tem maternidade), incubadeira improvisada com lençóis, vítimas de tiros sendo atendidas no chão. O que pode parecer ao repórter uma noite movimentada é quase trivial para os médicos. E o balanço feito pelo subchefe da equipe médica à reportagem da Folha de S.Paulo: “Foi um plantão tranquilo”. O método etnográfico pode ser uma valiosa contribuição da Antropologia ao Jornalismo, ainda que uma observação participante (prolongada) ou a descrição densa nem sempre sejam possíveis no cotidiano da apuração, redação e publicação de notícias. O olhar etnográfico, como abordagem e como ponto de partida, sugere uma abertura do repórter não apenas para registrar friamente, mas para, na sua observação envolvida, conectar-se com pessoas e situações, buscando nos detalhes informações sobre aquela realidade. EXEMPLO Uma reportagem de O Globo, por exemplo, durante a apuração de uma matéria sobre pessoas sem documento, reparou (e relatou), na casa de uma família muito pobre, a existência de duas geladeiras – desligadas da tomada. Eram usadas como armário. Não havia comida a ser conservada. Um parêntese: durante a pandemia do novo coronavírus, o isolamento social acabou obrigando jornalistas a reduzirem o trabalho de observação in loco. Necessária em termos sanitários, tal restrição priva o jornalista e o leitor da observação da cena dos acontecimentos, ferramenta de apuração preciosa e muito rica. A impossibilidade de observação pode ser suprida, em parte, com o recurso de entrevistas e relatos, mas nada substitui integralmente o trabalho de observação in loco. Lugar de repórter é na rua! Fonte: New Africa / Shutterstock ENTREVISTAS Fonte: G-Stock Studio / Shutterstock As entrevistas são um recurso precioso na apuração de uma reportagem. Os relatos dos entrevistados permitem compor um painel variado de vozes, tornando a reportagem mais plural, polifônica e polissêmica, no dizer de Medina (1978) – múltipla de vozes e sentidos e, portanto, mais democrática. A partir de entrevistas é possível reconstituir um acontecimento que o repórter não presenciou e, com isso, narrá-lo de modo a cativar o leitor. Em relação às entrevistas, vale lembrar: pessoas, ao atuarem como fontes jornalísticas, costumam ter interesses. Ao transmitir informações a um jornalista, expressam sua visão de determinado acontecimento. Por isso, durante a apuração, é fundamental que o repórter se respalde no método jornalístico e cruze as fontes – o que no jargão jornalístico significa cotejar, comparar as informações fornecidas por fontes distintas. ATENÇÃO Lage (2001) nos lembra da lei das três fontes: se três pessoas que não se conhecem nem trocaram impressões contam a mesma versão de um fato que presenciaram, essa versão pode ser tomada por verdadeira. Nem sempre será possível, em todas as coberturas, cruzar a informação com três fontes independentes entre si. Mas cabe ao repórter tentar. DOCUMENTOS Os documentos são outro passofundamental na apuração jornalística. Compreendem: • Balanços • Boletins publicados pelo serviço público • Certidões • Contratos • Decisões judiciais • Declarações de bens entregues por políticos aos tribunais eleitorais • Diários Oficiais • Escrituras • Papéis de arquivos públicos • Prestações de contas • Processos • Promissórias • Registros de empresas em juntas comerciais • Registros de ocorrência Fonte: Nirat.pix / Shutterstock Funcionam como fontes primárias e permitem ao repórter obter, com provas irrefutáveis, informações oficiais a respeito de um fato. É claro que o repórter não está livre de, no decorrer da apuração, deparar-se com documentos falsificados e certidões fraudadas, mas as exceções confirmam a regra sobre a relevância de, sempre que possível, buscar fontes documentais. Os dois casos que veremos a seguir exemplificam e enfatizam a importância dos documentos na apuração jornalística: A CANDIDATURA DE FERNANDO COLLOR DE MELLO Fonte: WikimediaFernando Collor de Mello A jornalista Elvira Lobato (2005) relata sua estratégia em busca de provas documentais para embasar a reportagem sobre o uso de funcionários públicos na campanha do então candidato à presidência da República Fernando Collor de Mello. A prática configurava crime eleitoral. Como repórter da Folha de S.Paulo, ela obteve a informação quase por acaso, quando um policial a confundiu com uma assessora da campanha e pediu que ela o indicasse para o trabalho. A partir daí, Lobato começou a investigação e decidiu, justamente pela necessidade de obter provas irrefutáveis, solicitar oficialmente a informação sobre a condição dos funcionários públicos. Entrou com um requerimento junto à Assembleia Legislativa do Estado de Alagoas requisitando, em nome da Folha, informação sobre a situação de determinado funcionário – o requerimento foi respondido e informou que o servidor estava no exercício de suas funções, recebendo normalmente seu salário. A mesma providência foi tomada pela jornalista junto à Secretaria Municipal de Educação, que lhe ofereceu o mesmo tipo de informação sobre outro funcionário público que recebia normalmente seu salário, mas trabalhava na campanha eleitoral. Lobato obteve autorização para consultar a folha de pagamentos da secretaria, tirou cópias dos comprovantes de pagamento e, para tornar a prova oficial, autenticou as cópias em cartório. Outro documento usado por Lobato na investigação foram os boletins da Polícia Militar de Alagoas, mostrando que vários policiais estavam ativos, mas trabalhavam na campanha. A observação do dia a dia da campanha – para atestar que os funcionários públicos estavam trabalhando para o candidato – e o uso de documentos se somaram como ferramentas de apuração. O JULGAMENTO DE JOSÉ RAINHA JÚNIOR Fonte: Marcelo Camargo/Agência BrasilJosé Rainha Júnior Outro caso emblemático foi o da reportagem “Contradições marcam julgamento de Rainha”, publicada na Folha de S.Paulo em 22 de junho de 1997, sobre o julgamento de José Rainha Júnior, então líder do MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra). Acusado de homicídio em um crime ocorrido anos antes, Rainha foi condenado pelo tribunal do júri, em Pedro Canário, cidade do interior do Espírito Santo, o que foi relatado em uma primeira reportagem. Nessa primeira e mais rápida apuração, no entanto, já foi possível perceber que havia contradições entre as provas e os testemunhos. A repórter pôde, após a primeira matéria, voltar à cidade e mergulhar na história do caso. Além de entrevistas com os jurados, o juiz e os moradores da cidade, um documento foi fundamental: o processo. A leitura atenta desse documento permitiu conhecer o caso a fundo. As testemunhas ouvidas descreviam Rainha de vários modos, em relatos que pouco ou nada coincidiam com sua aparência. Uma das pessoas que contava tê-lo visto no local do crime falava de um homem baixo e gordo – Rainha era longilíneo, alto e magro. A leitura do processo, documento fundamental do caso, permitiu afirmar que a prova testemunhal contra Rainha era fraca e que não havia relato preciso que indicasse a presença dele no local do crime. A reportagem, escrita com base nesse conjunto de dados – documentos, observação e entrevistas –, teve grande repercussão e influenciou decisivamente para que, por decisão do Supremo Tribunal Federal, o segundo julgamento de José Rainha Júnior (ao qual ele teria direito automático, pois a pena era superior a 20 anos) fosse retirado de Pedro Canário e realizado na capital, Vitória. Nesse segundo julgamento, Rainha foi absolvido. A reportagem (ESCÓSSIA, 2007) foi selecionada pela Abraji (Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo) para publicação na coletânea 50 anos de crimes – Reportagens policiais que marcaram o jornalismo brasileiro, da Editora Record, em 2007. DADOS E INDICADORES Jornalistas, em geral, não gostam de números. Mas, transmutados em dados e indicadores sobre temas variados – violência, economia, saúde –, números são parte fundamental da apuração jornalística. Auxiliam o repórter a situar o acontecimento no contexto, a dimensionar sua magnitude, produzindo comparações e permitindo medir a evolução e o impacto. Ajudam o jornalista a dar informações mais precisas sobre determinado assunto. Meyer (2007), pioneiro na ideia de um jornalismo de precisão, propunha empregar no exercício jornalístico métodos de investigação social e atribuía à precisão um dos pilares da credibilidade jornalística. O jornalismo de precisão desenvolveu o uso de ampla base de informações, transformando-se na semente para o que depois se chamou de RAC (Reportagem com Auxílio de Computador) e, atualmente, jornalismo de dados. Tais dados podem ser buscados pelo jornalista das seguintes maneiras: DIRETAMENTE EM FONTES OFICIAIS DADOS COMPILADOS POR TERCEIROS DIRETAMENTE EM FONTES OFICIAIS O jornalista poderá realizar pesquisas, buscando informações de órgãos oficiais como o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), o Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), o Ministério da Saúde. DADOS COMPILADOS POR TERCEIROS Caso opte por institutos, organizações não governamentais e pesquisadores dedicados à análise desse tipo de estatística, é importante que o jornalista se certifique de onde foram retiradas as informações, bem como da expertise técnica e da sobriedade dessa fonte secundária. Duas dessas instituições que analisam dados a partir de fontes oficiais são o Fórum Brasileiro de Segurança Pública e o Laboratório de Análises Econômicas, Históricas, Sociais e Estatísticas de Relações Raciais (Laeser). O Fórum Brasileiro de Segurança Pública, organização não governamental, produz uma publicação anual com a evolução dos números de segurança e criminalidade no país a partir dos dados oficiais do Ministério da Saúde e das Secretarias de Segurança dos estados. O Laeser, ligado à UFRJ e à Universidade de Austin, Texas, produz relatórios sobre a desigualdade racial brasileira a partir de dados do IBGE e do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD). Com base em dados primários, elaboram análises e comparações, mostram a evolução de fenômenos e oferecem aos jornalistas informações capazes de embasar excelentes reportagens. Assim como essas duas organizações, há muitas outras que funcionam como excelentes fontes. Fonte: Mangostar / Shutterstock LEI DE ACESSO À INFORMAÇÃO A Constituição Federal brasileira, em dois de seus artigos, trata do acesso à informação. Dedicado aos direitos e às garantias fundamentais, o artigo 5º é explícito ao incluir entre eles, no inciso XXXVII, o acesso à informação: TODOS TÊM DIREITO A RECEBER DOS ÓRGÃOS PÚBLICOS INFORMAÇÕES DE SEU INTERESSE PARTICULAR, OU DE INTERESSE COLETIVO OU GERAL, QUE SERÃO PRESTADAS NO PRAZO DA LEI, SOB PENA DE RESPONSABILIDADE, RESSALVADAS AQUELAS CUJO SIGILO SEJA IMPRESCINDÍVEL À SEGURANÇA DA SOCIEDADE E DO ESTADO. (CONSTITUIÇÃO FEDERAL, 1988) O artigo 37 da mesma Constituição Federal inclui a publicidade entre os princípios da administração, ou seja, o fornecimento de informações pelosórgãos públicos. Não obstante, a batalha por informações públicas tem sido um dos fronts adversos do trabalho jornalístico. Esse quadro começou a mudar graças à Lei de Acesso à Informação (Lei 12.527/2011). Em vigor desde maio de 2012, a LAI criou mecanismos que possibilitam a qualquer pessoa física ou jurídica receber informações de órgãos públicos, sem necessidade de explicitar sua motivação. A lei vale para os três poderes da União, estados, Distrito Federal e municípios, Tribunais de Contas e Ministério Público. Entidades privadas e sem fins lucrativos também são obrigadas a dar publicidade a informações sobre recebimento e destinação de recursos públicos. A LAI é uma conquista democrática de todos os cidadãos brasileiros. Para o jornalista, tornou-se ferramenta valiosa na obtenção de informações que até então só podiam ser obtidas graças à presteza de alguns funcionários públicos que, de modo aberto ou reservado, dispunham-se a fornecer os dados solicitados. A lei altera substancialmente a maneira de obtenção de dados públicos porque inverte a regra comum, ainda que não explícita: com a LAI, o acesso e a transparência tornam-se a regra, e o sigilo, a exceção, reservado a casos explicitados em lei. A própria lei já prevê algumas exceções para informações que devem permanecer em sigilo – dados pessoais, que possam colocar em risco a saúde da população ou questões relativas à segurança nacional, entre alguns exemplos. Outra diferença fundamental é a figura da inexigibilidade de motivação, ou seja, ao solicitar as informações, o cidadão não precisa dizer para que nem por que precisa delas. A resposta do órgão público deve ser apresentada em prazos específicos e, em caso de negativa, o requerente pode recorrer. O fornecimento das informações é gratuito, salvo os custos de reprodução. SAIBA MAIS Jornalistas brasileiros têm recorrido com frequência à Lei de Acesso – e relatado percalços e negativas enfrentados (LEALI, 2016). De todo modo, a lei se mostrou uma ferramenta de apuração muito útil na elaboração de reportagens. A organização Artigo 19, dedicada à defesa da liberdade de expressão, elaborou um guia sobre como solicitar informações públicas com base na LAI. OUVIR, ANOTAR E GRAVAR: MÉTODO, MÉTODO E MÉTODO As informações obtidas durante a apuração se transformam no principal ativo do jornalista para a elaboração da reportagem. Como tal, devem ser armazenadas e preservadas com rigor e segurança, de modo organizado. Antes disso, é preciso abordar um ponto não trivial no trabalho de apuração, que se resume em uma pergunta muitas vezes ouvida em sala de aula: professora, devo gravar tudo? Ou só anotar? Não há uma resposta única. É recomendável que o jornalista tenha registro de toda a sua apuração. Em entrevistas, a gravação é uma ferramenta valiosa para evitar erros na transcrição das falas e negativas posteriores dos entrevistados, e o uso de dois dispositivos de gravação (gravador, celular) serve como garantia caso um dos registros seja inutilizado. Fonte: wellphoto / Shutterstock Muitas vezes, porém, no calor da reportagem diária, é impossível gravar todas as entrevistas. O repórter deve anotar detalhadamente as informações e os acontecimentos observados, tendo o cuidado de registrar a hora dos acontecimentos que possam vir a ser importantes para a reportagem. É essencial pedir o contato dos entrevistados para, se necessário, complementar informações depois ou esclarecer dúvidas. Haverá casos em que mesmo a anotação será impossibilitada. Cabe ao repórter observar com atenção redobrada e, assim que possível, tomar nota do ocorrido. ATENÇÃO De acordo com o Código de Ética dos Jornalistas Brasileiros, o jornalista não pode divulgar informações obtidas de maneira inadequada, por exemplo, com o uso de identidades falsas, câmeras escondidas ou microfones ocultos, salvo em casos de incontestável interesse público e quando esgotadas todas as outras possibilidades de apuração. Durante a apuração, o repórter deve ter a preocupação constante em preservar as informações obtidas. São procedimentos simples, mas capazes de garantir que o trabalho não se perca por um descuido ou um imprevisto – perder ou quebrar um celular com os registros únicos de fotos e entrevistas para uma reportagem, por exemplo. Recomenda-se salvar gravações em mais de um dispositivo e fazer cópias de documentos, bem como salvar dados e planilhas disponíveis em sites oficiais, além de mensagens e áudios enviados por aplicativos de conversa. O repórter deve considerar a possibilidade de que o entrevistado ou a instituição retirem as informações de circulação – e é preciso se certificar de que o material utilizado não desaparecerá, prejudicando ou inviabilizando a reportagem. DICA Organize toda a sua apuração de modo a lhe permitir localizar rapidamente uma informação na hora de redigir a reportagem, durante o processo de conferência de dados ou se houver algum questionamento posterior, caso tenha que provar que de fato obteve aquela informação. Por isso, mesmo que não haja gravação de entrevista, é fundamental preservar as anotações. Há repórteres que, ao final de conversas com fontes, mesmo em off, criam um arquivo com anotações importantes da conversa e indexam por palavras-chave. Alguns transcrevem a íntegra das entrevistas, outros, só os pontos principais. Alguns jornalistas criam uma espécie de “copião” com toda a sua apuração ao longo de cada dia de trabalho. Cada jornalista vai, aos poucos, criando uma rotina de trabalho que pode variar de acordo com o tempo disponível para sua realização. Não há receita única – o mais importante é partir de indicações básicas e, aos poucos, descobrir a melhor maneira de preservar e organizar tudo o que foi apurado. Fonte: Farknot Architect / Shutterstock OUTRO LADO Outro lado é o jargão jornalístico utilizado para o procedimento de procurar a parte potencialmente afetada pela reportagem e ouvir seus esclarecimentos. Se alguém vai ser acusado na reportagem, precisa ser avisado da publicação e ouvido pelo veículo, com chance para que apresente sua versão dos acontecimentos. O outro lado não pode ser entendido nem executado de forma protocolar, apenas para “cumprir tabela”. É parte integrante e fundamental da apuração. Pode ajudar o repórter a notar incongruências ou falhas em sua apuração, bem como indicar rumos. Pode inclusive “derrubar” a matéria se, ao ouvir o outro lado, o repórter observar fragilidades insolúveis em sua apuração inicial. O Manual da Redação da Folha de S.Paulo (2018), sobre o outro lado, dispõe: ESPERA-SE QUE O JORNALISTA RESOLVA CONTRADIÇÕES FACTUAIS QUE POSSAM SURGIR APÓS OUVIR O OUTRO LADO. POR EXEMPLO, SE UMA PESSOA ACUSADA DE DETERMINADA ILEGALIDADE DISSE QUE UMA LEI AUTORIZAVA TAL CONDUTA, O JORNALISTA DEVE REFORÇAR SUA APURAÇÃO: A LEI DE FATO AUTORIZAVA OU NÃO? SIMPLESMENTE EXPOR AS DUAS VERSÕES, EM MUITOS CASOS, SIGNIFICARÁ OFERECER AO LEITOR UMA REPORTAGEM INCOMPLETA. (FOLHA DE S.PAULO, 2018) Fonte: GaudiLab / Shutterstock O outro lado deve merecer espaço próprio dentro da reportagem, permitindo que o leitor conheça com clareza o relato da pessoa em questão. Caso a pessoa afetada pela reportagem tenha optado por não se pronunciar, o repórter deve indicar isso claramente, informando de que modo, durante qual período e em que termos a pessoa foi procurada. O olhar atento do repórter é fundamental em qualquer apuração. Seja na observação durante as entrevistas ou na coleta de dados in loco ou, ainda, na leitura e análise de documentos. Um detalhe pode mudar ou dar ainda mais valor à história. Saiba mais no comentário da jornalista Fernanda da Escóssia. VERIFICANDO O APRENDIZADO Parte superior do formulário 1. ASSINALE A OPÇÃO QUE LISTA APENAS TÉCNICAS CORRETAS DE APURAÇÃO: Entrevistas, criação de relatos, uso de dados. Observação, uso de documentos oficiais, entrevistas. Observação, uso indiscriminado de câmeras ocultas, entrevistas. Fantasia/disfarce, cruzamento de fontes, observação. Parte inferior do formulário Parte superior do formulário 2. MARQUE A ALTERNATIVAQUE CONTÉM AS OPÇÕES QUE REPRESENTAM DIFICULDADES POSSÍVEIS NA APURAÇÃO DE UMA REPORTAGEM REALIZADA COM BOAS PRÁTICAS. I. IMPOSSIBILIDADE DE OBSERVAÇÃO IN LOCO II. INTERESSES PESSOAIS DAS FONTES III. DIFICULDADE NO ACESSO A DOCUMENTOS OFICIAIS IV. PROPINA NECESSÁRIA A DETERMINADOS ACESSOS V. PERDA DE MATERIAL, SEJA PELO DESCUIDO COM O MATERIAL REGISTRADO OU PELA RETIRADA DE INFORMAÇÕES ANTES DISPONÍVEIS ONLINE VI. EDIÇÃO FINAL DA REPORTAGEM I, II, III e IV I, II, III e V I, II, III e VI II, III, IV e V Parte inferior do formulário GABARITO 1. Assinale a opção que lista apenas técnicas corretas de apuração: A alternativa "B " está correta. Observação, uso de documentos oficiais e entrevistas são algumas das ferramentas corretas de apuração. O trabalho jornalístico não permite a criação de relatos nem fantasias. A realidade é a matéria-prima do jornalista. O uso indiscriminado de câmeras ocultas não é aprovado pelo Código de Ética – o uso de tal ferramenta é regido pelo interesse público e pelo esgotamento de outras maneiras de apuração. 2. Marque a alternativa que contém as opções que representam dificuldades possíveis na apuração de uma reportagem realizada com boas práticas. I. Impossibilidade de observação in loco II. Interesses pessoais das fontes III. Dificuldade no acesso a documentos oficiais IV. Propina necessária a determinados acessos V. Perda de material, seja pelo descuido com o material registrado ou pela retirada de informações antes disponíveis online VI. Edição final da reportagem A alternativa "B " está correta. São muitos os desafios na apuração: desde as áreas de acesso difícil ou perigoso até a pandemia do Covid-19, que trouxe outra dificuldade para entrevistas e coletas de dados presenciais. No que tange à coleta de dados em documentos de órgãos públicos, apesar da Lei de Acesso à Informação, ainda há negativas e dificuldades. Os interesses pessoais das fontes também devem ser levados em conta e enfrentados com o cruzamento de dados. Sobre o pagamento por entrevistas ou informações, ele seria antiético e traria descrédito à reportagem. Assim, não deve ocorrer durante a elaboração de uma reportagem. Por fim, a edição é a etapa de ajustes finais no texto escrito, logo não envolve a apuração. MÓDULO 2 Identificar erros comuns em apurações jornalísticas, bem como formas de checagem, prevenção e correção de erros ERROS, IMPRECISÕES E FRAUDE A atividade jornalística, como qualquer outra, está sujeita a erros. E o erro jornalístico tem, nas redações, um nome: “barriga”. Uma informação incorreta pode ter efeitos devastadores para a pessoa que dela foi alvo. Por isso, na definição de um método de trabalho jornalístico, a prevenção de erros é um passo fundamental para a garantia de correção das informações. PHILIP MEYER E O CONTROLE DE ERROS NO TRABALHO JORNALÍSTICO Philip Meyer, criador do conceito de jornalismo de precisão, iniciou nos anos 1980 um trabalho de controle de erros na atividade jornalística. Para obter indicadores precisos, realizou um projeto com pesquisadores e alunos da Universidade do Oregon a fim de analisar o grau de exatidão em mais de 5.000 reportagens de 22 jornais de 17 regiões nos Estados Unidos. A equipe enviou questionários a todas as fontes citadas nas matérias, explicando o projeto e indagando se havia erros nos conteúdos veiculados. A partir das respostas, os pesquisadores identificaram os erros e criaram uma classificação, separando três categorias de erros: · Objetivos ou absolutos (nomes, datas, locais, cargos) · Matemáticos · Relativos ou subjetivos (declarações fora de contexto, erros na identificação, por exemplo) Somando as três categorias, cerca de 59% das 5.136 reportagens continham pelo menos um erro, conforme mostrou a pesquisa. Não há veículo diário ou digital com nível zero de erros: o problema é encontrar o equilíbrio entre velocidade e exatidão, entre ser abrangente e meramente interessante. (MEYER, 2007) A prevenção de erros deve ser uma constante em todas as fases do trabalho jornalístico, apesar do ritmo sempre acelerado de trabalho e do “fetiche da velocidade”, como define Moretzsohn (2003). Em 2003, o jornal The New York Times tornou públicas as falsificações presentes nas reportagens do jornalista Jayson Blair – desde a invenção de dados até a criação de personagens, em um processo que, muito além do erro factual, mostrou-se uma fraude deliberada perpetrada pelo repórter, sem o conhecimento da redação: Fonte: RTimages / Shutterstock ERRAMOS Um repórter do The New York Times cometeu atos seguidos de fraude jornalística enquanto cobria eventos jornalísticos significativos em meses recentes, conforme mostrou uma investigação de jornalistas do Times. A disseminação de mentiras e o plágio representam uma profunda traição da confiança e um ponto baixo nos 152 anos de história do jornal. O repórter Jayson Blair, 27, enganou leitores e colegas do Times com matérias que ele dizia terem sido enviadas de Maryland, Texas e outros estados, quando estava bem longe, em Nova York. Ele forjou comentários. Criou cenas. Compilou material de outros serviços de notícias. Usou detalhes de fotografias para criar a impressão de que tinha estado em algum lugar ou visto certa pessoa, quando na verdade não tinha. (BARRY et al., 2003) Fonte: RTimages / Shutterstock Após o caso Jayson Blair, os grandes veículos de mídia se viram forçados a redobrar o cuidado com a checagem das informações, reforçando filtros como a conferência de informações por terceiros, a redução do uso de fontes em off e a ampliação do espaço dado aos leitores para questionar os conteúdos publicados. O PROJETO DO GRUPO RBS VOLTADO PARA A PREVENÇÃO DE ERROS Em uma palestra proferida durante o 3º Congresso Nacional de Jornalismo Investigativo, em 2008, o jornalista Eduardo Lorea detalhou o projeto do Grupo RBS voltado para a prevenção de erros. Assim como no projeto de Meyer, houve uma tentativa de medir e classificar os erros nos conteúdos publicados pelos veículos do grupo. Os resultados indicaram a alta ocorrência de erros simples – 18% das matérias tinham erros em nomes, 17,5% em números e datas. Lorea apresentou também um manual criado para a prevenção de erros, com o incentivo ao hábito de que, antes da publicação, os profissionais conferissem nomes, idades, cargos e identificação correta de locais, por exemplo. Também foi criado um formulário para que os leitores pudessem identificar erros. Algumas redações, inclusive no Brasil, investem na checagem interna – a qualificação de checagem interna é usada aqui para diferenciar esse tipo de procedimento do trabalho de fact-checking, a verificação de declarações feitas por personalidades ou de conteúdos publicados por terceiros nas redes sociais. CHECAGEM INTERNA A checagem interna é a conferência das informações antes da publicação, feita por um profissional dedicado exclusivamente a esse trabalho. Existe em algumas redações americanas, europeias e, no Brasil, a revista Veja foi pioneira na utilização desse serviço. Atualmente, as redações das revistas Veja, Época e Piauí contam com profissionais de checagem, encarregados de conferir toda a reportagem antes da veiculação e apontar erros factuais, de apuração, incongruências, contradições. É um trabalho que, se bem realizado, é imperceptível, mas fundamental, melhorando o produto entregue ao público. Manuais de redação, com dicas gerais sobre o trabalho, igualmente podem ajudar na prevenção e correção de erros – porque eles continuarão existindo, apesar de todos os filtros. É fundamental criar uma rotina de identificação e correção das informações erradas, bem como garantir que pessoas e instituições-alvo dessas informações inexatas tenham o direito de resposta, apresentando sua versão dos fatos. Fonte: Vitalii Vodolazskyi / Shutterstock Christofoletti e Vieira (2014), em análise sobre o erro jornalístico, listam recomendações internacionais para a prática de correção de informações erradas. Da Declaração de Princípios para a Conduta dos Jornalistas, proposta pela Federação Internacionalde Jornalistas (1954), à Declaração de Chapultepec (1994), resultante da Conferência Hemisférica sobre Liberdade de Expressão, realizada no México, é vasto e claro o entendimento de que corrigir é obrigação do Jornalismo, do jornalista e das empresas. O erro mina a credibilidade da atividade jornalística, e a correção transparente é uma das formas de manter tal credibilidade. De acordo com o Código de Ética dos Jornalistas Brasileiros, é parte da responsabilidade social do jornalista promover a retificação das informações que se revelem falsas ou inexatas e defender o direito de resposta às pessoas ou organizações envolvidas ou mencionadas em matérias de sua autoria ou por cuja publicação foi o responsável. OMBUDSMAN, O REPRESENTANTE DOS LEITORES O trabalho do ombudsman, profissional que funciona como representante dos leitores, também é um filtro importante na identificação de erros e na cobrança para que eles sejam corrigidos. A palavra tem origem sueca e significa ouvidor, um representante dos cidadãos junto ao poder público. No Jornalismo, designa o profissional que atua como representante dos leitores. A função foi criada nos Estados Unidos, nos anos 1960, mas também foi adotada por veículos europeus, como o espanhol El País. A partir de setembro de 1989, a Folha de S.Paulo se tornou o primeiro veículo latino-americano a ter um jornalista atuando nessa função. O ombudsman trabalha sem interferência da redação e não pode exercer, neste período, qualquer outra função que não a crítica do noticiário e o acompanhamento das demandas dos leitores. Fonte: Piotr Swat / Shutterstock A FOLHA EXAMINAVA A CRIAÇÃO DO CARGO DESDE 1986, MOTIVADA PELO SUCESSO DAS EXPERIÊNCIAS DO DIÁRIO ESPANHOL EL PAÍS E DO NORTE-AMERICANO THE WASHINGTON POST. O JORNAL ASSUMIU O OBJETIVO DE TER SEU PRÓPRIO OMBUDSMAN, UM PROFISSIONAL DEDICADO A RECEBER, INVESTIGAR E ENCAMINHAR AS QUEIXAS DOS LEITORES; REALIZAR A CRÍTICA INTERNA DO JORNAL E, UMA VEZ POR SEMANA, AOS DOMINGOS, PRODUZIR UMA COLUNA DE COMENTÁRIOS CRÍTICOS SOBRE OS MEIOS DE COMUNICAÇÃO, NA QUAL A FOLHA DEVERIA SER UM DOS ALVOS PRIVILEGIADOS. PARA EXERCER O CARGO COM INDEPENDÊNCIA, O JORNAL INSTITUIU O MANDATO DE UM ANO PARA CADA OMBUDSMAN, COM A POSSIBILIDADE DE APENAS UMA ÚNICA RENOVAÇÃO DE MAIS UM ANO. ESSA POSSIBILIDADE, POSTERIORMENTE, FOI EXPANDIDA PARA TRÊS RENOVAÇÕES (QUATRO ANOS DE MANDATO). O PROFISSIONAL NÃO PODE SER DEMITIDO DURANTE O MANDATO E TEM ESTABILIDADE DE MAIS SEIS MESES NO JORNAL APÓS DEIXAR A FUNÇÃO. (O QUE, 2014) SAIBA MAIS No Brasil, além da Folha, o jornal O Povo, de Fortaleza, mantém um jornalista exercendo exclusivamente a função de ombudsman. A Agência Lupa, principal plataforma brasileira de fact-checking, também adotou a figura de ombudsman durante as eleições de 2018, exercida por Fernanda da Escóssia. O trabalho consistia em avaliar os conteúdos produzidos pela agência e analisar as observações enviadas pelos leitores, respondendo também às mensagens enviadas por intermédio de um canal próprio. Além disso, também eram produzidas duas críticas semanais: uma interna, enviada aos profissionais da Agência Lupa, e uma coluna pública, disponível a todos os leitores. As dez colunas estão disponíveis ao público. APRENDER COM OS ERROS Fonte: Thomas Stockhausen / Shutterstock Apesar dos filtros e do trabalho de prevenção, os erros acontecem. Erros jornalísticos são incorreções ou imprecisões resultantes de falhas na apuração, na redação ou na edição de determinado material. Assim, são provocados por imperícia (falhas técnicas), imprudência (não considerar as consequências da informação a ser divulgada) ou negligência (desleixo no trabalho). São falhas na rotina de procedimentos e métodos que o jornalista deve seguir em seu trabalho. Erros diferem, por conceito, das chamadas “fake news” – conteúdos de desinformação, com a divulgação deliberada de dados inverídicos ou enganosos (a expressão “fake news” é usada entre aspas aqui porque, apesar de consagrada pelo uso, conceitualmente notícia falsa é uma aberração; a notícia pressupõe o uso de informações reais). Na história do jornalismo internacional, podemos citar os seguintes casos ocorridos com alguns veículos de notícias mundialmente conhecidos: THE NEW YORK TIMES, NEW YORK POST E EL PAÍS Em 2004, o jornal The New York Times admitiu aos leitores que não tinha informações suficientes para justificar a publicação, no ano anterior, de reportagens relatando a existência de armas químicas no Iraque – uma das justificativas do governo de George W. Bush para a Guerra do Iraque. “Armas de destruição em massa? Ou distração em massa?”, questionou, em maio de 2004, Daniel Okrent, o primeiro ombudsman do Times. O cargo foi criado depois do escândalo provocado pelas fraudes cometidas por Jayson Blair. Em editorial, o jornal acabou admitindo aos leitores que errou ao publicar reportagens baseadas apenas em fontes anônimas e sem comprovação. Em 2013, depois do atentado terrorista que deixou pelo menos três mortos e 170 feridos na maratona de Boston, os erros na imprensa americana se sucederam. O New York Post chegou a publicar uma foto de dois jovens em sua capa dizendo que eles eram suspeitos, quando não eram. Em 24 de janeiro de 2013, o diário espanhol El País publicou uma foto que dizia ser do então presidente da Venezuela, Hugo Chávez, entubado e em uma UTI. Mas o homem na fotografia não era Chávez. O jornal retirou a foto da versão web e paralisou a circulação da versão impressa, recolhendo a edição. Pediu desculpas e admitiu que publicara a foto sem a devida verificação sobre sua autenticidade. É válido também listar exemplos de erros jornalísticos, de maior ou menor repercussão, cometidos por veículos brasileiros. Perceba a variedade de possibilidades de se deparar com erros durante a rotina jornalística – erros que podem ser, se não eliminados por completo, pelo menos prevenidos e reduzidos com rigor e método. Caso o erro aconteça, apesar de todos os filtros adotados, é fundamental fazer uma correção transparente e rigorosa. ESCOLA BASE Em 1994, em São Paulo, pais e mães de alunos da Escola Base denunciaram à polícia que seus filhos haviam sido vítimas de abuso sexual – os responsáveis seriam pessoas ligadas à escola. De acordo com as famílias, as crianças eram submetidas a abusos praticados pelos donos da escola, uma professora e o marido dela, que faziam o transporte escolar de alguns alunos. A mídia deu enorme atenção ao caso, sem que a investigação policial produzisse provas capazes de comprovar o abuso. Populares cercaram e depredaram as dependências do estabelecimento. No noticiário, a equipe da escola foi acusada, condenada e julgada sem o espaço devido para que pudesse apresentar sua versão. Meses depois, a polícia encerrou o caso e inocentou os suspeitos. Os donos da escola processaram o Estado e muitos veículos de comunicação. Ganharam alguns processos, mas suas vidas já haviam sido afetadas em definitivo pelo caso – tema de estudos acadêmicos e livros-reportagem. RESUMINDO A Escola Base é um caso exemplar de erros sucessivos de apuração. O tempo mostrou que as fontes não foram questionadas sobre a segurança e veracidade da informação que estava sendo divulgada: a polícia tinha mesmo provas suficientes para suspeitar da equipe da escola? Tampouco o outro lado foi feito de modo correto, confrontando versões e observando incongruências entre elas. A divulgação dos nomes dos suspeitos é outro ponto passível de crítica – e aqui não se trata de um erro de apuração, mas de uma decisão dos veículos de identificar os acusados. CORREIO BRAZILIENSE Em 4 de agosto de 2000, o jornal Correio Braziliense, sediado em Brasília, publicou em sua manchete: “O Correio errou”. A correção se referia a uma reportagem publicada na véspera, intitulada “O grande negócio de Jorge”. A matéria afirmava que a empresa DBO Direct tinha um contrato de R$120 milhões com o Banco do Brasil para testar um sistema de transmissão de dados e que por trás da DBO havia outra empresa, a DTC, que tivera como sócio até duas semanasantes Eduardo Jorge, ex-secretário-geral da Presidência da República. Diante das negativas das partes citadas, o jornal iniciou uma verificação interna e constatou os erros. Como a matéria fora publicada em manchete, decidiu dar à correção o mesmo espaço e informou aos leitores: ESTÁ EQUIVOCADA A REPORTAGEM PUBLICADA NA EDIÇÃO DE ONTEM DO CORREIO BRAZILIENSE SOB O TÍTULO “O GRANDE NEGÓCIO DE JORGE”. A REPORTAGEM DIZ QUE UMA EMPRESA, A DBO, SIGILOSAMENTE ASSOCIADA A OUTRA, A DTC, MANTINHA CONTRATO MILIONÁRIO COM O BANCO DO BRASIL. E UM DOS SÓCIOS DA DTC ERA O SECRETÁRIO DO PALÁCIO DO PLANALTO EDUARDO JORGE CALDAS PEREIRA. HÁ ERROS NA INFORMAÇÃO QUANTO AO NOME E AO LOCAL DA SEDE DA DBO E NENHUMA EVIDÊNCIA DE QUE ESTEJA LIGADA À DTC. NEM O CONTRATO MILIONÁRIO COM O BANCO DO BRASIL, QUE O CORREIO INFORMOU TER SIDO ASSINADO, REALMENTE O FOI. (O CORREIO, 2000) Na correção, chamada na capa como manchete e publicada em página interna, o Correio Braziliense pediu desculpas aos leitores e relatou que o repórter se baseou em uma única fonte. Apontou vários erros factuais, desde o nome da empresa até a sede: “Nada mais está correto na reportagem”. E, se o episódio se destaca pelo tamanho do erro, também o faz pela franqueza na correção e pela transparência, rara em casos semelhantes. Pela maneira como tratou o erro, o Correio Braziliense ganhou o Prêmio Esso de Jornalismo naquele ano, na categoria Melhor Contribuição à Imprensa. O caso serve como exemplo da necessidade de reforçar os procedimentos de cruzamento de informação entre fontes e de verificação de dados antes da publicação. Fonte: Maria Petrishina / Shutterstock FICHA DE DILMA ROUSSEFF Em 5 de abril de 2009, o jornal Folha de S.Paulo publicou uma reportagem relatando, com base em uma ficha criminal, a participação da então ministra Dilma Rousseff no planejamento ou na execução de ações armadas contra a ditadura militar. Em 25 de abril, o jornal publicou um novo texto informando ao leitor que a reportagem original continha dois erros: O PRIMEIRO ERRO FOI AFIRMAR NA PRIMEIRA PÁGINA QUE A ORIGEM DA FICHA ERA O “ARQUIVO [DO] DOPS”. NA VERDADE, O JORNAL RECEBEU A IMAGEM POR E-MAIL. O SEGUNDO ERRO FOI TRATAR COMO AUTÊNTICA UMA FICHA CUJA AUTENTICIDADE, PELAS INFORMAÇÕES HOJE DISPONÍVEIS, NÃO PODE SER ASSEGURADA NEM DESCARTADA. (AUTENTICIDADE, 2009) DOPS Departamento de Ordem Pública e Social, a unidade policial responsável pela repressão a movimentos de resistência à ditadura militar. Fonte: Art_by_Danko / Shutterstock Na correção, o jornal reconhece o que identifica como erro técnico: classificar como documento do Dops uma ficha enviada por e-mail à autora da reportagem. O texto da correção também recupera a carta de Dilma enviada ao jornal na qual a ministra relatava ter sido procurada durante a apuração da reportagem e negado a participação nos eventos descritos. Mesmo assim, a versão de Dilma não foi considerada, e a Folha publicou a ficha de autenticidade não comprovada. Esses erros – a classificação do documento, a falta de questionamento sobre sua veracidade e a má utilização do outro lado – comprometeram irremediavelmente a reportagem. Destaque-se, porém, a maneira como o jornal admitiu o erro sem reservas e publicou a correção de forma transparente. CÁSSIA ELLER A cantora Cássia Eller morreu num sábado, 29 de dezembro de 2001. Na semana seguinte, a revista Veja estampou uma capa com a foto da cantora e os dizeres: “Drogas – mais uma vítima – a polícia suspeita que um coquetel de droga, álcool e remédios matou a cantora, que havia dois anos lutava para se livrar da dependência da cocaína” (MAIS, 2002). Sem laudo da necropsia nem resultados de exames toxicológicos no cadáver da cantora, a capa associou de imediato a morte de Cássia ao uso de drogas. Um mês depois, em 24 de janeiro de 2002, uma reportagem da Folha de S.Paulo (ESCÓSSIA, 2002) revelava uma informação distinta: o resultado preliminar dos exames toxicológicos realizados no sangue, nas vísceras e na urina da cantora não apontava a presença de drogas. A única substância encontrada fora a xilocaína, um tipo de anestésico ministrado a Cássia na clínica onde ela fora internada e viria a morrer. O laudo final do IML, divulgado dias depois, concluiu que a cantora morreu em decorrência de um infarto. Fonte: Andy Dean Photography / Shutterstock Com a emergência das “fake news”, as agências de fact-checking ganharam espaço. Conheça um pouco mais desse trabalho e da importância da checagem para o Jornalismo. VERIFICANDO O APRENDIZADO Parte superior do formulário 1. QUAIS OS TRÊS TIPOS DE ERROS JORNALÍSTICOS APONTADOS PELA SONDAGEM DE PHILLIP MEYER? Objetivos ou absolutos (nomes, datas, locais, cargos indicados erroneamente), matemáticos e relativos ou subjetivos (declarações fora de contexto, erros na identificação, entre outros). Tipo 1 (relacionado a fontes de tipo 1), Tipo 2 (relacionado a fontes secundárias), Tipo 3 (relacionado ao uso de declarações off the records). Erros éticos (que não comprometem a notícia, apesar de questionar a credibilidade), erros técnicos (falha na notícia, mas não na credibilidade) e fraude (envolve problemas na notícia e na credibilidade do jornal e do jornalista). Erros pessoais, erros da equipe e erros institucionais (linha editorial). Parte inferior do formulário Parte superior do formulário 2. ERROS JORNALÍSTICOS SÃO INCORREÇÕES OU IMPRECISÕES RESULTANTES DE FALHAS NA APURAÇÃO, NA REDAÇÃO OU NA EDIÇÃO DE DETERMINADO MATERIAL. ASSINALE A OPÇÃO CORRETA SOBRE OS MOTIVOS DESSES ERROS: O principal motivo de erros na apuração é a falta de tempo do jornalismo, principalmente nos veículos diários. Em segundo lugar, são os erros de digitação. Falta de ética, do jornalista ou do veículo de comunicação. Fontes comprometidas, fake news e preocupação com as vendas do jornal ou a audiência. Imperícia (falhas técnicas), imprudência (não considerar as consequências da informação a ser divulgada) ou negligência (desleixo no trabalho). Parte inferior do formulário GABARITO 1. Quais os três tipos de erros jornalísticos apontados pela sondagem de Phillip Meyer? A alternativa "A " está correta. “Barriga” é como se chama, no Jornalismo, uma informação errada. Em 1980, Philip Meyer organizou uma sondagem em mais de 5.000 reportagens de 22 jornais por todos os EUA. Nela, percebeu que quase 60% das matérias enquadravam-se em 3 categorias de erro: objetivos ou absolutos, matemáticos e relativos ou subjetivos. 2. Erros jornalísticos são incorreções ou imprecisões resultantes de falhas na apuração, na redação ou na edição de determinado material. Assinale a opção correta sobre os motivos desses erros: A alternativa "D " está correta. Os erros presentes em reportagens são causados por falhas na rotina de procedimentos e métodos que o jornalista deve seguir em seu trabalho. Em geral, acontecem por imperícia, imprudência ou negligência. A checagem interna é um caminho institucional para evitar esses erros. CONCLUSÃO CONSIDERAÇÕES FINAIS Recapitulamos, aqui, o conceito de reportagem, apresentando suas fases e aprofundando uma delas, a apuração. Identificamos alguns passos da apuração, com ênfase na observação, no uso de entrevistas, documentos, recurso a dados numéricos e da Lei de Acesso à Informação. Também foram propostas dicas sobre como usar essas técnicas de apuração e foi enfatizada a necessidade de um método na realização do trabalho jornalístico. Reiteramos a necessidade de, ao longo da apuração, buscar argumentos variados sobre o assunto abordado na reportagem. E destacamos como passo imprescindível ouvir a parte afetada ou acusada pela reportagem, dando a ela oportunidade para apresentar sua versão – o chamado outro lado. Tratamos do erro jornalístico e de sua inevitabilidade, mas buscamos observar as formas de controle e prevenção de erros. Entre elas, destacou-se o trabalho de checagem jornalística prévia à publicação da reportagem, às vezes com recurso a um profissional especializado nesse tipo de conferência de dados. Por fim, discutimos a correção de erros como umarotina imprescindível. Ninguém está livre de erros, mas a quantidade de erros existentes no trabalho e a maneira de corrigi-los são importantes para a credibilidade do Jornalismo junto ao leitor. AVALIAÇÃO DO TEMA: REFERÊNCIAS AUTENTICIDADE de ficha de Dilma não é provada. In: Folha de S.Paulo, 25 abr. 2009. BARRY, D. et al. Correcting the record: Times reporter who resigned leaves long trail of deception. In: The New York Times, 11 mai. 2003. BRASIL. Casa Civil. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, 1988. BRASIL. Casa Civil. Lei 12.527, de 18 de novembro de 2011 (Lei de Acesso à Informação). Regula o acesso a informações previsto no inciso XXXIII do art. 5º, no inciso II do § 3º do art. 37 e no § 2º do art. 216 da Constituição Federal; altera a Lei nº 8.112, de 11 de dezembro de 1990; revoga a Lei nº 11.111, de 5 de maio de 2005, e dispositivos da Lei nº 8.159, de 8 de janeiro de 1991; e dá outras providências. Brasília, 2011. CHRISTOFOLETTI, R.; VIEIRA, L. Reflexões sobre o erro jornalístico em quatro portais noticiosos de referência. In: Verso e Reverso. XXVIII (68):90-100, mai.-ago. 2014. O CORREIO errou. In: Correio Braziliense, 4 ago. 2000. FEDERAÇÃO NACIONAL DOS JORNALISTAS. Código de Ética dos Jornalistas Brasileiros. Vitória, 2007. ESCÓSSIA, F. Contradições marcam sentença de Rainha. In: Folha de S.Paulo, 22 jun. 1997. ESCÓSSIA, F. José Rainha: os vícios de um processo. In: MOLICA, F. (org.) 50 anos de crimes – reportagens policiais que marcaram o jornalismo brasileiro. Rio de Janeiro: Record, 2007. ESCÓSSIA, F. Exames não encontram drogas em Cássia. In: Folha de S.Paulo, 24 jan. 2002. ESCÓSSIA, F. A eleição brasileira, o boato desigual e o futuro da checagem. In: Agência Lupa, 1 nov. 2018. FOLHA DE S.PAULO. Manual da Redação. 21 ed. São Paulo: Publifolha, 2018. LAGE, N. A reportagem: teoria e técnica de entrevista e pesquisa jornalística. Rio de Janeiro: Record, 2001. LEALI, F. Lei de acesso é desrespeitada por órgãos do governo. In: O Globo, 2016. LOBATO, E. Instinto de repórter. São Paulo: Publifolha, 2005. MAIS uma vítima: A polícia suspeita que um coquetel de droga, álcool e remédios matou a cantora (Cássia Eller), que havia dois anos lutava para se livrar da dependência de cocaína. In: Revista Veja, ed. 1733, ano 35, n. 1, jan. 2002. MEDINA, C. Notícia: um produto à venda. São Paulo: Alfa-Ômega, 1978. MEYER, P. Podem os jornais desaparecer? São Paulo: Contexto, 2007. MOLICA, F. 50 Anos De Crimes - Reportagens policiais que marcaram o jornalismo brasileiro. Rio de Janeiro: Record, 2007. MORETZSOHN, S. A notícia como clinamen: o jornalismo na perspectiva de um novo senso comum. In: COMPÓS, GT estudos de jornalismo, XII. Recife, 2003. OKRENT, D. Weapons of mass destruction? Or mass distraction? In: Public editor #1. Cambridge: Public Affairs, Perseus Books Group, 2006. O QUE é o cargo de ombudsman. In: Folha de S.Paulo, 23 set. 2014. SODRÉ, M.; FERRARI, M. H. Técnica de reportagem. São Paulo: Summus, 1986. EXPLORE+ · No portal Acesso à Informação, do governo federal, você pode saber mais sobre a LAI. · Não deixe de consultar o Guia Prático da Lei de Acesso à Informação, um manual com indicações para jornalistas sobre como utilizar a LAI, elaborado pela Artigo 19 e disponibilizado no site da organização. · Procure na internet o texto Prevenção de erros em jornais, de uma palestra do jornalista Eduardo Lorea sobre o tema. · Leia a entrevista do jornalista Emílio Coutinho, autor de livro sobre o caso Escola Base, em Livro-reportagem esmiúça o “Caso Escola Base”, um dos maiores erros da imprensa no Brasil, de Maria Teresa Cruz. CONTEUDISTA Fernanda da Escóssia CURRÍCULO LATTES TEMA 3 Reportagem e jornalismo investigativo DESCRIÇÃO O jornalismo investigativo, sua importância e seu impacto na sociedade, estudados a partir de seus fundamentos e de sua diferenciação em relação a outros tipos de jornalismo e reportagem, além de suas vertentes e métodos. PROPÓSITO Compreender o que é jornalismo investigativo, as diferenças em relação ao jornalismo diário e os limites éticos e legais na utilização dos métodos investigativos é importante para a sua formação, pois norteará as suas escolhas e a sua atuação profissional. Assim, também é essencial conhecer os tipos de reportagens, as repercussões por elas produzidas e o perfil necessário para ser um jornalista investigativo. OBJETIVOS MÓDULO 1 Reconhecer a importância do jornalismo investigativo, bem como os tipos de reportagem investigativa e seus impactos na agenda pública MÓDULO 2 Descrever a história do jornalismo investigativo, bem como o perfil do jornalista investigativo MÓDULO 3 Reconhecer os métodos de trabalho utilizados no jornalismo investigativo INTRODUÇÃO Você sabe por que o jornalismo investigativo é um gênero próprio, diferente do jornalismo opinativo e do informativo? Você conhecerá esse gênero e entenderá que a reportagem é o lugar de excelência da investigação jornalística, percebendo que sua diferença em relação à notícia começa na pauta e passa pelos métodos utilizados na apuração das informações. Também conhecerá os três tipos de reportagem investigativa e saberá identificar os seus impactos na agenda pública. Distinguir jornalismo “de” investigação de jornalismo “sobre” investigação ajudará a identificar as origens do gênero investigativo no mundo e no Brasil. Assim, compreenderemos como ele garante credibilidade ao jornalismo e prestígio aos jornalistas e aos meios de comunicação. Para entender o que é preciso para fazer jornalismo investigativo, destacaremos quais qualidades e habilidades são necessárias para ser um jornalista investigativo. Conheceremos os métodos de trabalho do jornalismo investigativo, como as observações direta e direta participante, que permitem uma melhor percepção da realidade pesquisada a partir da imersão pura e simples ou por meio da infiltração. Isso nos leva à necessidade de avaliar os limites éticos e legais do jornalismo investigativo e de reconhecer as vantagens e desvantagens da infiltração como método de investigação. Por fim, identificaremos o que é necessário para o planejamento de uma reportagem investigativa. MÓDULO 1 Reconhecer a importância do jornalismo investigativo, bem como os tipos de reportagem investigativa e seus impactos na agenda pública FUNDAMENTOS DO JORNALISMO INVESTIGATIVO Alguns pesquisadores e jornalistas dizem que a investigação está no DNA do jornalismo, pois o repórter precisa investigar para reconstituir o fato. Mas convém entender melhor os diferentes modos de se fazer jornalismo, porque não se pode chamar de “investigativa” toda informação tornada pública, ainda que tenha exigido uma apuração. É a natureza da informação e a complexidade dos métodos empregados para se chegar a ela que vão determinar se estamos diante de uma investigação jornalística. Sob a lógica da teoria construcionista, o jornalismo é um trabalho intelectual e sua ação concreta produz conhecimento (GENRO FILHO, 1988). ISSO REMETE À TEORIA DO NEWSMAKING, POIS O PROCESSO DE PRODUÇÃO DA NOTÍCIA CONTEMPLA SELEÇÃO DO FATO, PROCEDIMENTOS, FONTES, PRAZO, CULTURA PROFISSIONAL, VALORES E ESTRUTURA ORGANIZACIONAL. O JORNALISTA PRECISA DOMINAR ESSAS COMPETÊNCIAS PARA NÃO SE RESTRINGIR A UM MERO TRABALHO TÉCNICO. AINDA ASSIM, NÃO DÁ PARA PRESUMIR QUE HAJA INVESTIGAÇÃO NESSE PROCESSO. Precursor dos estudos do jornalismo no Brasil, nos anos 1960, Luiz Beltrão o classificou em gêneros informativo, interpretativo e opinativo. Mais tarde, ao analisar o trabalho de interpretar e o de investigar, Alberto Dines (1986) sugeriu uma identidade própria para o jornalismo investigativo. Ao buscar respostas e diversificar as fontes, com mais tempo e rigor na apuração, o investigativo se diferencia dos demais porque estes consistem em informar ou interpretar sem necessariamente investigar. A REPORTAGEM, DE FATO, NÃO PRESCINDE DE INVESTIGAÇÃO. MAS JORNALISMO INVESTIGATIVO É ALGO MAIS COMPLEXO, TRABALHOSO E PERIGOSO. NÃO SE ASSEMELHA COM A ROTINA NATURAL DAS REDAÇÕES. (FORTES, 2006) Fonte: Shutterstock.comSegundo Lopes e Proença (2003), uma investigação não se limita a assuntos factuais, caracteriza-se pelo uso de técnicas sistematizadas para chegar à verdade oculta, chegar à essência das coisas, tentar responder os porquês que provocam uma situação prejudicial à coletividade ou ao interesse público. A reportagem é o lugar de excelência do jornalismo investigativo e ela nos permite traçar o genoma desse gênero singular. Se na cobertura factual a notícia expressa simbolicamente a objetividade jornalística, estruturada na lógica da pirâmide invertida, a reportagem representa a subjetividade em toda a sua complexidade. Quando é investigativa, a reportagem vai ainda mais além, como revelam estes seus diferenciais: PAUTA Geralmente envolve denúncias contra políticos, governos ou instituições. REVELAÇÃO Traz à luz uma verdade ocultada por algum interesse ilegítimo. FONTES Diversidade de fontes primárias, sejam humanas, digitais ou documentais. PROFUNDIDADE Vai além das consequências e traz o contexto e as causas do fenômeno. TEMPO Produção é mais demorada para se chegar às informações mais difíceis. NARRATIVA Rompe com a estrutura do lide e dá ênfase a aspectos contextuais do fato. CHECAGEM Maior rigor na verificação dos dados, das informações e entrevistas. DISCIPLINA Exige planejamento e persistência do jornalista na busca pelos dados. HABILIDADES Requer experiência na busca por dados e na relação com as fontes. MÉTODOS Observação direta ou direta participante, com imersão ou infiltração e o uso de técnicas como ocultação da identidade e câmera oculta. Como se vê, as diferenças começam na pauta, que define o método da apuração. A produção da notícia é linear, segue um padrão, enquanto na reportagem investigativa o repórter precisa de disciplina para montar um quebra-cabeça a fim de reconstituir o contexto dos fatos, com suas causas e consequências, e assim chegar à história completa. Isso exige procedimentos que consistem em buscar e analisar documentos, cruzar informações, consultar muitas fontes e aferir sua legitimidade, checar a veracidade dos dados e das informações. A relação com as fontes humanas merece atenção. Fonte: Shutterstock.com JORNALISMO DIÁRIO Para apreender o fato, a cobertura factual recorre a versões opostas, os “dois lados”, com informações de fontes testemunhais, oficiais, institucionais, referenciais ou especialistas. Ou seja, a primeira fonte basta ao jornalismo diário. Fonte: Shutterstock.com JORNALISMO INVESTIGATIVO Já no jornalismo investigativo, essas fontes não são suficientes para explorar todos os aspectos do acontecimento. Uma investigação explora um maior número de fontes, primárias e secundárias, humanas, digitais e documentais. O caso Watergate é a mais notável investigação jornalística da história, mas há quem questione isso, pois Bob Woodward e Carl Bernstein recebiam informações de um informante secreto. Seria desmerecer o trabalho dos jornalistas, que durante meses entrevistaram pessoas e cruzaram informações sobre a escuta ilegal no escritório do Partido Democrata, que levaria à renúncia do presidente Richard Nixon. Garganta Profunda não fornecia documentos, apenas pistas. Só trinta anos depois ele se identificou: era Mark Felt, à época vice-diretor da CIA. Entre as várias origens de uma reportagem investigativa, Nilson Lage (2005) aponta as pistas fornecidas por informantes. Ou seja, um informante pode fornecer dados para revelações a serem feitas pelo repórter. Portanto, dizer que todo jornalismo é investigativo seria nivelar uma investigação como o caso Watergate à apuração de um acidente na esquina. Ouvir uma testemunha, ouvir um especialista de trânsito ou descrever o boletim de ocorrência não é investigação. Isso porque, em tese, não haveria motivos para esconder algo. REVELAÇÃO DE FATOS IMPORTANTES, MAS OCULTOS Na produção diária, o jornalista descreve os fatos e transmite a notícia. No jornalismo investigativo, reconstrói acontecimentos, expõe fraudes e injustiças, revela algo de interesse público que alguém, um governo ou uma instituição tenta esconder. Assim, a diferença entre jornalismo investigativo e jornalismo cotidiano não está no modelo de texto ou na forma de apresentar o conteúdo, está nos métodos usados na apuração das informações (QUESADA, 1987 apud SEQUEIRA, 2005). DE ACORDO COM SEQUEIRA (2005), APENAS QUANDO O REPÓRTER PASSA A UTILIZAR TÉCNICAS E ESTRATÉGIAS QUE ULTRAPASSAM AS ROTINAS DOS TRABALHOS JORNALÍSTICOS DO COTIDIANO QUE A REPORTAGEM SE TRANSFORMA EM REPORTAGEM INVESTIGATIVA. Não basta o texto conter estatísticas, documentos e declarações para ser chamado de investigativo, pois, em geral, essas informações podem ser obtidas com fontes públicas ou humanas de fácil acesso. O jornalismo investigativo requer metodologias que só se aprendem com anos de prática. A estratégia metodológica do jornalismo investigativo consiste em: identificar assuntos de relevância Seguir pistas Descobrir dados Cruzá-los com outras fontes Interpretá-los Ao final, tem-se um maior volume de fontes e informações do que na cobertura factual. As fontes humanas, nesse caso, devem ser usadas apenas como mais uma das técnicas e nunca como única forma de confirmação das informações levantadas em bancos de dados, documentos oficiais ou mesmo na observação direta em campo. Fonte: Pixabay Em síntese, uma investigação jornalística requer averiguação sistemática, profunda e original de assuntos de interesse público, com base em fontes primárias, documentos abertos e secretos. Esse conjunto de técnicas e habilidades permite ao repórter chegar a segredos muito bem guardados, que é exatamente o que caracteriza o jornalismo investigativo como um gênero próprio. É a pauta, com o seu consequente planejamento, que definirá o método investigativo a ser empregado. Segundo Lopes e Proença (2003), nos estudos do jornalismo investigativo como gênero próprio, há consenso de que ele precisa cumprir três requisitos básicos para ser reconhecido como tal: O objeto da investigação deve ser relevante e de interesse público. Revelar algo que pessoas, governos ou instituições tentam esconder do público. A investigação precisa ser resultado do trabalho do próprio jornalista, não de terceiros. Agora, vamos esmiuçar cada um desses critérios. INTERESSE PÚBLICO Nem toda informação que alguém tenta ocultar pode ter importância para o público. É provável que o senador que tenha uma amante queira ocultar o caso extraconjugal, mas isso só interessa a ele e à sua família. Mas se o senador recebe dinheiro do lobista de uma empreiteira para pagar pensão à filha que teve fora do casamento, aí sim cabe uma investigação, pois implica em um conflito de interesses e tráfico de influência. Exemplo: Em 2007, a revista Veja publicou reportagem investigativa nesses termos, envolvendo um senador, uma jornalista e o lobista de uma empreiteira brasileira. Agora é com você: investigue o caso na internet para descobrir os personagens desta história. REVELAR ALGO OCULTO A reportagem deve trazer à luz algo que uma pessoa, um governo ou uma instituição queira esconder para proteger seus interesses. É a característica que mais distingue o jornalismo investigativo dos gêneros opinativo e informativo. Uma reportagem sobre os crimes cometidos pela ditadura militar, com entrevistas de pessoas torturadas e o contexto das perseguições, é um bom exemplo de jornalismo em profundidade. Mas uma investigação vai além e revela as responsabilidades específicas de pessoas e instituições. Exemplo: Em 2012, o jornal Zero Hora publicou a reportagem Os arquivos secretos do coronel do DOI-CODI, baseada nos arquivos do coronel do Exército Julio Miguel Molinas Dias, chefe do DOI-CODI no Rio, nos anos 1980, morto em tentativa de assalto em Porto Alegre. Ao comprovar pela primeira vez a passagem do deputado Rubens Paiva pelo DOI-CODI, a reportagem revela o que o Exército jamais admitiu sobre o sumiço do político cassado pela ditadura, além de mostrar a participação dos militares nas explosões do Riocentro. DESCOBERTA DO JORNALISTA Grandesreportagens podem ser produzidas a partir de processos judiciais, relatórios da Polícia Federal ou do Ministério Público. Mas para ser uma investigação jornalística genuína, ela deve se basear nas descobertas do jornalista que, por méritos próprios, faz suas averiguações, entrevistas, observações e a revisão de documentos. Há uma ênfase a documentos ou provas produzidas pelo jornalista (imagens, por exemplo), que respaldem a reportagem mediante a devida contextualização. Exemplo: Em 1991, Mario Rosa foi o primeiro jornalista a utilizar o Sistema Integrado de Administração Financeira (Siafi) para produzir uma reportagem a partir das contas públicas. Ele mostrou como a então primeira-dama Rosane Collor, presidente da Legião Brasileira de Assistência (LBA) no governo do marido, Fernando Collor, autorizou compras superfaturadas e desviou dinheiro público para benefício da sua família em Canapi (AL). Rosane foi acusada pelos crimes de corrupção e peculato. A reportagem foi o ponto de partida de uma série de denúncias que levaram à deposição do ex-presidente Fernando Collor, o que ocorreu em 1992. TIPOS DE JORNALISMO INVESTIGATIVO Há muitas formas de se fazer jornalismo, do trivial ao complexo. O jornalismo investigativo não se limita ao trivial. Kovach e Rosenstiel (2003) descrevem três tipos: Reportagem investigativa original Reportagem investigativa interpretativa Reportagem sobre investigação REPORTAGEM INVESTIGATIVA ORIGINAL De acordo com König (2019), duas qualidades caracterizam este tipo de reportagem: o protagonismo do repórter na descoberta dos dados e das informações até então ocultados e a sua capacidade de repercussão, provocando investigações oficiais por parte de agentes ou organismos públicos. Ou seja, o foco está na atuação do jornalista e na sua capacidade de descobrir informações e dados até então desconhecidos. Em geral, essas reportagens provocam investigações públicas oficiais (KOVACH; ROSENSTIEL, 2003). Fonte: Shutterstock.com É nesse tipo de reportagem que se dá o jornalismo de imersão, quando o repórter busca informações exclusivas e de maior profundidade que as demais não permitem. Na imersão, ele se insere em uma realidade para compreender melhor os acontecimentos e isso permite interpretar fatos e situações diretamente em seus contextos, sem filtros, para citá-los em uma reportagem. Esse método abarca o jornalismo de infiltração, modalidade de imersão baseada na ocultação da identidade do jornalista. REPORTAGEM INVESTIGATIVA INTERPRETATIVA Neste caso, o protagonismo do repórter é mais restrito, pois precisa da ajuda de especialistas para analisar os dados e informações para sustentar uma reportagem, em geral sobre algum tipo de irregularidade. Segundo König (2019), o mérito do repórter é olhar os dados sob uma perspectiva inédita que permita interpretações até então impensáveis sobre dada realidade. A habilidade de investigação do repórter leva alguns autores, como Nascimento (2010), a agrupar esse segundo tipo ao primeiro. Fonte: Pexels REPORTAGEM SOBRE INVESTIGAÇÃO Esta é a que menos exige esforço do jornalista, já que ele apenas reporta ao público investigações realizadas por terceiros, como órgãos governamentais (KOVACH; ROSENSTIEL, 2003), a exemplo da polícia, promotoria de Justiça ou qualquer outra instituição. Isso não é jornalismo “de” investigação, é apenas jornalismo “sobre” investigação (NASCIMENTO, 2010), pois, diferentemente dos dois tipos anteriores de reportagem, não foi o repórter quem descobriu as irregularidades. O pesquisador britânico Ralph Negrine faz distinção entre a apuração jornalística ativa da apuração passiva. Segundo essa definição, a apuração ativa ocorrer quando o jornalista revela e reúne pedaços de informações, indicando ligações entre elas, até então desconhecidas (NASCIMENTO, 2010). Em oposição, apuração passiva ocorre quando o jornalista não faz muito esforço, a informação chega a ele por meio do vazamento de alguma autoridade relacionada à investigação original. Fonte: Shutterstock.com Não faz sentido realizar uma investigação se ela não gerar repercussões; então, espera-se que ela produza algum efeito na opinião pública e no meio político. Segundo Solano Nascimento (2010), pesquisadores estadunidenses analisaram o impacto de reportagens investigativas na agenda pública e classificaram os resultados gerados por elas em três categorias: RESULTADOS DELIBERATIVOS RESULTADOS INDIVIDUALIZADOS RESULTADOS SUBSTANCIAIS RESULTADOS DELIBERATIVOS Quando se criam comissões ou realizam-se audiências para discutir e resolver o problema apontado na reportagem. RESULTADOS INDIVIDUALIZADOS Quando a reportagem resulta em sanção, rebaixamento de cargo, demissão ou outro tipo de punição aos envolvidos na denúncia. RESULTADOS SUBSTANCIAIS Impacta regulamentações, legislações e administrações; produz mudanças em sistemas para evitar a repetição do problema denunciado. Essas características requerem um profissional mais preparado. O grande desafio para quem quer ser um jornalista investigativo é escapar das rotinas produtivas. O domínio de técnicas rotineiras para extrair o melhor dos acontecimentos permite maior eficácia ao trabalho do repórter, e assuntos factuais são mais fáceis de observar e de capturar no tempo e no espaço, com fontes sempre disponíveis. Mas, ao jornalista investigativo, isso não basta. A intencionalidade distingue o jornalismo de investigação da cobertura factual. A notícia independe da vontade do jornalista, que é pautado pelos acontecimentos. Já a reportagem não existiria sem a intenção do repórter de ir a fundo na investigação de um fato ou fenômeno. Desse modo, uma reportagem não existe sem a intenção do repórter e, para isso, ele precisa pensar e agir diferente, ter melhores qualificações do que os colegas da cobertura diária. Sequeira (2005) recorre a Nilson Lage para estabelecer a diferença entre o repórter de atualidade e o repórter investigativo: ENQUANTO O PRIMEIRO É DEFINIDO COMO UM PROFISSIONAL DEPENDENTE DAS FONTES E SEM ACESSO ÀS “FONTES DAS FONTES”, OU SEJA, AQUELE PROFISSIONAL SEM ACESSO AOS DOCUMENTOS PRIMÁRIOS DOS QUAIS SE ORIGINA A NOTÍCIA, O REPÓRTER INVESTIGATIVO CARACTERIZA-SE, PRIMORDIALMENTE, POR SER O PROFISSIONAL QUE BUSCA OS DOCUMENTOS ORIGINAIS. (SEQUEIRA, 2005) Dines (1986) afirma que ser jornalista investigativo requer a proatividade de pautar em contraposição à passividade de ser pautado. Ou seja, pauta a si mesmo e, ao contrário do jornalismo cotidiano, não se sujeita a ser pautado pelos eventos ou pelas descobertas de terceiros. Sua lógica de produção é diferenciada, seu objeto de pesquisa requer estratégias mais elaboradas de apuração (KÖNIG, 2019). Esta é uma definição adequada de um bom jornalista investigativo: O JORNALISTA INVESTIGADOR É QUEM PROVOCA A INFORMAÇÃO, É QUEM DÁ OS PASSOS NECESSÁRIOS PARA A OBTENÇÃO DOS DADOS QUE NECESSITA PARA COMPLETÁ-LA, AQUELE QUE BUSCA, COMPARA, NÃO É UM MERO RECEPTOR DA INFORMAÇÃO. É AQUELE QUE SE ADIANTA AOS ACONTECIMENTOS. NÃO ESPERA QUE OS FATOS SE PRODUZAM; ELE OS DESENCADEIA OU OS PARA COM SUA INVESTIGAÇÃO, DEPENDENDO DOS FATOS E DO QUE TRATAM. (LOPES; PROENÇA, 2003) O que distingue o jornalista investigativo do colega da cobertura diária é a capacidade de aplicar técnicas e processos mais complexos de apuração. O investigativo procura explicar os acontecimentos e denunciar situações prejudiciais à sociedade e, para isso, usa estratégias não utilizadas por aqueles que se limitam a relatar as questões do cotidiano. Evolução do jornalismo investigativo no Brasil e nos EUA No vídeo a seguir o jornalista Marcelo Beraba, fundador da Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo, dá dicas para quem quiser seguir esse ramo da profissão. VERIFICANDO O APRENDIZADO Parte superior do formulário 1. PARA SE CARACTERIZAR COMO JORNALISMO INVESTIGATIVO, DISTINGUINDO-SE DA COBERTURA DIÁRIA, O TRABALHO JORNALÍSTICO PRECISA CUMPRIR TRÊS REQUISITOS BÁSICOS. ASSINALE A ALTERNATIVA QUE APONTA CORRETAMENTE ESSES REQUISITOS: Precisa derrubar alguém importante; revelar algo oculto;duas fontes são suficientes. Ser de interesse público; só fontes humanas bastam; descoberta própria do jornalista. Basear-se em fontes oficiais; descoberta própria do jornalista; fazer infiltração. Descoberta própria do jornalista; ser de interesse público; só fontes humanas bastam. Ser de interesse público; revelar algo oculto; descoberta própria do jornalista. Parte inferior do formulário Parte superior do formulário 2. UMA INVESTIGAÇÃO JORNALÍSTICA NÃO SE LIMITA A ASSUNTOS FACTUAIS, POIS O REPÓRTER BUSCA CHEGAR À ESSÊNCIA DAS COISAS E TENTA EXPLICAR AS CAUSAS DE UMA SITUAÇÃO PREJUDICIAL AO INTERESSE PÚBLICO. ASSINALE A ALTERNATIVA QUE SINTETIZA A DIFERENÇA ENTRE O JORNALISMO INVESTIGATIVO E O JORNALISMO COTIDIANO: Descrição pormenorizada do fato, tal como um espelho da realidade. Ênfase às fontes oficiais, pois elas têm autoridade e detêm a verdade dos fatos. Uso de técnicas sistematizadas para chegar à verdade oculta. Basta ouvir o “outro lado”, pois já teríamos as duas versões dos fatos. Todo jornalismo é investigativo, então não há distinções. Parte inferior do formulário GABARITO 1. Para se caracterizar como jornalismo investigativo, distinguindo-se da cobertura diária, o trabalho jornalístico precisa cumprir três requisitos básicos. Assinale a alternativa que aponta corretamente esses requisitos: A alternativa "E " está correta. As descrições, os autores de referência e os exemplos descritos neste módulo esclarecem que, para se caracterizar como jornalismo investigativo, uma reportagem precisa atender a esses três critérios: ser de interesse público, revelar algo oculto e que as descobertas sejam do próprio jornalista, e não de terceiros. 2. Uma investigação jornalística não se limita a assuntos factuais, pois o repórter busca chegar à essência das coisas e tenta explicar as causas de uma situação prejudicial ao interesse público. Assinale a alternativa que sintetiza a diferença entre o jornalismo investigativo e o jornalismo cotidiano: A alternativa "C " está correta. Nem todo jornalismo é investigativo, como vimos. O que o diferencia do jornalismo diário é o uso de procedimentos mais complexos para se chegar à verdade oculta, à essência das coisas, tentar responder o porquê de uma situação prejudicial à coletividade ou ao interesse público. MÓDULO 2 Descrever a história do jornalismo investigativo, bem como o perfil do jornalista investigativo REPORTAGENS INVESTIGATIVAS E SOBRE INVESTIGAÇÃO Qualquer brasileiro relativamente bem informado já ouviu falar da Operação Lava Jato, que tem agendado a imprensa e a opinião pública desde 17 de março de 2014. Mas o que há de jornalismo investigativo sobre a operação em sites, jornais, rádios e TV? Quase nada. Vimos que uma investigação jornalística se caracteriza quando o repórter revela algo oculto, mas no caso da Lava Jato as descobertas foram feitas pela Polícia Federal e pelo Ministério Público Federal, embora tenham resultado em grandes reportagens. Fonte: Shutterstock.com A investigação é mais uma exceção do que regra no jornalismo. A cobertura da Lava Jato diz muito sobre as rotinas produtivas das redações, em geral muito dependentes das fontes, das assessorias e do desenrolar dos “fatos-notícia” (ALSINA, 2009). Nesse caso, de acordo com Sequeira (2005), o jornalismo é “praticado” sem nenhuma investigação, pelo menos por parte da equipe de reportagem que os publicou. Mesmo contendo informações incomuns na cobertura diária, nem todo jornalismo é investigativo. Investigação é um processo, não um acontecimento. Requer planejamento, rigor extra na obtenção de provas, permite ao repórter ser proativo e fazer sua própria agenda de temas. Ainda que uma reportagem possa começar com uma denúncia, a mera publicação da denúncia ou a divulgação de um documento secreto enviado por alguém não é jornalismo investigativo. Isso demonstra preguiça e acarreta riscos porque não se investiga a identidade e as intenções da fonte, nem a autenticidade das provas. O jornalismo de investigação revela algo oculto, produz uma informação nova ou revela o seu real significado a partir do cruzamento de outras informações. Isso depende de múltiplas fontes, pois uma fonte única pode até fornecer revelações importantes, mas se elas não forem confrontadas com outras fontes (humanas, digitais, documentais), não estaremos diante de uma investigação genuína. Não passaria de jornalismo “sobre” investigação, focado na descoberta de terceiros. É RARO UMA INVESTIGAÇÃO SURGIR DE UM TELEFONEMA ANÔNIMO OU DE DOCUMENTOS SECRETOS ENTREGUES NA REDAÇÃO. A MAIORIA NASCE DO INTERESSE DO REPÓRTER, DA SUA EXPERIÊNCIA COM O TEMA, DE ALGO JÁ PUBLICADO, DE UMA CONVERSA OU DA OBSERVAÇÃO MAIS ATENTA. NÃO É FÁCIL TER BOAS IDEIAS PARA UMA INVESTIGAÇÃO, MAS É ISSO QUE DISTINGUE O REPÓRTER INVESTIGATIVO. Fonte: Shutterstock.com Também há uma falsa ideia de que ele se dedica apenas a temas de grandes proporções, como fraude eleitoral, corrupção estatal, subornos milionários. São muitas as possibilidades. Para o jornalista e escritor Roger Atwood (2010), uma investigação deve revelar uma atividade que se enquadre em pelo menos uma dessas três categorias: ilegal, antiética ou hipócrita. Segundo ele, é preciso estar claro em qual categoria a atividade se enquadra para que a reportagem produza o impacto esperado e não fique apenas na indignação moral do jornalista. Vamos entender a diferença de cada uma delas segundo as definições de Atwood (2010), com um exemplo real para cada caso. ATIVIDADE ILEGAL Categoria de maior impacto, mas requer documentos, conhecimento da legislação e consultas a especialistas. Que policiais usem viaturas oficiais para fins particulares é claramente ilegal, mas às vezes a atividade é de caráter impreciso. Eles podem alegar que ficam de prontidão 24 horas e precisam da viatura. Então, o repórter pode flagrar a ilegalidade com fotos e vídeos, buscar as normas que regulam o setor e leis que coíbem desvios. Em 2012, o jornal Gazeta do Povo publicou a série de reportagens Polícia fora da lei, mostrando o crime de peculato cometido por policiais do Paraná no uso de viaturas oficiais. ATIVIDADE ANTIÉTICA Uma atividade que pareça ilegal na verdade pode ser antiética, pois viola as normas de boas práticas de uma classe profissional, da indústria, da sociedade em geral. Códigos de ética de entidades e associações profissionais podem servir para expor uma atividade antiética. Por exemplo, um advogado não pode fazer anúncios publicitários com promessas de ganho de causa para os clientes, o que é vedado pelo código de ética da OAB. Ou, o uso de esteroides anabolizantes por atletas não é necessariamente ilegal, mas viola as normas de antidopings e do fair play. ATIVIDADE HIPÓCRITA Trata de contradições entre os atos e as declarações de uma pessoa ou instituição. Durante décadas, a indústria tabagista dos Estados Unidos negou que a nicotina vicia e que adicionava componentes químicos cancerígenos para acentuar o vício, mas relatórios internos das companhias diziam o contrário. A imprensa passou a cobrir o caso nos anos 1980 e Richard Kluger até ganhou o Prêmio Pulitzer de 1997 com o livro Ashes to Ashes. O filme O informante, de 1999, fala dessa hipocrisia sob a perspectiva de um jornalista. Demonstrar que o chefe de uma instituição de caridade ostenta uma vida de luxo revela a hipocrisia e por isso tem valor noticioso, mesmo que o enriquecimento não seja ilegal nem antiético. Foi o que o jornal O Globo demonstrou na matéria LBV – O Império da Boa Vontade, vencedora do Prêmio Esso de Reportagem de 2001. O jornal comprovou que diretores da Legião da Boa Vontade desviaram verbas da maior ONG do país à época e que recursos recolhidos entre doadores financiavam mordomias do seu presidente, José de Paiva Netto. Está claro que não dá para subestimar os temas focados na hipocrisia ou falta de ética apenas por não exporem uma ilegalidade. Às vezes, reportagens com esse enfoque podem levar a processos judiciais ou mudanças na legislação. A cobertura da imprensa norte-americana sobre a indústriado tabaco, por exemplo, produziu mudanças na legislação do setor. AS ORIGENS DO JORNALISMO INVESTIGATIVO NO BRASIL A data de nascimento do jornalismo investigativo é um tanto imprecisa. Pesquisadores remontam os antecedentes aos muckrakers nos Estados Unidos, homens e mulheres que no final do século XIX passaram a transitar entre a investigação e o sensacionalismo para denunciar injustiças sociais, crimes e corrupção envolvendo políticos e empresários. Essa prática arrefeceu por volta de 1930 e, embora nem todas essas reportagens fossem investigativas, elas colocaram as bases para o jornalismo investigativo moderno renascido nos anos 1960. Atribui-se a Seymour Hersh o renascer do jornalismo investigativo. Ele ganhou o Pulitzer de 1970 ao revelar as atrocidades da Guerra do Vietnã, como o massacre de Mỹ Lai, no qual 504 civis sul-vietnamitas desarmados foram executados em 1968 por soldados do exército dos Estados Unidos. Em 1971, o New York Times passa a publicar documentos secretos do governo, os Pentagon Papers, revelando que funcionários do alto escalão do governo tinham mentido sobre a intervenção norte-americana no Vietnã. Estavam dados os estímulos para novas investigações. Foi então que surgiu a mais emblemática reportagem do jornalismo investigativo moderno: o caso Watergate. As redações brasileiras tinham o jornalismo estadunidense como modelo, segundo aponta Carlos Eduardo Lins da Silva em O adiantado da Hora: a influência americana sobre o jornalismo brasileiro. A inspiração se dava no modo de escrever, na diagramação, na ética, no estilo, no modelo de negócio e, naturalmente, no modo de investigar. Os estudos da comunicação no Brasil apontam para a origem do jornalismo investigativo no país no fim da década de 1970, embora Solano Nascimento (2010) resgate uma matéria de 1923 do Correio da Manhã. O jornal acusou o então presidente da República, Epitácio Pessoa, de ganhar uma joia em troca de vantagens concedidas a exportadores de açúcar, num episódio que ficou conhecido como “O caso do colar”. Mas foi um caso isolado. Só cinco décadas depois o jornalismo viria a incomodar com mais frequência as autoridades. No auge do jornalismo investigativo nos Estados Unidos, o Brasil vivia um momento bem diferente, com a ditadura militar em curso. Ainda que a maioria dos meios de imprensa dessem apoio aos militares, ignorando o arbítrio e a tortura, alguns repórteres ousaram se contrapor ao poder vigente. O livro 10 reportagens que abalaram a ditadura (MOLICA, 2005) reúne trabalhos que fustigaram os ditadores, ainda que nem todos atendessem aos critérios de jornalismo investigativo vistos aqui. A IMPRENSA PASSOU A ADOTAR O PAPEL DE GUARDIÃ, O QUE CARACTERIZA A ATIVIDADE JORNALÍSTICA, SEGUNDO KOVACH E ROSENSTIEL (2003) SOBRE O “PODER MONITORADO”. ERA A INFLUÊNCIA DO JORNALISMO INVESTIGATIVO NORTE-AMERICANO, CUJO PRINCÍPIO NORTEADOR É EXERCER VIGILÂNCIA SOBRE AS AÇÕES DO ESTADO (SILVA, 1991), NOTABILIZADA NO CASO WATERGATE. O PRIMEIRO EXEMPLO DISSO NO BRASIL FOI A SÉRIE DE REPORTAGENS ASSIM VIVEM OS NOSSOS SUPERFUNCIONÁRIOS, PUBLICADA EM 1976 NO JORNAL O ESTADO DE S. PAULO. O trabalho venceu o Prêmio Esso de Jornalismo e sedimentou as bases do jornalismo investigativo no Brasil (SEQUEIRA, 2005). Coordenador da série, Ricardo Kotscho teve a ideia da pauta ao ler uma reportagem da revista New Yorker sobre os privilégios dos altos funcionários da União Soviética e então traçou o roteiro da reportagem e acionou sucursais e correspondentes do Estadão para ir atrás de documentos que revelassem as benesses dos ocupantes de cargos públicos no regime militar (MOLICA, 2005). Apesar das restrições de acesso a documentos oficiais, o jornal conseguiu revelar nomes e cifras para denunciar as regalias dos “superfuncionários” do governo. O tom de denúncia era uma novidade na imprensa brasileira. Leia um trecho da reportagem Os carros rodam, uma das que fazem parte da série: OS CARROS OFICIAIS SERVEM PARA LEVAR OS FILHOS DOS SUPERFUNCIONÁRIOS AO COLÉGIO, AS MADAMES ÀS BUTIQUES E AOS CABELEIREIROS, OS EMPREGADOS E OS FUNCIONÁRIOS PROPRIAMENTE DITOS AOS RESTAURANTES. OS AUTOMÓVEIS DE CHAPA-AMARELA QUE NÃO SÃO PARTICULARES PODEM SER VISTOS ÀS CENTENAS CIRCULANDO EM BRASÍLIA OU NAS CAPITAIS ESTADUAIS. SERVEM, À CUSTA DAS EMPRESAS, A EXECUTIVOS ESTATAIS E SUAS FAMÍLIAS. RECENTEMENTE, UM BANCO OFICIAL RENOVOU SUA FROTA, ADQUIRINDO POSSANTES ALFA-ROMEO, EMBORA OS DODGE DART DE LUXO AINDA SEJAM OS PREFERIDOS. (O ESTADO DE S. PAULO, 1º AGO. 1976). A repercussão da reportagem incentivou outras investigações jornalísticas com foco no campo político, e os jornais passaram a lidar com mais pautas sobre corrupção, tráfico de influência e abuso de poder. Em fevereiro de 1979, a revista Veja publicou a reportagem investigativa Descendo aos porões, na qual o repórter Antonio Carlos Fon fala da tortura em pleno governo absolutista do general Ernesto Geisel (SEQUEIRA, 2005). Os efeitos dessas coberturas nas redações foram para além do período ditatorial. Pesquisadores concordam que a primeira grande reportagem investigativa pós-ditadura militar foi a série Concorrência da ferrovia Norte-Sul foi uma farsa, publicada em 13 de maio de 1987 na Folha de S. Paulo. Antes de a estatal Valec e o Ministério dos Transportes abrirem os envelopes com as propostas das 21 concorrentes, o jornalista Janio de Freitas sabia quais seriam as 18 vencedoras e os lotes que elas construiriam. Fonte: Pexels Elaborou um anúncio em códigos com o nome das vencedoras e publicou no Classifolha cinco dias antes. Veja o lide da reportagem: Foi fraudulenta e determinada por corrupção a concorrência pública, cujos resultados o governo divulgou ontem à noite, para construção da ferrovia Maranhão-Brasília (ou Norte-Sul): a Folha publicou os 18 vencedores, disfarçadamente, há cinco dias e antes até de serem abertos, pela estatal Valec e pelo Ministério dos Transportes, os envelopes com as propostas concorrentes. (FREITAS, 1987) A imprensa teve papel decisivo em reportagens investigativas relacionadas à queda do ex-presidente Fernando Collor de Mello, tendo à frente as revistas Veja e IstoÉ e o jornal Folha de S. Paulo. Com o tempo, a prática da investigação jornalística se estendeu para os veículos regionais. Também porque, além de produzir repercussões, o jornalismo investigativo dá prestígio e credibilidade aos meios de comunicação, como veremos a seguir. O PRESTÍGIO DO JORNALISMO INVESTIGATIVO A credibilidade é o valor mais importante do jornalismo, mas essa percepção depende da perspectiva do outro. Então, como presumir que o jornalismo é credível? Pela confiança de que o discurso jornalístico diz a verdade (LISBOA; BENETTI, 2015). Ou seja, o jornalismo precisa provar a todo instante que está falando a verdade, por meio de processos, faculdades e métodos confiáveis, segundo a teoria confiabilista de Alvin Goldman. O CONHECIMENTO PRODUZIDO PELO JORNALISMO TAMBÉM SE TORNA CONFIÁVEL NA MEDIDA EM QUE CRIAM MÉTODOS E PROCESSOS DE APURAÇÃO QUE SUSTENTAM A VERACIDADE DOS SEUS RELATOS, QUE ENVOLVEM RIGOR E PLURALISMO DE VISÕES, OBJETIVIDADE E CLAREZA NA APRESENTAÇÃO E DESCRIÇÃO DOS FATOS, IMPARCIALIDADE NA SELEÇÃO DO QUE DEVE SER RELATADO. (LISBOA; BENETTI, 2015) Esses procedimentos garantem legitimidade ao jornalismo por meio de um “contrato social” em que a sociedade permite ao jornalista relatar os acontecimentos em troca de uma cobertura responsável de questões públicas essenciais (WARD, 2009). Esse “contrato” sustenta a construção da notícia com base na relação de confiança entre a imprensa e o público, o qual precisa acreditar na notícia para que ela faça sentido, e os métodos são decisivos. É nesse ponto que alguns jornalistas se distinguem. Os repórteres investigativos fazem parte de uma “elite” do jornalismo, são detentores de um poder simbólico entre os agentes engajados nesse campo (Bourdieu, 1997 e 2010). Fonte: Shutterstock.com SUA LÓGICA DE PRODUÇÃO DIFERENCIA-SE DAS PRÁTICAS CONVENCIONAIS DO TRABALHO JORNALÍSTICO, GARANTINDO A ELES UM STATUS DE “NOBREZA”DENTRO DO QUE ZELIZER (1993) CHAMA DE “COMUNIDADE INTERPRETATIVA”. ESSE “PRIVILÉGIO” PERMITE TRABALHAR COM MAIS TEMPO, MAIS DINHEIRO E MAIS LOGÍSTICA DO QUE OS COLEGAS DA PRODUÇÃO COTIDIANA DE NOTÍCIAS. AO SEREM VALORIZADOS PELAS SUAS PRÁTICAS, ESSES PROFISSIONAIS CONTRIBUEM PARA TAMBÉM VALORIZAR O JORNALISMO E REFORÇAM A CONVICÇÃO DE EDUARDO MEDITSCH (1997) DE QUE ESSA ATIVIDADE É UMA FORMA DE CONHECIMENTO. O JORNALISMO NÃO REVELA MAL NEM REVELA MENOS A REALIDADE DO QUE A CIÊNCIA: ELE SIMPLESMENTE REVELA [DE MODO] DIFERENTE. E AO REVELAR DIFERENTE[MENTE], PODE MESMO REVELAR ASPECTOS DA REALIDADE QUE OS OUTROS MODOS DE CONHECIMENTO NÃO SÃO CAPAZES DE REVELAR. (MEDITSCH, 1997) Os repórteres investigativos têm a vantagem de revelar aspectos que estão encobertos pelo véu das aparências. A práxis jornalística reconstrói a realidade, e a forma como o jornalista faz isso depende do seu repertório de competências inerentes à profissão, além das aquisições decorrentes das interações sociais. O jornalismo busca fazer essas relações para dar conta da tarefa de ampliar a visão de mundo do cidadão e permitir-lhe que faça suas próprias conexões entre realidades diferentes. Para a reconstrução das múltiplas realidades, alguns jornalistas lançam mão de recursos de investigação ao elaborar o produto jornalístico, com mais tempo e rigor do que na cobertura diária. Assim, reconstroem uma realidade mais ampla ao evitar a rotina produtiva marcada por informações pré-elaboradas por assessorias ou por aquilo que Alsina (2009) chama de “fatos-notícia”, ou “notícia acontecimento”. Ao se desvincular disso, o jornalista dá início à reportagem, lugar do jornalismo investigativo. A reportagem começou a ganhar forma por volta de 1880, quando o jornalismo passou a se profissionalizar. Os impactos que a reportagem vem produzindo desde então podem ser medidos, por exemplo, pelas renúncias de políticos, cassações de mandato, rompimento de contratos, mudanças em leis. REPÓRTERES PASSARAM A SER BAJULADOS, TEMIDOS E ODIADOS. A REPORTAGEM COLOCOU EM PRIMEIRO PLANO NOVOS PROBLEMAS, COMO DISCERNIR O QUE É PRIVADO, DE INTERESSE INDIVIDUAL, DO QUE É PÚBLICO, DE INTERESSE COLETIVO; O QUE O ESTADO PODE MANTER EM SIGILO E O QUE NÃO PODE; OS LIMITES ÉTICOS DO COMÉRCIO E OS CUSTOS SOCIAIS DA EXPANSÃO CAPITALISTA. (LAGE, 2014) Os efeitos do trabalho jornalístico são o que melhor evidenciam o ethos profissional. É quando mais se percebe a singularidade do jornalismo e o público reconhece sua relevância. Isso salienta a centralidade do jornalista, valorizando não apenas a si mesmo mas também o próprio jornalismo e as organizações que o promovem. São as apurações mais criteriosas que diferenciam os veículos e lhes dão notoriedade e credibilidade. Esse tipo de jornalismo exige tempo, custa caro e requer mão de obra qualificada. O sucesso tanto do jornalista quanto do jornalismo se deve ao domínio do repertório de habilidades e competências adquiridas com o tempo. Ou seja, os profissionais se notabilizaram ao construir a sua carreira acumulando experiências que os permitiram ir além dos “fatos-notícia”. Os jornalistas “puro sangue” chegam a esse estágio por darem uma cota extra de esforço, mas a experiência acumulada faz com que se espere muito deles, e é por isso que não se deve ter a ilusão de uma “vida mansa”. Há uma cultura de competição, uma estratégia de autoafirmação dos profissionais no campo do jornalismo. O trabalho é tão mais valorizado quanto mais recebe o reconhecimento dos seus pares, e esse capital simbólico às vezes se materializa na forma de prêmios. Como essas premiações são nominais, há uma espécie de empréstimo na qual a empresa oferece condições de sustentação desse status em troca do direito de explorar essas láureas perante o público, uma forma de conferir legitimidade ao seu produto. Quantificar e enaltecer os prêmios recebidos é uma forma de o veículo legitimar o seu conteúdo perante o público por meio de um conhecimento intrínseco e reconhecido daqueles que estão em um nível hierárquico superior aos demais. Temos aí uma estratégia de marketing dos veículos, tendo em vista que o jornalismo é um campo em que se estabelece uma relação de confiança do público com o produto à venda: a notícia ou reportagem. Para isso, é necessário ressaltar as qualidades profissionais de quem o produz. Todos os anos a revista digital Jornalistas&Cia e o Portal dos Jornalistas realizam o Ranking dos Mais Premiados da Imprensa Brasileira, atribuindo pontuações a mais de cem premiações nacionais e internacionais recebidas por repórteres brasileiros. Veja, pela ordem, os dez mais premiados segundo o levantamento de 2020: Miriam Leitão (1º), Eliane Brum (2º), Cid Martins (3º), Caco Barcellos (4º), Mauri König (5º), João Antônio Barros (6º), Giovani Grizotti (7º), Marcelo Canellas (8º), André Trigueiro (9º) e Carlos Wagner (10º). Evolução do jornalismo investigativo no Brasil e nos EUA No vídeo a seguir, o jornalista Marcelo Beraba fala de alguns marcos históricos do jornalismo investigativo. VERIFICANDO O APRENDIZADO Parte superior do formulário 1. PARA O JORNALISTA E ESCRITOR ROGER ATWOOD, UMA INVESTIGAÇÃO DEVE REVELAR UMA ATIVIDADE QUE SE ENQUADRE EM PELO MENOS UMA DESSAS TRÊS CATEGORIAS: ILEGAL, ANTIÉTICA OU HIPÓCRITA. SEGUNDO ELE, É PRECISO ESTAR CLARO EM QUAL CATEGORIA A ATIVIDADE SE ENQUADRA PARA QUE A REPORTAGEM PRODUZA O IMPACTO ESPERADO E NÃO FIQUE APENAS NA INDIGNAÇÃO MORAL DO JORNALISTA. DE ACORDO COM O CONTEXTO ACIMA, ASSINALE A ALTERNATIVA QUE CORRESPONDE À DESCRIÇÃO DE UMA ATIVIDADE HIPÓCRITA. Trata de contradições entre os atos e as declarações de uma pessoa ou instituição. Viola as normas de boas práticas de uma classe profissional, da indústria, da sociedade. Significa usar as outras pessoas para atingir os seus objetivos. Transgressão aos marcos legais. Atividade sustentada na prática de adulterar documentos para obter vantagens. Parte inferior do formulário Parte superior do formulário 2. COM O RENASCER DO JORNALISMO INVESTIGATIVO NOS ESTADOS UNIDOS, NA DÉCADA DE 1960, A IMPRENSA PASSOU A ADOTAR O PAPEL DE VIGILÂNCIA SOBRE AS AÇÕES DO PODER, EM ESPECIAL DO ESTADO. UMA PRÁTICA QUE INFLUENCIOU A IMPRENSA BRASILEIRA, QUE PASSOU A FAZER O MESMO A PARTIR DA DÉCADA DE 1970. CONSIDERANDO A DESCRIÇÃO ACIMA, INDIQUE ENTRE AS ALTERNATIVAS ABAIXO A PRIMEIRA REPORTAGEM DO GÊNERO NO BRASIL, EM 1976, E QUE SEDIMENTOU AS BASES DO JORNALISMO INVESTIGATIVO NO PAÍS. Militares admitem a prática de tortura, veiculada na TV Globo. Concorrência da ferrovia Norte-Sul foi uma farsa, publicada na Folha de S. Paulo. Descendo aos porões, publicada na revista Veja. Eles não pouparam ninguém. Mataram todos, publicada no jornal O Globo. Assim vivem os nossos superfuncionários, publicada no jornal O Estado de S. Paulo. Parte inferior do formulário GABARITO 1. Para o jornalista e escritor Roger Atwood, uma investigação deve revelar uma atividade que se enquadre em pelo menos uma dessas três categorias: ilegal, antiética ou hipócrita. Segundo ele, é preciso estar claro em qual categoria a atividade se enquadra para que a reportagem produza o impacto esperado e não fique apenas na indignação moral do jornalista. De acordo com o contexto acima, assinale a alternativa que corresponde à descrição de uma atividade hipócrita. A alternativa "A " está correta. Roger Atwood (2010) exemplifica essa categoria com a conduta da indústria tabagista dos Estados Unidos, que por décadas negou que a nicotina vicia e que adicionava componentes químicos cancerígenos para acentuar o vício, mas relatórios internos das companhias diziam o contrário. 2. Com o renascer do jornalismo investigativo nos Estados Unidos, na década de 1960, a imprensa passou a adotar o papel de vigilância sobre as ações do poder, em especial do Estado. Uma prática que influenciou a imprensa brasileira, que passou a fazer o mesmo a partir da década de 1970. Considerando a descrição acima, indique entre as alternativas abaixo a primeira reportagem do gênero no Brasil, em 1976, e que sedimentou as bases dojornalismo investigativo no país. A alternativa "E " está correta. A reportagem de 1976, coordenada pelo jornalista Ricardo Kotscho, trouxe um tom de denúncia que era novidade no jornalismo brasileiro até então. Apesar das restrições de acesso a documentos oficiais, o Estado de S. Paulo conseguiu revelar nomes e cifras para denunciar as regalias dos “superfuncionários” do governo. Assim vivem nossos superfuncionários venceu o Prêmio Esso de Jornalismo naquele ano. MÓDULO 3 Reconhecer os métodos de trabalho utilizados no jornalismo investigativo OS MÉTODOS DO JORNALISMO INVESTIGATIVO Até o fim do século XIX, o jornalismo era marcado pelo gênero opinativo e pela produção de notícias centrada nas fontes. Mas, em 1885, um jornalista britânico adotaria um método que faria escola. William Thomas Stead se infiltrou nos bordéis de Londres e “comprou” uma menina de doze anos para denunciar o tráfico e a exploração sexual de crianças. Stead foi acusado de sequestro, mas a reportagem publicada no The Pall Mall Gazette produziu mudanças na lei, elevando de 13 para 16 anos a idade de consentimento para o ato sexual. Stead morreu em 1912 no naufrágio do Titanic, mas sua inovação já havia cruzado o Atlântico. Fonte: WikimediaWilliam Thomas Stead A infiltração passou a ser estimulada como prática jornalística pelos magnatas da mídia nos Estados Unidos: William Randolph Hearst, no New York Journal, e Joseph Pulitzer, no New York World. Para vender jornais, repórteres eram encorajados a se infiltrar em lugares onde pudesse ter uma boa história, nem que precisassem mentir, subornar, furtar documentos, violar a privacidade e se fingir de loucos ou mendigos. Fonte: Wikimedia.Nellie Bly A grande celebridade da infiltração, Elizabeth Jane Cochran, assinava com o pseudônimo Nellie Bly. Em 1887, ela se infiltrou no manicômio feminino na ilha de Blackwell (atual Ilha Roosevelt) para relatar no New York World as condições desumanas a que eram submetidas as pacientes. A experiência foi relatada no livro Ten Days in a Madhouse (Dez dias em um manicômio), qualificado em 2011 pelo The Guardian como uma das dez melhores produções da história do jornalismo. Nellie Bly inspirou uma geração de mulheres, mas, para conseguir alguma projeção nos anos 1880 e 1890, elas precisavam recorrer à prática que ficou conhecida como jornalismo performático (stunt journalism), cuja característica principal era o uso da falsa identidade para se obter informações (QUEIROZ, 2013). O sucesso das stunt girls motivou os homens também. Para escrever o livro The People of the Abyss (O povo do abismo), de 1903, Jack London se passou por mendigo no East End, bairro pobre de Londres. Em 1904, Upton Sinclair se infiltrou num matadouro de Chicago para denunciar as más condições sanitárias e de trabalho. O material foi publicado no jornal socialista Appeal to Reason e ganhou versão em livro: The Jungle (A selva). A repercussão levou o presidente Theodore Roosevelt a assinar duas leis em 1906 para regulamentar o uso dos aditivos alimentares e proibir a rotulagem enganosa de drogas e alimentos, o que levou à criação da FDA, a Federal Food and Drug Administration. Esses jornalistas são precursores de uma versão radical do jornalismo de imersão, quando o repórter se insere numa realidade para interpretar fatos e situações diretamente em seus contextos, sem filtros. Na imersão pura e simples, o grupo pesquisado sabe quem é o jornalista e seus objetivos, mas na infiltração ele omite a identidade ou usa uma falsa. Estas são variações dos métodos jornalísticos descritos por Felipe Pena (2008) a partir das ideias do pesquisador João Corrêa de Deus, aqui sintetizados: OBSERVAÇÃO DIRETA OBSERVAÇÃO DIRETA PARTICIPATIVA OBSERVAÇÃO INDIRETA COLETA LEVANTAMENTO ANÁLISE OBSERVAÇÃO DIRETA O jornalista entra em contato direto com os fatos, sem filtros, sem intermediários. OBSERVAÇÃO DIRETA PARTICIPATIVA O repórter não só presencia o fato, ele faz uma imersão no ambiente investigado. OBSERVAÇÃO INDIRETA Um intermediário vivencia ou observa um fato e depois repassa as informações ao jornalista. COLETA O jornalista tem acesso facilitado a dados, sem muito esforço para descobrir informações. LEVANTAMENTO Exige esforço para obter os dados. O repórter recebe uma denúncia ou desconfia de algo errado e procura descobrir algo ocultado. ANÁLISE Requer habilidade do jornalista, pois precisa levantar e coletar dados, examinar e confrontar as informações, interpretando seus resultados e impactos. Nem todos esses métodos atendem às necessidades do jornalismo investigativo. Entre eles, as observações direta e direta participante proporcionam condições diferenciadas para elaborar uma narrativa mais rica, repleta de detalhes e sensações. Como pontuam Hidalgo e Barrero (2016), a realidade impõe os temas. Os jornalistas, o método. Ao escolher a infiltração como método, o jornalista investigativo está na verdade se apropriando de técnicas especiais de investigação da polícia judiciária. Ambas as instituições, polícia e imprensa, buscam revelar algo mantido em segredo, além de acusar o responsável pela ocultação. A diferença está no encaminhamento dado ao que foi descoberto: Fonte: Shutterstock.com POLÍCIA O policial registra seus achados no inquérito, destinado a subsidiar a autoridade jurídica. Fonte: Shutterstock.com JORNALISTA O repórter dá publicidade às suas descobertas. Para chegar aos fatos ocultos, tanto na atividade policial quanto no jornalismo, são utilizadas “técnicas especiais de investigação” para obter e catalogar as informações. Aqui cabe distinguir o método da técnica. O método é um plano de ação, formado pelas etapas destinadas a realizar uma atividade; a técnica está ligada ao modo de realizar a atividade. O método se relaciona à estratégia de investigação, e a técnica coloca em prática essa estratégia. EXEMPLO Em uma investigação jornalística, a infiltração seria o método, enquanto a microcâmera, o microfone oculto, o disfarce, a falsa identidade e a ocultação de identidade profissional seriam técnicas aplicadas a esse método. Outra diferença entre investigação policial e investigação jornalística é que esta não tem nenhum amparo legal. Já a ação controlada e a infiltração policial estão previstas na Lei do Crime Organizado (Lei n. 12.850/2013). Mas, a despeito de os jornalistas não contarem com um suporte legal para utilizar esses métodos de investigação, Karam (2013) encontra aspectos convergentes no trabalho de jornalistas e policiais, tomando por parâmetro as infiltrações levadas a cabo pelo alemão Günter Wallraff. O MÉTODO WALLRAFFEN ESTÁ DENTRO DO CONCEITO DE LEGITIMIDADE, COMPARÁVEL AO TRABALHO DOS DETETIVES, EMBORA JORNALISTAS NÃO TENHAM A MESMA GARANTIA CONSTITUCIONAL E JURÍDICA E, MUITAS VEZES, FÍSICA PARA TAL EXERCÍCIO. NO ENTANTO, HÁ UMA GARANTIA MORAL, DADA PELO PAPEL SOCIAL QUE REPRESENTA OU DEVE REPRESENTAR A PROFISSÃO. (KARAM, 2013) Karam (2013) defende o método wallraffen não de forma generalista, mas quando necessário para trazer esclarecimentos à sociedade, que pode estar sendo enganada ou prejudicada com a ocultação. Também onde as instituições do Estado começam a falhar ou quando estão envolvidas elas mesmo em atos duvidosos. Ou, ainda, onde setores particulares se apropriam do interesse público para defender apenas o próprio bolso. Wallraff já usou identidade falsa para se tornar imigrante turco na Alemanha, operário em mina de carvão, repórter infiltrado no jornal sensacionalista Bild, operador de telemarketing, pintou-se de negro para expor o racismo. Segundo Karam (2013), na Alemanha, a expressão “método wallraffen” é abordada em cursos de jornalismo para se referir a essas técnicas. É paradigmático de um método que, mediante avaliação moral e técnica jornalística, legitima-se em decorrência de possíveis benefícios sociais. PARA CONCLUIR, VAMOS A UMA SÍNTESE DAS VANTAGENS E DESVANTAGENS DE CADA MÉTODO E DOS RECURSOS EMPREGADOS PARA OBTENÇÃO DE INFORMAÇÕES. Fonte:Shutterstock LIMITES ÉTICOS E LEGAIS DO JORNALISMO INVESTIGATIVO O jornalista tema prerrogativa de escolher os métodos usados numa investigação, mas, antes de buscar respostas para o que julga ser de interesse público, ele deve fazer uma série de perguntas: Quais são os limites éticos e legais na busca por informações? Os fins justificam os meios? Posso cometer um crime para denunciar outro? É lícito invadir a privacidade alheia atrás de uma história? Nem toda conduta reprovável está tipificada em lei, então muito do que se faz no jornalismo suscita um debate mais ético do que legal. Três níveis de regras enquadram o trabalho jornalístico. O primeiro é o nível jurídico. As regras do direito comum, em primeiro lugar as do Direito Penal e do Direito Civil, às quais o jornalista está sujeito como qualquer outro indivíduo (CORNU, 1994). O segundo é a deontologia, que precede o Direito ao esperar que o jornalista se antecipe às leis. É, antes de qualquer referência ao sistema jurídico, um ato de liberdade, pelo qual o jornalista autoriza ou proíbe determinadas práticas a si próprio (CORNU, 1994). O terceiro nível de enquadramento está entre o jurídico e deontológico. São diretrizes especiais que pertencem a duas categorias: regras externas, disposições de caráter associativo adotadas pelas empresas de mídia; regras internas das próprias empresas, como os princípios editoriais e manuais de redação. Todos esses regramentos, seja do nível jurídico e deontológico ou das categorias intermediárias, visam ao correto exercício da profissão. Mas as obrigações do jornalista vão além: o jornalista, como indivíduo, não se limita a respeitar a lei comum a todo o cidadão, a linha geral do meio que o emprega, as regras deontológicas da sua profissão. É fiel às suas convicções e à sua consciência. Reivindica um espaço de liberdade que é o da ética, no qual se enraízam as suas decisões, as suas opções pessoais (CORNU, 1994). Há muito os jornalistas recorrem a subterfúgios para conseguir informações, a exemplo da infiltração, da omissão da identidade e, mais recentemente, do uso de câmeras e microfones escondidos. Os primeiros códigos de ética surgiram exatamente por causa dos excessos cometidos, sobretudo pelos muckrakers. O primeiro documento estruturado surgiu em 1910, no Kansas (Estados Unidos), e o primeiro de abrangência nacional foi publicado na França, em 1918. Fonte: Shutterstock.com Os jornalistas ainda são acusados de bisbilhotar a vida alheia atrás de algo de interesse público. Aqui, dois valores se conflitam. De um lado, a privacidade é o direito de ser deixado em paz e ter informações pessoais preservadas. De outro lado, o interesse público é aquilo que a sociedade tem o direito de saber por que lhe diz respeito. Entre um extremo e outro, a ética jornalística busca mediar a atuação do jornalista. Entre o interesse público, o direito à privacidade e a liberdade de imprensa, emerge o Poder Público, e os políticos são o alvo preferencial de repórteres investigativos. Queiram ou não, os que se consagraram à vida pública, até à sua vida particular deram paredes de vidro (BARBOSA, 1990 apud BUCCI, 2000). Convém lembrar que o jornalismo lida com reputações e honras pessoais, com valores e conceitos, com o imaginário popular, com versões da história e com o próprio senso de verdade e realidade (CHRISTOFOLETTI, 2008). SAIBA MAIS A Constituição Federal garante a privacidade no artigo 5º, inciso X: “São invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurando o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação” (CF, 1988). Já o inciso 33 dispõe que todos têm direito a receber dos órgãos públicos informações de seu interesse particular, ou de interesse coletivo ou geral (CF, 1988). O Código de Ética dos Jornalistas Brasileiros reafirma esse direito no capítulo 2, ao dizer que é preciso respeitar o direito à intimidade, à privacidade, à honra e à imagem do cidadão (FENAJ, 2007). Os códigos de ética funcionam como um freio moral, para estabelecer os limites do que não está previsto em lei. Mas, em geral, os jornalistas trabalham mais de olho no Código Penal, que pune mais, do que no código de ética, pois este não vai além de sanções morais. É nesse momento que a legislação estabelece os limites de atuação dos profissionais de imprensa. No Código Penal, por exemplo, há três tipificações legais aplicáveis aos jornalistas no caso de desvios éticos: INJÚRIA CALÚNIA DIFAMAÇÃO INJÚRIA Art. 130. Referir-se diretamente a outro com algo desonroso e prejudicial. Pena: detenção de 1 a 6 meses e multa. CALÚNIA Art. 138. Acusar alguém publicamente de um crime não cometido. Pena: detenção de 6 meses a 2 anos e multa. DIFAMAÇÃO Art. 139. Desonrar alguém espalhando informações falsas. Pena: detenção de 3 meses a 1 ano e multa. Ainda no Código Penal (1940), o art. 286 considera crime “incitar, publicamente, a prática de crime” e prevê pena de detenção de três a seis meses ou multa. Pelo art. 307, é crime a falsa identidade, às vezes usada no jornalismo de infiltração. Outro diploma legal, a Lei de Execução Penal (1984), assegura aos presos os seus direitos ao prever no art. 41 a “proteção contra qualquer forma de sensacionalismo” (LEI n. 7.210, 1984). Fonte: Unsplash PLANEJAMENTO E LOGÍSTICA DO JORNALISMO INVESTIGATIVO Uma investigação pode começar com uma denúncia, um insight, suspeita ou observação do repórter. Disso resulta a formulação de uma hipótese, o cerne do método investigativo, segundo Mark Lee Hunter et al. (2014). Em síntese, consiste em criar uma afirmação com base nas informações disponíveis e então procurar novas informações que possam provar ou refutar essa afirmação. Se a hipótese se sustentar, a investigação pode ser levada adiante. Mas esse é apenas o começo. Ter uma boa ideia não é garantia de um bom material jornalístico. É preciso saber aonde se quer chegar e o que é necessário para isso. Muitas hipóteses fracassam por negligência na fase de pré-produção da reportagem. O planejamento é o momento para avaliar o que se tem na pesquisa prévia, refletir sobre a viabilidade da hipótese, definir o que se pretende com a investigação e quais métodos serão usados. Quanto melhor estruturado for o projeto, maiores serão as chances de a investigação dar bons resultados. Essa etapa é crucial para testar a hipótese com os primeiros dados, analisar as fontes e entrevistas, fazer as leituras necessárias sobre o tema, avaliar as dificuldades na investigação, encontrar alternativas para produzir imagens, escolher os equipamentos a serem usados, ponderar os eventuais riscos no trabalho de campo. Um modelo de projeto de reportagem é sugerido pela ONG ANDI – Comunicação e Direitos e é usado como base para o Concurso Tim Lopes de Reportagens Investigativas. São esses os passos: Título do projeto Objetivo geral Objetivos específicos Modus operandi Área de investigação Principais fontes a ouvir Cronograma de execução do projeto Plano orçamentário Espaço estimado para publicação ou veiculação da reportagem Data ou horário previsto de publicação ou veiculação Outras informações relevantes para o projeto Para garantir a eficiência da investigação, você precisa adotar um plano de trabalho, esboçar um planejamento com os passos necessário para apurar os fatos a fim de transformá-los em um grande assunto. Precisa montar o quebra-cabeças. Desse modo, estabeleça metas e tenha sempre em mente a hipótese a ser comprovada. Criar um mapa mental é uma boa solução para organizar as ideias e ter uma visão geral de tudo o que é necessário numa investigação. É simples: Faça um círculo numa folha de papel. Escreva no círculo a hipótese a investigar. Trace linhas a partir das bordas do círculo. Escreva sobre as linhas as abordagens da hipótese. Nelas, anote palavras-chave das provas ou informações necessárias. Anote ao lado das palavras-chave as fontes a consultar. Veja o exemplo: Fonte: Mauri König O risco é inerente à investigação. Cabe ao repórter medir as consequências e avaliar até que ponto está disposto a avançar. Antes de sair a campo, é preciso saber os limites dotrabalho jornalístico. Esta é uma pequena lista de alguns procedimentos a serem adotados antes ou durante uma investigação jornalística: Documente toda a investigação, até o que não será publicado. Esses registros darão certa segurança em caso de litígio e preservarão a qualidade da informação obtida de várias fontes. Grave sempre que possível as entrevistas. Reúna as provas documentais da investigação. Todo material que pode ser publicado, como fac-símile ou registro de imagem, são documentos que podem dar credibilidade à investigação. Não tente ser quem não é. A necessidade de anonimato não significa que você tenha de mentir para obter informações. A falsidade ideológica no processo de produção da reportagem gera questionamentos públicos e jurídicos. Evite pagar por informação, dar presentes ou ajudar personagens. Isso dá margem à acusação de que o informante foi pago para falar. A denúncia por si só já é uma grande ajuda na tentativa de desmantelar um esquema ilegal. Avise alguém de confiança ao sair para uma investigação de campo. Informe sempre que puder à sua chefia a etapa da investigação e os detalhes das relações com as fontes. São medidas preventivas para evitar riscos desnecessários. Treine sua observação. Desenvolva a capacidade de reter a maior quantidade de dados sobre pessoas e o seu entorno sem precisar fazer perguntas diretas ou anotar suas impressões no momento. Identifique os envolvidos na investigação e o papel de cada um na história antes de iniciar as entrevistas. Comece pelas pessoas com mais interesse em tornar pública a história. Não prometa mais do que pode oferecer. Deixe claro às fontes que o jornalismo é um instrumento de mudanças, mas as mudanças não dependem de uma publicação apenas. Comprove e compare dados de diferentes fontes para ampliar o contexto do que está tratando. Procure ir além da crítica e da denúncia, escutando especialistas e apontando alternativas ao problema apresentado. Preste atenção ao silêncio. Às vezes o que não se fala revela mais do que o dito. Aprenda a ler os signos ocultos nos diálogos e deixe que as pessoas falem de suas vidas, crie vínculos. Às vezes a pessoa só espera uma oportunidade e um pouco de atenção para falar sobre a situação em que está envolvida. Cautela com microcâmeras e gravações ocultas. Material coletado em sigilo pode servir para sua proteção em eventual contestação, mas só utilize na reportagem quando for realmente necessário para a compreensão da história e não houver outra maneira de comprovar uma ilegalidade. Leia o máximo que puder do que já foi publicado sobre o assunto que irá investigar. Também acompanhe nas instâncias oficiais (polícias, Justiça, Ministério Público) eventuais investigações sobre o tema. Mesmo um planejamento criterioso pode sofrer reveses, pois fontes de informação podem desaparecer ou mudar de ideia, novos fatos podem surgir. Portanto, tenha sempre um “plano b”. Atenção! Para visualização completa da tabela utilize a rolagem horizontal A investigação jornalística está mais relacionada ao interesse dos repórteres do que da empresa, claro que considerando outros desafios, como custos de produção, pressões psicológicas e eventuais retaliações físicas. O maior impeditivo para uma reportagem desse porte são os custos representados por viagens e a dedicação de um repórter ou uma equipe para um único caso durante semanas ou meses. Além das despesas diretas, há ainda a necessidade de reorganização na redação para suprir a ausência desses profissionais. RESUMINDO Reportagens investigativas costumam tratar de assuntos que mexem com interesses de políticos, empresários, policiais, criminosos. Daí decorrem outros dois empecilhos, que podem ser de ordem subjetiva, como pressões de políticos ou anunciantes para derrubar a reportagem, ou de ordem mais direta, como agressões físicas para tentar calar o jornalista. Esse conjunto de desafios arrefece o ânimo de muitos repórteres, que, mesmo involuntariamente, acabam se autocensurando. Felizmente, há aqueles que não cedem tão fácil às pressões. Experiência investigativa Veja a seguir a explicação do premiado jornalista Mauri König sobre métodos investigativos, além do relato de algumas de suas apurações. VERIFICANDO O APRENDIZADO Parte superior do formulário 1. O JORNALISTA BRITÂNICO WILLIAM THOMAS STEAD ADOTOU, EM 1885, UM MÉTODO DE APURAÇÃO QUE FARIA ESCOLA NO JORNALISMO, ATÉ ENTÃO MARCADO PELO GÊNERO OPINATIVO E PELA PRODUÇÃO DE NOTÍCIAS CENTRADA NAS FONTES DE INFORMAÇÃO. O MÉTODO POR ELE INTRODUZIDO NAS PRÁTICAS JORNALÍSTICAS FOI INCORPORADO À IMPRENSA DOS ESTADOS UNIDOS NO FINAL DO SÉCULO XIX, FOMENTADO PELOS DOIS MAGNATAS DA MÍDIA À ÉPOCA: WILLIAM RANDOLPH HEARST, NO NEW YORK JOURNAL, E JOSEPH PULITZER, NO NEW YORK WORLD. EM 1887, UMA REPÓRTER EM PARTICULAR SE TORNOU A GRANDE CELEBRIDADE NO JORNALISMO NORTE-AMERICANO AO UTILIZAR O MÉTODO DISCUTIDO ACIMA. ELA INSPIROU UMA GERAÇÃO DE HOMENS E MULHERES A ROMPER A LÓGICA DA DEPENDÊNCIA DAS FONTES E DOS FATOS-NOTÍCIA. ASSINALE A ALTERNATIVA CORRETA QUE TRAZ O NOME DESTA JORNALISTA E O MÉTODO QUE A NOTABILIZOU. A jornalista é Elisabeth Cohen e o método, o jornalismo de dados. A jornalista é Nellie Bly e o método, a infiltração. A jornalista é Samantha Lindson e o método, a interpretação do real. A jornalista é Samantha Lindson e o método, a entrevista compreensiva. A jornalista é Nellie Bly e o método, a entrevista compreensiva. Parte inferior do formulário Parte superior do formulário 2. HÁ MUITAS FORMAS DE SE FAZER JORNALISMO, DAS MAIS SIMPLES ÀS MAIS COMPLEXAS, A DEPENDER DO TEMA INVESTIGADO E DOS MÉTODOS JORNALÍSTICOS EMPREGADOS PARA ISSO. FELIPE PENA DESCREVE AS VARIAÇÕES DESSES MÉTODOS A PARTIR DAS IDEIAS DO PESQUISADOR JOÃO CORRÊA DE DEUS: OBSERVAÇÃO DIRETA, OBSERVAÇÃO DIRETA PARTICIPATIVA, OBSERVAÇÃO INDIRETA, COLETA, LEVANTAMENTO, ANÁLISE. CONSIDERANDO O TEOR DO CONTEXTO ACIMA, ANALISE OS ITENS A SEGUIR E PREENCHA AS LACUNAS COM A ORDEM NUMÉRICA CORRETA. ( 1 ) EXIGE ESFORÇO PARA OBTER OS DADOS. O REPÓRTER RECEBE UMA DENÚNCIA OU DESCONFIA DE ALGO ERRADO E PROCURA DESCOBRIR ALGO OCULTADO. ( 2 ) O JORNALISTA ENTRA EM CONTATO DIRETO COM OS FATOS, SEM FILTROS, SEM INTERMEDIÁRIOS. ( 3 ) O REPÓRTER NÃO SÓ PRESENCIA O FATO, ELE FAZ UMA IMERSÃO NO AMBIENTE INVESTIGADO. ( 4 ) O JORNALISTA TEM ACESSO FACILITADO A DADOS, SEM MUITO ESFORÇO PARA DESCOBRIR INFORMAÇÕES. ( 5 ) REQUER HABILIDADE DO JORNALISTA, POIS PRECISA LEVANTAR E COLETAR DADOS, EXAMINAR E CONFRONTAR AS INFORMAÇÕES, INTERPRETANDO SEUS RESULTADOS E IMPACTOS. ( 6 ) UM INTERMEDIÁRIO VIVENCIA OU OBSERVA UM FATO E DEPOIS REPASSA AS INFORMAÇÕES AO JORNALISTA. ( ) OBSERVAÇÃO DIRETA PARTICIPATIVA ( ) LEVANTAMENTO ( ) COLETA ( ) ANÁLISE ( ) OBSERVAÇÃO DIRETA ( ) OBSERVAÇÃO INDIRETA 1 – 3 – 2 – 4 – 6 – 5 2 – 3 – 1 – 6 – 5 – 4 3 – 1 – 4 – 5 – 2 – 6 1 – 3 – 6 – 5 – 4 – 2 2 – 1 – 3 – 6 – 4 – 5 Parte inferior do formulário GABARITO 1. O jornalista britânico William Thomas Stead adotou, em 1885, um método de apuração que faria escola no jornalismo, até então marcado pelo gênero opinativo e pela produção de notícias centrada nas fontes de informação. O método por ele introduzido nas práticas jornalísticas foi incorporado à imprensa dos Estados Unidos no final do século XIX, fomentado pelos dois magnatas da mídia à época: William Randolph Hearst, no New York Journal, e Joseph Pulitzer, no New York World. Em 1887, uma repórter em particular se tornou a grande celebridade no jornalismo norte-americano ao utilizar o método discutido acima. Ela inspirou uma geração de homens e mulheres a romper a lógica da dependência das fontes e dos fatos-notícia. Assinale a alternativa correta que traz o nome desta jornalista e o método que a notabilizou. A alternativa "B " está correta. O método de se infiltrar em lugares onde se pode obter boas histórias foi cunhado por William Thomas Stead, em 1885. Nellie Bly, pseudônimo de Elizabeth Jane Cochran, infiltrou-se no manicômio feminino na ilha de Blackwell para relatar as condições desumanasa que eram submetidas as pacientes. 2. Há muitas formas de se fazer jornalismo, das mais simples às mais complexas, a depender do tema investigado e dos métodos jornalísticos empregados para isso. Felipe Pena descreve as variações desses métodos a partir das ideias do pesquisador João Corrêa de Deus: observação direta, observação direta participativa, observação indireta, coleta, levantamento, análise. Considerando o teor do contexto acima, analise os itens a seguir e preencha as lacunas com a ordem numérica correta. ( 1 ) Exige esforço para obter os dados. O repórter recebe uma denúncia ou desconfia de algo errado e procura descobrir algo ocultado. ( 2 ) O jornalista entra em contato direto com os fatos, sem filtros, sem intermediários. ( 3 ) O repórter não só presencia o fato, ele faz uma imersão no ambiente investigado. ( 4 ) O jornalista tem acesso facilitado a dados, sem muito esforço para descobrir informações. ( 5 ) Requer habilidade do jornalista, pois precisa levantar e coletar dados, examinar e confrontar as informações, interpretando seus resultados e impactos. ( 6 ) Um intermediário vivencia ou observa um fato e depois repassa as informações ao jornalista. ( ) Observação direta participativa ( ) Levantamento ( ) Coleta ( ) Análise ( ) Observação direta ( ) Observação indireta A alternativa "C " está correta. Na observação direta, o próprio jornalista entra em contato com os dados, e em sua versão “participativa”, isso depende de imersão naquela realidade. Como o nome diz, a observação indireta parte de terceiros, que levam a informação ao jornalista. A diferença entre coleta e levantamento é justamente o esforço necessário no segundo, enquanto na coleta as informações chegam mais facilmente às mãos do repórter. Por fim, a análise requer habilidade e atenção do jornalista em examinar e interpretar os dados coletados. CONCLUSÃO CONSIDERAÇÕES FINAIS Vimos que nem todo jornalismo pode ser considerado investigativo, pois em alguns casos é preciso recorrer a técnicas mais elaboradas para se chegar à verdade oculta. E nesse ponto concluímos que o jornalismo investigativo se constitui um gênero próprio ao se diferenciar dos gêneros opinativo e informativo por ir além das aparências dos acontecimentos. E isso se evidencia nas diferenças apontadas entre notícia e reportagem. Observamos ainda que uma reportagem se torna investigativa quando o repórter passa a utilizar técnicas que vão além das rotinas de trabalhos jornalísticos de atualidade. Para isso, o jornalismo precisa atender a três requisitos básicos: investigar algo de interesse público, revelar algo ocultado por alguém e que essa seja uma descoberta do próprio jornalista. Também abordamos os três tipos de reportagens investigativas: a original, a interpretativa e a sobre investigação. Além disso, vimos os três tipos de resultados produzidos por essas reportagens: deliberativos, individualizados e substanciais. Por fim, conhecemos um pouco do perfil desejável para ser um jornalista investigativo. AVALIAÇÃO DO TEMA: REFERÊNCIAS ALSINA, Miguel Rodrigo. A construção da notícia. Petrópolis: Vozes, 2009. ATWOOD, Roger. Um manual para periodistas de investigación. In: Métodos de la impertinencia. Mejores prácticas y lecciones del periodismo investigativo en América Latina. Venezuela: IPYS, 2010. BOURDIEU, Pierre. Sobre a televisão. Rio de Janeiro: Zahar, 1997. BOURDIEU, Pierre. O poder simbólico. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2010. BRASIL. Casa Civil. Constituição da República Federativa do Brasil (1988). Brasília, 1988. BRASIL. Casa Civil. Decreto-Lei n. 2.848, de 7 de dezembro de 1940. Código Penal. Brasília, 1940. BRASIL. Casa Civil. 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A Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji) compilou a opinião de mais de 20 profissionais sobre o esse termo no texto Jornalismo investigativo – definições de associados e seguidores. O material está disponível na web. CONTEUDISTA Mauri König CURRÍCULO LATTES