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OSHO Tradução Marcos Malvezzi Leal Editora: Raïssa Castro Coordenadora editorial: Ana Paula Gomes Revisão: Aurea G. T. Vasconcelos Capa & Projeto Gráfico: André S. Tavares da Silva Título original: The Man Who Loved Seagulls Copyright © 2003 Osho International Foundation www.osho.com Verus Editora, 2004 Todos os direitos reservados, no Brasil, por Verus Editora. Nenhuma parte desta obra pode ser reproduzida ou transmitida por qualquer forma e/ou quaisquer meios (eletrônico ou mecânico, incluindo fotocópia e gravação) ou arquivada em qualquer sistema ou banco de dados sem permissão escrita da editora. O conteúdo deste livro foi selecionado a partir de uma série de palestras proferidas por Osho no decorrer dos anos. Osho sempre falou diretamente às assembleias. Todas as suas falas foram integralmente publicadas em livros e também podem ser adquiridas em forma de gravação de áudio ou vídeo. Gravações em áudio e o arquivo completo dos textos podem ser encontrados na Biblioteca Osho on-line, em <www.osho.com>. Excertos de obras do Osho selecionadas. OSHO® é marca registrada de Osho International Foundation usada com permissão/licença. Para mais informações, acesse www.osho.com/trademark Website compreensível em diversas línguas, que inclui navegação on-line pelo Resort de Meditação e o calendário dos cursos que oferece, catálogo de livros e fitas de áudio, relação dos centros de informação de Osho em todo o mundo e seleções das palestras de Osho. Osho International, New York E-mail: oshointernational@oshointernational.com www.osho.com/oshointernational VERUS EDITORA LTDA. Rua Benedicto Aristides Ribeiro, 41, Jd. Santa Genebra II 13084-753 - Campinas/SP | Fone/Fax: (19) 3249-0001 | http://www.osho.com/ http://www.osho.com/ http://www.osho.com/trademark http://www.osho.com/oshointernational 14-12698 www.veruseditora.com.br CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO NA PUBLICAÇÃO SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ O91h Osho, 1931-1990. O homem que amava as gaivotas [recurso eletrônico] / Osho ; tradução Marcos Malvezzi Leal. - Campinas, SP : Verus, 2014. recurso digital Tradução de: The Man Who Loved Seagulls Formato: ePub Requisitos do sistema: Adobe Digital Editions Modo de acesso: World Wide Web ISBN 978-85-87795-367-0 (recurso eletrônico) 1. Espiritualidade 2. Livros eletrônicos. I. Título. CDD: 299.93 CDU: 299.93 Revisado conforme o novo acordo ortográfico http://www.veruseditora.com.br/ Sumário Prefácio 1. Andando na corda bamba A estória de dois criminosos e seu rei 2. Não saber é o mais íntimo Como a peregrinação sem objetivo do mestre zen Hogen o levou para casa 3. Não tome conhecimento A estória da súbita iluminação de uma dona de casa 4. Só o ouro O atrevido ladrão no mercado de Ch’i 5. O homem que amava as gaivotas …e por que elas pararam de brincar com ele 6. O buda de nariz preto Como o culto de uma monja zen estragou sua linda estátua dourada 7. Procurando um tesouro Como o rabino Eisik conseguiu o dinheiro para o seu shul 8. Nem eu te condeno A multidão enfurecida e a mulher adúltera 9. Morto com dignidade A extraordinária partida do mestre Fugai 10. Vá a Deus rindo O chinês feliz e seu saco de balas Resort de meditação Fontes bibliográficas Prefácio Aristóteles definiu o homem como um ser racional. O homem não é racional, e é bom que não o seja. O homem é 99% irracional, e é bom que seja assim porque, através da irracionalidade, tudo o que é belo e amável existe. Através da razão, matemática; através da desrazão, poesia. Através da razão, ciência; através da desrazão, religião. Através da razão, mercado, dinheiro, rúpias, dólares; através da desrazão, amor, canção, dança. Não, é bom que o homem não seja um ser racional. O homem é irracional. Muitas definições foram tentadas. Eu gostaria de dizer que o homem é um animal que cria fofoca. Ele cria mitos – todos os mitos são fofocas, puranas. Ele inventa religião, mitos, estórias sobre a existência. Desde o começo da humanidade, o homem tem inventado uma bela mitologia. Ele inventa Deus. Ele inventa que Deus criou o mundo; e ele inventa lindos mitos. Ele tece, vai tecendo cada vez mais novos mitos, cada vez mais. O homem é um animal que cria mitos; e a vida será absolutamente maçante se não houver mitos em torno dela. Este é o problema da era moderna: todos os mitos foram abandonados. Os tolos racionalistas protestaram demais contra eles. E foram abandonados porque, se você protesta contra um mito, o mito é delicado. Se você começa a lutar com ele, você o destruirá, mas, ao destruí-lo, destruirá uma coisa linda no coração humano. Não é o mito, o mito é só simbólico – profundas são as raízes no coração. Se você matar o mito, matará o coração. Bem, em todo o mundo, esses mesmos racionalistas que mataram os mitos sentem que agora não há sentido na vida, não há poesia, nenhuma razão para ser feliz, nenhuma causa para celebrar. Toda festividade desapareceu. Sem um mito, o mundo será só uma praça de mercado; todos os templos desaparecerão. A menos que você seja iluminado, não pode viver desse jeito; do contrário, você perceberá que está sem sentido, será tomado por uma profunda ansiedade e a angústia invadirá seu ser. Você começará a cometer suicídio. Começará a encontrar um jeito ou outro – drogas, álcool, sexo, qualquer coisa – de se afogar para se esquecer de si mesmo porque a vida parece sem sentido. Os mitos têm significado. O mito nada mais é que uma fofoca bonita, mas ele ajuda você a viver. Se você não é capaz de viver sem fofoca, ele o ajuda a viajar, a percorrer o mundo. Ele cria uma atmosfera humana à sua volta; do contrário, o mundo é muito árido. Pense nisto: os hindus vão ao rio, vão ao Ganges – eles o veneram. Isso é um mito; do contrário, o Ganges é só um rio. Mas, através de um mito, o Ganges se torna a mãe, e, quando um hindu vai ao Ganges, isso é um enorme prazer para ele. A pedra em Meca, a pedra de Kaaba, nada mais é que uma pedra. É um cubo, por isso é chamada de ka’bah, que significa “cubo”. Mas você não pode saber como um muçulmano se sente quando vai a Kaaba. Uma tremenda energia desperta. Não que Kaaba esteja fazendo alguma coisa – não há nada, é só um mito. Mas, quando beija a pedra, ele não está andando na Terra; ele se mudou para outro mundo, o mundo da poesia. Quando ele caminha em direção a Kaaba, está caminhando em torno do próprio Deus. Em todo o mundo, os muçulmanos rezam; o ponto de referência deles é Kaaba. A direção para a qual se voltam difere, dependendo de onde eles estão: uma pessoa rezando na Inglaterra estará olhando para Kaaba; uma pessoa rezando na Índia estará olhando para Kaaba; uma pessoa rezando no Egito estará olhando para Kaaba. Cinco vezes por dia, os maometanos rezam em todo o mundo, circundam o mundo inteiro, e seu olhar se volta para Kaaba – Kaaba se torna o próprio centro do mundo. Um mito, um lindo mito... naquele momento todo o mundo está cercado de poesia. Os seres humanos dão significado à existência; é isso que um mito faz. O homem é um animal que cria fofoca. Pequenas fofocas – sobre a vizinhança, sobre a mulher do vizinho... – e grandes fofocas, cósmicas, sobre Deus. Mas as pessoas gostam disso. Gosto muito de uma estória que já devo ter ouvido muitas vezes. É uma estória judaica: “Numa cidade, muitos séculos atrás, vivia um rabino. Sempre que havia alguma dificuldade na cidade, ele ia para a floresta, fazia algum sacrifício, seguia um ritual e dizia a Deus: ‘Evite essa calamidade. Salve-nos.’ E a cidade sempre era salva. Esse rabino morreu; outro homem se tornou rabino. A cidade estava em dificuldade, e as pessoas se reuniram. O rabino foi para a floresta, mas não conseguia encontrar o lugar certo onde deveria rezar. Ele não o conhecia. Então, disse a Deus: ‘Eu não sei o lugar exato onde o antigo rabino costumava rezar para o Senhor, mas isso não importa. O Senhor sabe onde é o lugar, então eu vou rezar aqui mesmo.’ O problema nunca atingia a cidade. As pessoas ficavam felizes. Mas esse rabino morreu; e veio outro rabino. Denovo a cidade se viu diante de um problema, ou de uma calamidade, e as pessoas se reuniram. O rabino foi para a floresta e disse a Deus: ‘Eu não sei exatamente qual é o lugar do sacrifício, não conheço o ritual, só sei a oração. Então, por favor, o Senhor, que sabe tudo, não se incomode com detalhes. Escute-me...’ E ele disse tudo o que queria. A calamidade foi evitada. Aí esse rabino também morreu; veio um outro em seu lugar. As pessoas da cidade se reuniram, porque surgiu algum problema, alguma doença se espalhando, e lhe disseram: ‘Vá para a floresta; foi assim que sempre se fez. Os antigos rabinos sempre iam para lá e resolviam a questão.’ O rabino estava sentado em sua poltrona. E pensou: ‘Pra que ir lá? Deus pode ouvir daqui. E eu nem sei onde é o lugar...’ Aí, ele olhou para o céu e disse: ‘Escute. Eu não conheço o lugar, não conheço o ritual, nem conheço a oração. Sei do caso do primeiro rabino que se dirigia para lá, do segundo rabino que também ia para lá, do terceiro e do quarto... Vou lhe contar a estória – e sei que o Senhor gosta de estórias. Por favor, escute a estória e evite o problema.’ E ele contou a Deus toda a estória sobre os antigos rabinos. Dizem que Deus gostou tanto da estória que a cidade foi salva.” Deus deve gostar demais de estórias; ele mesmo é um criador de mitos, deve gostar muito de estórias. Ele foi o primeiro que começou com toda a fofoca! Sim, a vida é uma fofoca, uma fofoca momentânea no silêncio eterno da existência, e o homem é um animal que cria fofoca. A menos que você se torne um deus, deve gostar de fofocar: deve amar as estórias de Rama e Sita, de Adão e Eva, do Mahabharata; deve amar as estórias gregas, romanas, chinesas. Existem milhões delas – todas lindas. Se você não puser lógica nelas, elas podem revelar portas interiores, podem abrir mistérios interiores. Se puser lógica nelas, as portas se fecham; aí, aquele templo não é para você. Ame as estórias. Quando você as ama, elas revelam seus mistérios. E muito se esconde nelas: tudo o que a humanidade encontrou estava escondido nas parábolas. É por isso que Jesus vai falando em parábolas, e Buda vai falando em estórias. Eles todos adoram fofocar. 1. Andando na corda bamba A estória de dois criminosos e seu rei Sobre crença e confiança, e as diferenças entre elas Uma vez, quando os hassidianos estavam sentados juntos em total irmandade, cachimbo na mão, o rabino Israel se juntou a eles. Como parecia tão amistoso, eles lhe perguntaram: – Diga-nos, caro rabino, como devemos servir a Deus? Surpreso com a pergunta, replicou: – Como eu vou saber? Mas então resolveu lhes contar esta estória: “Um rei tinha dois amigos, e ambos foram condenados por um crime. Como o rei os amava, queria lhes mostrar misericórdia, mas não podia absolvê--los, porque nem a palavra de um rei pode prevalecer contra a lei. Então ele deu este veredicto: uma corda seria estendida sobre um abismo profundo e, um após o outro, os dois deveriam andar nela. Quem conseguisse chegar ao outro lado salvaria sua vida. Foi feito como o rei ordenara, e o primeiro dos amigos atravessou em segurança. O outro, ainda de pé no mesmo lugar, gritou para ele: ‘Diga-me, amigo, como conseguiu atravessar?’ E o primeiro respondeu: ‘Só sei isto: quando eu sentia que ia cair para um lado, inclinava-me para o outro.’” A existência é paradoxal; há um paradoxo bem em seu centro. Ela existe através de opostos, é um equilíbrio entre opostos. Quem aprende a se equilibrar, torna-se capaz de saber o que é a vida, o que é a existência e o que é Deus. A chave secreta é o equilíbrio. Algumas considerações antes de entrarmos nessa estória... Nós fomos treinados na lógica aristotélica, que é linear, unidimensional. A vida não é aristotélica de jeito nenhum, ela é hegeliana. A lógica não é linear, a lógica é dialética. O próprio processo da vida é dialético, um encontro de opostos – um conflito entre opostos e, ao mesmo tempo, um encontro de opostos. E a vida passa por este processo dialético: de tese para antítese, de antítese para síntese, e depois, novamente, de síntese para tese. E assim todo o processo recomeça. Se Aristóteles estivesse certo, só existiriam homens e nenhuma mulher, ou só mulheres e nenhum homem. Se o mundo fosse feito de acordo com Aristóteles, só haveria luz e nada de escuridão, ou só escuridão e nada de luz. Isso seria lógico. Haveria ou vida ou morte, mas não ambas. Entretanto a vida não é baseada na lógica de Aristóteles, a vida contém ambas. E a vida só é possível por causa de ambas, por causa dos opostos: homem e mulher, yin e yang, dia e noite, nascimento e morte, amor e ódio. A vida consiste em ambas as coisas. Deixe que isso penetre fundo no seu coração – porque Aristóteles está na cabeça de todos. Todo o sistema educacional do mundo acredita em Aristóteles, embora, para a mente científica avançada, Aristóteles esteja ultrapassado. Ele não serve mais. A ciência ultrapassou Aristóteles porque a ciência se aproximou mais da existência. E agora a ciência compreende que a vida é dialética, não lógica. Eu ouvi: “Você sabia que na arca de Noé era proibido fazer amor a bordo? Quando os pares saíram em fila da arca, depois do dilúvio, Noé ficou observando-os. Finalmente o gato e a gata saíram, seguidos por um monte de gatinhos. Noé ergueu as sobrancelhas, intrigado, e o gato lhe disse: ‘E você achou que nós estávamos brigando...!’” Noé devia ser aristotélico; o gato era mais sábio. O amor é uma espécie de briga, o amor é uma briga. Sem briga, o amor não pode existir. Eles parecem opostos – porque achamos que os que amam nunca deveriam brigar. É lógico: se você ama alguém, como pode brigar? É absolutamente claro, óbvio para o intelecto, que os amantes não deveriam brigar – mas brigam. Na verdade, eles são inimigos íntimos, estão continuamente brigando. Nessa briga, a energia chamada amor é liberada. O amor não é só briga, o amor não é só luta, isso é verdade – ele é mais que isso. É briga também, mas o amor transcende. A briga não pode destruí-lo. O amor sobrevive à briga, mas não pode existir sem ela. Observe a vida: a vida é não aristotélica, não euclidiana. Se você não impuser seus conceitos à vida, se você simplesmente olhar para as coisas como elas são, então de repente se surpreenderá ao ver que os opostos se complementam. E a tensão entre os opostos é a própria base sobre a qual a vida existe – do contrário, ela desapareceria. Pense em um mundo no qual a morte não existe... Sua mente pode concluir que “então a vida existirá eternamente”, mas você está errado. Se a morte não existir, a vida simplesmente desaparecerá. A vida não pode existir sem a morte; a morte lhe dá o pano de fundo, a morte lhe dá cor e riqueza, a morte lhe dá paixão e intensidade. Portanto, a morte não é contra a vida – a primeira coisa –, a morte se envolve na vida. E, se você quiser viver autenticamente, tem que aprender a morrer autenticamente, continuamente. Você tem que manter um equilíbrio entre nascimento e morte e tem que permanecer bem no meio. Essa permanência no meio não pode ser uma coisa estática: não significa que, quando você alcança uma coisa – pronto, acabou, não há mais nada a fazer. Isso é absurdo. Ninguém alcança o equilíbrio para sempre; é preciso alcançá-lo de novo, e mais uma vez, e mais outra. Isso é muito difícil de entender porque a nossa mente foi educada em conceitos que não são aplicáveis à vida real. Você pensa que, quando alcançou a meditação, não há, então, necessidade de mais nada; estará, então, em meditação. Isso é um engano. A meditação não é algo estático, é equilíbrio. Você terá que alcançá-la de novo, e mais uma vez, e mais outra. Ficará cada vez mais capaz de alcançá-la; mas ela não vai durar para sempre, como algo que você possui. Ela tem que ser reivindicada a cada momento, só assim será sua. Você não pode descansar, não pode dizer: “Eu meditei e percebi que agora não tenho necessidade de fazer mais nada. Posso descansar.” A vida não acredita no descanso; ela é um constante movimento de perfeição para maisperfeição. Atenção: de perfeição para perfeição. Ela nunca é imperfeita; é sempre perfeita, mas sempre é possível maior perfeição. Pela lógica, essas afirmações são absurdas. Li uma estória... “Um homem foi acusado de usar dinheiro falso para pagar uma conta. Na audiência, o réu afirmou que não sabia que o dinheiro era falso. Obrigado a provar isso, ele admitiu: ‘Eu roubei. Por acaso eu roubaria dinheiro se soubesse que era falso?’ Após pensar bem no caso, o juiz decidiu que fazia sentido, e então ele vetou a acusação de falsificação. Mas substituiu por outra acusação: roubo. ‘Claro que eu roubei’, o réu concordou, gentilmente. ‘Mas dinheiro falso não tem valor. Desde quando é crime roubar nada?’ Ninguém pôde encontrar falha nessa lógica, e o homem foi libertado.” Mas a lógica não funciona na vida. Você não pode se livrar tão facilmente. Você pode sair de uma armadilha legal, de maneira legal e lógica, porque a armadilha é constituída pela lógica aristotélica – você pode usar a mesma lógica para sair dela. Mas, na vida, você não será capaz de sair por causa da lógica, por causa da teologia, por causa da filosofia, ou porque é muito inteligente – inteligente em inventar teorias. Você pode sair da vida ou ir além da vida só através da experiência real. Há dois tipos de gente religiosa. O primeiro tipo é o infantil: está procurando uma figura de pai. O primeiro tipo é imaturo: não pode contar consigo mesmo, por isso precisa de um Deus em um lugar ou em outro. O Deus pode existir ou não – a questão não é essa –, mas um Deus é necessário. Mesmo que o Deus não esteja lá, a mente imatura o inventará, porque a mente imatura tem uma necessidade psicológica – não é uma questão da verdade sobre Deus, se ele existe ou não, mas é uma necessidade psicológica. Na Bíblia diz-se que Deus fez o homem à sua imagem, mas o inverso é mais verdadeiro: o homem é que fez Deus à sua imagem. Quaisquer que sejam as suas necessidades, você cria aquele tipo de Deus que as satisfaz, e é por isso que o conceito de Deus vai mudando a cada era. Cada país tem o seu conceito, porque cada país tem a sua necessidade. Na verdade, cada pessoa tem um conceito diferente de Deus, porque ela tem suas próprias necessidades e estas precisam ser supridas. Por isso, o primeiro tipo de pessoa religiosa – a pessoa chamada de religiosa – é simplesmente imatura. Sua religião não é religião, mas psicologia. E, quando a religião é psicologia, é só um sonho, a realização de um capricho, de um desejo. Nada tem a ver com a realidade. Eu li: “Um garotinho estava fazendo suas orações e concluiu com esta observação: ‘Querido Deus, cuide de mamãe, cuide de papai, cuide da minha irmãzinha e da tia Emma e do tio John e da vovó e do vovô – e, por favor, Deus, se cuide, senão todos nós estamos perdidos!’” Esse é o Deus da maioria. Noventa por cento das pessoas consideradas religiosas são imaturas. Elas acreditam, porque não podem viver sem uma crença; elas acreditam, porque a crença lhes dá uma espécie de segurança; elas acreditam, porque a crença as ajuda a se sentirem protegidas. É o sonho delas, mas ajuda. Na noite escura da vida, na profunda luta da existência, sem tal crença, elas se sentem abandonadas. Mas o Deus delas é o Deus delas, não o divino da realidade. E, quando se livram da imaturidade, o Deus delas desaparece. Foi isso que aconteceu com muitas pessoas. Neste século, muitas pessoas se tornaram irreligiosas – não que elas tenham descoberto que Deus não existe, mas é que esta era proporcionou ao homem um pouco mais de maturidade. O homem atingiu a maioridade; o homem se tornou um pouco mais maduro. Então, o Deus da infância, o Deus da mente imatura, simplesmente se tornou irrelevante. Isso é o que Friedrich Nietzsche quer dizer quando declara que Deus está morto. Não é o divino que está morto, mas o Deus da mente imatura que está morto. Na verdade, dizer que Deus está morto não é certo, pois Deus nunca esteve vivo. A única expressão apropriada é dizer que Deus não é mais relevante. O homem pode depender mais de si mesmo – ele não precisa da crença, não precisa das muletas da crença. Por isso, as pessoas têm se tornado cada vez menos interessadas em religião. Tornaram-se tão indiferentes a ela que nem se dão ao trabalho de contestá-la. Se você perguntar: “Você acredita em Deus?”, a maioria vai responder: “Tanto faz se ele existe ou não, não faz diferença, não importa.” Se você acredita, só por educação elas dirão: “Sim, ele existe.” Se você não acredita, elas dirão: “Não, ele não existe.” Mas já não é uma preocupação para elas. Esse é o primeiro tipo de religião; existe há séculos, há eras e está se tornando cada vez mais antiquado, ultrapassado. Seu tempo acabou. É necessário um novo Deus que não seja psicológico; é necessário um novo Deus que seja existencial, o divino da realidade, o Deus como realidade. Podemos até eliminar a palavra Deus; “o real” é suficiente, “o existencial” é suficiente. Agora, há o segundo tipo de gente religiosa, para quem a religião não vem do medo. O primeiro tipo de religião vem do medo; o segundo – também falso, também pseudo, também designado de maneira imprópria – não vem do medo, vem só da esperteza. Há pessoas muito inteligentes que vão inventando teorias; são muito versadas em lógica, metafísica e filosofia. Elas criam uma religião que é apenas abstração: uma bela obra de arte, de inteligência, de intelectualidade, de filosofia. Mas é uma religião que nunca penetra a vida, nunca toca a vida em aspecto algum, simplesmente permanece uma conceituação abstrata. Uma vez mulá Nasruddin me disse: “Eu nunca fui o que devia ter sido. Roubei galinhas e melancias, fiquei bêbado e me meti em brigas com socos e navalha, mas há uma coisa que nunca fiz: apesar de toda a minha maldade, nunca perdi minha religião.” Ora, que tipo de religião é essa? Não tem impacto em sua vida. Você acredita, mas essa crença nunca penetra a sua vida, nunca a transforma; nunca se torna uma parte intrínseca de você, nunca circula em seu sangue; você nunca a inala nem exala; ela nunca pulsa no seu coração... é simplesmente uma coisa inútil. Ornamental talvez, no máximo, mas sem utilidade para você. Alguns dias, você vai à igreja; é uma formalidade, uma necessidade social. Da boca para fora, você presta um serviço a Deus, à Bíblia, ao Alcorão, aos Vedas, mas não leva a sério, você não é sincero com isso. Sua vida segue sem isso, sua vida segue de uma maneira totalmente diferente – ela não tem nada a ver com religiosidade. Observe… um indivíduo diz que é maometano; outro diz que é hindu; alguém diz que é cristão; outro diz que é judeu – suas crenças são diferentes, mas observe a vida deles e não encontrará nenhuma diferença. O maometano, o judeu, o cristão, o hindu – todos vivem a mesma vida. A vida deles não é tocada de maneira alguma pela crença. Na verdade, as crenças não podem tocar sua vida; crenças são artimanhas. Crenças são dispositivos astutos através dos quais você pode dizer: “Eu sei o que é a vida” – e pode descansar sossegado, sem ser perturbado pela vida. Você se apega a um conceito, e esse conceito o ajuda a racionalizar. Então a vida não o perturba mais porque você tem todas as respostas a todas as perguntas. Mas lembre-se... a menos que a religião seja pessoal; a menos que a religião não seja abstrata, mas real e esteja no fundo de suas raízes, no fundo de suas entranhas; a menos que ela seja como sangue e osso e tutano, ela é fútil, não tem serventia. É a religião dos filósofos, não a religião dos sábios. Quando surge o terceiro tipo... esse é o tipo real. Os outros dois são falsificações da religião, pseudodimensões. Baratos, muito fáceis, porque não desafiam você. O terceiro tipo é muito difícil, árduo, um grande desafio; ele tumultua sua vida, porque esse terceiro tipo, a verdadeira religião, diz que Deus deve ser abordado de um modo pessoal. Você tem que provocá-lo, permitir que ele provoque você e tem que se dar bem com ele; na verdade, você tem que lutar com ele, tem que bater de frente com ele.Você tem que amá-lo e tem que odiá-lo; tem que ser amigo e tem que ser inimigo; tem que fazer de sua experiência de Deus uma experiência viva. Eu ouvi falar de uma criancinha – e eu gostaria que você fosse como essa criancinha. Ela era mesmo muito esperta. “Um garotinho se perdeu durante um piquenique de uma escola dominical. Sua mãe começou a procurá-lo desesperadamente e logo ouviu gritos de uma vozinha de criança, chamando: ‘Estelle, Estelle!’ Ela rapidamente localizou o menino e correu para segurá-lo nos braços. ‘Por que você ficou me chamando pelo nome, Estelle, em vez de mamãe?’, ela lhe perguntou, pois ele nunca a tinha chamado pelo primeiro nome antes. ‘Bem’, respondeu o garoto, ‘não ia adiantar gritar mãe, tem um monte delas aqui’.” Se você chama: “Mãe!”... há tantas mães, o local está cheio delas! Você tem que chamar de uma maneira pessoal, tem que chamar pelo primeiro nome. Se Deus também não for chamado de um jeito pessoal, pelo primeiro nome, ele nunca se tornará uma realidade em sua vida. Você pode continuar chamando-o de pai, mas do pai de quem você está falando? Quando Jesus o chamava de pai, era um tratamento pessoal; quando você usa essa palavra, ela é totalmente impessoal. Quando Jesus o chamava de pai, era significativo; quando você fala sobre o pai, isso não tem significado algum – você não faz contato com a existência, nenhum contato real com ela. Só uma experiência de vida – nem crença nem filosofia –, só uma experiência de vida o fará capaz de se dirigir de um modo pessoal à existência. Só então você pode encontrá-la. E, enquanto a existência não for encontrada, você estará simplesmente se enganando com palavras... com palavras que são vazias, ocas, com palavras que não têm conteúdo. “Existiu um famoso místico sufista, cujo nome era Shaqiq. Ele tinha uma confiança tão profunda e tão extraordinária em Deus, que só vivia dessa confiança. Jesus diz aos seus discípulos: ‘Considerai como crescem os lírios do campo; eles não trabalham nem fiam. Contudo, nem Salomão em toda a sua glória se vestiu como qualquer deles.’ Shaqiq vivia a vida de um lírio...” São muito poucos os místicos que viveram assim, mas há muitas pessoas comuns que vivem assim. A confiança é tão infinita, a confiança é tão absoluta que não há necessidade de nada – a existência vai fazendo as coisas para você: na verdade, mesmo quando você está fazendo as coisas, é Deus que as está fazendo; você apenas acha que as está fazendo. “...Um dia um homem foi até Shaqiq e o acusou de ocioso, preguiçoso, e o chamou para trabalhar para ele: ‘Eu lhe pagarei de acordo com seus serviços’, o homem acrescentou. Shaqiq replicou: ‘Eu aceitaria a sua oferta se não fosse por cinco inconvenientes. Primeiro, você pode ir à falência. Segundo, ladrões podem roubar a sua riqueza. Terceiro, o que você me der, será de má vontade. Quarto, se você achar defeito em meu trabalho, provavelmente vai me demitir. Quinto, se a morte o levar, eu vou perder a fonte de meu sustento. Ora’, Shaqiq concluiu, ‘acontece que eu tenho um mestre que é totalmente desprovido dessas imperfeições’.” Isso é que é confiança. Confie na vida, e aí você não vai perder nada. Mas essa confiança não pode vir pela doutrinação, essa confiança não pode vir pela educação, pela pregação, pelo estudo, pelo pensamento; essa confiança só pode vir a partir da experiência da vida em todos os seus opostos, em todas as suas contradições, em todos os seus paradoxos. Quando, em todos os paradoxos, você chega a um ponto de equilíbrio, aí está a confiança. A confiança é o perfume do equilíbrio, a fragrância do equilíbrio. Se você realmente quiser alcançar a confiança, abandone todas as suas crenças. Elas não o ajudarão. A mente crente é uma mente estúpida; a mente confiante tem em si uma inteligência pura. A mente crente é uma mente medíocre; a mente confiante se torna perfeita. A confiança faz a perfeição. E a diferença entre crença e confiança é simples. Não estou falando do significado das palavras no dicionário – no dicionário, pode ser assim: crença significa “confiança”; confiança significa “fé”; fé significa “crença” –; estou falando da existência. Sob o ponto de vista existencial, a crença é emprestada, a confiança é sua. Na crença você crê, mas há dúvida por trás. A confiança não tem nenhum elemento de dúvida; ela é simplesmente desprovida de dúvida. A crença cria uma divisão em você: uma parte de sua mente crê, uma parte de sua mente nega. A confiança é uma unidade em seu ser, em sua totalidade. Mas como a sua totalidade pode confiar, a menos que você a tenha experimentado? O Deus de Jesus não serve, o Deus de minha experiência não serve para você, o Deus da experiência de Buda não serve – tem que ser a sua experiência. E, se você carrega crenças, frequentemente se deparará com experiências que não se encaixam na crença, e aí a mente então tende a não ver essas experiências, a não tomar nota delas, porque elas são perturbadoras. Elas destroem sua crença, e você quer se apegar a ela. Então você se torna cada vez mais cego para a vida – a crença passa a ser uma venda sobre os olhos. A confiança abre os olhos, não tem nada a perder. A confiança significa que o que é real é real: “Eu posso deixar de lado meus desejos e caprichos, eles não fazem a menor diferença para a realidade. Eles só podem desviar minha mente da realidade.” Se você tem uma crença e passa por uma experiência que a crença diz não ser possível, ou a experiência é de tal sorte que você tem que abandonar a crença, o que você vai escolher: a crença ou a experiência? A tendência da mente é escolher a crença, esquecer a experiência. É assim que você vem perdendo muitas oportunidades quando Deus bate à sua porta. Lembre-se de que não é só você que está buscando a verdade – a verdade também está buscando você. Muitas vezes, a mão chegou bem perto de você, quase o tocou, mas você lhe deu as costas e se afastou. Ela não se encaixava em sua crença, e você preferiu escolher a crença. Ouvi uma piada judaica muito boa: “Uma noite um vampiro voou para dentro do quarto de Patrick O’Rourke, com o propósito de beber seu sangue. Lembrando-se das estórias que sua mãe lhe contava, O’Rourke agarrou um crucifixo e o brandiu desesperadamente diante do rosto do vampiro. O vampiro parou um instante, balançou a cabeça em atitude de consolo, estalou a língua e comentou genialmente no mais puro iídiche: ‘Oh, bubbula! Você pegou o vampiro errado!’” Ora, se o vampiro for cristão – muito bem! –, você pode mostrar a cruz. Mas, se o vampiro for judeu, e aí... como fica? Nesse caso: “Oh, bubbula! Você pegou o vampiro errado!” Se você tem uma certa crença e a vida não se encaixa nela, o que você vai fazer? Você vai continuar mostrando seu crucifixo... Mas, se o vampiro for judeu, ele não vai notar a sua cruz. Então, o que você vai fazer? A vida é tão vasta e as crenças são tão pequenas; a vida é tão infinita e as crenças são tão minúsculas! E, se você tentar forçar a vida para que ela se encaixe em suas crenças, você estará tentando o impossível. Isso nunca aconteceu; não pode acontecer na natureza das coisas. Abandone todas as crenças e aprenda a experimentar. Agora a estória... “Uma vez, quando os hassidianos estavam sentados juntos em total irmandade, cachimbo na mão, o rabino Israel se juntou a eles. Como parecia tão amistoso, eles lhe perguntaram: ‘Diga-nos, caro rabino, como devemos servir a Deus?’” Algumas coisas sobre o hassidismo. A palavra hasid vem de um termo hebraico que significa “piedoso, puro”. É derivado do substantivo hased, que significa “graça”. Esta palavra hasid é muito bonita. Todo o ponto de vista do hassidismo é baseado na graça. Não é você que faz alguma coisa – a vida já está acontecendo; você só fica silencioso, passivo, alerta e receptivo. Deus vem através dessa graça, não através do seu esforço. Portanto, o hassidismo não tem austeridades prescritas para você. O hassidismo acredita na vida, na alegria. É uma das religiões no mundo que afirmam a vida. Não supõe nenhuma renúncia; vocênão tem que renunciar a nada. Pelo contrário, você tem que celebrar. Dizem que o fundador do hassidismo, Baal-Shem, teria dito: “Eu vim para lhes ensinar um novo caminho. Não é um caminho de jejum, nem de penitência, nem de indulgência, mas de alegria em Deus.” O hassidiano ama a vida, tenta experimentar a vida. Essa experiência começa dando equilíbrio à pessoa. E é nesse estado de equilíbrio que algum dia, quando ela estiver realmente equilibrada, não pendendo para este nem para aquele lado, mas estiver exatamente no meio, ela transcende. O meio é o além, o meio é a porta a partir da qual se vai além. Se você realmente quer saber o que é a existência, saiba que ela não é nem vida nem morte. A vida é um extremo, a morte é outro extremo. A existência está exatamente no meio, onde nem a morte nem a vida estão, onde simplesmente não se nasce, não se morre. Naquele momento de equilíbrio, a graça desce. Eu gostaria que todas as pessoas se tornassem receptoras da graça. Eu gostaria que todas elas aprendessem essa ciência, essa arte do equilíbrio. A mente escolhe, com muita facilidade o extremo. Há pessoas que são indulgentes demais: são indulgentes no que diz respeito à sensualidade, à sexualidade, à comida, às roupas, às casas, a isto e àquilo. Há pessoas que, em sua indulgência, se inclinam demais para a vida, caem, desabam. E ainda há aquelas que veem gente caindo da corda bamba da existência para a indulgência, caindo no abismo da indulgência, e ficam com medo; começam então a pender para o outro extremo. Elas renunciam ao mundo, fogem para o Himalaia; fogem da esposa, dos filhos, da casa, do mundo, do mercado, e se escondem em mosteiros. Escolheram o outro extremo. A indulgência é a vida extrema; a renúncia é a morte extrema. Portanto, há uma certa verdade no comentário que Friedrich Nietzsche faz sobre o hinduísmo... de que o hinduísmo é uma religião de morte. Há alguma verdade quando Nietzsche diz que Buda parece ser suicida. A verdade é esta: você pode ir de um extremo a outro. Toda a abordagem hassídica consiste em não escolher nenhum extremo, mas em permanecer no meio, disponível para ambos e, no entanto, além de ambos, sem se identificar com um nem com outro, sem ficar obcecado ou fixado em um nem em outro – apenas permanecendo livre e alegremente desfrutando ambos. Se a vida vem, desfrute a vida; se a morte vem, desfrute a morte. Se, por sua graça, Deus dá amor, vida – ótimo; se ele manda a morte, deve ser bom – é uma dádiva dele. Baal-Shem está certo quando diz: “Eu vim para lhes ensinar a alegria em Deus.” O hassidismo é uma religião de celebração. É o mais puro desabrochar de toda a cultura judaica. O hassidismo é a fragrância de toda a raça judaica. É um dos mais belos fenômenos sobre a terra. “Uma vez, quando os hassidianos estavam sentados juntos em total irmandade...” O hassidismo ensina a viver em comunidade. É uma abordagem comunal. Diz que o homem não é uma ilha, o homem não é um ego – não deveria ser um ego, não deveria ser uma ilha. O homem deveria viver uma vida de comunidade. Estamos criando uma comunidade hassídica aqui. Viver em uma comunidade é viver em amor; viver em uma comunidade é viver em compromisso, importando-se com os outros. Há inúmeras religiões que são muito, muito voltadas para si mesmas: elas só pensam no eu, nunca na comunidade. Elas só pensam em como eu vou me tornar liberado, como eu vou me tornar livre, como eu devo alcançar a mocsa – minha mocsa, minha liberdade, minha libertação, minha salvação. Mas tudo é precedido por meu/minha, pelo eu. E essas religiões se esforçam para abandonar o ego, mas todo o seu esforço é baseado no ego. O hassidismo diz que, se você quiser abandonar o ego, o melhor meio de fazer isso é viver em comunidade, viver com as pessoas, preocupar-se com as pessoas – com a alegria delas, com a tristeza delas, com a felicidade delas, com a vida delas, com a morte delas. Interesse-se pelos outros, envolva-se, e o ego desaparecerá sozinho. E, quando o ego não existe, a pessoa está livre. Não existe liberdade para o ego, só existe liberdade do ego. O hassidismo usa a vida comunitária como um dispositivo. Os hassidianos viviam em comunidades pequenas; e eles criaram belas comunidades, sempre celebrando, dançando, desfrutando as pequenas coisas da vida. As pequenas coisas da vida – comer, beber –, eles as transformam em coisas sagradas. Tudo adquire a qualidade de oração. O comum da vida não é mais comum, é envolvido pela graça divina. “Uma vez, quando os hassidianos estavam sentados juntos em total irmandade...” Essa é a diferença. Se você vê os monges jainistas sentados, nunca percebe nenhuma irmandade – não é possível. A abordagem em si é diferente. Cada jainista é uma ilha, mas os hassidianos não são ilhas; são um continente, uma irmandade profunda. Um homem sozinho, confinado em si mesmo, é feio. A vida está no amor, a vida está no fluxo, está em dar e em receber e em partilhar. Você pode ir a um mosteiro ou a um templo jainista onde os monges estão sentados – e pode observar. Você vai ver como cada um está confinado em si; não há relacionamento. Todo o seu esforço está em como não se relacionar. Todo o seu esforço consiste em descobrir como desligar todo relacionamento. Mas, quanto mais você estiver desligado da comunidade e da vida, mais morto você estará. É muito difícil encontrar um monge jainista que ainda esteja vivo. E eu sei disso muito bem porque nasci jainista e observava os jainistas desde a minha infância. Eu ficava simplesmente surpreso! Que calamidade aconteceu com essa gente? O que deu errado? Eles estão mortos. São cadáveres. Se você não se aproximar deles já com uma ideia preconcebida, achando que são grandes santos – se você simplesmente se aproximar, observando--os sem ideias preconcebidas –, ficará simplesmente intrigado, confuso. Que doença, que mal acometeu essas pessoas? Elas são neuróticas. A preocupação delas consigo mesmas se tornou uma neurose. A comunidade perdeu completamente o sentido para essas pessoas – mas todo o sentido está na comunidade. Lembre-se... quando você ama alguém, você não está apenas dando amor à pessoa – ao dar, você cresce. Quando o amor começa a fluir entre você e o outro, ambos são beneficiados. E, nessa troca de amor, as suas potencialidades começam a se tornar realidades. É assim que a autorrealização acontece. Ame mais, e você será mais; ame menos, e você será menos. Você é sempre proporcional ao seu amor. A proporção de seu amor é a proporção de seu ser. “Uma vez, quando os hassidianos estavam sentados juntos em total irmandade, cachimbo na mão...” Você consegue imaginar um santo com cachimbo na mão? “...cachimbo na mão, o rabino Israel se juntou a eles.” A vida comum tem que ser consagrada, tem que ser sagrada. Até um cachimbo pode ser fumado de maneira bem oracional. Por outro lado, pode- se orar de maneira bem antioracional. Não se trata do que você faz... você pode entrar no templo, ou na mesquita, e, mesmo assim, pode orar de maneira antioracional. Depende de você; depende da qualidade que você confere à oração. Você pode comer, pode fumar, pode beber, pode fazer todas essas pequenas coisas, coisas mundanas, com tamanha gratidão que elas se tornam orações. A questão é esta: não depende do que você faz. Você pode tocar os pés de alguém de maneira bem antioracional – aí, não faz sentido; mas você pode fumar e fazer isso de uma maneira oracional, e a sua oração chegará a Deus. É muito difícil para pessoas que têm conceitos muito rígidos sobre religião, espiritualidade, mas eu gostaria que você se tornasse mais espontâneo. Não tenha conceitos rígidos. Observe. “...cachimbo na mão, o rabino Israel se juntou a eles. Como parecia tão amistoso, eles lhe perguntaram: ‘Diga-nos, caro rabino, como devemos servir a Deus?’” Sim, somente na profunda amizade pode-se perguntar alguma coisa. E somente na profunda amizade alguma coisa pode ser respondida. Entre mestre e discípulo há uma profunda amizade. É um caso de amor. O discípulo tem que esperar o momentocerto, e o mestre também tem que esperar o momento certo; quando a amizade flui, não há obstáculo, e as perguntas podem ser respondidas. Ou mesmo, às vezes, sem responder, elas podem ser respondidas; mesmo sem a verbalização, a mensagem pode ser transmitida. “Surpreso com a pergunta, replicou: ‘Como vou saber?’” Na verdade, esta é a resposta de todos aqueles que sabem: “Como vou saber?” “Como servir a Deus? Você está fazendo uma grande pergunta, não sou digno de respondê-la”, disse o mestre. “Como vou saber?” Nada se pode saber sobre o amor; nada se pode saber sobre como servir a Deus – é muito difícil. “Mas então resolveu lhes contar esta estória...” Primeiro ele diz: “Como vou saber?” Primeiro ele diz que o conhecimento de tais coisas não é possível. Primeiro ele diz que não pode dar a você o conhecimento de tais coisas. Primeiro ele diz que não pode deixar você mais informado sobre tais coisas – não há como. Mas, depois, ele conta uma estória. Uma estória é totalmente diferente de uma conversa, no que diz respeito a teorias. A estória é mais viva, mais indicativa. Ela não diz muito, mas mostra muito. E todos os grandes mestres usavam estórias, parábolas, narrativas. O motivo disso é que, se você diz uma coisa diretamente, mata boa parte da mensagem. Uma expressão direta é muito crua, primitiva, bruta, feia. A parábola está dizendo a mesma coisa de um modo bem indireto. Ela suaviza muito a mensagem; torna as coisas mais poéticas, menos lógicas, mais próximas da vida, mais paradoxais. Você não pode usar um silogismo para Deus, não pode usar nenhum argumento, mas pode contar estórias. E a raça judaica é uma das mais ricas na terra em parábolas. Jesus era judeu e contou algumas das mais lindas parábolas já relatadas. Os judeus aprenderam a contar estórias. Na verdade, os judeus não têm muita filosofia, mas têm belas parábolas filosóficas. Elas dizem muito; sem dizerem, sem insinuarem coisa alguma diretamente, elas criam um clima. Nesse clima, alguma coisa pode ser compreendida. Essa é toda a artimanha de uma parábola. “Mas então resolveu lhes contar esta estória...” Primeiro ele disse: “Como vou saber?” Primeiro ele simplesmente nega qualquer possibilidade de saber sobre o assunto. O filósofo diz: “Sim, eu sei”; e propõe uma teoria em afirmações claras e objetivas, lógicas, matemáticas, silogísticas, argumentativas. Ele tenta convencer. Ele pode não convencer, mas força você ao silêncio. A parábola nunca tenta convencer você. Ela o pega desprevenido, persuade, faz-lhe cócegas bem no fundo. No momento em que o mestre pergunta: “Como vou saber?”, ele está dizendo aos outros: “Relaxem, eu não vou dar nenhuma argumento, nenhuma teoria. E vocês não precisam se preocupar de que eu tente convencê-los de algo. Apenas apreciem uma pequena parábola, uma pequena estória.” Quando você começa a escutar uma estória, você relaxa; quando começa a escutar uma teoria, fica tenso. E aquilo que cria tensão não pode ser de muita ajuda. É destrutivo. “Mas então resolveu lhes contar esta estória: ‘Um rei tinha dois amigos, e ambos foram condenados por um crime. Como o rei os amava, queria lhes mostrar misericórdia, mas não podia absolvê-los, porque nem a palavra de um rei pode prevalecer contra a lei. Então ele deu este veredicto: uma corda seria estendida sobre um abismo profundo e, um após o outro, os dois deveriam andar nela. Quem conseguisse chegar ao outro lado salvaria sua vida.’” As parábolas têm um clima, um clima bastante receptivo – como se a sua avó lhe estivesse contando uma estória quando você vai dormir. As crianças pedem: “Conte uma estória!” Isso as ajuda a relaxar e a adormecer. Estórias são muito relaxantes e não criam nenhuma pressão na mente; pelo contrário, elas começam brincando com o seu coração. Quando você escuta uma estória, não a escuta com a cabeça – não pode escutá-la com a cabeça –; se você escutá-la com a cabeça, não vai entendê-la. Se você escutar com a cabeça, não haverá possibilidade de entender a estória; a estória tem que ser compreendida com o coração. Por isso, as raças e as nações que são muito “cabeça” não conseguem entender boas piadas. Por exemplo, os alemães! Eles não conseguem entender. São uma das raças mais inteligentes do mundo, mas não têm um bom repertório de piadas! Ouvi isso por acaso: “Um homem estava contando a um alemão que tinha ouvido uma boa piada de alemães. O alemão disse: ‘Mas lembre-se de que eu sou alemão.’ Então o homem replicou: ‘Tudo bem, eu conto bem devagar.’” É muito difícil. A Alemanha é o país dos professores, dos lógicos – Kant, Hegel e Feuerbach –, e eles sempre pensam com a cabeça. Eles cultivam a cabeça, criam grandes cientistas, lógicos, filósofos, mas perderam alguma coisa. Na Índia nós não temos muitas piadas; há uma grande pobreza de espírito. Você não consegue encontrar uma piada especificamente hindu. Não. Todas as piadas contadas na Índia são emprestadas do Ocidente. Não existe piada indiana. Eu nunca ouvi nenhuma. E você pode acreditar em mim, pois já encontrei piadas do mundo todo! Assim, não existe nenhuma piada sobre hindus. Qual é o motivo? Novamente, pessoas muito intelectuais. Elas vivem tecendo e fiando teorias; dos Vedas a Sarvapalli Radhakrishna, elas vivem tecendo e fiando teorias e teorias... e entraram tão fundo nisso que se esqueceram de como se faz para contar uma bela estória ou criar uma piada. O rabino começou a contar essa estória – os discípulos devem ter ficado relaxados, devem ter ficado relaxados e atentos. Essa é a beleza de uma estória: quando ela é contada, você está atento, mas não tenso. Você pode relaxar e, ao mesmo tempo, ficar atento. Uma atenção passiva surge quando você escuta uma estória. Quando você escuta uma teoria, fica tenso porque, se perder uma única palavra, pode não entendê-la. Você fica mais concentrado. Quando você escuta uma estória, fica mais meditativo – não há muito a perder. Mesmo que algumas palavras escapem aqui e ali, nada será perdido, porque, se você sentir o espírito da estória, irá compreendê-la; não depende tanto das palavras. Os discípulos devem ter relaxado, e o mestre contou esta estória. “Então ele deu este veredicto: uma corda seria estendida sobre um abismo profundo e, um após o outro, os dois deveriam andar nela. Quem conseguisse chegar ao outro lado salvaria sua vida.” Ora, esta frase é muito significativa: “Quem conseguisse chegar ao outro lado ganharia a vida.” Jesus diz muitas vezes aos seus discípulos: “Que venham a mim, se quiserem vida em abundância. Se quiserem vida em abundância, venham a mim.” Mas a vida em abundância acontece só com as pessoas que vão além do nascimento e da morte, que vão além da dualidade, até o outro lado do rio. O outro lado do rio, a outra margem, apenas simboliza o transcendental. Mas é só uma dica. Nada em particular é dito, só é apresentada uma dica. E então a estória continua. “Foi feito como o rei ordenara, e o primeiro dos amigos atravessou em segurança.” Ora, essas são as duas espécies de indivíduos. O primeiro simplesmente chegou do outro lado em segurança. Normalmente, perguntaríamos como é que se anda numa corda. Uma corda bamba esticada sobre um abismo... é perigoso! Normalmente, gostaríamos de saber o meio, o método que se emprega para andar. Gostaríamos de saber como. A técnica – deve haver uma técnica! Há séculos as pessoas têm andado em cordas bambas. Mas o primeiro simplesmente andou, sem perguntar, sem esperar o outro. Esta é a tendência natural: deixar o outro ir primeiro. Pelo menos você será capaz de olhar e observar, e isso lhe será útil. Não, o primeiro simplesmente andou. Ele deve ter sido um homem de tremenda confiança; deve ter sido um homem de uma autoconfiança indubitável; deve ter sido um homem que descobriu uma coisa na vida: que só há um modo de aprender, e isso se faz vivendo, experimentando. Não há outro modo. Só o fato de observar alguém andando na corda bamba não vai fazer com que você aprenda a andar na corda bamba – não, nunca. Porque isso não é como uma tecnologia quevocê pode observar de fora, mas é algum tipo de equilíbrio interior que só quem se põe em ação, andando, conhece. E não pode ser transferido. Ele não pode simplesmente lhe dizer como é; isso não pode ser verbalizado. Nenhuma pessoa que anda na corda bamba pode explicar aos outros como ela faz isso. Você anda de bicicleta. É possível dizer a alguém como você faz para andar? Você conhece o equilíbrio; é mais ou menos como andar na corda bamba, só que em duas rodas e em linha reta. E você vai rápido e confiante. Se alguém lhe pergunta qual é o segredo, você pode reduzi-lo a uma fórmula, como H2O? Pode reduzi-lo a uma máxima? Você não diz: “Este é o princípio, eu sigo tal princípio”, mas: “O único jeito é você vir aqui, sentar-se na bicicleta e eu então o ajudo a andar nela. Vai cair algumas vezes e aí vai saber que o único jeito de aprender a andar é andando.” O único jeito de aprender a nadar é nadando – com todos os perigos aí envolvidos. O primeiro homem deve ter chegado ao profundo entendimento de que a vida não é como um livro-texto. Ninguém pode ensiná-la, você tem que experimentá-la. E ele deve ter sido um homem de tremenda percepção. Ele não hesitou, simplesmente foi, como se sempre tivesse andado na corda bamba. Ele nunca tinha andado; era a primeira vez. Mas, para um homem de percepção, tudo é a primeira vez, e um homem de percepção pode fazer coisas – mesmo que pela primeira vez – perfeitamente. Sua eficiência não vem de seu passado, sua eficiência vem do presente. Lembre-se disso. Você pode fazer as coisas de duas maneiras. Você pode fazer alguma coisa porque já a fez antes – então, sabe como agir, não precisa estar presente, pode simplesmente fazê-la de uma maneira mecânica. Mas, se você nunca fez isso anteriormente e vai fazê-lo pela primeira vez, tem que estar tremendamente alerta, porque agora você não tem nenhuma experiência passada. Então, não pode contar com a memória, tem que contar com a percepção. Essas são as duas vias de funcionamento: ou você funciona pela memória, pelo conhecimento, pelo passado, pela mente; ou funciona pela percepção, pelo presente, não guiado pela mente. O primeiro homem deve ter sido um homem de não mente, um homem que sabe que você pode simplesmente estar alerta, prosseguir e ver o que acontece. E o que quer que aconteça é bom. Uma grande coragem... “E o primeiro dos amigos atravessou em segurança. O outro, ainda de pé no mesmo lugar, gritou para ele: ‘Diga-me, amigo, como conseguiu atravessar?’” O segundo é a mente da maioria, a mente das massas. O segundo quer saber primeiro como atravessar o abismo. Há um método para isso? Há uma técnica a ser aprendida? Ele está esperando que o outro diga. “Diga-me, amigo, como conseguiu atravessar?” O outro deve ser alguém que crê no conhecimento. O outro deve ter sido alguém que acreditava nas experiências dos outros. Muitas pessoas me procuram, perguntando: “Osho, diga-nos: O que aconteceu com você?” Mas o que você vai fazer com essa informação? Buda já disse, Maavira já disse, Jesus já disse – e o que você vai fazer com isso? A menos que aconteça com você, é inútil. Eu posso lhe contar mais uma estória, e então você pode acrescentar essa estória em seu registro de memórias, mas isso não vai ajudá-lo. Esperar pelo conhecimento dos outros é esperar em vão, porque aquilo que pode ser dado pelos outros não tem valor, e aquilo que tem valor não pode ser dado nem transferido. “E o primeiro respondeu: ‘Só sei isto...’” Embora ele tivesse atravessado, ainda disse: “Só sei isto...” Porque, na verdade, a vida nunca se torna conhecimento; ela permanece uma experiência difusa, nunca conhecimento. Você não pode verbalizá-la, conceituá-la, colocá-la numa teoria clara e objetiva. “Só sei isto: quando eu sentia que ia cair para um lado, inclinava--me para o outro.” “Isto eu posso dizer: que havia dois extremos, esquerda e direita, e sempre que eu sentia que pendia muito para a esquerda e estava perdendo o equilíbrio, eu me inclinava para a direita. Mas novamente eu tinha que me equilibrar, porque começava a pender muito para a direita e sentia de novo que estava perdendo o equilíbrio. Então novamente eu me inclinava para a esquerda.” Portanto, ele disse duas coisas, e a primeira é: “Não posso formular isso como conhecimento. Posso apenas indicar. Não sei exatamente o que aconteceu, mas isso eu posso lhe dar como uma pista. E não é muito; na verdade, você não precisa dela. Você mesmo passará por essa experiência. Mas isso eu posso dizer.” Repetidas vezes perguntavam a Buda: “O que aconteceu com você?” E ele sempre respondia: “Não tenho como lhe contar; mas isto eu posso lhe dizer – posso dizer em que circunstâncias aconteceu. Pode ter alguma serventia. Não posso falar sobre a verdade suprema, mas posso lhe dizer como, em que caminho, com que método, em que situação eu estava quando aconteceu, quando a graça desceu sobre mim, quando a bênção me envolveu.” O homem diz: “...quando eu sentia que ia cair para um lado, inclinava-me para o outro.” “É só isso. Nada demais. Foi assim que eu me equilibrei, foi assim que eu permaneci no meio.” E o meio é a graça. O que o rabino está dizendo aos discípulos é: “Vocês me perguntam como servir a Deus?” Ele estava indicando com essa parábola: “Permaneçam no meio.” Não seja indulgente demais e não faça renúncias demais. Não fique só no mundo e não fuja dele. Vá mantendo um equilíbrio. Quando você sentir que está caindo demais na indulgência, incline-se para a renúncia, e quando sentir que vai se tornar um renunciante, um asceta, incline-se de volta para a indulgência. Mantenha-se no meio. Nas estradas da Índia você vai encontrar placas sinalizando: “Mantenha a esquerda”; na América, você encontra: “Mantenha a direita”. No mundo há dois tipos de pessoas: algumas mantêm a esquerda, outras mantêm a direita. O terceiro tipo é o próprio pináculo da consciência. E aí está a regra: “Mantenha-se no meio”. Não tente isso na estrada! Mas, no caminho da vida, mantenha-se no meio. Nunca à esquerda, nunca à direita... só no meio. E, no meio, haverá vislumbres de equilíbrio. Há um ponto – você pode entender, pode senti-lo –, há um ponto em que você não está se inclinando para nenhum extremo, em que você está exatamente no meio. Nessa fração de segundo de repente há graça, tudo está em equilíbrio. E é assim que você pode servir a Deus. Permaneça em equilíbrio, e isso se tornará um serviço a Deus; permaneça em equilíbrio, e Deus estará disponível para você e você estará disponível para Deus. A vida não é tecnologia, nem sequer ciência; a vida é uma arte – ou seria até melhor dizer que é uma intuição. Você tem que senti-la. É como se equilibrar numa corda bamba. O rabino escolheu uma linda parábola. Ele não falou de Deus de jeito nenhum; ele não falou sobre serviço de jeito nenhum; na verdade, ele não respondeu a pergunta diretamente. Os próprios discípulos devem ter esquecido a pergunta – essa é a beleza da parábola. Ela não divide a sua mente em pergunta e resposta; ela simplesmente lhe dá uma intuição de que assim são as coisas. A vida não tem know-how. Lembre-se, a vida não é americana, não é tecnologia. A mente americana, ou, para sermos mais específicos, a mente moderna tende a criar tecnologias de tudo. Mesmo no caso da meditação, a mente moderna imediatamente tende a criar uma tecnologia dela. A seguir, criamos máquinas, e o homem se sente perdido, e nós vamos perdendo contato com a vida. Lembre-se: há coisas que não podem ser ensinadas, mas que só podem ser tocadas. Eu estou aqui, você pode me tocar, pode olhar para mim e ver um equilíbrio, observar um silêncio. É quase tangível, você pode tocá-lo, pode ouvi-lo, pode vê-lo. Está aqui. Não posso dizer o que é, não posso especificamente lhe dar técnicas de como alcançá--lo. No máximo, posso lhe contar algumas parábolas, algumas estórias. Serão apenas dicas. Aqueles que entenderem, deixarão essas dicas cair em seus corações como sementes. Na época certa, na estação certa, elas germinarão e você me compreenderá realmentesomente no dia em que também experimentar o mesmo que eu estou experimentando. Eu atravessei para a outra margem, você está gritando do outro lado: “Diga--me, amigo, como conseguiu atravessar?” Só posso lhe dizer uma coisa: “Só sei isto: quando eu sentia que ia cair para um lado, inclinava--me para o outro.” Mantenha-se no meio. Mantenha-se continuamente alerta para não perder o equilíbrio, e então tudo se arranjará. Se você conseguir se manter no meio, permanecerá disponível para Deus, para a graça dele. Se você conseguir se manter no meio, poderá se tornar um hassidiano; poderá se tornar um recebedor da graça. E Deus é graça. Você não pode fazer nada para encontrá-lo, a não ser uma coisa: não ficar no caminho dele. E sempre que você for para um extremo, você se tornará tão tenso que essa mesma tensão o fará sólido demais; sempre que você estiver no meio, não estará mais no caminho de Deus – ou, deixe-me explicar-lhe desta forma: quando você está no meio, você não é. Exatamente no meio, esse milagre acontece – você não é ninguém; você é um nada. Essa é a chave secreta. Ela pode abrir para você a porta do mistério, da existência. 2. Não saber é o mais íntimo Como a peregrinação sem objetivo do mestre zen Hogen o levou para casa Sobre a extraordinária inteligência da inocência Ascendendo ao alto trono, Dogen Zenji contou: “O mestre zen Hogen estudou com Keishin Zenji. Uma vez, Keishin Zenji lhe perguntou: ‘Joza, para onde vais?’ Hogen respondeu: ‘Estou numa peregrinação sem objetivo.’ Keishin perguntou novamente: ‘Qual é a razão da sua peregrinação?’ ‘Não sei’, replicou Hogen. E Keishin disse: ‘Não saber é o mais íntimo.’ Hogen de repente alcançou grande iluminação.” Zen é apenas zen. Não há nada que se lhe compare. É uma coisa única – única por ser o mais comum e, ao mesmo tempo, o mais extraordinário fenômeno que já aconteceu à consciência humana. É o mais comum porque o zen não acredita no conhecimento, não acredita na mente. Não é filosofia nem religião. É a aceitação da existência comum com todo o coração, com todo o ser do indivíduo, não desejando outro mundo, supramundano, supramental. Não tem interesse por nenhum disparate esotérico, não tem interesse algum pela metafísica. Não anseia por outra praia; esta praia é mais do que suficiente. Sua aceitação desta praia é tão grande que, através dessa própria aceitação, esta praia se transforma... e se torna a outra praia: Este corpo, o buda; Esta terra, o paraíso do lótus. Por isso, o zen é comum. Não quer que você crie uma determinada espécie de espiritualidade, uma determinada espécie de santidade. Só o que o zen pede é que você viva a vida nas imediações, com espontaneidade. E aí o mundano se torna sagrado. O grande milagre do zen está na transformação do mundano em sagrado. E isso é tremendamente extraordinário, porque a vida nunca foi tratada antes desse modo; a vida nunca foi respeitada antes desse modo. O zen transcende Buda e transcende Lao-Tsé. É uma culminação, uma transcendência, tanto do gênio hindu quanto do gênio chinês. O gênio hindu atingiu seu apogeu com Gautama, o Buda, e o gênio chinês atingiu o apogeu com Lao-Tsé. E o encontro... a essência do ensinamento de Buda e a essência do ensinamento de Lao-Tsé se fundiram tão profundamente num só curso que nenhuma separação é possível agora. Mesmo uma distinção entre o que pertence a Buda e o que pertence a Lao-Tsé é impossível, pois a fusão foi realmente total. Não é apenas uma síntese, é uma integração. Desse encontro, nasceu o zen. O zen não é budista nem taoísta; e, no entanto, é ambos. Chamar o zen de zen-budismo não é certo porque ele é muito mais que isso. Buda não é tão terreno quanto o zen. Lao-Tsé é tremendamente terreno, mas o zen não é só terreno: sua visão transforma a terra em céu. Lao-Tsé é terreno; Buda é de outro mundo; o zen é ambas as coisas – e, sendo ambas as coisas, ele se tornou o mais extraordinário dos fenômenos. O futuro da humanidade se aproximará cada vez mais do zen, porque o encontro do Oriente com o Ocidente só é possível através de algo como o zen, que é terreno e, ao mesmo tempo, antiterreno. O Ocidente é muito terreno, o Oriente é muito antiterreno. Quem vai ser a ponte? Buda não pode ser a ponte; ele é tão essencialmente oriental, o próprio sabor do Oriente, a própria fragrância do Oriente, descomprometido. Lao-Tsé não pode ser a ponte; ele é terreno demais. A China sempre foi muito terrena. A China é mais parte da psique ocidental que da oriental. Não é por acaso que a China foi o primeiro país no Oriente a se tornar comunista, a se tornar materialista, a acreditar numa filosofia sem Deus, a acreditar que o homem é só matéria e nada mais. Isso não aconteceu por acaso. A China tem sido terrena há quase cinco mil anos; ela é muito ocidental. Portanto, Lao-Tsé não pode se tornar a ponte; ele seria mais como Zorba, o Grego. Buda é tão antiterreno que você nem pode pegá-lo – como ele poderia se tornar a ponte? Quando olho à minha volta, parece-me que o zen é a única possibilidade, porque é no zen que Buda e Lao-Tsé se tornam um. O encontro já aconteceu. A semente está lá, a semente daquela grande ponte que juntou Oriente e Ocidente. O zen vai ser o ponto de encontro. Ele tem um grande futuro – um grande passado e um grande futuro. E o milagre é que o zen não se interessa pelo passado nem pelo futuro. Seu interesse total é pelo presente. Talvez seja por isso que o milagre é possível, porque o passado e o futuro são unidos pela ponte que é o presente. O presente não é parte do tempo. Você já pensou nisso? Quanto dura o presente? O passado tem uma duração, o futuro tem uma duração. Qual é a duração do presente? Quanto tempo ele leva? Entre o passado e o futuro, você consegue medir o presente? Ele é imensurável; ele quase não existe. Não é tempo de forma alguma: é uma penetração da eternidade no tempo. E o zen vive no presente. Este é todo o seu ensinamento: como viver no presente; como sair do passado, que não existe mais; como não se envolver no futuro, que não existe ainda; e apenas ficar enraizado, centralizado, naquilo que existe. Toda a abordagem zen é de proximidade, mas, por causa disso, ele pode ser uma ponte entre o passado e o futuro. Ele pode ser uma ponte entre muitas coisas: entre passado e futuro, entre Oriente e Ocidente, entre corpo e alma. Ele pode ser uma ponte entre mundos irreconciliáveis: este mundo e aquele, o mundano e o sagrado. Antes de entrarmos nessa pequena estória, é bom compreendermos algumas coisas. Por exemplo: os mestres não dizem a verdade. Mesmo que eles quisessem dizer, não conseguiriam; é impossível. Então, qual é a função deles? O que eles continuam fazendo? Eles não podem dizer a verdade, mas podem fazer despertar a verdade ainda dormente em você. Eles podem provocá-la, podem desafiá-la. Eles podem balançar você; podem acordar você. Não lhe podem dar Deus, a verdade, o nirvana, porque, em primeiro lugar, você já tem tudo isso. Você nasce com tudo. É inato, é intrínseco. Faz parte da sua própria natureza. Portanto, qualquer um que finja lhe dar a verdade está simplesmente explorando a sua estupidez, a sua ingenuidade. Ele é astuto – astuto e totalmente ignorante também. Ele não sabe nada; nem sequer um vislumbre da verdade lhe ocorre. É um pseudomestre. A verdade não pode ser dada; ela já está em você. Pode ser evocada, provocada. Pode-se criar um contexto, um certo espaço, no qual ela aflora em você e já não está adormecida; torna-se desperta. A função do mestre é muito mais complexa do que você pensa. Seria muito mais fácil, mais simples, se a verdade pudesse ser transmitida. Ela não pode ser transmitida; por isso, caminhos e meios indiretos têm que ser criados. O Novo Testamento traz a bela história de Lázaro. Os cristãos não entenderam nada dela. Cristo foi tão desafortunado... ele caiu na companhia errada. Não há um único teólogo cristão que tenha sido capaz de descobrir o significado da história de Lázaro, sua morte e ressurreição. “Lázaro morre. Ele é irmão de Maria Madalenae de Marta, e um grande devoto de Jesus. Jesus está longe; quando recebe a informação e o chamado: ‘Venha imediatamente’, dois dias já se passaram, e, quando ele chega à casa de Lazaro, já se foram quatro dias. Mas Maria e Marta estão esperando por ele, tamanha é a confiança delas. Toda a vila está rindo delas. Aos olhos dos outros, elas são tolas por guardarem o corpo do irmão numa gruta; elas vigiam o cadáver todos os dias. O cadáver já começou a cheirar; está deteriorando. O pessoal da vila está dizendo: ‘Vocês são tolas! Jesus não pode fazer nada. Quando alguém está morto, está morto!’ Jesus vem. Ele vai até a gruta – não entra lá –, mas fica do lado de fora e chama Lázaro. As pessoas se reúnem. Devem estar rindo: ‘Esse homem parece estar louco!’ Alguém lhe diz: ‘O que você está fazendo? Ele está morto! Está morto há quatro dias. Na verdade, é difícil entrar na gruta, o corpo está cheirando mal. É impossível! Quem você está chamando?’ Mas, sem hesitar, Jesus chama muitas vezes: ‘Lázaro, saia!’ E a multidão tem uma grande surpresa: Lázaro sai da gruta – abalado, chocado, como se acordasse de um longo sonho, como se estivesse saindo de um coma. Ele mesmo não pode acreditar no que aconteceu ou entender por que está numa gruta.” Esse é, na verdade, um outro modo de dizer qual é a função de um mestre. A questão não é se Lázaro estava ou não realmente morto. A questão não é se Jesus era capaz de ressuscitar realmente os mortos ou não. Envolver-se nessas estúpidas discussões é absurdo. Só os estudiosos podem ser tão tolos. Nenhum homem de discernimento vai achar que aquilo é um fato histórico. É muito mais! Não é um fato, é uma verdade. Não é algo que acontece no tempo; é mais: é algo que acontece na eternidade. Vocês todos estão mortos. Vocês todos estão na mesma situação de Lázaro. Você estão todos vivendo em suas grutas escuras. Estão todos cheirando mal e deteriorando... porque a morte não é uma coisa que vem de repente, um dia... vocês estão morrendo todos os dias. Desde o seu nascimento, vocês estão morrendo todos os dias. É um longo processo; leva setenta, oitenta, noventa anos para se completar. A cada momento alguma coisa de vocês morre, alguma coisa em vocês morre, mas vocês estão totalmente inconscientes de toda a situação. Continuam como se estivessem vivos; vão vivendo como se soubessem o que é a vida. A função do mestre é chamar: “Lázaro, saia da gruta! Saia de sua cova! Saia de sua morte!” O mestre não pode lhe dar a verdade, mas ele pode despertar a verdade. Ele pode mexer com alguma coisa em você. Ele pode desencadear um processo em você que iniciará um fogo, uma chama. A verdade é você – tanta poeira se acumulou à sua volta. A função do mestre é negativa: ele tem que lhe dar um banho, uma chuveirada, para que a poeira desapareça. Esse é exatamente o significado do batismo cristão. Isso era o que João Batista estava fazendo no rio Jordão. Mas as pessoas continuam entendendo errado. Hoje também o batismo acontece nas igrejas; não tem valor. João Batista estava preparando as pessoas para um banho interior. Quando elas estivessem prontas, ele as levaria simbolicamente ao rio Jordão. Era apenas simbólico – assim como a roupa cor de laranja que vocês estão vestindo é simbólica, aquele banho no rio Jordão era simbólico –, significando que o mestre pode lhe dar um banho. Ele pode retirar de você a poeira, a poeira de séculos. E, de repente, tudo fica claro, tudo é claridade. Essa claridade é a iluminação. O grande mestre Daie diz: “Todos os ensinamentos dos sábios, dos santos, dos mestres, mostraram nada mais do que isto: eles são comentários sobre o grito súbito: ‘Ah, isso!’” Quando, de repente, você está desanuviado, uma grande alegria e júbilo se manifestam em você e todo o seu ser, toda fibra de seu corpo, mente e alma dança, e você diz: “Ah, isso! Aleluia!”, num grandioso grito de alegria que irrompe em seu ser, isso é iluminação. De repente, as estrelas descem dos céus. Você se torna parte da eterna dança da existência. Auden diz: Dance até as estrelas descerem dos céus! Dance, dance, dance até cair! Sim, isso acontece – não é algo que você tem que fazer. É algo que, mesmo que você queira fazer, achará impossível; achará impossível resistir. Você terá que dançar. A beleza disso, a beleza do agora, a alegria pela existência e a proximidade dela... Sim, as estrelas descem dos céus. Elas estão tão próximas que você pode tocá-las; você pode segurá-las com as mãos. Daie está certo. Ele diz: “Todos os ensinamentos que os sábios expuseram nada mais são do que comentários sobre o grito súbito: “Ah, isso!” Todo o coração dizendo: “Ah!” E o silêncio que se segue, e a paz, e a alegria, e o encontro, e a fusão, e a experiência orgástica, o êxtase... Os mestres não ensinam a verdade; não há como ensiná-la. Ela é uma transmissão além das escrituras, além das palavras. É uma transmissão. É energia provocando energia em você. É uma espécie de sincronicidade. O mestre, como um ego, desapareceu; ele é pura alegria. E o discípulo se senta ao lado do mestre, partilhando lentamente de sua alegria, de seu ser, comendo e bebendo daquela fonte eterna e inexaurível: ais dhammo sanantano. E um dia – e não se pode prever quando será esse dia; ele é imprevisível... – um dia de repente acontece: um processo, que lhe revela a verdade de seu ser, começa em você. Você fica face a face consigo mesmo. Deus não está em outro lugar: ele está aqui, agora. Os mestres iluminam e confirmam a realização. Eles iluminam de mil e uma maneiras. Vão apontando para a verdade: os dedos apontando para a lua. Muitos tolos começam a se apegar aos dedos – se você se apegar aos dedos, não verá a lua, lembre-se disso. Há indivíduos ainda mais tolos que começam a morder os dedos. Isso não vai alimentar ninguém. Esqueça o dedo e olhe para onde ele está apontando. Os mestres iluminam. Lançam uma grande luz – eles são luz –, lançam uma grande luz sobre o seu ser. São como um holofote: projetam o ser deles no seu ser. Você vive na escuridão há séculos, há milhões de vidas. De repente, o holofote de um mestre começa a revelar alguns territórios esquecidos em você. Eles estão dentro de você; o mestre não os está trazendo – ele só está trazendo a luz, ele está se projetando em você. E o mestre se projeta somente quando o discípulo está aberto; quando o discípulo se entrega; quando o discípulo está pronto para aprender, para não discutir; quando o discípulo não quer mais acumular conhecimento, mas conhecer a verdade; quando o discípulo não está apenas curioso, mas é alguém que procura e está disposto a arriscar tudo. Mesmo que a vida deva ser arriscada e sacrificada, o discípulo está pronto. Na verdade, quando você arrisca sua vida sonolenta, quando sacrifica sua vida sonolenta, adquire uma qualidade totalmente diferente de vida: a vida de luz, de amor, a vida que está além da morte, além do tempo, além da mudança. Os mestres iluminam e confirmam a descoberta. Primeiro, o mestre ilumina o caminho, a verdade que está dentro de você. Depois, quando você a descobre e reconhece... É muito difícil você acreditar que a alcançou. A coisa mais inacreditável é a descoberta da verdade, porque você sempre ouviu dizer que é algo muito difícil, quase impossível, e que leva milhões de anos para ser alcançada. E você ouviu dizer que ela está em outro lugar – talvez no céu – e, quando você a reconhece dentro de você, como pode acreditar? O mestre a confirma. Ele diz: “Sim, é isso!” A confirmação dele é tão necessária quanto a iluminação. Ele começa iluminando e termina confirmando. Os mestres são a evidência da verdade, não a prova. Medite sobre a diferença sutil entre evidência e prova. O mestre é uma evidência; é uma testemunha. Ele viu, ele sabe, ele se tornou. Você pode sentir; a evidência pode ser sentida. Você pode se aproximar cada vez mais; pode permitir que a fragrância do mestre penetre até o mais íntimo de seu ser. O mestre é só evidência; não é prova. Se você quiser alguma prova... não existe prova. Deus não pode sercomprovado nem contestado; ele não é um argumento. Deus não é uma hipótese, não é uma teoria: ele é experiência. O mestre é evidência viva. Mas para vê-la, você vai precisar de uma abordagem diferente daquela à qual está acostumado. Você sabe como se dirigir a um educador, como se dirigir a um professor, como se dirigir a um padre. Eles não exigem muito porque apenas transmitem informações, o que poderia ser feito até através de um gravador ou de um computador ou de um disco ou de um livro. Fui estudante numa universidade. Nunca assistia às aulas de meus professores. Naturalmente, eles se sentiam ofendidos. E um dia o diretor do departamento me chamou e perguntou: – Para que você veio para a universidade? Nós nunca o vemos aqui; você nunca assiste às aulas. E lembre-se: quando chegar a hora dos exames, não reclame do registro de frequência – pois 75% de frequência é um requisito para fazer o exame. Tomei aquele senhor pela mão e lhe pedi: – Venha comigo, vou lhe mostrar onde estou e por que vim para a universidade. Ele ficou um pouco temeroso do lugar para onde eu o levaria e por quê. A minha excentricidade era um fato bem conhecido! E perguntou: – Mas aonde você está me levando? – Eu vou lhe provar que o senhor tem que me dar 100% de frequência. Venha comigo. Levei-o à biblioteca e me dirigi à funcionária: – Diga a este senhor: houve um único dia em que eu não tenha ficado na biblioteca? A bibliotecária confirmou: – Mesmo nas férias, ele vem aqui. Se a biblioteca não está aberta, ele fica sentado ali no jardim, mas ele vem. E todo dia temos que lhe dizer: “Agora, por favor, saia, porque está na hora de fechar.” Eu disse ao professor: – Eu acho os livros muito mais claros do que os seus pretensos professores. Além do mais, eles simplesmente repetem o que já está escrito nos livros; então, para que ficar escutando-os de segunda mão? Posso aprender diretamente dos livros! – E acrescentei ainda: – Se o senhor puder provar que seus professores estão ensinando algo que não está nos livros, então estou pronto para ir às aulas. Se não puder provar, lembre-se de que deve me dar 100% de frequência – do contrário, vou criar problemas! Não precisei pedir novamente; ele me deu 100% de frequência. Ele entendeu o ponto; era tão simples. Ele disse: – Você tem razão. Para que ouvir conhecimento de segunda mão? Você pode ir diretamente aos livros. Conheço aqueles professores – eu mesmo sou apenas um disco. A verdade é – ele me disse – que durante trinta anos não tenho lido nada. Só fico usando minhas antigas anotações. Durante trinta anos ele vem ensinando continuamente a mesma coisa; e em trinta anos milhões de livros foram publicados! Você sabe como se dirigir a um professor, como lidar com um livro, como lidar com informação inútil, mas não sabe como se dirigir a um mestre. É um jeito totalmente diferente de comungar. Não é comunicação, é comunhão – porque o mestre não é uma prova, mas uma evidência. Ele não é um argumento de Deus; ele é uma testemunha de Deus. Ele não possui grande conhecimento sobre Deus; ele sabe. Ele não é versado; ele simplesmente sabe. Lembre-se, saber sobre uma coisa é inútil. A palavra sobre dá uma ideia periférica. Saber sobre algo significa andar em círculos, dar voltas. A palavra sobre é bonita. Sempre que você ler sobre, leia em torno de. Quando alguém diz: “Eu sei sobre Deus”, entenda: ele sabe algo em torno de Deus, perifericamente. Ele anda em círculos. E saber de verdade nunca é saber sobre, nunca perifericamente; é algo direto, é uma linha reta. Jesus diz: “Reto e estreito é o caminho...” O caminho não é em círculos; é um salto da periferia para o centro. O mestre é uma evidência desse salto, desse salto quântico, dessa transformação. Você tem que se dirigir ao mestre com grande amor, com grande confiança, com o coração aberto. Você não tem consciência de quem você é, ele tem consciência de quem ele é. Podemos dizer que a lagarta não tem consciência de que pode se tornar uma borboleta. Você é uma lagarta – bodisatva. Todas as lagartas são bodisatvas e todos os bodisatvas são lagartas. Bodisatva é o indivíduo que pode se tornar uma borboleta, que pode se tornar um buda; que é um buda na semente, na essência. Mas como a lagarta pode estar ciente de que ela pode se tornar uma borboleta? O único jeito é entrar em comunhão com as borboletas, ver as borboletas voando ao vento, ao sol. Vendo-as voar alto, vendo-as voar de flor em flor, vendo sua beleza, suas cores, possivelmente um desejo profundo, um anseio desperta na lagarta: “Eu posso ser como elas?” Nesse exato momento, a lagarta começou a acordar, um processo foi desencadeado. O relacionamento mestre/discípulo é o relacionamento entre uma lagarta e uma borboleta, é a amizade entre uma lagarta e uma borboleta. A borboleta não pode provar que a lagarta é capaz de se tornar uma borboleta; não há um jeito lógico. Mas a borboleta pode provocar um anseio na lagarta – isso é possível. O mestre ajuda você a alcançar sua experiência própria. Ele não lhe dá os Vedas, o Alcorão, a Bíblia; ele lança você a você mesmo. Ele o torna ciente de suas fontes interiores. Ele o torna ciente de seu próprio sumo, de sua própria divindade. Ele o liberta das escrituras. Ele o liberta das interpretações dos outros. Ele o liberta de toda crença. Ele o liberta de toda especulação, de todas as conjeturas. Ele o liberta da filosofia, da religião e da teologia. Ele o liberta, em suma, do mundo das palavras – porque a palavra é o problema. Você fica tão obcecado com a palavra amor que esquece que o amor é uma experiência, não uma palavra. Você fica tão obcecado com a palavra Deus que esquece que Deus é uma experiência, não uma palavra. A palavra Deus não é Deus, e a palavra fogo não é fogo, e a palavra amor também não é amor. O mestre liberta você das palavras; ele o liberta de todos os tipos de filosofias imaginativas. Ele o conduz a um estado de silêncio sem palavras. A falha da religião e da filosofia é que elas se tornam substitutas da experiência real. Tome cuidado com isso! “Marlene e Florence, duas secretárias de Denver, estavam batendo papo na hora do almoço. ‘Fui estuprada ontem à noite por um sujeito estudioso’, sussurrou Marlene. ‘Sério?!’, exclamou Florence. ‘Como você sabe que era estudioso?’ ‘Eu tive que ajudá-lo.’” Os estudiosos são indivíduos aleijados, paralisados, cheios de ideias fixas. Eles se esqueceram de tudo, exceto das palavras. São grandes fabricantes de sistemas. Acumulam lindas teorias e as dispõem em lindos esquemas, mas é só isso. Eles não sabem nada – embora enganem os outros e a si próprios; isso eles sabem fazer. “Um homem foi almoçar num restaurante e, quando o garçom chegou, ele pediu: ‘Eu quero reins, por favor.’ ‘O quê?’, perguntou o garçom. ‘Reins’, disse o homem. ‘O quê?’, o garçom perguntou de novo. O homem pegou o cardápio e apontou para o que queria: ‘Reins’, ele repetiu com firmeza. ‘Ah!’, exclamou o garçom. ‘Entendi. Rins. Por que o senhor não disse rins?’ E o homem disse: ‘Mas... eu falein reins, não falein?’” É muito difícil tirar deles essas palavras. Eles vivem de suas palavras. Eles esqueceram que a realidade é mais que apenas palavras. São totalmente surdos, totalmente cegos. Não veem, não ouvem, não sentem. Palavras são palavras. Você não pode vê-las, não pode senti-las, mas elas lhe dão um grande ego. “Um canibal entrou correndo em seu vilarejo e espalhou a notícia de que um grupo de caçadores tinha capturado um teólogo cristão. ‘Que bom’, disse um dos canibais, entusiasmado. ‘Sempre quis experimentar um sanduíche de ‘abobrinha’.’” Cuidado para não se perder na filosofia e na religião, se você realmente quiser saber o que é a verdade. Cuidado se você for cristão, hindu, maometano, porque todas essas crenças são maneiras de ser surdo, cego, insensível. “Três cavalheiros britânicos surdos estavam viajando de trem para Londres. O primeiro disse: ‘Perdão, maquinista, que estação é esta?’ ‘É a quarta, senhor’, respondeu o maquinista. ‘Meu Deus!’, exclamou o segundo inglês.
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