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Lyzandra Linhares Introdução: A pele possui diversos mecanismos de defesa, um deles é o turnover celular, que consiste na alta proliferação celular que resulta na descamação da pele. Além disso, o pH ácido, a secreção sebácea, a resposta imune do corpo e a flora bacteriana normal auxiliam impedindo a presença de patógenos. Damos o nome de piodermites às infecções de pele causadas por bactérias. Elas podem levar a diferentes tipos clínicos de infecções cutâneas com acometimento de diversos compartimentos da pele (superficial e profunda). As principais bactérias envolvidas nas infecções de pele e partes moles são o Staphylococcus aureus e o estreptococo beta-hemolítico do grupo A (Streptococcus pyogenes). Impetigo: No que se refere ao impetigo, sabe-se que ela consiste na infecção bacteriana de pele mais frequente em crianças, sendo a maior parte dos casos em crianças menores de 6 anos de idade. Já em relação ao sexo, essa patologia acomete igualmente homens e mulheres. A bactéria aproveita dos menores traumas para penetrar na pele e causar infecção. Além disso, a alta umidade, altas temperaturas e a higiene precária são fatores predisponentes. O impetigo é uma infecção bacteriana superficial da pele altamente contagiosa, e se trata de um acometimento apenas da epiderme. Há dois tipos de impetigo, o bolhoso e o não bolhoso (ou crostoso). Os microrganismos podem ser transmitidos de um indivíduo para outro por meio do contato direto das mãos, ou através de superfícies de contiguidades criadas por doenças cutâneas (dermatites, varicela, herpes...), queimaduras, cirurgias ou traumas. A imunossupressão induzida por medicações (corticoides, quimioterapias...), doenças sistêmicas (diabetes mellitus, SIDA...), abuso de drogas ou diálises predispõe ao crescimento bacteriano. Impetigo não bolhoso (crostoso) Essa é a forma mais comum de impetigo, sendo que a maioria dos casos está relacionada ao S. aureus, porém, em alguns casos o S. pyogenes pode ser o agente responsável. Até um terço dos indivíduos saudáveis são portadores do S. aureus, principalmente na cavidade nasal. A bactéria pode espalhar-se a partir do nariz e atingir a pele levando a alterações cutâneas. Clinicamente há o aparecimento de uma mácula ou pápula eritematosa de 2 a 5mm, que evolui para uma vesícula, as quais tornam-se pústulas (bolinhas com pus), que rapidamente se rompem e dão origem as típicas crostas melicéricas (amareladas). Os locais mais acometidos são as áreas ao redor do nariz, da boca e áreas expostas. Entretanto, não somente a face pode ser acometida, visto que quando não tratado o impetigo pode disseminar- se para outras partes do corpo. Além disso, pode haver algumas lesões satélites e alguns pacientes apresentam linfadenopatia e leucocitose, sem sintomas sistêmicos presentes. Caso não haja tratamento, as lesões podem disseminar-se e aprofundar-se, atingindo a derme (ectima). Impetigo bolhoso O impetigo bolhoso sempre é causado pelo S. aureus, e acomete mais os neonatos. É caracterizado pelo aparecimento de vesículas e bolhas flácidas, que evoluem agudamente e podem romper e deixar um colarete de descamação na periferia e erosões na parte central, cobertas por crostas lisas, semelhantes a películas de verniz. Bolhas íntegras não são frequentes e, se presentes, exibem sinal de Nikolsky negativo. As lesões podem ser localizadas ou disseminadas, sendo frequentemente encontradas na face e extremidades. Em neonatos ou crianças pequenas, os quadros extensos podem levar à febre, mal-estar, fraqueza e diarreia. Raramente, o impetigo bolhoso pode complicar com celulite, linfangite e bacteremia com consequente artrite séptica e osteomielite. O S. aureus do grupo 2, gram-positivo, coagulase positivo, é capaz de produzir exotoxinas esfoliativas extracelulares, chamadas de A e B. A primeira tem como alvo a desmogleína 1, a qual é responsável pela adesão celular; logo, há perda da adesão da derme superficial e clivagem ao nível da camada granulosa. As exotoxinas também agem como superantígenos no local, ativando os linfócitos T. Já a coagulase mantém o processo localizado na epiderme superior, por meio da produção de trombos de fibrina. Diferentemente do impetigo não bolhoso, as lesões podem ocorrer em pele sã. Além disso, considera-se o impetigo bolhoso uma manifestação localizada da síndrome estafilocócica da pele escaldada. Vale ressaltar que o impetigo comum, ou impetigo secundário, representa uma complicação de doenças cutâneas que rompem a barreira da pele ou sistêmicas que provocam imunossupressão. A apresentação clinica é similar as outras formas, exibindo eritema, vesículas pústulas e crostas amareladas. Síndrome da Pele Escaldada Estafilocócica: A síndrome da pele escaldada estafilocócica é uma doença bacteriana mediada por toxinas estafilocócicas, e também pode ser chamada de síndrome de Ritter. Acomete mais crianças abaixo de 6 anos de idade, porem adultos também podem desenvolver a doença. Essa patologia é considerada uma forma disseminada do impetigo bolhoso. O processo fisiopatológico inicia-se com um foco de infecção pela S. aureus, o qual produz duas toxinas esfoliativas (ou epidermolíticas): a toxina A e a toxina B. Essas toxinas possuem a capacidade de clivar a desmogleína 1 (Dsg 1), a qual possui a função de manter adesão entre os ceratinócitos da camada granulosa da epiderme. Como as toxinas epidermolíticas clivam a Dsg 1, os ceratinócitos perdem a adesão e há o surgimento de bolhas superficiais. Esse é o mecanismo do impetigo bolhoso, porém nessa síndrome é disseminada. Em relação ao quadro clínico desse paciente, evidencia-se um quadro prodrômico de poucos dias de febre baixa e irritabilidade. A manifestação cutânea manifesta-se inicialmente com eritema proeminente nas dobras cutâneas (região cervical, axilar e genital) e ao redor das narinas e boca. Após 48 horas, o eritema torna-se generalizado, e a partir disso começa a surgir bolhas por toda a pele, e por serem flácidas elas rompem facilmente, revelando uma base eritematosa e brilhante. O termo escaldada é utilizado devido ao aspecto da pele do individuo que se assemelha com o de uma queimadura com água quente. Há grandes áreas de descolamento superficial da pele, mesmo nos pequenos traumas. O sinal de Nikolsky é positivo. O paciente pode apresentar dor na pele, além de sintomas sistêmicos como febre, irritabilidade, astenia e perda de apetite. Não há acometimento mucoso. Devido à perda da coesão dos ceratinócitos, se nós realizarmos uma pequena fricção lateral na pele de uma paciente com SSSS, há o descolamento da epiderme. Esse é o sinal de Nikolsky e está presente nas dermatoses bolhosas intraepidérmicas (pênfigo vulgar e foliáceo), na síndrome de Stevens-Johnson e na necrólise epidérmica tóxica. Ectima: No ectima, o processo infeccioso afeta a epiderme, porém estende-se até a derme, por isso pode ser considerado como uma forma profunda de impetigo. Pode ser uma evolução de um impetigo não tratado. Acomete mais crianças, idosos em situações de abandono ou pacientes diabéticos. Está associado à situação de higiene precária. Tanto o S. aureus quanto o S. pyogenes podem ser causa do ectima, porém muitos consideram- no como uma doença estreptocócica. Clinicamente há, inicialmente, uma vesícula ou pústula que se estende profundamente para derme superficial até formar uma úlcera recoberta por crosta aderente. Essas crostas são amareladas ou acinzentadas, são espessas e, se forem retiradas, há exposição da úlcera purulenta. A borda apresenta-se eritematosa. Os membros inferiores são os locaismais acometidos, pois são áreas mais expostas a traumas. Geralmente há poucas lesões. As mesmas complicações que podem ocorrer no impetigo também podem ocorrer nos casos de ectima não tratados. Essas complicações são: celulite, linfangite, bacteremia, osteomielite e endocardite bacteriana aguda. Vale ressaltar que para uma lesão na pele deixar cicatriz é necessário que haja comprometimento da derme. Por isso, quando o impetigo cicatriza ele não deixa cicatriz, haja vista que compromete apenas a epiderme. Por outro lado, o ectima já compromete a derme, portanto deixa uma cicatriz quando regride. Além disso, há uma condição chamada ectima gangrenoso, o qual consiste em uma manifestação cutânea incomum de uma septicemia por Pseumononas aeruginosa. Ela ocorre em pacientes imunodeprimidos, principalmente neutropênicos, e é decorrente da invasão vascular da bactéria. O quadro clínico é de manchas violáceas localizadas principalmente na região genital, que rapidamente evoluem com bolhas. Tais bolhas rompem e dão lugar a uma úlcera com fundo enegrecido e halo eritematoso. Erisipela: A erisipela é uma piodermite da derme superficial com significativo envolvimento linfático. O principal agente etiológico é o S. pyogenes, especialmente do tipo A e, em casos mais agressivos, é possível que haja participação de outros agentes etiológicos, como o S. aureus. Em adultos há um predomínio nas mulheres, porém nas crianças não há diferença entre os sexos quanto à prevalência. Os principais fatores de risco para o desenvolvimento de erisipela são: a obesidade, história de erisipela/celulite de repetição, insuficiência vascular periférica, safenectomia e diabetes mellitus. A doença acomete, principalmente, os membros inferiores (quase sempre de forma unilateral), porém a face é também acometida com certa frequência. O paciente inicia um quadro prodrômico de febre alta, mal-estar e dores no corpo. Algumas horas após, há o surgimento do eritema, que progressivamente aumenta de tamanho, podendo atingir grandes dimensões. A área apresenta-se edemaciada, quente e bastante dolorosa. Podem surgir bolhas, inclusive hemorrágicas, e há linfadenomegalias no território afetado. A grande marca da erisipela é que essa área afetada de eritema é muito bem delimitada. Geralmente, as bactérias aproveitam pequenas lesões de pele para invadir e dar origem ao quadro de erisipela. As principais portas de entrada são pequenos ferimentos nos pés após traumas, manipulação das unhas e tinea pedis interdigital, que levem à maceração e ferimentos. Celulite: A celulite já é uma infecção da derme profunda e do tecido celular subcutâneo (hipoderme). É causada, principalmente, por S. pyogenes, mas também por S. aureus. Os fatores predisponentes ao surgimento da celulite são similares aos discutidos para a erisipela. As bactérias podem atingir a derme e o subcutâneo por via hematogênica ou externa (por meio de solução de continuidade cutânea). As pernas são os locais mais acometidos. Em crianças, a celulite localiza-se, preferencialmente, na face e região cervical. Nos pacientes usuários de drogas intravenosas, os membros superiores são acometidos com certa frequência. Alguns estudos declaram que o Haemophilus influenzae tipo B é o principal agente etiológico da erisipela/celulite de face em crianças menores que 3 anos. Assim como nas erisipelas, as manifestações cutâneas da celulite são precedidas por sinais e sintomas sistêmicos, como febre, mal-estar e calafrios. Há o surgimento de área eritematosa e edematosa, associada à dor e ao calor local. A grande marca da celulite é que as bordas da área afetada de eritema são mal delimitadas Como foi relatado a erisipela é uma infecção da derme superficial, por isso é possível delimitar toda a área acometida. Ao passo que a celulite é uma infecção da derme profunda e hipoderme, por isso a área acometida é mal delimitada. Outras Infecções: A Fasciíte necrotizante é um quadro infeccioso grave, rapidamente progressivo, com necrose do tecido celular subcutâneo e da fáscia muscular. É potencialmente fatal, ameaçando a vida do paciente se não for rapidamente diagnosticada e tratada. Qualquer paciente pode desenvolvê-la, porém indivíduos alcoólatras, usuários de drogas injetáveis, imunossuprimidos, diabéticos e tabagistas apresentam maior risco. Mais comumente, o quadro ocorre nos membros inferiores e inicia-se semelhante a uma celulite. Há eritema mal delimitado, edema e calor, porém o paciente queixa-se de uma dor desproporcional aos achados do exame físico. Há rápida progressão da doença e o paciente apresenta sinais de toxemia com febre alta, taquicardia e hipotensão. A pele acometida passa para uma coloração violácea e, posteriormente, azul-acinzentada, denotando o sofrimento isquêmico. Pouco depois, surgem bolhas de conteúdo turvo ou hemorrágico e odor fétido até áreas de necrose serem visíveis. Já a piomiosite, ocorre predominantemente em homens, com dois picos de idade. O primeiro, em crianças de 2 a 5 anos, e o segundo, em adultos de 20 a 45 anos, sendo mais comum nesse último grupo. Trauma muscular local é um dos principais fatores associados ao desenvolvimento da piomiosite. É relatado, inclusive, o desenvolvimento dessa doença após exercícios físicos vigorosos que levam a microtraumas. Postula-se que a formação de hematoma intramuscular favoreça o crescimento bacteriano. Porém, outros fatores predisponentes existem, como imunossupressão (incluindo infecção pelo HIV), uso de drogas injetáveis e até mesmo a parasitose toxocaríase. A piomiosite ocorre mais em países tropicais, por isso também é chamada de piomiosite tropical. Porém, ela também ocorre em países de clima temperado. O S. aureus é quase sempre o responsável pela infecção muscular. Mais raramente E. coli, Streptococcus beta-hemolítico ou Pneumococcus. O quadro clínico inicia-se com febre e câimbra na musculatura afetada. Na maior parte das vezes, apenas um grupo muscular é acometido e geralmente nos membros inferiores (coxas, panturrilha e glúteo). Posteriormente, há edema muscular e a palpação muscular é de consistência lenhosa. Cerca de 2 semanas após o início do quadro, a febre aumenta e torna-se evidente o aumento de partes moles, que culmina na formação e supuração de abscesso muscular. Pode ocorrer bacteremia e desenvolvimento de endocardite bacteriana, artrite séptica, abscesso cerebral, insuficiência renal crônica e choque séptico. Já a foliculite refere-se a uma inflamação superficial do folículo piloso. Existem causas infecciosas e não infecciosas para essa inflamação, porém, a causa infecciosa é mais comum. O S. aureus é a principal bactéria relacionada às foliculites bacterianas. Clinicamente, o que visualizamos é uma pústula centrada no folículo piloso. Ela pode ocorrer em qualquer área que tenha pelos, porém é mais comum na área da barba, couro cabeludo de crianças e extremidades e nádegas de adultos. É comum vermos uma foliculite na área da barba, principalmente em homens negros após o ato de barbear-se. Essa foliculite não é bacteriana. Ela ocorre, pois os pelos desses pacientes encravam após o corte com lâmina. A essa condição, damos o nome de pseudofoliculite de barba. Ademais, há o furúnculo, em que consistem na infecção mais profunda do folículo piloso, com envolvimento das glândulas sebáceas anexas O S. aureus também é o agente etiológico mais comum. São mais comuns em áreas de atrito e com muito pelo, como as axilas e os glúteos. Os pacientes obesos, diabéticos, usuários de corticoide e imunossuprimidos apresentam furúnculos mais frequentemente. Quandoum paciente apresenta furúnculos de forma repetida, chamamos de furunculose. Apresenta-se, clinicamente, como um nódulo eritematoso inflamado, com ponto escurecido central. Ele cresce, torna-se doloroso e flutuante após alguns dias. Posteriormente, pode haver saída de secreção purulenta e do tecido necrótico. Após isso, a dor, o eritema e o edema diminuem ao longo de dias ou semanas. O antraz, por sua vez, é o resultado de um agrupamento de furúnculos. Clinicamente, há uma grande lesão inflamatória com base profunda e é extremamente dolorosa. Na evolução, múltiplas pústulas surgem na superfície e drenam material purulento. Após a regressão clínica, há uma cicatriz permanente no local. Os locais mais comuns do antraz são a região da nuca, o dorso e as coxas. Os pacientes podem apresentar sintomas sistêmicos, como febre, astenia e queda do estado geral. Tanto o furúnculo quanto o antraz podem complicar-se com bacteremia e levar à osteomielite, abscesso cerebral ou endocardite bacteriana. Esse risco aumenta quando o paciente manipula as lesões, por isso é importante nossa orientação para que isso não aconteça. Um furúnculo pode ser tratado apenas com compressas quentes. Referências: Tratado de dermatologia/editores Walter Belda Junior, Nilton di Chiacchio, Paulo Ricardo Criado. – 2. Ed. – São Paulo: Editora Atheuneu, 2014. LUPI, Omar; BELO, Josemir; CUNHA, Paulo. Rotinas de Diagnóstico e Tratamento da Sociedade Brasileira de Dermatologia - SBD, 2ª edição. Rio de Janeira: Grupo GEN, 2012. ALIKHAN, Ali; HOCKER, Thomas L. Revisão em Dermatologia. Thieme Brasil, 2021. Lyzandra Linhares
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