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0 UNIVERSIDADE FEDERAL DO OESTE DA BAHIA CENTRO DAS CIÊNCIAS EXATAS E DAS TECNOLOGIAS CURSO DE GRADUAÇÃO EM ENGENHARIA CIVIL MURILO LOPES DE SOUZA UMA REVISÃO SOBRE O USO DE CONTAINER MARÍTIMOS COMO UMA ALTERNATIVA PARA DIMINUIR O DÉFICIT HABITACIONAL BRASILEIRO BARREIRAS-BA 2022 1 MURILO LOPES DE SOUZA UMA REVISÃO SOBRE O USO DE CONTAINER MARÍTIMOS COMO UMA ALTERNATIVA PARA DIMINUIR O DÉFICIT HABITACIONAL BRASILEIRO Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao curso de Engenharia Civil da Universidade Federal do Oeste da Bahia como requisito parcial a obtenção do grau de Engenheiro Civil. Orientador(a): Prof. Doutor Erick Samuel Rojas Cajavilca BARREIRAS-BA 2022 2 FOLHA DA FICHA 3 MURILO LOPES DE SOUZA UMA REVISÃO SOBRE O USO DE CONTAINER MARÍTIMOS COMO UMA ALTERNATIVA PARA DIMINUIR O DÉFICIT HABITACIONAL BRASILEIRO Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Curso de Engenharia Civil da Universidade Federal do Oeste da Bahia, como requisito à obtenção do grau de Engenheiro Civil. Orientador: Prof. Mestre Erick Samuel Rojas Cajavilca Aprovado em ______ de __________ de _______ Banca Examinadora Orientador:________________________________________________________________ Economista e Mestre Erick Samuel Rojas Cajavilca Universidade Federal do Oeste da Bahia ________________________________________________________________ Engenheiro Civil e Mestre, Cláudio Alex de Oliveira Pires Universidade Federal do Oeste da Bahia ________________________________________________________________ Engenheira Sanitarista e Ambiental e Mestre Luísa Magalhães Araújo Mestrado em Meio Ambiente, Águas e Saneamento – UFBA 4 DEDICATÓRIA Dedico este trabalho aos meu pais, que muito se esforçam para que os meus sonhos se realizem! 5 AGRADECIMENTOS À Deus em primeiro lugar, pois ele é o engenheiro supremo, aos meus pais que tanto me inspiram, aos meus professores por sempre estarem dispostos a ensinar, aos meus colegas por esses anos de entrega e companheirismo; À minha família por sempre me incentivarem, me apoiarem apesar da saudade que sempre aumenta a cada km percorrido; Ao meu orientador, o professor Erick Samuel Rojas Cajavilca, que aceitou o desafio de me conduzir, sem ele seria muito mais difícil escrever uma só linha; Aos membros da banca, professora Luísa Magalhães Araújo e professor Cláudio Alex de Oliveira Pires, pela colaboração e disponibilidade; Aos meus amigos e colegas que fizeram esses anos de universidade uma jornada incrível; Ao Centro das Ciências Exatas e das Tecnologias (CCET) da Universidade Federal do Oeste da Bahia (UFOB), por ter proporcionado condições de desenvolver este trabalho. A todos que direta ou indiretamente me ajudaram a compor o presente trabalho. 6 RESUMO O déficit habitacional brasileiro é notório e divulgado. A população é superior ao número de habitações em condições de dignidade. O estado vem, há décadas, tentando paulatinamente resolver essa problemática com programas de políticas públicas direcionadas à habitação. Há o desafio de projetar soluções com o objetivo de diminuir preço da obra e o tempo na construção. Uma solução plausível para este desafio é a apresentação de mecanismos propondo a redução de custo e de tempo na construção das habitações sociais. Diante disto foram realizadas pesquisas bibliográficas e levantamento de dados para análise e comparativo dos sistemas construtivos, em que foi observado as vantagens e desvantagens da utilização de containers na construção civil. A pesquisa traz dados relevantes quanto ao uso de Containers, método da Construção Modular, como uma alternativa adequada para atingir o objetivo: reduzir custos e tempo na construção de conjuntos habitacionais. Comparou-se por meio de uma pesquisa básica, utilizando o método comparativo, os dados relacionados ao método construtivo convencional e a construção com a utilização de containers, para a obtenção de dados relevantes quanto ao uso dos containers na construção de conjuntos habitacionais. Por meio do método comparativo demonstra-se no aludido trabalho uma análise entre a construção convencional de uma casa com as dimensões do programa Minha Casa Minha Vida, qual sairá no valor de R$ 1.623,43 por m² e uma casa construída com containers tendo o valor de R$ 1.394.05 por m². A análise proposta no presente trabalho suscita dados relevantes, propondo o uso de container como uma alternativa na construção dos conjuntos habitacionais, pois a Habitação de Interesse Social projetada a partir do uso de containers reciclados se mostra adequada para o propósito habitacional com valores sustentáveis. Vale ressaltar que o objetivo das habitações sociais brasileiras, além de combater o déficit, é garantir aos brasileiros de baixa renda moradias dignas, assim, embora reduza-se tempo e valor com o uso dos containers, a obra não perde a qualidade. Palavras-chave: engenharia civil, habitação, conjuntos, social, containers. 7 LISTA DE ILUSTRAÇÕES Imagem 01 - Elementos estruturais de um container...................................................... 29 Imagem 02 - Containers Dry box................................................................................... 30 Imagem 03 - Containers Dry Box 20, 40 e High-Cube................................................... 31 Imagem 04 - Container em canteiro de obras em Mato Grosso do Sul........................... 33 Imagem 05 - Future Shack............................................................................................. 33 Imagem 06 - 1ª casa container no Brasil......................................................................... 36 Imagem 07 - Interior da 1ª casa container no Brasil....................................................... 36 Imagem 08 - Mostruário cômodo container................................................................... 37 Imagem 09 - Casa construída a base de container.......................................................... 37 Imagem 10 - Condomínio estudantil Keetwonen........................................................... 41 Imagem 11 - Condomínio estudantil Le Havre.............................................................. 42 8 LISTA DE TABELA Tabela 1 Comparativo 1 construção convencional x construção container .................. 40 Tabela 2 Comparativo 2 construção convencional x construção container................... 41 9 SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO ................................................................................................................. 10 2 REVISÃO BIBLIOGRÁFICA .......................................................................................... 13 2.1 MORADIAS: CONCEITO, ORIGEM E EVOLUÇÃO ............................................ 13 2.2 CIDADES: ORIGEM E EVOLUÇÃO ........................................................................ 15 2.2.1 Crescimento Desordenado das Cidades Brasileiras .......................................................17 2.3 O DÉFICIT DE HABITAÇÃO NO BRASIL ............................................................. 21 2.4 POLÍTICA HABITACIONAL BRASILEIRA ........................................................... 25 2.5 CONSTRUÇÃO MODULAR: O USO DE CONTAINERS NA CONSTRUÇÃO CIVIL...................................................................................................................................... 27 2.5.1 Containers: conceito, origem e estrutura. .................................................................. 28 2.5.2 A utilização de containers na construção civil .......................................................... 32 2.5.3 Passo a passo o uso de containers na Construção Civil brasileira ............................. 34 2.5.4 Primeira casa construída com Container no Brasil ..................................................... 36 2.5.5 Construção de unidades habitacionais por containers – de alojamentos estudantis à conjuntos habitacionais.............................................................................................................38 3 MATERIAIS E MÉTODOS .............................................................................................. 42 4 RESULTADOS E DISCUSSÃO ....................................................................................... 43 5 CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................................................................. 46 6 REFERENCIAS BIBLIOGRÁFICAS ............................................................................. 48 10 1. INTRODUÇÃO Tendo a dignidade da pessoa humana como um dos pilares balizadores para decisões de qualquer ente estatal no que cerne os cidadãos que formam o Estado, pode-se relacionar a moradia com este princípio (BRASIL, 1989). Uma moradia digna é o ambiente que reproduz ao ser humano lugar de aconchego, de segurança, lugar acolhedor. Entretanto, a realidade apresentada, dentro do Brasil, é diferente, o déficit habitacional vem crescendo segundo dados do Ministério do Desenvolvimento, mais de “6 milhões de pessoas fazem parte da população atingida pelo déficit habitacional brasileiro.” (BRASIL, 2022). O déficit habitacional brasileiro é notório e divulgado. A população é superior ao número de habitações em condições de dignidade. O Estado vem, há décadas, tentando paulatinamente resolver essa problemática com programas de políticas públicas direcionadas à habitação, tais como os programas: Pró-moradia, Habitar Brasil, Carta de Crédito Individual Associativa; Apoio à Produção do governo de Fernando Henrique Cardoso, o programa Minha Casa Minha vida do governo Lula (MOREIRA; LEME 2011, p. 2) e o Casa Verde Amarela do governo Bolsonaro. Com as mudanças e inovações na construção civil, um raio de esperança surge para aqueles que empenham esforços em solucionar o citado problema, fazendo surgir um caminho a trilhar: o desafio de inovação na construção de habitações sociais. E a solução mais plausível, diante de toda conjuntura atual, é a apresentação de mecanismos econômicos que ajudem o governo a manter os programas habitacionais sem o aumento de custos nestes. A redução de custo e de tempo na construção das habitações sociais pode ser também uma alternativa. Vale ressaltar que o objetivo das habitações sociais brasileiras, além de combater o déficit, é garantir aos brasileiros de baixa renda moradias dignas. Assim cabe advertir que se deve reduzir os custos, mas não a qualidade das construções. Compõem-se a presente pesquisa uma revisão de estudos, artigos existentes, trazendo a conceituação e origem da moradia e da cidade, como seu primeiro momento, deixando explicito que a moradia é o “espaço do cotidiano e da intimidade, no local onde grande parte da vivência humana acontece” (MEDEIROS, 2007, p. 13) e as cidades, que segundo Cullen (1971, p.9) é “uma unidade geradora de um excedente de bem-estar e de facilidades que leva a maioria das pessoas a preferirem – independentemente de outras razões – viver em comunidade a viverem isoladas.”. Em seguida traz-se no corpo do trabalho a dura realidade sobre a formação das cidades brasileira, que segundo Erminia Maricato (2003, p.01) “não superou algumas características dos períodos colonial e imperial, marcados pela concentração de terra, renda e poder, pelo 11 exercício do coronelismo ou política do favor e pela aplicação arbitrária da lei”, construindo cidades de maneira desordenada e sem nenhuma estrutura inicial. Mas, graças ao Estatuto das Cidades, há tentativa de promoção de “uma mudança estrutural do planejamento urbano brasileiro, que passa a ser não apenas o planejamento regulatório tradicional, mas também um planejamento indutor de processos territoriais e urbanísticos” (FERNANDES, 2006, p. 15) proporcionando assim “um impacto direito na dinâmica dos preços de mercado imobiliário, processo esse que pode levar à ocupação de vazios urbanos e à distribuição mais justa dos ônus e benefícios da urbanização.” (FERNANDES, 2006, p. 15). É a partir do Estatuto das Cidades que o déficit habitacional é notório e latente no Brasil. (FERNANDES, 2006, p. 15). E este déficit diz respeito à quantidade de moradias novas que precisam ser construídas para atender às demandas acumuladas no território nacional, perpassando pela quantidade de domicílios instalados em edificações precárias do ponto de vista físico e cujos ocupantes não possuem condições estáveis de segurança para permanecer vivendo no local. Sabendo que a ideia de déficit habitacional como número a ser superado se torna incabível na medida em que há no país uma média de seis milhões de residências desocupadas (MORADO; BRAGA, 2009), a presente pesquisa traz em suas linhas noções de como o Estado brasileiro tenta sanar este déficit habitacional. Por meio de governos progressista investiu em políticas públicas voltadas à moradia, constituindo uma destas políticas públicas o programa Minha Casa Minha Vida. “Criado com a proposta de atender principalmente a população desprovida de alta remuneração e também realizar parceria com as prefeituras municipais das cidades, principalmente das cidades menores e interioranas.” (PEREIRA, 2017, p. 56), o Programa Minha Casa Minha Vida foi trocado pelo Programa Casa Verde Amarela, sofre uma redução de 91,5% de sua verba, sendo direcionado apenas R$ 34 milhões para o programa, problematizando assim ainda mais a situação habitacional do país. O programa Casa Verde e Amarela estipulado pelo governo Bolsonaro, visa “auxiliar o acesso da população de renda mais baixa à moradia de qualidade e dentro das condições preconizadas pela constituição brasileira.” (BRASIL, 2020), com o objetivo de “permitir que ele funcione em três frentes distintas, que são o financiamento de imóveis, a regularização fundiária e a reforma de obras.” (BRASIL, 2020). Ambos os programas, Minha Casa Minha Vida e Casa Verde Amarela, tem o mesmo objetivo geral, a aquisição da habitação própria pelos cidadãos, porém se apresenta o último 12 como corretor das imperfeições do primeiro, oferecendo uma melhor estrutura para as residências que serão construídas, impedindo que essas zonas sejam abandonadas após a sua concepção.” (BRASIL, 2020) ofertando “conjuntos habitacionais mais próximos de centros urbanos e com infraestrutura compatível.” (BRASIL, 2020). Esses conjuntos habitacionais podem ser conceituados como grupo de casas e outros edifícios construídos em determinada região sob o mesmo aspecto e mesma finalidade. Entretanto como já dito antes, o atual governo suscitou cortes na verba destinada ao programa, além de mudar o nome por mera questão de birra, propõem cortes. Vale frisar que a construção dos conjuntos habitacionais mais próximos aos centros urbanos não elimina o déficit habitacional, poisos custos com a construção desses conjuntos sofrem um aumento consideravelmente alto, onerando cada vez mais os cofres do Estado e dos optantes pelo programa. Se o problema em dar continuidade às políticas públicas habitacionais é o fator ‘gasto’, a solução é a busca de alternativas para diminuir os gastos. A atual situação econômica é desfavorável para todos, buscar equilíbrio é o objetivo, e nesta premissa o direcionamento é voltar a oferta das habitações pelos programas habitacionais federais de forma que não aumente a onerosidade dos cofres públicos. E o presente trabalho vem para servir como uma análise de uma das alternativas possíveis para auxílio na construção dos conjuntos habitacionais, o qual seria o método construtivo a base de container. O sistema construtivo a partir do uso de containers pode ser utilizado em edificações “permanentes ou temporárias, em residências ou comércios, também como instalações de apoio em canteiros de obras, evitam ainda a produção de entulhos por serem recicláveis, e podem ser utilizados conforme criatividade do projetista.” (CALORY, 2015). E assim, busca-se com esta revisão de estudos uma análise sobre o uso deste sistema construtivo, fazendo uma projeção de seu uso na construção de conjuntos habitacionais sociais. 13 2 REVISÃO BIBLIOGRÁFICA 2.1 MORADIAS: CONCEITO, ORIGEM E EVOLUÇÃO A moradia é inerente a existência humana. Nos mais diversos períodos da sociedade e em todas as partes do planeta o homem foi conduzido, mesmo que instintivamente, a procurar abrigo, seja em árvores, formações rochosas, cavernas, ocas indígenas, ou ainda nos iglus dos esquimós; buscando estabelecer o domicílio, mesmo que temporário, para assim garantir minimamente sua individualidade e proteção de suas necessidades essenciais, como a saúde, dignidade e a própria vida. (ARAÚJO, 2021) A moradia, “sendo fundamental para as nossas vidas, é indispensável à reprodução social dos indivíduos (pobres e ricos); constitui-se também no espaço do cotidiano e da intimidade, no local onde grande parte da vivência humana acontece” (MEDEIROS, 2007, p. 13). No entanto, a evolução populacional ocorreu de maneira exponencial, e, consequentemente, a facilidade inicial do homem primitivo para o estabelecimento de moradia e até de propriedade deu lugar à escassez crescente de condições para tanto. No Brasil Na década de 40, quando apenas 31% da população brasileira eram urbanos, as cidades eram vistas como o lado moderno e avançado de um país predominantemente agrário e atrasado. De 1940 a 1980 o PIB brasileiro cresceu a 7% ao ano, o que é um aumento excepcional sob qualquer ponto de vista. O processo de urbanização industrialização parecia representar um caminho para a independência de séculos de dominação da produção agrário-exportadora e de mando coronelista. No início do século XXI, quando 82% da população do país são urbanos, a imagem das cidades, especialmente das metrópoles, se apresenta bastante diversa daquela de 60 anos antes. Violência, enchentes, poluição do ar, poluição das águas, favelas, desmoronamentos, infância abandonada etc. etc. Em apenas nove metrópoles moram 50 milhões de pessoas, mais do que a população da maior parte dos países da Europa ou da América Latina. Em 50 anos, a população urbana brasileira cresceu mais de 100 milhões de indivíduos. A sociedade apenas começa a se dar conta de que o avassalador processo de urbanização foi acompanhado da modernização no modo de vida, no ambiente construído, nas comunicações, sem deixar, entretanto, de reproduzir seu lado arcaico. Isto é, a modernização e apenas para alguns; a cidadania e os direitos. (MARICATO, 1997, p. 78) A Lei de Terras, instituída em 1850, representa o marco histórico para o acesso à moradia, pois trata-se de um instrumento estabelecedor de critérios para aquisição de propriedade no Brasil. A referida lei era um modo para dificultar o acesso à terra para imigrantes e ex-cativos já existentes, tendo em vista os avanços abolicionistas ocorridos até aquela data. 14 Após esse período, tem-se que a busca expressiva pelo direito à moradia se intensifica com a abolição da escravidão, pois, até então, a preocupação com moradia não era algo latente, visto que a maior parte da população era formada por escravizados, que viviam junto a seus donos. Conforme Lehfeld (1988, p. 7): Com a libertação dos trabalhadores escravizados - oficializada pela Lei Áurea, de 1888 - e, ao mesmo tempo, com o impedimento de os mesmos se transformarem em camponeses, quase dois milhões de adultos ex-escravos saem das fazendas, das senzalas, abandonando o trabalho agrícola, e se dirigem para as cidades, em busca de alguma alternativa de sobrevivência, agora vendendo "livremente" sua força de trabalho. Como ex-escravos, pobres, literalmente despossuídos de qualquer bem, resta-lhes a única alternativa de buscar sua sobrevivência nas cidades portuárias, onde pelo menos havia trabalho que exigia apenas força física: carregar e descarregar navios. E, pela mesma lei de terras, eles foram impedidos de se apossarem de terrenos e, assim, de construírem suas moradias: os melhores terrenos nas cidades já eram propriedade privada dos capitalistas, dos comerciantes etc. Esses trabalhadores negros foram, então, à busca do resto, dos piores terrenos, nas regiões íngremes, nos morros, ou nos manguezais, que não interessavam ao capitalista. Assim, tiveram início as favelas. A lei de terras é também a "mãe" das favelas nas cidades brasileiras. Partindo dessa premissa, é importante destacar que no Brasil as pessoas não possuíam condições financeiras para adquirir terras, criando assim os problemas de habitação. E é neste contexto que surgiram as áreas irregulares e os aglomerados urbanos (RENATO PEQUENO 2008). Buscava-se mecanismos para uma vida melhor na cidade. No entanto, não havia onde morar, e a partir disso foram se formando os cortiços, favelas, ocupação de áreas ilegais, ocupação de morros, entre outras. Afirma Maricato (1997, p. 27) que: A concentração da pobreza, a ausência de saneamento básico, o desemprego, a fome, os altos índices de criminalidade, as epidemias, a insalubridade e o congestionamento habitacional nos cortiços eram vistos de forma bem diversa pelas diferentes classes sociais, como mostram tanto os jornais de trabalhadores quanto os documentos oficiais. Estes últimos se referiam aos cortiços e casas de cômodos como degradantes e imorais, e ameaças à ordem pública. Assim, os assentamentos informais, bem como a falta de segurança da propriedade e a baixa qualidade de vida nas cidades, trouxeram como consequência a segregação social. Mercados de terras especulativos, sistemas políticos clientelistas e regimes jurídicos elitistas não têm oferecido condições suficientes e adequadas de acesso à terra urbana e à moradia para os pobres, provocando assim a ocupação irregular e inadequada (FERNANDES,2022). 15 Em 2013, a Fundação João Pereira, juntamente com a Secretaria Nacional de Habitação do Ministério das Cidades, fez uma pesquisa para estimar o déficit habitacional brasileiro em 2010.O levantamento realizado apontou que o déficit habitacional brasileiro total era de 6.940.691 domicílios, confirmando assim os dados do IBGE no Censo Demográfico de 2010. (BRASIL, 2010) Em 2021, a Fundação João Pinheiro, da Pampulha, Minas Gerais, divulgou uma pesquisa com os dados referentes ao déficit habitacional no ano de 2019 no Brasil, em que constatou-se, que o principal componente do déficit habitacional no Brasil foi o ônus excessivo com o aluguel urbano. Ao todo, 3,035 milhões de domicílios, cuja renda domiciliar era inferior a três salários mínimos, utilizaram mais de 30% dela com aluguel, o que representa 51,7% do total do déficit do país. Em seguida, vieramas habitações precárias, com 1,482 milhão de unidades, o que corresponde a 25,2% do déficit, e, por último, a coabitação, com 1,358 milhão de domicílios, equivalente a 23,1% do déficit total. A Lei n. 10.257 de 10 de julho de 2001, denominada Estatuto da Cidade, regulamentou o capítulo da Política Urbana (Art. 182 e Art. 183) da Constituição Federal de 1988, com o objetivo de ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e da propriedade urbana. A lei foi criada para estabelecer normas de ordem pública e interesse social para regular o uso da propriedade urbana em prol do bem coletivo, da segurança e do bem-estar dos cidadãos, bem como do equilíbrio ambiental. (BRASIL, 2001) Entende-se que o acesso à moradia além de ser uma necessidade é também um direito de todo o cidadão. Porém, a obtenção de uma moradia para a classe de menor poder de compra está permeada por uma série de limitações, entre as quais a desigualdade social, políticas habitacionais excludentes, falta de emprego, má distribuição de renda, entre outros. (MARTINS, 2007) Neste sentido, a falta de habitação no Brasil é uma questão histórica a ser sanada pelo Estado, pois o desenvolvimento das cidades brasileiras não comportou, espontaneamente, a inclusão de todos ao acesso à moradia. É um direito da população e um dever do Estado garantir que o acesso à moradia seja possível à todos, fazendo valer assim o princípio constitucional da dignidade da pessoa humana. 2.2 CIDADES: ORIGEM E EVOLUÇÃO 16 Cullen (1971) definiu cidade como: “uma unidade geradora de um excedente de bem- estar e de facilidades que leva a maioria das pessoas a preferirem – independentemente de outras razões – viver em comunidade a viverem isoladas.” (CULLEN, 1971, p. 9). Estudos arqueológicos apontam que o homem viveu durante muito tempo como nômade. No entanto, a necessidade de segurança e alimento em quantidade apropriada, conduziu essas comunidades do estágio de nomadismo para a fixação em locais específicos. Ainda segundo Monte-Mór (2006, p. 6): De fato, alguns dos conceitos centrais da vida contemporânea derivam da cidade, tanto em sua forma espacial quanto em sua organização social. Da ideia grega de polis vem o conceito de política, enquanto do latim civis e civitas vêm cidadão, cidadania, cidade e mesmo, civilização. Também do latim veio o sentido de urbano, com dupla conotação: de urbanum (arado) veio o sentido de povoação, a forma física da ocupação do espaço de vida delimitado pelo sulco do arado dos bois sagrados que marcava o território da produção e de vida dos romanos; da sua simplificação semântica vieram urbe e urbs, este último termo referindo-se a Roma, cidade império, centro do mundo e assim, desaparecido até as grandes cidades da era moderna. Por volta do ano 4.000 a.C. começaram a surgir os primeiros agrupamentos humanos urbanos e assim o aumento da população vai transformando as pequenas aldeias em cidades, provocando mudanças na organização social do grupo. Conforme Castells (2000, p. 42): Os primeiros aglomerados urbanos sedentários com forte densidade populacional aparecem no fim do neolítico, no momento em que as técnicas e as condições sociais e naturais do trabalho permitiram aos agricultores produzir mais do que tinham necessidade para subsistir. A partir deste momento um sistema de divisão e de distribuição se desenvolve, como expressão e desdobramento de uma capacidade técnica e de um nível de organização social. As cidades são a forma residencial adotada pelos membros da sociedade cuja presença direta nos locais de produção agrícola não era necessária. Estas cidades só podem existir na base do excedente produzido pelo trabalho da terra. Não foi diferente na criação das cidades brasileiras, as quais em sua maioria foram criadas de forma desordenada, com pouco ou nenhum planejamento, trazendo como consequência fragmentação social e espacial, trazendo consigo segregação, especialmente nas regiões metropolitanas, mas que se ocorrem cada vez mais também nas cidades de porte médio. Loteamento de áreas demarcadas muita das vezes irregularmente provoca aumento a falta de estrutura das cidades. O loteamento irregular, por sua vez é uma doença urbana. Esse problema pode ser sanado, quem sabe, não somente com rigorosa legislação e com fiscalização de uso e ocupação 17 do solo, mas talvez com uma rigorosa política social e habitacional. As cidades brasileiras são marcadas pela presença dos assentamentos informais, vilas, loteamentos clandestinos e favelas que se estabelecem em espaços instáveis, vulneráveis e inseguros onde reside grande parte da população. (ROMÉRO; PHILIPPI; BRUNA 2004) A escala alcançada pela urbanização começou a provocar iniciativa, por parte do Estado, e modificações na administração pública. Um dos resultados, nesse sentido, é o aparecimento de uma nova atividade governamental com a finalidade específica de tratar dessas novas entidades que estavam surgindo: as aglomerações urbanas. É o nascimento do planejamento e, particularmente, do planejamento urbano. (DEÁK, 2004, p.12). As ações se desencadearam em razão de diversos problemas que estavam acontecendo, tais como epidemias, rebeliões e delinquência. Diante disso, médicos sanitaristas, sociólogos e outros especialistas elaboraram modelos para reencontrar a “normalidade”. De fato, dentre outras formas de ilegalidade urbana, a proliferação de favelas e loteamentos clandestinos/irregulares é uma das consequências mais fundamentais do processo de exclusão socioespacial que tem caracterizado o crescimento urbano no país. Ao longo das décadas de urbanização intensiva, dada a combinação entre a falta de uma política habitacional de cunho social e a ausência de opções acessíveis adequadas, oferecidas pelo mercado imobiliário, um número cada vez maior de brasileiros tem tido nas favelas e nos loteamentos periféricos a única forma possível de acesso ao solo urbano e à moradia... Na falta de políticas habitacionais adequadas, cortiços e invasões, geralmente em áreas impróprias para ocupação humana, têm sido as formas contemporâneas de acesso à moradia nas cidades. (FERNANDES, 2008b, p. 55). A irregularidade dos assentamentos urbanos não se limita somente às famílias de baixa renda, ocorre também com as famílias que possuem melhor poder aquisitivo. Por isso, a Lei nº 11.977/2009 criou dois tipos básicos de regularização fundiária para atingir o máximo de situações vividas na cidade. Dessa maneira, a referida lei instituiu que, para os casos de assentamentos irregulares habitados por população de baixa renda, será aplicada a regularização fundiária de interesse social, já para os demais casos será adotada a regularização fundiária de interesse específico (MELO, 2010, p. 199). 2.2.1 Crescimento Desordenado das Cidades Brasileiras O crescimento desordenado dos grandes centros urbanos no Brasil é uma realidade. Dados do Censo de 2010 indicam que 5,61% das moradias do Brasil, distribuídas em 323 municípios, são aglomeradas subnormais classificadas como: 18 (...) observados os critérios de padrões de urbanização e/ou de precariedade de serviços públicos essenciais, nas seguintes categorias: invasão, loteamento irregular ou clandestino, e áreas invadidas e loteamentos irregulares e clandestinos regularizados em período recente (IBGE, 2010). Tem-se como um dos problemas oriundos desse crescimento, a procura por moradia, incentivando os loteamentos clandestinos e irregulares, além de ocupações que sofrem com o descaso do poder público (COUTO, 2011). Maricato (2002 apud Nogueira, 2007) ratifica que as maiores dificuldades enfrentados pelas populações de grandes cidades são a segregação social, as dificuldades de acesso aos serviços de infraestrutura, a falta de oportunidades de profissionalização,a maior exposição à violência, a discriminação contra grupos menos favorecidos (e.g., racial, mulheres e crianças), o difícil acesso ao lazer, entre outros que geram a decadência dos ambientes em que vivem essas populações. Conforme Crepaldi (2002), o processo de edificação das cidades, responsável pelos fenômenos da exclusão social e territorial, é também o responsável pela deterioração ambiental - poluição da água e do ar, demanda energética proeminente e desnecessárias, problemas de abastecimento de água, desmatamentos e desequilíbrios bioclimáticos, que ascende na má qualidade de vida nas cidades e na crise do homem com seu espaço. Segundo Novak (1988), no Brasil entre 1940 e 1991, a população total cresceu 355% e a urbana em torno de 750%. Esse crescimento demográfico se atribui a uma natalidade proeminente e a uma queda na taxa de mortalidade, como consequência de melhorias sanitárias, aumento nos padrões de vida e a urbanização (SANTOS, 1993, apud JÚNIOR, 1995). Em 1980, o IBGE registrou 480.595 residências em favelas, o que correspondia a 1,89% dos domicílios brasileiros; em 1991 este número sobe para 1,14 milhões de casas em favelas, correspondendo a 3,28% do total dos domicílios brasileiros. (MARICATO, 2001). Já para Gavrilidis et al. (2017), o crescimento urbano e sua influência negativa na qualidade de vida da população é um desafio que conduz a comunidade cientifica, autoridades e partes interessadas para a identificação de soluções para sanar ou minimizar essa tendência. Casimiro (2019): A cidade, composta de espaços, públicos e privados, situados em um mesmo território recebe o impacto da diversidade sociocultural complexa que se defende como caracterizadora do direito à cidade. Nesse sentido, reforça-se que sua concepção agrega o sentimento da vida citadina, com pessoas desempenhando papéis e reproduzindo sua existência em todos os níveis sociais. O respeito às características 19 sociais na (re)concepção das cidades é fundamental para compreender e promover o direito à cidade como um bem comum que cumpra com as previsões normativas que tanto a Constituição Federal quanto o Estatuto da Cidade apontam, pois trata-se de expressões da vontade humana de poder ser, de agregar dignidade à condição humana dos brasileiros e das brasileiras (p. 177). No entendimento de Serpa (2007) e Pequeno (2008), o que desencadeou o processo de favelização das cidades brasileiras foram: a decorrência de migração, o crescimento populacional, a alta demanda por habitação. Além disso, a falta de condições de possuir moradia nas áreas que já possuíam algum tipo de infraestrutura por parte da população cuja renda média é baixa não possibilitava uma outra escolha a não ser a construção desordenada das habitações. Dada essa urbanização desordenada, sobretudo durante os séculos XVIII e XIX, a combinação entre a falta de uma política de habitação de interesse social somada a falta de opções para acesso ao mercado imobiliário, o número de brasileiros vivendo em loteamentos periféricos se destacou. Era a única forma conhecida e possível para que pessoas de baixa renda pudessem ter um teto sobre suas cabeças. (FERNANDES 2003) Na medida em que as favelas foram crescendo e se consolidando, elas passaram a se estabelecer como verdadeiros incômodos urbanos. As favelas passaram a ser vistas como barreira física, impedindo a expansão do sistema viário; como agentes da degradação ambiental, como focos de insalubridade dada a falta de saneamento, como antros de marginais devido às precárias condições de moradia. A favela no olhar de muitos era e é referencial de marginalização e exclusão social. (PEQUENO, 2008) 2.2.2 Estatuto das Cidades Para a regulamentação do texto constitucional - Arts. 182 e 183, foi elaborado o Estatuto da Cidade – Lei Federal nº 10.257, em 2001, para que os municípios pudessem aplicar a política urbana por meio de suas normas, ferramentas gerais e específicas, assim como para proporcionar a viabilidade jurídica para a prática do planejamento. Edésio Fernandes (2006, p. 37) ratifica que: Foram necessários mais de dez anos de discussões, emendas e substitutivos de toda ordem para que o projeto de lei nº 5.788 originalmente proposto em 1990 pelo Senador Pompeu de Souza - e que representava, pelo menos em parte, uma nova encarnação de diversos outros anteprojetos e projetos de leis discutidos ao longo de décadas, merecendo destaque o projeto de lei nº 7.775/83, de autoria do Poder executivo - fosse 20 finalmente aprovado. O texto final da lei revela todas as dificuldades do tenso processo de negociação e barganha que se deu entre diversos interesses existentes em relação à questão do controle jurídico do desenvolvimento urbano. O Estatuto da Cidade reforça que o desenvolvimento das cidades deverá acontecer de maneira fundamentável, com a ocupação dos espaços de forma ordenada, ou seja, sem conflitos, sem destruição e sem degradação do meio ambiente natural. O guia para a implantação do Estatuto das Cidades traz em si a seguinte afirmação: Poucas leis na história do Brasil foram construídas com tanto esforço coletivo e legitimidade social. A aprovação do Estatuto da Cidade é uma conquista dos movimentos populares, que se mobilizaram por mais de uma década na luta por sua aprovação. Esta luta foi conduzida a partir da ativa participação de entidades civis e de movimentos sociais em defesa do direito à cidade e à habitação e de lutas cotidianas por melhores serviços públicos e oportunidades de uma vida digna. Sem dúvida, estamos diante de uma lei admiravelmente progressista, inovadora, com vocação democrática, autenticamente voltada para construção de cidades onde será sempre preservado o bem estar coletivo da população. Esta grande vitória na conquista do Estatuto, entretanto, só se efetivará na medida em que as forças sociais que o construíram busquem torná-la realidade no cotidiano das práticas administrativas de nossas cidades. (BRASIL, 2022). O art. 2º do Estatuto apresenta inúmeras diretrizes que devem ser respeitadas pelos Municípios, entre elas a “regularização fundiária e urbanização de áreas ocupadas por população de baixa renda mediante o estabelecimento de normas especiais de urbanização”, ressaltando ainda que devam ser observadas as normas ambientais. Neste sentido Edésio Fernandes (2006, p. 15) afirma que: O Estatuto da Cidade promoveu uma mudança estrutural do planejamento urbano brasileiro, que passa a ser não apenas o planejamento regulatório tradicional, mas também um planejamento indutor de processos territoriais e urbanísticos que tenham um impacto direito na dinâmica dos preços de mercado imobiliário, processo esse que pode levar à ocupação de vazios urbanos e à distribuição mais justa dos ônus e benefícios da urbanização. Assim, consoante à lição de Gonçalves (2011, p. 272), “a aprovação do Estatuto da Cidade revela intenção do legislador em reconhecer os direitos aos moradores de favelas, aos grupos desprovidos de moradia ou habitantes de assentamento precários”. 21 2.3 O DÉFICIT DE HABITAÇÃO NO BRASIL Conforme a Fundação Getúlio Vargas, (2018, p.7) o déficit habitacional “refere-se à estimativa de deficiências no estoque de moradias frente às necessidades básicas das famílias”. O déficit habitacional é calculado como a soma de quatro componentes: (a) domicílios precários; (b) coabitação familiar; (c) ônus excessivo com aluguel urbano; e (d) adensamento excessivo de domicílios alugados. Os componentes são calculados de forma sequencial em que a verificação de um critério está condicionada à não ocorrência dos critérios anteriores. A forma de cálculo garante que não haja contagem de domicílios, exceto pela coexistência de algum dos critérios e uma ou mais famílias conviventes secundáriasque desejem construir novo domicílio. (FUNDAÇÃO JOÃO PINHEIRO, 2015, p.5). Dentro desta perspectiva, o déficit habitacional diz respeito à quantidade de moradias novas que precisam ser construídas para atender às demandas acumuladas no território nacional. Trata-se da quantidade de domicílios instalados em edificações precárias do ponto de vista físico e cujos ocupantes não possuem condições estáveis de segurança para permanecer vivendo no local. De acordo com Santos (1996, p. 10): O processo brasileiro de urbanização revela uma crescente associação com o da pobreza, cujo locus passa a ser, cada vez mais, a cidade, sobretudo a grande cidade. O campo brasileiro moderno repele os pobres, e os trabalhadores da agricultura capitalizada vivem cada vez mais nos espaços urbanos. A indústria se desenvolve com a criação de pequeno número de empregos e o terciário associa formas modernas a formas primitivas que remuneram mal e não garantem a ocupação. Segundo Foragi (2012) o déficit habitacional é um problema social no Brasil há muito tempo e se tornou um problema estrutural gravíssimo que só é sanado com os esforços governamentais na promoção do desenvolvimento socioeconômico. A Fundação João Pinheiro (2008, p. 18) entende que o déficit habitacional encontra-se [...]ligado diretamente às deficiências do estoque de moradias. Engloba tanto aquelas moradias sem condições de serem habitadas em razão da precariedade das construções ou do desgaste da estrutura física. E que devem ser repostas, quanto à necessidade de incremento do estoque, decorrente da coabitação familiar ou da moradia em locais destinados a fins não residenciais. O déficit habitacional pode ser entendido, portanto, como déficit por reposição do estoque e como déficit por incremento de estoque. 22 Morais (2002) ratifica que as favelas e os assentamentos informais, localizados nas áreas centrais e nas periferias das principais regiões metropolitanas, representam a expressão mais notória dos problemas habitacionais. Esses incluem a exclusão social e a segregação espacial da população pobre nas favelas. O Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) trouxe um estudo voltado para a evolução do déficit habitacional no Brasil, evidenciando a redução sistemática do mesmo de 2007 a 2012. O instituto constatou que o déficit passou de 5,59 milhões de moradias, em 2007, para 5,24 milhões, em 2012, aliado com o incremento da quantidade total de moradias. O único componente do déficit que permaneceu alto foi o ônus excessivo com aluguel, passando de 1,756 milhão de moradias, em 2007, para 2,293 milhões, em 2012, caracterizando um aumento de 30% em um período de cinco anos. [...] o déficit habitacional precisa ser combatido a partir de uma política continua de oferta de moradia, que não se combate o déficit habitacional com um programa isolado e localizado no tempo, ou em um único governo, e que só será possível combater o déficit habitacional, se o Governo Federais, os Estaduais e Municipais, trabalharem em conjunto e de forma permanente. (MAGELA, 2015). A ideia de déficit habitacional como número a ser superado se torna incabível na medida em que há, no país, uma média de seis milhões de residências desocupadas. Essa estatística evidencia não apenas a má distribuição das moradias - em virtude da atuação dos agentes do mercado privado - mas também o pequeno poder de compra da população da classe baixa no acesso ao estoque habitacional apropriado (MORADO e BRAGA, 2009). Para Noal e Janczura (2011), a crise habitacional agravou-se concomitante ao processo de crescimento e urbanização das cidades, uma vez que, as iniciativas governamentais eram pouco significativas e tratavam os problemas de forma superficial, sem uma base sustentável necessária para a resolução do problema. As cidades estão longe de oferecer condições e oportunidades equitativas a seus habitantes. A maior parte da população urbana está privada ou limitada – em virtude de suas características econômicas, sociais, culturais, étnicas, de gênero e idade – nas possibilidades de satisfazer suas mais elementares necessidades. Diante de tal realidade, nosso desafio é construirmos cidades justas e democrática, baseado nos princípios da solidariedade, liberdade, equidade, dignidade e justiça social. A participação dos atores locais, especialmente dos movimentos sociais e associações populares, torna-se decisiva para a construção dessas cidades. A Relatoria18 para contribuir com este processo promove a defesa do direito a cidade compreendido como um direito coletivo dos habitantes das cidades e povoados, em especial dos grupos vulneráveis e desfavorecidos, ao usufruto da riqueza e cultura das cidades, sem distinções de gênero, nação, raça, linguagem e crenças. Inclui o direito à terra, aos meios de subsistência, à moradia, ao saneamento, à saúde, à educação, ao transporte 23 público, à alimentação, ao trabalho, ao lazer, à informação, a preservação da herança histórica e cultural (SAULE JÚNIOR; CARDOSO, 2005, p. 23). O combate ao déficit não pode se restringir somente aos números. A questão habitacional no Brasil foi quase sempre levada como apenas quantitativa, e o sucesso ou fracasso dos programas medido pelo número de unidades construídas. É óbvio que deveria ter outros fatores envolvidos, como a maior articulação deles com políticas urbanas e sociais. (MARICATO, 2009). Proporcionar Habitação para a população urbana não significa, somente possibilitar o acesso a unidades habitacionais, entendidas simplesmente como abrigos. A Habitação constitui um conjunto de elementos além da unidade propriamente dita, supondo a existência de infraestrutura urbana (redes de água e esgoto, iluminação pública, drenagem pluvial, pavimentação, redes de informação, etc) e serviços urbanos (transporte, saúde, educação, coleta de lixo, lazer, cultura, etc.). Este conceito da “unidade + infra-estrutura urbana + serviços urbanos” sempre estiveram presentes nas discussões sobre a produção habitacional, embora, nem sempre foram efetivadas. (SILVA, 2008) Na concepção de Ribeiro e Pechman (1985), a razão de haver conjunto habitacional é que grande parte da população urbana brasileira não está incluída no mercado da produção de residências. Sendo duas as razões: de um lado, uma distribuição extremamente desigual da renda gerada na economia e, de outro lado, as condições que regem a produção capitalista de moradia no Brasil, que trazem um elevado preço ao direito de habitar a cidade. Pode-se conceituar um conjunto habitacional como um grupo de casas e outros edifícios construídos em determinada região sob o mesmo aspecto e mesma finalidade. Para ser considerado um conjunto habitacional é necessário conter alguns aspectos: apresentar baixo custo para a execução da obra, ter o tempo de construção mais rápido que os demais empreendimentos, conter espaços mais compactos e padronizados, localizado fora dos grandes centros, mas com fácil acesso à serviços públicos. Para tentar sanar este déficit habitacional, o Estado brasileiro por meio de governos progressista investiu em políticas públicas voltadas à moradia, sendo que graças as revoluções de 1930. As primeiras intervenções públicas na área de habitação popular inserem-se nesse contexto e têm fundamentalmente como objetivo mostrar às populações urbanas de baixa renda a preocupação do governo com seus problemas. Apesar de a retórica dos discursos serem repleta de boas intenções, as realizações concretas se mostravam bastante modestas e de discutível impacto sobre as precárias condições de moradia das classes de baixa renda. Parece, assim, que, para as autoridades públicas, o mais importante era reafirmar sua determinação de enfrentar o desafio da questão 24 habitacional e manter acesa a esperançada possibilidade de cada um individualmente, poder resolver seu problema habitacional. (AZEVEDO, 1988, p. 107). Dando um salto na história com o foco no objetivo do presente trabalho e não por desprezo das linhas de estudo nem muito menos para com as políticas públicas criadas para sanar o déficit habitacional, debruça-se sobre o programa Minha Casa Minha Vida uma das vias a construção de conjuntos habitacionais sociais. Em razão dessas inúmeras políticas públicas habitacionais colocadas em prática no país não terem conseguido solucionar o déficit habitacional no Brasil, o Programa Minha Casa Minha Vida é criado com a proposta de atender principalmente a população desprovida de alta remuneração e também realizar parceria com as prefeituras municipais das cidades, principalmente das cidades menores e interioranas. São essas características da estrutura organizacional do programa que iremos visualizar no próximo tópico. (PEREIRA, pg. 56, 2017) Ressalta-se que o Minha Casa Minha Vida, programa habitacional do governo federal criado em março de 2009 pelo governo do então presidente Lula, tinha como “objetivo financiar a construção de moradias para famílias com renda bruta de até R$ 7.000,00 e oferecer subsídios que variam de acordo com a renda dessas famílias.” Um impulsionador da construção civil no país, o programa, tendo a Caixa Econômica Federal a facilitadora de financiamento do imóvel, objetivava atender Famílias: a) com renda de até R$ 1.800,00 o imóvel com o valor máximo de R$ 96.000; b) com renda de até R$ 2.600,00, um imóvel com o valor máximo de R$ 144.000; c) com renda de até R$ 4.000,00 sendo o valor máximo do imóvel de R$ 240.000; e d) com renda de até R$ 7.000,00 com o valor máximo do imóvel de R$ 300.000. As famílias com renda de até R$ 1.800,00 devem procurar em primeiro lugar a prefeitura de sua cidade para realizar o cadastramento de interesse de um imóvel pelo programa Minha Casa Minha Vida. A prefeitura fará o cadastramento gratuito, a seleção e informará os selecionados para o imóvel. Além da prefeitura, isto também pode ser feito por meio de outros movimentos sociais como cooperativas habitacionais, associações ou outras entidades envolvidas com a causa da habitação. (PEREIRA, pg. 56, 2017) E é nesse momento que os conjuntos habitacionais se encaixam, para atender esta parcela da população brasileira, um acordo entre o poder público e setor privado proporcionando a construção destes conjuntos. A ideia era proporcionar acesso à moradia própria para todos os cidadãos brasileiros, tanto em áreas rurais como em ambientes urbanos. O objetivo era fornecer condições 25 especiais de financiamento por meio de parcerias entre o sistema público e outras empresas. (BRASIL, 2021) E um dos requisitos para considerar um empreendimento como um conjunto habitacional é o baixo custo em sua construção e o programa Minha Casa Minha Vida configura em empreendimento de qualidade e com redução dos custos. 2.4 POLÍTICA HABITACIONAL BRASILEIRA Na estimativa da Organização das Nações Humanas (ONU) a população urbana deve passar de 56% do total global em 2021 para 68% em 2050. Neste sentido, o Estado tem adotado políticas públicas em atenção às demandas da coletividade. William Jenkins (1978, apud HOWLETT, 2013) apresenta a política pública como: Um conjunto de decisões inter-relacionadas, tomadas por um grupo de atores políticos, e que se referem à seleção de objetivos e dos meios necessários para alcançá-los, (JENKINS, 1978 apud HOWLETT, 2013). A política habitacional é um dos campos mais complexos do planejamento governamental. Implica estimar a demanda presente e futura, controlar os problemas físicos da produção, regular a oferta e a procura, e assegurar preço final que a população possa pagar. Mudanças na estrutura social (demografia, composição etária, renda, mobilidade geográfica etc.) desafiam o planejador. Essa complexidade também se reflete na multiplicidade de atores envolvidos na promoção da moradia: governos (municipais, estaduais e federal), empresários, bancos, movimento sociais, “sem tetos” e moradores em construções sub-humanas. O mesmo ocorre quanto à diversidade da clientela e suas necessidades singulares: classe média, “sem-teto”, moradores em favelas, cortiço, áreas de risco, áreas de mananciais, comunidades quilombolas e indígenas. Cada situação requer o desenho de política específica: moradia para classe média regularização fundiária, urbanização de favelas, remoção de áreas de risco, atuação em áreas centrais (cortiços e “vazios” urbanos), produção habitacional (mutirão associativo e produção empresarial), aluguel social, atuação em área de proteção ambiental e atendimento às comunidades com cultura e costumes próprios (quilombolas e indígenas). Em função dessa enorme complexidade, algumas correntes de pensamento defendem que o Estado tem papel central na promoção do bem-estar dos mais pobres. A “habitação social” atuaria como mecanismo de distribuição indireta da renda (FAGNANI, 2004) No entendimento de Rua essas ações “consistem no conjunto de procedimentos formais e informais que expressam relações de poder e que se destinam à resolução pacífica dos conflitos quanto a bens públicos” (RUA, 2009 p. 17). 26 Vale lembrar que, a primeira ação evidenciando uma preocupação por parte do Estado em instituir uma alternativa ou o mais similar de uma política pública habitacional ocorre com a criação da Fundação da Casa Popular (1946): A FCP foi criada em 1946 para funcionar como uma resposta social a um contexto de fortes pressões dos trabalhadores e de crescimento do Partido Comunista. Apesar de ter recebido diversas funções relacionadas à política urbana em geral, essa fundação se tornou inoperável, devido ao acúmulo de atribuições, à falta de recursos e de força política, somadas à ausência de respaldo legal; assim, em 1952, o governo federal reduziu as atribuições da FCP. (MOTTA, 2010, p 02) Posteriormente, no ano de 2000 a Lei Federal 10.257 instituiu entre outras diretivas, a função social da propriedade regulando as demais atribuições e permissões, como a demarcação de zonas especiais e de interesse social (MOTTA, 2010). O Ministério da Cidadania apresenta os seguintes objetivos da Política Nacional de Habitação: a) Universalizar o acesso à moradia digna em um prazo a ser definido no Plano Nacional de Habitação, levando-se em conta a disponibilidade de recursos existentes no sistema, a capacidade operacional do setor produtivo da construção, e dos agentes envolvidos na implementação da PNH; b) promover a urbanização, regularização e inserção dos assentamentos precários à cidade; c) fortalecer o papel do Estado na gestão da Política e na regulação dos agentes privados; d) tornar a questão habitacional uma prioridade nacional, integrando, articulando e mobilizando os diferentes níveis de governo e fontes, objetivando potencializar a capacidade de investimentos com vistas a viabilizar recursos para sustentabilidade da PNH; e)democratizar o acesso à terra urbanizada e ao mercado secundário de imóveis; f) ampliar a produtividade e melhorar a qualidade na produção habitacional; g) Incentivar a geração de empregos e renda dinamizando a economia, apoiando-se na capacidade que a indústria da construção apresenta em mobilizar mão de obra, utilizar insumos nacionais sem a necessidade de importação de materiais e equipamentos e contribuir com parcela significativa do Produto Interno Bruto (PIB) (BRASIL, 2004). A política habitacional que teve início no governo do presidente Lula previa a criação do Ministério das Cidades, além da construção de uma política urbana com propostas setoriais que, naquele momento, estabeleciam intervenções nas áreas de habitação, saneamento básico, transporte e planejamento territorial(MARICATO, 2005). Posteriormente, veio o programa Minha Casa Minha Vida, em abril de 2009, com o objetivo de construir de 1 milhão de moradias. O pacote, por seu caráter anticíclico, teria o papel de sanar os possíveis efeitos da crise de 2008 sobre a economia brasileira ao gerar empregos e, ao mesmo tempo, facilitar o acesso à moradia no país. Em substituição ao programa Minha Casa Minha Vida, o governo Bolsonaro instituiu o programa Casa Verde Amarela, que segundo o Ministério de Desenvolvimento Regional, busca facilitar o acesso da população, 27 sobretudo de baixa renda, à casa própria. Além da produção de moradias subsidiadas e do financiamento habitacional, a iniciativa também tem como pilares a regulação fundiária, a melhoria habitacional e a locação social. (BRASIL, 2020) 2.5 CONSTRUÇÃO MODULAR: O USO DE CONTAINERS NA CONSTRUÇÃO CIVIL A autora Carolina Neiva Santos (2017, s/n) conceitua a construção modular como “um processo industrializado da construção que é realizado através da junção de seções ou módulos fabricados em um determinado local e posteriormente transferidos e montados na sua obra.”. A Construção Modular teve sua origem na Europa, mas foi nos Estados Unidos que sua popularidade foi elevada. A construção modular é um dos sistemas construtivos com maior nível de produção offsite (fora do canteiro de obras), tornando-se popular recentemente devido ao avanço da pandemia de COVID-19, pela construção de hospitais emergenciais, mas vale lembrar de sua ascensão derivada da 2ª Guerra Mundial. (BASTOS 2015). Formado por conjunto de módulos construídos em fábricas e com altos níveis de finalização, entregues no canteiro, montados e consolidados na fundação permanente, tende-se a afirmar que a construção modular é vantajosa para o meio ambiente, para economia e para as causas sociais, cooperando com o alcance das metas de sustentabilidade (HEWAGE, 2016). A construção modular é gerida pela NBR 15.873:2010 no Brasil, a norma tem como objetivo promover a compatibilidade dimensional entre elementos e componentes construtivos, permitindo racionalizar processos e definindo princípios da coordenação modular para edificações (ALMEIDA, 2015). As principais vantagens na utilização da construção modular são: a) aumento da produtividade; b) redução de desperdícios; c) redução de custos; d) melhoria da qualidade; e) redução do impacto ambiental; f) redução do tempo de execução, melhoria da segurança do trabalho e flexibilidade na execução. Já as principais desvantagens são: limitações do projeto, dificuldades na interface com outros sistemas construtivos e falta de profissionais capacitados. (SEBA; SANTOS; RORIZ 2020 p.2). Com o avanço da tecnologia e o aumento da demanda, esse sistema construtivo vem se popularizando cada vez mais, oferecendo soluções inovadoras para o mercado da construção civil, para isto basta acertar na escolha do sistema modular mais adequado para a obra que se 28 pretende realizar. E para o presente trabalho dentre todos os sistemas modulares existentes se fez a escolha da utilização de Containers na construção de conjuntos habitacionais. 2.5.1 Containers: conceito, origem e estrutura. O Artigo 4º do Decreto nº 80.14/1977 preceitua que o Container é um recipiente construído de material resistente, destinado a propiciar o transporte de mercadorias com segurança, inviolabilidade e rapidez, dotado de dispositivo de segurança aduaneira e devendo atender às condições técnicas e de segurança previstas pela legislação nacional e pelas convenções internacionais ratificadas pelo Brasil (BRASIL, 1977, pág. 01). Basicamente, os containers “são caixas dimensionadas para resistirem a solicitações mecânicas de diferentes formas. Eles precisam suportar a compressão que é gerada pelo empilhamento além dos impactos de carga/descarga e transporte.” (OLIVEIRA; VALE; ZANOLLA; NETTO; ANDRADE, 2020, p. 02) Tendo como seu primeiro objetivo, organização e aproveitamento de todo espaço dentro de navios, os containers surgiram em 1956, sendo ideia de McLean. O norte americano se utilizou de um trailer de tamanho padrão para tal feito, realizar o primeiro transporte marítimo de cargas em um navio petroleiro. (BRASILMAXI, 2018). Os containers foram criados com a intenção de facilitar e evitar perdas e desperdícios no transporte de cargas e os primeiros registros de seu uso além do transporte, foi como espaço para armazenamento em fazendas e fábricas. Ao longo dos anos as zonas portuárias foram superlotando com a quantidade de containers que chegavam e não retornavam para o seu país de origem, ficando abandonados ou estocados nos galpões. Isso acontece por que o custo de retorno dos containers pode ser mais caro do que a aquisição de um novo. Com o passar do tempo observou-se que o container poderia ter outras funções, como por exemplo, servir de moradia. Inicialmente eles eram utilizados como abrigos improvisados para população que sofreu com acidentes, desastres naturais ou guerras em seus países, alternativa essa muito utilizada no Japão e Europa, onde a ideia já é aceita e bem vista há anos. (PARRA; RODRIGUES, 2017) Por ter seu objetivo de criação o transporte de mercadoria, ao final de sua vida útil são descartados muita das vezes não em seu país de origem, mas em seu local de destino. O container possui em sua estrutura perfis de aço corten, material com alta resistência mecânica, propriedades anticorrosivas e boa soldabilidade. Sendo os fechamentos das laterais e da parte de trás em painéis de chapa corrugada. Além de ser composto por 4 pilares que são ligados a vigas, tanto na parte inferior como na superior, e vigas que sustentam o piso (PARRA; 29 RODRIGUES, 2017). A imagem abaixo demonstra os detalhes da estrutura básica de um container. Figura 1: Elementos estruturais de um container Fonte: Revista Brasileira Multidisciplinar (REBRAM 2021) 30 Em cima da estrutura de aço do piso, coloca-se um assoalho de madeira e uma grossa lâmina de compensado naval. Além de, em alguns pontos, utilizar rebites ou soldas para a junção de seus perfis, gerando maior resistência (SAWYERS apud PIRES, 2021). De acordo com o site Delta Containers, os contêineres marítimos são fabricados com um material especificamente desenvolvido, o aço corten, que traz em sua composição cobre e fósforo para reduzir os efeitos de corrosão quando exposto a atmosferas agressivas, com alta salinidade, por exemplo. Esse tipo de aço é utilizado também em construção civil e ferrovias. Durante sua construção, em uma das etapas de fabricação, ocorre um tratamento térmico especial da superfície da estrutura, com uma elevação da temperatura em até 736 ºC, seguida de uma diminuição controlada, para alcançar a resistência mecânica esperada. (PRADO; BONFIM 2020). Sendo os containers os revolucionários no transporte de cargas, podem ser construídos de aço, de alumínio, polímero reforçado com fibra ou uma combinação de todos (PRADO; BONFIM 2020), e segundo Hapag-Lloyd (2020) os principais containers estão dispostos da seguinte forma segundo a imagem abaixo: Figura 2 Containers Dry box Fonte: Adaptado do site Conexos (2022) Baby usado na construção de banheiros provisórios, guaritas, container Baby possui 10 pés com medidas externas de 2,99 metros de comprimento, 2,44 metros de largura, 2,59 metros de altura, suportando até 9,30 toneladas. Muito utilizado para fazer guaritas e banheiros provisórios. (SANTOS, 2017 p. 16) Dry é usado na construção civil e classificado em 3 tipos): o Dry Standard 20: possui 20 pés, sendo suas medidas externas de 6,06 metros de comprimento, 2,44 metros de largura e 31 2,59 metros de altura, suportando até 21,92 toneladas; o Dry Standard 40: possuindo 40 pés, com medidas externas de 12,19 metrosde comprimento, 2,44 metros de largura e 2,59 metros de altura, tolerando cargas de até 28,78 toneladas; e o Dry High Cube 40: um container de 40 pés, tendo como medidas externas 12,19 metros de comprimento, 2,89 metros de largura e 2,89 metros de altura, aguentando cargas de até 28,60 toneladas. (SANTOS, 2017 p. 16). A imagem abaixo traz detalhes do formato do container Dry Box. Figura 3: Containers Dry Box 20, 40 e High-Cube Fonte: Adaptado do site Conexos (2022) Open top, subdividido em dois tipos: Open top 20 de 20 pés, sendo suas medidas externas de 6,06 metros de comprimento, 2,44 metros de largura e 2,59 metros de altura e com capacidade de carga de 28,18 toneladas; e Open top 40, um container de 40 pés, possuindo medidas externas de 12,19 metros de comprimento, 2,44 metros de largura e 2,59 metros de altura com a capacidade para suportar cargas de até 26,56 toneladas. (SANTOS, 2017 p. 16). Reefer 20: um container refrigerado usado quando há a necessidade de câmara fria, possui 20 pés, e suas medidas externas são de 6,06 metros de comprimento, 2,44 metros de largura e 2,59 metros de altura, a carga suportada por este tipo de container pode ser até de 22,36 toneladas. (SANTOS, 2017 pg. 16). Cada tipo de container é utilizado para transportar um tipo de carga. Como dito antes, os containers foram a revolução nos transportes de cargas após II Guerra Mundial, no Brasil o uso do container para transporte surgiu depois da normatização das medidas. A regulamentação no Brasil é fundamentada nas diretrizes da ISO, sendo controlada pela Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), na qual define a terminologia, classificação, dimensões e especificações. Enquanto a Associação Brasileira de Normas Técnicas regulamenta questões quanto a forma do container é o Instituto Nacional de Metrologia, Normalização e Qualidade Industrial 32 (Inmetro), emite os Certificados de Qualidade de Container e é responsável pelas adaptações das normas da ISO (PARRA E RODRIGUES, 2017). 2.5.2 A utilização de containers na construção civil A vida útil de um container é aproximadamente de 10 a 15 anos, após seu uso toda a frota precisa ser renovada, descartando assim os containers e consequentemente os mesmos passam a ser um estorvo não só aos portos, mas sim lixo nas cidades portuárias. (MILANEZE et al. 2012). Outra originadora de poluição é a construção civil, devido ao “desmatamento, operação de motores a diesel, demolições e trabalhos com material tóxico, alto consumo de água, desperdício de insumos, poluição sonora e do ar, o uso do cimento que gera 5% das emissões de gases na camada atmosférica no mundo.” (PRADO; BONFIM, 2020, pg. 05). Diante dessas afirmativas, visando a redução de impactos ambientais, a arquitetura direcionou-se os containers para a reutilização dentro da construção civil e assim atendendo as três funções da moradia: social, ambiental e econômica. de materiais descartados. A reutilização de contêineres na construção civil teve seus primeiros passos na “Holanda, Inglaterra e Japão. Foram feitos hotéis, escritórios e habitações estudantis, sendo adaptada às moradias familiares posteriormente” (METALICA, 2015), e em 1987 a patente de casas containers foi registrada por Phillip C. Clark, pois “acreditava que os contêineres serviriam perfeitamente para a construção de casas modulares.” (CLARK, 1989). O canteiro de obra foi o primeiro local da construção civil a disseminar o uso de container no setor com as funções de depósitos, refeitórios, almoxarifados, escritórios ou banheiros. A adoção desse método ocorreu devido a praticidade, a economia de tempo, dinheiro e materiais, permitindo um canteiro mais limpo e possibilitando a realocação desses locais de acordo com o avanço da obra (MALAQUIAS, 2018). A ideia de utilizar os containers nos canteiros de obra se fixou devido ao resultado que causou no cronograma da obra, pois permite agilidade, já que não é necessário construir sua estrutura e é dispensável a realização de acabamentos permitindo uma redução significativa no cronograma. Além disso, como eles podem ser adquiridos ou locados, possibilitam o reaproveitamento, ou seja, a economia de tempo e dinheiro ocorrem em mais de uma obra. Vale ressaltar que para o uso de containers em canteiros de obras, no Brasil, as recomendações da NR-18 (Condições e Meio Ambiente do Trabalho na Indústria da 33 Construção) deve-se seguir à risca. Pode-se observar na imagem abaixo, como um container pode ser disposto em uma obra. Figura 4 Container em canteiro de obras em Mato Grosso do Sul Fonte: fotografo João Bruno Os containers no canteiro de obra podem ser utilizados como: guarita, supervisório, deposito, refeitório, escritório, banheiro sanitário, sala de reunião. Já na utilização desse material para moradias, Santos (2017) afirma que elas surgiram para suprir as necessidades de pessoas que perderam suas casas em catástrofes, pois era uma alternativa rápida, fácil e prática. Mas, um dos problemas dessa utilização foi que, na época, não se realizou nenhum tipo de higienização ou tratamento do container antes dele ser ocupado, deixando os moradores expostos a uma possível contaminação, já que não se sabia a origem destes containers e nem quais materiais haviam sido transportados anteriormente. Figura 5: Future Shack Fonte: Residential Shipping Container Primer (RSCP) (2016) 34 Após os primeiros passos do sistema construtivo por meio de containers, vários projetos botaram, tais como: “Container City 1 e 2 na Inglaterra (2000-2001), Museu Nomadic Nova Iorque/Santa Mônica (2005-2006), dormitório de Keetwonen em Amsterdã (2006), Cidade Universitária Le Havre na França (2014), Bharati Antártico (2008)” (NUNES; JÚNIOR 2017, p.139). No Brasil, a utilização dos Containers ainda é muito restrita, apesar da adesão. A ISSO 668:2013 (International Organization for Standardization), determina que o container tem estrutura de aço corten e fechamentos nas laterais e posterior em painéis de chapa corrugada, sendo suas ligações soldadas gerando maior resistência à estrutura e podendo um container suportar até 200 Kg, (SAWYERS, 2008). 2.5.3 Passo a passo o uso de containers na Construção Civil brasileira O sistema construtivo a partir do uso de containers pode ser utilizado em edificações “permanentes ou temporárias, em residências ou comércios, também como instalações de apoio em canteiros de obras, evitam ainda a produção de entulhos por serem recicláveis, e podem ser utilizados conforme criatividade do projetista.” (CALORY, 2015). O primeiro estágio para a utilização dos containers para a construção civil é o projeto, mediante o projeto a customização do container seguirá os padrões necessários para a construção. Segundo Luana Toralles Carbonari e Fernando Barth (2016, p.4) Após o processo de seleção dos contêineres é realizada a sua adaptação para atender às especificidades do projeto de arquitetura. Além disso, faz-se necessária uma avaliação dos aspectos construtivos, considerando questões como o transporte e a manipulação dos contêineres, pois os custos com o deslocamento porto-obra e a área necessária para a movimentação destes módulos podem elevar os custos da construção. Escolhendo o container que atenderá ao projeto da construção é imperioso que se busque passar pela burocracia exigida. A NR 18 traz em seu corpo modificações ocorridas em 10 de fevereiro de 2020 por meio da Portaria SEPTR nº 3.733 as quais trazem exigências quanto a responsabilidade no uso dos containers na construção civil. Segundo a NR 18 em seu ponto 17.2 “É proibido reutilizar contêiner originalmente utilizado para transporte de cargas em área de vivência.”, mas percebe-se que é apenas uma forma de cuidado, pois dependendo do Container são necessários vários cuidadospara seu uso. 35 § 3º Até o decurso do prazo estabelecido no caput para o item 18.17.2, só será permitido o uso de contêiner originalmente utilizado para transporte de cargas em área de vivência ou de ocupação de trabalhadores, se este for acompanhado de laudo das condições ambientais relativo à ausência de riscos químicos, biológicos e físicos (especificamente para radiações), com a identificação da empresa responsável pela adaptação. (BRASIL 2020) Por meio de Laudo de descontaminação e habitabilidade, atesta-se a ausência de riscos químicos, físicos e biológicos e radioativos, além das boas condições de estabilidade estrutural, habitabilidade, vedação contra insetos e pragas, local e sua exequibilidade para os fins a que se destina, principalmente como moradias. (CARBONARI; BARTH, 2015). E assim passe-se ao próximo passo que é adequação do container ao projeto desenhado. As modificações devem ser altamente detalhadas, assim deve-se informar onde se localizarão os cortes para as esquadrias, pois as aberturas de portas e janelas com medidas superiores a 1/3 do comprimento do contêiner exigem reforços estruturais, para que não ocorra o enfraquecimento da estabilidade estrutural. A estrutura principal (vigas e colunas) não devem ser cortadas, somente as chapas das paredes para não causar desestabilização na estrutura, mas se houver a necessidade, precisa-se fazer os devidos cálculos estruturais. (SOUZA; JÚNIOR; SARMANHO, 2021). Todas as aberturas necessárias para os vãos e para a colocação das esquadrias deverão são realizadas e em seguida é soldada uma estrutura de aço do mesmo material do contêiner para servir fazer o requadro, criando assim uma “caixa” onde receberá a instalação de janelas e portas (esquadrias). (CARBONARI; BARTH, 2015). Quando há a necessidade de junção de dois containers para a formação de um único cômodo, se faz necessário de se abrir a lateral dos containers por inteiro e juntá-los, soldando- os. Para evitar problemas nos cálculos para corte e solda, uma boa opção é o uso de container do tipo open, tendo em vista que este tipo tem corte na lateral, restando assim apenas as portas para remoção. (SOUZA; JÚNIOR; SARMANHO, 2021). Após a customização do container para se adequar ao projeto o que se segue é seu transporte para o local da construção. O transporte do container é feito por caminhão Munck, pois eles por possuírem guindaste são uteis para a colocação dos módulos customizados. Vale ressaltar que a fundação já deverá estar pronta e todo planejamento de transporte e instalação deverá ser seguido. (CARBONARI; BARTH, 2015). 36 2.5.4 Primeira casa construída com Container no Brasil O arquiteto Danilo Corbas é o pioneiro da casa container no Brasil. Em 2011 após uma visita aos sogros que moravam em um catamarã na cidade de Salvador, o arquiteto teve a ideia da construção da casa a partir do uso de Container. Com influência de outras construções sustentáveis a casa do arquiteto é um exemplo. (CASA VOGUE 2017) Figura 6: 1ª casa container no Brasil Fonte: Casa Vogue (2017) Conta o arquiteto que "em busca de uma mudança de estilo de vida, morava em São Paulo, no agito da Vila Madalena, e então encontrei este terreno na Granja Viana e só tive que negociar com minha esposa, que é diretora de arte e logo topou a ideia!" (CASA VOGUE 2017). Figura 74: interior da 1ª casa container no Brasil Fonte: Casa Vogue (2017) 37 Para a casa que é moradia de toda sua família, o arquiteto utilizou quatro containers marítimos de 40 pés, com as medidas 12 m de comprimento e 2,90 m de altura, os quais já chegaram no terreno desamassados e com os locais de portas e janelas já cortados. A estrutura levou quatro horas para ser montada, levando cinco meses para estar habitável com todos acabamentos e móveis montados. (CASA VOGUE 2017). A residência é composta por dois andares, comportando sala de estar, cozinha, sala de jantar, escritório, três quartos, três banheiros, área de serviço, garagem coberta e varandas, sendo um total de 196m² dos 860m² que tem o terreno. (CASA VOGUE 2017). Segundo o arquiteto em reportagem para o programa Hoje Em Dia, da TV RECORD, o custo do projeto foi 35% a menos comparando com a realização por meio da construção convencional. Também afirma o arquiteto, na mesma entrevista, que a partir da construção de sua casa um novo mundo se abriu para ele que passou a trabalhar com sustentabilidade na arquitetura. (RECORD TV). Danilo Corbas além de Idealizador do Projeto Casa Container de 2010, na Granja Viana São Paulo e projetos em Curitiba também, o arquiteto vem difundindo esta que pode ser uma técnica construtiva eficiente no combate ao déficit habitacional brasileiro, e em Luis Eduardo Magalhães – BA, a novidade da casa container é uma realidade. Em visita à cidade o autor do presente trabalho pode ver in loco, stands para divulgação do sistema construtivo a base de container, bem como uma casa construída por inteiro, apesar de não poder adentrar aos imóveis pelas imagens, o autor teve a percepção de detalhes da estrutura e a estrutura externa. As imagens abaixo retratam o exterior tanto da casa construída quanto o cômodo de divulgação. Figura 8: mostruário cômodo container Fonte: Autor (LEM-BA 2022) 38 Figura 9: casa construída a base de container Fonte: Autor (LEM-BA 2022) 2.5.5 Construção de unidades habitacionais por containers – de alojamentos estudantis à conjuntos habitacionais Idealizado pela construtora TempoHousing, o alojamento estudantil Keetwonen foi construído com mil containers dispostos em cinco andares e atende as necessidades dos estudantes. Cada apartamento conta com banheiro, cozinha, varanda e sala de estudos. (GOMES, 2016, p.95). Segundo Beatriz Gomes (2016, p.95), todo o projeto do condomínio “foi concebido de acordo com a maneira que os estudantes gostam de viver: um lugar para si sem ter que dividir o chuveiro e vaso sanitário com estranhos. Mas, ao mesmo tempo, a ideia é oferecer uma gama de possibilidades para participarem da vida social do dormitório, incluindo as festas.” (GOMES, 2016, p.95) A construção do condomínio estudantil em 2002, na cidade de Amsterdam, na Holanda, tornou-se o maior condomínio construído por containers do mundo. (GOMES, 2016, p.95). Segundo a autora Beatriz Gomes (2016, p. 96) “O medo inicial das casas serem muito pequenas, 39 barulhentas e frias ficou para trás.”, tornando-se o segundo condomínio estudantil mais procurado de Amsterdam. Na imagem abaixo pode-se perceber janelas de vidro que possibilitam a entrada da luz, deixando o local iluminado, além de revelar também a disposição dos 5 pavimentos. Figura 10: Condomínio estudantil Keetwonen Fonte: (GOMES, 2016, p.96) Outro exemplo de construção predial por meio de containers é o dormitório estudantil na cidade universitária de Le Havre, foi construído tendo como matéria prima containers usados. O responsável pelo projeto foi o escritório Cattani Architects, a estrutura é de “quatro andares que abriga 100 apartamentos de 24 m² cada, o conforto foi o ponto principal.”. (GOMES, 2016, p.100). O edifício é distribuído em quatro andares, onde o primeiro nível foi levantado a partir do solo. Desta forma, as unidades deste pavimento podem desfrutar da mesma privacidade oferecida às unidades nos andares superiores. Todos os apartamentos têm vista para um jardim interior e estão equipados em ambas as extremidades com paredes de vidro que permitem a iluminação natural dos espaços. (GOMES, 2016, p.100) No conjunto foram criados espaços como calçadas, pátios e varandas, de maneira que interligasse um container ao outro e fugisse da solidez do volume que ele
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