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HISTÓRIA E CULTURA AFRO-BRASILEIRA E INDÍGENA Prof. Me. Karla Katherine de Souza Seule 005 Aula 1: O Berço da Humanidade 016 Aula 2: Pré-História Africana 027 Aula 3: A África na Antiguidade 040 Aula 4: Reinos Africanos na Idade Média 050 Aula 5: A África na Modernidade 062 Aula 6: A África na Contemporaneidade 074 Aula 7: Africanos no Brasil – da Escravidão à Abolição 084 Aula 8: Movimento Negro 096 Aula 9: Nossas heranças africanas 109 Aula 10: História da África e Historiografia Africana 121 Aula 11: Os povos indígenas do Brasil 136 Aula 12: Questão indígena no Brasil Colonial 148 Aula 13: Questão indígena no Império e República 159 Aula 14: Nossas Heranças Indígenas 173 Aula 15: Os Povos Indígenas no Brasil Contemporâneo 182 Aula 16: O Brasil e o Mito da Democracia Racial 002 Introdução Olá, caro(a) aluno(a), é com imenso prazer que convido você a percorrer- mos um breve, mas intenso percurso da história de africanos e dos povos indígenas e suas formações culturais e sociais, bem como as contribuições que tiveram para a nossa formação enquanto povo brasileiro. Ao longo de 16 aulas, faremos um trajeto pelas temáticas importantes para o nosso autoconhecimento enquanto povo que foi constituído com a participação ativa e efetiva desses povos. E para compreender esses papéis, é necessário conhecer melhor suas histórias e modos de vida e, desse modo, as raízes que eles plantaram no germinar e florescer de nossa identidade enquanto brasileiros. Para tanto, começaremos percorrendo rapidamente uma história africana. Isso é essencial, pois foi na África que a humanidade deu seus primeiros passos no planeta. Assim, será possível ver como, a partir de sua trajetória nesse continente, os seres humanos se espalharam para demais espaços do globo terrestre. Em seguida, analisaremos ao longo da história como sociedades foram formadas por diferentes povos em territórios africanos. Desse modo, será possível desmistificar uma ideia – muitas vezes gerada por ignorarmos a real situação da vida na África – de que o continente afri- cano foi uma porção isolada ao longo da Antiguidade até a Era Moderna e as Grandes Navegações dos séculos XV e XVI. Vamos, então, conhecer vários povos e reinos importantes para uma dinâmica interna e externa à África. Seguiremos nosso caminho analisando como o tráfico Atlântico de escravos modificou a dinâmica e a vida de muitos africanos, e como ela os inseriu em nossa formação desde os tempos coloniais, afetando também a sua trajetória por aqui durante a escravidão e depois da abolição. Desse modo, também será importante analisarmos o papel que o Movimento Negro teve por aqui e mundo afora no combate aos efeitos que o racismo sobre as po- pulações negras afrodescendentes tem deixado, do passado até o presente. Mas ainda: observaremos como em meio à resistência aos diversos abu- sos e autoritarismos a que foram submetidas às populações africanas que para cá foram trazidas, ainda assim, elas acabaram por contribuir na nossa formação e nos deixou diversas heranças que precisamos reconhecer, pois muitas vezes nos passam despercebidas e não lhes damos a devida impor- tância na constituição de nossa essência enquanto povo. 003 Continuaremos abordando quem foram os indígenas que habitavam o nosso território à época da chegada dos portugueses e como eles também possu- íam e ainda detêm uma diversidade grandiosa de costumes e maneiras de se organizarem. Em seguida, observaremos como em meio aos encontros com o colonizador português esses diferentes povos foram tratados de for- ma violenta e homogeneizante. Para tanto, vamos buscar conhecer quais políticas foram implantadas em relação a essas populações desde os tempos coloniais até a atualidade. Poderemos, assim, conhecer suas formas de vida e resistência, bem como as nossas raízes indígenas - que também ignoramos, mas que fazem parte de nosso jeitinho brasileiro de ser. Encerraremos o nosso trajeto abordando como todos esses povos, indígenas e africanos, que fizeram parte de nossa história e formação enquanto povo, estiveram permeados de situações que muitas vezes os colocaram como marginais na sociedade brasileira. Discutiremos, a partir daí, como um mito de que no Brasil existiu e existe uma democracia racial, acaba forjando uma noção errônea de porque essas populações ainda ocupam papéis desiguais na situação socioeconômica do país. São discussões necessárias e instigantes, que não se esgotarão de forma alguma neste breve caminho que faremos, mas espero que suscitem um maior interesse e que, a partir delas, você busque mais informações e co- nhecimentos a respeito. Vamos lá? 004 01 África: o Berço da Humanidade 005 Caro(a) aluno(a), convido você a caminhar comigo pela formação do continente africano e consequentemente do iniciar da história humana. A�nal, a África é o berço da humanidade, ou seja, onde demos nossos primeiros passos no planeta e começamos a nossa trajetória enquanto uma das espécies que o integra. Começaremos o nosso caminho na busca por entender quais os aspectos geográ�cos gerais desse continente gigantesco que é a África, e ao mesmo tempo diverso, onde a vida de nossa espécie teve início, para que compreendamos por que o início da humanidade se deu ali, bem como a partir de então se abriram rumos a novos percursos e múltiplas situações que, no transcorrer do tempo, sofreram diversos desdobramentos dentro e fora de África. Quem é a África? Pois bem, comecemos o nosso percurso compreendendo as características gerais que dão forma material a este continente, pois alguns dos “segredos” que buscamos para desvendar o porquê de a humanidade ter iniciado sua trajetória no planeta ali tem suas respostas reveladas nas características que o fundamentam. A África é a porção mais antiga de terra do planeta, cuja formação geológica remonta a 3,6 bilhões e 300 milhões de anos. Sua enorme extensão territorial abarca 30.343.511 km², que equivale a 22% da superfície da Terra, onde encontramos enorme variedade ambiental. Como pontuou Macedo (2014), a antiguidade desse continente lhe legou diversas massas rochosas. Essas massas são denominadas cratões e ocupam mais da metade da superfície do continente africano, e nelas contêm formações minerais riquíssimas em ouro, diamantes, platina e outros metais raros, além de inúmeras jazidas de petróleo. Seu território é dividido em cinco macrorregiões: África do Norte ou Setentrional, África do Sul ou Meridional, África Ocidental, África Oriental e África Central. Ao longo da extensão do continente africano, encontramos ambientes diversi�cados. 006 Subdivisões da África para �ns estatísticos usados pela ONU. África Setentrional (norte) (físico-geogra�camente, a Península de Sinai, no Egipto, pertence ao Médio Oriente, região da Ásia). África Ocidental África Central África Oriental África Meridional (sul) | Fonte: Disponível aqui Na África, encontramos regiões de deserto tais como o Saara e áreas de �orestas tropicais e equatoriais, bem como de savanas. Encontramos ainda rios grandiosos, como o Nilo, o mais extenso do mundo, com 6.650 quilômetros, entre outros rios extensos tais como o Níger e o Zambeze. 007 https://commons.wikimedia.org/w/index.php?curid=546265 Deserto do Saara| Fonte: Disponível aqui Margem esquerda (ocidental) do rio Nilo, entre Edfu e Com Ombo| Fonte: Disponível aqui 008 https://commons.wikimedia.org/w/index.php?curid=2175927. https://commons.wikimedia.org/w/index.php?curid=1529650 Parque Nacional de Serengueti, na Tanzânia – região de savana | Fonte: Disponível aqui Desse modo,como Macedo (2014) observa na composição da superfície, a plataforma do continente africano era diferente das demais existentes no planeta, enquanto a primeira a se desprender da Pangeia. Logo, teve primeiro as condições para iniciar ali formas de vida, incluindo a humanidade. E foi no interior dessa porção continental mais antiga que a vida humana teve início e tanto se diversi�cou. Sendoassim,convido você a continuar nosso trajeto ao longo do surgimento do ser humano na África e os desdobramentos dessa história. Vamos lá?! O surgimento do homem em África Para começar esta fase de discussão sobre o início do processo evolutivo da espécie humana há cerca de 4,5 milhões de anos, devemos compreender que, dadas as condições de vida na África terem iniciado primeiro, espécies animais ali foram se desenvolvendo. Entre elas, encontramos os mamíferos. 009 https://commons.wikimedia.org/w/index.php?curid=2612602 Dentre os mamíferos, desenvolveram-se os primatas, que dariam origem aos macacos e hominídeos – esses últimos, os nossos ancestrais: Os primatas classi�cam-se em prossímios e símios. O homem pertence a este segundo grupo, que se caracteriza por um aumento da estatura, pelo deslocamento das órbitas na face e consequente melhoria da visão, e pela independência das fossas temporais. (UNESCO, 2010, p. 448). São nos fósseis símios dos últimos 30 milhões de anos que os pesquisadores têm se dirigido pra escrever a história dos hominídeos, ou seja, a história dos primeiros humanos. Isso porque é nesse ínterim que foram formadas as características que marcam o gênero Homo: Locomoção sobre os membros posteriores com as consequentes transformações dos pés, das pernas, da bacia, da orientação do crânio, das proporções da coluna vertebral; desenvolvimento da caixa craniana; redução da face; arredondamento da arcada dentária; redução dos caninos; curvatura do palato, etc. (UNESCO, 2010, p. 448). O primeiro hominídeo, o Australopithecus, cujo fóssil mais antigo do qual temos registro, viveu há cerca de 3 milhões de anos e foi apelidada de “Lucy”, foi localizado em território que hoje pertence à Etiópia, na região que compõe o chamado Rift Valey (ou vale do Rift). 010 O vale do Rift e o Triângulo de Afar (em rosa escuro)| Fonte: Disponível aqui Essa espécie tem algumas características essenciais que lhe dão a de�nição de nosso ancestral primordial, pois tem pés e mãos modernas, “cérebro com nítido aumento de volume, caninos pequenos e face reduzida” (UNESCO, 2010, p. 448). Pesquisas realizadas no decorrer do século XX, mais precisamente entre os anos de 1930 e 1970, por grupos franceses e estadunidenses, limitaram a área de distribuição do Australopithecus às regiões oriental e meridional da África. 011 https://commons.wikimedia.org/w/index.php?curid=37695246. Esqueleto e o modelo de restauração de Lucy exibidos no Museu Nacional de Ciência do Japão | Fonte: Disponível aqui Reportagem completa: Disponível aqui Estima-se que Lucy - também chamada "Dinknesh"- tenha vivido há 3,2 milhões de anos. Quando os seus ossos fossilizados foram escavados em 1974, ela foi aclamada como o mais antigo humano primitivo - ou hominin - já encontrado. Os cientistas encontraram 40% dos seus ossos, o que fez deste o esqueleto mais completo de uma antiga espécie humana encontrada. Lucy pertencia a uma nova espécie que recebeu o nome cientí�co de "Australopithecus afarensis". Ao estudar Lucy, os cientistas aprofundaram seus conhecimentos sobre a evolução humana, por exemplo, em relação à forma como esses hominins se deslocavam. 012 https://commons.wikimedia.org/w/index.php?curid=25045173. https://www.dw.com/pt-002/lucy-o-f%C3%B3ssil-que-reescreveu-a-hist%C3%B3ria-da-humanidade/a-42478592 Homo habilis, o primeiro a usar ferramentas de pedra | Fonte: Disponível aqui Há cerca de 3 milhões de anos, a Terra passou por um novo ciclo de aquecimento, quando ampliaram-se áreas de �orestas, fazendo subir o nível do mar em 30 metros do atual que reduziram desertos, incluindo na África. Nesse cenário, surgiu o gênero Homo, por volta de 2,5 milhões de anos atrás. (SOUZA, 2014). As características que diferem o gênero Homo do Australopithecus são: Aumento da estatura, melhoria na postura ereta, crescimento do volume do cérebro, que, a partir da espécie mais antiga, pode atingir 800 cm³, e transformação da dentição com maior desenvolvimento dos dentes anteriores em relação aos laterais, em consequência da mudança do regime alimentar, de vegetariano para onívoro. (UNESCO, 2010, p. 448). A África então foi o berço do Homo Habilis. Esta espécie de hominídeo dispunha de habilidades em “manipular artefatos e atuar sobre o meio natural”, como, por exemplo, “fragmentos de osso ou lascas de pedra para abater outros animais, agindo como predador, como caçador” (MACEDO, 2012, p. 14). Esses elementos tornaram a África um espaço de grandes transformações e de�nições que �zeram parte do processo de formação do ser humano: 013 https://commons.wikimedia.org/w/index.php?curid=9503636 Homo erectus, o primeiro a usar o fogo | Fonte: Disponível aqui Desde o mais remoto ancestral do gênero Homo, toda a aventura humana se confunde com a África. Apenas ali se pode acompanhar o processo completo de transformação dos primatas em homens. (MACEDO, 2012, p. 15). Além do Homo Habilis, o Homo Erectus – primeiro hominídeo a andar totalmente em pé – e outras espécies do gênero Homo têm suas origens apontadas no continente africano: O aumento da estatura, a maior capacidade craniana, a compleição mais robusta e o progresso tecnológico na fabricação de ferramentas com o lascamento bifacial da pedra, conhecida como indústria acheulense, são característicos dessa etapa evolutiva humana. (SOUZA, 2014, p. 75). Essa espécie de hominídeo teve alguns de seus membros ampliando seus territórios para além da África, chegando ao Oriente Médio, outras partes da Ásia e também à Europa. 014 https://commons.wikimedia.org/w/index.php?curid=9503611 E entre 400 mil e 100 mil anos atrás, também foram identi�cados na África os primeiros exemplares de nossa espécie, o Homo Sapiens: Acredita-se que os homens modernos tenham evoluído a partir de grupos de homens arcaicos que permaneceram na África, já saindo desse continente para ocupar outras terras na forma física atual (Guégan, Prognolle & Thomas, 2008). Os novos viajantes, agora H. sapiens, ou homens modernos, re�zeram muitos passos de seus ancestrais, foram expostos a ambientes semelhantes e desa�aram diferentes condições de saúde-doença. Dotados de tecnologias mais so�sticadas, também tiveram maior vantagem na superação adaptativa dos desa�os colocados diante da colonização do planeta Terra. (SOUZA, 2014, p. 76). Fonte: Disponível aqui Os mais antigos fósseis já encontrados de seres humanos modernos datam de 130 mil anos e foram localizados na África. E de todas as espécies, o Homo sapiens sapiens foi a única que se espalhou e conquistou os cinco continentes do nosso planeta. Dotados de maiores capacidades adaptativas, o Homo Sapiens, os exemplares de nossa espécie, conseguiu sobreviver às intempéries climáticas e em diferentes ambientes, com diferentes características geográ�cas para além do clima, fazendo a continuidade de seu percurso durar até os dias atuais, dentro e fora de África. Como podemos ver, a nossa história enquanto ser humano está intimamente ligada à história do continente africano. A�nal, os nossos antepassados começaram a sua saga no planeta no interior desse continente e de lá começaram a ocupar outros espaços. Portanto, esse trajeto que aqui iniciamos é muito intrigante e importante, pois ele nos capacita a conhecer não apenas a história africana em seu início, mas a história humana. Desse modo, demonstra como conhecer o desenvolvimento desse continente é essencial para que compreendamos as raízes de nossa espécie e as relações que manteve dentro e fora de África. 015 https://educacao.uol.com.br/disciplinas/historia/pre-historia-2-o-surgimento-do-ser-humano-e-os-periodos-pre-historicos.htm 02 Pré-História Africana 016 Nesse momento, quero abarcar com você esse percurso inicial da história humana, que comumente denominamos de Pré-História. Essa forma de periodizar a história foi criada na passagem do século XIX para o XX, quando a ciência histórica tentava �rmar seu status cientí�co. Desse modo, as fontes para o estudo da ação do homem aolongo do tempo, consideradas �dedignas, eram os documentos escritos, de preferência o�ciais. Sendo assim, considerava-se que a História só teria início a partir da invenção da escrita e, desse modo, tudo aquilo que acontecera antes seria denominado pré-histórico. Transformações afetaram o desenvolvimento da ciência histórica e os afazeres do historiador. Novos sujeitos foram sendo incorporados nos estudos históricos, buscando-se compreender melhor o homem ao longo do tempo. Para tanto, novas fontes foram necessárias, e o auxílio de outras ciências tais como a arqueologia foram muito importantes. Foi assim que chegamos ao homem antes da invenção da escrita, ou seja, do período conhecido como Pré-História. Destaca-se que, a partir de então, esse período deixou de ser visto com indiferença ou pouca importância. Pelo contrário, conhecimentos a respeito do homem desde sua gênese �zeram-se, e ainda fazem signi�cativos para que possamos conhecer as relações humanas no presente. Como a História não é uma ciência só do passado – mas que busca a compreensão dessa relação passado/presente –, investigar o modo de vida do homem na pré-história ganhou fôlego e passou integrar o ofício do historiador em sua busca por compreender a ação do homem ao longo do tempo passado e presente. Sendo assim, o uso de uma divisão tradicional da História (Pré-História, Idade Antiga, Idade Média, Idade Moderna e Idade Contemporânea) e do termo “Pré-História”, são apenas para �ns de localização temporal e não com o �m de desconsiderar a importância de tal período para o conhecimento da trajetória humana ao longo do tempo. Feitas essas considerações, é importante observar que essa etapa inicial da história da humanidade, chamada de Pré-História, é dividida em duas principais fases: o Paleolítico e o Neolítico. Tomando então esses referenciais, nos desdobraremos sobre essas duas fases da Pré- História africana. A�nal, o trajeto humano se iniciou nesse continente, e as transformações na vida humana nesse espaço ao longo desses períodos espalhadaram-se para dentro e para fora da África. 017 A África no Paleolítico Na África, os primeiros grupos humanos foram desenvolvendo formas de sobreviver por meio de novas tecnologias que eles inventavam. Quando há cerca de 1 milhão de anos a.C. começaram as ondas migratórias para outros continentes, os primeiros humanos levaram da África consigo conhecimentos e técnicas. Convido você a veri�car agora quais adaptações o ser humano desenvolveu em território africano, ao longo do Paleolítico. Vamos lá?! O Paleolítico é a primeira fase do que se designou como período da Pré-História. Também conhecido com Idade da Pedra Lascada, esse período se estendeu até cerca dos 12 mil anos a.C. (DALAL, 2016). Nesse período, o ser humano vivia como caçador e coletor, e somente em sua fase �nal é que o homem conseguiu o controle sobre o fogo. Em território africano, ao longo do Paleolítico, com o surgimento dos primeiros hominídeos, no decorrer do paleolítico, diferentes espécies do gênero Homo criaram habilidades de produzir ferramentas. A começar pelo Homo Habilis: Os achados de seus ossos foram associados a ferramentas rudimentares de pedra lascada, como choppers e chopping-tools, e aos ossos de animais com marcas sugestivas de cortes ou quebras intencionais, con�rmando um comportamento habilidoso diferenciado e o uso regular de ferramentas fabricadas. (SOUZA, 2014, p. 74). Vivendo há cerca de 2 milhões de anos, seus fósseis não foram encontrados em nenhum outro local do mundo além da África. As evidências, segundo Souza (2014), nos fazem supor que os primeiros representantes do gênero Homo tenham permanecido restritos ao território africano por mais de 1 milhão de anos. Essa autora observa que sítios arqueológicos, com artefatos de pedra lascada de tradição olduvaiense (referente ao sítio arqueológico Garganta de Olduvai, na Tanzânia), nos indicam que indivíduos do gênero Homo expandiram suas ocupações do interior ao norte da África e da África subsaariana. 018 A garganta de Olduvai| Fonte: Disponível aqui 019 https://commons.wikimedia.org/w/index.php?curid=930871 Seixo talhado, de tradição Olduvaiense | Fonte: Disponível aqui Fonte: Disponível aqui Garganta do Olduvai, que dá nome a uma cultura (primeiras formas da fabricação com pedras), situa-se ao norte da Tanzânia, próxima ao Parque Nacional do Serengueti, cujas primeiras escavações foram realizadas nos anos de 1950 pelo casal britânico Louis e Mary Leakey. Os depósitos mais antigos da garganta de Orduvai possuem pouco mais de dois milhões de anos e contém indústrias em pedra na Camada I que recebem o nome de Olduvaiense (ou Modo I). Este tipo de indústrias surgiu (há 2,6 milhões de anos) junto a outras formas primitivas de um hominídeo – Paranthropus boisei. 020 https://commons.wikimedia.org/w/index.php?curid=1707288. http://www.dicyt.com/noticia/cenieh-explora-a-evolucao-de-duas-culturas-do-paleolitico-inferior-em-marrocos Proto-biface próprio do Olduvaiense evoluído ou acheulense | Fonte: Disponível aqui O Homo Erectus, com maior estatura e força física, foi o responsável por desenvolver mais tecnologias com a fabricação de ferramentas com o lascamento bifacial da pedra, classi�cada como indústria ou cultura acheulense (SOUZA, 2014). Fonte: Disponível aqui Duas culturas do Paleolítico Inferior assentaram-se na bacia de Ain Beni Matar, próxima à cidade de Uchda (noroeste de Marrocos, próxima a Argélia, a 150 quilômetros de Melilla). Nesta localidade, que na chegada dos hominídeos era composta de uma paisagem de rios mais caudalosos que os atuais e com maior pluviosidade, desenvolveram-se as culturas olduvaiense e acheulense, indústrias caracterizadas pelo uso de cantos talhados e bifaces, respectivamente, e se acredita que uma sucedeu a outra cronologicamente. 021 https://commons.wikimedia.org/w/index.php?curid=1892118 http://www.dicyt.com/noticia/cenieh-explora-a-evolucao-de-duas-culturas-do-paleolitico-inferior-em-marrocos Micrólitos do período Mesolítico | Fonte: Disponível aqui Com o controle do fogo, que além de servir para aquecer e cozer os alimentos abriu espaço para os primeiros humanos desenvolverem novas tecnologias, tais habilidades - junto com o desenvolvimento da linguagem - puderam ser transmitidas, levando às primeiras formas culturais. Esses foram elementos da vida no Paleolítico que ocorreram no continente africano. Nesse processo, entre 15 mil e 12 mil anos a.C., mais precisamente no Mesolítico, tivemos avanços por parte de nossos ancestrais no desenvolvimento de técnicas de fabricação de artefatos e utensílios de pedra trabalhada, os chamados micrólitos (MACEDO, 2012). Com lâminas cortantes, esses artefatos eram utilizados por caçadores nos territórios atuais da Zâmbia, Namíbia e Angola, além do desenvolvimento do uso do arco e da �echa. 022 https://commons.wikimedia.org/w/index.php?curid=14893932 Fonte: Disponível aqui O Período Mesolítico corresponde ao período de transição pré- histórica entre o Paleolítico (Idade da Pedra Lascada) e o Neolítico (Idade da Pedra Polida). Essa transição aconteceu de forma lenta e gradual, sendo o mesolítico o período que abrange essa mudança. Continuaremos nosso percurso nos voltando para os desdobramentos que a vida humana na África sofreu no período posterior ao Paleolítico. Vamos lá?! A África no Neolítico O Neolítico, que se estende de 12 mil a.C. até cerca de 2.500 a.C., também conhecido como período da Pedra Polida, é a segunda fase do período pré-histórico. Foi ao longo dessa fase da história humana que o homem desenvolveu práticas agrícolas e pastoris, além de com o domínio já adquirido do fogo, ter conseguido aprimorar o desenvolvimento de ferramentas e utensílios importantes para sua vida. No Neolítico, mais precisamente com a última Era Glacial, tivemos mudanças climáticas que �zeram os seres humanos buscarem novos modos de sobrevivência, que deram início às primeiras práticas agropecuárias; passo essencial para a transformação dos primeirosgrupos nômades em sedentários, cujo alimento não precisava mais ser buscado constantemente, o que lhes permitiu �xar morada em determinados territórios. Com isso, aldeias e vilas puderam se desenvolver e surgiram, assim, estruturas sociais, com destaque para determinados grupos tais como os guerreiros e sacerdotes. Inovações técnicas também marcaram esse período, com o desenvolvimento da 023 https://www.todamateria.com.br/caracteristicas-do-periodo-mesolitico/ Cerâmica egípcia | Fonte: Disponível aqui cerâmica e da metalurgia. Tais mudanças, segundo Macedo (2012), não ocorreram em todo o continente africano. Isso porque em muitas áreas o clima inóspito di�cultava a permanência e o desenvolvimento de habitações. Contudo, a adaptação também é uma característica marcante, que fez impulsionar novos inventos por parte dos homens que nesse continente diverso viveram. Foi na região do atual Saara até o vale do Níger que comunidades mais antigas se formaram e ali desenvolveram artefatos de pedra polida, primeiras formas de pecuária bovina, equina e caprina, além da agricultura do sorgo e uma espécie de milho, datados de 12 mil e 8 mil a.C. Posteriormente, houve ainda o desenvolvimento da metalurgia do cobre e mais tarde do ferro: Evidências materiais nesse sentido foram encontradas em escavações arqueológicas no ano de 1942 feitas no Planalto de Jos, na atual República da Nigéria. As cabeças e bustos em terracota revelam estilo so�sticado e domínio técnico excepcional (MACEDO, 2012, p. 20). 024 https://commons.wikimedia.org/w/index.php?curid=165753 Terracota retratando cavalo e cavaleiro | Fonte: Disponível aqui Fundição de cobre em murais funerários egípcios| Fonte: Disponível aqui A vida humana, portanto, passou por todas essas transformações dentro do espaço que integra o continente africano para então migrar para outros territórios na Ásia, Europa, Oceania e América: 025 https://comons.wikimedia.org/w/index.php?curid=3290139 https://commons.wikimedia.org/w/index.php?curid=1365887 A nossa espécie, hoje pandêmica, distingue-se de outras pelo enorme potencial exploratório e pela capacidade de desenvolver as estratégias adaptativas que nos permitiram, ao longo de alguns milhares de anos, nos dispersar, colonizando os ambientes mais diferenciados. (SOUZA, 2014, p. 69). Nesse percurso, o ser humano abriu caminho para novos trajetos dentro e fora de África, construindo comunidades, as primeiras vilas e então cidades, onde outros meios e técnicas foram realizados para uma melhor organização da vida, como é o caso da invenção da escrita para �ns de comunicação e sobretudo de marcação e contabilização do que era realizado e produzido nesses espaços fundados pela humanidade. Quanto a sua diversi�cação física, devemos pontuar que: É provável que a longa permanência nas zonas frias possa ter contribuído para tornar mais clara a cor da pele, a�nar o nariz e aumentar a pilosidade e a adiposidade, a �m de que os caçadores e coletores emigrados da África resistissem aos rigores das baixas temperaturas do território europeu. Por outro lado, a adaptação ao sol intenso e ao clima úmido das zonas tropicais e equatoriais acentuou a pigmentação escura, o alargamento das narinas e a adaptação das glândulas sudoríparas dos africanos atuais. (MACEDO, 2012, p. 16). Esses acontecimentos marcaram o trajeto dos nossos antepassados, que iniciaram sua história na África. Desse modo, eles foram percorrendo e se adaptando aos diferentes espaços do continente e então migrando para outros territórios do planeta, onde sua saga traçou a história humana. 026 03 A África na Antiguidade 027 Mapa do Crescente Fértil | Fonte: Disponível aqui A África, primeiro ambiente habitado pelo ser humano, também foi o berço de grandes civilizações e reinos que tiveram importância em seu contexto interno e externo. Seguiremos percurso sobre alguns dos povos que tiveram papel importante na história africana ao longo do período que convencionalmente caracterizamos como Idade Antiga. Tomaremos aqui os egípcios e os núbios, mais precisamente pertencentes ao reino de Kush. Em nosso trajeto, abordaremos as suas organizações políticas, econômicas e culturais. Vamos lá? Os Egípcios Uma das civilizações humanas mais antigas é a egípcia. Ela se estabeleceu na parte ocidental de uma região denominada “crescente fértil”, pois forma uma meia lua, se estendendo ao longo do Oriente Médio ao noroeste africano, sendo banhada a leste pelos rios Tigre e Eufrates e a oeste pelo rio Nilo. Esses rios foram e são importantes para a manutenção da vida nessa região árida e desértica. A presença dos mesmos permitiu que núcleos humanos ali se estabelecessem e formassem comunidades. E a partir dessas comunidades é que nasceram algumas das civilizações mais antigas da humanidade, como a egípcia. 028 https://commons.wikimedia.org/w/index.php?curid=26169754 Fonte: Disponível aqui O termo “Crescente Fértil” foi utilizado pela primeira vez pelo arqueólogo e historiador estadunidense James Henry Breasted (1865- 1935). Foi citado em sua obra “Antigos Registros do Egito” (em inglês: “AncientRecordsof Egypt”), publicada em 1906. A ideia do autor era designar as áreas da Mesopotâmia e do Egito. As origens populacionais do Egito são um assunto controverso, pois por muito tempo egiptólogos atribuíram as origens da população egípcia a diferentes origens étnicas, que variaram de uma linha de defesa que levantava hipótese de origens caucasianas, ou posteriormente, que tenha sofrido mistura com povos do Oriente Médio. Contudo, hoje o que sabemos, segundo Dobertein (2010), é que os egípcios não só estavam localizados em África, mas foi um povo com características étnicas africanas (negros), embora essas raízes tenham sido por muito tempo relegadas. Entre as características étnicas de sua população, a língua falada na região, de acordo com Cardoso (1995), pertencia à família hamito-semítica, que seria de origem afro- asiática. Esses dados vinculam a procedência desse idioma tanto a línguas africanas (berbere e tchadiano) quanto a línguas semíticas do Oriente Médio. Eles reforçam, portanto, os apontamentos que defendem a composição populacional egípcia na Antiguidade, enquanto sendo proveniente de populações do Saara, ou seja, africanas, mescladas a populações sírio-palestinas, vindas da Ásia. A permanência dessas populações em torno dos vales banhados pelo rio Nilo tornaram possível o desenvolvimento de práticas agrícolas e a sua permanência em seu derredor. Desse modo, as pessoas foram organizando ali uma vida sedentária, ou seja, �xando moradia por meio da prática da agricultura e da pecuária, que ali era possibilitada por meio da presença desse grandioso rio. 029 https://www.todamateria.com.br/crescente-fertil Pesquisas atuais têm demonstrado essa forte ligação entre a agricultura no vale do Nilo e a formação do Egito antigo. Elas apontam que, após a deserti�cação da região onde conhecemos como deserto do Saara, muitas populações migraram para o vale do Nilo. Nesse território, essas pessoas desenvolveram práticas agrícolas que funcionavam da seguinte forma: a cada ciclo de tempo, a partir de meados de julho até setembro, uma enchente acontecia e tudo �cava inundado, mas os nutrientes orgânicos que vinham junto com as águas eram �xados no solo; depois, quando o rio voltava ao seu leito normal, grãos eram semeados na terra úmida, na beira de pequenas poças que se formavam. (DOBERSTEIN, 2010). A princípio, o trabalho era realizado de modo coletivo, sem “che�as”. Mas foi entre os anos de 3300 e 3000 a.C. que as práticas agrícolas começaram a mudar. Essas práticas coletivas deram lugar a uma organização das forças produtivas para melhor proveito das mesmas. Segundo Cardoso (1995), a população crescia, e com ela mais necessidades de alimentos, por isso começaram a desenvolver as primeiras formas de irrigação arti�cial na região, para que as águas do Nilo fossem levadas mais longe e, assim, as lavouras fossem estendidas. De acordo com Doberstein (2010),foi dessa necessidade de se aumentar o esforço de trabalho e a produção de alimentos que entre os egípcios apareceram as primeiras che�as dirigentes. Os povos que formariam o Egito antigo, portanto, para uma melhor organização e sobrevivência em meio à região desértica, onde dependiam das cheias do Nilo e, ao mesmo tempo, tinham que controlar suas cheias, tiveram que se unir e demandar che�as que liderassem de forma e�ciente a distribuição dos recursos disponíveis. O desenvolvimento das inovações tecnológicas ocorreu em três fases principais: Durante o IV milênio a.C. e no início do milênio seguinte (até aproximadamente 2700 a.C.), �xaram-se algumas das técnicas básicas da civilização egípcia: diversas técnicas agrícolas e da pecuária; metalurgia do cobre, persistindo porém o predomínio de uma tecnologia da pedra e da madeira nos instrumentos da produção agrícola; um torno lento para a produção da cerâmica; o tear horizontal; técnicas de construção em tijolo e, no �nal do período, em pedra; de navegação a remo e a vela; de escrita e aritmética etc. 2. O Reino Médio (2040-1640 a.C.) viu uma relativa difusão do uso do bronze, mas foi o Segundo Período Intermediário (1640-1550 a.C.) que se apresentou como novo na inovação e aperfeiçoamento tecnológico, com a introdução, pelos asiáticos hicsos, de métodos melhores de 030 metalurgia do bronze, de um torno rápido para fabricar cerâmica, do tear vertical mais e�ciente, do gado zebu e do cavalo, de novas frutas e legumes, além de técnicas militares (arco composto, carro), sem as quais as conquistas do Reino Novo na Ásia seriam impossíveis. 3. Por �m, a ocupação assíria difundiu, no século VII a.C., o uso do ferro, popularizando �nalmente no Egito os instrumentos metálicos, antes raros e caros. (CARDOSO, 1995, p. 61-62). E, apesar de a evolução tecnológica ter sido lenta, isso foi compensado pela quantidade de mão de obra disponível, o que levou a grandes desenvolvimentos em um ambiente a princípio inóspito. Foi nesse ínterim que populações em torno do vale do Nilo foram se organizando em um aparelho estatal, com uma hierarquia de che�as para diferentes categorias socioeconômicas, que acabaram por organizar o Estado egípcio; primeiro Estado uni�cado de que se tem registro na história humana. O Egito antigo, segundo Cardoso (1995), não foi somente o primeiro Estado uni�cado da história. O autor explica que esta organização política foi a primeira experiência mais longa nesse sentido da qual temos registro, e observa que tudo isso permitiu uma longa experiência cultural em sua abrangência. A uni�cação egípcia ocorreu por volta de 3 mil a.C. As primeiras dinastias de faraós existiram entre os anos de 2920 e 2575 a.C. (DOBERSTEIN, 2010). Mas isso fez parte de um processo longo no qual, conforme pontuou Cardoso (1986), tudo indica que houve o fortalecimento de um chefe tribal no sul que conseguiu reunir sob o seu poder territórios no sul e no norte. Este se tornou o “rei das duas terras” e, sob tal título, tornou-se o primeiro faraó. O faraó era uma autoridade civil, jurídica e divina, pois governava em nome de algum deus do panteão religioso do seu povo. Com a expansão dos domínios egípcios, o poder faraônico começou a ser compartilhado com uma elite de sacerdotes e militares. Tais cargos eram dispostos em uma hierarquia que começava no tjati, espécie de primeiro ministro, seguindo os escribas e chefes de nomos (províncias). E embora o poder central do faraó e sua burocracia estatal tenham sofrido revezes ao longo do tempo, tais ameaças não tiveram sucesso diante da sua necessidade da manutenção e mobilização de recursos, trabalho e produção que se estendiam das lavouras que forneciam alimento à população a atividades como as construções de obras públicas (construção de canais de irrigação, diques e outras construções). Essa organização levava ao desenvolvimento da vida e prosperidade no Egito antigo. 031 Fonte: Disponível aqui A economia nesse reino se voltava à agricultura e pecuária. Os produtos agrícolas mais produzidos eram “trigo-duro (emmer) para o pão, cevada para a cerveja e linho para o vestuário” (CARDOSO, 1995, p. 65). Na pecuária, o gado bovino era seguido pela criação de asnos, ovelhas, cabras, suínos e aves diversas. Os hicsos invadiram o Egito por volta do século XVIII a. C., e com eles trouxeram cavalos que passaram a fazer parte dos animais de criação dos egípcios. Quanto ao gado bovino, eram poderosos aliados nas atividades de arar a terra e movimentar moendas, além de fornecer leite como alimento, já que a sua carne era um luxo que raramente chegava à mesa dos mais pobres (CARDOSO, 1995). De acordo com Cardoso (1995), entre as práticas produtivas de destaque, também encontramos a pesca, praticada no Nilo ou em canais que dele partiam. Para tal, os egípcios utilizavam desde anzóis a redes, a nassa (um tipo de gaiola) e o arpão. O consumo de peixe, principalmente já seco, era grande. A caça também era praticada, considerada um esporte que servia para abastecer a mesa e a coleção de aves da elite egípcia. Outras manufaturas eram realizadas pelos habitantes do reino egípcio, como a extração do barro das margens do Nilo para fabricação de cerâmica, tijolos, bem como do papiro, que servia para escrita, além de juncos e caniços para a confecção de cestos e móveis, e da madeira de sicômoros, palmeiras e acácias (mais populares na região). (CARDOSO, 1995). 032 https://commons.wikimedia.org/w/index.php?curid=3884634 Enquanto isso, o comércio corriqueiro era praticado por meio do escambo. Os egípcios trocavam produtos têxteis, vinhos e derivados bovinos da região do delta do Nilo, por produtos de outras regiões. A distribuição desses produtos era muito realizada por transporte �uvial, que era controlado pelo Estado. Já as grandes transações econômicas, geralmente eram realizadas por meio da troca de pesos de metais como cobre e prata. O comércio exterior era realizado: ao norte, via Mediterrâneo, com cretenses, com o Chipre, com a Fenícia e a costa da região da atual Somália; no leste, via Mar Vermelho, eram importados artigos de luxo, principalmente para produção de objetos de cunho religioso, cujo pagamento era feito com ouro da Arábia e da Núbia. Sendo que este comércio era também de controle estatal. (CARDOSO, 1995). Vemos, portanto, que o Egito foi um Estado centralizado, com governantes que controlavam todas as suas esferas econômicas, por meio dos tributos e produtos, além da prestação de serviços. Baseado em um “peso ideológico” que dispunha sua monarquia enquanto “divina” (CARDOSO, 1995, p. 70), os egípcios se organizaram em um sistema fechado de regras e disciplina que norteava as relações humanas do reino. Essas condições bases da cultura egípcia deram a ela seus aspectos mais marcantes. Dentre elas, segundo Santos (2003), encontramos religiosidade, com seus ritos e práticas que norteavam as características fundamentais dessa cultura: Tudo no Egito era orientado por ela: o mundo poderia - na visão desse povo - ser destruído não fossem as preces e os ritos religiosos, a felicidade nessa vida e a sobrevivência depois da morte eram asseguradas pelas práticas rituais, e até mesmo "o ritmo das enchentes, a fertilidade do solo e a própria disposição racional dos canais de irrigação dependiam diretamente da ação divina do faraó" (SANTOS, 2003, p. 17). Os egípcios acreditavam na existência de uma “ordem necessária, legítima e desejável no mundo e na sociedade” (CARDOSO, 1986, p. 31). Essa ordem fundamentada na religiosidade nortearia ainda a preparação para uma “vida após a morte”, que eles achavam ainda mais importante do que a vida terrena. Alguns aspectos que formavam a sociedade egípcia sofreram modi�cações ao longo do tempo. Contudo, essas não foram o su�ciente para acabar com as características mais marcantes desse Estado centralizado que se manteve por tanto tempo. Daí a sua importância e o nosso prolongamento sobre suas características. 033 Fonte: Disponível aqui A Núbia e os kushitasAgora, prosseguiremos o nosso caminho analisando outro reino importante da Antiguidade africana, Kush, localizado na Núbia. Conhecida como “terra do ouro”, a Núbia �ca localizada entre o sul do Egito e o norte do atual Sudão. Desde tempos remotos, esse território foi importante fornecedor de peles de animais, temperos, pedras e minerais precisos. Começou a ser habitada por meio da concentração de agrupamentos humanos a partir do Nilo, que garantia a sobrevivência em meio à deserti�cação do Saara. As primeiras populações que se reuniram na Núbia formaram aldeias organizadas por meio da domesticação de numerosas espécies vegetais, “numa escala tão grande, que se pode dizer ter sido ali a agricultura reinventada” (SILVA, 2011). Mas por meio apenas da existência do rio Nilo não era possível sobreviver. Para tanto, foi preciso controlar 034 https://commons.wikimedia.org/w/index.php?curid=2133014 suas cheias, por meio de diques e sistemas de irrigação, que permitissem práticas agrícolas anuais, o que tornou imprescindível que essas comunidades núbias se organizassem politicamente (BRISSAUD, 1978). As fontes decifradas sobre a Núbia são mais escassas que as egípcias, contudo, as estudadas até o momento, sugerem que desde sempre essa região foi um ponto de encontro que reuniu povos do interior africano até o Mediterrâneo. E dentre os reinos que se formaram nessa região, temos destaque na Antiguidade para Kush. As fontes sugerem que esse reino nasceu por volta do século IX a.C. e teve seu �m no século IV d.C. (SILVA, 2012). Ele teria surgido da instabilidade egípcia, frente a invasões dos asiáticos hicsos, que abriria a possibilidade para estabelecer um reino independente do mesmo na Núbia; reino este que �cara conhecido como reino dos faraós negros. Sua primeira capital foi Napata, entre os séculos IX e V a.C. Devido a suas riquezas e rivalidade com os egípcios, muitas forti�cações foram construídas nas fronteiras entre os dois reinos, o que não impedia que realizassem comércio entre si, já que este era bené�co para ambos os reinos. Esse comércio manteve a Núbia como centro de circulação de pessoas pela África, que além das trocas econômicas proporcionou muitas trocas culturais na região. Um exemplo dessas trocas foi encontrado em 1918, em escavações que revelaram túmulos de uma série de príncipes kushitas, cujas estruturas de alvenaria eram do tipo mastaba, ou piramidal. 035 Pirâmide Piânkhy de El-Korrou | Fonte: Disponível aqui Extensão do Reino de Kush entre os séculos VII e I a. C. | Fonte: Disponível aqui A partir do século VI a. C., a capital do reino foi transferida para Méroe, mais ao sul. A partir de então, apesar da escassez de fontes, o que se sabe é que esse reino sobreviveu com formas e características cada vez mais africanas. 036 https://commons.wikimedia.org/w/index.php?curid=5594365 https://commons.wikimedia.org/w/index.php?curid=37478935 Necrópole de Nuri | Fonte: Disponível aqui A cidade de Méroe era um centro caravaneiro e produtor de ferro, além de estar em uma região mais propícia para práticas agrícolas. Essa cidade �ca na margem direita do Nilo e nela restam imponentes ruínas do reino da qual era sede (SILVA, 2012). Contudo, Napata não foi esquecida e permaneceu um centro religioso e tendo até o século IV a.C., na necrópole de Nuri, o lugar da “morada eterna” dos reis kushitas. Esse poderoso reino antigo foi governado por um matriarcado entre os anos de 170 e 160. Entre as “rainhas mães” da Núbia, duas tiveram destaque: Amanirenas e Amanishaketo. O período em que governaram foi também de grande prosperidade no Reino de Kush. As construções, as joias e os próprios sepulcros do período atestam essas informações. (MEC, 2010). 037 https://commons.wikimedia.org/w/index.php?curid=5593590 Bracelete de Amanishaketo, encontrado em sua pirâmide, na Núbia | Fonte: Disponível aqui Fonte: Disponível aqui Shanakdakhete foi a rainha Negra Africana de Kush quando o reino eracentrado em Meroé. Ela é a primeira rainha governante conhecido de Núbia e reinou de cerca de 177-155 a. C. 038 https://commons.wikimedia.org/w/index.php?curid=3768519 https://www.geledes.org.br/grandes-reis-e-rainhas-da-africa/ Shanakdakhete| Fonte: Disponível aqui Kush entrou em decadência por volta do século II da era atual. Posteriormente, por volta dos anos 300 d.C., e ao que tudo indica, um outro reino mais ao sul, conhecido como Axum, ajudaria a acabar com sua soberania. Contudo, sua importância, bem como do seu vizinho ao norte, o Egito, se faz presente na história. E com a ajuda da expansão de pesquisas que decifrem as fontes disponíveis, tem sido cada vez mais con�rmada a importância desse reino no contexto de relações do interior africano com demais partes da África, do Oriente Médio asiático e Mediterrâneo. 039 https://commons.wikimedia.org/w/index.php?curid=10518985 04 Reinos Africanos na Idade Média 040 De uma maneira geral, quando estudamos sobre os africanos e a História com a participação de povos africanos, é comum que falemos a respeito sob um ponto de vista que tenha como pano de fundo a escravidão. Ou seja, partimos para uma análise da história africana e de seus povos somente quando tem início o comércio Atlântico de escravos, como se antes ou, além disso, não houvesse mais sobre o que contar ou estudar a respeito da História da África. Mas, se veri�carmos, não é bem assim. A África é não só o continente mais antigo do planeta como onde o ser humano iniciou a sua trajetória na Terra. Esse continente possui povos que se diversi�caram e construíram inúmeras histórias antes e depois do período que teve início o comércio Atlântico de escravos (séculos XVI e XIX). Convido você então a debruçar sobre alguns povos africanos em especial, dado nosso limite de tempo e espaço, que se organizaram em reinos ao longo do período que convencionamos chamar de Idade Média. Nosso trajeto se fará em torno de dois reinos em especí�co, o de Axum e o do Mali. Esperamos com isso, observar e conhecer mais a respeito da história e cultura de tais reinos, bem como as suas in�uências sobre as relações intra e extra África. A�nal, alguns desses reinos são formados por populações que para cá foram trazidas no período da colonização do Brasil e, portanto, fazem parte de nossas heranças históricas e culturais. Vamos lá? As migrações e a formação dos reinos africanos Para Pereira (2014), é enganosa a ideia de que a África esteve isolada de grandes �uxos migratórios internacionais, a�nal, as regiões norte e leste mantiveram contatos frequentes com a Europa e a Ásia, bem como houve inúmeras migrações de leste para oeste e também sentido sul. Populações se locomoveram movidas pela deserti�cação lenta e gradual do Saara. No norte, esbarraram com os berberes e se miscigenaram. Outras desceram mais ao sul dos rios Níger e Senegal, multiplicando grupos agrícolas. Desse modo, 041 Norte africano | Fonte: Disponível aqui Pouco a pouco, os homens que viviam nas savanas ao sul do Saara foram acrescentando a bagagem trazida das culturas aquática e pastoril. Aperfeiçoaram o cultivo da terra e domesticaram novos vegetais. Melhoraram os utensílios de trabalho. Tornaram mais sólidas as casas. A cerâmica evoluiu e se enriqueceu até chegar à escultura em barro cozido. E, uns cinco ou seis séculos antes de nossa era, o ferro começou a incorporar-se aos materiais com que lidavam. (SILVA, 2011, p. 166). 042 https://commons.wikimedia.org/w/index.php?curid=4438190 Rio Níger | Fonte: Disponível aqui A di�culdade para atravessar do Sahel ao Mediterrâneo a cavalo fez do uso do camelo, nos primeiros séculos de nossa era, uma prática de habitantes do deserto, principalmente dos garamantes. Outras inovações foram importantes, nesse contexto, como o uso do ferro que alterou substancialmente as vidas dos que passaram a conhecê-lo. Tornou-se mais fácil, com machados de ferro, derrubar as matas; com enxadas de ferro, revolver o solo; com a foice de ferro, ceifar o sorgo. Os instrumentos de caça e pesca �zeram-semelhores. Esfolavam-se com maior facilidade os animais. Abriam-se nos troncos das árvores as grandes canoas. E, com as armas de ferro, aumentaram o poder de destruição dos guerreiros e o poder de centralização de seus chefes. (SILVA, 2011, p. 177). Portanto, a África nunca foi um continente estático, muito pelo contrário. E foram esses processos migratórios que deram início a reinos e civilizações. Prosseguiremos, então, observando cada um dos reinos que selecionamos. 043 https://commons.wikimedia.org/w/index.php?curid=1624028 Fonte: Disponível aqui Axum O reino Axum foi formado na região da atual Etiópia a partir de uma cidade homônima, em torno do século V a. C., por populações de pastores e agricultores cujos indícios é de que praticavam a fundição do cobre e do bronze, manufaturavam couro, tecido e produtos de madeira, além de manter importantes relações com povos da outra margem do Mar Vermelho, em especial, os iemenitas. Nesse contato com o Iêmen, que possuía centros comerciais de especiarias, Axum recebeu, de acordo com Silva (2011), o desenvolvimento de: casas de pedra, o uso da escrita, as técnicas do represamento de águas, da irrigação arti�cial e da disposição das lavouras em terraços com socalcos na encosta das montanhas, outras práticas agrícolas e novos vegetais, como, talvez, o trigo e a cevada. (SIVA, 2011, p. 183) A fundição do ferro foi provavelmente uma herança meroíta. Também o uso da mula como animal de carga e de arado, o que permitiu ampliar áreas cultiváveis em solos vulcânicos dos planaltos. (SILVA, 2011). 044 https://commons.wikimedia.org/w/index.php?curid=50756360 Igreja em Axum | Fonte: Disponível aqui A partir do século III a. C., a cultura do norte da Etiópia vai se afastando da iemenita e se aproximando do Egito ptolomaico e de Kush, seja por meio da língua, da escrita ou das técnicas de produção de cerâmica, com seus vasos “de argila negra ou rubra, com superfícies vidradas e incisões ornamentais preenchidas com uma pasta branca ou, em alguns casos, vermelha” (SILVA, 2011, p. 185). Foi então que dentre as cidades da região que eram centro do comércio e do artesanato, Axum teve destaque. Localizada no planalto do Tigre, em uma área de solos bem regados e de fácil acesso ao mar Vermelho e ao Nilo, Axum “tornou-se um importante empório do mar�m e de outros artigos africanos” e passou a dominar os vales dos rios Mareb e Tacazé, garantindo o controle sobre o trá�co do interior africano para o Mar Vermelho e que intermediava os rios Nilo e Adúlis (SILVA, 2011, 187). Essa região foi visitada por sírios, persas e também judeus, o que rendeu o mito da união de Salomão e da Rainha de Sabá, cujo resultado seria o rei Menelique I. Essa história serviu posteriormente para manter a monarquia etíope até o século XIV. 045 https://commons.wikimedia.org/w/index.php?curid=319092 Obelisco do Rei Ezanas em Axum | Fonte: Disponível aqui vários lugares, o que permitiu grandes trocas culturais, como a conversão ao Cristianismo, a começar pelo rei Ezana, em meados do século IV, estendendo-se a sua população entre os séculos V e VI por interferência de missionários sírios, o que legou a esse reino o que Costa e Silva (2011, p. 198) denominou de “um sincretismo de crenças pagãs com um monoteísmo inde�nido”. Esse reino de comércio pleno, que ligava produtos do interior africano até a Índia, sofreu sua decadência a partir do século VII, envolvido em con�itos entre bizantinos e persas, além do avanço árabe muçulmano em sua região. Contudo, a cidade de Axum até hoje tem importância religiosa e cultural. Em sua grandiosidade, esse reino se envolveu em con�itos regionais e até mesmo globais, como o as disputas entre romanos e persas. Porém, seu foco principal sempre esteve em controlar os portos do Mar Vermelho e manter a ligação do Oriente com o Mediterrâneo. Essa área foi, portanto, percorrida por inúmeras pessoas, vindas de 046 https://commons.wikimedia.org/w/index.php?curid=429145 ouro, pimenta-malagueta, âmbar, alúmen, sal, cobre, tâmaras, tecidos e artefatos de couro”. Além disso, cavalos eram frequentemente trocados por escravos (SILVA, 2011, p. 310). Uma região, portanto, muito disputada, teve sua população islamizada por volta do século XI, o que segundo os Griotz, fez com que muitos estados se formassem para escapar da expansão árabe: Grupos de vilarejos achegados passaram a se vincular no que hoje se chama kafu e a reconhecer a autoridade religiosa e política de um chefe, o mansa, senhor da terra e da chuva, liame entre sua gente e o divino. A cada che�a corresponde, na tradição, um clã nobre dos mandingas, como o Traoré, o Câmara, o Conate, o Queita. (SILVA, 2011, p. 316). Fonte: Disponível aqui Contadores de histórias, mensageiros o�ciais, guardiões de tradições milenares: todos esses termos caracterizam o papel dos Griots que, na África Antiga, eram responsáveis por �rmar transações comerciais entre os impérios e as comunidades e passar ensinamentos culturais aos jovens, sendo hoje em dia a prova viva da força da tradição oral entre os povos africanos. Mali Nos atuais territórios da República do Mali até as regiões dos atuais Senegal e Guiné, existiu um importante reino africano entre os séculos XIII e XVI, formado em meio a antigas rotas subsaarianas que desembocavam no “cotovelo” do rio Níger, onde desde muito tempo negros e berberes começaram a “transportar para mercados distantes 047 https://www.geledes.org.br/griots-os-contadores-de-historias-da-africa-antiga/ Griot moderno, Di�a, Níger, tocando um Ngoni ou Xalam | Fonte: Disponível aqui De acordo com a tradição mantida pelos Griotz, Mali, enquanto reino, surgiu por meio da �gura de um membro do clã Queita, chamado Sundiata que, fugindo a princípio do irmão mais velho por disputas de sucessão do controle de suas posses, acabou por escapar de um massacre da família em meio a guerras com o povo sosso. Em seguida, Sundiata teria derrotado esse povo que destruiu sua estirpe e começou a reunir sob seu comando vários clãs malinquês. Ao longo dessas guerras, cada líder de clã se tornou um chefe local e Sundiata Queita recebeu o título de Mansa, um rei, que pela primeira vez dominava “os mananciais do ouro, os portos caravaneiros do Sael e os caminhos que levam de uns aos outros” (SILVA, 2011, p. 318). Nesse reino, o comércio sustentava a corte, enquanto a população vivia do trabalho no campo: Não era um estado unitário nem homogêneo. Compreendia as mais diversas formas políticas, desde reinos e cidades-estado a aldeias que obedeciam a conselhos de anciães. A extensão e a diversidade dos territórios que lhe pagavam tributo e lhe forneciam tropas, exigiam do rei dos reis uma ampla tolerância para com as peculiaridades de cada parcela do império e vetavam, por isso mesmo, uma política de forçada islamização.” (SILVA, 2011, p. 328). 048 https://commons.wikimedia.org/w/index.php?curid=2599915 No século XV, as guerras internas enfraqueceram o Mali junto com investidas externas e interferência de outros povos como os portugueses, em busca de suas riquezas e mão de obra escrava. Contudo, é possível perceber a importância de reinos como este, que ao longo de séculos integraram o comércio de diferentes partes da África para relações para além desse continente, bem como para o desenvolvimento de tecnologias e culturas que partiram ou se aperfeiçoaram em solo africano. 049 05 A África na Modernidade 050 A África é um continente grandioso e com uma imensa variedade de povos, mas nem sempre essas informações são de conhecimento geral, principalmente entre aqueles que desconhecem sua formação e história. Esse desconhecimento em muitos casos se deve a uma formação que nos fez abordar estudos sobre a história e sociedades africanas, apenas como parte de uma história eurocêntrica, sem que verdadeiramente se conhecesse as relações entre as populações africanas dentro e fora desse continente, mas somente, pelo papel que povos de origem africana foram submetidos no início da Era Moderna pormeio do trá�co Atlântico de escravos. É importante percorrer essa fase da história africana para compreender quais relações eram mantidas para além da prática extensiva que o comércio Atlântico de escravos empreendeu, bem como para veri�car quais consequências esse mercado impôs ao continente africano e seus povos. Convido você a debruçar sobre essa fase da história do continente africano tomando como ponto de partida as con�gurações internas da África nesse contexto e as relações internacionais que dele partiram. Um imaginário sobre a África Muito do desconhecimento a respeito da África e seus habitantes é fruto do contexto de relações que foram implantadas em seu território, sobretudo no contato com europeus, a partir do início da Era Moderna. Neste processo, o racionalismo teve um importante papel, enquanto uma teoria que pressupôs um olhar ocidental sobre o universo, já que em um contexto de expansão europeia por meio das Grandes Navegações entre os séculos XV e XVII, quem dominava – os europeus – era quem detinha o saber sobre os lugares e as populações dominadas. 051 Fonte: Disponível aqui O Racionalismo é uma corrente �losó�ca que atribui particular con�ança à razão humana, ao passo que acredita que é dela que se obtêm os conhecimentos. Nesse ínterim, viajantes, estudiosos e missionários dos séculos XV, XVI, XVII e XVIII que saíram da Europa em direção à África tiveram papel fundamental ao descrever o continente africano e gerar um imaginário sobre ele, pois o contato que eles mantinham eram pontuais, com localizações restritas aonde os europeus conseguiram chegar à África. Um exemplo é o famoso mapa do holandês Guilherme Blaeu, datado de 1644. 052 https://www.todamateria.com.br/racionalismo/ Fonte: Waldman, 2014. Filho de negociante, Guilherme Blaeu (1571-1638) cresceu em ambiente cercado de relatos sobre países longínquos. Estudou matemática e foi aluno do famoso astrônomo Tycho Brahe. Em 1633 tornou-se cartógrafo da Companhia das Índias Ocidentais, cargo de in�uente status social. Sua perícia na cartogra�a não era menor do que seu pendor artístico, revelado em mapas �namente trabalhados. No mapa de Blaeu, temos um “conjunto de dados imaginários e reais generalizados presentes na mesma obra” (CHARLES; SÁ, 2011, p. 3). A começar, a Europa direcionada ao Norte, na face superior da imagem, denota o olhar eurocêntrico que o mapa expressa. Embora os contornos do continente tenham bastante perfeição, fruto de anos de navegações ao seu redor, quando paramos para analisar mais a fundo as imagens que estão em seu interior e arredores, começamos a observar alguns pontos importantes. A começar, os únicos centros urbanos retratados no mapa, são de Tanger, Ceuta, Alger, Tunis, Alexandria, Alcacer, Canárias, Moçambique e o Forte de el Mina. Ou seja, apenas na costa e mais ao norte da África, locais onde o conhecimento europeu se restringia. Tais localizações são apenas as cidades que drenavam as riquezas do interior para o exterior do continente africano. Em seu redor, o mapa apresenta �guras de criaturas exóticas no entorno da África. Enquanto isso, voltando para dentro do continente, encontramos uma “megafauna” e animais tropicais, não exatamente em seu habitat. Os navios que dominam os mares são europeus, e o desconhecimento do centro-sul africano é demonstrado na selvageria com que essas partes do continente são representadas. 053 Reino do Congo | Fonte: Disponível aqui Dinâmica interna do continente Migrações internas e externas foram importantes para a formação de reinos africanos na África e também para suas dinâmicas locais e globais. A África não foi um continente isolado do �nal da Antiguidade até o início da Modernidade, fazendo parte de processos migratórios que levaram a formação de reinos e aos contatos entre diferentes grupos étnicos que se estabeleceram ao longo do tempo no interior desse continente. Além disso, o comércio foi um fator importante, que levou à intensi�cação desses contatos e a uma dinâmica que ia para além do território africano. No contexto da era moderna, tivemos entre os povos de língua banta, localizados no centro sul africano, o desenvolvimento de reinos como o Congo, que a partir do século XIV tornaram-se de grande importância. Tal reino era rico, com uma economia abrangendo da produção de ferro, sal e cobre a produtos artesanais e a um comércio que ele “comandava ao longo do rio e entre o litoral, a �oresta e a savana” (SILVA, 2011, p. 519). Sustentava-se por meio do recebimento de tributos cobrados pelos chefes das aldeias, dos quais retiravam uma 054 https://commons.wikimedia.org/w/index.php?curid=4816371 Rotas transaarianas | Fonte: Disponível aqui parte e o restante repassavam ao chefe de distrito, que da mesma forma repassava outra parte ao governador, até que chegassem as mãos do rei. E tais contribuições exigiam em troca a proteção, bem como se organizavam meios de comércio e permuta de bens e serviços. Ao mesmo tempo, a expansão islâmica se fazia há muito sobre a África, dominando territórios que se estendiam do Egito ao Marrocos. Por meio dessa expansão, não só a cultura islâmica era disseminada, mas o comércio que ligava regiões asiáticas ao interior africano, e a partir daí, produtos levados até o sul da Europa, criando redes comerciais: A religião muçulmana também se estendeu para o Oriente, chegando até a Índia e às fronteiras da China. O pertencimento ao Islã fortaleceu esse comércio e inseriu Gana, assim como outros reinos da África Ocidental, em uma dimensão transcontinental. Além disso, uniu os mercados da África Ocidental às cidades italianas – sobretudo Gênova e Veneza – ao Oriente Médio, à Europa Oriental, chegando até a Índia, a China e o Japão. (PEREIRA, 2014, p. 23). Esse comércio era favorecido pela segurança que a irmandade entre �éis muçulmanos detinha, levando à formação de rotas muito cobiçadas. 055 https://commons.wikimedia.org/w/index.php?curid=3415866 Reino Songai | Fonte: Disponível aqui Reinos como o Songai, na região do Sahel, foram importantes nesse período. Com seu soberano convertido ao Islã, teve seu comércio integrado a essa rede acima citada. Na mesma região, cidades hauçás importantes se integravam a um comércio transaariano. Tombuctu, uma das cidades mais importantes da região, além de centro comercial, tornou-se um importante centro de estudos. 056 https://commons.wikimedia.org/w/index.php?curid=36813579 Universidade de Sancoré em Tumbuctu, datada do século X | Fonte: Disponível aqui Desse modo, os reinos do Sudão Ocidental, além de integrarem importantes rotas comerciais, englobavam, em suas fronteiras, povos de agricultores e mineradores – os trabalhadores que criavam as grandes riquezas controladas por reis e nobres. Essas pessoas – homens e mulheres – criaram instrumentos, tecnologias e sistemas de trabalho que contribuíram para o desenvolvimento da mineração e da produção agrícola, não apenas em suas regiões (PEREIRA, 2014, p. 25). Essas conexões foram importantes para trocas não apenas de produtos, mas para o �orescimento de práticas culturais. Também foi por meio desses contatos que muitos viajantes do mundo islâmico escreveram alguns dos primeiros relatos exteriores a respeito de populações africanas. Nesse contexto, a interferência europeia começou a se fazer por meio do trá�co Atlântico de escravos, do qual falaremos mais a respeito adiante. 057 https://commons.wikimedia.org/w/index.php?curid=3406814 O Tráfico Atlântico de Escravos e suas Consequências A escravidão é uma prática antiga, presente não só no continente africano, mas em todos os demais espaços continentais do planeta. Contudo, foi por meio do trá�co Atlântico de escravos retirados da África para servir de mão de obra principalmente nas Américas, com início na Era Moderna, que essa prática tomou proporções nunca antes vistas. A escravidão na África, a princípio, se fez como modo de aumentar o número de mão de obra para o trabalho na terra. Mas nesse contexto, a escravidão não era uma instituiçãoessencial, já que a base da formação social sobre a qual era realizada não sofria alterações. Aos poucos, de região para região, houve variantes. Com a expansão do Islã sobre territórios africanos, de acordo com Pacheco (2008), o contato muçulmano com Estados escravistas como o Bizantino e o Persa, tornou essa prática naturalizada, sobretudo porque nos textos sagrados do Corão ela não é defendida nem condenada. A escravidão praticada pelos árabes na África cresceu, na medida em que a expansão do Islã se fez: desenvolveram um intenso trá�co alimentado por rotas dispersas ao longo da costa da África negra e de localidades próximas a elas. Facilitando o escoamento da “mercadoria” escravo por meio do oceano Índico, do mar Vermelho, pelo deserto do Saara e, mais tarde do oceano Atlântico. Províncias foram criadas para melhor atendimento ao trá�co, destacando a do Egito - capital al-Fustat (próximo de Cairo), de Magrebe – capital Fez, e a de Ifriqiya (Tunísia) – capital Kairuan. (PACHECO, 2008, p. 20). Nesse contexto, a escravidão era entendida como parte de uma Jihad, em que os in�éis eram escravizados e podiam ser vendidos. Sendo que nas sociedades islamizadas da África, tais escravos eram empregados em inúmeras atividades que variavam de serviços domésticos a atividades administrativas e em serviços militares. 058 Fonte: Disponível aqui Contudo, mesmo sendo uma prática importante, não era algo essencial, mas contribuiu para que reinos submetidos à expansão árabe se tornassem fornecedores de escravos. Essa prática concomitante, iniciada pelos árabes, levou a uma associação entre as populações negras com o ser escravo, o que impôs a esses povos uma condição de inferioridade. Com a abertura de rotas de comércio de escravos na costa Atlântica da África, realizada a partir do século XVI com europeus que estavam em busca de força de trabalho para suas colônias na América, a expansão do trá�co negreiro aumentou vertiginosamente e acabou por representar um comércio sistemático de pessoas escravizadas, causando profundas consequências nas regiões em que este era realizado. O abastecimento de escravos via Atlântico era realizado principalmente nas: área de Angola e do Congo (até quase o �nal do século XIX); Costa dos Escravos (Golfo de Benin, do �nal do século XVII até Século XIX); Costa do Ouro (do início do século XVIII até o seu �nal); baía de Biafra (centralizado no delta do Níger e do rio Cross). Outras regiões tiveram menor participação em épocas diversas como: do rio Bandana; costa 059 https://commons.wikimedia.org/w/index.php?curid=17827742 Principais zonas de abastecimento de escravos para o comércio Atlântico | Fonte: Disponível aqui perto do planalto de Futa Jalom; portos próximos onde agora �cam Morávia e Freetown; e a região da Senegâmbia com conexão com o interior muçulmano. (PACHECO, 2008, p. 27). O principal alvo era a população masculina jovem. Além disso, o trá�co aumentou a busca por escravizar pessoas e também a violência necessária para viabilizar isso. 060 https://commons.wikimedia.org/w/index.php?curid=14652878 Inspeção e venda de um escravo africano | Fonte: Disponível aqui As consequências foram mais de trezentos anos de um trá�co intenso de pessoas escravizadas, retiradas de suas terras e famílias e submetidas a terríveis condições do transporte à vida nas colônias europeias, para onde serviam como força de trabalho. Isso imprimiu aos seus territórios de origem em África, di�culdades de desenvolvimento, dadas a con�itos constantes, que eram alimentados por essa busca por escravizar mais a falta de mão de obra, sobretudo masculino. E, para aqueles que sofriam esse triste destino �cou um legado sobre povos de cor negra que integravam, de uma ideia de pertencimento a uma população inferior entre as demais civilizações humanas, já que estariam servindo “senhores” brancos por meio de trabalhos subalternos. Essas situações nos ajudam a compreender por que o racismo contra os povos afrodescendentes ganhou forças com a prática da escravidão e como noções equivocadas sobre esses povos e o continente africano foram surgindo e sendo disseminadas ao longo da história humana. Daí a importância de conhece mais essa história para, desse modo, contribuir para combater preconceitos e ideias indevidas. 061 https://commons.wikimedia.org/w/index.php?curid=16082204 06 A África na Contemporaneidade 062 A história mais recente do continente africano, assim como em períodos mais remotos, nunca foi pouco estática. Na era contemporânea, que convenientemente foi classi�cada como o período que segue a passagem para o século XIX, até os dias atuais, o continente africano foi alvo de inúmeras transformações sociopolíticas e culturais que, transformaram suas fronteiras internas e as relações entre os povos que o povoam. Convido você a percorrermos sobre esse trajeto na história desse continente e assim, buscarmos conhecer um pouco mais sobre as relações internas que o permeiam, assim como este passou a manter em uma escala global. Vamos lá? A ação imperialista em África Não podemos falar em África contemporânea sem que toquemos no assunto imperialismo. Pois, essa que foi uma política neocolonialista por parte de potências econômicas europeias, atingiu em cheio o continente africano que, teve o interior do seu território disputado e partilhado por esses países estrangeiros, o que afetou a vida da maioria dos inúmeros povos que compõem seu espaço. 063 Fonte: Disponível aqui O termo “Imperialismo” sugere, obviamente, uma “Era de Impérios”; em grande parte trata-se disso mesmo. Mas, conceitualmente falando, o Imperialismo do século XIX consistiu num tipo de política expansionista das principais nações europeias, que tinha por objetivo a busca de mercado consumidor, de mão de obra barata e de matérias-primas para o desenvolvimento das indústrias. Esse fenômeno de expansão dos países europeus teve início a partir do momento em que, após as Revoluções Burguesas dos séculos XVII e XVIII e da formação das nações modernas na Europa (como Alemanha, Itália e França), houve um intenso processo de industrialização desses países. A industrialização gerou, por conseguinte, uma forte concorrência entre as nações, que passaram a disputar territórios e estabelecer as suas fronteiras com exércitos modernizados e uma so�sticada diplomacia. O transcorrer do século XIX foi marcado por uma intensi�cação da industrialização de alguns países europeus, que buscavam fontes de matérias-primas e a ampliação dos seus mercados consumidores. Para tanto, o seu foco de ação, que em muitos casos anteriormente estava voltado para o Novo Mundo – a América – deslocou-se para o continente africano. Nesse contexto, é que entre os anos de 1880 e 1935 a África sofrerá os intensos efeitos da expansão imperialista: Na verdade, as mudanças mais importantes, mais espetaculares – e também mais trágicas –, ocorreram num lapso de tempo bem mais curto, de 1880 a 1910, marcado pela conquista e ocupação de quase todo o continente africano pelas potências imperialistas e, depois, pela instauração do sistema colonial. A fase posterior a 1910 064 https://www.historiadomundo.com.br/idade-contemporanea/imperialismo.htm O Congresso de Berlim em gravura da época | Fonte: Disponível aqui caracterizou-se essencialmente pela consolidação e exploração do sistema. (UNESCO, 2010, p. 1). Se na Era moderna – entre os séculos XV e XVIII – os contatos e uma presença europeia se faziam em alguns pontos, sobretudo, nas margens litorâneas do continente, em entrepostos comerciais e sem um conhecimento mais profundo de seu interior, isso mudou drasticamente ao longo do século XIX. A busca por produtos africanos levou a uma roedura do continente e abriu as portas para o desejo de conquista. E, conforme o trá�co Atlântico de escravos diminuía, ao mesmo tempo era aumentado o processo de expansão europeia no continente. Com o �m de ordenar e evitar con�itos entre as potências que disputavam territórios na África, uma reunião foi organizadaentre os seus representantes. Essa coferência, ou Congresso de Berlim, realizado em 1878, terminou por dar os limites das ocupações por parte dos europeus já iniciadas na África. 065 https://commons.wikimedia.org/w/index.php?curid=185665 Comparação da divisão política da África nos anos de 1880 e 1913 | Fonte: Disponível aqui Fonte: Disponível aqui Os países que participaram no Congresso de Berlim foram Áustria, Grã- Bretanha, França, Alemanha, Itália, Rússia e Turquia. O Congresso de Berlim, sem obviamente levar em conta as situações internas e os povos que integravam o continente africano, deu cabo de uma partilha da África. Essa partilha que vinha sendo conduzida e então �nalizada, entre os anos de 1880 e 1930, como mencionamos acima. 066 https://commons.wikimedia.org/w/index.php?curid=37125742 https://www.wdl.org/pt/item/11911/ A partir de então, as diferentes potências europeias que haviam empreendido conquistas territoriais ou estavam conquistando territórios na África passaram a implementar suas políticas coloniais no continente africano. Políticas coloniais Se até 1880 cerca de 80% do território africano era governado por “seus próprios reis, rainhas, chefes de clãs e de linhagens, em impérios, reinos, comunidades e unidades políticas de porte e natureza variados” (UNESCO, 2010, p. 3), essa situação mudou radicalmente. Com exceção da Etiópia e da Libéria, a África estava quase completamente submetida à dominação de potências europeias que a dividiam em colônias sem, na maioria dos casos, relação com as divisões políticas pré-existentes. Desse modo, entre os anos de 1880 e 1935 a África esteve submetida a um colonialismo. Sem dúvidas houve resistência: na sua esmagadora maioria, autoridades e dirigentes africanos foram profundamente hostis a essa mudança e declararam -se decididos a manter o status quo e, sobretudo, a assegurar sua soberania e independência, pelas quais praticamente nenhum deles estava disposto a transigir, por menos que fosse. (UNESCO, 2010, p. 3-4). Uma resistência armada e religiosa foi organizada, apesar de algumas elites locais se �arem na crença de que conseguiriam barrar as intenções expansionistas europeias, como vinham fazendo havia séculos, enquanto mantinham relações comerciais com a Europa. Contudo, o contexto era outro: Em 1880, graças ao desenvolvimento da revolução industrial na Europa e ao progresso tecnológico que ela acarretara – invenção do navio a vapor, das estradas de ferro, do telégrafo e sobretudo da primeira metralhadora, a Maxim –, os europeus que eles iam enfrentar tinham novas ambições políticas, novas necessidades econômicas e tecnologia relativamente avançada. Por outras palavras, os africanos não sabiam que o tempo do livre-cambismo e do controle político ocioso ̀ cedera lugar, conforme diz Basil 067 Davidson, à “era do novo imperialismo e dos monopólios capitalistas rivais”. (UNESCO, 2010, p. 7). Foi aí que a metralhadora venceu as antigas espingardas e boa parte dos soberanos africanos foi destronada pelas potências europeias - mas não sem confrontos, pois muitos soberanos africanos preferiram lutar até o �m em campos de batalha para defenderem sua soberania. Outros procuraram recorrer à diplomacia e alguns ainda a alianças políticas. Em alguns casos, as diferenças e hostilidades locais eram utilizadas a favor dos interesses entre ambas as partes. O que queremos dizer com isso? Na África, muitos povos estavam submetidos a autoridades políticas que não eram as suas, ou seja, povos que disputavam territórios e poder entre si, cujo soberano de algum deles que conseguiu se autoa�rmar governava todos os demais. Com isso, esses povos viam na aliança com os invasores, a possibilidade de combater inimigos em comum. Nesse ínterim, o uso da política “dividir para dominar” era realizada por europeus, ou em buscar acordos que mantivessem os interesses das elites locais. E nesse processo de dominação e colonização, embora em muitos lugares fossem implementadas obras de infraestrutura rodoviária e ferroviária para o transporte das mercadorias, bem como a abertura de escolas primárias e secundárias, para o ensino e uma assimilação das populações locais a uma cultura europeia, os interesses das potências colonizadoras continuava sendo o de explorar os recursos africanos “fossem animais, vegetais ou minerais, em benefício exclusivo das potências metropolitanas, principalmente de suas empresas comerciais, mineiras e �nanceiras” (UNESCO, 2010, p. 15). E isso levava a um ressentimento anticolonial compartilhado por diferentes grupos sociais em meio aos povos africanos. 068 Veja matéria completa: Disponível aqui Com a ocupação da África durante o século XIX, inúmeros movimentos de resistência ao neocolonialismo europeu surgiram em diferentes partes desse continente. Tais práticas não ocorreram em meio a uma passividade entre os africanos. Pelo contrário: foram múltiplas as formas de resistência mesmo no auge do colonialismo europeu em África. Inclusive, a essa resistência se deveu o cerne dos movimentos por independência que vieram a ter êxito no decorrer do século XX e trouxeram novos rumos à vida das populações que hoje formam o continente africano. Independências na África e consequências do imperialismo Vamos analisar como os movimentos de resistência ganharam força e levaram à independência de antigas colônias na África para então observar as consequências de todo esse transcorrer de acontecimentos para os países que se formaram e constituem o continente na atualidade. Inúmeras iniciativas foram organizadas: 069 https://mundoeducacao.bol.uol.com.br/historiageral/movimentos-resistencia-ao-neocolonialismo-na-africa.htm As associações e agrupamentos formados pela articulação das aspirações nacionalistas foram efetivamente numerosos, e bastante variadas as estratégias e táticas elaboradas no decurso do período para concretizá -las. [...] [...] clubes de jovens, associações étnicas, sociedades de antigos alunos, partidos políticos, movimentos políticos abrangendo um ou vários territórios com atividades tanto internas (UNESCO, 2010, p. 16). São exemplos de como grupos socioculturais variados buscavam se articular em torno do objetivo de vencer o colonialismo europeu em África. Sobretudo após a Segunda Guerra Mundial, esses movimentos de resistência africana ganharam força e levaram a um processo de independência que na segunda metade do século XX levou a formação de inúmeros países: Dos anos 50 até o m ̀ da “presença europeia” no continente africano, a luta independentista foi intensa, com o surgimento de vários movimentos, conitos ̀ e lutas armadas, contra a exploração e invasão que ocorriam há tempos em África, e que sempre encontrou a resistência pelo caminho. (MATOS, 2019, p. 77). O �nal da Segunda Guerra foi importante por que: Os africanos que participaram da guerra esperaram que as “promessas” de transformações mais signicativas ̀ nos seus países, como uma autonomia maior sobre as decisões políticas e econômicas, fossem cumpridas. Como isso não ocorreu, acabaram por insuar ̀ as populações, que mesmo com concretização da presença forçada europeia, não estavam inertes e realizavam uma grande linha de resistência nas suas regiões, fazendo emergir desse contexto o discurso mais duro, que reivindicava autonomia, independência e união africana contra os europeus. (MATOS, 2019, p. 79). A�nal, não fazia sentido ter lutado contra dominadores nazifascistas se seus territórios na África estavam sob o domínio dos aliados para os quais lutaram nesta guerra. 070 Fonte: Disponível aqui Ao �m da Segunda Guerra, a África vivenciou um período de crises famélicas e os soldados retornados não obtiveram reconhecimento de suas lutas. É nesse período que o movimento do nacionalismo africano retorna em cada território com características diferentes. Além disso, com o �ndar da guerra, as antigas potências imperialistas estagnaram, o que tornava mais difícil conter con�itos. E nesse contexto, um con�ito de nível global teve importância
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