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As ações e atuação dos Psicólogos numa proposta de Educação Inclusiva SST Silva, Regina Maria da As ações e atuação dos Psicólogos numa proposta de Educação Inclusiva / Regina Maria da Silva nº de p. : 11 Copyright © 2019. Delinea Tecnologia Educacional. Todos os direitos reservados. As ações e atuação dos Psicólogos numa proposta de Educação Inclusiva 3 Apresentação Nesta unidade, vamos discutir as relações da Psicologia e da Pedagogia no que se refere à democratização da escola a partir da década de 1980, no Brasil, e a possibilidade de favorecer o desenvolvimento individual e coletivo a partir da gestão democrática das unidades escolares. Além disso, vamos conhecer os principais aspectos relacionados à atuação do psicólogo na área educacional e sua importância na construção de uma educação verdadeiramente inclusiva. O psicólogo em contextos escolares: atuação multidisciplinar A Psicologia, ao estudar o desenvolvimento humano, aborda várias teorias e suas metodologias. De formas diferenciadas, as teorias comprometem-se em conhecer as várias etapas da vida do ser humano do nascimento até sua morte. Tais teorias estão apoiadas por concepções de homem, de mundo, de desenvolvimento, que não se exime da história do tempo que as constituem, seja por fortalecê-las ideologicamente, seja para questioná- las e propor uma nova visão. Teorias que se propuseram a compreender o ser humano, concentrando-se nos aspectos mentais, cognitivos, afetivos, psicossexuais, com relevância na interação ambiente-sujeito, ainda que de maneira distinta. (PILETTI; ROSSATO; ROSSATO, 2014, p. 36). Como são muitas teorias sobre o desenvolvimento humano, vamos dar destaque àquelas que são mais utilizadas na Psicologia Escolar. Para começar, vamos conversar sobre um caso. Iniciemos a reflexão utilizando nosso ponto de vista. Depois, vamos estudar o caso a partir das concepções de Piaget e Vygotsky e pensar em algumas estratégias pedagógicas para auxiliar o desenvolvimento do Lucas (personagem a ser conhecido a seguir). No final da análise, vamos verificar o que há em comum entre a visão dos teóricos apresentados e nosso pensamento inicial acerca do caso em questão. 4 Tomemos o exemplo de Lucas: Lucas tem 5 anos e está matriculado na pré-escola. A partir do primeiro bimestre do ano letivo, sua professora elaborou uma avaliação diagnóstica onde registrou, entre outras considerações, os seguintes pontos sobre o desempenho do Lucas: a. não acompanha o desenvolvimento da turma. Exemplo: todos os outros já contam até o número 100 e o Lucas não conseguiu compreender a estrutura de uma dezena, portanto, consegue contar até 10 somente; b. não faz as tarefas de casa; c. tem dificuldades na fala; d. não sai da sala para beber água e nem vai ao banheiro sozinho. Quando perguntado sobre o porquê desse comportamento, informou que a mãe o orientou que saísse da sala de aula, somente acompanhado pela professora. Vamos avançar considerando sempre a avaliação diagnóstica do estudante Lucas, refletindo sobre atividades que possam auxiliá-lo na superação dos problemas apontados pela professora. Para Piaget, existe uma diferença qualitativa entre a lógica infantil e a lógica do adulto, pois a cognição humana se torna mais complexa conforme a idade avança. Para compreender esse processo, Piaget cria algumas categorias de análise, sendo a equilibração a principal delas. Ele afirma que todo organismo precisa viver em equilíbrio com o meio ambiente ou não sobrevive. Quando esse ambiente gera novas situações que são desafiadoras e conflitantes para o indivíduo, este apresenta desequilíbrios que fazem avançar seu desenvolvimento. Diante de um conflito como o do caso do estudante Lucas, uma nova atividade como a “tarefa de casa” ou um novo objeto a ser conhecido como “a dezena e a centena” ou aprender um novo hábito como “beber água e ir ao banheiro sozinho” faz com que ele se desequilibre. Para que volte a se equilibrar, ele fará uso de alguns mecanismos naturais fundamentais, que o Piaget denominou de mecanismos próprios do indivíduo. Um dos mecanismos que o Lucas irá utilizar, portanto, será a assimilação, que se manifestará quando o seu organismo, sem se alterar, começar a buscar um significado para as novas tarefas apresentadas pela professora da escola, a partir de suas experiências anteriores. 5 Aprendizagem de novos conhecimentos Fonte: Plataforma Deduca (2021). #PraCegoVer: Duas meninas de 6 anos lendo um livro juntas. Um segundo mecanismo natural do indivíduo, do qual Lucas irá se valer será, o da acomodação. É o momento em que o seu organismo tentará restabelecer o equilíbrio com o seu meio (a escola), culminando na sua transformação (transformação do próprio organismo). Vamos analisar o caso do Lucas, no que se refere ao fato de ainda não ter aprendido a contar até o número 100 como os outros coleguinhas, porque, segundo a professora, ele ainda não compreendeu o significado de uma dezena. Ao deparar-se com uma nova forma de contar, Lucas entrou em conflito com o seu meio, mas não conseguiu restabelecer o seu equilíbrio no mesmo tempo que os outros colegas, porque ainda não conseguiu assimilar o novo objeto de aprendizagem (dezena). Isso quer dizer que ao buscar entre suas vivências anteriores, situação parecida para agir sobre o novo objeto, não conseguiu estabelecer comparações válidas. Vamos refletir sobre isso e fazer indagações a respeito: haverá na experiência anterior do Lucas, alguma atividade ou brincadeira em que ele tenha juntado objetos, brinquedos ou mesmo pessoas, como crianças jogando futebol em um time? Provavelmente sim. Certamente, o que o Lucas não experimentou ainda, foi o de brincar com a dezena. Se a professora não encontrar outra forma de ensinar o significado de uma dezena ao Lucas, ele não sobreviverá nesse meio competitivo que é a sala de aula. Portanto, uma das sugestões para que o Lucas assimile o 6 significado da dezena, é ensiná-lo a juntar objetos ou pessoas em grupos de 10 (dez). Depois é juntar com mais 10 (dez) até chegar a 100 (cem) e ele mobilizará o recurso próprio da acomodação e restabelecerá o equilíbrio necessário para sobrevivência no meio (sala de aula). Ao analisarmos o caso do menino Lucas a partir da concepção de Piaget sobre o desenvolvimento humano, o fato de a criança não ter conseguido aprender a contar até 100 como a maioria da turma da sua sala de aula, há que se considerar que ele precisaria desenvolver estruturas cognitivas anteriores, aprendido na experiência com os objetos e por transmissão de outros. Vamos lançar uma hipótese para reflexão: é de que o Lucas ainda não consegue relacionar quantidade com a simbologia; não relaciona o número 10 com dezena, assim como qualquer adulto, hoje em dia, pode ficar confuso ao tentar entender quantos megabytes são necessários para completar um gigabyte no ambiente virtual. Para que Lucas consiga construir um novo instrumento lógico (contar até 100), é necessário que ele já tenha desenvolvido instrumentos lógicos preliminares (contar de 10 em 10). Apropriação de conhecimentos Fonte: Plataforma Deduca (2021). #PraCegoVer: Estudante de ensino básico no quadro anotando resultados de somas matemáticas. 7 A seguir, vamos revisar alguns elementos básicos da teoria histórico-cultural ou sociocultural do psiquismo humano de Vygotsky, pensando no caso do Lucas. Vygotsky observou que o ponto de partida são as estruturas orgânicas elementares, determinadas pela maturação. A partir delas formam-se novas e cada vez mais complexas funções mentais, dependendo da natureza das experiências sociais da criança. Nesta perspectiva, o processo de desenvolvimento segue duas linhas diferentes em sua origem: um processo elementar, de base biológica, e um processo superior de origem sociocultural (LUCCI, 2006). Nesse sentido, pode-se afirmar que as funções psicológicas elementares da criança são caracterizadas pelas ações involuntárias (oureflexas); pelas reações imediatas (ou automáticas) e sofrem controle do ambiente externo. Por outro lado, as funções psicológicas superiores são de origem social. Elas são formadas na interação entre os fatores biológicos e os socioculturais. Assim, Vygotsky conceitua que as funções psíquicas são de origem sociocultural, pois resultaram da interação do indivíduo com seu contexto cultural e social (LUCCI, 2006). Vygotsky afirma que a criança inicia sua aprendizagem muito antes de frequentar o ensino formal, contudo, a aprendizagem escolar introduz elementos novos no seu desenvolvimento. Ele considera a existência de dois níveis de desenvolvimento, conforme apresentado a seguir. • Um nível que corresponde a tudo aquilo que a criança pode realizar sozinha. • Outro nível que se refere a tudo aquilo que a criança poderá realizar com a ajuda de outra pessoa que sabe mais. Esta última situação é o que Vygotsky considera indispensável para compreendermos o nível de desenvolvimento mental da criança. Saiba mais 8 Tais processos serão interiorizados por ela (a criança) e se tornarão parte do seu primeiro nível de desenvolvimento, convertendo-se em aprendizagem e abrindo espaço para novas possibilidades de aprendizagem. Considerando o exposto anteriormente sobre a teoria de Vygotsky sobre o desenvolvimento humano, o caso do menino Lucas se torna menos dramático no que diz respeito à sua sobrevivência em uma sala de aula onde ele não acompanha o desempenho da turma. A partir da premissa vygotskyana de que a criança se desenvolve fundamentalmente na mediação com as pessoas por meio da linguagem, a professora do Lucas pode encontrar mais possibilidades de desenvolvimento do seu aluno do que impedimentos. A avaliação do desempenho de Lucas, ao ser apresentado à sua família, apresentaria principalmente, algumas sugestões de atividades para auxiliar na sua aprendizagem sobre os números, na construção da sua autonomia para beber água e ir ao banheiro sozinho e para melhorar a sua fala. Contribuições da atuação do psicólogo escolar na educação inclusiva Para compreender a importância da atuação do psicólogo no contexto da educação inclusiva, é importante conhecer a própria ciência psicológica. Primeiramente, é importante que a família, os professores e a comunidade escolar conheçam a Psicologia da criança, para assim, poder ajudá-la. Ao compreender o seu comportamento, poder prever, e em alguns casos ajudar a criança na modificação desses comportamentos com o intuito de melhorar a sua aprendizagem. Sair da zona de conforto Fonte: Plataforma Deduca (2021) #PraCegoVer: Mãos coloridas com rostos sorridentes indicando união e inclusão. 9 Para Barros (2008, p. 10): Educar uma criança, ensiná-la, evitando perturbações em seu comportamento, exige do adulto, além de amor e dedicação, o conhecimento das características infantis em cada fase do desenvolvimento: seus interesses, necessidades, motivações e possibilidades. Para ensinar, uma atividade a uma criança, precisa- se saber como a criança é, se está madura para aquela atividade, como poderá ser motivada, quais os melhores meios de ensiná-la é de tornar duradoura a aprendizagem. Uma escola inclusiva não é somente aquela que inclui alunos com deficiência, mas a que de fato é democrática. O psicólogo precisa atuar de maneira a considerar diferentes formas de avaliação para que a queixa escolar seja compreendida dentro do processo de ensino-aprendizagem. Deve, então, se apropriar profundamente das relações que permeiam o contexto escolar para compreender como foi produzido o motivo do encaminhamento do aluno para o seu atendimento. Trata-se de uma ação política do psicólogo, na qual precisará “[...] compreender as demandas por justiça e direitos e forjar suas ações no sentido de contribuir criticamente e situar- se também como ator comprometido com essas demandas” (DAZZANI, 2010, p. 372). Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva: bases do Ministério da Educação A Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva visa garantir o acesso de crianças, jovens e adultos ao ensino regular, tendo como público-alvo a inclusão de alunos com deficiência, transtorno do espectro autista ou superdotação. A educação inclusiva constitui um paradigma educacional fundamentado na concepção de direitos humanos, que conjuga igualdade e diferença como valores indissociáveis, e que avança em relação à ideia de equidade formal ao contextualizar as circunstâncias históricas da produção da exclusão dentro da escola. (BRASIL, 2008, p. 2). 10 Inclusão Fonte: Plataforma Deduca (2021). #PraCegoVer: A imagem retrata uma criança com síndrome de Down brincando com discos coloridos que estão acoplados a uma barra. Suas diretrizes tratam também de assegurar o atendimento educacional especializado (AEE), bem como capacitar os profissionais da educação para qualificar o atendimento, envolver a família e a comunidade nas ações escolares e propiciar a interlocução de diferentes setores ligados às políticas públicas em educação. 11 Fechamento Nesta unidade construímos conhecimentos que permitem relacionar o papel da Psicologia no processo de inclusão educativa, a partir do reconhecimento da escola como oportunidade de emancipação dos estudantes, como espaço de crescimento e aprendizagem integrais. A escola, como instituição, deve rever a sua concepção de educação escolar e perceber a necessidade de preparar o ambiente para o aluno com ritmo diferente de aprendizagem e não o contrário. Referências BARROS. C. S. G. Pontos de Psicologia do desenvolvimento. São Paulo: Ática, 2008. BRASIL. Secretaria de Educação Especial. Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva. Brasília, 2008. Disponível em: http://portal. mec.gov.br/arquivos/pdf/politicaeducespecial.pdf. Acesso em: 30 jul. 2021. DAZZANI, M. V. M. A psicologia escolar e a educação inclusiva: Uma leitura crítica. Psicologia: ciência e profissão, Brasília, v. 30, n. 2, p. 362-375, 2010. LUCCI, M. A. A proposta de Vygotsky: a psicologia sócio-histórica. Revista De Currículum y formacíon del professorado, Espanha, ago. 2006. PILETTI, N.; ROSSATO, S. M.; ROSSATO, G. Psicologia do desenvolvimento. São Paulo: Contexto, 2014. http://portal.mec.gov.br/arquivos/pdf/politicaeducespecial.pdf http://portal.mec.gov.br/arquivos/pdf/politicaeducespecial.pdf