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HISTÓRIA DA LITERATURA ANGLÓFONA Me. Daniela dos Santos Domingues GUIA DA DISCIPLINA 1 História da Literatura Anglófona Universidade Santa Cecília - Educação a Distância 1. BEOWULF E OS FUNDAMENTOS DA LITERATURA ANGLÓFONA Objetivo Conhecer os períodos literários das culturas anglófonas e compreender como o desenvolvimento e a difusão de sua literatura se deu a partir de obras fundadoras como Beowulf. Introdução O desenvolvimento e a difusão da literatura anglófona estão diretamente ligados à História da Inglaterra e de como a língua inglesa passou a ser adotada em diversos países devido ao avanço da colonização promovida pelo país, que se tornou comercialmente e religiosamente muito influente com sua expansão marítima a partir do século XV. No entanto, o primeiro registro do que seriam as primeiras palavras inglesas já escritas, integra um códice (conjunto de placas de pedra ou madeira onde eram escritos manuscritos antes do advento do papel) com inúmeros manuscritos, mas cujas data de confecção e autoria, não são conhecidas. Um desses manuscritos, que é o material em língua inglesa mais antigo que se tem registro, é o poema épico Beowulf. Rotas iniciais da colonização dos EUA pela Inglaterra. Fonte: http://www.virginiaplaces.org 2 História da Literatura Anglófona Universidade Santa Cecília - Educação a Distância 1.1. A importância de Beowulf: primeiro marco do inglês antigo Primeira página do poema Beowulf, disponível no catálogo digital da Biblioteca Britânica: http://www.bl.uk/manuscripts/Viewer.aspx?ref=cotton_ms_vitellius_a_xv_f132r Ainda que grande parte dos estudiosos não consiga entrar em um consenso sobre a data precisa de confecção do poema Beowulf, muitos estudiosos acreditam que ele possa ter sido escrito entre os séculos III e XII, o que é uma janela de quase mil anos. Porém, em uma conferência dedicada exclusivamente ao estudo desse poema, que ocorreu em 1986, em Toronto, Canadá, um dos acadêmicos participantes foi categórico ao afirmar que Beowulf teria sido escrito entre os anos de 927 e 9311. 1 https://www.jstor.org/stable/pdf/43343721.pdf?seq=1 3 História da Literatura Anglófona Universidade Santa Cecília - Educação a Distância Independentemente das evidências que esse estudo apresente, o fato é que sua relevância como a principal obra fundadora da literatura anglófona foi destacada a partir dos estudos do islandês Grímur Jónsson Thorkelin, pesquisador que viajou à Inglaterra para registrar marcas das influências escandinavas na cultura inglesa e se deparou com o manuscrito de Beowulf por acaso, catalogado na Biblioteca britânica de Londres junto a outros poemas de origem dinamarquesa. Assim, Thorkelin foi o primeiro estudioso a transcrever o poema publicado pela primeira vez em 1815 e, em seguida, vieram as traduções para diversas línguas, inclusive para o inglês moderno, já que o poema original está escrito em uma versão antiga da língua, muito mais próxima do alemão. Ou seja, a importância de Beowulf como uma obra fundadora da língua inglesa e da literatura anglófona está primordialmente em sua descoberta como o primeiro registro escrito do que viria a se tornar a língua inglesa, ainda que, muito possivelmente, assim como ocorre com grande parte das obras mais antigas, o poema seja um apanhando de histórias e lendas de tradições orais que teriam sido passadas ao longo de gerações até ser encontrado em solo britânico. Por isso, por mais que tradicionalmente o que se entende por obra fundadora remeta à ideia de uma publicação que influencia não só a formação de uma língua, como também de suas estruturas literárias, a verdade é que se não fosse por J.R.R. Tolkien (autor de O Senhor dos Anéis), é possível que Beowulf não tivesse sido elevado à condição de arte e não integrasse o cânone da literatura britânica. Isso porque até meados de 1930, pouquíssimos autores tinham conhecimento da obra, o que significa dizer que nem Shakespeare e nem Chaucer, por exemplo, teriam sido influenciados pelo poema, mas a partir da publicação de um artigo acadêmico de Tolkien, muitos escritores contemporâneos a ele e outros que viriam depois, passaram a valorizar a obra épica como uma importante referência para seus trabalhos. 4 História da Literatura Anglófona Universidade Santa Cecília - Educação a Distância Apenas um único manuscrito de Beowulf sobreviveu à era anglo-saxônica. Por muitos séculos, o manuscrito foi praticamente esquecido e, na década de 1700, foi quase destruído em um incêndio. Não foi até o século XIX que o interesse generalizado pelo documento emergiu entre estudiosos e tradutores do inglês antigo. Nos primeiros cem anos de destaque de Beowulf, o interesse no poema foi principalmente histórico - o texto foi visto como uma fonte de informação sobre a era anglo-saxônica. Somente em 1936, quando o estudioso de Oxford JRR Tolkien (que mais tarde escreveu O Hobbit e O Senhor dos Anéis, trabalha fortemente influenciado por Beowulf) publicou um artigo inovador intitulado "Beowulf: Os Monstros e os Críticos" que o manuscrito ganhou reconhecimento como uma obra de arte séria. (Fonte: www.sparknotes.com/lit/beowulf) 1.2. A trama de Beowulf Com uma combinação de narrativas de tradição anglo-saxã e cristã, Beowulf traz uma perspectiva histórica dos valores e cultura de sua época, como o heroísmo e códigos de honra, presentes em nossa cultura até os dias de hoje. A trama começa com o rei Hrothgar da Dinamarca, descendente do rei Shield Sheafson, desfrutando de um reinado próspero e bem-sucedido. Ele constrói um grande salão de hidromel, chamado Heorot, onde seus guerreiros podem se reunir para beber, receber presentes de seu senhor e ouvir histórias cantadas pelos bandidos ou bardos. Mas o barulho de Heorot irrita Grendel, um demônio que vive nos pântanos do reino de Hrothgar. Grendel e que aterroriza os dinamarqueses todas as noites, matando-os e derrotando seus esforços para revidar. Os dinamarqueses sofrem muitos anos de medo nas mãos de Grendel. Eventualmente, no entanto, um jovem guerreiro chamado Beowulf ouve a situação difícil de Hrothgar. Inspirado pelo desafio, Beowulf navega para a Dinamarca com uma pequena companhia de homens, determinado a derrotar Grendel. Hrothgar, que já fez um grande favor ao pai de Beowulf, Ecgtheow, aceita a oferta de Beowulf de lutar contra Grendel e realiza um banquete em homenagem ao herói. Durante o banquete, um dinamarquês invejoso chamado Unferth provoca Beowulf e o acusa de ser indigno de sua reputação. Beowulf responde com uma descrição orgulhosa de algumas de suas realizações passadas. Sua confiança alegra os guerreiros dinamarqueses, e o banquete dura alegremente até a noite. Por fim, porém, Grendel chega. http://www.sparknotes.com/lit/beowulf 5 História da Literatura Anglófona Universidade Santa Cecília - Educação a Distância Beowulf luta contra ele desarmado, provando ser mais forte que o demônio, que está aterrorizado. Enquanto Grendel luta para escapar, Beowulf arranca o braço do monstro. Mortalmente ferido, Grendel volta para o pântano para morrer. O braço cortado é pendurado alto no salão de hidromel como um troféu da vitória. Muito feliz, Hrothgar leva a Beowulf presentes e tesouros em um banquete em sua homenagem. As canções são cantadas em louvor a Beowulf, e a celebração dura até altas horas da noite. Mas outra ameaça está se aproximando: a mãe de Grendel, uma bruxa do pântano que vive em um lago desolado, chega a Heorot em busca de vingança pela morte do filho. Ela mata Aeschere, um dos conselheiros mais confiáveis de Hrothgar, antes de fugir. Para vingar a morte de Aeschere, a companhia viaja para o pântano escuro, onde Beowulf mergulha na água e luta contra a mãe de Grendel em seu covil subaquático.Ele a mata com uma espada forjada por um gigante, então, encontrando o cadáver de Grendel, decapita-o e leva a cabeça como prêmio a Hrothgar. Os dinamarqueses estão novamente felizes, e a fama de Beowulf se espalha pelo reino. Beowulf volta para Geatland, onde ele e seus homens se reúnem com seu rei e rainha, Hygelac e Hygd, a quem Beowulf relata suas aventuras na Dinamarca. Beowulf então entrega a maior parte de seu tesouro a Hygelac, que, por sua vez, o recompensa. Com o tempo, Hygelac é morto em uma guerra contra os Shylfings e, depois que o filho de Hygelac morre, Beowulf ascende ao trono dos Geats. Ele governa sabiamente por Cenas da animação A Lenda de Beowulf (2007) 6 História da Literatura Anglófona Universidade Santa Cecília - Educação a Distância cinquenta anos, trazendo prosperidade para Geatland. Quando Beowulf fica mais velho, no entanto, um ladrão invade sua mina, onde um grande dragão guarda seus tesouros. Enfurecido, o dragão emerge da mina e começa a desencadear uma destruição sobre os Geats. Sentindo sua própria morte se aproximando, Beowulf vai lutar contra o dragão. Com a ajuda de Wiglaf, ele consegue matar a fera, mas a um custo alto. O dragão morde Beowulf no pescoço, e seu veneno o mata momentos após o encontro. Os Geats temem que seus inimigos os ataquem agora que Beowulf está morto. De acordo com os desejos de Beowulf, eles queimam o corpo do rei que partiu em uma enorme pira funerária e o enterram com um enorme tesouro em um mausoléu com vista para o mar.2 Para conhecer melhor a história de Beowulf, vale assistir à animação de 2007 que conta com atuações de grandes atores como Angelina Jolie e Anthony Hopkins. 1.3. A estrutura de Beowulf Beowulf é um poema épico, ou seja, narra ações e feitos heroicos de personagens históricos ou mitológicos ao longo de vários atos. Embora a obra não apresente rimas em sua versão original, ela faz bastante uso de aliteração, ou seja, repetição de sílabas e letras com o mesmo som em forma de versos, de maneira que a primeira metade de cada verso esteja ligada a segunda metade por meio da similaridade dos sons produzidos, isso porque 2 https://www.sparknotes.com/lit/beowulf/summary/ - tradução nossa. Exemplo de aliteração em Beowulf em inglês moderno. Fonte: https://study.com/academ https://www.sparknotes.com/lit/beowulf/summary/ 7 História da Literatura Anglófona Universidade Santa Cecília - Educação a Distância grande parte desses poemas são resultado de uma tradição oral (como apontado anteriormente), onde o poeta precisa interpretar e dar vida às ações que narra: Prólogo: História Antiga dos Dinamarqueses Escute: você ouviu falar dos reis dinamarqueses nos velhos tempos e como eles eram grandes guerreiros. Shield, filho de Sheaf, assumiu muitas cadeiras de inimigos, aterrorizou muitos guerreiros depois que ele foi encontrado órfão. Ele prosperou sob o céu (...) Grain governou a Dinamarca muito tempo após a morte de seu pai, e para ele nasceu o grande Healfdene, feroz em batalha, que governou por muito tempo. Healfdene teve quatro filhos - Heorogar, Hrothgar, Halga, e uma filha que se casou com Onela, rei dos suecos.3 FERRO, Jeferson. Introdução às literaturas de língua Inglesa. InterSaberes, 2014. Site: Britannica escola. Artigo: Beowulf. Disponível em: https://escola.britannica.com.br/artigo/Beowulf/483111 Acesso em Dez. 2019 3 O poema de domínio público tem muitas versões em inglês moderno e sua aliteração se perde quando traduzimos para o português livremente. Já as adaptações, buscam manter as caraterísticas principais da obra principal. https://escola.britannica.com.br/artigo/Beowulf/483111 8 História da Literatura Anglófona Universidade Santa Cecília - Educação a Distância 2. GEOFFREY CHAUCER E OS CONTOS DA CANTUÁRIA Objetivo Entender como se formou a ideia de literatura canônica anglófona e seus períodos e conhecer um importante representante dessa arte. Introdução Tendo estabelecido que Beowulf seria o ponto de partida para a formação da literatura anglófona, é preciso agora seguir em frente e entender como essa produção evoluiu, foi consumida e difundida ao longo da História e como podemos dividi-la em seus períodos. Não só isso, é preciso também que façamos uma distinção antes de prosseguirmos, pois nossa ementa transcende o conceito de cânone ao apresentar obras cuja relevância determinou a produção de livros que, embora nem sempre sejam referenciados como clássicos, influenciaram e influenciam o pensamento ocidental de tal maneira que seria injusto que as deixássemos de lado. Por isso, vamos entender a diferença entre cânone, best-seller e literatura de massa para que a escolha dos autores de nossa disciplina possa ser justificada. Segundo Lourenço (2017, pg. 9)4, a diferença que existe entre literatura canônica e literatura de massa se deve à ideia de que os textos clássicos ou canônicos integram uma coleção de obras que não só exigem mais do leitor, como também o toquem e o modifiquem profundamente, fazendo com que ele reflita e vivencie suas experiências a partir de sua leitura. Ainda que o termo cânone tenha origem grega e filósofos como Aristóteles tenham se dedicado arduamente à classificação de diversas obras em uma tentativa de hierarquizar o valor de cada uma, foi apenas no século XIX que as listas literárias passaram a se estabelecer na Europa. Essas listas não são fixas e nem sempre são formalmente registradas. Na maioria das vezes, tratam-se de obras escolhidas por críticos e especialistas e que formam uma coleção que é legitimada e reconhecida ao longo dos anos 4 LOURENÇO, Thiago Luiz Jamaites. Literatura Canônica e Literatura de Bestseller: Aplicações na Educação Básica. 9 História da Literatura Anglófona Universidade Santa Cecília - Educação a Distância a partir de critérios como métrica, ritmo, estética...ou seja, uma coleção que se baseia em critérios subjetivos para determinar o que é bom, belo e deveria ser consumido. Já em relação à literatura e massa e aos best-sellers, quando as teorias culturais se firmaram na primeira metade do século XX, muitos críticos acreditavam que a literatura de massa, ou seja, aquela produzida em larga escala para um grande número de pessoas com o intuito de obtenção de lucro, era vazia de valores e incapaz de produzir mudanças significativas em seus leitores. No entanto, com o desenvolvimento dos Estudos Culturais depois dos anos 1960, por exemplo, os teóricos começaram a perceber que nenhuma obra é desprendida de um contexto e que mesmo os livros produzidos como “entretenimento” poderiam gerar reflexões e influenciar seus leitores de diversas maneiras. Assim, os autores e obras apresentados em nossa disciplina partem da compreensão de que cânone e literatura de massa podem influenciar e modificar seus leitores de maneira significativa, afinal, o consumo e a compreensão de suas mensagens não dependem exclusivamente do livro que se lê, mas da experiência e repertório prévios de cada leitor. Acima de tudo, a leitura deve ser uma atividade prazerosa e listas são, por natureza, excludentes, pois priorizam determinados trabalhos em detrimento de outros. Por isso, no final dessa unidade, deixaremos algumas sugestões de listas de cânones de acordo com estudiosos renomados, para que, havendo interesse em se aprofundar o assunto, cada aluno possa conhecer os autores e obras que constam nas coleções de livros que “devem ser lidos” da história da literatura anglófona. 2.1. Períodos literários da cultura anglófona Os marcos de formação e desenvolvimento da literatura anglófona, assim como ocorre na maioria das culturas, estão ligados ao processo civilizatório e à Históriados países de língua inglesa. Portanto, os períodos literários são diferentes entre países, assim como as obras que constituem seus acervos. Porém, a título de informação, os períodos literários ingleses determinaram fortemente os períodos literários dos demais países anglófonos, principalmente após a 10 História da Literatura Anglófona Universidade Santa Cecília - Educação a Distância expansão marítima inglesa e seu processo de colonização. Observe como os marcos históricos se relacionam com cada período5: Uma breve cronologia da literatura Inglesa 55 A.C. Invasão romana da Grã-Bretanha por Júlio César Habitantes locais falavam celta 43 D.C. Ocupação e início do domínio romano na Grã-Bretanha 436 Retirada total dos romanos 449 Estabelecimento da Bretanha como domínio germânico 450-480 Primeiras inscrições em inglês Inglês antigo (450 – 1066) 1066 William, o Conquistador, Duque da Normandia, invade e conquista a Inglaterra 1150 Primeiros manuscritos em inglês medieval Inglês medieval/ Médio (1066- 1500) 1348 Inglês substitui o latim na maioria das escolas 1362 Inglês substitui o francês como língua do poder legislativo e é usada no Parlamento oficialmente pela primeira vez 1388 Chaucer começa a escrever os contos da Cantuária 1400 A primeira reforma ortográfica começa 1476 William Caxton estabelece a primeira imprensa inglesa escrita. Início do Inglês Moderno Renascença (1500 – 1660) Período Neoclássico (1600 – 1785) 1564 Shakespeare nasce 1604 Table Alphabeticall, o primeiro dicionário inglês é publicado 1607 O primeiro assentamento inglês permanente no Novo Mundo (Jamestown) é estabelecido 1616 Shakespeare morre 1623 As primeiras peças de Shakespeare são publicadas 1702 O primeiro jornal diário da língua inglesa, The Daily Courant, é publicado em Londres 1755 Samuel Johnson publica seu dicionário 1776 Thomas Jefferson escreve a declaração de independência dos Estados Unidos 1782 Grã-Bretanha abandona suas colônias nos Estados Unidos 1828 Webster publica seu dicionário de inglês americano Inglês moderno Romantismo (1785 – 1832) Era Vitoriana (1832 – 1901) Era Eduardiana (1901 – 1914) Era Georgiana (1910 – 1936) 1922 A corporação de transmissão britânica é fundada 1928 Dicionário de Oxford é publicado 5 Tabela confeccionada pelo site English club. Tradução nossa. Disponível em: https://www.englishclub.com/history-of-english/ 11 História da Literatura Anglófona Universidade Santa Cecília - Educação a Distância Resumindo: 2.2. Geoffrey Chaucer: um representante do inglês medieval Considerado o primeiro grande escritor na história da literatura produzida em inglês, Geoffrey Chaucer escreveu uma das obras mais importantes do período medieval durante o séc. XIV: Os contos da Cantuária. Essa coletânea de contos é também um reflexo de seu contexto histórico, marcado por incidências da peste negra que dizimou uma grande parte da população da Europa e de uma época em que a língua inglesa passou a ser usada como língua oficial dos tribunais de justiça na Inglaterra. Graças ao seu talento reconhecido ainda em vida, Chaucer frequentou nobres círculos sociais, atuou como diplomata e viajou para diversos lugares, o que, de acordo com Ferro (2014, pg. 24), lhe conferiu uma amplitude de horizontes invejável para a época. Foi graças à sua dedicação às Letras e à carreira diplomática que em uma de suas viagens à Itália conheceu a obra Decameron, de Bocaccio, que, posteriormente, serviria de inspiração para a confecção de Os contos da Cantuária (1387). A relevância de Chaucer para a literatura anglófona se deve ao fato de sua maior obra ter apresentado personagens verossímeis do cotidiano da cultura inglesa, ressaltados Linha do tempo da literatura inglesa. Fonte: www.thoughtco.com http://www.thoughtco.com/ 12 História da Literatura Anglófona Universidade Santa Cecília - Educação a Distância por passagens que contém humor e paixão. Tendo sido escrita antes do advento da imprensa, suas primeiras cópias eram manuscritas, mas sua popularização veio posteriormente, quando as versões impressas passaram a ser distribuídas. Canterbury Tales (Os contos da Cantuária) originalmente deveria ter 120 histórias. Foi completado apenas em 24 histórias, e seus personagens não chegaram a Canterbury. O trabalho nunca foi concluído. A fio narrativo que conecta todos os contos é uma peregrinação ao santuário de Thomas à Becket, em Canterbury, Kent. Os 30 peregrinos que empreendem a jornada se reúnem no Tabard Inn em Southwark, do outro lado do Tamisa, em Londres. Eles concordam em participar de um concurso de contar histórias enquanto viajam, e Harry Bailly, apresentador do Tabard, serve como mestre de cerimônias para o concurso. A maioria dos peregrinos é apresentada por esboços breves e vívidos no “Prólogo Geral”. Entre os 24 contos, intercaladas, há cenas dramáticas curtas (chamadas links) que apresentam trocas animadas, geralmente envolvendo o anfitrião e um ou mais peregrinos. Chaucer não completou o plano completo de seu livro: a viagem de volta de Canterbury não está incluída e alguns dos peregrinos não contam histórias. O uso de uma peregrinação como dispositivo de enquadramento permitiu que Chaucer reunisse pessoas de várias esferas da vida: cavaleiro, prioresa, monge; comerciante, homem de direito, escriturário acadêmico; moleiro, vigário; esposa de Bath e muitos outros. A multiplicidade de tipos sociais permitiu a apresentação de uma coleção altamente variada de gêneros literários: lenda religiosa, romance cortês, vida de santo, história alegórica, fábula de animais, sermão medieval, alquímica conta e, às vezes, misturas desses gêneros. Nem todos os contos estão completos; vários contêm seus próprios prólogos ou epílogos: “A maior parte das narrativas são versões de histórias populares da Europa Medieval. Por exemplo, “The knight’s Tale”, é baseado no romance Il Teseda (A história de Teseu) de Boccaccio. Apenas “The Canon’s Yeoman Tale” pode ser a única ou uma das poucas histórias de Chaucer. Os prólogos e epílogos ligam as narrativas dando um tom cômico ao texto e oferecendo os estilos literários populares na Idade Média, vemos os exemplos a partir do 13 História da Literatura Anglófona Universidade Santa Cecília - Educação a Distância conto do cavaleiro que narra uma história heroica típica dos romances de cavalaria da época, com os valores do amor cortes, a coragem e a honra, por outro lado o relato do moleiro que é de caráter mundano e erótico, com uma linguagem de baixo calão, assim é encontrado os seguintes estilos literários, a fábula, o conto exemplar, a sátira, o romance de cavalaria entre outros. Chaucer pode ser considerado o primeiro escritor realista da literatura inglesa já que usa o ser humano para fazer parte da estrutura de sua obra. As histórias são contadas de acordo com a hierarquia social medieval, mas nem sempre a ordem é seguida para manter o interesse do público. A sociedade medieval é representada da seguinte maneira: O médico, o jovem clérigo, o advogado e o poeta Chaucer representam a classe erudita. O cavaleiro, seu filho e a ordenança a classe guerreira. O moleiro, o lavrador, o capataz e o pequeno proprietário de terras a terra. O mercador, o tecelão, o tintureiro, o carpinteiro, o tapeceiro, o comerciante, o cozinheiro, o capitão, a mulher da cidade de Bath, o despenseiro e o dono da hospedaria representam a classe econômica. E a madre, a freira, o padre, o monge, o frei, o humilde vigário, oficial de justiça, o absolvido e o cônego fugitivo representam a classe religiosa. A Esposa de Bath contraria as convenções de Idade Média, pois declara que a cortesia e boas maneiras não sãovirtudes apenas dos nobres podendo ser alcançada pelo homem comum. Enquanto, Franklin carrega uma bolsa de seda, o que implica o seu desejo de riqueza. Nos dois casos, a "bagagem" do personagem é o seu 'pecado'. Cada um dos peregrinos revela, através de sua aparência exterior ou na hora de contar o seu conto, o fardo do pecado que tem de renunciar antes de ganhar a entrada em Jerusalém Celestial. Cada peregrino tem suas falhas expostas. Ao criar um heterogêneo grupo de pessoas com os seus problemas o autor permite que o leitor reconheça o personagem a si próprio.”6 FERRO, Jeferson. Introdução às literaturas de língua Inglesa. InterSaberes, 2014. PERÍODOS: https://www.thoughtco.com/british-literary-periods-739034 CÂNONE: https://www.listchallenges.com/canonical-english-literature https://www.listchallenges.com/the-english-literary-canon-according-to 6 Portal da educação. Disponível em: https://www.portaleducacao.com.br/conteudo/artigos/idiomas/analise-the- canterbury-tales/13909 - Acesso em dez. 2019. https://www.thoughtco.com/british-literary-periods-739034 https://www.listchallenges.com/canonical-english-literature https://www.listchallenges.com/the-english-literary-canon-according-to https://www.portaleducacao.com.br/conteudo/artigos/idiomas/analise-the-canterbury-tales/13909 https://www.portaleducacao.com.br/conteudo/artigos/idiomas/analise-the-canterbury-tales/13909 14 História da Literatura Anglófona Universidade Santa Cecília - Educação a Distância 3. WILLIAM SHAKESPEARE: PERÍODO ELISABETANO NA INGLATERRA Objetivo Conhecer um dos autores mais importantes da cultura ocidental por meio de suas principais obras. Introdução Ainda que muitas pessoas possam nunca ter lido uma única peça de Shakespeare, é quase impossível que alguma de suas narrativas não tenha chegado até elas mesmo em forma de adaptação. Um bom exemplo do alcance das obras do autor mais proeminente do período elisabetano é a história de Romeu e Julieta: recontada nas mais variadas versões, tem um apelo entre pessoas de diversas idades, gêneros, classes sociais que é inegável. 3.1. Shakespeare e a popularização da língua inglesa Considerado o autor mais influente e pai da língua inglesa moderna, William Shakespeare nasceu em 1564, em uma época de grandes mudanças culturais, políticas e econômicas na Inglaterra. Na Europa iniciava-se o Renascimento, época de grande profusão artística possibilitada pela expansão marítima e pelos progressos na área da ciência. Um desses progressos foi certamente o advento da prensa de Gutemberg, que proporcionou maior difusão da literatura que já não dependia apenas dos manuscritos para ganhar as ruas. No entanto, ainda que hoje estejamos mais familiarizados com a palavra escrita, foi graças ao teatro que as peças de Shakespeare ganharam notoriedade, pois era a forma mais acessível de se adquirir cultura naquela época: Antes de Shakespeare entrar em cena, o teatro já havia, pois, começado a dar passos mais ousados na Inglaterra. O desenvolvimento de peças religiosas nas ruas havia passado pelas peças de moralidade (moralities), que tinham um enredo mais complexo, culminando em uma moral, e interlúdios (interludes), que eram peças mais curtas, geralmente cômicas, apresentadas como forma de entretenimento durante uma festa ou algum outro tipo de celebração. (FERRO, 2014, pg. 29) 15 História da Literatura Anglófona Universidade Santa Cecília - Educação a Distância Ou seja, o teatro vivia um momento de ascensão e muita popularidade na Inglaterra elisabetana. Muitas companhias eram financiadas por famílias nobres e viajavam para apresentações públicas com textos cada vez mais elaborados. A maior parte da obra de Shakespeare foi produzida entre os anos de 1589 e 1613, somando um total de 38 peças, 154 sonetos e diversos outros poemas. Sua estreia no teatro se deu em 1592 com a peça “Henrique VI” no Rose Teathre de Londres. Em 1594, já considerado um dramaturgo prestigiado, ficou ainda mais conhecido ao se juntar à companhia Lord Chamberlein’s Men, onde escreveu Hamlet, Rei Lear, Macbeth e Otello. Porém, como destaca Ferro (2014, pg. 31), Shakespeare não foi o único representante de destaque na literatura anglófona do período elisabetano: Thomas More e Francis Bacon também são autores de extrema relevância e cujas obras não devem deixar de ser mencionadas. More escreveu o clássico Utopia em 1516. Com forte conteúdo crítico, político e filosófico. O livro retrata a vida perfeita em uma ilha onde a organização social seria a ideal, em um contraponto à organização e aos valores vigentes em sua época. Já Francis Bacon, foi um pensador muitas vezes chamado de “pai da ciência moderna” e cujo interesse pela investigação científica nos proporcionou obras filosóficas como Novo Organum, sobre a metodologia científica. William Shakespeare 16 História da Literatura Anglófona Universidade Santa Cecília - Educação a Distância 3.2. As principais obras de Shakespeare Shakespeare apresentou grande parte de suas peças no Globe Teathre de Londres em uma época que era vedado às mulheres se apresentarem no palco. Por isso, suas personagens femininas eram performadas por homens. Os temas de suas peças também eram muito diversos, mas em grande maioria elas eram versões de histórias tradicionais europeias que eram transmitidas oralmente e podem ser divididas em comédias, romances históricos e tragédias. O conceito de direito autoral não era conhecido na época, por isso, o que tornou as obras de Shakespeare clássicos enquanto outros autores já haviam apresentado várias dessas obras anteriormente, foi o enriquecimento dos personagens por meio de versos e rimas, além do aprofundamento de suas personalidades, que conferia a cada um deles toda complexidade que os tornou tão facilmente identificáveis para pessoas de diferentes idades, gêneros e classes sociais. Entre as comédias podemos citar: Trabalhos de amor perdido; Sonhos de uma noite de verão; O mercador de Veneza; Muito barulho por nada; Como gostais; Noite de reis; Os dois fidalgos de Verona; As alegres comadres de Windsor; Medida por medida; A comédia dos erros; A megera domada e Tudo está bem quando bem termina. Nesse gênero, o amor é geralmente o tema central das peças, que focam nos personagens que são constantemente vítimas de desencontros e confusões, como ocorre em Sonhos de uma noite de verão, onde uma série de trapalhadas leva os personagens a serem vítimas de um feitiço do amor que dá muito errado; ou a Megera Domada, peça que inspirou diversas versões como a novela o Cravo e a Rosa e a comédia adolescente As 10 coisas que odeio em você. Os romances ou dramas históricos trazem de fato bastante carga dramática ao retratarem momentos históricos vivenciados por reis ingleses e são eles: Rei João; Ricardo II; Ricardo III; Henrique IV, Parte 1; Henrique IV, Parte 2; Henrique V; Henrique VI, Parte 1; Henrique VI, Parte 2; Henrique VI, Parte 3; Henrique VIII; Eduardo III. Para Ferro (2014, pg. 37), esse gênero marcadamente inglês teria se desenvolvido em um contexto relacionado à dramaturgia ligada à Igreja, cujas peças representavam os santos como heróis. Assim, a “evolução” do tema de “santo-herói” para “homem-herói” protagonizado por reis, seria naturalmente lógica considerando o a percepção da época de que reis eram escolhidos por Deus. Então, mesmo que ainda não houvesse uma noção de 17 História da Literatura Anglófona Universidade Santa Cecília - Educação a Distância democracia que viabilizasse as liberdades artísticas integralmente, Shakespeare trazia algumas críticas em suas peças ao retratar seus governantes por meio de parábolas sobre “a natureza do bom governante e dos danos causados pelas lutas que sejam produto da sede de poder” (HELIODORA apud FERRO,2014, pg. 38), indicando que nem todas as peças sobre a nobreza e a realeza devem ser resumidas a obras de bajulação aos reis e rainhas. Quanto às tragédias, são elas: Romeu e Julieta; Macbeth; Rei Lear; Hamlet; Otelo; Titus Andronicus; Júlio César; Antônio e Cleópatra; Coriolano; Tróilo e Créssida; Timão de Atenas; Cimbelino. Ainda que Romeu e Julieta seja uma de suas histórias mais populares do autor, Hamlet, Otelo e Macbeth foram adaptadas tantas vezes para o teatro e outras mídias que muitos de seus diálogos já fazem parte do inconsciente coletivo: “Ser ou não ser, eis a questão! (Hamlet)” A história do príncipe dinamarquês é um clássico exemplo de tragédia e vingança. Essa é a peça mais longa de Shakespeare e objeto talvez do maior número de Rei Ricardo III. Fonte: FERRO, 2014, pg. 41 18 História da Literatura Anglófona Universidade Santa Cecília - Educação a Distância críticas e debates sobre a forma definitiva do texto, já que coexistiram várias versões impressas. Hamlet é um dos textos literários mais estudados de toda a história da literature – em sua fortuna crítica constam textos de autores famosos, como Hamlet ans His Prolemas de T.S. Eliot (1921). (FERRO, 2014, pg. 46) Logicamente, tentar resumir um dos autores mais importantes do ocidente e cuja obra é estudada com afinco em cursos de graduação dedicados exclusivamente a ele a um capítulo de poucas páginas, seria uma tarefa inglória e também impossível. Por isso, é extremamente importante que o aprofundamento sobre Shakespeare e seus textos seja feito por meio das referências elencadas ao longo desse capítulo, principalmente por meio do material de apoio e das publicações disponíveis em nossa biblioteca virtual. O período Elisabetano: https://educacao.uol.com.br/disciplinas/artes/teatro- no-renascimento-2-inglaterra-de-shakespeare-se-destaca.htm FERRO, Jeferson. Introdução às literaturas de língua Inglesa. InterSaberes, 2014. https://educacao.uol.com.br/disciplinas/artes/teatro-no-renascimento-2-inglaterra-de-shakespeare-se-destaca.htm https://educacao.uol.com.br/disciplinas/artes/teatro-no-renascimento-2-inglaterra-de-shakespeare-se-destaca.htm 19 História da Literatura Anglófona Universidade Santa Cecília - Educação a Distância 4. EDGAR ALLAN POE E H.P. LOVECRAFT (ESTADOS UNIDOS) Objetivo Conhecer autores estadunidenses que influenciaram e influenciam fortemente o cinema e a literatura de terror e ficção até os dias atuais. Introdução Ainda que alguns dos autores que serão apresentados a partir de agora não pertençam ao cânone da literatura anglófona (na verdade, não existe um cânone da literatura anglófona, existem, informalmente, listas de cânones de cada país), não podemos deixar de mencioná-los devido à forte influência que exercem na cultura ocidental, principalmente no cinema e na literatura. Por isso, sugerimos que esses escritores sejam compreendidos como tópicos ou exemplos de uma produção muito maior do que estamos apresentando aqui, ou seja, são pinceladas que servem para aguçar o seu interesse em conhecer mais sobre o contexto histórico e outros nomes da literatura anglófona relacionados aos períodos de nossa disciplina. Vamos lá? 4.1. Edgar Allan Poe e o Romantismo sombrio Entre as várias funções da arte, podemos citar a fuga da realidade e a possibilidade de nos ajudar a lidar com os mais variados problemas como algumas delas. Nietzsche dizia que a arte nos salva da verdade, mas e quando optamos por conhecer obras de terror cujas narrativas são capazes de nos render os piores pesadelos, estamos buscando salvação do quê, exatamente? Talvez Edgar Allan Poe (Boston, 1809 – 1849) pudesse responder à pergunta, dado o alcance que sua obra ainda tem nos dias de hoje. Poe foi um grande representante do Romantismo estadunidense, no entanto, não da mesma maneira que outros autores contemporâneos a ele: se uma das principais características desse movimento literário era a manifestação da individualidade, Poe fez isso destacando o lado mais sombrio dos seres humanos. Proveniente de família pobre, Edgar Allan Poe conheceu a miséria e as mazelas humanas muito cedo e, quando tinha idade o suficiente, se alistou no Exército como uma 20 História da Literatura Anglófona Universidade Santa Cecília - Educação a Distância forma de garantir sua sobrevivência após ter largado os estudos. Expulso do serviço militar e deserdado pelo pai, Poe se mudou para Nova York em 1831 para viver com uma tia: À época, Poe já havia publicado alguns poemas, sem, contudo, ter atraído a atenção do público ou da crítica. Passou então a dedicar-se com afinco à carreira de escritor, vivendo de textos publicados em jornais e revistas literárias. Ao final da década de 1830, o autor já era conhecido entre os literatos e gozava de boa reputação. Sua vida profissional, no entanto, era muito inconstante por causa do alcoolismo, o que fazia com ele raramente conseguisse manter-se em um emprego por muito tempo, apesar do talento como escritor. (FERRO, 2014, 183) Graças aos seus contos macabros, Poe ficou conhecido como o “pai” da literatura Gótica. Não só isso, foi um dos primeiros autores a focar sua produção majoritariamente em contos e poemas em vez de romances, ainda assim, apesar de sua fama, morreu jovem e pobre, mas sua obra influenciou grandes nomes como Sir. Arthur Conan Doyle (autor de Sherlock Holmes) e foi estudado por autores como Machado de Assis. Sobre suas obras podemos dizer que em relação aos contos, a morte era presença constante em praticamente todos eles e os cenários descritos eram sempre lúgubres. Já as suas poesias eram concebidas para serem lidas em voz alta devido à Edgar Allan Poe 21 História da Literatura Anglófona Universidade Santa Cecília - Educação a Distância métrica rígida e extremamente musical de seus versos (FERRO, 2014, pg.185). Entre seus principais trabalhos podemos citar: Contos • Berenice (1835) • Os Assassinatos da Rua Morgue (1841) • O Gato Preto (1843) • O Demônio da Perversidade (1845) • O Barril de Amontillado (1846) Poesia • Tamerlane (1827) • O Verme Vencedor (1837) • Silêncio (1840) • O Corvo (1845) • Um Sonho Dentro de um Sonho (1849) Trecho de O gato preto "Casei jovem e tive a felicidade de achar na minha mulher uma disposição de espírito que não era contrária à minha. Vendo o meu gosto por animais domésticos, nunca perdia a oportunidade de me proporcionar alguns exemplares das espécies mais agradáveis. Tínhamos pássaros, peixes dourados, um lindo cão, coelhos, um macaquinho, e um gato. Este último era um animal notavelmente forte e belo, completamente preto e excepcionalmente esperto. Quando falávamos da sua inteligência, a minha mulher, que não era de todo impermeável à superstição, fazia frequentes alusões à crença popular que considera todos os gatos pretos como feiticeiras disfarçadas. Não quero dizer que falasse deste assunto sempre a sério, e se me refiro agora a isto não é por qualquer motivo especial, mas apenas porque me veio à ideia. Plutão, assim se chamava o gato, era o meu amigo predileto e companheiro de brincadeiras. Só eu lhe dava de comer e seguia-me por toda a parte, dentro de casa. Era até com dificuldade que conseguia impedir que me seguisse na rua. 22 História da Literatura Anglófona Universidade Santa Cecília - Educação a Distância (...) Certa noite, ao regressar a casa, completamente embriagado, de volta de um dos tugúrios da cidade, pareceu-me que o gato evitava a minha presença. Apanhei-o, e ele, horrorizado com a violência do meu gesto, feriu-me ligeiramente na mãocom os dentes. Uma fúria dos demónios imediatamente se apossou de mim. Não me reconhecia. Dir-se-ia que a minha alma original se evolara do meu corpo num instante e uma ruindade mais do que demoníaca, saturada de Genebra, fazia estremecer cada uma das fibras do meu corpo. Tirei do bolso do colete um canivete, abri-o, agarrei o pobre animal pelo pescoço e, deliberadamente, arranquei-lhe um olho da órbita! Queima-me a vergonha e todo eu estremeço ao escrever esta abominável atrocidade."7 4.2. H.P. Lovecraft e o sobrenatural Assim como Edgar Allan Poe, Howard Phillips Lovecraft (1890 – 1937) teve seu reconhecimento póstumo e morreu na pobreza, ainda que sua obra de estilo gótico e sobrenatural tenha influenciado de forma significativa diversas produções da cultura pop em todas as mídias. Além de H.P. Lovecraft, Howard também assinou seus trabalhos com outros pseudônimos, como Lewis Theobald, Humphrey Littlewit, Ward Phillips e Edward Softly. Além de contos, também produziu poesias sombrias e macabras. Mesmo sua produção sendo ficcional, obras como Necronomicon (O livro dos Mortos) são referenciadas não só no meio literário, como também no universo das artes ocultas, demonologia e áreas afins, o que rendeu a produção de franquias de filmes de terror Uma noite alucinante e a morte do demônio. Tendo produzido mais de 30 obras entre contos e romances, os constantes pesadelos de Lovecraft produziram um dos mais aterrorizantes monstros da literatura mundial, o Cthulhu, do conto o chamado de Cthulhu (1926), história sobre uma criatura assustadora que é uma entidade cósmica maligna, adorada por uma seita milenar que busca trazê-la de volta ao nosso plano astral – o que desencadearia o apocalipse: 7 Leia o texto na íntegra: https://www.netmundi.org/home/2017/o-gato-preto-de-edgar-allan-poe-um-conto- autobiografico/ H. P. Lovecraft https://www.netmundi.org/home/2017/o-gato-preto-de-edgar-allan-poe-um-conto-autobiografico/ https://www.netmundi.org/home/2017/o-gato-preto-de-edgar-allan-poe-um-conto-autobiografico/ 23 História da Literatura Anglófona Universidade Santa Cecília - Educação a Distância “(...)Como herdeiro e executor do meu tio-avô, que morrera viúvo e sem filhos, esperava-se que eu examinasse seus papéis cuidadosamente, e com esse propósito levei todos os seus arquivos e caixas para minha residência em Boston. Grande parte do material que organizei será publicado mais tarde pela Sociedade Arqueológica Americana, mas havia uma caixa que eu achei extremamente enigmática e que me senti um tanto avesso a mostrá-la a outros olhos. Havia sido fechada com cadeado e não encontrei a chave até que me ocorreu examinar o chaveiro pessoal que o professor levava sempre no bolso. Consegui, de fato, abri-la, mas então pareceu-me que foi só para dar de cara com outro segredo ainda maior e mais impermeável. Pois qual poderia ser o significado do estranho baixo-relevo de argila e das esparsas anotações, comentários e recortes que achei? Teria o meu tio, nos últimos anos de vida, se tornado crédulo das mais superficiais imposturas? Resolvi que procuraria o excêntrico escultor responsável por essa aparente perturbação da paz de espírito de um velho. O baixo-relevo era um tosco retângulo com menos de dois dedos de espessura e uns doze a quinze centímetros de comprimento, obviamente de origem moderna. O seu desenho, contudo, nada tinha de moderno na atmosfera e no que sugeria; pois, embora os caprichos do cubismo e do futurismo sejam muitos e desvairados, não reproduzem com frequência aquela regularidade críptica que se insinua na escrita pré-histórica. E a maior parte daqueles desenhos com certeza parecia algum tipo de escrita, ainda que a minha memória, bastante familiarizada com os papéis e coleções do meu tio, não conseguisse identificá-la ou sequer suspeitar de suas afiliações mais remotas. Acima desses hieróglifos aparentes havia uma figura de evidente intenção pictórica, embora sua execução impressionista impedisse uma ideia muito clara de sua natureza. Parecia um tipo de monstro, ou de símbolo representando um monstro, cuja forma só uma mente doentia poderia conceber. Se eu disser que minha algo extravagante imaginação lhe atribuía ao mesmo tempo os traços de um polvo, de um dragão e de uma caricatura humana, não estarei sendo infiel ao espírito da coisa. Uma cabeça polpuda e tentaculada encimava um corpo grotesco e escamoso dotado de asas rudimentares; mas era o contorno geral do todo que chocava. Atrás da figura havia uma vaga sugestão de cenário de arquitetura ciclópica. Essa singularidade era acompanhada, além de uma pilha de recortes de jornal, por escritos com a caligrafia mais recente do professor Angell, sem qualquer pretensão a estilo 24 História da Literatura Anglófona Universidade Santa Cecília - Educação a Distância literário. O que parecia ser o documento principal tinha por título “CULTO DE CTHULHU” em letras de fôrma, para evitar a leitura incorreta de palavra tão inaudita. Esse manuscrito estava dividido em duas seções, a primeira das quais intitulada “1925 -Sonho e Interpretação do Sonho de H. A. Wilcox, Rua Thomas, 7, Providence, R. L”, e a segunda, “Narrativa do Inspetor John R. Lagrasse, Rua Bienville, 121, Nova Orleans, La., na reunião de 1908 da S. A. A. – Notas do Mesmo, & Relato do Prof. Webb”. Todos os demais manuscritos eram notas breves, sendo algumas delas relatos de sonhos esquisitos de diferentes pessoas, citações de livros e revistas teosóficas (principalmente de A Atlântida e a Perdida Lemúria de W. Scott-Elliott) ou ainda comentários sobre antiquíssimos e ainda remanescentes sociedades secretas e cultos proibidos, com referências a trechos de compêndios de mitologia e antropologia tais como O Ramo de Ouro, de James G. Frazer, e Culto às Bruxas na Europa Ocidental, de Miss Murray. Os recortes referiam-se basicamente a doenças mentais raras e surtos de alucinações coletivas na primavera de 1925. A primeira metade do manuscrito principal narrava uma estória muito peculiar. Aparentemente no dia 1 ° de março de 1925, um moço magro, moreno, de aspecto neurótico e excitado, visitou o professor Angell trazendo consigo o singular baixo-relevo de argila, que estava então recente e úmido. Seu cartão trazia o nome de Henry Anthony Wilcox e meu tio reconhecera-o como o filho mais novo de uma excelente família que ele conhecia superficialmente, e que estivera estudando escultura na Escola de Desenho de Rhode Island e vivendo sozinho no edifício Fleur-de-Lys perto daquela instituição. Wilcox era um jovem precoce de reconhecido talento, porém grande excentricidade, e desde a infância despertara atenção devido às estórias esdrúxulas e aos sonhos bizarros que tinha o hábito de contar. Ele chamava a si mesmo de “psiquicamente hipersensível”, mas a gente convencional da antiga cidade comercial considerava-o apenas “esquisitão”. Sem nunca se misturar muito com os seus, gradualmente afastara-se do convívio social e só era conhecido de um pequeno grupo de estetas de outras cidades. Mesmo o Clube de Arte de Providence, ansioso por preservar seu conservadorismo, desistira de tê-lo entre seus membros(...).”8 8 Trecho extraído do site Contos do covil: https://contosdocovil.wordpress.com/2008/10/04/o-chamado-de- cthulhu/ 25 História da Literatura Anglófona Universidade Santa Cecília - Educação a Distância Além de O Chamado de Cthulhu, essas são algumas das histórias que influenciaram muito da produção cinematográfica e de histórias em quadrinhos de terror nos anos 1950: Dagon; O Cão de Caça; Ar Frio; A Música de Erich Zann; Os Gatos de Ulthar; Celephaïs; A Cor Que Caiu do Espaço; O Modelo de Pickman; Navio Branco; A Sombra Vinda do Tempo. FERRO, Jeferson. Introdução às literaturas de língua Inglesa. InterSaberes, 2014.The Poe Museum: www.poemuseum.org Melhores histórias de Lovecraft: https://hobbylark.com/fandoms/the-top-10- lovecraft-stories http://www.poemuseum.org/ https://hobbylark.com/fandoms/the-top-10-lovecraft-stories https://hobbylark.com/fandoms/the-top-10-lovecraft-stories 26 História da Literatura Anglófona Universidade Santa Cecília - Educação a Distância 5. JANE AUSTEN, MARY SHELLEY, OSCAR WILDE E JAYMES JOYCE (REINO UNIDO) Objetivo Avançar no conhecimento sobre autores relevantes da literatura anglófona a partir do Reino Unido em períodos diversos. Introdução Seguimos nossa viagem literária agora de volta ao Reino Unido com autores representantes de gêneros e períodos diferentes. Embora as obras dos autores elencados nessa unidade não tenham relação entre si, uma vez que apresentam de estilos de escrita completamente diversos, todos eles influenciaram e influenciam a produção de várias adaptações, versões para todas as mídias imagináveis. Jane Austen com suas personagens femininas destemidas, Mary Shelley com umas das principais obras da ficção científica e terror, Oscar Wilde com o aprofundamento de características como narcisismo e vaidade de personagens como Dorian Gray e Jaymes Joyce com exploração de recursos narrativos como o fluxo de consciência em uma das obras mais emblemáticas e estudadas do mundo da Letras. Grupos de literatura no mundo todo se dedicam a discutir esses autores, portanto, como alunos de Letras e futuros professores, conhecer ao menos uma obra de cada um desses escritores é mais que um dever, é um pré-requisito básico para a construção de um repertório necessário para quem ama e trabalha com literatura. 5.1. Jane Austen https://rhondablogsaboutbooks.com/2019/10/23/author-itinerary-jane-austen/ 27 História da Literatura Anglófona Universidade Santa Cecília - Educação a Distância É possível que você nunca tenha lido um livro de Jane Austen (1775 – 1817), mas, tal qual ocorre com as obras de grande relevância mundial, é quase impossível que não tenha cruzado com alguma produção inspirada em seus livros. Só para citar um exemplo, se em algum momento você parou para assistir ao Diário de Bridget Jones (2001) tendo que decidir se mantinha um relacionamento com o incorrigível Daniel Cleaver ou com o introvertido Mark Darcy, enquanto narra suas aventuras e desencontros ao longo de seu diário, bom, então talvez este tenha sido seu primeiro contato com a obra de Austen. Estudada com afinco em cursos e grupos de estudos de literatura, a obra de Jane Austen foi produzida durante o Romantismo Inglês e permanece atual até hoje, como podemos observar por meio das diversas adaptações cinematográficas recentes de seus livros. Austen escreveu 7 Romances, entre eles: Razão e Sensibilidade (1811); Orgulho e Preconceito (1813); A Abadia de Northanger (1817); Persuasão (1817) e Lady Susan (1817). “Seu universo é a burguesia rural da Inglaterra: famílias que vivem confortavelmente, sobretudo de renda proveniente de dotes e propriedades herdadas, sem grandes preocupações com a vida” (FERRO, 2014, pg. 126). “Suas tramas, embora fundamentalmente cômicas, destacam a dependência das mulheres do casamento para garantir posição social e segurança econômica. Seus trabalhos, ainda que muito populares, foram publicados pela primeira vez anonimamente e trouxeram sua pequena fama pessoal e apenas algumas críticas positivas durante sua vida, mas a publicação em 1869 de A Memoir of Jane Austen, de seu sobrinho, a apresentou a um público mais amplo e por volta da década de 1940, ela se tornou amplamente aceita na academia como uma grande escritora inglesa. A segunda metade do século XX viu uma proliferação de bolsas de estudos sobre Austen e o surgimento de uma cultura de fãs da autora. A necessidade de fazer um bom casamento é um dos principais temas de Orgulho e Preconceito, mas isso não significa que o romance seja antiquado. De fato, você pode achar que pode argumentar que Jane Austen é feminista e seu romance é feminista. É um romance sério de várias maneiras, mas também muito engraçado. Todos os parágrafos iniciais de Jane Austen e a melhor de suas primeiras frases têm dinheiro neles; essa pode ser a primeira coisa obviamente feminina de seus romances, pois o dinheiro e sua produção eram caracteristicamente femininos, e não masculinos, na ficção inglesa ... desde seus 28 História da Literatura Anglófona Universidade Santa Cecília - Educação a Distância primeiros anos, Austen teve o tipo de mente que perguntou de onde vinha o dinheiro no qual as mulheres jovens estavam. viver, e exatamente quanto disso havia.”9 Para conhecer melhor a obra de Austen, além da bibliografia sugerida, vale consultar os sites e pesquisas dedicados a ela, além de assistir aos filmes inspirados em sua obra. Uma das maiores contribuições da escritora foi a de retratar mulheres com complexidade, que não se conformavam com o status quo e questionavam as normas sociais vigentes em sua época. Observe abaixo um trecho odo diálogo entre Elizabeth e Mr. Darcy no Filme Orgulho e Preconceito (2015)10: Elizabeth: Eu acredito que nós deveríamos conversar um pouco, Mr. Darcy. Pouco já seria bastante. Você diria algo sobre a dança, talvez. Eu poderia fazer uma observação sobre o número de casais. Mr. Darcy: Você tem por norma conversar quando está dançando? Elizabeth: Sim, às vezes é melhor. Desse modo podemos desfrutar a vantagem de dizermos o mínimo possível. Mr. Darcy: Você consulta seus próprios sentimentos neste caso ou busca gratificar os meus? Elizabeth: Ambos, eu creio. Nós dois somos de natureza antissocial e taciturna, avessos a conversas a menos que esperemos dizer algo que surpreenderia a todos na sala. Mr. Darcy: Isto, estou certo, não tem a menor semelhança com seu próprio caráter. Você vai muito a Meryton? Elizabeth: Sim, com frequência. Quando você nos encontrou, nós tínhamos acabado de fazer novos conhecidos. Mr. Darcy: As boas maneiras de Mr. Wickham fazem com que faça amigos facilmente. Se é capaz de mantê-las, não se tem certeza. Elizabeth: Ele tem sido desafortunado por perder sua amizade de uma forma que o prejudicará por toda sua vida. Sir. William Lucas: Permita cumprimentá-lo, Senhor! Tamanha superioridade em dançar é raramente vista. Tenho certeza que seu par é tão valoroso quanto você. Espero 9 https://wordsonexpressions.wordpress.com/2014/09/07/jane-austen-and-her-contribution-to-british-literature/ - Tradução nossa 10 https://www.janeausten.com.br/dialogo-de-elizabeth-e-mr-darcy-no-baile-em-netherfield/ https://wordsonexpressions.wordpress.com/2014/09/07/jane-austen-and-her-contribution-to-british-literature/ 29 História da Literatura Anglófona Universidade Santa Cecília - Educação a Distância que esse prazer se repita frequentemente. Especialmente quando um “’certo’ e desejável evento” acontecer. Hein, Miss Lizzy? Quantas congratulações veremos! Elizabeth: Senhor, eu acho… Sir. William Lucas: Eu entendo! Não deterei você por mais tempo, privando-a de seu par encantador! Um grande prazer, Senhor. Excelente! Excelente! Elizabeth: Eu lembro de ouvi-lo dizer, uma vez, que você dificilmente perdoa. Que seus ressentimentos uma vez suscitados eram implacáveis. Você é cuidadoso, não é, quando permite que um ressentimento se forme? Mr. Darcy: Eu sou. Elizabeth: E nunca se permite ser cegado pelo o preconceito? Mr. Darcy: Eu espero que não. Posso perguntá-la onde quer chegar com estas questões? Elizabeth: Meramente para ilustração de seu caráter. Eu estou tentando vislumbrá- lo. Mr. Darcy: E está sendo bem-sucedida? Elizabeth: Não em todos os aspectos. Tenho ouvido relatos tão diferentessobre você que me intrigam sobremaneira. Mr. Darcy: Eu espero, Miss Bennet, que você não tente esboçar meu caráter neste presente momento. O resultado não seria proveitoso para nenhum de nós. Elizabeth: Se eu não retratá-lo agora, eu poderei nunca mais ter outra oportunidade! Mr. Darcy: De maneira alguma eu a privaria de qualquer um de seus prazeres. https://www.janeausten.com.br https://janeaustenbrasil.com.br/ 5.2. Mary Shelley Mary Shelley (1797 – 1851) também é uma representante do Romantismo inglês conhecida como a criadora da ficção-científica por ter escrito Franskstein (ou o Prometeus Moderno) (1818). O livro, que narra a busca do cientista Victor Frankstein por dar vida a um monstro criado a partir de tecidos e órgãos humanos remendados, é reflexo do contexto científico e histórico que Mary Shelley vivenciava: na época, circos e atrações de https://www.janeausten.com.br/ https://janeaustenbrasil.com.br/ 30 História da Literatura Anglófona Universidade Santa Cecília - Educação a Distância entretenimento traziam experimentos feitos a partir de eletricidade, que era uma novidade, tentando reanimar rãs e outros pequenos animais com descargas elétricas em seus corpos. Era uma época de bastante progresso científico e filosófico, quando autores refletiam sobre questões como ética e moralidade. Shelley escreveu vários outros romances, incluindo Valperga (1823); As fortunas de Perkin Warbeck (1830); Lodore (1835) e Falkner (1837); O último homem (1826), um relato da futura destruição da raça humana por uma praga, é frequentemente classificado como seu melhor trabalho e que inspirou uma história em quadrinhos muito premiada de mesmo nome. Seu livro de viagens History of a Six Weeks 'Tour (1817) narra a turnê continental que ela e Shelley fizeram em 1814 após a fuga e depois relata o verão perto de Genebra em 1816. Por isso, vale dizer que Mary Shelley era uma mulher à frente de seu tempo e cuja obra merece ser mais bem apreciada por meio de seus livros e das adaptações para outras mídias. Conheça um pouco do seu pensamento nesse parágrafo do prólogo de Frankstein11: “O evento a partir do qual se criou esta ficção foi considerado, pelo Dr. Darwin e alguns escritores da medicina alemã, como não totalmente impossível. Não desejei de modo algum que se tomasse meu relato imaginário por algo que aconteceu; todavia, assumindo este trabalho como uma obra de fantasia, não me limitei a concatenar uma série de terrores supernaturais. O fato do qual depende o interessa da história está livre das desvantagens de um simples conto de fantasmas ou mágica. Ele foi sugerido pela própria novidade das situações que desenvolve; e, ainda que impossível como realização física, ao delinear as paixões humanas oferece um ponto de vista mais compreensivo e verdadeiro para a imaginação do que qualquer forma de relato de fatos reais. Dessa forma, esforcei-me em preservar a verdade dos princípios elementares da natureza humana, ainda que não tenha procurado inovar em suas combinações. A Ilíada, a poesia trágica da Grécia, Shakespeare, em A Tempestade e Sonhos de uma noite de verão, e especialmente Milton, em Paraíso perdido, obedecem a esta regra; assim a mais humilde romancista, que busca proporcionar ou receber algum deleite de seu trabalho deve, 11 FERRO,Jeferson. Introdução às literaturas de língua Inglesa 2014, pg. 122 31 História da Literatura Anglófona Universidade Santa Cecília - Educação a Distância sem presunção, aplicar à prosa ficcional uma licença, ou melhor, uma regra, a partir da qual tantas combinações de sentimentos humanos originais resultaram nas melhores obras de poesia. ” 5.3. Oscar Wilde Oscar Wilde (1854-1900) foi um dos mais polêmicos representantes da era vitoriana. Após se graduar na Universidade de Oxford, ele atuou como poeta e crítico de arte. Em 1891, ele publicou O Retrato de Dorian Gray, seu mais famoso trabalho, e que foi considerado imoral por muitos críticos da época. Wilde também escreveu muitas peças de teatro que foram muito bem recebidas, incluindo as satíricas como Lady Windermere's Fan (1892), A Woman of No Importance (1893), An Ideal Husband (1895) and The Importance of Being Earnest (1895). A partir de 1888, Wilde entrou em um período de sete anos de muita criatividade, durante o qual produziu quase todas as suas grandes obras literárias. Em 1888, sete anos depois de escrever poemas, Wilde publicou O príncipe feliz e outros contos, uma coleção de histórias infantis. Em 1891, ele publicou Intentions, uma coleção de ensaios discutindo os princípios do esteticismo, no mesmo ano que publicou o romance O Retrato de Dorian Gray. A história é um conto de advertência sobre um jovem bonito, Dorian Gray, que deseja (e recebe seu desejo) que seu retrato envelheça enquanto ele permanece jovem e vive uma vida de pecado e prazer. No entanto, nenhuma sinopse faz jus à obra, que deve ser Oscar Wilde 32 História da Literatura Anglófona Universidade Santa Cecília - Educação a Distância apreciada a partir dos diálogos que Gray desenvolve com seu amigo Henry e cujas frases se tornaram famosas citações entre as diversas que são atribuídas a Oscar Wilde12: […] Hoje em dia, as pessoas têm medo de si próprias. Esqueceram-se do mais elevado de todos os deveres, o dever que tem cada um de nós consigo mesmo. Claro que são caridosos. Dão de comer a quem tem fome e vestem os mendigos. Mas suas próprias almas andam famintas e nuas […]” (p.24) “[…] A única maneira de uma pessoa livrar-se da tentação é ceder a ela. Se resistir, a alma adoecerá por ansiar pelas coisas que proibiu a si própria, por desejar aquilo que suas leis tornaram monstruoso e ilícito. Alguém disse que os grandes acontecimentos do mundo têm lugar no cérebro. É também no cérebro, e apenas no cérebro, que têm lugar os grandes pecados do mundo […]” (p.25) “Posso simpatizar com tudo, menos com o sofrimento. Com isto não é possível simpatizar. É excessivamente feio, horrível, deprimente. Há algo de intensamente mórbido na maneira moderna de simpatizar com a dor. Deveríamos simpatizar com a cor, a beleza, a alegria de viver. Quanto menos se falar dos males do mundo, melhor”. (p.48) “Hoje em dia as pessoas, conhecem o preço de tudo e o valor de nada.” (p.54) “Quando nos sentimos felizes sempre somos bons, mas quando somos bons nem sempre somos felizes.” (p.87) 12 Frases extraídas do livro O Retrato de Dorian Gray. Fonte: https://bibliotela.wordpress.com/2014/01/10/trechos-o-retrato-de-dorian-gray-oscar-wilde/ Algumas capas de O Retrato de Dorian Gray https://bibliotela.wordpress.com/2014/01/10/trechos-o-retrato-de-dorian-gray-oscar-wilde/ 33 História da Literatura Anglófona Universidade Santa Cecília - Educação a Distância “Cada êxito que obtemos nos traz um inimigo. Para uma pessoa ser popular é preciso ser medíocre.” (p.209) “[…] Cada vez que uma pessoa ama, é a única vez que amou. A diferença de objeto não altera a singularidade da paixão. Apenas a intensifica. Na vida podemos ter, no máximo uma experiência, e o segredo da vida é reproduzir essa experiência o mais frequentemente possível”. (p.210) Apesar do reconhecimento, sua fama não o impediu de ser preso durante dois anos por homossexualidade em 1895, pois o envolvimento com pessoas do mesmo gênero era considerado crime grave contra a decência e a moral. Ele acabou morrendo na pobreza 3 anos após ser solto. 5.4. James Joyce Como já destacado anteriormente, nenhuma produção humana é desprendida de um contexto. Isso significa dizer que também a literatura desempenha importante papel como elemento ativo nos processos de mudanças culturais, seja por meio da reflexão que proporciona, seja por meio dos experimentos com a linguagemou como uma forma de retratar um determinado período histórico. Assim, alguns nomes do período pós-vitoriano tiveram importância significativa para a história da literatura mundial e um deles foi James Joyce. Ferro (2014, pg. 240) ressalta que Joyce (1882-1941) é provavelmente o autor mais cultuado depois de Shakespeare nas letras inglesas, aparecendo, obrigatoriamente, nas listas dos escritores mais importantes de toda a história da literatura mundial. O autor irlandês escreveu romances e poesias, chamando a atenção de grandes nomes da crítica literária da época. Seu livro Ulisses, que explora o recurso do fluxo de consciência13, o tornou uma celebridade literária. Seu vasto repertório era proveniente de uma vida dedicada aos estudos literários: apaixonado por línguas e livros, aprendeu norueguês, além de outras 15 línguas, para ler as peças do dramaturgo Henrik Ibsen e passava seu tempo livre analisando obras de Aristóteles e Thomás de Aquino. 13 Técnica literária que busca transcrever o processo de pensamento e raciocínio de um personagem. 34 História da Literatura Anglófona Universidade Santa Cecília - Educação a Distância Representante do modernismo inglês, Joyce publicou seu primeiro livro em 1914, Dublinenses, uma coleção de 15 contos, dois anos antes de publicar o romance O Retrato do Artista quando jovem. Também em 1914 que Ulisses foi publicado, estabelecendo então um grande marco para a literatura mundial. A história reconta um único dia em Dublin, 16 de junho de 1904, e envolve 3 personagens centrais: Stephen Dedalus, Leopold Bloom, um pregador judeu, e sua esposa Molly Bloom, além da vida cotidiana que se desenrola diante deles. Porém, Ulisses também é uma versão moderna da Odisséia, de Homero, com seus personagens Telemaco, Ulisses e Penélope repaginados. O maior trunfo de Joyce foi certamente o de explorar com propriedade o monólogo interior, de forma que o leitor se aprofunde nos pensamentos e na mente de Bloom por meio do fluxo de consciência do personagem, o que influenciou significativamente a forma de se escrever romance a partir de então. Ainda que muito reconhecido por seu estilo, a leitura de Ulisses ainda e um grande desafio para estudantes de Letras no mundo todo, devido à complexidade da obra. Devido a parte de seu conteúdo ter sido considerado obsceno em alguns países, ele sofreu censura e foi impedido de ser publicado no Reino Unido e nos Estados Unidos por alguns anos até ser publicado na França e, posteriormente, após briga judicial, nos EUA. Seu livro seguinte, Finegans Wake, publicado em 1939, se tornou sucesso imediato, permanecendo nas listas de melhores livros da semana por muito tempo após seu lançamento. Nessa história, Joyce “brinca” com as palavras ao misturar realidade com um universo onírico de forma experimental, o que o torna um livro considerado de difícil leitura: Trata-se de um sonho (ou seria um delírio) de Joyce. A História do mundo juntamente com vários elementos da história nacional irlandesa surge inesperadamente durante a narrativa. Como já havia dito sobre Ulisses, parece que Joyce está em uma sessão de psicanálise, onde ele simplesmente coloca para fora todas as suas idiossincrasias pessoais. A história de Finnegans Wake não é linear. Joyce reproduz em sua história do mundo a narrativa cíclica do grande filósofo italiano Giambattista Vico (citado várias vezes no livro). Em sua obra máxima de filosofia, A Ciência Nova, Vico dividiu a história humana entre a Idade dos Deuses, a Idade dos Heróis e a Idade dos Homens. Vico toma como paradigma de sua narrativa o poeta grego Homero. Para ele, Homero foi um Teólogo-Poeta, que criou a base de uma civilização a partir de sua narrativa. A língua dos heróis, que veio antes da linguagem humana, é uma 35 História da Literatura Anglófona Universidade Santa Cecília - Educação a Distância língua feita por símbolos. O principal, para Vico, que mesmo que a história seja cíclica, ou seja, com períodos gloriosos seguidos da barbárie (Antiguidade-Idade Média), há sempre a presença de providência divina guiando os Homens. Através das línguas e das religiões dos diferentes povos, podemos ter uma noção da HISTÓRIA IDEAL ETERNA. (PIMENTA, 2016) Como muitos autores informam, Finnegans Wake mistura diversas línguas em uma narrativa não linear, o que confere à obra uma autenticidade inegável. No entanto, por ser tão desafiadora, acaba afastando muitos leitores. Você tentaria vencer esse desafio? Quais outros livros considerou muito complicados, mas conseguiu terminar? FERRO, Jeferson. Introdução às literaturas de língua Inglesa. InterSaberes, 2014. PIMENTA, Felipe. Resenha: Finnegans Wake, de Jaymes Joyce. Disponível em: https://felipepimenta.com/2016/05/18/resenha-finnegans-wake-de-james- joyce/ Acesso em dez. 2019 ROYOT, Daniel. A literatura Americana. Ática, 2009. https://felipepimenta.com/2016/05/18/resenha-finnegans-wake-de-james-joyce/ https://felipepimenta.com/2016/05/18/resenha-finnegans-wake-de-james-joyce/ 36 História da Literatura Anglófona Universidade Santa Cecília - Educação a Distância 6. ARTHUR CONAN DOYLE, CHARLES DICKENS, AGATHA CHRISTIE E BRAM STOKER (REINO UNIDO) Objetivo Aprofundar conhecimento sobre autores relevantes da literatura anglófona a partir do Reino Unido em períodos diversos. Introdução Seguimos nossa trajetória no Reino Unido explorando autores de fantasia, suspense, terror que produziram obras icônicas em diversos estilos que também influenciaram muitos escritores, dramaturgos e cineastas que vieram depois deles. Ainda que nossa ordem de apresentação não seja cronológica e nem necessariamente suas produções tenham relação entre si, todos eles são extremamente relevantes independentemente do contexto em que tenham publicado seus livros. Vamos lá? 6.1. Arthur Conan Doyle Responsável pela construção de um dos personagens mais icônicos da cultura pop mundial, o médico escocês Sir Arthur Conan Doyle (1859 – 1903) escreveu o que seria a primeira história do famoso detetive Sherlock Holmes quando ainda estava na faculdade. Um estudo em vermelho, publicado em 1887, era o primeiro de uma coleção de 60 contos sobre os casos policiais desvendados a partir da dedução analítica de Holmes e seu fiel assistente, Watson. Fortemente influenciado por Edgar Allan Poe, seus primeiros textos aceitos para publicação em revistas eram contos de mistério como o Mistério do vale Sasassa,sem imaginar que quando estivesse no terceiro ano da faculdade de medicina, uma grande aventura o esperava: ele foi convidado a atuar como médico no navio baleeiro Hope, que seguia para o círculo polar Ártico e lhe rendeu uma história sobre o mar chamada o Capitão da Estrela do Norte. 37 História da Literatura Anglófona Universidade Santa Cecília - Educação a Distância Após ter iniciado sua prática médica enquanto tentava se destacar como escritor, Doyle chegou a enfrentar dificuldades financeiras, mas como o lançamento de Um estudo em vermelho, quando apresentou Holmes e Watson, a fama de excelente escritor comercial o alcançou e isso lhe gerou um certo dilema, pois apesar do sucesso do detetive mais famoso do mundo, ele também produziu uma série de romances históricos, poemas e peças teatrais que ele esperava que lhe rendessem crédito como um escritor “sério”. Com o destaque que havia alcançado, Doyle foi requisitado por uma grande editora a escrever um novo conto sobre Holmes. Assim, O signo dos quatro, publicado em 1890, foi responsável pelo estabelecimento de Doyle e Holmes nos anais da literatura mundial de uma vez por todas. Mesmo com o sucesso de seus contos, Doyle insistiuna prática médica e abriu consultório em Londres, mas não era procurado pelos pacientes, o que o deixava com bastante tempo livre para escrever. Foi devido ao “fracasso” de sua carreira médica que ele acabou tomando a decisão de escrever uma série de contos apresentando o mesmo personagem. Página do diário que Doyle mantinha enquanto estava a bordo do Hope. Fonte: https://www.arthurconandoyle.com/biography.html 38 História da Literatura Anglófona Universidade Santa Cecília - Educação a Distância Apesar de ter ficado conhecido por Sherlock Holmes, sua produção não resumiu aos casos do detetive. Entre peças, romances, ensaios e textos sobre espiritualismo, suas obras são inúmeras e entre as principais, podemos citar: Um Estudo em Vermelho (1887); O Signo dos Quatro (1890); Um Escândalo na Boêmia (1891); O Mistério do Vale Boscombe (1891); As Aventuras de Sherlock Holmes (1892); Ritual Musgrave (1893); O Problema Final (1893); O Arquivo Secreto de Sherlock Holmes (1902); O Cão de Baskervilles (1902); A Volta de Sherlock Holmes (1905); O Mundo Perdido (1912); O Detetive Moribundo (1913); O Vale do Terror (1915); A Vampira de Sussex (1924). Tendo influenciado as histórias de detetive que viriam a seguir, Sherlock Holmes encantava e encanta leitores do mundo todo devido ao seu método de dedução analítica que o levava às maiores aventuras para resolver seus casos. A quantidade de filmes, peças, séries e adaptações de suas histórias são incontáveis. “Não há nada mais enganoso que um fato óbvio” (Sherlock Holmes) Fonte: https://www.seekpng.com/ipng/u2t4u2a9t4a9i1i1_sherlock-holmes-quote- wall-sticker-sherlock-holmes-silhouette/ 39 História da Literatura Anglófona Universidade Santa Cecília - Educação a Distância Conan Doyle modelou os métodos e maneirismos de Holmes a partir dos do Dr. Joseph Bell, que havia sido seu professor na Faculdade de Medicina da Universidade de Edimburgo. Em particular, a capacidade misteriosa de Holmes de reunir evidências com base em suas habilidades aprimoradas de observação e raciocínio dedutivo é equivalente ao método de Bell de diagnosticar a doença de um paciente. Holmes ofereceu algumas dicas sobre seu método, alegando que "Quando você exclui o impossível, o que resta, por mais improvável que seja, deve ser a verdade". Suas habilidades de detecção se tornam claras, embora não menos surpreendentes, quando explicadas por seu companheiro, Dr. John. H. Watson, que relata os casos criminais que perseguem em conjunto. Embora Holmes rejeite elogios, declarando que suas habilidades são "elementares", a frase frequentemente citada "Elementar, meu querido Watson", nunca aparece de fato nos escritos de Conan Doyle14. 6.2. Charles Dickens Charles Dickens (1812- 1870) foi um representante do realismo crítico. Ele viu os males da sociedade burguesa de seu tempo e suas obras se tornaram uma grande crítica do sistema burguês como um todo. Dickens nasceu em 1812, perto de Portsmouth. Era o filho mais velho de um balconista de um grande escritório naval, e a família vivia com o pequeno salário de seu pai. O pai era frequentemente transferido de um lugar para outro e seus pais sempre conversavam sobre dinheiro, contas. e dívidas. Charles e sua irmã mais velha foram para a escola e, depois das aulas, ele costumava correr para as docas e observar navios e pessoas trabalhando. Muitas fotos foram guardadas em sua memória, que o escritor usou mais tarde em seus romances. Charles gostava de ler livros. Além disso, ele gostava de cantar, recitar poemas e atuar. Estabelecer a origem de Dickens é de extrema importância, pois seu contexto determinou a criação dos cenários e situações vividas pelos personagens de suas histórias, que lhe alçariam ao posto de um dos mais importantes escritores de prosa da Era Vitoriana com seu estilo “romântico-realista”: 14 https://www.britannica.com/topic/Sherlock-Holmes. 40 História da Literatura Anglófona Universidade Santa Cecília - Educação a Distância Filho de família modesta, Charles Dickens sofreu na pele as dores que em sua obra os personagens encarnariam. Aos 12 anos de idade, viu-se obrigado a trabalhar para ganhar o sustento de sua família, pois seu pai fora preso por causa de dívidas. Apesar da infância atribulada e sofrida, a muito custo ele conseguiu se matricular em uma escola, onde não apenas receberia alguma educação, mas também inspiração para retratar em sua obra o cruel sistema de repressão aplicado às crianças pobres na Era Vitoriana, universo bem retratado em Oliver Twist (1837). (FERRO, 2014, pg. 132) Dickens criou um tipo de estilo chamado de romance social, pois era capaz de retratar o grande abismo existente entre ricos e pobres na sociedade inglesa da época, além de retratar a vida cotidiana das pessoas que viviam nas grandes cidades do século XIX, como políticos, advogados, padres, jornalistas, professores, operários, aristocratas, moradores de rua, crianças abandonadas... Entre suas principais obras estão: Os papéis póstumos do Pickwick Club (1837); Oliver Twist (1838); Os livros de Natal (1843-48); Tempos difíceis (1854) e Grandes expectativas (1861), sendo Oliver Twist seu trabalho mais conhecido, onde ele explora a vida das pessoas em situação de rua em uma narrativa focada no protagonista de 11 anos: Artful Dodger batendo carteira para a surpresa de Oliver Twist (extrema direita); ilustração de George Cruikshank para Oliver Twist, de Charles Dickens. Fonte: https://www.britannica.com/topic/Oliver- Twist-novel-by-Dickens 41 História da Literatura Anglófona Universidade Santa Cecília - Educação a Distância “Oliver, órfão desde o nascimento, passa grande parte de sua infância em um orfanato com muitas crianças e pouca comida localizado a cerca de 70 milhas fora de Londres. Uma noite, depois de receber sua porção de mingau, Oliver pede uma segunda porção. Isso é inaceitável, e Oliver é enviado para trabalhar como aprendiz de um agente funerário. Eventualmente, depois de sofrer repetidos maus-tratos, Oliver foge e segue para Londres. Ele logo se encontra na presença do Artful Dodger, que diz para ele ficar na casa de um "velho cavalheiro" (chamado Fagin) com vários outros meninos. Oliver descobre que esses meninos são batedores de carteira treinados. Em uma excursão, Oliver testemunha os meninos pegando um lenço do Sr. Brownlow, um homem idoso, que leva Oliver a fugir com medo e confusão. O homem idoso confunde o comportamento de Oliver por culpa e o prende. No entanto, depois de aprender mais sobre Oliver, Brownlow percebe seu erro e se oferece para cuidar dele em sua casa. Oliver presume estar livre de Fagin e dos batedores de carteira, mas Fagin o encontra e o envia em uma missão de roubo com outro membro do grupo para o interior de Londres. Nesta tarefa, Oliver leva um tiro no braço e é levado pela família (os Maylies) que ele tentou roubar. Enquanto ele está lá, Fagin e um homem chamado Monks planejam recuperá-lo. Rose Maylie, em uma viagem a Londres com sua família, se reúne com Brownlow para conversar com Nancy, que se afastou de Sikes para explicar os planos feitos por Monks e Fagin para recuperar Oliver. Ela descreve Monks e diz a eles quando ele pode ser mais facilmente apreendido. Infelizmente para Nancy, as notícias de sua traição chegam a Sikes, e ele bate nela até a morte. Sikes acidentalmente se enforca logo depois. Os Maylies reúnem Oliver com Brownlow, que obriga Monks a se explicar. O leitor e Oliver são informados de que Monks é o meio-irmão de Oliver e que Oliver tem direito a uma grande fortuna. Ele recebe sua parte do dinheiro, Fagin é enforcado e os Maylies, Oliver e Brownlow se mudam para o campo, onde passam o resto de seus dias juntos.”15 6.3. Agatha Christie Criadora do detetive Poirot, Agatha Christie (1890 – 1976) mantevea tradição do romance policial inglês, se tornando a autora que mais vendeu livros na história universal, superando a marca dos 4 bilhões de exemplares de acordo com as estimativas apontadas por Ferro (2014, p. 306). A primeira aparição entre as mais de 80 histórias do detetive belga 15 https://www.britannica.com/topic/Oliver-Twist-novel-by-Dickens. Tradução nossa. https://www.britannica.com/topic/Oliver-Twist-novel-by-Dickens 42 História da Literatura Anglófona Universidade Santa Cecília - Educação a Distância foi em 1920, no romance O Caso Misterioso em Styles, mas sua história mais adaptada e reproduzida é, sem dúvida alguma o Assassinato no Expresso do Oriente, de 1974. Assassinato no Expresso do Oriente é um dos romances mais vendidos no mundo até hoje e também ganhou mais uma versão cinematográfica recentemente. Em um trem de luxo que atravessa a Europa, um assassinato ocorre e o detetive Poirot deve descobrir entre todos os possíveis suspeitos quem é o criminoso, a fim de evitar que novos assassinatos ocorram na viagem. Com mistério e aventura, a narrativa que se tornou tão popular, continua agradando diversos públicos do início ao fim. Quem é o assassino? 6.4. Bram Stoker O escritor irlandês Bram Stoker (1847-1912) escreveu vários romances em diferentes gêneros, mas ele é tipicamente, se não exclusivamente, mais conhecido por seu romance de terror gótico Drácula (1897). Os estudiosos de Stoker geralmente concordam que, com Drácula, Stoker não apenas criou uma das figuras mais identificáveis da cultura Capa recente de Assassinato no Expresso do Oriente. Fonte: www.saraiva.com.br 43 História da Literatura Anglófona Universidade Santa Cecília - Educação a Distância popular, mas estabeleceu os padrões para todos os livros de mistério e terror que se seguiram. Para quem está familiarizado com a mitologia vampiresca por meio dos filmes, a experiência de ler o livro sobre o vampiro mais famoso do mundo pode ser um desafio, pois se trata de um romance epistolar, ou seja, é todo narrado a partir das cartas trocadas entre Mina (interesse romântico de Drácula) e os demais personagens da história, além de notícias de jornais, documentos náuticos, fortalecendo “uma característica indispensável para qualquer narrativa de teor sobrenatural: a verossimilhança”.16 No filme de 1992, como Wynona Rider, Gary Oldman e Keanu Reeves, as cartas entre Mina, Lucy e Jonathan são exploradas como recurso narrativo para ilustrar os acontecimentos relacionados ao vampiro: CARTA, MINA MURRAY PARA LUCY WESTENRA (CAPÍTULO 5)17 Minha querida Lucy, perdoe meu longo atraso na escrita, mas fiquei simplesmente sobrecarregada com trabalho. A vida de uma professora assistente às vezes é cansativa. 16 https://revistagalileu.globo.com/Cultura/noticia/2017/10/dracula-tudo-que-voce-precisa-saber-sobre-obra-de- bram-stoker.html 17 http://www.publicbookshelf.com/vampire/dracula/letter-miss-mina-murray-miss-lucy-westenra. Tradução nossa Imagem de divulgação do filme Drácula, de Bram Stoker (1992) http://www.publicbookshelf.com/vampire/dracula/letter-miss-mina-murray-miss-lucy-westenra 44 História da Literatura Anglófona Universidade Santa Cecília - Educação a Distância Desejo estar com você e à beira-mar, onde poderemos conversar livremente e construir nossos castelos no ar. Eu tenho trabalhado muito ultimamente, porque eu quero acompanhar o trabalho e os estudos de Jonathan, e tenho praticado taquigrafia muito assiduamente. Quando nos casarmos, poderei ser útil para Jonathan, e se eu puder estenografar bem o suficiente, eu poderei anotar o que ele disser e transcrever para ele na máquina de escrever, na qual também eu estou praticando muito. Ele e eu às vezes escrevemos cartas em taquigrafia, e ele tem mantido um diário estenográfico de suas viagens ao exterior. Quando estiver com você, vou manter um diário da mesma maneira. E não quero dizer apenas aquelas duas páginas da semana com o domingo espremido em um canto, mas uma espécie de diário que eu possa escrever sempre que tiver vontade. Suponho que não haverá muito interesse para outras pessoas, mas não se destina a elas. Posso mostrar a Jonathan algum dia se houver algo que valha a pena compartilhar, mas é realmente um exercício livre. Vou tentar fazer o que vejo as jornalistas fazendo, entrevistando e escrevendo descrições e tentando lembrar de conversas. Disseram-me que, com um pouco de prática, pode-se lembrar-se de tudo o que acontece ou que se ouve dizer durante um dia. No entanto, veremos. Vou lhe contar meus pequenos planos quando a encontrar. Acabei de receber algumas linhas apressadas de Jonathan da Transilvânia. Ele está bem e retornará em cerca de uma semana. Eu anseio por ouvir todas as suas notícias. Deve ser interessante conhecer países estranhos. Eu me pergunto se nós, quero dizer Jonathan e eu, algum dia os visitaremos juntos. O sino das dez horas está tocando. Adeus. Sua amada Mina...conte-me todas as novidades quando escrever. Você não me contou nada por um longo tempo. Eu ouço rumores, e especialmente de um homem alto, bonito e de cabelos cacheados? Drácula segue assim até o final do livro, ou seja, só podemos projetar os acontecimentos na medida que alguém os narra via cartas ou jornais, o que possibilita aos leitores uma experiência imersiva na vida de cada personagem. 45 História da Literatura Anglófona Universidade Santa Cecília - Educação a Distância FERRO, Jeferson. Introdução às literaturas de língua Inglesa. InterSaberes, 2014. Site: www.biography.com http://www.biography.com/ 46 História da Literatura Anglófona Universidade Santa Cecília - Educação a Distância 7. TOLKIEN, C.S. LEWIS, LEWIS CARROL E J.K. ROWLING (REINO UNIDO) Objetivo Conhecer os principais autores de fantasia do Reino Unido e se familiarizar com suas obras. Introdução Palavras são, na minha nada humilde opinião, nossa inesgotável fonte de magia. Capazes de formar grandes sofrimentos e também de remediá-los. (Dumbledore em Harry Potter e as Relíquias da Morte) Livros de fantasia costumavam ser considerados pelos críticos literários como obras de menor valor em relação aos romances históricos “por não exigirem tanto do leitor” ou por não seguirem os padrões métricos e estéticos estabelecidos por eles há muito tempo. No entanto, importantes premiações no mundo todo e listas de best-sellers indicam que não só a fantasia exerce um papel significativo na formação de leitores, como estudos têm demonstram que a fantasia é vital para a mente humana. Em uma matéria publicada no jornal The Guardian em 200718, a autora destaca que o processo psicológico envolvido no preenchimento das lacunas entre o conhecimento, a realidade e a experiência individual realizado por uma criança que lê fantasia, se torna fundamental para lidar com problemas na vida adulta. De acordo com a reportagem, na adolescência a fantasia se torna uma ferramenta de um rito de passagem para a vida adulta onde aprendemos a lidar com decepção, traição, fracassos, uma vez que alegorias e criação de metáforas, recursos intrínsecos à criação de obras fantasiosas, estão entre os mais importantes meios que usamos para lidar com a realidade. Assim, ainda que a literatura fantástica seja compreendida como algo voltado exclusivamente para crianças e adolescentes, a verdade é que são os adultos que mais se beneficiam desse tipo de leitura quando jovens. O preenchimento das lacunas fornecidas 18 www.theguardian.com/books/booksblog/2007/apr/23/bridgingthegapswhyweneed 47 História da Literatura Anglófona Universidade Santa Cecília - Educação a Distância pelo texto ao descrever uma situação fantásticaé um exemplo de exercício de criatividade e imaginação que exige do leitor um nível significativo de abstração e a abstração está diretamente ligada à nossa capacidade de imaginar soluções e saídas para problemas reais. Ou seja, livros que instigam nossa imaginação possibilitam o desenvolvimento de nosso sistema cognitivo na medida nos fornecem informações de situações e objetos que não imaginaríamos sozinhos. Por isso, nesse capítulo, conheceremos os autores que estão entre o que muitos teóricos consideram o “cânone” da literatura de fantasia. 7.1. Tolkien Ainda que a obra de John Ronald Reuel Tolkien (1892 – 1973) tenha se popularizado na última década em decorrência dos filmes baseados em sua obra, o criador de O Senhor dos Anéis (1955) tem uma importância para a literatura mundial que vai muito além de sua principal obra. Como apontado anteriormente, Tolkien foi um importante estudioso da língua inglesa e publicou um dos mais referenciados trabalhos sobre Beowulf. Sua genialidade é admirada por diversos motivos e um deles foi o de ter criado não só um universo com criaturas mágicas, mapas, conflitos, como uma língua original dos elfos de seus livros, o élfico, que, inclusive, é objeto de estudos de linguistas em universidades do mundo inteiro. Uma capa que Tolkien fez para o livro O Hobbit - Fonte: https://www.theguardian.com/books/2018/may/31/drawn-into- tolkiens-world-exhibition 48 História da Literatura Anglófona Universidade Santa Cecília - Educação a Distância Tanto em O Senhor dos Anéis como nas outras produções como O Hobbit, é possível também observar a estrutura narrativa da Jornada do Herói sendo usada diversas vezes. Os Hobbits, embora seres majoritariamente caseiros, são protagonistas de grandes aventuras, seja na tentativa de levar o anel a Mordor sem ser corrompido por ele, seja ajudando os anões a retornarem a suas minas enquanto lutam com enormes dragões. Um universo que possibilitou a criação de tantos outros como Nárnia, Harry Potter, Game of Thrones... Trecho de O Senhor dos Anéis, A Sociedade do Anel (Livro I) "Mas, embora o medo fosse tão grande que parecia ser parte da própria escuridão que o envolvia, Frodo se viu pensando em Bilbo Bolseiro e suas histórias, nas caminhadas que faziam pelas alamedas do Condado, conversando sobre estradas aventuras. Há uma semente de coragem escondida (bem no fundo, é verdade) no coração do hobbit mais gordo e mais tímido, aguardando algum perigo definitivo e desesperador que a faça germinar. Frodo não era muito gordo, nem muito tímido; na verdade, embora não soubesse disso, Bilbo (e Gandalf) o consideravam o melhor hobbit do Condado. Pensou que tivesse chegado ao fim de sua aventura, um fim terrível, mas esse pensamento renovou suas forças. Percebeu seus músculos se contraindo, como para um salto final; deixara de se sentir frágil como uma vítima indefesa." (pg. 146) Não deixe de assistir ao filme biográfico de Tolkien lançado em 2019: Ordem de leituras dos livros de Tolkien: http://tolkienbrasil.com/2017/11/07/ordem-de-leitura-dos-livros-de-j-r-r- tolkien/ Sobre Tolkien e sua produção: http://tolkienbrasil.com/ 7.2. C.S. Lewis O escritor e teórico C.S. Lewis (1898 - 1963) ensinou na Universidade de Oxford e tornou-se um renomado escritor apologista cristão, usando lógica e filosofia para apoiar os princípios de sua fé. Ele também é conhecido em todo o mundo como o autor da série de fantasia As Crônicas de Nárnia, que foi adaptada em vários filmes para as telas. http://tolkienbrasil.com/2017/11/07/ordem-de-leitura-dos-livros-de-j-r-r-tolkien/ http://tolkienbrasil.com/2017/11/07/ordem-de-leitura-dos-livros-de-j-r-r-tolkien/ http://tolkienbrasil.com/ 49 História da Literatura Anglófona Universidade Santa Cecília - Educação a Distância Lewis se formou na Universidade de Oxford, com foco em literatura e filosofia clássica, e em 1925 recebeu uma posição de professor da bolsa de estudos no Magdalen College, que fazia parte da universidade. Lá, ele também se juntou ao grupo conhecido como The Inklings, um coletivo informal de escritores e intelectuais que contava entre seus membros, o irmão de Lewis, Warren e J.R.R. Tolkien. Foi através de conversas com os membros do grupo que Lewis se viu abraçando o cristianismo depois de ter ficado desiludido com a fé quando jovem. Ele se tornou conhecido por seus ricos textos apologéticos, nos quais explicava suas crenças espirituais através de plataformas de lógica e filosofia. Lewis começou a publicar trabalhos em meados da década de 1920 com seu primeiro livro, o satírico Dymer (1926). Depois de escrever outros títulos - incluindo A alegoria do amor (1936), pelo qual ganhou o Prêmio Hawthornden - ele lançou em 1938 seu primeiro trabalho de ficção científica, Além do planeta silencioso, o primeiro de uma trilogia espacial que tratava implicitamente de conceitos de pecado e desejo. Mais tarde, durante a Segunda Guerra Mundial, Lewis fez transmissões de rádio altamente populares sobre o cristianismo, que conquistaram muitos convertidos. Assim como Tolkien, suas principais obras se tornaram ainda mais populares após as versões cinematográficas de livros da coleção As crônicas de Nárnia, que narram os Capa de 1950. Fonte: Amazon.com 50 História da Literatura Anglófona Universidade Santa Cecília - Educação a Distância eventos que envolvem os irmãos ingleses Pedro, Susana, Edmundo e Lúcia em uma aventura longeva no universo de Nárnia. Após sua primeira visita ao reino, quando descobrem que são reis e rainhas herdeiros de um trono ameaçado pela rainha de gelo, os irmãos retornam diversas vezes em épocas diferentes para enfrentar os mais variados conflitos no intuito de manter a paz entre todos os reinos. Para isso, contam com a ajuda de leões, lobos e todo tipo de animais falantes e criaturas mágicas. 7.3. Lewis Carroll A Lagarta e Alice olharam-se por algum tempo em silêncio. Por fim, a Lagarta tirou o cachimbo da boca e dirigiu-se a Alice com voz lânguida e sonolenta: “Quem é você?” A lagarta e Alice olharam-se A lagarta olhou para Alice e Alice olhou para a lagarta. Não era um começo de conversa encorajador. Alice respondeu muito tímida: “Eu... já nem sei, minha senhora, nesse momento... Bem, eu sei quem eu era quando acordei esta manhã, mas acho que mudei tantas vezes desde então...” “O que você quer dizer com isto?” – perguntou a Lagarta com rispidez. “Explique-se melhor!” “Acho que eu mesma não posso me explicar melhor, senhora”, disse Alice, “porque eu não sou eu mesma, compreende?” “Não, não compreendo”, respondeu a Lagarta. “Temo não poder explicar melhor”, replicou Alice educadamente, “porque eu mesma não posso entender, para começar... ter tantos tamanhos diferentes em um só dia é muito confuso.” “Não é, não”, falou a Lagarta. 51 História da Literatura Anglófona Universidade Santa Cecília - Educação a Distância “Bem, talvez a senhora ainda não tenha passado por isso”, disse Alice, “mas quando a senhora se transformar numa crisálida — e isso vai acontecer um dia, a senhora deve saber — e depois numa borboleta, eu acho que vai sentir-se um pouco estranha, não vai?” “Nem um pouco”, respondeu a Lagarta. “Bem, talvez os seus sentimentos sejam diferentes”, disse Alice, “mas o que sei é que tudo isso parece muito estranho para mim.”19 Um universo onde existem “moscavalos” e nada é o que parece ser tem sido objeto de estudo de pesquisadores desde o seu lançamento. Alice no país das Maravilhas (1865), de Lewis Carroll (1832 – 1898) é certamente a obra mais conhecida e controversa do matemático e fotógrafo Charles Lutwidge Dodgson (Lewis Carrol era um dos seus pseudônimos). 19 Alice no País das Maravilhas, Capítulo 5 – Conselhos de uma lagarta. Alice e a lagarta.Fonte: wikipedia.org 52 História da Literatura Anglófona Universidade Santa Cecília - Educação a Distância Os jogos de palavras que remetem às teorias de álgebra da Era Vitoriana, a narrativa onde uma garota entra em uma toca de coelho e vai parar em um mundo onde as coisas mais absurdas acontecem, desafiam a lógica, matéria ensinada por Carroll na universidade. Mas não são apenas os diálogos surreais e nem os personagens fantásticos que tornam a obra tão peculiar: Alice teria sido inspirada na filha de um amigo de Carroll, Alice Lidell, que Carroll conheceu quando ela tinha 3 anos e com quem teve um relacionamento bastante próximo nos anos seguintes. Além dos filmes mais recentes dirigidos por Tim Burton, Alice no país das Maravilhas tem uma versão animada da Disney que vale a pena ser conferida. 7.4. J. K. Rowling Criadora da série de livros de Harry Potter, J.K. Rowling (1965 - ) deu origem a uma das franquias de maior sucesso da literatura e do cinema, que já vendeu mais de meio milhão de cópias no mundo todo. O primeiro livro da série, Harry Potter e a pedra filosofal, foi publicado em 1997 e se tornou um sucesso instantâneo entre crianças e adolescentes, permanecendo na lista de best-sellers por muito tempo, ainda que tivesse sido rejeitado por várias editoras antes de ser lançado. Mesmo produzindo trabalhos paralelamente à saga do bruxo mais famoso da cultura pop, é a série de livros que gerou versões para o cinema, quadrinhos, teatro, além de parques temáticos inteiros dedicados a esse universo. Em ordem de lançamento, são eles: Harry Potter e a Pedra Filosofal; Harry Potter e a Câmara Secreta; Harry Potter e o Prisioneiro de Azkaban; Harry Potter e o Cálice de Fogo; Harry Potter e a Ordem da Fênix; Harry Potter e o Enigma do Príncipe; Harry Potter e as Relíquias da Morte: Parte 1; Harry Potter e as Relíquias da Morte: Parte 2. 53 História da Literatura Anglófona Universidade Santa Cecília - Educação a Distância A saga começa com o órfão Harry Potter morando em um armário debaixo da escada da casa de tios muito abusivos, quando uma misteriosa carta entregue por uma coruja o informa que ele estaria matriculado em uma conceituada escola de magia (Hogwarts). A partir daí, sua vida é transformada significativamente, pois durante a maior parte do ano, ao longo dos próximos 7 anos seguintes, ele viveria em um mundo mágico, cheio de criaturas fantásticas e enfrentando perigos relacionados ao retorno do mais perigoso bruxo de todos os tempos. Com várias histórias paralelas, o leitor se envolve em protestos de elfos domésticos, se emociona com as descobertas adolescentes e os laços de amor e amizade desenvolvidos ao longo da vida de Harry Potter rumo à sua maioridade, ou seja, valores que não deveriam ser enaltecidos apenas quando somos jovens: Os livros da série Harry Potter, além de nos proporcionarem histórias repletas de momentos divertidos, comoventes e tensos, também oferece uma fonte inesgotável de sabedoria para a vida. Quem leu os sete livros sabe: J.K. Rowling tem o dom de dialogar com nossos pensamentos e sentimentos mais íntimos. Ela nos oferece oportunidades de reflexão sobre família, amigos, medo e luto entre vários outros assuntos – e talvez seja por isso que Harry Potter seja uma peça fundamental no amadurecimento de quem leu a série. (DELCOLLI, 2016) Cena do filme Harry Potter e a Pedra Filosofal (2001) http://www.brasilpost.com.br/news/brasil-harry-potter/ http://www.brasilpost.com.br/news/brasil-jk-rowling/ 54 História da Literatura Anglófona Universidade Santa Cecília - Educação a Distância Não à toa, o jornal Huffpost Brasil 20relacionou algumas das frases grifadas por leitores de Harry Potter pela plataforma de leitura digital do dispositivo Kindle e elas ilustram o quanto nos beneficiamos da literatura fantástica: Afinal, para uma mente bem estruturada, a morte é apenas a grande aventura seguinte. (Harry Potter e a pedra filosofal) Sempre chame as coisas pelo nome que têm. O medo de um nome aumenta o medo da coisa em si. (Harry Potter e a pedra filosofal) São as nossas escolhas, Harry, que revelam o que realmente somos, muito mais do que as nossas qualidades. (Harry Potter e a Câmara secreta) A grandeza inspira a invejam a inveja engendra o despeito, o despeito produz a mentira. (Harry Potter e o enigma do príncipe) Não tenha piedade dos mortos, Harry. Tenha piedade dos vivos e, acima de tudo, dos que vivem sem amor. (Harry Potter e as Relíquias da morte) Você costuma ler livros de fantasia? Que tal fazer uma lista de valores, conselhos e aprendizados que você adquiriu a partir dessas histórias? Não deixe de conferir os filmes da série, além dos livros. FERRO, Jeferson. Introdução às literaturas de língua Inglesa. InterSaberes, 2014. DELCOLLI, 2016. As 15 frases mais grifadas dos livros de Harry Potter. Huffpost Brasil. Disponível em: https://www.huffpostbrasil.com/2016/12/13/harry-potter- as-15-frases-mais-grifadas-dos-livros-no-kindle_a_21697370/ > Acesso em dez. 2019 20 https://www.huffpostbrasil.com/2016/12/13/harry-potter-as-15-frases-mais-grifadas-dos-livros-no- kindle_a_21697370/ https://www.huffpostbrasil.com/2016/12/13/harry-potter-as-15-frases-mais-grifadas-dos-livros-no-kindle_a_21697370/ https://www.huffpostbrasil.com/2016/12/13/harry-potter-as-15-frases-mais-grifadas-dos-livros-no-kindle_a_21697370/ 55 História da Literatura Anglófona Universidade Santa Cecília - Educação a Distância 8. TWAIN, STOWE, ASIMOV, HEMINGWAY, SALINGER E WHATON (ESTADOS UNIDOS) Objetivo Se familiarizar com alguns dos autores de maior expressividade literária nos Estados Unidos. Introdução Assim como fizemos anteriormente, não iremos nos ater ao que muitos críticos consideram cânone literário para que nossa viagem rumo às mais diversas e surpreendentes aventuras possa seguir seu curso. Os autores elencados nesse capítulo não são apenas muito referenciados em várias produções até hoje, como suas frases, mesmo fora de seus livros, são citadas constantemente em publicações online e offline. Ainda que vários deles não sejam conhecidos do grande público no Brasil, sem sua produção não teríamos conhecido outras tantas que são mais populares atualmente. 8.1. Mark Twain Em nossa videoaula sobre Mark Twain (pseudônimo de Samuel Langhorne Clemens – 1835-1910) conhecemos uma famosa música inspirada por um dos personagens mais importantes da literatura estadunidense: Tom Sawyer. Tom é figura recorrente em animações, filmes, produções teatrais e em diversas mídias devido ao seu grande apelo entre o público leitor de histórias de aventura. Com a publicação das Aventuras de Tom Sawyer (1876), Mark Twain apresentou os dois personagens imortais de Tom e Huckleberry ao "Hall da Fama" da literatura americana, além de reinventar o conto tradicional regionalista. Escrito por volta de 1870, o romance começou inicialmente como uma série de cartas de Twain a um velho amigo (Cartas a Will Bowen) sobre suas brincadeiras de infância, tempos de escola e travessuras. Publicado na Inglaterra vários meses antes da distribuição nos Estados Unidos, Tom Sawyer continua sendo o livro mais vendido de Twain, considerado um clássico popular para todas as idades. Ironicamente, Twain escreveu para sua editora: "Não é um livro de 56 História da Literatura Anglófona Universidade Santa Cecília - Educação a Distância garotos, de jeito nenhum. Ele será lido apenas por adultos. Ele é escrito apenas para adultos".21 Baseado nas experiências pessoais do próprio autor, o romance descreve as aventuras juvenis do protagonista, que encarna o ideal da juventude americana durante o período que precedeu a industrialização. O sentimento de inocência e juventude quepermeia o trabalho está em extremo contraste com a atitude pessimista pela qual Twain era conhecido. Tornado popular por seus ditos e anedotas, tanto quanto por suas obras literárias, o autor costumava gostar da natureza fraca do homem, citando seu egoísmo inerente e sua obsessão pelo valor monetário. Como um idealista que viu seus ideais traídos por uma sociedade moralmente corrupta, Twain parece usar Tom como um símbolo da transição entre o mundo de adultos e crianças, a sociedade em que a justiça é servida versus uma rede social sem todos os escrúpulos22 e, apesar da popularidade de As aventuras de Tom Sawyer, foi sua sequência intitulada As aventuras de Huckleberry Finn (1884) que realmente alcançou maior sucesso: (...) foi com The adventures of Huckleberry Finn que Twain atingiu seu ápice, pois nesse romance ele conseguiu expressar suas virtudes literárias de forma mais pungente: a linguagem coloquial do “inglês das ruas” dá vida aos diálogos, o realismo crítico se revela nos conflitos sociais descritos sob a perspectiva não convencional de uma criança portadora de uma moral profundamente humana, e o humor conduz a história do princípio ao fim. (FERRO, 2014, pg. 216) • Sendo um dos personagens mais importantes da cultura estadunidense, que tal realizar uma pesquisa e descobrir que outros personagens foram criados inspirados em Tom Sawyer e em quais produções já houve referência às suas aventuras? Você irá se surpreender! 8.2. Harriet Beecher Stowe A Cabana do pai Tomás (Uncle Tom’s Cabin), romance de Harriet Beecher Stowe (1811 – 1896), publicado em formato serializado nos Estados Unidos em 1851-1852 e em 21 https://www.gradesaver.com/the-adventures-of-tom-sawyer - Tradução nossa 22 Idem https://www.gradesaver.com/the-adventures-of-tom-sawyer 57 História da Literatura Anglófona Universidade Santa Cecília - Educação a Distância livro em 1852. Um romance abolicionista, que alcançou ampla popularidade, principalmente entre os leitores brancos no Norte, por retratar vividamente a experiência da escravidão. O livro conta a história de pai Tomás, descrito como um escravo santo e digno. Enquanto é transportado de barco para leilão em Nova Orleans, ele salva a vida de Little Eva, cujo pai agradecido compra Tomás. Eva e Tomás logo se tornam grandes amigos. Sempre frágil, a saúde de Eva começa a declinar rapidamente e, no leito de morte, ela pede ao pai para libertar todos os seus escravos. Ele planeja fazer isso, mas depois é assassinado, e Simon Legree, o novo proprietário de Tomás, chicoteia seu escravo até a morte depois que ele se recusa a divulgar o paradeiro de certos fugitivos. Cerca de 300.000 cópias do livro foram vendidas nos Estados Unidos durante o ano seguinte à sua publicação e também vendeu bem na Inglaterra. Foi adaptado para teatro várias vezes a partir de 1852; porque o romance fez uso dos temas e técnicas do melodrama teatral popular na época, sua transição para o palco foi fácil. Essas adaptações foram usadas para cativar o público nos Estados Unidos e contribuíram para a popularidade já significativa do romance de Stowe. Mesmo em produções mais modernas, como no filme O rei e eu (1999), a Cabana do pai Tomás é encenada pelos filhos do rei do Sião para a Harriet Beecher Stowe 58 História da Literatura Anglófona Universidade Santa Cecília - Educação a Distância professora inglesa Ana, indicando que a obra segue atual, como grande parte das obras consideradas clássicas. 8.3. Isaac Asimov Saltando algumas décadas, um russo naturalizado estadunidense revolucionaria a literatura fantástica de maneira nunca antes vista. Isaac Asimov (1912 – 1992) foi um escritor e bioquímico, que foi um dos maiores responsáveis pela divulgação científica no início do século XX, nos presenteou com diversas obras que não só traziam uma perspectiva de como seria o futuro, mas, principalmente, levantavam diversas questões filosóficas sobre ética e humanidade ao trazer os robôs para o convívio com os humanos em suas histórias: Desde muito jovem, Asimov era um aficionado por ciência e literatura e já aos 19 anos de idade vendia histórias para revistas de ficção científica. Foi na popular Astounding Magazine que ele começou a publicar, nos anos 1940, as histórias que mais tarde seriam reunidas na coletânea The Foundation Series – um épico intergaláctico inspirado na história do Império Romano. Suas histórias sobre um império das galáxias formaram uma espécie de cânone da ficção científica que foi reverenciado por autores do gênero desde então. (FERRO, 2014, pg. 309) Isso significa dizer que sem Asimov, muito provavelmente não teríamos os blockbusters como Star Trek e Star Wars. Não só isso, além das diversas previsões sobre tecnologia que se mostraram bastante acuradas, ele estabeleceu as 3 leis da robótica que passaram a ser utilizadas em diversas produções ficcionais e se tornaram diretrizes respeitadas por pesquisadores de inteligência artificial. São elas23: 1) Um robô não pode ferir um humano ou permitir que um humano sofra algum mal; 2) Os robôs devem obedecer às ordens dos humanos, exceto nos casos em que tais ordens entrem em conflito com a primeira lei; 3) Um robô deve proteger sua própria existência, desde que não entre em conflito com as leis anteriores. 23 https://super.abril.com.br/cultura/as-tres-leis-da-robotica/ 59 História da Literatura Anglófona Universidade Santa Cecília - Educação a Distância Com uma extensa produção, os livros que mais se destacam são: Eu, Robô (1950); Trilogia da Fundação (série publicada entre 1951 e 1953); O fim da eternidade (1955); O homem bicentenário e outras histórias (1976). Muitas de suas obras foram adaptadas para o cinema, entre elas, Eu, Robô (2004), com Will Smith. Você já deve ter assistido a alguns deles. O que achou? 8.4. Ernest Hemingway Muitas vezes citado por suas célebres frases, Ernest Miller Hemingway (1899 – 1961) foi um jornalista e correspondente de guerra, tendo publicado livros de poesia, livros de não-ficção e romances como Por quem os sinos dobram (1940) e o Velho e o mar (1952), este último tendo sido adaptado para o cinema e inspirado uma série de outros autores que viriam depois dele. A história de um velho pescador obstinado a lutar contra um grande marlim se tornou uma grande analogia para narrativas de superação e perseverança que são difundidas das mais diversas formas pelo mundo todo. Algumas das capas dos livros de Asimov 60 História da Literatura Anglófona Universidade Santa Cecília - Educação a Distância Trecho de O velho e o mar24: Ele era um velho que pescava sozinho em seu barco, no Golfo Pérsico. Havia oitenta e quatro dias que não apanhava nenhum peixe. Nos primeiros quarenta, levara em sua companhia um garoto para auxiliá-lo. Depois disso, os pais do garoto, convencidos de que o velho se tornara salão, isto é, um azarento da pior espécie, puseram o filho para trabalhar noutro barco, que trouxera três bons peixes em apenas uma semana. O garoto ficava triste ao ver o velho regressar todos os dias com a embarcação vazia e ia sempre ajudá-lo a carregar os rolos de linha, ou o gancho e o arpão, ou ainda a vela que estava enrolada à volta do mastro. A vela fora remendada em vários pontos com velhos sacos de farinha e, assim enrolada, parecia a bandeira de uma derrota permanente. O velho pescador era magro e seco, e tinha a parte posterior do pescoço vincada de profundas rugas. As manchas escuras que os raios do sol produzem sempre, nos mares tropicais, enchiam-lhe o rosto, estendendo-se ao longo dos braços, e suas mãos estavam cobertas de cicatrizes fundas, causadas pela fricção das linhas ásperas enganchadas em pesados e enormes peixes. Mas nenhuma destas cicatrizes era recente. Tudoo que nele existia era velho, com exceção dos olhos que eram da cor do mar, alegres e indomáveis. 8.5. J. D Salinger J.D. Salinger (Jerome David Salinger 1919 - 2010), foi um escritor americano cujo romance O apanhador no campo de centeio (1951) ganhou críticas aclamadas e admiradores dedicados, especialmente entre a geração pós-Segunda Guerra Mundial de estudantes universitários. Suas obras publicadas também consistem em contos impressos em revistas, incluindo The Saturday Evening Post, Squire e The New Yorker. O apanhador no campo de centeio, que lhe rendeu reconhecimento de crítica e público, tem foco na vida de um adolescente sensível e rebelde e relata sua fuga do mundo adulto "falso", sua busca por inocência e verdade e seu colapso final no sofá de um psiquiatra. O humor e a linguagem colorida do livro o colocam na tradição de Aventuras de Huckleberry Finn, de Mark Twain, mas seu herói, como a maioria dos personagens infantis de Salinger, vê sua vida a partir de uma perspectiva de autoconsciência precoce. 24 https://www.camara.leg.br/radio/programas/534466-o-velho-e-o-mar--de-ernest-hemingway 61 História da Literatura Anglófona Universidade Santa Cecília - Educação a Distância 8.6. Edith Wharton Edith Wharton (1862 – 1937) menos aclamada que seus colegas do gênero masculino, ainda que tenha recebido um dos maiores prêmios literários e jornalísticos do mundo, o Pulitzer de melhor ficção de 1921 por seu romance A Época da Inocência (1920), Edith também foi a primeira mulher a receber o título de doutora honoris causa pela Universidade de Yale. Embora tivesse um livro de seus próprios poemas impresso aos 16 anos, foi somente depois de vários anos de vida de casada que Wharton começou a escrever a sério. Seu Uma das capas de O apanhador no campo de centeio 62 História da Literatura Anglófona Universidade Santa Cecília - Educação a Distância principal modelo literário era Henry James, a quem ela conhecia, e seu trabalho revela a mesma preocupação de James pela forma artística e questões éticas. Ela contribuiu com alguns poemas e histórias para as revistas Harper, Scribner e outras na década de 1890. A Época da Inocência apresenta uma imagem da sociedade de classe alta de Nova York na década de 1870. Na história, Newland Archer está noivo de May Welland, uma bela representante da elite, mas ele se apaixona profundamente por Ellen Olenska, uma ex- integrante de seu círculo social que retorna a Nova York para escapar de seu casamento desastroso com um nobre polonês. Apesar de os amantes se mostrarem complacentes aos tabus da época para romper com seu padrão social da classe alta, Newland se sente compelido a renunciar a Ellen e se casar com May. Nesse capítulo fizemos apenas um apanhado de alguns autores de destaque na literatura estadunidense. Para melhor apreensão desses conteúdos, no entanto, é fundamental a pesquisa e a consulta aos materiais de apoio e bibliografia recomendada. Seguimos rumo ao nosso último capítulo, onde retornaremos nosso olhar para o velho continente. FERRO, Jeferson. Introdução às literaturas de língua Inglesa. InterSaberes, 2014. ROYOT, Daniel. A literatura Americana. Ática, 2009. 63 História da Literatura Anglófona Universidade Santa Cecília - Educação a Distância 9. H.G. WELLS, ALDOUS HUXLEY, GEORGE ORWELL E VIRGINIA WOOLF (REINO UNIDO) Objetivo Se familiarizar com autores britânicos cujas obras propiciaram e propiciam profundas reflexões sobre a sociedade moderna e seus problemas. Introdução Se a fantasia nos proporciona o desenvolvimento da imaginação e da criatividade para que possamos lidar com nossos problemas enquanto indivíduos, as obras distópicas e as que trazem crítica social nos proporcionam a reflexão sobre as escolhas que fazemos como coletividade. Autores como George Orwell e Aldous Huxley são responsáveis por obras de ficção conhecidas como distopias e que, infelizmente, têm se mostrado muito atuais. De maneira geral, uma distopia é uma narrativa ficcional que traz em seu cerne fortes críticas sociais e políticas apresentadas em um cenário de sociedade futurística e muitas vezes pós-apocalíptica, como uma espécie de alerta aos leitores sobre os malefícios de nossas ações e sobre qual seria nosso destino se continuarmos no mesmo rumo. No entanto, por funcionarem como alertas sobre o que poderia acontecer em um futuro que seria o nosso presente hoje, essas obras têm se mostrado ainda mais brandas em relação ao contexto surreal no qual estamos inseridos, indicando que a realidade supera a ficção em muitos aspectos. 9.1. H.G. Wells Além de Asimov, um dos maiores responsáveis pela divulgação científica dentro e fora da literatura mundial é H.G Wells (1866- 1946). Considerado o pai da ficção científica, escreveu diversos livros classificados como romances científicos onde abordava questões como o armamento e a guerra nuclear, a ética em relação ao tratamento dos animais, além de nos proporcionar o vislumbre de dispositivos como máquinas do tempo e viagens espaciais muito antes de o homem cogitar pisar na lua, por exemplo: Na Inglaterra, H,G. Wells escreveu, ao final do século XIX alguns dos mais populares romances de ficção científica de toda a literatura. The War of the Worlds 64 História da Literatura Anglófona Universidade Santa Cecília - Educação a Distância (A Guerra dos mundos), de 1898 descreve a invasão da Inglaterra por marcianos. Uma adaptação dessa história para o rádio, feita pelo diretor Orson Welles, em 1938, causou pânico nos Estados Unidos – muitas pessoas correram às ruas, acreditando que a invasão estava acontecendo de verdade. (FERRO, 2014, pg. 306) Além do livro pelo qual ficou mais conhecido, Wells escreveu outros trabalhos do mesmo gênero, como A Máquina do tempo (1895); O homem invisível (1897) e a Ilha do doutor Moreau (1896). Embora suas obras não tivessem a intenção explícita de funcionarem como crítica social e política, os autores influenciados por elas usaram os recursos das narrativas de ficção científica como uma forma de estabelecer os cenários para suas histórias distópicas, por exemplo. Além de diversas adaptações para o teatro e séries de TV, o filme de 2005, com Tom Cruise, retrata o que aconteceria ao mundo no caso de uma invasão alienígena. História que povoou o imaginário coletivo por décadas, estabeleceu o padrão de alienígenas monstruosos e devoradores que seria usado em tantas outras produções seguintes. Uma das capas do livro a Guerra dos mundos. Fonte: Amazon.com 65 História da Literatura Anglófona Universidade Santa Cecília - Educação a Distância 9.2. Aldous Huxley Aldous Huxley (1894- 1963) foi um grande romancista e crítico literário cujos trabalhos ficaram conhecidos por sua acidez e sátira um tanto pessimista como em seu trabalho mais notável, Admirável Mundo Novo (1932), que se tornou uma referência para os livros de ficção científica e distopias que viriam depois dele. Huxley se graduou em 1916 e no mesmo ano publicou seu primeiro livro. Trabalhou em um jornal entre 1919 e 1921, quando passou a se dedicar integralmente a escrever seus livros. Apesar de ser mais conhecido hoje em dia por Admirável mundo novo, foi com o lançamento de seus dois primeiros livros publicados entre 1921 e 1923, Crome Yellow e Antic Hay, que ele se firmou como um escritor renomado. Quando assistimos a filmes como Matrix, muitas vezes não nos damos conta que não só alguns aspectos ficcionais não são necessariamente ficção, como eles teriam sido previstos muitas décadas antes de a Ciência ter meios de desenvolvê-los. Isso ocorre no Capa de Admirável mundo novo 66 História da Literatura Anglófona UniversidadeSanta Cecília - Educação a Distância caso de várias previsões de Huxley em Admirável mundo novo, como a reprodução humana artificial ou in vitro, quando bebês são gerados e desenvolvidos em incubadoras. Em seu livro mais famoso, Huxley descreve uma distopia onde a sociedade está cientificamente bastante avançada no ano de 2540 ou em 632 DF – DF = depois de Ford, em uma alusão ao sistema de produção em massa criado por Henry Ford e que foi um marco no processo de industrialização mundial e exemplo de eficiência, com uma população emocionalmente condicionada a viver relacionamentos fugazes (líquidos). As crianças são geradas em úteros artificiais e clonadas em nome do crescimento populacional e divididas em castas sociais que são pré-determinadas a partir da quantidade de hormônios que recebem e que definem a qual classe pertencem, assim, as que são destinadas a serem líderes, recebem os coquetéis que favorecem tanto suas características físicas como mentais, enquanto aqueles que irão se tornar trabalhadores braçais recebem coquetéis que os causarão algumas imperfeições: Essa sociedade não possui ética religiosa e valores morais. Qualquer dúvida e insegurança dos cidadãos era dissipada com o consumo da droga sem efeito colateral aparente chamada “soma”. As crianças têm educação sexual desde os mais tenros anos da vida. O conceito de família também não existe. O livro traça o contraste entre o ‘moderno” e o “atrasado”, tecendo críticas pungentes ao desenvolvimento “prodigioso” da ciência, que, segundo o autor, ao contrário de promover benesses à sociedade, contribuiu para o surgimento de diversos problemas de ordem social que posteriormente não seriam resolvidos. Sob esta perspectiva, a personagem John – “o Selvagem” – confronta-se diretamente com o mundo moderno, reiterando a impossibilidade de convivência entre o tradicionalismo e o mundo da ciência. Neste Mundo Novo a reprodução humana está inteiramente baseada na reprodução artificial. Dependendo da classe genética a que determinado grupo pertencia (Alfa+, Alfa, Beta+, Beta, Gama, Delta ou Épsilon), eram tratados com substâncias diferentes durante a gestação. (RIBEIRO, 2012) Nesse contexto, as regras morais são transmitidas nos mesmos moldes que as propagandas publicitárias fazem hoje para vender produtos, mas, em vez disso, são passadas informações que reforcem os ideais do Estado e indiquem quantas doses da droga Soma eram necessárias para que as pessoas se mantivessem felizes. Com forte crítica social ao consumismo e a alienação e altamente influenciado por H.G, Wells, Huxley fez outras previsões assustadoramente plausíveis e que se concretizaram nos últimos anos além da fecundação e gestação in vitro e da fragmentação das relações. Ele também previu a manipulação genética, experiência 4D no cinema e fanatismo religioso. 67 História da Literatura Anglófona Universidade Santa Cecília - Educação a Distância Assim como os outros clássicos da literatura anglófona, Admirável mundo novo também virou filme e influenciou produções teatrais e diversos livros. Conheça mais sobre as suas incríveis previsões: https://blog.poemese.com/7- previsoes-de-aldous-huxley/ 9.3. George Orwell George Orwell (1903-1950) era o pseudônimo do romancista e crítico Eric Arthur Blair e foi aluno de Aldous Huxley. Conhecido por obras como A Revolução dos Bichos (1945) e 1984 (1949), suas histórias traziam forte crítica política e social, de forma que mesmo hoje, seus livros figurem entre as listas de mais vendidos. Em 2017, pós-eleição de Donald Trump nos Estados Unidos, 1984 esgotou em todas as livrarias, o que indica que obras distópicas podem nos fornecer meios de compreender uma realidade que parece muitas vezes mais surreal que a ficção. Ainda que a Revolução dos bichos tivesse o intuito de criticar a revolução russa, as relações entre os animais que se revoltam e tomam a fazenda onde vivem por estarem cansados de serem explorados ilustra a forma como a corrupção e a vaidade se estabelecem na medida que certos animais (pessoas) têm acesso ao poder. Já 1984, traz uma forte crítica aos sistemas totalitários onde os indivíduos não possuem mais privacidade e nem podem exercer seu livre arbítrio. Com dispositivos conhecidos como Teletelas, as pessoas são vigiadas o tempo todo pelo “grande irmão (big brother) de forma que qualquer ação fora da norma seja passível de punição. Por meio de técnicas de lavagem cerebral, as pessoas não pensam mais por si mesmas e se tornam obedientes às regras impostas pelo grande irmão e difundidas pelo Partido, que difunde slogans dúbios e controla a linguagem. Frases como “Guerra é paz, escravidão é libertadora e ignorância é força” são repetidas à exaustão e os comportamentos são vigiados por meio de uma polícia extremamente opressora: O ideal criado pelo partido era enorme, terrível, luzidio – um mundo de aço e concreto, de monstruosas máquinas e armas aterrorizantes – uma nação de guerreiros e fanáticos, marchando avante em perfeita unidade, todos tendo os mesmos pensamentos e gritando as mesmas divisas – trezentos milhões com a mesma cara – trabalhando perpetuamente, lutando, triunfando, https://blog.poemese.com/7-previsoes-de-aldous-huxley/ https://blog.poemese.com/7-previsoes-de-aldous-huxley/ 68 História da Literatura Anglófona Universidade Santa Cecília - Educação a Distância perseguindo. A realidade eram cidades caindo em ruínas, escuras, onde o populacho subnutrido perambulava com sapatos furados, vivendo em remendadas casas do século dezenove que sempre cheiravam a repolho e latrinas de mau funcionamento. (ORWELL, 2009, pg. 93) Essas duas obras seguem extremamente atuais e continuam sendo objetos de estudo de várias áreas do conhecimento como sociologia, ciências políticas, psicologia e servem de base para diversas reflexões sobre capitalismo, autoritarismo, comunismo e totalitarismo. Não à toa, estão entre as leituras obrigatórias nas recomendações de diversas listas literárias. 9.4. Virginia Woolf A produção de Virginia Woolf (1882- 1941) destoa das demais produções citadas nesse capítulo por não seguirem o mesmo estilo literário. Ainda assim, tanto em sua vida pessoal como em suas obras, ela foi extremamente crítica ao contexto no qual estava inserida, chegando a se manifestar de forma que hoje entenderíamos como feminista. Como crítica literária, seu foco era a rigidez com que a academia recebia alguns dos livros publicados em sua época. Vítima de depressão, ela se suicidou e parte de sua vida e obra foram retratadas em filmes como As Horas (2005) e Vita e Virginia (2018). Virginia Woolf 69 História da Literatura Anglófona Universidade Santa Cecília - Educação a Distância Entre suas principais obras estão Mrs. Dalloway, Orlando e o Farol. Certamente, Mrs. Dalloway é uma das mais conhecidas devido às inúmeras adaptações para o teatro e cinema. A obra retrata os conflitos internos de uma esposa enquanto dá conta dos preparativos para uma festa onde os personagens mais importantes da sua vida, e que são apresentados ao leitor por meio de flashbacks, estarão presentes. Os eventos do livro são narrados usando o recurso do fluxo de consciência da protagonista em um único dia de sua vida: Trecho de Mrs. Dalloway25 O próprio Sir William não era mais jovem. Ele trabalhou muito; ele havia conquistado sua posição por pura habilidade. . . amou sua profissão; fez boa figura nas cerimônias e falou bem - tudo isso na época em que ele foi cavaleiro lhe deu um olhar pesado, um olhar cansado (o fluxo de pacientes sendo tão incessante, as responsabilidades e privilégios de sua profissão tão onerosos), o que o cansaço, junto com seus cabelos grisalhos, aumentou a extraordinária distinção de sua presença e lhedeu a reputação (da maior importância no tratamento de casos nervosos) não apenas de habilidade relâmpago, e precisão quase infalível no diagnóstico, mas simpatizante; tato; compreensão da alma humana. Ele viu o primeiro momento em que entraram na sala. . . ele estava certo de que viu o homem; foi um caso de extrema gravidade. Foi um caso de colapso completo - colapso físico e nervoso completo, com todos os sintomas em um estágio avançado, ele constatou em dois ou três minutos (escrevendo respostas às perguntas, murmurou discretamente, em um cartão rosa). "Você serviu com grande distinção na guerra?" O paciente repetiu a palavra "guerra" interrogativamente. Ele estava atribuindo significados a palavras de um tipo simbólico. Um sintoma sério, a ser anotado no cartão. 25 https://journals.lww.com/academicmedicine/fulltext/2010/03000/Mrs__Dalloway___Excerpt_.26.aspx - Tradução nossa https://journals.lww.com/academicmedicine/fulltext/2010/03000/Mrs__Dalloway___Excerpt_.26.aspx 70 História da Literatura Anglófona Universidade Santa Cecília - Educação a Distância "A guerra?", perguntou o paciente. A Guerra da Europa - aquela pequena treta de estudantes com pólvora? Ele serviu com distinção? Ele realmente esqueceu. Na própria guerra, ele falhou. "Sim, ele serviu com a maior distinção", assegurou Rezia ao médico; "Ele foi promovido." Ele havia cometido um crime terrível e foi condenado à morte pela natureza humana. "Eu cometi um crime", ele começou. "Ele não fez nada de errado", assegurou Rezia ao médico... Seu marido estava gravemente doente, disse Sir William. Ele ameaçou se matar? Oh, ele fez, ela chorou. Mas ele não quis dizer isso, ela disse. Claro que não. Era apenas uma questão de descanso, disse Sir William; de descanso, descanso, descanso; um longo descanso na cama. Havia uma casa deliciosa no país onde seu marido seria perfeitamente cuidado. Longe dela? – ela perguntou. Infelizmente sim; as pessoas que mais cuidamos não são boas para nós quando estamos doentes. Mas ele não estava bravo, estava? Sir William disse que nunca falou de "loucura"; ele chamou isso de não ter um senso de proporção. Mas o marido não gostava de médicos. Ele se recusaria a ir para lá. Em breve e gentilmente Sir William explicou a ela o estado do caso. Ele ameaçou se matar. Não havia alternativa... se a sra. Warren Smith tivesse certeza de que não tinha mais perguntas a fazer - ele nunca apressava os pacientes -, eles retornariam ao marido. Ela não tinha mais nada a perguntar, não a Sir William. Então eles voltaram. . . para Septimus Warren Smith "Tivemos nossa conversa", disse Sir William. "Ele diz que você está muito, muito doente", gritou Rezia. "Estamos providenciando para que você entre em uma casa", disse Sir William... "Onde vamos ensiná-lo a descansar." 71 História da Literatura Anglófona Universidade Santa Cecília - Educação a Distância – Às vezes, impulsos o atingiam? – perguntou Sir William, com o lápis em um cartão rosa. Isso era assunto dele, disse Septimus... Mas se ele confessou? Se ele se comunicasse? Eles o libertariam então, seus torturadores? "Eu-eu-" ele gaguejou. Mas qual foi o crime dele? Ele não conseguia se lembrar disso. "Sim?" Sir William o encorajou. (Mas estava ficando tarde.) Amor, árvores, não há crime – qual era a mensagem dele? Ele não conseguia se lembrar disso. "Eu-eu-" Septimus gaguejou. "Tente pensar o mínimo possível sobre você", disse Sir William, gentilmente. Realmente, ele não estava preparado para ser. Havia mais alguma coisa que eles desejassem perguntar a ele? Sir William faria todos os arranjos... "Confie em mim", ele disse, e os dispensou. Nunca, nunca Rezia sentira tanta agonia em sua vida! Ela pediu ajuda e foi abandonada! Ele falhou com eles! Sir William Bradshaw não era um homem legal... Ela se agarrou ao braço dele. Eles estavam desertos. Obras que exploram o fluxo de consciência dos personagens proporcionam grande sensação de imersão no leitor, pois é como se ele mesmo estivesse narrando a história que lê. Esse recurso narrativo nos possibilita enxergar o mundo a partir do olhar do outro, ou seja, é um exercício de empatia, sentimento que tem se tornado uma das palavras mais usadas nos últimos anos. 72 História da Literatura Anglófona Universidade Santa Cecília - Educação a Distância Assim, chegamos ao final desse módulo tendo conhecido apenas alguns dos autores mais influentes da literatura anglófona e que representam diversos períodos e estilos de narrativas, indicando que há histórias para todos os gostos. Qual foi o autor que mais lhe chamou a atenção? FERRO, Jeferson. Introdução às literaturas de língua Inglesa. InterSaberes, 2014. RIBEIRO, Assis. Uma análise sobre o livro Admirável mundo novo. Coluna Luis Nassif – Jornal GGN. 2012. Disponível em: alggn.com.br/cultura/uma-analise- sobre-o-livro-admiravel-mundo-novo/> Acesso em dez. 2019.