Logo Passei Direto
Buscar
Material
páginas com resultados encontrados.
páginas com resultados encontrados.
left-side-bubbles-backgroundright-side-bubbles-background

Crie sua conta grátis para liberar esse material. 🤩

Já tem uma conta?

Ao continuar, você aceita os Termos de Uso e Política de Privacidade

left-side-bubbles-backgroundright-side-bubbles-background

Crie sua conta grátis para liberar esse material. 🤩

Já tem uma conta?

Ao continuar, você aceita os Termos de Uso e Política de Privacidade

left-side-bubbles-backgroundright-side-bubbles-background

Crie sua conta grátis para liberar esse material. 🤩

Já tem uma conta?

Ao continuar, você aceita os Termos de Uso e Política de Privacidade

left-side-bubbles-backgroundright-side-bubbles-background

Crie sua conta grátis para liberar esse material. 🤩

Já tem uma conta?

Ao continuar, você aceita os Termos de Uso e Política de Privacidade

left-side-bubbles-backgroundright-side-bubbles-background

Crie sua conta grátis para liberar esse material. 🤩

Já tem uma conta?

Ao continuar, você aceita os Termos de Uso e Política de Privacidade

left-side-bubbles-backgroundright-side-bubbles-background

Crie sua conta grátis para liberar esse material. 🤩

Já tem uma conta?

Ao continuar, você aceita os Termos de Uso e Política de Privacidade

left-side-bubbles-backgroundright-side-bubbles-background

Crie sua conta grátis para liberar esse material. 🤩

Já tem uma conta?

Ao continuar, você aceita os Termos de Uso e Política de Privacidade

left-side-bubbles-backgroundright-side-bubbles-background

Crie sua conta grátis para liberar esse material. 🤩

Já tem uma conta?

Ao continuar, você aceita os Termos de Uso e Política de Privacidade

left-side-bubbles-backgroundright-side-bubbles-background

Crie sua conta grátis para liberar esse material. 🤩

Já tem uma conta?

Ao continuar, você aceita os Termos de Uso e Política de Privacidade

left-side-bubbles-backgroundright-side-bubbles-background

Crie sua conta grátis para liberar esse material. 🤩

Já tem uma conta?

Ao continuar, você aceita os Termos de Uso e Política de Privacidade

Prévia do material em texto

Disciplina | 
A Literatura Inglesa na Grã‑Bretanha 
www.cenes.com.br | 1 
 
 
 
 
 
DISCIPLINA 
LITERATURA INGLESA 
 
 
Literatura Inglesa | 
Sumário 
www.cenes.com.br | 2 
Sumário 
Sumário ----------------------------------------------------------------------------------------------------- 2 
1 A Literatura Inglesa na Grã‑Bretanha --------------------------------------------------------- 6 
2 A Tradição Norte‑americana --------------------------------------------------------------------- 8 
3 As Literaturas Pós‑coloniais --------------------------------------------------------------------- 13 
4 A Literatura Inglesa -------------------------------------------------------------------------------- 15 
4.1 A Poesia e o Teatro Na Literatura Britânica ------------------------------------------------------------- 15 
4.2 Beowulf ------------------------------------------------------------------------------------------------------------ 15 
4.3 A Idade Média. A Chegada dos Normandos e as Novas Narrativas Literárias------------------ 17 
4.4 O Rei Artur e os Cavaleiros da Távola Redonda -------------------------------------------------------- 18 
4.5 Robin Hood, Príncipe de Ladrões --------------------------------------------------------------------------- 19 
4.6 Outras manifestações literárias ----------------------------------------------------------------------------- 21 
5 A Emergência da Burguesia --------------------------------------------------------------------- 22 
5.1 Geoffrey Chaucer e Os Contos de Cantuária ------------------------------------------------------------ 22 
6 A Renascença ---------------------------------------------------------------------------------------- 25 
6.1 O Teatro, a Poesia e a Prosa no Período Elisabetano ------------------------------------------------- 25 
6.2 William Shakespeare------------------------------------------------------------------------------------------- 29 
7 A Idade de Razão ----------------------------------------------------------------------------------- 33 
7.1 Os Poetas Metafísicos – John Donne ---------------------------------------------------------------------- 33 
The Flea --------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------- 34 
7.2 O Paraíso Perdido, de John Milton ------------------------------------------------------------------------- 35 
8 Crítica à Nova Ordem Industrial: A Poesia do Romantismo ---------------------------- 37 
8.1 William Wordsworth ------------------------------------------------------------------------------------------- 38 
The Daffodils -------------------------------------------------------------------------------------------------------------------------- 38 
9 A Poesia Vitoriana ---------------------------------------------------------------------------------- 40 
10 A Literatura Irlandesa: A Renovação da Literatura Inglesa-------------------------- 42 
10.1 William Butler Yeats ------------------------------------------------------------------------------------------- 42 
11 O Teatro -------------------------------------------------------------------------------------------- 44 
11.1 Outros Romancistas Dramaturgos e Poetas ------------------------------------------------------------- 45 
12 A Ascensão e Formação do Romance ------------------------------------------------------ 46 
12.1 A Ascensão do Gênero Romance --------------------------------------------------------------------------- 46 
12.2 O Romance Vitoriano ------------------------------------------------------------------------------------------ 48 
Literatura Inglesa | 
Sumário 
www.cenes.com.br | 3 
12.3 Charles Dickens -------------------------------------------------------------------------------------------------- 51 
12.4 Emily Brontë ------------------------------------------------------------------------------------------------------ 53 
12.5 O Entreguerras: Tornar Novo -------------------------------------------------------------------------------- 56 
12.6 Os Romancistas do Modernismo na Grã‑Bretanha ---------------------------------------------------- 58 
12.7 O Grande Experimentador Irlandês do Modernismo ------------------------------------------------- 60 
13 A Literatura Após a Segunda Guerra Mundial: Os Jovens Irados ------------------ 64 
14 A Literatura Norte‑Americana --------------------------------------------------------------- 65 
14.1 As Narrativas Coloniais ---------------------------------------------------------------------------------------- 65 
14.2 A Criação da Tradição Literária Norte‑americana ------------------------------------------------------ 69 
14.3 O Romantismo Americano ----------------------------------------------------------------------------------- 71 
14.4 Os Ensaístas ------------------------------------------------------------------------------------------------------ 71 
14.5 Os Poetas ---------------------------------------------------------------------------------------------------------- 73 
Walt Whitman e Emily Dickinson ------------------------------------------------------------------------------------------------ 73 
14.6 O Naturalismo Norte‑americano – Uma Crítica Social: Os Poetas--------------------------------- 79 
14.7 Os Poetas do Modernismo Norte‑Americano ----------------------------------------------------------- 80 
14.8 A Poesia Norte‑Americana Nas Décadas de 1940 e 50 ----------------------------------------------- 83 
14.9 A Literatura das Décadas de 1960 e 70. A Inovação das Mulheres Poetas ---------------------- 84 
15 A Ficção Norte‑Americana -------------------------------------------------------------------- 85 
15.1 Da Paisagem Europeia à Norte‑Americana -------------------------------------------------------------- 85 
15.2 O “Romance” Norte‑Americano: A Primeira Metade do Século XIX ------------------------------ 86 
15.3 O Realismo Norte‑Americano: Segunda Metade do Século XIX ----------------------------------- 91 
15.4 O Romance de Crítica e Resistência------------------------------------------------------------------------ 92 
15.5 Os Romancistas Cosmopolitas ------------------------------------------------------------------------------ 94 
15.6 O Naturalismo Norte‑Americano: Uma Crítica Social ------------------------------------------------- 95 
15.7 Narrativas Femininas: Outras vozes, Outras regiões -------------------------------------------------- 96 
15.8 As Narrativas do Modernismo Norte‑Americano ------------------------------------------------------ 97 
15.9 O Romance do Modernismo Norte‑Americano -------------------------------------------------------- 97 
The Great Gatsby-------------------------------------------------------------------------------------------------------------------- 100 
15.10 Main Street no Romance ---------------------------------------------------------------------------------104 
15.11 As Narrativas de Crítica Social: O Romance Engajado --------------------------------------------104 
15.12 Os Prosistas da Década de 1940 ------------------------------------------------------------------------107 
15.13 Os Prosistas da Década de 1950 ------------------------------------------------------------------------108 
15.14 Escritores Judeu‑Americanos ---------------------------------------------------------------------------108 
15.15 As Narrativas das Décadas de 1960 e 70 -------------------------------------------------------------109 
Literatura Inglesa | 
Sumário 
www.cenes.com.br | 4 
16 A Literatura Afro‑Americana --------------------------------------------------------------- 110 
16.1 The Harlem Renaissance: A Afirmação da Literatura Afro‑Americana --------------------------113 
16.2 A Poesia de Langston Hughes ------------------------------------------------------------------------------114 
16.3 Escritores Afro‑Americanos da Década de 1950 ------------------------------------------------------11916.4 O Black Arts Movement --------------------------------------------------------------------------------------120 
16.5 O Modernismo na Literatura Afro‑Americana ---------------------------------------------------------123 
17 A Literatura Multiétnica --------------------------------------------------------------------- 124 
18 Conceitos Sobre O Pós‑Colonialismo ----------------------------------------------------- 126 
18.1 O Que é o Pós‑Colonialismo? -------------------------------------------------------------------------------126 
18.2 A Semente da Teoria Pós‑Colonial ------------------------------------------------------------------------127 
18.3 As Literaturas Pós‑Coloniais --------------------------------------------------------------------------------128 
18.4 A Estética Pós‑Colonial ---------------------------------------------------------------------------------------128 
18.5 O Tropo da Diferença -----------------------------------------------------------------------------------------129 
19 A Literatura Canadense ---------------------------------------------------------------------- 129 
19.1 A Formação de Uma Tradição ------------------------------------------------------------------------------129 
19.2 A Prosa na Tradição Canadense ----------------------------------------------------------------------------132 
19.3 As Primeiras Narrativas em Prosa -------------------------------------------------------------------------132 
19.4 As Primeiras Narrativas Ficcionais ------------------------------------------------------------------------136 
19.5 A Ficção Canadense do Modernismo ---------------------------------------------------------------------141 
19.6 Os Grandes Nomes da Ficção Canadense ---------------------------------------------------------------142 
19.7 Escritores da Diáspora ou “Canadenses” Por Opção -------------------------------------------------148 
19.8 Swimming Lessons, de Rohinton Mistry -----------------------------------------------------------------150 
19.9 A Coyote Columbus Story------------------------------------------------------------------------------------154 
20 A Poesia na Tradição Canadense ---------------------------------------------------------- 160 
20.1 Antes da Confederação: As Primeiras Poesias ---------------------------------------------------------160 
20.2 Os Poetas da Confederação ---------------------------------------------------------------------------------162 
21 O Modernismo --------------------------------------------------------------------------------- 167 
22 O Pós‑Modernismo ---------------------------------------------------------------------------- 170 
23 Índia ----------------------------------------------------------------------------------------------- 177 
23.1 O Romance Indiano de Língua Inglesa: A Indigenização do Gênero Romance na Índia ----177 
23.2 O Hibridismo Como Tropo Narrativo ---------------------------------------------------------------------182 
23.3 A Nação Indiana Pela Metáfora ----------------------------------------------------------------------------186 
23.4 O Passado Histórico Como Metáfora ---------------------------------------------------------------------187 
Literatura Inglesa | 
Sumário 
www.cenes.com.br | 5 
23.5 Entre o Vilarejo e a Violência Comunalista -------------------------------------------------------------188 
23.6 A Saga Familiar -------------------------------------------------------------------------------------------------193 
23.7 A Poesia Indiana de Língua Inglesa -----------------------------------------------------------------------200 
24 África e Caribe: Mercantilização e Colonização da África -------------------------- 203 
24.1 A Ficção Africana -----------------------------------------------------------------------------------------------205 
24.2 Africa do Sul -----------------------------------------------------------------------------------------------------209 
24.3 As Primeiras Narrativas --------------------------------------------------------------------------------------212 
24.4 Contos (Short story) -------------------------------------------------------------------------------------------223 
24.5 A Poesia Sul‑Africana -----------------------------------------------------------------------------------------228 
25 Nigéria -------------------------------------------------------------------------------------------- 233 
25.1 O Romance Nigeriano ----------------------------------------------------------------------------------------233 
25.2 The Famished Road, de Ben Okri – mito versus realidade------------------------------------------238 
25.3 A poesia nigeriana ---------------------------------------------------------------------------------------------240 
26 O Caribe ------------------------------------------------------------------------------------------ 244 
26.1 A Ficção Caribenha --------------------------------------------------------------------------------------------249 
26.2 O Desafio de Se Superar: A Literatura Após os Anos 1990 -----------------------------------------255 
26.3 A Poesia Caribenha --------------------------------------------------------------------------------------------258 
27 Referências -------------------------------------------------------------------------------------- 262 
 
Este documento possui recursos de interatividade através da navegação por 
marcadores. 
Acesse a barra de marcadores do seu leitor de PDF e navegue de maneira RÁPIDA e 
DESCOMPLICADA pelo conteúdo. 
 
Literatura Inglesa | 
A Literatura Inglesa na Grã‑Bretanha 
www.cenes.com.br | 6 
1 A Literatura Inglesa na Grã‑Bretanha 
Hall (1992, p. 59) aponta que todas as nações são formadas por culturas 
separadas, que são unificadas por um logo processo de conquista violenta, ou seja, 
pela supressão da diferença cultural – é o caso da Grã‑Bretanha, como a historiografia 
do nome da nação indica. 
Talvez você já esteja familiarizado com o fato de que Bretanha foi o nome dado 
pelos romanos ao que consideravam uma província de seu império, incluindo 
Inglaterra, Gales e Escócia. Logo, a nação passou a se chamar Inglaterra, e o termo 
Bretanha foi recuperado em 1601, quando o rei Jaime VI da Escócia tornou‑se Jaime I 
de Inglaterra e começou a ser chamado de Rei da Grã‑Bretanha. Em 1801, foi formado 
o Reino Unido da Grã‑Bretanha e Irlanda (que incluía o que hoje são Irlanda do Norte 
e República da Irlanda, uma de suas mais antigas colônias). Hoje, o termo é aplicado 
à Inglaterra e à Irlanda do Norte, após a separação da República de Irlanda em 1922. 
Ainda durante o reinado da Rainha Vitória, a Grã‑Bretanha passou a ser um império, 
quando lhe foi anexado o subcontinente indiano, como a sua maior colônia, até 1947, 
ano de sua independência. 
Essas mudanças de denominação revelam de que maneira a cultura inglesa, do 
sul da Inglaterra, por meio do processo de conquista e aculturação do Outro diferente, 
se impôs, primeiramente, às outras culturas (romana, céltica, viking e normanda) 
dentro do território nacional e logo se impôs às culturas das nações colonizadas na 
Ásia, na África e no Caribe, no seu desejo de unificação e formação de uma identidade 
e cultura nacional. 
Por sua vez, conforme estudaremos, esse processo se reflete nas narrativas 
literárias dos diferentes períodos e também na maneira como elas têm sido lidas pelos 
contemporâneos, pelas gerações posteriores e em outras culturas, tal o nosso caso 
hoje: a maneira como nós, leitores brasileiros, nos relacionamos com essas diferentes 
tradições literárias. 
No século XIX, a disciplina se chamou de English Studies. O primeiro lugar a ser 
ensinada foi na índia, como ferramenta de dominação. Era uma maneira de mostrar 
aos indianos a superioridade da cultura inglesa e, assim, justificar a sua presença no 
subcontinente. Logo, na Inglaterra, era ensinada às pessoas das classes mais baixas 
com o propósitode repassar para eles a ideologia das classes dominantes. 
Isso revela, como podemos perceber, que o discurso da literatura tem a ver não 
só com uma prática estética, mas também pedagógica: seu estabelecimento como 
Literatura Inglesa | 
A Literatura Inglesa na Grã‑Bretanha 
www.cenes.com.br | 7 
disciplina de ensino esteve ligado a projetos políticos e sociais com o objetivo de 
impor uma determinada visão de mundo. 
Por sua vez, esses textos literários, que formam uma disciplina e, por extensão, 
uma tradição literária, não geram uma narrativa ininterrupta, mas descontínua, sempre 
sujeita a mudanças antagônicas, dependendo dos novos valores que diferentes 
grupos, muitas vezes silenciados ou marginalizados, dentro da sociedade vão tentar 
impor, ao resistir o discurso dominante. Esse processo revela que, mais do que deduzir 
significados das narrativas literárias, os leitores de uma comunidade determinada 
saturam os textos de significados, segundo suas agendas políticas (FESTINO, 2008). 
Já a partir da década de 1960, a disciplina passou a ser problematizada e resistida 
por parte daqueles que tinham sido o alvo desse processo de “civilização”, por meio 
da literatura, tanto dentro como fora das fronteiras nacionais – mulheres, 
trabalhadores, ex‑colonizados –, criando novas situações de fricção nessa perpétua 
reescrita da tradição. Essas novas vozes resistiam à tradição literária inglesa como 
sendo representativa do homem branco e europeu, produzindo assim uma mudança 
na consideração da “literatura inglesa”, de um conceito de literatura nacional única, 
monolítica, homogênea e universalista para um conceito de literatura multicultural: 
social, situada e múltipla. 
Isso se deu por meio da criação de novas literaturas nacionais em inglês, que 
foram chamadas de “pós‑coloniais”: indiana, africana, caribenha, neozelandesa, 
canadense, norte‑americana. Por sua vez, esse processo levou a uma reconsideração 
dos conceitos de literatura, currículo e, por conseguinte, das práticas pedagógicas. 
O que é a “literatura inglesa” então? Seriam aquelas literaturas escritas em língua 
inglesa, não somente na Inglaterra, mas em todos aqueles lugares onde a língua tem 
sido apropriada e que tem dado origem a novas formas da língua inglesa: “english” 
em vez de “English”, como falam Ashcroft et al. (2001). 
Por que estudar literaturas estrangeiras de língua inglesa? Em um mundo 
globalizado como o nosso, o estudo de outras tradições narrativas ajuda a nos 
familiarizarmos com outras tradições culturais. Dessa maneira, problematizamos 
estereótipos, encurtamos distancias e, muito importante, aprendemos a olhar a nossa 
cultura nacional de uma perspectiva crítica. 
 
Literatura Inglesa | 
A Tradição Norte‑americana 
www.cenes.com.br | 8 
2 A Tradição Norte‑americana 
Embora hoje pareça incrível, a primeira literatura pós‑colonial foi a 
norte‑americana. Eles foram os primeiros a desenvolver narrativas alternativas que, 
por um lado, refletissem suas próprias experiências e, por outro, marcassem sua 
diferença com o Velho Mundo, tanto no que diz respeito à qualidade de suas 
narrativas como à cadência da língua inglesa nesse contexto geográfico e cultural. 
Como acabamos de ver, não há cultura que não narre as estórias e histórias de 
sua própria experiência e comunidade. De maneira diferente: por meio da palavra oral, 
escrita, pintura, música, dança, representações, objetos etc., todas as comunidades 
narram suas estórias, no seu desejo que elas façam sentido para eles mesmos e 
também para os Outros. 
Por isso, as narrativas tem valor epistemológico, porque articulam as crenças e 
os valores de uma comunidade, e de comunicação, porque são um dos meios por 
meio dos quais a comunidade transmite os seus valores e as suas mudanças para os 
seus membros e para os de outras comunidades. 
Essa propensão à narrativa deve‑se ao fato de que, ao impor certa ordem ao caos 
da existência, elas ajudam o homem a fazer sentido das suas circunstâncias, 
encurtando a distância entre o “ser” e o “conhecer”. É no âmbito das narrativas que o 
ser humano pode considerar, com certa distância, os problemas que o afligem no seu 
dia a dia e criar novas narrativas que o ajudem a resolvê‑los. 
Essa ressignificação se realiza por meio da imaginação, que, a partir de uma 
leitura interpretativa dos acontecimentos de uma comunidade (a que se manifesta nos 
eventos que incluímos ou excluímos da nossa narrativa), relaciona eventos 
desconectados e fragmentados em um enredo, saturando‑o de significados, e cria 
crenças, costumes e comportamentos, revelando que todos os valores de uma 
comunidade não são “dados”, mas construídos. 
Por sua vez, essas narrativas e crenças são compartilhadas pelos membros da 
comunidade, dão origem à identidade individual e coletiva e conferem unidade à 
comunidade porque, como diz Kearney (2001, p. 7), nas estórias, as pessoas recriam o 
seu contexto social, histórico e cultural à sua imagem e semelhança. 
Campbell e Kean (2006, p. 54‑55) definem essas narrativas como mitos: aquelas 
estórias que são narradas em uma cultura e servem para explicar complexidades e 
banir contradições e fazem do mundo um lugar bem mais simples e confortável de 
ser habitado. Por exemplo, eles explicam que um dos mitos associados com os Estados 
Literatura Inglesa | 
A Tradição Norte‑americana 
www.cenes.com.br | 9 
Unidos era que o território norte‑americano era uma “terra virgem” não habitada. 
Então, ela era livre de ser civilizada e ocupada pelos pioneiros sem levar em conta a 
população nativa. 
Muitos desses mitos são centrais na formação da cultura e história de uma nação 
e são conhecidos como “mitos fundacionais” (HALL, 1998, p. 54‑55): “[...] estórias que 
localizam a origem da nação, do povo e de seu caráter nacional num passado tão 
distante que eles se perdem nas brumas do tempo, não do tempo ‘real’, mas de um 
tempo ‘mítico’”. Essas narrativas não são inocentes, mas profundamente ideológicas 
no sentido de que afirmam uma determinada visão da nação e do mundo. 
A Declaração da Independência dos Estados Unidos, assinada no dia 4 de julho 
de 1776, é uma dessas narrativas fundacionais que mostram como as treze colônias 
americanas, fundadas pelos emigrantes europeus que foram para a América, se 
imaginaram como uma nação justa e soberana. 
We hold these truths to be self‑evident, that all men are created equal, that they 
are endowed by their Creator with certain unalienable Rights, that among these are 
Life, Liberty and the pursuit of Happiness (ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA, 1776). 
Essas verdades, expressas na Declaração da Independência, têm a ver com os 
valores do Iluminismo: o direito à vida, à liberdade e, em particular, à busca pela 
felicidade. Por um lado, esse documento justificava a separação das colônias 
norte‑americanas da Grã‑Bretanha. Por outro lado, como a expressão “a busca pela 
felicidade” revela, expressava um sonho. Muitos desses colonos tinham deixado a 
Europa devido a perseguições políticas, sociais e religiosas, e a América se apresentava 
como um lugar ideal, associado com as grandes narrativas europeias. 
Sir Thomas More (1516) a tinha chamado de Utopia, em contraponto com a 
Europa de Henry VII, onde havia perseguições religiosas, fome e desemprego. Utopia 
era um lugar onde havia liberdade religiosa, a riqueza não era privada, não havia 
desemprego nem bebedeiras nas tavernas; o dia de trabalho era de seis horas e as 
pessoas, homens e mulheres, passavam o seu tempo de lazer em palestras sobre 
cultura grega. Os puritanos, por outro lado, tinham associado a América com a Terra 
Prometida, onde poderiam louvar seu Deus em paz e liberdade. 
Esse sonho sobre a nação americana imaginada foi reafirmado na Constituição 
dos Estados Unidos de América (1776), cujo Preâmbulo reza: 
We, the People of the United States, in order to form a more perfect Union, 
establish Justice, insuredomestic Tranquility, provide for the common defence, 
Literatura Inglesa | 
A Tradição Norte‑americana 
www.cenes.com.br | 10 
promote the general Welfare, and secure the Blessings of Liberty to ourselves and our 
Posterity, do ordain and establish this Constitution for the United States of America 
(ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA, 1776). 
Mais uma vez, o texto reafirma os valores do Romantismo Europeu que tinham 
inspirado a Revolução Americana (1776) e que logo inspirarão a Revolução Francesa 
(1789). América, o Jardim do Éden, se apresentava como o lugar perfeito para fazê‑lo 
realidade. Mas os sonhos, como diz Allen (1972, p. 5), expressam desejos que talvez 
nunca possam ser realizados. 
A frase que abre a Constituição, “We, the People”, mostra como os americanos 
imaginavam sua sociedade justa e igual para todos. Ela incluía todos os estados da 
União e estava inspirada nos ideais românticos de igualdade, liberdade e fraternidade. 
Esse desejo de igualdade se afirmou, em um primeiro momento, por meio da metáfora 
do “cadinho de raças”, que implicava que, da heterogeneidade cultural americana – 
noutras palavras, da mistura de nativos e imigrantes de todas as nacionalidades –, se 
formaria uma nova raça, a raça americana. 
Da mesma maneira, essa ideia de igualdade e fraternidade foi reforçada por meio 
das comunidades que se estabeleceram na fronteira, que constantemente se 
deslocavam da costa leste para a costa oeste, junto com os colonos que iam 
estabelecendo novos assentamentos no interior do território. Criou‑se assim um novo 
mito nacional. Na fronteira, longe do mundo conhecido, como aponta Allen (1972, p. 
55), onde o espírito democrático se afirmou desde que as comunidades existiam, antes 
dos governos, e os homens precisavam se tratar como iguais, pois precisavam se unir 
para providenciar a suas famílias tudo o que era essencial para a vida em sociedade: 
escolas, estradas, água etc. 
Entretanto, toda narrativa tem sua contranarrativa. Tanto a Declaração da 
Independência dos Estados Unidos como a sua Constituição podem ser interpretadas 
como “narrativas mestras”, aquelas que se tornam centrais e sagradas dentro de uma 
comunidade e se impõem sobre outras narrativas da mesma comunidade. Neste caso, 
essas narrativas têm tal status porque queriam definir a identidade americana de 
maneira que ela se diferenciasse da europeia: homens e mulheres que, inspirando‑se 
no espírito da democracia, se consideravam cidadãos livres com o direito de procurar 
seu próprio bem‑estar e não súditos de nenhum rei. 
Assim, esses documentos se focavam nesse caráter excepcional que distinguia os 
americanos, habitantes do Novo Mundo, de todas as outras nações europeias. 
Implicitamente, respondiam à pergunta “O que é um americano?”, ressaltando, como 
Literatura Inglesa | 
A Tradição Norte‑americana 
www.cenes.com.br | 11 
apontam Campbell e Kean (2006, p. 2), esse caráter único da experiência americana 
que lhe conferia um senso coerente de identidade. 
Essa narrativa nacional tem “essencializado” e “isolado” a identidade, o que se 
revela no fato de eles se definirem como um “povo escolhido por Deus” que tem a 
missão de levar o “modo de vida americano” a todos os cantos do mundo. Logo, essa 
narrativa mítica dos Estados Unidos adquiriu nova força durante a Guerra Fria, após a 
Segunda Guerra Mundial, e, mais recentemente, na Guerra do Golfo e na invasão ao 
Iraque (CAMPBELL; KEAN, 2006, p. 3). 
Por sua vez, essa definição da identidade americana, que ressalta o seu caráter 
singular, tem sido problematizada no sentido de que, nesse processo de unificação e 
homogeneização, tem‑se excluído muito do que se considera como experiências 
centrais da cultura americana. 
Campbell e Kean (2006, p. 2) apontam que, ao reduzir a identidade nacional a 
algumas características singulares, tem sido dado demasiada relevância a alguns 
grupos e tem‑se marginalizado alguns outros. Os críticos acrescentam que os Estados 
Unidos têm‑se apresentado como uma sociedade sem divisão de classes sociais, onde 
há mais consenso do que dissenso, porque os historiadores e críticos culturais têm 
enfatizado esses aspectos nas suas narrativas a ponto de os tornar novos mitos sobre 
a cultura americana. Contudo, os Estados Unidos, como qualquer outra nação, 
também têm divisões de classe, etnia, raça e gênero. 
Porém, contradições e significados em contraponto têm construído o que hoje é 
conhecido como “Estados Unidos”. O problema é que, muitas vezes, essa diferença 
tem sido silenciada por meio do exercício do poder. Já a frase inicial do Preâmbulo da 
Constituição Americana, “We, the People”, era não somente de inclusão, mas de 
exclusão. Ela excluía toda a população negra que, pelo fato de ser escrava, não era 
considerada como composta por cidadãos da União. Esse conflito vai levar à Guerra 
de Secessão (1861‑1865), após a qual vai se declarar a abolição da escravatura, mas 
não o fim da discriminação racial. 
Recentemente, no século XX, com a chegada de novas ondas de imigrantes, após 
a Primeira (1914‑1918) e a Segunda Guerra Mundial (1939‑1945), a ideia de América 
como um cadinho de raças foi substituída pela da saladeira: as diferentes 
comunidades étnicas moram nas mesmas cidades, mas separadas. Um exemplo 
seriam os bairros da cidade de Nova York: Harlem, habitado por cidadãos negros e, 
mais recentemente, hispanos; Chinatown, chineses; Little Italy, italianos etc. 
Literatura Inglesa | 
A Tradição Norte‑americana 
www.cenes.com.br | 12 
Por sua vez, esses processos históricos e culturais têm dado lugar a uma tradição 
literária que, num primeiro momento, pelo fato de ser escrita em inglês, era associada 
com a literatura inglesa. Logo, quando a língua inglesa foi tomando a cadência do 
novo continente e as estórias narradas eram marcadas pela sua diferença cultural, 
surgiu uma nova tradição que deu origem ao cânone americano. Mas, como é sabido, 
qualquer cânone literário nacional implica uma política de inclusão e exclusão. 
Campbell e Kean (2006, p. 4) explicam que qualquer tradição literária nacional 
favorece alguns textos em detrimento de outros. O cânone literário norte‑americano, 
como muitos outros, tem sido associado com escritores “brancos e mortos” porque 
se pensa que a “essência” do ser americano pode ser “destilada” deles. Assim, têm 
sido excluídos do cânone escritores e escritoras de diferente identidade sexual, racial 
e étnica. Da mesma maneira, alguns gêneros têm sido preferidos sobre outros: cinema, 
narrativas policiais etc. 
Campbell e Kean (2006, p. 4) explicam que uma leitura crítica dessas narrativas 
precisa se perguntar “Que Estados Unidos são construídos por meio desses textos?”. 
Alguns textos têm mais valor do que outros porque são mais complexos ou contêm 
determinadas peculiaridades ou qualidades de inspiração. 
Mas, como apontamos anteriormente, os textos centrais de uma comunidade são 
aqueles que as pessoas narram uns para os outros para fazer sentido de suas vidas. 
Dessa ótica, embora algumas narrativas sejam mais convincentes ou profundas do que 
outras, qualquer texto, canônico ou não canônico, pode ser sujeito a interpretação ou 
análise. Por sua vez, como apontam Campbell e Kean (2006, p. 5), novos textos são 
criados a partir da interconexão de todas essas narrativas. 
São justamente os grupos considerados como marginais (mulheres, minorias 
étnicas, comunidade gay) que têm interrogado os sistemas de representação canônica 
e têm dado voz a grupos com diferentes sistemas de crença. Porém, essa pluralidade 
cultural não implica colocar no centro grupos marginalizados e excluir grupos que 
eram antes centrais, mas considerar a maneira como eles se influenciam uns aos 
outros. Nesse sentido, estudar as diferentes narrativas literárias deveria colaborar para 
que esses grupos pudessem se comunicar por meio da relação e não da oposição. 
Uma das maneiras de fazê‑lo éconsiderando e interrogando a relação hierárquica de 
poder que se estabelece entre todos eles. 
 
Literatura Inglesa | 
As Literaturas Pós‑coloniais 
www.cenes.com.br | 13 
3 As Literaturas Pós‑coloniais 
É preciso fazermos a distinção entre os dois tipos de colônias: as de 
assentamento e as de conquista. As colônias de assentamento foram aquelas em que 
os colonos lá foram para se estabelecer definitivamente e formar uma nova nação. Os 
Estados Unidos, o Canadá, a Austrália e a Nova Zelândia foram colônias de 
assentamento. As colônias de conquista, como África do Sul, Nigéria, Caribe e a índia, 
entre outras, serviram como locais de extração de riquezas naturais, portos e mão de 
obra barata para os colonizadores, não havendo intenção de lá se estabelecerem. 
A característica distintiva das chamadas “novas literaturas”, ou seja, das literaturas 
produzidas pelos habitantes das “ex‑colônias de assentamento”, é o desejo de se 
distinguirem da literatura da metrópole. Apesar de escritas em língua inglesa, elas têm 
um vasto corpus de histórias literárias, estudos temáticos e estudos críticos que as 
distinguem da literatura inglesa. 
Conforme acabamos de ver, no caso da literatura norte‑americana, embora ela 
hoje seja reconhecida como uma literatura canônica, foi, paradoxalmente, como já 
apontamos, a primeira literatura pós‑colonial. 
Como observam Ashcroft et al. (1989, p. 133), a compilação dessas tradições 
literárias tem ajudado na formação da cultura e da identidade nacionais,. Assim, obras 
como History of Australian Literature (1961) ou A Literary History of Canada: Canadian 
Literature in English (1988) e as coletâneas, com seu processo de seleção, ajudam a 
estabelecer uma crítica e um estilo literário identificados com cada uma dessas 
culturas. 
No caso das ex‑colônias de conquista, a língua inglesa e suas narrativas foram 
usadas como armas de conquista. Por meio da criação de uma elite local que falava a 
língua inglesa, os britânicos tiveram acesso à cultura das diferentes colônias para 
melhor controlá‑las. Por sua vez, uma das maneiras de justificar a presença britânica 
nesses territórios era propagar a ideia de uma superioridade cultural, repassada aos 
colonizados a partir da imposição de sua literatura nacional. Ler Shakespeare 
implicava, por um lado, apreender a língua inglesa e, pelo outro, ter acesso aos valores 
de uma cultura que se impunha como superior. Assim, língua e literatura foram 
cúmplices nesse processo a que os ingleses chamavam de civilizatório, enquanto os 
colonos o denunciavam como um processo de dominação. Uma das formas de 
denúncia foi o processo de apropriação da língua inglesa e dos gêneros levados às 
colônias pelos ingleses, como o romance, a poesia e outras narrativas, muitas vezes 
subvertendo‑os, formando novas tradições literárias em língua inglesa, cujas 
Literatura Inglesa | 
As Literaturas Pós‑coloniais 
www.cenes.com.br | 14 
temáticas e formas criaram uma literatura conhecida como de resistência. 
Embora cada uma dessas literaturas tenha as suas peculiaridades, há alguns 
aspectos centrais a todas essas tradições literárias pós‑coloniais, desenvolvidas em 
colônias de conquista e de assentamento. O primeiro é o fato de que os estudos 
literários dessas tradições têm se desenvolvido, como veremos adiante, ao redor de 
eixos temáticos, que revelam o interesse dessas comunidades nas diferentes 
conjunturas históricas, cujas problemáticas são destacadas na tentativa de imprimirem 
um determinado caráter a essa tradição literária. O segundo aspecto seria a relação 
cultural e literária entre o velho e o novo mundo; o terceiro é a relação entre as 
populações nativas e os colonos brancos. O quarto é a relação entre a linguagem, 
neste caso o inglês, e o novo espaço cultural (ASHCROFT el al., 2001, p. 135). 
Poder‑se‑ia dizer, então, que uma das características mais marcantes das 
literaturas pós‑coloniais é que elas sempre estão em contraponto com outras 
formações literárias e culturais, especialmente as europeias, em uma relação de 
inferioridade cultural, em que o centro europeu se impõe sobre as narrativas tidas 
como marginais. Outra relação se dá entre nativos, em que um grupo mantém uma 
suposta superioridade, por se considerarem os representantes da cultura europeia nas 
colônias. Por isso, pode‑se dizer que seu “tropo” principal é o da diferença, por meio 
da qual essas tradições literárias e culturais tentam marcar seu caráter “genuíno”. 
Nesse contexto, a colisão se produz, como apontam Ashcroft et al. (2001, p. 136), entre 
o olhar nostálgico, que assinala a impotência do exílio, e o olhar dirigido ao futuro, 
tentando marcar seu caráter vernáculo e indígena. O desejo de diferenciar‑se gera um 
conflito cujo teor pode ser percebido no uso da língua inglesa. Apesar de, muitas 
vezes, suas produções literárias serem vistas como acréscimos do cânone inglês, essa 
é uma língua inglesa com cadência e muitos vocábulos próprios, marcando a 
experiência local, ou seja, como falam Ashcroft et al. (2001, p. 137), reafirmando a 
distância entre a língua importada e a cultura local. 
Por sua vez, essa distância se encurta não somente por meio do uso de uma 
forma diferenciada da língua inglesa, mas também de estratégias narrativas e temas 
que são característicos de cada uma dessas tradições. Assim, a diferença é afirmada 
por meio de estilo e temas próprios. O escritor canadense Robert Kroetsch (1974 apud 
ASHCROFT et al., 2001, p. 141) explica esse fenômeno nos seguintes termos: 
O conflito do escritor canadense é que ele trabalha com uma língua, dentro de 
uma literatura que, aparentemente, lhe pertence [...] Mas [...] há na palavra canadense 
uma outra experiência escondida, as vezes britânica, às vezes norte‑americana. 
Literatura Inglesa | 
A Literatura Inglesa 
www.cenes.com.br | 15 
Será a partir dessa relação de contraponto que focalizaremos agora as tradições 
literárias de língua inglesa cujos conteúdos trataremos neste texto‑livro. A nossa 
primeira parada nessa viagem através do tempo e das culturas por meio das narrativas 
literárias é na literatura inglesa, desenvolvida nas Ilhas Britânicas, o exato local onde 
tudo começou. 
 
4 A Literatura Inglesa 
4.1 A Poesia e o Teatro Na Literatura Britânica 
Como vimos, conforme Hall (1998), uma cultura nacional busca unificar seus 
membros em uma identidade cultural para representá‑los como pertencendo à 
mesma e grande família nacional. Mas o ponto, como acrescenta o autor, é que a 
construção de uma identidade nacional e cultural implica uma estrutura de poder que 
vai necessariamente impor algumas formas culturais em detrimento de outras. 
Em nosso caso, estudar a cultura e a literatura do “povo britânico” implica 
considerar o longo processo de relações violentas entre os romanos, celtas, saxões, 
vikings e normandos. Cada um desses povos subjugou os conquistados por meio da 
imposição de sua própria cultura, seus costumes, suas línguas e suas tradições. A ideia 
era criar uma nação a partir da imposição de uma determinada hegemonia cultural. 
Foram os monges cristãos que recolheram as narrativas orais dos saxões, 
transmitidas de geração em geração e, nos seus mosteiros, as registraram pela palavra 
escrita. Como você verá, essa literatura está em forma de verso, mais do que prosa, 
porque a rima ajuda à memorização e transmissão da literatura oral. Borges (2002, p. 
7) explica que o verso é anterior à prosa: “Parece que o homem canta antes de falar. 
Um verso, uma vez composto, age como modelo. Repete‑se outra vez, e chegamos 
ao poema”. 
 
4.2 Beowulf 
Segundo pesquisadores da área, Beowulf é o mais antigo poema conhecido em 
língua inglesa. É um manuscrito saxão que data do século X sobre um poema 
composto ao redor do ano 700. A ação acontece na Escandinávia, em um tempo 
remoto àquele da sua audiência anglo‑saxã, como fala o primeiro verso: Lo! We have 
heardthe glory of the kings of the Spear‑Danes in days gone by, how the chieftains 
Literatura Inglesa | 
A Literatura Inglesa 
www.cenes.com.br | 16 
wrought mighty deeds (WRIGHT, 1957, verso 1). 
O poema, originariamente uma narrativa oral, conta a estória de um guerreiro, 
Beowulf, quando ele era o mais importante dentre as pessoas importantes da sua 
comunidade. Pelo fato de esse poema ter sido rescrito por um monge cristão, como 
explica Borges (2002, p. 13), muitos séculos após sua composição, ele encarna as 
virtudes que eram apreciadas na Idade Média, como a coragem e a lealdade. Seu 
nome significa “lobo das abelhas” ou “urso”. 
Then, Beowulf of the Scyldings, beloved king of the people, was famed among 
warriors long time in the strongholds – his father had passed hence, the prince from 
his home – until noble Healfdene was born to him (WRIGHT, 1957). 
Só que, em vez de lutar contra homens, ele luta contra um monstro, Grendel, que, 
por longo tempo, tinha atacado o reino do rei Hrothgar: 
The grim spirit was called Grendel, a famous march‑stepper, who held the moors, 
the fen and the fastness. The hapless creature sojourned for a space in the 
sea‑monster’s home after the Creator had condemned him (WRIGHT, 1957). 
Veja como esse enfrentamento representa, justamente, a luta entre o bem e o 
mal, revelando que um dos fins da literatura, desde os seus primórdios, foi estabelecer 
os valores de uma comunidade. Se pensado dessa maneira, podemos nos reconciliar 
com a ideia de que essa narrativa violenta foi escrita por um monge em um mosteiro! 
Como dito, esse poema é uma antiga lenda germânica, mas transformada em uma 
epopeia por um sacerdote erudito e barroco, como acrescenta Borges (2002, p. 14). 
Podemos perceber o fato de o poema ter sido traduzido da tradição oral para a 
tradição escrita por um monge cristão não só nas referencias ao bem e ao mal, 
segundo as crenças cristãs, mas também devido à presença de um único Deus criador 
e de passagens bíblicas: 
The eternal Lord avenged the murder on the race of Cain, because he slew Abel. 
He did not rejoice in that feud. He, the Lord, drove him [Grendel] far from mankind for 
that crime. Thence sprang all evil spawn, ogres and elves and sea‑monsters, giants too, 
who struggled long time against God. He paid them requital for that (WRIGHT, 1957). 
Ao ler o poema composto por mais de três mil versos, você perceberá as cores 
que primam na narrativa, o cinza e o preto, tingidos pelo vermelho do sangue. 
Perceberá igualmente o som associado com o ranger dos dentes e o barulho dos 
ossos quebrando. Esse efeito sonoro da narrativa é produzido pelas muitas 
Literatura Inglesa | 
A Literatura Inglesa 
www.cenes.com.br | 17 
consoantes e poucas vogais das palavras do inglês arcaico no que o poema foi escrito. 
Borges (2002, p. 8) assinala que a palavra “verso” tem um sentido muito elástico 
porque ela não significa o mesmo nem em todas as épocas, nem em todos os povos. 
Por exemplo, quando nós pensamos em verso, pensamos em rima. Mas, nos versos 
germânicos, a rima era casual. O que se encontra é a aliteração, ou seja, a repetição 
de sons no começo de três das palavras do verso. Outra característica desse poema é 
o uso do hipérbato, ou seja, a alteração da ordem lógica da frase. 
 
4.3 A Idade Média. A Chegada dos Normandos e as Novas Narrativas 
Literárias 
Passemos agora para a Invasão Normanda de 1066, liderada por William I 
(1066‑1087), o Conquistador. Essa invasão ligou o futuro das Ilhas Britânicas ao da 
França pelo resto da Idade Média. Os normandos trouxeram a cultura e a língua 
francesa para a ilha, dando fim ao período saxão que unia a Inglaterra com o 
continente. Foi William I quem instaurou o sistema feudal na Inglaterra, quando dividiu 
as terras entre os nobres que, ao seu lado, invadiram a ilha. 
Com a invasão dos normandos, a língua, a literatura e a cultura saxãs foram 
reduzidas a um nível de subordinação aos novos senhores. Por sua vez, a nova 
literatura produzida pelos normandos na ilha vai mostrar o processo de deslocamento 
cultural que uma invasão implica. Segundo Malone e Baugh (1977, p. 111), uma das 
consequências imediatas da conquista normanda foi a introdução da língua francesa. 
A nova nobreza não falava inglês, nem se interessou por aprendê‑lo. Isso porque 
os franceses foram para a Inglaterra para enriquecer, e não porque tivessem algum 
tipo de interesse cultural; na verdade, consideravam a cultura saxã muito menos 
sofisticada que a deles. No entanto, o inglês continuou a ser falado pelo povo e, 
enquanto o francês era a linguagem da cultura, a língua inglesa era a linguagem dos 
considerados incultos. Isso porque a Cultura, com cê maiúsculo, estava associada ao 
colonizador francês. Assim, a Inglaterra estava dividida em duas línguas: a francesa, 
falada pelas classes dominantes, e o inglês, falado pelas pessoas comuns. 
Embora a literatura fosse escrita em francês para a nobreza, o fato de estar longe 
da França fez com o idioma perdesse sua pureza. Como consequência, o latim se 
torna a linguagem da cultura. Nos séculos XII e XIII, aparecem músicas e livros de 
história escritos em latim. Por outro lado, a língua inglesa (middle english) incorporou 
muitos vocábulos importados da língua francesa. 
Literatura Inglesa | 
A Literatura Inglesa 
www.cenes.com.br | 18 
 
4.4 O Rei Artur e os Cavaleiros da Távola Redonda 
Nesta época, surgem as primeiras narrativas do romanesco. A mais famosa é a 
da saga do Rei Artur e os Cavaleiros da Mesa Redonda. As estórias contam a saga do 
Rei Artur, sua esposa Guinevere e dos cavalheiros Gawain e Percival, e sua busca pelo 
Cálice Sagrado. 
Tendemos a associar o romanesco às narrativas de amor, especialmente porque 
essas estórias medievais contam famosos “romances”, como o do cavalheiro Lancelot 
e da rainha Guinevere. Porém, não é exatamente assim. O tema principal dessas 
narrativas é a estória de cavalaria e suas muitas façanhas heroicas. Elas são estórias de 
aventuras, tanto em verso como em prosa, e o amor sempre está subordinado às 
peripécias sofridas pelos cavaleiros. 
Por sua vez, essas estórias romanescas não tem um enredo central único, mas 
são compostas por uma sequência de incidentes relacionados. As personagens são 
“tipos”, mais do que indivíduos, e, às vezes, devido às semelhanças de caráter, torna‑se 
difícil distinguir uma da outra. Uma vez mais, porém, a importância dessas narrativas 
reside no fato de que elas representam o cavalheiro ideal (Lancelot, Tristam, Gawain), 
que, por sua vez, encarna as virtudes da época. Daí resulta o fato de não haver 
variedade na ação: todas essas narrativas são muito parecidas. A única maneira de um 
cavaleiro se distinguir é mostrando sua superioridade sobre os outros cavaleiros. 
O romanesco é um gênero aristocrático. As primeiras narrativas sobre as lendas 
arturianas (lenda celta anterior à entrada dos normandos na Inglaterra) foram escritas, 
paradoxalmente, em francês, tanto na França como na Inglaterra. Essas estórias só 
começaram a ser escritas em inglês no século XIII, quando os normandos já haviam 
saído da Inglaterra há quase um século, e o inglês se tornara a linguagem da classe 
alta. 
Na verdade, Malone e Baugh (1977, p. 165) afirmam que não se sabe com certeza 
se Artur foi uma personagem histórica ou não. Como já foi dito, a lenda de Artur 
pertence à tradição celta estabelecida em Gales e Cornwall. Essa lenda ficou conhecida 
na Europa com a publicação da Historia Regum Britannie (1137), de Geoffrey de 
Monmouth, e as narrativas do escritor francês de romanesco Chretien de Troyes 
(1160‑90). 
As lendas de Artur apareceram pela primeira vez em língua inglesa por meio do 
trabalho de um humilde sacerdote de Worcestershire. No prefácio de seu texto, ele 
Literatura Inglesa | 
A Literatura Inglesa 
www.cenes.com.br | 19 
narra que seu nome é Layamon. Enquanto morava no mosteiro, eledecidiu escrever 
sobre as façanhas dos ingleses e, para isso, começou a viajar para coletar material. 
Malone e Baugh (1977, p. 171) nos explicam que algumas alusões no poema de 
Layamon indicariam que ele o escreveu por volta do ano 1200. O poema em inglês é 
duas vezes mais longo do que o poema em francês, porque ele acrescentou todo o 
material recolhido em suas viagens. Um dos incidentes mais interessantes de sua 
narrativa é a criação da Távola Redonda, como consequência de uma briga começada 
em uma festa de Natal. A discussão teria se iniciado entre convidados, sobre quem se 
sentaria nos lugares de maior importância ao redor da távola. Conta a lenda que, 
durante uma das viagens do rei Artur para Cornwall, um hábil artesão se ofereceu para 
fazer uma mesa redonda, que poderia ser levada de um lugar pra outro, ao redor da 
qual poderiam se sentar 160 pessoas ou mais, sem nenhuma discriminação. 
Conforme já mencionado, a narrativa de Artur em inglês está organizada em uma 
série de episódios, cuja única conexão é girarem em torno das aventuras do rei. 
Não há, dessa maneira, uma única narrativa que inclua a vida inteira do rei. As 
estórias são episódios que tratam de diferentes aspectos da vida do herói: O Rei Artur 
e o Mago Merlin; Artur e os Cavaleiros da Távola Redonda; O Rei Artur e a Rainha 
Guinevere; Sir Gawain e o Cavalheiro Verde; Lancelot do Lago etc. 
 
4.5 Robin Hood, Príncipe de Ladrões 
Você já deve ter assistido a filmes ou ouvido referências a Robin Hood, que 
roubava dos ricos para dar aos pobres. Essa história aconteceu quando a Casa de 
Anjou estava no poder. O último rei da Casa de Normandia, estabelecida por William 
I, foi Henry I (1100‑1135). Ele foi sucedido pela Casa de Anjou, cujos mais famosos 
expoentes foram os reis Ricardo Coração de Leão (1189‑1199), famoso por sua 
participação na Terceira Cruzada, cujo resultado foi a recuperação de Jerusalém dos 
chamados “infiéis”, e seu irmão, que entrou para a história como João Sem Terra 
(1199‑1216). João era o filho menor e, por isso, não teve direito à posse de terras, 
como tiveram seus irmãos. Diferentemente de seu irmão, o querido rei Ricardo, João 
ficou conhecido pelas suas injustiças. 
Uma das mais famosas figuras da literatura inglesa associada com esse período 
é a do lendário Robin Hood. Como o Rei Artur, não se sabe se ele, de fato, existiu. Sua 
estória chegou até os nossos dias por meio das baladas, um dos gêneros populares 
da época, e de peças de teatro. Nessas narrativas, o herói, junto com seus amigos, 
Literatura Inglesa | 
A Literatura Inglesa 
www.cenes.com.br | 20 
Pequeno John, Will Scarlet e Much, o filho do dono do moinho, e seus inimigos, o rei 
João e o xerife, participa de várias aventuras, nas quais sempre triunfa contra os 
mesmos vilões. 
Em 1377, o escritor medieval William Langland, autor de Piers Plowman, já faz 
referência às estórias de Robin. Ao redor do ano 1500 ou talvez antes, não sabemos 
ao certo, muitas dessas aventuras haviam sido coletadas em forma de episódio, em A 
Gesta de Robin Hood. As aventuras de Robin eram recitadas em castelos, tavernas, 
feiras e em todos os lugares onde as pessoas se reuniam, por isso podemos afirmar 
que as narrativas orais estão por trás e foram a base dos episódios escritos. A Gesta 
de Robin Hood começa assim (KNIGHT; OHLGREN, 1997): 
Lie and listen, gentlemen 
That be of freeborn blood 
I shall tell you of a good yeoman His name was Robin Hood. 
Robin was a proud outlaw 
While he walked on ground 
So courteous an outlaw as he was one Was never found. 
Robin stood in Bernesdale 
And leaned against a tree 
And by him stood Little John A good yeoman was he. 
And also did good Scarlock 
And Much the Miller’s son There was no inch of his body But it was 
worth a man. 
 
Como você pode inferir ao assistir às várias versões já produzidas com base na 
lenda de Robin Hood, suas baladas têm sido reescritas através dos séculos. Em 
algumas delas, ele é um homem do povo (yeoman); em outras, é um senhor. Uma das 
versões mais populares sobre Robin (que Hollywood tem narrado por meio dos seus 
filmes) é a que, ao lado do rei Ricardo, ele (Sir Robin of Locksley) viaja para a Terra 
Santa. Durante sua ausência, o rei João mata o pai de Robin e queima seu castelo. 
Quando Robin retorna, ele é obrigado a morar na floresta de Sherwood. Assim, ele se 
torna o herói de todos aqueles que sofreram nas mãos de João e passa a ser conhecido 
Literatura Inglesa | 
A Literatura Inglesa 
www.cenes.com.br | 21 
como “O Príncipe dos Ladrões”, que rouba para ajudar os pobres. 
Robin é a contrafigura popular de heróis aristocráticos como o Rei Artur. Sempre 
pronto para a aventura e com muito senso de humor, ele é o herói dos fracos, pobres 
e honestos. Embora sempre leal ao Rei Ricardo, Robin toma a lei em suas mãos 
quando preciso. Sua vida está marcada pelos encontros frequentes com o xerife de 
Nottingham. 
A estória que contam as baladas é a da Inglaterra medieval, antes da Reforma 
introduzida pelo Rei Henrique VIII (que vai unir a Coroa e a Igreja, conferindo ao rei 
imensos poderes), quando a Inglaterra ainda era “Merry England”: ortodoxamente 
cristã; a sociedade estava organizada comunitariamente, segundo o modelo das 
fraternidades, que tinha como objetivo principal o bem‑estar da comunidade; e a 
justiça era aplicada por meio da ação direita, como faz Robin (KNIGHT; OHLGREN, 
1997): “I was considered the best archer / That was in Merry England”. 
Um dos fatos interessantes das estórias do ciclo de Robin Hood, como também 
das lendas de Artur, é que elas estão escritas em inglês, no que se chamou de middle 
english. No ano de 1244, após a derrota da Normandia pelos ingleses, os laços da 
Inglaterra com o continente foram cortados. Aliás, os reis da Inglaterra e da França 
passaram um decreto que proibia a posse de terras pela mesma pessoa em ambos os 
países. Assim, aqueles que ficaram na Inglaterra assumiram sua identidade inglesa, e 
o inglês, aos poucos, foi se tornando a língua falada por todos os habitantes do reino. 
 
4.6 Outras manifestações literárias 
Outro tipo de literatura que floresceu nessa época tem a ver com manifestações 
religiosas, desde que na Idade Media a vida girava em torno da figura de Deus. 
Segundo Malone e Baugh (1977, 158), um dos poemas mais importantes em língua 
inglesa, escrito com o propósito de instrução religiosa e guia moral do povo, é o 
Ormulum. O objetivo de Orm, seu autor, segundo ele mesmo expõe no prefacio, é 
explicar para o povo “ignorante” os textos sagrados que são lidos na missa todos os 
dias e “suprir as necessidades da alma”. Seu método é começar com uma paráfrase de 
um texto bíblico e logo explicá‑lo por extenso. Porem, não é isso o que ele faz, uma 
vez que narra a vida de Cristo em uma série de episódios. 
Um dos aspectos interessantes de Ormulum é que o autor se identifica; nesse 
aspecto, é diferente de muitos textos da Idade Média, que são anônimos, porque, ao 
ser uma arte dedicada à palavra de Deus, nem o aqui e agora, nem a figura do autor 
Literatura Inglesa | 
A Emergência da Burguesia 
www.cenes.com.br | 22 
interessam. Ele já antecipa o ano 1340, quando surgirá a figura de Geoffrey Chaucer, 
um dos poetas mais importantes da Inglaterra de língua inglesa. 
 
5 A Emergência da Burguesia 
5.1 Geoffrey Chaucer e Os Contos de Cantuária 
Morton (1970, p. 73‑75) aponta que, na Inglaterra, o século XIII é marcado por 
uma transformação geral do feudalismo, cujo resultado foi o seu declínio e o 
crescimento do que o autor chama de “agricultura capitalista”. Ao final do século XIII, 
acrescenta o historiador, quase todas as cidades alcançaram certa autonomia. Então, 
depois de obter isenção dos tributos feudais, o principal objetivo de qualquer cidade 
era manter seus negócios nas mãos dos próprios burgueses, baseando‑se no princípio 
de que apenas aqueles cujo trabalho tenha contribuídopara a libertação da cidade 
teriam o direito de compartilhar dos seus privilégios. 
Todas essas mudanças na economia e na sociedade da Inglaterra fizeram surgir 
um novo tipo de narrativa literária. Um dos poetas importantes nessa época de 
profundas mudanças foi Geoffrey Chaucer. Conforme nos informam Malone e Baugh 
(1977, p. 249), acredita‑se que Chaucer nasceu em 1340, quando a Guerra dos Cem 
Anos com a França tinha começado. Três vezes durante sua vida, a peste (black death) 
assolou a Inglaterra entre 1348 e 1349. 
No ano de 1381, houve uma grande revolta quando as pessoas do campo se 
rebelaram por pensarem ter os mesmos direitos da nobreza. Chaucer pertencia a essa 
classe social ascendente: sua família não era nem do clero nem da nobreza, mas ricos 
comerciantes. Cedo, Chaucer tornou‑se pajem na casa da duquesa de Ulster, esposa 
de Lionel, filho do rei Eduardo III. Em 1359, foi soldado na França, onde foi feito 
prisioneiro. O rei Eduardo III precisou pagar o seu resgate. 
Em 1366, Chaucer casou‑se com Philippa, uma mulher de classe alta, a serviço da 
rainha. Há registros mostrando que Chaucer foi contratado para realizar missões a 
serviço do rei tanto na Inglaterra quanto no continente, o que lhe permitiu entrar em 
contato com outras línguas e literaturas, como a italiana e a francesa. Chaucer, porém, 
escreveu em inglês, em um dos dialetos da cidade de Londres. Como achava a 
linguagem limitada, importou termos do francês e da literatura europeia para a língua 
inglesa. 
Literatura Inglesa | 
A Emergência da Burguesia 
www.cenes.com.br | 23 
É preciso destacar que Chaucer escreveu em uma época na qual muitas pessoas 
não sabiam ler, e havia uma forte tradição de narrativa oral entre o povo. Assim, um 
poema como Os Contos de Cantuária (The Canterbury Tales) contém uma série de 
referências que possibilitam tanto a leitura silenciosa quanto a declamação do texto, 
às vezes dentro do mesmo parágrafo. 
Por meio de Os Contos de Cantuária, sua obra‑mestra, ele criou estórias nunca 
antes narradas, retratando o dia a dia do homem e da mulher comum. A visão que 
perpassa seu texto é tolerante, bem‑humorada, apaixonada e cheia de amor pela 
humanidade. A modernidade do seu texto estaria na linguagem escolhida, conforme 
assinala Burgess (1970): ele nos fala hoje como falava às pessoas de seu tempo. 
A narrativa está organizada ao redor de uma peregrinação à Cantuária, cidade 
onde há o santuário do mártir sir Thomas Becket. Esses tipos de peregrinações eram 
comuns na época. Quando a primavera chegava e a neve se derretia, as estradas 
tornavam‑se mais seguras, e as pessoas de todos os níveis sociais iam para os lugares 
sagrados. Assim começa o “prólogo” da narrativa (MALONE; BAUGH, 1977, p. 249): 
As soon as April pierces to the root 
The drought of March, and bathes each bud and shoot 
Through every vein of sap with gentle showers 
From whose engendering liquor spring the flowers; 
When zephyrs have breathed softly all about 
Inspiring every wood and field to sprout, 
And in the zodiac the youthful sun 
His journey halfway through the Ram has run; 
When little birds are busy with their song 
Who sleep with open eyes the whole night long Life stirs their hearts 
and tingles in them so, Then people long on pilgrimage to go. 
 
Thomas Becket tinha sido assassinado durante o reinado de Henrique II 
(MALONE; BAUGH, 1977, p. 249): 
And specially in England people ride 
Literatura Inglesa | 
A Emergência da Burguesia 
www.cenes.com.br | 24 
To Canterbury from every countryside 
To visit there the blessed martyred saint 
Who gave them strength when they were sick and faint. 
 
Os peregrinos viajavam juntos, e era comum se reunirem na Taverna Tabard 
(Tabard Inn) na cidade de Londres, um dos mais importantes centros de toda a Europa. 
Durante as peregrinações, as pessoas que iam e voltavam da Cantuária contavam 
estórias. A Tabard Inn era parte da peregrinação, e o melhor narrador ganhava um 
jantar oferecido pelo dono da pousada. Geoffrey Chaucer narra em primeira pessoa, 
retratando a si mesmo como um peregrino (MALONE; BAUGH, 1977, p. 249). 
In Southwark, at the Tabard one spring day 
It happened, as I stopped there on my way 
Myself a pilgrim with a heart devout 
Ready for Canterbury to set out 
 
Como apontam Malone e Baugh (1977, p. 260), o interessante dessa narrativa, 
cuja estrutura é a mesma de As Mil e Uma Noites, é que ela representa todos os tipos 
sociais, porque diferentes tipos de pessoas participavam delas e narravam estórias dos 
mais variados teores: há um barão, um cavaleiro, profissionais como um doutor, um 
advogado, um comerciante, um marinheiro, e religiosos (uma madre superiora, um 
monge e um sacerdote); há também um personagem fazendeiro e um cozinheiro de 
Londres. Por meio de todas as vozes de suas personagens, Chaucer critica a sociedade 
de seu tempo. 
Um aspecto interessante dessa narrativa é que as personagens estão muito bem 
elaboradas: elas não são tipos vazios, mas verdadeiros indivíduos, com suas 
características peculiares. Como cada um deles tem sua visão particular da vida, suas 
personalidades estão sempre em tensão. 
Como temos assinalado, a narrativa começa com um prólogo, onde essas 
personagens são apresentadas tão detalhadamente, que nos passa a impressão de 
terem sido conhecidas por Chaucer na vida real. Também nesse prólogo está o plano 
da narrativa. O projeto inicial era que cada peregrino narrasse duas estórias na ida e 
Literatura Inglesa | 
A Renascença 
www.cenes.com.br | 25 
duas na volta. Porém, há 24 estórias no total. Dessas, duas são interrompidas antes do 
final, e duas se acabam tão logo começam (MALONE; BAUGH, 1977, p. 249): 
At night came all of twenty‑nine assorted 
Travelers, and to that same inn resorted, 
Who by a turn of fortune chanced to fall In fellowship together, and 
they were all Pilgrims who meant toward Canterbury to ride. 
 
As narrativas são organizadas em contraponto, com pessoas de diferentes 
estratos sociais narrando estórias sobre um mesmo tema. A primeira é uma narrativa 
de amor, contada pelo cavaleiro, sobre os sentimentos de dois de seus amigos, 
Palamon e Arcite, por uma mesma mulher. O segundo conto deveria ser narrado pelo 
monge, mas o moleiro está bêbado e insiste em narrar uma estória indecente. Quando 
finaliza, o magistrado ofende‑se e conta uma outra, igualmente ofensiva, sobre um 
moleiro. Então, o cozinheiro quer contar a sua versão, mas Chaucer deve ter pensado 
que era demais, e a narrativa é interrompida. 
A narrativa de Chaucer representa a comédia humana do século XIV. Ele mostra 
a sociedade de seu tempo não só a partir do que contam suas personagens, mas 
também da maneira como elas agem. 
 
6 A Renascença 
6.1 O Teatro, a Poesia e a Prosa no Período Elisabetano 
A passagem do teocentrismo para o antropocentrismo marcou a transição da 
Idade Média para a Renascença. Na ordem teocêntrica, Deus era colocado no centro 
de tudo. No antropocentrismo, o Homem, com suas dúvidas e questões filosóficas, 
passa a ocupar o centro do pensamento e das artes. Assim, a transição de Chaucer a 
Shakespeare é também marcada pela mudança da ordem teocêntrica para a nova 
ordem, em que o homem está no centro dos acontecimentos. É um mundo novo, 
como Shakespeare diz na sua peça The Tempest: “O Brave New World, that has such 
people in it” (SHAKESPEARE, [1623] 1998). 
Foi uma época de florescimento do teatro, da poesia e da prosa. Nesta última, e 
especialmente no campo da história, destaca‑se o filósofo sir Francis Bacon 
Literatura Inglesa | 
A Renascença 
www.cenes.com.br | 26 
(1561‑1626). Precisamos nos lembrar de que, nessa época, o romance (tal como o 
conhecemos hoje) ainda não existia, mas havia narrativas pastorais, como as de John 
Lyly. 
Na poesia lírica, destacamos o nome de sir Thomas Wyatt, que desenvolveu o 
soneto, logo aperfeiçoado por William Shakespeare.Os temas principais dos 154 
sonetos shakespearianos são o amor, a admiração pela beleza física, a riqueza 
intelectual e a arte. A misteriosa dedicatória desses sonetos, a “uma bela dama” e a 
um “jovem amigo”, tem intrigado os leitores de todo tempo e lugar. 
Sua estratégia retórica principal é o “conceito”, uma imagem criada por meio de 
analogias, como mostra o verso inicial do soneto 18 de Shakespeare (BOOTH, 2000): 
“Shall I compare you to a summer’s day?”. Os dois versos finais, por sua vez, expõem 
o tema principal: “So long as men can breathe or eyes can see, / So long lives this, and 
this gives life to thee” (BOOTH, 2000). 
Edmund Spenser (1552‑1599) está entre os maiores poetas não dramáticos desse 
período, tendo aprimorado a língua inglesa. Ele é conhecido por seu poema The Fearie 
Queene, uma alegoria sobre as virtudes humanas. A rainha Elizabeth I é ficcionalizada 
por meio da figura de Gloriana, pois a glória de seu governo deveu‑se ao seu caráter 
virtuoso. Foi esse, então, um poema de grande importância em um momento de forte 
sentimento nacionalista. 
No entanto, o gênero mais popular foi o teatro, uma das formas da cultura oral 
em uma sociedade na qual poucos sabiam ler ou escrever. Na Inglaterra, como aponta 
Burgess (1996, p. 73), o teatro não tinha uma reputação muito boa, e esse fato se 
explica quando consideramos os acontecimentos ocorridos nos palcos nos últimos 
dias do Império Romano. Nessa época, o teatro estava associado a uma prática 
perversa, uma vez que ações repreensíveis realizavam‑se no palco: pessoas 
condenadas à morte eram mortas; o ato sexual consumava‑se aos olhos do público. 
Por incrível que pareça, o teatro voltou à cena na Europa por meio da Igreja. 
Na época medieval, havia duas formas de se fazer teatro, as chamadas peças de 
“mistérios” (mystery plays) e as de “milagres” (miracle plays). Os mistérios eram uma 
espécie de peça religiosa introduzida na Inglaterra pelos normandos, baseadas em 
personagens das Sagradas Escrituras. Tratavam dos milagres de Cristo e seus 
seguidores. Essas peças passaram por um processo de secularização quando 
começaram a ser representadas não mais no pátio das igrejas, mas em lugares 
públicos. Se antes os “atores” eram homens religiosos, agora eram laicos. 
Literatura Inglesa | 
A Renascença 
www.cenes.com.br | 27 
Os mistérios e milagres eram representados no dia mais longo do verão nórdico, 
ou seja, na festividade de Corpus Christi. Esse era o dia escolhido pelos representantes 
das diferentes guildas para encenarem as peças baseadas em incidentes da Bíblia. 
Cada uma das guildas escolhia um dos incidentes da Bíblia para representar: “A Queda 
de Lúcifer”, “A Última Ceia”, “Os Três Magos” e outros. 
Conforme dissemos, no século XV há um processo de secularização. Aparecem, 
então, as peças chamadas “moralidade” (morality plays) e “interlúdios” (interludes). As 
moralidades eram alegorias religiosas ou semirreligiosas. Seu objetivo era, justamente, 
ensinar uma lição moral: apresentavam ideias abstratas como se fossem pessoas. Por 
exemplo, na peça Everyman (Todos nós), a Morte aparecia a Everyman e chamava os 
amigos para acompanhá‑lo em sua morte: A Beleza, Os Cinco Sentidos, O Poder, A 
Inteligência. Mas só Boas Ações estava disposta a viajar ao túmulo com ele. Assim, 
Everyman aprendia que nem os prazeres, nem os amigos nos ajudam no caminho à 
morte. Finalmente, os interlúdios eram peças encenadas nos castelos e casas de 
pessoas ricas, durante eventos ou comemorações. 
Na época elisabetana, duas formas de teatro vão se impor: a tragédia e a 
comédia, mostrando a influência dos clássicos, elemento característico da Renascença. 
Brooke e Shaaber (1977, p. 460) explicam que não havia uma tradição inglesa no 
gênero tragédia. Então, as primeiras peças trágicas eram baseadas em Sêneca e 
começaram a ser escritas por volta de 1580, por fidalgos inspirados no escritor 
romano. 
O teatro inglês, por sua vez, pode se dividir em duas fases: antes e após William 
Shakespeare. Como dito, durante a época dos Tudors houve um processo de 
secularização. Nessa época, aparece um grupo de homens chamados de university 
wits, ex‑alunos de Oxford e Cambridge. Esses jovens eram talentosos, mas sem 
dinheiro, e, diferentemente dos copistas da Idade Média, não desejavam se tornar 
clérigos. Então, adotavam profissões seculares, por exemplo, a escrita de peças de 
teatro. 
Essas peças eram primeiramente representadas nas tavernas de Londres, uma 
das cidades mais prósperas da Europa, para onde convergiam pessoas de todo o 
continente. Já que hóspedes chegavam à taverna todos os dias, as peças começaram 
a ser representadas diariamente. Como isso produzia grande comoção em Londres, o 
Conselho da Cidade baniu a representação das peças dentro dos limites da cidade. 
Então, sir James Burbage, diretor da Companhia Leicester, construiu um teatro 
fora dos limites de Londres, em 1576, chamado The Theatre. Em 1578, Philip Henslow 
Literatura Inglesa | 
A Renascença 
www.cenes.com.br | 28 
construiu The Rose. Em 1594, foi construído The Swan. Shakespeare construiu The 
Globe em 1598. Nesses teatros, atuavam duas grandes companhias: The Lord 
Chamberlain, que logo se chamou The King’s Men, e The Lord Admiral’s. 
Um dos grandes autores do gênero foi Christopher Marlowe (1564‑1593), 
relegado à sombra de William Shakespeare até ser redescoberto pelos críticos do 
Romantismo no século XIX. Isso vem mostrar, como já temos observado, que os 
escritores entram no cânone não só pelo valor da suas metáforas, mas por outras 
motivações conjunturais. 
A curta vida de Marlowe continua sendo um mistério até os nossos dias. Sabe‑se 
que ele nasceu na Cantuária, filho de um sapateiro, e educou‑se em Cambridge, 
morrendo assassinado em uma briga de taverna aos 29 anos. Há a suspeita de que 
Marlowe possa ter sido um espião, fato que pode ter contribuído para perpetuar o 
enigma sobre a sua pessoa até os nossos dias. 
Marlowe escreveu poesia e teatro. Suas peças mais conhecidas são Tamberlaine, 
The Great (Tamerlão, O Grande), The Jew of Malta (O Judeu de Malta) (1589) e Fausto. 
Marlowe era habilidoso em condensar a lírica em belos versos brancos e fez do uso 
metafórico da linguagem uma parte estrutural das peças de teatro, ou seja, combinou 
a poesia e o teatro, dando uma nova força à ação dramática, logo aperfeiçoada por 
Shakespeare. Em Edward II (Eduardo II), Marlowe transformou a primeira crônica 
histórica em uma peça de teatro, formato também desenvolvido por Shakespeare em 
suas famosas peças históricas. 
O tema central das peças e poemas de Shakespeare é a maneira como as 
autoridades corruptas e os deuses ferozes oprimem o indivíduo, e como este busca 
sua liberdade. Em outro nível, em uma época de forte nacionalismo, sua paixão pela 
verdade e a justiça revelam‑se em suas personagens, seres alheios e excluídos da 
cultura inglesa, como um pesquisador alemão, um judeu de Malta, um turco, uma 
rainha africana: “Melhor um turco honesto ou um judeu leal do que um cristão sem 
fé”. A sua discussão da relação entre judeus, islamitas e cristãos tem centralidade no 
nosso complexo cenário multicultural de hoje. 
Na comédia, destaca‑se o nome de Ben Jonson (1572‑1637). Algumas vezes, sua 
sátira levou as autoridades a fecharem os teatros e levarem à prisão o dramaturgo e 
seus atores. Sua peça mais conhecida é Every Man in His Humor. Aparentemente, a 
peça é uma comédia italiana, gênero popular na época. Porém, se percebe nas 
entrelinhas uma ácida crítica à sociedade inglesa. Ele critica a insinceridades e as 
banalidades da época. A fonte de humor são as personagens e suas obsessões. Brooke 
Literatura Inglesa | 
A Renascença 
www.cenes.com.br | 29 
e Shaaber (1977, p. 560) explicam a peça como um esforço em utilizar o teatro como 
sátira social e assim fugir da censura da época. 
 
6.2 William Shakespeare 
Nesta época, William Shakespeare(1564‑1616) tornou‑se o grande nome do 
teatro inglês. Sua figura tem as mesmas dimensões que Camões nas culturas de língua 
portuguesa, Cervantes nas culturas de língua espanhola ou Dante nas culturas de 
língua italiana. Autor de comédias, tragédias, peças históricas e sonetos, Shakespeare 
nasceu no quinto ano do reinado da rainha Elizabeth I, em Stratford‑upon‑Avon, no 
centro rural da Inglaterra, rico em lendas e associado com as personagens da Guerra 
das Duas Rosas. Shakespeare frequentou a Stratford Grammar School, de ótima 
reputação. Aos 18 anos, casou com Anne Hathaway, e o nascimento de seus três filhos 
deu fim a sua educação. 
Em pouco tempo, partiu para Londres seguindo sua vocação para o palco. Antes 
de 1594, já era amigo de Earl of Southampton, a quem dedicou a maioria de seus 
sonetos. Foi um dos principais atores na Companhia de Lord Chamberlain, que em 
1603 passou a ser patrocinado pelo rei James I. Seu nome apareceu por escrito pela 
primeira vez em 1594, com a publicação de sua peça Titus Andronicus. Já em 1599, 
era o dono do Teatro Globo. Então, Shakespeare parou de atuar e dedicou‑se a 
escrever peças de teatro. Em 1609, seus sonetos foram publicados. Após sua morte 
em 1616, suas peças foram coletadas e publicadas no First Folio, em 1623. 
Nos últimos três séculos, Shakespeare tem sido estudado e reescrito inúmeras 
vezes, adquirindo diferentes significados em diferentes contextos culturais. Foi no final 
do século XVIII e no começo do XIX, no auge do império britânico, que sua fama 
alcançou níveis de idolatria, e sua metáfora foi elevada ao nível de narrativa nacional, 
tornando‑se elemento de dominação entre as culturas colonizadas pelos ingleses. Ele 
foi um dos primeiros escritores a ser incluído no cânone inglês, quando a literatura 
inglesa tornou‑se tema de estudo para trabalhadores, mulheres e colonizados. 
Posteriormente, ascendeu ao currículo da Universidade de Cambridge, na Inglaterra. 
Hoje, Shakespeare é representado não só no teatro, mas também no cinema e 
na televisão. Suas peças têm sido rescritas e adaptadas a diferentes momentos 
históricos, como a peça histórica Richard III, que foi posteriormente ambientada 
durante o nazismo, traçando um paralelo entre o rei Ricardo e Adolf Hitler. Hamlet foi 
reescrita pelo dramaturgo Tom Stoppard a partir da perspectiva de duas personagens 
Literatura Inglesa | 
A Renascença 
www.cenes.com.br | 30 
menores da peça em Rosencratz and Guildenstern are Dead. Romeo and Juliet tem 
sido reescrita inúmeras vezes, recriando o cenário italiano ou em um cenário inglês, 
ou norte‑americano, como a última versão, com Leonardo Di Caprio. Da mesma 
maneira, a vida de Shakespeare foi recriada no filme Shakespeare in Love, no qual 
Shakespeare é autor, ator e tema principal. 
No entanto, sua fama também teve seus dias obscuros. Por ser considerado um 
escritor perfeito, quase sobrenatural, passou‑se a duvidar se teria sido ele mesmo o 
autor de suas peças e sonetos, ou se elas não teriam sido compostas por Christopher 
Marlowe, por exemplo. Muito se tem falado da originalidade de Shakespeare, 
alegando que seus temas não eram novos. Suas fontes foram variadas: romances 
italianos e franceses, livros de viagem, poemas latinos. Para suas tragédias e peças 
históricas, as fontes eram tristes histórias da morte de reis, crônicas, livros de história, 
biografias, peças mais antigas. Muitas vezes, suas peças eram reescritas de outras 
estórias já existentes. Sua arte, porém, não residia na novidade de seus temas, mas na 
qualidade e no vigor de seus enredos. Por isso se fala que Shakespeare “put new wine 
into old bottles”. 
Assim, por meio das peças de Shakespeare, podemos nos transladar dos campos 
de batalha da Guerra das Duas Rosas à Dinamarca de Hamlet, da Verona de Romeu e 
Julieta à ilha de Próspero, no novo mundo e, em todos os casos, aos intrincados 
labirintos que são a alma e o coração humano. Então, seu público se defrontava tanto 
com cenas relacionadas a sua cultura (em que eles se reconheciam nas personagens 
no palco), como com cenas de mundos desconhecidos e atraentes. 
Como no caso de Marlowe, suas peças se caracterizam pela riqueza poética. 
Shakespeare sugeria por meio das palavras (metáforas e imagens) o que não podia 
ser representado com gestos. Suas personagens principais, de classe alta, falam em 
versos, enquanto as personagens menores falam em prosa. Como exemplo, 
lembremos o belo soneto de Romeu, quando vê Julieta pela primeira vez (Ato I. Cena 
V), entrelaçando a linguagem poética e a ação dramática (SHAKESPEARE, 1993): 
O she does teach the torches to burn bright! 
It seems she hangs upon the cheek of night 
As a rich jewel in an Ethiop’s ear; 
Beauty too rich for use, for earth so dear. So shows a snowy dove trooping 
with crows, As yonder lady o’er her fellows shows. 
Literatura Inglesa | 
A Renascença 
www.cenes.com.br | 31 
The measure is done, I’ll watch her place of stand, And, touching hers, make 
blessed my rude hand. Did my heart love till now? Forswear it, sight, For I never 
saw true beauty till this night. 
 
O uso da linguagem, desde a metáfora sofisticada até as falas e o humor 
corriqueiros, mostra que Shakespeare se dirigia a todo tipo de público, podendo 
encenar suas peças tanto na corte da rainha Elizabeth ou do rei James I, seu sucessor, 
como nos teatros frequentados por populares, mesmo com tempo inclemente. O 
interesse maior era envolver seu público com as ações no palco. Por isso, as peças 
estão estruturadas como uma pirâmide hierárquica: começam com personagens 
representando as pessoas mais simples discutindo o tema a ser dramatizado até 
surgirem as personagens principais. 
Os enredos são compactos e simples, baseados em conflitos humanos, 
entrelaçados por meio de uma relação de causa e efeito. Um exemplo seria o prólogo 
de Romeu e Julieta, no qual a ação e o tema da peça são apresentados de maneira 
precisa por meio de uma linguagem metafórica de grande efeito (SHAKESPEARE, 
1993): 
Two households, both alike in dignity, 
In fair Verona where we lay our scene, 
From ancient grudge break the new mutiy, 
Where civil blood makes civil hands unclean 
From forth the fatal loins of these two foes 
A pair of star‑crossed lovers take their life; 
Whose misadventured piteous overthrows 
Does with their death bury their parents’ strife 
The fearful passage of their death‑marked love, 
And the continuance of their parents’ rage, 
Which, but their children’s end, nothing could remove, 
Is now the two hours’ traffic of our stage, 
The which, if you with patient ears attend, 
Literatura Inglesa | 
A Renascença 
www.cenes.com.br | 32 
What here shall miss, our toil shall strive to mend. 
 
As tragédias originam‑se nas paixões humanas; na ambição, nos ciúmes, no ódio, 
na vingança, e acabam em morte, como mostra a última fala de Romeu e Julieta 
(SHAKESPEARE, 1993): 
A glooming peace this morning with it brings; The sun for sorrow will not 
show his head. 
Go hence, to have more talk of these sad things. 
Some shall be pardoned, and some punished; For never was a story of more 
woe Than this of Juliet and her Romeo. 
 
Porém, nessas sombrias tragédias, em que os conflitos humanos se dramatizam 
em toda sua complexidade e crueza, nunca falta o elemento de humor que ajuda a 
distender as tensões criadas pela natureza dessa narrativa. Um exemplo seria o 
diálogo entre os criados da casa dos Capuletos, no início de Romeu e Julieta 
(SHAKESPEARE, 1993): 
Sampson: Gregory, on my word, we’ll not carry coals. 
Gregory: No, for then we should be colliers. 
Sampson: I mean, and we be in choler, we’ll draw. 
Gregroy: Ay, while you live, draw your neck out of collar. 
 
Nas comédias, o amor é o principal elemento, mas devido à mudança de fortuna 
ou confusões, há uma série de obstáculos entre os amantes, até que aos poucos são 
superados e tudo acaba em casamento. O tomsempre é de grande alegria e o ritmo 
da ação é dinâmico, em particular pela qualidade dos diálogos entre as personagens, 
que são verdadeiras batalhas de engenho e inteligência (battle of wits), em que 
discutem as suas diferenças enquanto a atração e a admiração que um sente pelo 
outro tornam‑se mais fortes e evidentes. 
Nas peças históricas, Shakespeare elogiava a monarquia dos Tudors ao mesmo 
tempo em que analisava os valores associados a esse sistema de governo, como a 
lealdade e a autoridade. 
Literatura Inglesa | 
A Idade de Razão 
www.cenes.com.br | 33 
As peças de Shakespeare (comédias, tragédias e dramas históricos) podem ser 
divididas em três períodos. No primeiro (1590‑1595), às vezes classificado como 
período da experiência, encontramos as seguintes peças: Henry V, Henry I, Henry II, 
Henry III; Titus Andronicus (Tito Andrônico); Love’s Labours Lost (Trabalhos de Amor 
Perdido); Comedy of Errors (Comédia de Errores); Two Gentlemen of Verona (Os Dois 
Cavaleiros de Verona); Richard III (Ricardo III). 
As peças do segundo período (1595‑1599), conhecido como período do 
desenvolvimento, também chamado do período das comédias, porque, além da 
tragédia Romeo and Juliet, e dos dramas históricos Henry IV e Henry V, inclui as 
seguintes comédias: A Midsummer Night’s Dream (Sonho de uma Noite de Verão); 
The Merchant of Venice (O Mercador de Veneza); The Merry Wives of Windsor (As 
Alegres Comadres de Windsor); Much Ado about Nothing (Muito Barulho por Nada) 
e As You Like It (Como Gostais). 
O terceiro período (1600‑1608) é o das tragédias: Hamlet; Othello; King Lear (Rei 
Lear); Macbeth. 
 
7 A Idade de Razão 
7.1 Os Poetas Metafísicos – John Donne 
Os poetas metafísicos são um grupo de poetas do século XVII que escreviam 
poesias associadas a temas espirituais e filosóficos. Entre eles, o mais notável é John 
Donne (1572‑1631). Outro poeta dessa denominação é Andrew Marvell. O seu estilo 
é uma combinação da linguagem do dia a dia e do uso de jogos de palavras, 
paradoxos e uma figura retórica chamada “conceitos”: justaposição e comparação de 
objetos dessemelhantes. Às vezes, os poemas tomam a forma de argumentos, porque 
esses poetas relacionam emoções intensas com o engenho intelectual. 
A produção literária de John Donne pode ser divida em duas partes: a produção 
poética do jovem Jack Donne, em que o desejo carnal é o principal tema, e as poesias 
e sermões religiosos do Dr. Donne, escritos após ser ordenado pastor da igreja da 
Inglaterra, em 1615, e ter se tornado capelão do rei James I. 
O caráter da poesia de Donne é dialógico. Nela, o poeta tenta reconciliar os 
valores medievais com a concepção moderna do universo: a especulação religiosa, o 
desejo carnal e espiritual, a relação entre pensamento e sentimentos, o conflito 
Literatura Inglesa | 
A Idade de Razão 
www.cenes.com.br | 34 
permanente entre a fé e a razão. Daí o caráter alusivo da sua poesia, com sua forma 
elíptica, tom argumentativo, rima irregular e o uso dos conceitos que, por um lado, 
dificultam a leitura e, por outro, tornam sua poesia tão atual. 
Como exemplo, vejamos um de seus poemas mais conhecidos, The Flea, em que 
Donne utiliza a figura da pulga (flea), humoristicamente associada na Renascença ao 
ato sexual, para convencer a sua dama a lhe entregar sua virgindade: se a pulga une 
seus sangues ao sugar ambos, por que eles não poderiam fazer o mesmo? 
 
The Flea 
Mark but this flea, and mark this, 
How little that which you deny me is; 
It sucked me first, and now sucks thee, 
And in this flea, our bloods mingled be; 
You know that this cannot be said 
A sin, nor shame, nor loss of maidenhead, 
Yet this enjoys before it woes 
And pampered swells with one blood made of two, 
An this, alas, is more than we would do (HAYWARD, 1950, p. 43). 
 
Podemos observar nesta estrofe o tom bem‑humorado e atrevido com que o 
poeta expõe o tema do poema, diferenciando‑se da poesia de amor cavalheiresca por 
ser mais lógico do que sentimental. Retomando a figura do conceito, o poeta se utiliza 
de algo tão vulgar como o picar de uma pulga para sugerir o ato sexual. 
Foi esse mesmo Donne que escreveu poesia e sermões religiosos. Seu tom, 
porém, mais do que de reverência pelo sagrado, toma a forma de uma argumentação 
filosófica sobre a fé. Vejamos A Hymn to God the Father, poema que ele fazia cantar 
na capela de Saint Paul (onde era capelão): 
Will you forgive that sin where I began. 
Which is my sin, though it were done before? Will you forgive those sins, 
Literatura Inglesa | 
A Idade de Razão 
www.cenes.com.br | 35 
through which I run, And do run still: though I still do deplore? When you have 
done so, you have not done so, For, I have more (HAYWARD, 1950, p. 57). 
 
Como se pode perceber, esta estrofe está organizada ao redor de um paradoxo. 
O eu lírico confessa ser um pecador e pede a Deus para lhe perdoar o pecado por 
meio do qual foi concebido, embora este tenha sido cometido antes de ele nascer. 
Logo após, pede a Deus para lhe perdoar os pecados cometidos, dos quais se 
arrepende, mas os continua a cometer, como o faz todo o resto da humanidade. 
Conclui dizendo que, se Deus finalmente o perdoa, na verdade, não o faz, pois ele tem 
mais pecados para cometer. 
 
7.2 O Paraíso Perdido, de John Milton 
O poeta John Milton (1608‑1674) envolveu‑se na luta entre anglicanos e 
puritanos, colocando‑se do lado dos puritanos na Guerra Civil (1642‑1647) e logo 
participando do Protetorado de Oliver Cromwell, que, como já foi dito, ficou também 
conhecido como o Interregnum, período de governo entre dois reinos, o de Charles I 
e Charles II. 
Milton escreveu vários panfletos, como The Tenure of Kings and Magistrates (no 
momento em que Charles I foi decapitado), ressaltando que a autoridade dos reis 
derivava do povo e esse tinha o direito de tomar a justiça nas suas mãos. Após sua 
publicação, Milton foi nomeado Secretário de Línguas Estrangeiras. Com a morte de 
Cromwell e a restituição de Charles II à coroa inglesa, Milton sofreu perdas 
econômicas, precisando se afastar da vida pública, mas vivendo em paz, dedicando‑se 
à sua paixão de juventude: a poesia. 
Ele pode ser considerado o poeta do protestantismo, compartilhando sua fé no 
individualismo, seu caráter revolucionário, sendo um guia espiritual no dia a dia e 
interpretando os signos segundo a sua conveniência. 
Embora Milton tenha estudado no Christ’s College, em Cambridge, porque o seu 
pai, um puritano de boa classe social, queria que fosse ministro, cedo resolveu que a 
igreja não seria o seu lugar, desejando ser poeta. Antes de acabar os estudos, já havia 
publicado poemas, como a famosa Ode to Shakespeare, tornada parte do prefácio do 
segundo folio com as obras completas do bardo inglês. Entre seus poemas, 
encontram‑se L’Allegro, Il Penseroso e Samson Agonistes. Suas experiências religiosas 
Literatura Inglesa | 
A Idade de Razão 
www.cenes.com.br | 36 
tomaram a forma de seus mais famosos poemas, Paradise Lost e Paradise Regained. 
Milton pensava que sua poesia era a melhor maneira de servir a seu Deus. 
Paradise Lost foi publicado em 1667, durante a Restauração. É um poema 
didático, motivado por razões morais, religiosas e patrióticas. Milton acreditava que a 
melhor maneira de servir a seu país era expressando ideais nobres e religiosos por 
meio da sua poesia. Sua fonte de inspiração foi a versão da Bíblia publicada pelo rei 
James, citada literalmente pelo poeta, tanto o Velho como o Novo Testamento. A 
estrutura épica do poema foi inspirada pela A Ilíada, de Homero, e A Eneida, de 
Virgilio. Essa erudição clássica faz com que o poema seja de leitura difícil, portanto, 
para poucos. 
Paradise Lost é a obra de um homem que ficara cego em 1651 e sentia‑se 
desapontado com o curso que os eventos tinham tomado na Inglaterra com o fim do 
Protetorado e a Restauração. O poema narra a estória da queda de Adão doParaíso 
(estando aí a origem do título), como rezam os versos de abertura do Livro I do poema 
(LE COMTE, 1961, p. 4): 
Of Man’s first disobedience and the fruit 
Of that forbidden tree whose mortal taste 
Brought death into the world and all our woe, 
With loss of Eden, till one greater Man 
Restore us and regain the blissful seat, 
Sing, Heavenly Muse… 
 
Mas, o poema pode ser lido como uma analogia ao fim do Protetorado. Assim, 
muitas das suas passagens são comentários relativos à situação política da Inglaterra 
e críticas à corte de Charles II, relacionando a queda de Adão à perda da sua própria 
liberdade, ao final do Protetorado e ao pecado original. Em outras palavras, por meio 
de seu poema, Milton dizia aos ingleses que o fracasso em estabelecer uma boa 
sociedade e a volta da monarquia deviam‑se à fraqueza do povo inglês. 
Porém, embora a Revolução Puritana tenha sido derrotada com a volta da 
monarquia, houve mudanças consideráveis ao se limitar o poder do rei e inaugurar 
uma época de maior tolerância. 
Literatura Inglesa | 
Crítica à Nova Ordem Industrial: A Poesia do Romantismo 
www.cenes.com.br | 37 
 
8 Crítica à Nova Ordem Industrial: A Poesia do Romantismo 
Vamos nos focar agora no período associado com o Romantismo inglês, entre 
1770 e 1840. Considera‑se seu começo a publicação das Lyrical Ballads (Baladas 
Líricas), em 1798, pelos poetas William Wordsworth e Samuel Taylor Coleridge. O 
prefácio de Wordsworth à segunda edição dessa obra, em 1800, é conhecido como o 
“manifesto político” do Romantismo. 
Os poetas associados com o Romantismo dividem‑se em dois grupos. Os da 
primeira geração são William Blake (1757‑1827), considerado o precursor do 
Romantismo, William Wordsworth (1770‑1850) e Samuel Taylor Coleridge 
(1732‑1834). Os da segunda geração são George Gordon, Lord Byron (1788‑1824), 
John Keats (1795‑1821) e Percy Bysshe Shelley (1792‑1822). 
O Romantismo foi produto do movimento social, político e cultural inspirado na 
profunda mudança de sensibilidade, resultado da Revolução Francesa e da Revolução 
Americana, e afetou não só a literatura, mas todas as artes. Na esfera intelectual, 
implicou uma reação violenta contra o racionalismo do Iluminismo e o interesse na 
literatura neoclássica da Idade da Razão. Na esfera social, foi a favor dos movimentos 
humanitários, como a luta contra a escravatura e a melhora das condições de vida dos 
trabalhadores. Um dos poemas que melhor retrata essa atitude é London, de William 
Blake, em que o poeta retrata as ruas da cidade como indiferentes aos sofrimentos 
dos tristes seres que por elas transitam, o limpa‑chaminés, o soldado destituído, a 
mulher reduzida à condição de prostituta (AUDEN; PEARSON, 1978, p. 10): 
I wander thro’ each charter’d street, 
Near where the charter’d Thames does flow, And mark in every face I meet 
Marks of weakness, marks of woe. 
In every cry of every Man, 
In every Infant’s cry I fear, 
In every voice, in every ban, The mind‑forg’d manacles I hear. 
How the Chimney sweeper’s cry 
Every blackning Church appalls; And the hapless Soldier’s sigh Runs in blood 
down Palace walls. 
Literatura Inglesa | 
Crítica à Nova Ordem Industrial: A Poesia do Romantismo 
www.cenes.com.br | 38 
But most thro’ midnight streets I hear 
How the youthful Harlot’s curse 
Blasts the new‑born Infant’s tear, 
And blights with plagues the Marriage hearse. 
 
A filosofia do Romantismo foi de afirmação do “ser” e do valor da “experiência 
individual” e um profundo sentido do “transcendental e infinito”. Terry Eagleton (1992, 
p. 18) explica que o conceito de literatura, como é conhecido hoje, apareceu no final 
do século XVIII, princípio do XIX, com os poetas do Romantismo. A categoria de 
literatura foi limitada àqueles textos considerados “produtos da imaginação”, com o 
propósito de distinguir os textos literários (em particular, a poesia) dos escritos 
utilitários da sociedade industrial. 
Sua principal estratégia de composição foi a “imaginação”. Então, se na Idade da 
Razão a imaginação do escritor (Dryden, Pope, Johnson) era limitada às formas ditadas 
pelos gêneros clássicos e pela razão, no Romantismo a “imaginação” foi a principal 
estratégia de composição. Assim, enquanto na Idade da Razão o poeta era 
considerado um “intérprete”, no Romantismo o poeta era um “criador”. 
Por meio da imaginação, o poeta, diferentemente do homem comum, tinha a 
capacidade de “transcender” o mundo material e físico e ascender ao mundo 
espiritual. Essas visões lhes revelavam grandes verdades, as quais eram transmutadas 
em poemas. Neste sentido, a imaginação era muito mais poderosa que a razão. 
 
8.1 William Wordsworth 
O poema The Daffodils (Os Narcisos), de William Wordsworth, exemplifica esse 
processo transcendente, ao transformar o contato do poeta com a natureza em 
poesia. A natureza foi o tema principal de sua obra (AUDEN; PEARSON, 1978, p. 168): 
 
The Daffodils 
I wandered lonely as a cloud 
That floats on high o’er vales and hills, 
Literatura Inglesa | 
Crítica à Nova Ordem Industrial: A Poesia do Romantismo 
www.cenes.com.br | 39 
When all at once I saw a crowd 
A host, of golden daffodils; Beside the lake, beneath the trees, Fluttering 
and dancing in the breeze. 
Continuous as the stars that shine 
And twinkle on the milky way, 
They stretched in never‑ending line Along the margin of the bay: 
Ten thousand saw I at a glance, 
Tossing their heads in sprightly dance. 
The waves beside them danced; but they Out‑did the sparkling waves of 
glee: A poet could not but be gay In such a jocund company: 
I gazed –and gazed‑ but little thought 
What wealth the show to me had brought; 
 
Nessas três primeiras estrofes, o eu lírico encontra‑se sozinho em um vale, entre 
os cerros, e tem sua atenção centrada em um belo campo de narcisos dançando na 
brisa, ainda mais belos e brilhantes que as estrelas do firmamento e as ondas do lago. 
O processo iniciado com o verbo see (olhar) da primeira estrofe, glance (olhada rápida) 
da segunda estrofe e gaze (fixar o olhar) da terceira estrofe mostra como o poeta 
“transcende” os planos físico e material. 
Uma vez sozinho no seu quarto, perdido em seus pensamentos (quarta estrofe), 
o eu lírico começa a “enxergar” os narcisos com o “olho” da imaginação, chamado 
pelos poetas românticos de o “terceiro olho”. A associação se dá em decorrência da 
pronúncia do pronome “I”, /ai/, e do substantivo “eye”, também pronunciado /ai/. A 
visão do poeta se concretiza no poema (AUDEN; PEARSON, 1978, p. 168): 
For off, when on my couch I lie 
In vacant or in pensive mood, 
They flash upon the inward eye 
Which is the bliss of solitude; 
And then my heart with pleasure fills, And dances with the daffodils. 
Literatura Inglesa | 
A Poesia Vitoriana 
www.cenes.com.br | 40 
 
A “beleza” dos narcisos revela ao poeta uma grande “verdade”: a grandiosidade 
da natureza, que está sendo destruída pelo desenvolvimento industrial. Neste sentido, 
a poesia romântica não é mero escapismo, ou uma dissociação do dia a dia, mas uma 
crítica política e social. Como explica Eagleton (1983, p. 18‑19), a literatura 
transmuta‑se, então, em uma força que pode transformar a sociedade. 
As características formais da literatura do Romantismo favorecem a inovação 
mais do que a tradição. O seu tema é o do dia a dia do homem comum, como o 
poema Os narcisos revela. O Romantismo viola as regras da literatura neoclássica ao 
utilizar a linguagem do homem comum. O poeta confunde‑se com o eu lírico e surge 
a ideia do herói romântico, pois os poetas se consideravam os profetas da época. 
Como diz Wordsworth em seu poema The Prelude (O Prelúdio): “Go to the Poets; they 
will speak to thee / More perfectly of purer creatures”. 
Da mesma maneira, o processo de composição é espontâneo, no sentido de 
seguir o fluir dos sentimentos do poeta. Esse aspecto decide a estrutura do poema, 
uma vez queprivilegia a imaginação do poeta em vez de seguir estritas regras de 
composição. 
 
9 A Poesia Vitoriana 
Como temos visto, o gênero por excelência do período vitoriano foi o romance. 
Porém, houve um grupo de poetas e pintores autodenominados “Movimento 
Pré‑Rafaelista” (Pre‑Raphaelite Brotherhood) que reclamava a mesma liberdade na 
escolha dos temas dos pintores anteriores a Rafael. Eles achavam que as poses 
clássicas e elegantes das pinturas de Rafael eram artificiais e haviam corrompido o 
ensino da arte na academia. Esse movimento foi também uma revolta contra a 
influência do pintor inglês sir Joshua Reynolds e sua tradição do “grande estilo”, 
baseado nos temas e estilos dos grandes pintores do passado. 
A figura mais representativa do movimento foi o poeta‑pintor Dante Gabriel 
Rossetti (1828‑1882), filho de exilados políticos italianos. Sua arte foi influenciada pela 
literatura de Dante e da época medieval. Para Rosetti, o foco da poesia deveria ser a 
discussão da beleza e não do dia a dia. Aos poucos, foi se afastando do realismo 
pré‑rafaelita para o mundo dos sonhos. Esse conflito entre o realista e o visionário 
aparece em seu poema The Blessed Damozel, cujo tema narra a estória de uma moça 
Literatura Inglesa | 
A Poesia Vitoriana 
www.cenes.com.br | 41 
que morre e deseja entrar no Paraíso, mas somente se o fizer com seu amado. Nele, 
as imagens sensuais fundem‑se com elementos da literatura de Dante. Assim começa 
a primeira estrofe (ROSSETTI, 1850): 
The blessed damozel lean’d out 
From the gold bar of Heaven; 
Her eyes were deeper than the depth 
Of waters still’d at even; She had three lilies in her hand, 
And the stars in her hair were seven. 
 
Para Rossetti, as referências ao mundo do sonho, ao misterioso, ao mágico e ao 
antigo não são simplesmente ornamentais: revelam a tênue distancia entre o 
consciente e o inconsciente. 
No entanto, o grande poeta da época vitoriana foi Alfred Tennyson (1809‑1892). 
Em 1850, foi nomeado Poeta Laureado, cargo oficial do Estado que teve até sua morte 
em 1892, recebendo favores da rainha Vitória. Os temas de suas poesias são variados. 
Podemos mencionar In Memorian, elegia pela morte de um amigo, e The Charge of 
the Light Brigade, poema sobre a Guerra da Crimeia, o espírito nacionalista e o papel 
imperial da Inglaterra, como reza um de seus versos: “The song that nerve’s a nation’s 
heart / Is in itself a deed” (TENNYSON, 1992). 
A obra de Tennyson nem sempre é bem recebida. Embora seus poemas revelem 
sua habilidade no uso das estratégias literárias, no seu papel de Poeta Laureado, 
aceitou sem questionamento os valores vitorianos. 
Os poetas Robert Browning (1812‑1889) e Elizabeth Browning, sua esposa, são 
colocados lado a lado com Tennyson. A poesia de Robert caracteriza‑se pela sua 
complexidade e dificuldade na leitura. Ainda hoje, após quase dois séculos de 
interpretação, seu poema Sordello (1840), sobre a Itália medieval, continua sendo 
obscuro para os críticos. 
Elizabeth Browning foi muito mais apreciada na sua época pela emoção suscitada 
por sua escrita. Os temas de sua poesia são as causas nobres, como a reforma social, 
os problemas das classes menos favorecidas e a condição da mulher. Um de seus 
poemas mais conhecidos é o extenso Aurora Leigh (1857), composto em oito partes. 
Como seu marido, Elizabeth também recebeu críticas, pois acreditava‑se que sua 
Literatura Inglesa | 
A Literatura Irlandesa: A Renovação da Literatura Inglesa 
www.cenes.com.br | 42 
temática teria sido mais bem desenvolvida em prosa do que em poesia e de maneira 
mais sucinta. 
 
10 A Literatura Irlandesa: A Renovação da Literatura Inglesa 
Muitos poetas, dramaturgos e romancistas são estudados como parte da 
tradição inglesa sem, contudo, serem ingleses. Entre eles, estão os irlandeses William 
Butler Yeats, Oscar Wilde, George Bernard Shaw e James Joyce. Entendemos ter sido 
justamente a oposição desses artistas ao domínio inglês a origem das novas vozes 
que contribuíram para uma renovação da tradição inglesa. 
 
10.1 William Butler Yeats 
Como no caso do romance, com Henry James e Joseph Conrad, na poesia há um 
nome que se destaca e se diferencia dos poetas vitorianos, porque prenuncia o 
Modernismo: o irlandês William Butler Yeats (1865‑1939). É interessante notar que, no 
final do período vitoriano, a literatura renova‑se com romancistas e poetas escrevendo 
em língua inglesa, mas se diferenciando pela sua cultura de origem. Por toda sua 
admiração pelos ingleses, James era de uma ex‑colônia, os Estados Unidos. Yeats, por 
sua vez, começou a escrever quando a República da Irlanda era ainda parte do Reino 
Unido, tendo acompanhado o processo de independência irlandês, tema frequente 
em sua poética. 
Como James, Yeats foi um poeta dividido entre dois séculos. Começou à maneira 
dos poetas vitorianos, mas tentando estabelecer seu próprio estilo, escrevendo versos 
de arrebatadora beleza lírica. Tornou‑se um dois maiores poetas do século XX, cuja 
influência perdura até os nossos dias. 
Embora educado na tradição dos poetas românticos ingleses, cedo Yeats 
descobriu a literatura irlandesa, que daria origem ao Renascimento Irlandês, que pode 
ser traduzido como o movimento de resistência ao poder inglês a partir da cultura. 
Esse movimento cultural foi de grande importância para o Levantamento de 1916 
(Rising of 1916) e para o estabelecimento do Estado Irlandês Livre em 1921. 
Yeats percebeu que a Irlanda poderia achar em sua própria história os meios para 
alcançar independência de pensamento, para ele tão ou mais importante do que a 
independência política. Seu objetivo era construir uma tradição literária nacional que, 
Literatura Inglesa | 
A Literatura Irlandesa: A Renovação da Literatura Inglesa 
www.cenes.com.br | 43 
embora escrita em inglês, fosse irlandesa em espírito e fizesse os irlandeses se 
sentirem orgulhosos da sua cultura e identidade nacional, como revela a primeira 
estrofe do poema To Ireland in the Coming Times (1892): 
Know, that I would acounted be 
True brother of a company 
That sang, to sweeten Ireland’s wrong, 
Ballad and story, rann and song; 
Nor be I any less of them, 
Because the red‑rose‑bordered hem 
Of her, whose history began Before God made the angelic clan, Trails 
all about the written page. 
When time began to rant and rage 
The measure of her flying feet 
Made Ireland’s heart begin to beat; 
And Time bade all his candles flare 
To light a measure here and there; 
And may the thoughts of Ireland brood 
Upon a measured quietude (JEFFARES, 1988, p. 3). 
 
Com a chegada do século XX, a poesia de Yeats entra em um período de 
renovação e adere ao desejo de “tornar novo” dos escritores do Modernismo. Da 
perspectiva de um homem maduro, a sua poesia se destaca pela maestria no uso da 
linguagem e vai articular um período de mudanças históricas na Irlanda, com toda a 
sua violência, paixão, amor e ódio. Yeats faz uma dura crítica ao nacionalismo radical, 
e essa postura se reflete nos versos de seu poema Remorse for Intemperate Speech 
(1931): 
Out of Ireland have we come. Great Hatred little room, Maimed us at 
the start. 
I carry from my mother’s womb A fanatic heart (JEFFARES, 1988, p. 
Literatura Inglesa | 
O Teatro 
www.cenes.com.br | 44 
53). 
 
Foi o seu gênio criador que ajudou Yeats a lidar com os temas de sua época na 
Irlanda: a revolução, a guerrilha, a guerra civil e a criação de um novo Estado. Todas 
as temáticas aparecem articuladas com maestria em outro de seus poemas, The 
Second Coming (1919): 
Turning and turning in the widening gyre 
The falcon cannot hear the falconer; 
Things fall apart; the centre cannot hold; 
Mere anarchy is loosed upon the world (JEFFARES, 1988, p. 246). 
 
Yeats tornou‑se membro do Senado da República da Irlanda em 1922 e recebeu 
o Prêmio Nobel de poesia em 1923. 
 
11 O Teatro 
Passando pelo teatro, não podemos deixarde mencionar Oscar Wilde. Ele 
inaugura o teatro vitoriano após sua longa estagnação desde a época da Restauração. 
Suas comédias de costumes continuam a ser encenadas e algumas delas, como The 
Importance of Being Earnest e An Ideal Husband, têm sido adaptadas para o cinema 
inúmeras vezes. O que as caracteriza é a ironia com que Wilde recria a sociedade 
vitoriana. Apesar de audacioso em alguns aspectos, os casamentos no final das peças 
reafirmam, sem sombra de dúvidas, os valores da sociedade burguesa vitoriana. 
Quem provoca uma reviravolta no teatro do final do século na Inglaterra é outro 
irlandês, também radicado em Londres como Wilde: George Bernard Shaw 
(1856‑1950). Suas peças organizam‑se em dois grupos: Peças Prazerosas (Plays 
Pleasant): Arms and the Man (1894), Candida (1897), The Man of Destiny (1897), You 
Never Can Tell (1899) e Peças Não Prazerosas (Plays Unpleasant): Widower’s Houses, 
(1892), The Philander (1905), Mrs. Warren’s Profession (1902). 
Nos passos do dramaturgo norueguês Henrik Ibsen (1828‑1906) e 
diferentemente de Wilde, Shaw muda a temática das peças com o intuito de forçar a 
audiência a enfrentar os temas “não prazerosos” da sua sociedade. Problematizando 
Literatura Inglesa | 
O Teatro 
www.cenes.com.br | 45 
a teoria de Wilde, que defendia a “arte pela arte”, Shaw acreditava que a verdadeira 
arte não era necessariamente prazerosa: o escritor não escrevia por amor à arte, nem 
para exemplificar uma moral sem questionamentos, mas para compreender que moral 
era essa. 
Outro movimento importante no teatro também veio da Irlanda, o Celtic Revival. 
Esse movimento, parte do Renascimento Irlandês, era liderado por William Butler 
Yeats e Lady Gregory. Como vimos nas poesias de Yeats, esse movimento cultural 
tinha por objetivo criar uma consciência nacionalista pela via da cultura irlandesa e 
não por meio de violência. Entre as peças mais destacadas de Yeats, pode ser 
mencionada The Countess Cathleen, na qual a Irlanda é sua personagem principal. 
Outros dois dramaturgos irlandeses de grande relevância por suas críticas sociais 
são John Millington Synge (1871‑1909), com sua peça The Playboy of the Western 
World, e Sean O’Casey (1880‑1964), com sua peça Juno and the Paycock. 
 
11.1 Outros Romancistas Dramaturgos e Poetas 
Após a guerra, houve outros romancistas cuja literatura, embora crítica, não 
pertence àquele grupo de jovens irados. Entre eles, podemos mencionar Evelyn 
Waugh e Graham Greene, prolífico escritor indicado para o Prêmio Nobel. Há também 
escritoras, casos de íris Murdoch e Doris Lessing. A obra de Murdoch se destaca por 
seu interesse nos conflitos subjetivos do indivíduo, mais do que pelo seu engajamento 
político. No caso de Lessing, ganhadora do Prêmio Nobel de Literatura de 2007, 
destacam‑se temas que serão centrais às literaturas das minorias, feministas e negras 
e pós‑coloniais, como o racismo e a condição da mulher, tema de seu romance The 
Golden Notebook (1962). 
Na dramaturgia, há destaque do teatro do absurdo, cuja figura central é Samuel 
Beckett. Sua peça Waiting for Godot (1953) é uma analise da condição humana atual 
e da inútil busca por algo que dê sentido à vida. 
Entre os poetas, merece ser destacado o galês Dylan Thomas (1914‑1953), cuja 
obra trouxe nova força para uma arte que, sob a influência de Eliot, tornava‑se 
marcadamente intelectual. 
Nos últimos 50 anos, os romancistas ingleses, como David Lodge, Julian Barnes, 
Muriel Spark, Ian McEwan e Kazuo Ishiguro, têm compartilhado o cenário literário com 
os escritores provenientes das ex‑colônias, como estudaremos logo mais. 
Literatura Inglesa | 
A Ascensão e Formação do Romance 
www.cenes.com.br | 46 
12 A Ascensão e Formação do Romance 
12.1 A Ascensão do Gênero Romance 
Daniel Defoe (1660‑1731), Samuel Richardson (1689‑1761) e Henry Fielding 
(1707‑1754) são considerados os precursores do gênero romance no século XVIII. Até 
hoje, os críticos discutem se o gênero começou na Inglaterra, com Robinson Crusoe, 
ou na Espanha, com Don Quijote de la Mancha, de Don Miguel de Cervantes Saavedra. 
Como aponta Watt (1983, p. 14), esses escritores têm em comum narrativas que 
relatam uma nova realidade social: a ascensão da classe média como resultado das 
transformações do contexto social da Inglaterra no século XVIII. Essa mudança na 
sociedade vai acarretar uma mudança na maneira de narrar. 
Segundo Watt (1983, p. 14), o romance começa a se diferenciar do “romanesco” 
para dar voz “à experiência individual”. Assim, os enredos são construídos a partir do 
dia a dia do homem comum e não da mitologia: um relato minucioso do mundo que 
nos rodeia feito pelo homem e por Deus. Esse tipo de narrativa produz sua própria 
técnica narrativa, chamada “realismo”. Ou seja, como diz Watt (1983, p. 11), é 
importante não só o que se narra, mas como se narra. Ambos os aspectos estão juntos 
e não podem ser separados. 
No romance, então, o enredo, as personagens e o seu tema se entrelaçam para 
produzir o efeito de verdade que, na literatura, chama‑se de “verossimilhança”. Por 
sua vez, esses enredos são apresentados por meio das ações de personagens 
claramente individualizadas em um determinado momento e lugar, de tal maneira que 
a narrativa produz um “efeito” de verdade: aquilo que está sendo criado, por meio da 
narrativa, se parece com a vida “real” ou é verossímil. 
Assim, Robinson Crusoe é considerado pelos ingleses como o primeiro romance 
escrito, porque relata o dia a dia de um indivíduo que naufraga e mora por algum 
tempo em uma ilha deserta. 
Em relação à obra de Samuel Richardson, ele escreveu dois romances, Pamela, 
um romance epistolar baseado nas cartas escritas aos pais pela protagonista, e Clarissa 
Harlowe. Neles, o autor retrata a vida de sua época sem se referir a eventos 
sobrenaturais (como no caso do romanesco). Seus enredos estão baseados no tema 
do casamento e na relação entre o amor e a família. O que distingue essas narrativas 
das anteriores é a sua contemporaneidade, fator que as tornava atraentes aos leitores, 
pois estes se sentiam representados, identificando‑se com as personagens e os 
eventos retratados. 
Literatura Inglesa | 
A Ascensão e Formação do Romance 
www.cenes.com.br | 47 
No caso de Henry Fielding, as suas narrativas eram organizadas em episódios, 
como na picaresca, e têm um tom de comédia. O protagonista deve superar várias 
dificuldades até chegar à resolução feliz de seu problema. Seu romance mais 
conhecido é Tom Jones, uma paródia de Pamela, de Samuel Richardson, caracterizada 
pela analise psicológica que o autor faz de seu herói. 
Outro romancista merecedor de destaque é sir Walter Scott (1771‑1832). Ele 
começou sua carreira como autor de romances históricos, escrevendo versos 
narrativos glorificando a história da Escócia. Esses trabalhos abriram‑lhe caminho para 
seus grandes romances, tais como Waverley, The Heart of the Midlothian e The Bride 
of Lammermoor, entre outros. Os temas que o interessavam eram os grandes conflitos 
políticos e religiosos do passado, como as lutas entre puritanos e jacobinos (os 
seguidores do rei Charles II), sempre articulados por meio de histórias de amor, ódio, 
vingança e a dura vida dos camponeses. 
Mas, a grande romancista do princípio do século XIX é Jane Austen (1775‑1817). 
Ela desenvolveu as estratégias narrativas de Richardson e Fielding, aperfeiçoando o 
gênero: foi ela quem alcançou o perfeito equilíbrio entre enredo, personagens e tema. 
Assim, por exemplo, em Pride and Prejudice (1813), um dos seus romances mais 
famosos, a autora combina o tema do casamento (aprendido de Richardson) a partir 
da estória de suas personagens principais, Elizabeth Bennet e Mr. Darcy, cujos 
encontros e desencontros são articulados por meio de diálogos rápidos e inteligentes, 
verdadeiras batalhas verbais de engenho e ironia aprendidos de Fielding e com 
lembranças de William Shakespeare.É só lembrar o brilhante começo do romance: “It is a truth universally 
acknowledged, that a single man in possession of a good fortune, must be in want of 
a wife […]” (AUSTEN, 1995). A ironia da citação está na verdade exposta por Austen: 
quem está interessada em fazer um bom casamento visando a uma posição social 
estável é a mulher, pois era uma época em que quase não havia possibilidades de uma 
mulher obter renda por meio do trabalho. O casamento tinha para ela o mesmo valor 
que hoje tem uma profissão, era um meio de vida. 
Como no caso dos romances de Richardson, as personagens principais 
pertencem a diferentes classes sociais. Porém, as personagens femininas de Austen se 
igualam em valores morais e em inteligência aos homens, representando o novo tipo 
de relação conjugal que já se perfilava no século XVIII, colocando o homem e a mulher 
no mesmo patamar. Nesse tipo de relação, o casamento deveria acontecer por amor 
e não por conveniência econômica. Ao mesmo tempo, o casamento deveria basear‑se 
Literatura Inglesa | 
A Ascensão e Formação do Romance 
www.cenes.com.br | 48 
em um julgamento racional da situação econômica do casal, permitindo‑lhes criar 
uma família com dignidade. Como se pode observar, para Austen, a razão e o 
romantismo não eram incompatíveis. 
Em Pride and Prejudice a importância desse tipo de casamento é ressaltada por 
meio da relação de contraponto estabelecida entre o casal Elizabeth e Darcy e os 
casamentos das outras personagens, que acontecem nos subenredos, representando 
aquelas uniões criticadas por Austen, motivadas por dinheiro; por amor, mas sem 
dinheiro; por atração sexual; arranjado etc. 
Todos os seus romances tratam sobre a vida das famílias pertencentes à nobreza 
provinciana (landed gentry). Essa classe de pessoas representava o centro da 
sociedade rural e, por isso, eles personificavam os valores mais refinados da sociedade 
inglesa. Uma crítica que se faz comumente às narrativas de Austen é que elas ignoram 
os grandes eventos políticos da sua época. Porém, como assinala Williams (1999), é 
difícil encontrar um tema mais central na história inglesa do que a história social da 
nobreza provinciana: a família era a sociedade. O problema dessa sociedade na visão 
de Austen era, como diz Eagleton (2005, p. 115), que sua moral estava fracassando, 
justamente pelo fechamento das terras (enclosure) e as grandes quantidades de 
dinheiro ganho por seus donos. 
Austen não era contra as classes dominantes, a mobilidade social ou a maneira 
como a classe média urbana podia afetar a aristocracia provinciana. Ela criticava o fato 
de se esquecerem de que, como classe abastada, eram os guardiões da moral da 
sociedade inglesa e, como tal, deviam ser um exemplo para as classes menos 
favorecidas. Ela criticava aqueles casos em que a autoridade da família era 
desrespeitada, havia um interesse desmedido pela moda ou o lucro era o único 
motivo. É por isso que nas suas narrativas o social, mais do que o político, está no 
centro da cena. 
Essa problemática social, por meio da temática do casamento, é discutida por 
Austen em todos os seus romances: Sense and Sensibility (1811), Pride and Prejudice 
(1813), Mansfield Park (1814), Emma (1815), Northanger Abbey (1818) e Persuasion 
(1818). 
 
12.2 O Romance Vitoriano 
Durante o período vitoriano, a burguesia torna‑se uma classe social influente e 
poderosa. Sendo o romance o seu gênero por excelência, ele vai se colocar no centro 
Literatura Inglesa | 
A Ascensão e Formação do Romance 
www.cenes.com.br | 49 
da cena. O gênero romance é um discurso articulador das diferentes texturas dos 
conflitos sociais e das relações estabelecidas entre os muitos grupos que a 
conformam. Em seus enredos, coloca o foco no espaço privado, mostrando de que 
maneira este é condicionado e condiciona o âmbito do público: o doméstico e o 
político estão intimamente ligados. No caso do romance vitoriano, essa inter‑relação 
se manifesta na discussão de seus rígidos valores morais e sua hierarquia social e 
econômica. 
Podemos separar os romancistas da longa época vitoriana em três grupos: os 
escritores do princípio da era vitoriana (Early Vitorians), os escritores do final da era 
vitoriana (Late Vitorians) e os escritores cujos temas e estilos já anunciam o 
Modernismo do século XX. 
Entre os pertencentes à primeira etapa do reinado de Vitória, podemos 
mencionar: Charles Dickens (1812‑1870), Emily Brontë (1818‑1848), Charlotte Brontë 
(1816‑1855) e George Eliot (1819‑1880), cujo verdadeiro nome era Mary Ann Evans. 
Ela é uma das primeiras romancistas inglesas a criticar o didatismo do romance no 
século XIX, enfatizando o valor artístico da narrativa. Como o escritor francês Gustave 
Flaubert, Eliot se interessa pelo valor estético do romance na descrição dos temas do 
dia a dia. Suas obras mais famosas são Adam Bede, The Mill on the Floss, Silas Marner 
e Middlemarch. 
Da última etapa do reinado de Vitória, podemos mencionar Rudyard Kipling 
(1865‑1936), defensor do império e dos valores vitorianos e imperialistas durante sua 
prolongada estada na índia. Outros dois escritores de grande importância são Thomas 
Hardy (1840‑1928) e Oscar Wilde (1854‑1900). Esses dois últimos escritores, a partir 
de diferentes perspectivas sociais e culturais, fizeram uma leitura crítica dos valores 
do reinado de Vitória. Hardy criticou o seu materialismo, a atitude imperialista e a 
rigidez moral, cujo resultado era a hipocrisia. Hardy fez também o caminho “do campo 
à cidade”. Ele era natural de Dorsetshire e alguns de seus romances, como Tess of the 
D’Ubervilles, acontecem nas áreas rurais. Porém, diferentemente dos escritores 
românticos, na sua literatura a natureza tem uma presença negativa. Dois romances 
destacados da sua obra são The Return of the Native e Jude the Obscure. 
Oscar Wilde é um dos nomes mais conhecidos da literatura inglesa. Como já foi 
mencionado, porém, ele era um irlandês radicado em Londres. Escreveu poemas, 
peças de teatro, contos e um romance: The Picture of Dorian Gray, no qual, por meio 
da relação entre as três personagens principais, ele discute sua teoria da “Arte pela 
Arte” e a relação entre a obra, o crítico e o artista. Dorian, como Fausto, vende sua 
Literatura Inglesa | 
A Ascensão e Formação do Romance 
www.cenes.com.br | 50 
alma ao diabo para conservar a sua beleza. A teoria da arte de Wilde (o esteticismo) 
foi, por um lado, um culto ao individualismo e, pelo outro, uma crítica ao didatismo 
da arte vitoriana. Wilde era conhecido por sua agudeza no uso da palavra, encantando 
os salões vitorianos, onde era atração principal. Nas suas obras de teatro, destacam‑se 
A Woman of no Importance, The Importance of Being Earnest e An Ideal Husband, 
comédias de costumes que encantaram o público de sua época. Wilde foi condenado 
à prisão por homossexualismo, de onde escreveu seu depoimento em forma de 
ensaio, o De Profundis. 
Finalmente, há dois outros grandes escritores, o polonês naturalizado inglês 
Joseph Conrad (1857‑1924) e o norte‑americano Henry James (1843‑1916), que 
adotou a nacionalidade inglesa. Ambos podem ser considerados os elos com o século 
XX, uma vez que sua literatura é uma ponte entre o Realismo do século XIX e o 
Modernismo do XX. 
Em sua juventude, Conrad foi marinheiro, trabalhando primeiramente em um 
navio comercial francês e depois em um navio inglês, no qual viajou ao Oriente e à 
África. Em 1886, naturalizou‑se inglês. Somente anos mais tarde dedicou‑se à 
literatura. Embora não fosse falante nativo da língua inglesa (aprendeu o inglês aos 
23 anos), a literatura de Conrad destaca‑se pela textura alusiva de sua linguagem. Sua 
primeira publicação foi Almayer’s Folly (1895). Seus romances mais destacados são 
Heart of Darkness (1902), Lord Jim, The Secret Agent e Under Western Eyes. 
As viagens por mar a locais longínquos e diferentes foram para Conrad uma 
grandee variada fonte de narrativas. No entanto, sua temática principal, marca 
distintiva de sua literatura, são suas expedições à alma humana, quando, em situações 
extremas de isolamento social, a personagem se confronta com ela mesma. Em Heart 
of Darkness, Conrad narra a crueldade da colonização europeia da África. Kurtz, 
personagem do romance, quando enfrentado com o Outro africano no coração do 
continente, descobre não a barbárie da África, mas a crueldade da sua própria cultura. 
A maior figura entre os romancistas da virada do século é Henry James. Ele foi 
um escritor muito prolífico, cuja obra foi se aprofundando e se sofisticando com o 
passar dos anos. James foi também um teórico da ficção. Nos prefácios que 
antecedem seus romances, discute aspectos formais do romance, como a coerência 
interna e o uso de ponto de vista para dar verossimilhança à narrativa. 
James é considerado a ponte entre os séculos XIX e XX, porque preparou o 
caminho para os escritores do Modernismo. A partir do desenvolvimento incipiente 
das teorias da psicologia e suas leituras dos grandes romances psicológicos de 
Literatura Inglesa | 
A Ascensão e Formação do Romance 
www.cenes.com.br | 51 
romancistas russos como Ivan Turguenev, Henry James desenvolve sua teoria da 
“inteligência central” ao mudar o narrador onisciente na terceira pessoa e reformulá‑lo 
como narrador também em terceira pessoa, mas limitado à consciência de uma 
personagem. Essa técnica permitiu‑lhe explorar o inconsciente da personagem, 
tornando sua narrativa, em suas próprias palavras, mais “verossímil” e menos artificial. 
Em seus romances e novelas, destaca‑se o tema internacional, o confronto 
cultural entre americanos e europeus na Europa, devido à sofisticação, hierarquia e 
corrupção da cultura europeia e a inocência e o espírito democrático dos americanos. 
De sua prolífica obra, podemos mencionar os romances Roderick Hudson (1875), The 
American (1877), Washington Square 
(1880), The Portrait of a Lady (1881), The Bostonians (1886), The Princess 
Casamassima (1886), 
What Maisie Knew (1897), The Wings of the Dove (1902), The Ambassadors (1903) 
e The Golden Bowl (1904). Entre suas novelas e contos, Daisy Miller (1878), The Aspern 
Papers (1888), The Real Thing (1892), The Figure in the Carpet (1896), The Turn of the 
Screw (1898) e The Best in the Jungle (1903). 
Nos passos do critico inglês Raymond Williams, vamos nos deter em dois grandes 
escritores vitorianos da primeira época, Charles Dickens (1812‑1870) e Emily Brontë 
(1818‑1848), para explorar justamente o mundo vitoriano no âmbito tanto da vida 
urbana como do campo. Ambos os escritores têm em comum o fato de estarem 
cientes das tensões e contradições da sua época, da revolta produzida pela 
industrialização, da pobreza massiva. Mas, ao mesmo tempo, os sinais de crescimento 
perceptíveis na sociedade fizeram com que aceitassem o discurso do progresso. 
 
12.3 Charles Dickens 
A literatura de Dickens é um exemplo de que as narrativas nem sempre entram 
no cânone literário nacional por algum valor intrínseco, como a qualidade permanente 
de sua metáfora, mas pela ação daqueles que decidem o gosto literário (os críticos 
consagrados). O crítico inglês F. R. Leavis deixou a obra de Dickens fora do cânone 
inglês por considerá‑lo um entertainer e não um grande autor (ALLEN, 1991, p. 155). 
Essa visão de Dickens como um entertainer se deve ao fato de ele não ter tido 
uma educação formal e sua literatura ter sido considerada “popular”. Ele escrevia para 
o grande público surgido após a Revolução Industrial, que seguia os seus romances, 
Literatura Inglesa | 
A Ascensão e Formação do Romance 
www.cenes.com.br | 52 
publicados em forma de seriado mensal em revistas como Chamber’s e Penny 
Magazine. A relação de Dickens com seu público era tal, que a estória mudava 
segundo o interesse dos leitores. 
Muito se tem falado sobre as limitações do estilo de suas narrativas: suas 
personagens parecem caricaturas; não são reveladas aos poucos, mas apresentadas 
direitamente; seus enredos dependem de coincidências arbitrárias etc. (WILLIAMS, 
1984, p. 30). Esse estilo devia‑se ao fato de Dickens tentar ajustar seus romances ao 
seu grande público. Mas, por outro lado, ele tinha uma grande habilidade em captar 
hábitos, gestos e frases, criando personagens ainda hoje inesquecíveis. 
Williams (1984, p. 28) aprecia essa característica das narrativas de Dickens no 
sentido de que ele dá voz e fala àqueles que tinham sido silenciados e excluídos pela 
rígida cultura das elites. Dessa maneira, ele expressa em sua literatura a opinião de 
seus leitores sobre os diferentes problemas sociais em uma linguagem acessível para 
todos. 
Charles Dickens escreveu um novo tipo de romance retratando um novo tipo de 
cultura e identidade cultural: a paisagem da cultura urbana, em um momento no qual 
as pessoas iam do campo para a cidade buscando trabalho. Sua narrativa mostra a 
experiência de morar em uma cidade como Londres, em uma nação que estava 
passando por um processo de transformação devido à expansão industrial, comercial 
e imperial, os avanços científicos e a ascensão da burguesia. Em seus primeiros 
escritos, Sketches by Boz (1836) (que mostram sua experiência como jornalista), 
Dickens mostra a vida das ruas das grandes cidades, onde as pessoas se cruzam, 
trocam rápidos olhares ou frases fixas, sem realmente se comunicarem: 
Middle‑aged men, whose salaries have by no means increased in the same 
proportion as their families, plod steadily along, apparently with no object in view but 
the counting‑house; knowing by sight almost everybody they meet or overtake, for 
they have seen them every morning (Sunday excepted) during the last twenty years, 
but speaking to no one. If they do happen to overtake a personal acquaintance, they 
just exchange a hurried salutation, and keep walking on, either by his side or in front 
of him, as his rate of walking may chance to be. As to stopping to shake hands, or to 
take a friend’s arm, they seem to think that as it is not included in their salary, they 
have no right to it (DICKENS apud DE FONTAINE, 2004). 
Dickens representa a vida nas ruas da cidade como um monstro indiferente ao 
homem, que acaba se habituando e se acomodando nessa nova ordem social. Porém, 
como aponta Williams (1984, p. 42), ele não descreve uma desordem, mas uma nova 
Literatura Inglesa | 
A Ascensão e Formação do Romance 
www.cenes.com.br | 53 
classe de ordem. Nessa nova paisagem da cidade, marcada pela indiferença, falta de 
generosidade e solidariedade (expressada nos seus romances pela escuridão e bruma 
constante), Dickens tenta redescobrir o ser humano e assim dramatiza as virtudes e 
vícios pessoais, por meio de magníficas caracterizações, ora bem humoradas, ora 
sentimentais e lúgubres. Mas, se escritores anteriores a Dickens enxergavam essas 
virtudes e vícios como resultado do agir do indivíduo, Dickens os enxerga como 
resultado da interação do indivíduo com as instituições sociais. A consideração pelo 
outro e a inocência podem ser, segundo ele, o caminho para a humanização das 
relações entre os homens. 
Dickens tinha a capacidade de fazer seu leitor rir e chorar. Em narrativas como 
Pickwick’s Papers (1836‑7), em que as personagens ruins são absurdas, mais do que 
cruéis, as misérias do mundo são neutralizadas por meio do humor. Nicholas Nickleby 
(1838) e Martin Chuzzlewit (1843) são dois de seus romances episódicos, no estilo da 
picaresca. 
Por outro lado, em melodramas como Oliver Twist (1837), Dombey and Son 
(1844‑6) e David Copperfield (1849), escritos na tradição do romance realista, o autor 
dramatiza a luta do bem contra o mal. Em todos eles, a personagem central é uma 
criança, e as experiências narradas remetem à sombria infância de Dickens, quando, 
aos doze anos, precisou trabalhar em uma fábrica, com os pobres de Londres, porque 
seu paiencontrava‑se, junto com toda a sua família, em uma prisão para devedores. 
Essa experiência deixou marcas profundas em Dickens, tornando‑o 
profundamente consciente da hierarquia social: todos os seus romances fazem uma 
crítica aguda da sociedade inglesa em toda sua complexidade de classes. Seus últimos 
romances: Bleak House (1853), Hard Times (1854) e Great Expectations (1860) são 
ainda mais radicais e a comédia ainda mais selvagem. O tema que os relaciona é a 
obsessão pelo dinheiro, o poder e a posição social. 
 
12.4 Emily Brontë 
Com a exceção de Charles Dickens, as irmãs Brontë – Anne (1820‑1849), Emily 
(1818‑1848) e Charlotte (1816‑1855) – foram as escritoras mais lidas e populares da 
época. Filhas de um pastor anglicano, moravam na reitoria de Haworth, Yorkshire, no 
norte da Inglaterra, nos morros, perto de uma área industrial. Sua vida isolada e trágica 
(morreram ainda jovens) é já parte da lenda que as rodeia. 
Sua solidão não foi só geográfica, mas também social. Como explica Eagleton 
Literatura Inglesa | 
A Ascensão e Formação do Romance 
www.cenes.com.br | 54 
(2005, p. 126), o fato de serem mulheres educadas separava as irmãs das pessoas 
comuns que as rodeavam. Ao mesmo tempo, eram romancistas provincianas que 
escreviam para o público cultivado da metrópole. No século XIX, a condição de “autor” 
era associada com os homens e não as mulheres; por isso, quando as irmãs publicaram 
pela primeira vez, fizeram‑no com pseudônimos, que poderiam tanto ser nomes 
masculinos quanto femininos: Elis, Acton e Currer Bell (Emily, Anne e Charlotte, 
respectivamente). Aliás, os temas turbulentos de seus romances, em particular Jane 
Eyre, de Charlotte, e Wuthering Heights, de Emily, fazia necessária essa estratégia. 
Anne escreveu um só romance, Agnes Grey. Como aponta Eagleton (2005, p. 126), 
para os vitorianos já era chocante ler sobre bigamia, ascensão social, violência física e 
casamento entre grupos raciais diferentes, sem o aditamento de pensar que a mente 
frágil de uma mulher estava por trás dessas narrativas! 
Wuthering Heights (O Morro dos Ventos Uivantes) foi publicado em 1847. É 
considerado um dos romances mais notáveis da tradição inglesa, a ponto de desafiar 
qualquer tipo de classificação: distingue‑se de qualquer romance publicado antes ou 
depois. Narra a história de duas famílias, no final do século XVIII e principio do XIX, os 
Earnshaws e os Lintons, associados com duas casas, icônicas de sua classe e posição 
social: Wuthering Heights e Thrushcross Grange. 
Wuthering Heights pertence a uma família tradicional de pequenos agricultores 
(yeomen), classe social que entrou em extinção após o fechamento das terras 
(enclosure). Está localizada entre os morros, e o adjetivo wuthering, como é explicado 
no romance, é uma palavra provinciana que descreve “the 
atmospheric tumult to which its station is exposed in stormy weather” (BRONTË, 
1996). Por outro lado, Thrushcross Grange pertence a uma família da aristocracia rural 
e encontra‑se localizada em um frondoso vale. 
Essas casas representam a polaridade cultura/natureza: Wuthering Heights é a 
força da natureza; Thrushcross Grange, o refinamento da cultura. Assim, os membros 
de uma família não podem sobreviver na outra casa porque se encontram fora de seu 
elemento. Cada uma dessas famílias responde à hierarquia patriarcal. Ambas as casas 
poderiam ter continuado a existir independentemente se Heathcliff, um estranho, não 
tivesse sido levado a Wuthering Heights por Mr. Earnshaw, o velho patriarca. Heathcliff 
encanta a filha do patrão, toma o lugar do filho legítimo no afeto do pai e provoca 
uma profunda crise na próxima geração da família. 
Heathcliff é encontrado faminto nas ruas de Liverpool: tem a pele escura e é 
comparado a um cigano. Como explica Eagleton (2005, p. 124), na época em que o 
Literatura Inglesa | 
A Ascensão e Formação do Romance 
www.cenes.com.br | 55 
romance foi escrito, tinham chegado ao porto de Liverpool imigrantes irlandeses, 
famintos e vestidos em farrapos, que escapavam da fome da batata. 
Heathcliff é apresentado como “a dirty, ragged, black‑haired child” (BRONTË, 
1996), que fala uma língua que não se compreende: “gibberish” (BRONTË, 1996). Logo, 
será caracterizado como selvagem, violento e subversivo: a imagem que os ingleses 
tinham dos irlandeses no século XIX. Não é possível saber se Emily Brönte deu forma 
a sua personagem pensando nesse estereótipo, mas é tentador pensar que foi assim. 
Por meio da interação dos membros das duas casas e Heathcliff, Brontë, 
implicitamente, critica os valores da sociedade vitoriana, embora o tempo ficcional do 
romance seja anterior. 
Williams (1984) explica que, em Wuthering Heights, há elementos do 
Romantismo e também do Realismo. Por um lado, a paixão entre Catherine Earnshaw 
e o forasteiro Heathcliff, um “bom selvagem”, mais à vontade na natureza do que na 
sociedade refinada. Somado a isso, seu físico atlético, suas feições atraentes, sua 
lealdade e seu amor por Cathy fazem dele um perfeito herói romântico. 
Porém, os elementos do Romantismo entram em contraponto com o Realismo 
quando Catherine casa‑se com Edgar Linton, herdeiro de Thrushcross Grange, porque 
está interessada na ascensão social: casar com Heathcliff implicava ser excluída 
socialmente. Então, embora Catherine não possa funcionar segundo o código de 
respeitabilidade (que na sociedade vitoriana podia ser entendido como um desejo 
consciente de melhora econômica e moral ou um simples código de conduta), ela se 
casa com Linton e se muda para Thrushcross Grange, onde se sente sufocada pelo 
refinamento e os bons modos. 
Da mesma maneira, Heathcliff transforma‑se em um capitalista quando percebe 
que, sendo um herói romântico, não conseguirá o amor de Catherine. Embora nunca 
se saiba como fez a sua fortuna, e o mistério o envolva em um halo de romantismo, 
seu comportamento é o do entrepreneur capitalista. A partir desse momento, o 
Romantismo abre passo às características do Realismo vitoriano e só voltara à cena 
quando Heathcliff e Catherine reúnem‑se após a morte. 
A façanha de Brontë em Wuthering Heights é refazer o gênero: embora, no 
romance, haja aparições, fantasmas, caminhadas noturnas no cemitério e amores que 
continuam após a morte, ela critica o rígido sistema social da época vitoriana, assim 
como a hipocrisia daqueles que revestiam sua cobiça de moralidade. 
Brontë resolveu a maneira de narrar a estória de Cathy e Heathcliff de forma 
Literatura Inglesa | 
A Ascensão e Formação do Romance 
www.cenes.com.br | 56 
brilhante, por meio de um ciclo de dois narradores: um exterior, o Senhor Lockwood, 
que vem da cidade e tem alugado Thrushcross Grange, e um interior, Ellen Dean 
(também chamada Nelly ou a Senhora Dean), personagem que conviveu com os 
Earnshaws e Lintons desde a sua infância. 
Assim, quando o Senhor Lockwood chega a Wuthering Heights, em 1801, ele 
“entra” em uma estória que está quase chegando ao seu fim. Ele representa o ideal 
romântico do cidadão londrinense que viaja para o Yorkshire desejando estar em 
contato com a natureza. Porém, aos poucos, percebe que há algum mistério rodeando 
a família e, nós, leitores, compartilhamos a sua curiosidade. Será Nelly quem, por meio 
de flashbacks, trará à tona a infância dos Earnshaw e dos Lintons e a vida de Heathcliff, 
narrando a estória para Lockwood (e para nós) enquanto tricota sentada ao lado da 
lareira. 
No final do romance, a ordem terá sido reestabelecida em Wuthering Heights e 
Thrushcross Grange. Mortos Heathcliff e Cathy, o desejo e a paixão somem e emerge 
o amor gentil: a nova Catherine (refinada e respeitável), filha da primeira Cathy e Edgar 
Linton, casa‑se com o primo Hareton Earnshaw (o novo e legal patriarca), ambos 
verdadeiros herdeiros das duas famílias e propriedades. Por meio dessa união, há uma 
reconciliação entre a cultura e a natureza. 
Em outro nível,esse final mostra que, por toda a sua ousadia na historia de Cathy 
e Heathcliff, na primeira parte do romance, na segunda, os valores vitorianos são 
reestabelecidos, e o romance acaba segundo as expectativas dos leitores da época. 
 
12.5 O Entreguerras: Tornar Novo 
Culturalmente, como explica Bradbury (1987, p. 19), o entreguerras foi a época 
do “tornar novo”, ideia desenvolvida pelo poeta norte‑americano Ezra Pound e que 
implicava a necessidade de seguir em frente, buscando um novo caminho na 
experiência da modernidade. Na arte e em particular na literatura, significava mudar a 
forma para torná‑la representativa do espírito da época. Disseminou‑se a ideia de que 
a arte moderna tinha o dever de estar à frente dos tempos e contribuir para sua 
evolução. 
Esse desejo de mudança deve‑se, como acrescenta Bradbury, à sensação de 
perda e desapontamento trazido pela Grande Guerra. As pessoas acreditavam que a 
guerra os livraria do passado e purificaria o mundo. Em vez disso, o mundo se tornou 
um lugar vazio e destruído, onde as pessoas já não mais acreditavam nas instituições 
Literatura Inglesa | 
A Ascensão e Formação do Romance 
www.cenes.com.br | 57 
ou seus valores. 
Ao gerar uma nova cultura, o artista se rebelava contra a corrupção do Estado, 
os valores da sociedade mercantilista, o imperialismo e sua arte medíocre. A civilização 
estava “exausta” e a crise no mundo significava a crise da palavra. A relação entre 
forma e conteúdo, artista e público, artista e sociedade deveria mudar para 
representar os novos tempos. 
As sementes do Modernismo já estavam presentes antes da Grande Guerra. 
Como vimos, na segunda parte do século XIX houve avanços científicos e 
tecnológicos; a idealização da natureza mudou com o crescimento das grandes 
cidades e da população; as crenças cristãs foram problematizas com a aparição de 
novas teorias, como as de Darwin; em 1848, Marx e Engels publicaram o Manifesto 
Comunista, que anunciava o surgimento do proletariado e desafiava a burguesia. 
Essas mudanças no mundo exterior implicavam uma mudança no mundo interior. 
Havia novas teorias sobre a consciência. Como explica Bradbury (1987, p. 26), se os 
conflitos dos romances do século XIX giravam ao redor de crises religiosas, a arte do 
século XX dirige a atenção para o mundo oculto por trás da mente consciente, o 
“inconsciente”: um mundo governado por sensações e percepções. 
Em 1890, William James (irmão de Henry James) publicou seu livro Princípios de 
Psicologia, onde explicava que a realidade não era um fato “objetivo”, mas algo 
percebido subjetivamente por meio da consciência. Em 1900, Sigmund Freud publicou 
seu influente livro A interpretação dos sonhos. Na França, acrescenta Bradbury, o 
filosofo Henri Bérgson destacava o papel da intuição sobre a razão. O Realismo já não 
recriava de maneira satisfatória essa realidade nova e complexa. Então, surgem novas 
formas narrativas. 
O movimento modernista teve diferentes manifestações em diversas partes da 
Europa e da América. Uma das formas que se destaca é o Cubismo, arte abstrata cujo 
máximo representante foi o pintor Pablo Picasso, com seu quadro Las Señoritas de 
Avignon (1907). Na Rússia e na Alemanha, o movimento chamou‑se “futurismo”. 
Houve outros movimentos chamados de construtivismo, acmeísmo, vorticismo etc. 
Em todas essas manifestações, impunha‑se a forma fragmentada para representar a 
falta de unidade e integridade do homem e a sociedade moderna. Bradbury cita 
Nietzsche, para quem “[...] o homem moderno era o filho de uma época fragmentada, 
pluralista, doente e estranha”. 
Na Inglaterra, Virginia Woolf escreveu no seu ensaio Modern Fiction (1932): 
Literatura Inglesa | 
A Ascensão e Formação do Romance 
www.cenes.com.br | 58 
“Todas as relações humanas mudaram – entre patrões e criados, maridos e mulheres, 
pais e filhos. E quando mudam as relações humanas, mudam ao mesmo tempo a 
religião, o comportamento, a política e a literatura” (WOOLF apud DICK, 1989). Como 
narrar estórias nessa situação? Que tipo de literatura podia refletir essa nova ordem? 
Então, Woolf reflete que “[...] para os modernos o interesse está nos escuros 
recintos da psicologia, uma nova forma de narrar se faz necessária, difícil de achar, 
incompreensível para os nossos antepassados” (WOOLF apud DICK, 1989). Com o 
propósito de revelar a psicologia das personagens, esses romances retratam as 
experiências espirituais e mentais: memórias, sensações etc. 
Essa nova forma de narrar na literatura leva o nome do “fluxo da consciência” e 
refere‑se à maneira como a mente flui de um momento para outro, de um 
pensamento por meio da associação. Esse novo tipo de ficção se diferencia do 
anterior, que foca o nível do pensamento, anterior à fala, diferentemente do Realismo, 
que apresenta o homem em sociedade comunicando‑se a partir do diálogo. 
Como consequência, esses romances não têm uma sequência linear e 
cronológica, mas se organizam em círculos concêntricos, segundo o pensamento da 
personagem. Nas narrativas em terceira pessoa (monólogo interior indireto), o 
narrador é ainda uma presença que leva o leitor às profundezas do subconsciente da 
personagem. Nas narrativas em primeira pessoa (monólogo interior direto), o narrador 
já não mais é o intermediário entre personagem e leitor, o que torna a leitura às vezes 
mais complexa e pede um leitor mais ativo e participativo. 
 
12.6 Os Romancistas do Modernismo na Grã‑Bretanha 
O Modernismo não foi um só nem foi expressado da mesma maneira pelos 
escritores associados com essa corrente artística e literária. Como temos visto, 
escritores como Henry James, Joseph Conrad e William Butler Yeats prepararam o 
caminho para aqueles novos escritores que revolucionariam a literatura pela sua 
experimentação com a forma ou pela sua concepção de mundo. 
Nesse período, por romperem com as estruturas de sua época e com a literatura 
do período vitoriano por meio de sua temática, merecem menção: E. M. Forster 
(1879‑1970), D. H. Lawrence (1885‑1930), Aldous Huxley (1894‑1963) e George Orwell 
(1903‑1950). 
Forster faz uma leitura crítica da sociedade inglesa em romances como Howard’s 
Literatura Inglesa | 
A Ascensão e Formação do Romance 
www.cenes.com.br | 59 
End e A Room with a View, em que ataca os costumes e morais da classe média inglesa, 
mostrando‑se a favor da espontaneidade dos sentimentos e a importância do sexo. 
Em A Passage to India, questiona o império e critica soldados e oficiais residentes no 
subcontinente indiano. 
Por sua vez, D. H. Lawrence oferece a paixão e o sexo como uma saída para os 
males produzidos pela sociedade industrial nos seus romances Lady Chatterley’s Lover 
e Women in Love. 
Huxley e Orwell são escritores do entreguerras. Seus respectivos romances Brave 
New World e 1984 apresentam um futuro sombrio, no primeiro caso, devido ao 
progresso científico, no segundo, aos regimes totalitários que privam os homens até 
de seus pensamentos. 
Quem vai produzir uma quebra radical com a forma é o poeta norte‑americano, 
residente na Inglaterra, T. S. Eliot (1888‑1965), com seu poema The Waste Land (1922), 
que, como seu nome indica, retrata a Europa despedaçada após a Primeira Guerra. No 
nível formal, a sua forma fragmentada deve‑se à marcada intertextualidade com 
narrativas de diferentes tempos e lugares. Neste sentido, o poema funciona como um 
hipertexto: a relação entre vários textos, cujo significado depende da maneira como 
são relacionados por meio das diferentes leituras. 
O poema está dividido em cinco partes. Os versos da abertura, que 
significativamente chamam‑se The Burial of the Dead, começam com uma alusão a 
uma paisagem estéril na qual o nascimento de uma flor na terra morta se apresenta 
não como a feliz chegada da primavera, mas como uma experiência dolorosa, 
evocando assim o terrível esforço da tarefa de reconstrução, após a destruição da 
guerra (ELIOT,2010): 
April is the cruelest month, breeding 
Lilacs out of the dead land, mixing 
Memory and desire, stirring 
Dull roots with spring rain 
 
Outras obras importantes de Eliot, que recebeu o Prêmio Nobel de Literatura em 
1948, são The Love Song of J. Alfred Prufrock (1915) e The Four Quartets (1943). Eliot 
também foi dramaturgo e, entre suas peças, podemos mencionar: Murder in the 
Literatura Inglesa | 
A Ascensão e Formação do Romance 
www.cenes.com.br | 60 
Cathedral e The Cocktail Party. 
No que diz respeito ao romance, os dois nomes centrais do Modernismo na 
Grã‑Bretanha são Virginia Woolf (1882‑1941) e James Joyce (1882‑1941). Woolf foi 
um membro proeminente do Círculo de Bloomsbury, que associava artistas de 
vanguarda, criticados na época pelo seu elitismo. Um de seus membros foi o escritor 
Leonard Woolf, com quem Virginia se casou em 1912. 
Seus romances caracterizam‑se pelo seu desafio ao Realismo, por meio do uso 
das técnicas do fluxo da consciência para registrar o pensamento e as emoções das 
personagens. Em consequência, as ações dessas narrativas ocorrem na mente da 
personagem, não são lineares e articulam diferentes vozes em contraponto. A 
natureza experimental das narrativas de Woolf (e a tendência a enfatizar o aspecto 
formal dessa experimentação) tem feito com que a sua literatura pareça mais 
interessada no aspecto artístico do que no conteúdo. Porém, como temos visto, a 
literatura do Modernismo se utilizava desses recursos formais para fins tanto estéticos 
como políticos. 
Os romances mais destacados de Woolf são: The Voyage Out (1915); Night and 
Day (1919); Jacob´s Room (1922); Mrs Dalloway (1925); To The Lighthouse (1927); 
Orlando (1928); The Waves (1931); The Years (1937); Between the Acts (1941). 
 
12.7 O Grande Experimentador Irlandês do Modernismo 
James Joyce era irlandês, oriundo de Dublin, filho de pai e mãe católicos. As suas 
narrativas se destacam por serem marcadamente experimentais. De alguma maneira, 
hoje todos nós lemos Joyce indiretamente, por meio das técnicas utilizadas não só na 
literatura, mas também na TV, no cinema, que se caracterizam pelo seu caráter 
fragmentado, o pastiche, a paródia, as alusões a outros períodos históricos, os 
múltiplos pontos de vista, os finais abertos, as técnicas do fluxo da consciência, seu 
uso criativo da linguagem. Em suas obras mais experimentais, Joyce inventa termos, 
cria neologismos. 
Ao ressignificar o modo de narrar do Realismo e quebrar as formas 
convencionais, Joyce abriu novos caminhos para a arte em geral e a literatura em 
particular e foi de grande influência para outros escritores, tal o caso de Virginia Woolf. 
Suas obras mais famosas são: Dubliners (1914), A Portrait of the Artist as a Young Man 
(1916), Ulysses (1922) e Finnegan’s Wake (1941). 
Literatura Inglesa | 
A Ascensão e Formação do Romance 
www.cenes.com.br | 61 
Essa experimentação estilística de Joyce revela o conhecimento como um 
“construto”, não um “dado”, que é subjetivo e pode render diferentes interpretações, 
dependendo do contexto cultural. Assim, ele contestava a visão dogmática e 
totalizadora, nos âmbitos religioso, político e filosófico, das gerações anteriores. A 
crítica de Joyce se focaliza particularmente na Irlanda, contra a visão romântica do 
movimento nacional irlandês e sua relação com a Igreja Católica. 
Porém, isso não significa que Joyce não partilhava do espírito revolucionário e 
do desejo de se libertar da tirania da Inglaterra. Ele tinha uma visão crítica do império 
inglês e sua presença na Irlanda, como discute no seu ensaio Ireland, Island of Saints 
and Sages (1907). O que ele criticava era a visão nacionalista idílica e romântica, que 
pregava a pureza racial e cultural da Irlanda e uma volta ao passado, livre da influência 
inglesa. 
The Dead, o último conto de seu livro Dubliners (1914), marca o momento em 
que o experimentalismo estilístico de James começa a tomar forma, quando o autor 
problematiza a situação da Irlanda dividida entre os valores vitorianos da pequena 
burguesia irlandesa e o nacionalismo romântico, ambas posições dramatizadas por 
Joyce por meio da festa de Natal, que reúne a sociedade dublinense: pessoas sem 
brilho e desencantadas. 
Já o título da narrativa, The Dead, é uma alusão à maneira como esses valores 
essencialistas e totalizadores têm sufocado e estagnado a sociedade irlandesa. Como 
aponta Eagleton (2005, p. 298‑299), em The Dead o trabalho é monótono, a política, 
uma farsa, a religião, um ritual vazio, a vida doméstica, uma prisão. Esse senso de 
alienação e paralisação acentua‑se pelo fato de, estranhamente nessa noite, estar 
nevando em Dublin. 
Esse contraponto de ideologias torna‑se explicito em The Dead no trecho que 
narra a discussão entre a personagem central, Gabriel Conroy (que, como Joyce, 
encontra‑se dividido entre sua lealdade à Irlanda e seu gosto pela língua e a literatura 
inglesa), e a nacionalista Miss Ivors (que é a favor do renascimento da cultura, da 
literatura e da língua irlandesas): 
I have a crow to pluck with you. 
‑With me? said Gabriel. 
She nodded her head gravely. 
‑What is it? asked Gabriel, smiling at her solemn manner. 
Literatura Inglesa | 
A Ascensão e Formação do Romance 
www.cenes.com.br | 62 
‑Who is G.C.? answered Miss Ivors, turning her eyes upon him. 
Gabriel coloured and was about to knit his brows, as if he did not 
understand, when she said bluntly: 
‑O, innocent Amy! I have found out that you write for The Daily 
Express. Now, aren’t you ashamed of yourself? 
‑Why should I be ashamed of myself? asked Gabriel, blinking his eyes 
and trying to smile. 
‑Well, I’m ashamed of you, said Miss Ivors frankly. To say you’d write 
for a rag like that. I didn’t know you were a West Briton. 
[…] He did not know how to meet her charge. He wanted to say that 
literature was above politics […] He continued blinking his eyes and trying 
to smile and murmured lamely that he saw nothing political in writing 
reviews of books (JOYCE, 1977, p. 170). 
 
A crítica de Miss Ivors deve‑se ao fato de Gabriel escrever artigos para um jornal 
conservador, de tendência inglesa, The Daily Express, o que o torna um colaborador 
do império, um traidor; na visão nacionalista, o pior dos pecados. Por isso, ela o chama 
de “West Briton”: um inglês que mora no oeste da Inglaterra, ou seja, na Irlanda. 
Sua crítica torna‑se mais afiada quando Conroy confessa seu desejo de passar 
suas férias na Alemanha, Bélgica ou França (todas elas nações imperialistas), frente à 
proposta de Miss Ivors de viajar para as Ilhas Aran, ao oeste da Irlanda, berço da 
cultura e da língua irlandesa: 
– O, Mr. Conroy, will you come for an excursion to the Aran Isles this 
summer? We’re going to stay there a whole month. It will be splendid out in the 
Atlantic. You ought to come. Mr. Clancy is coming, and Mr. Kirkelly and Kathleen 
Kearney. It would be splendid for Gretta [Gabriel’s wife] too if she’d come. She’s 
from Connacht, isn’t she? […] 
– The fact is, said Gabriel, I have already arranged to go— 
– Go where? asked Miss Ivors. 
– Well, you know, every year I go for a cycling tour with some fellows 
and so – 
Literatura Inglesa | 
A Ascensão e Formação do Romance 
www.cenes.com.br | 63 
– But where? asked Miss Ivors. 
– Well, I usually go to France or Belgium or perhaps Germany, said 
Gabriel awkwardly. 
– And why do you go to France and Belgium, said Miss Ivors, instead 
of visiting your own land? 
– Well, said Gabriel, it’s partly to keep in touch with the languages 
and partly for a change. 
– And haven’t you your own language to keep in touch with‑ Irish? 
asked Miss Ivors. 
– Well, said Gabriel, if it comes to that, Irish is not my language. 
 
Their neighbours had turned to listen to the cross‑examination. 
Gabriel glanced right and left nervously and tried to keep in good humour 
under the ordeal which was making a blushinvade his forehead. 
– And haven’t you your own land to visit, continued Miss Ivors, that 
you know nothing of, your own people, and your own country? 
– O, to tell you the truth, retorted Gabriel suddenly, I’m sick of my 
own country, sick of it” 
– Why asked Miss Ivors? 
 
Gabriel did not answer for his retort had heated him 
– Why? repeated Miss Ivors. […] 
– Of course, you have no answers 
(JOYCE, 1977, p. 171‑172). 
 
As palavras de Gabriel revelam um dos problemas dos irlandeses, colônia inglesa 
desde a Idade Média: qual era sua língua: o irlandês, que poucos falavam, ou a língua 
inglesa, trazida pelo colonizador? 
Por meio das duas personagens, Joyce dramatiza o conflito de uma nação 
Literatura Inglesa | 
A Literatura Após a Segunda Guerra Mundial: Os Jovens Irados 
www.cenes.com.br | 64 
colonizada, dividida entre dois mundos: é possível voltar ao passado, como se nada 
tivesse acontecido? É possível adotar os valores do colonizador como próprios? O que 
Joyce critica é a cegueira política de uns e o esnobismo cultural dos outros: nem a 
visão romântica da pureza étnica e cultural é possível, nem é factível pensar na cultura 
em termos puramente estéticos. 
Com o fim de relativizar os valores totalizantes da Irlanda, Joyce apresenta Dublin 
e os dublinenses sem nenhum verniz de romantismo, idealismo ou misticismo, mas 
como uma sociedade paralisada por uns e por outros. Ele o faz a partir de um narrador 
em terceira pessoa que, com seu tom intimista (alcançado por meio de trechos 
articulados a partir das estratégias do fluxo da consciência), passa a impressão de a 
estória estar sendo narrada na primeira pessoa. Isso tudo, associado ao momento 
epifânico do conto (momento em que a personagem aprende a suas próprias 
fraquezas), confere um valor simbólico à narrativa, superando os limites do Realismo. 
É aqui que Joyce começa seu experimentalismo, que vai alcançar seu ponto mais alto 
nas obras Ulysses e Finnegan’s Wake. 
Mas nem tudo é desesperança: na neve que cai incessante, esconde‑se a 
possibilidade de novas vidas. Como temos visto, o primeiro levantamento contra o 
colonizador inglês (Easter Rising) aconteceu em 1916, dois anos após Joyce ter 
publicado este conto, e, como explica Eagleton (2005, p. 299), esse movimento foi 
liderado pela mesma classe social que Joyce critica. 
 
13 A Literatura Após a Segunda Guerra Mundial: Os Jovens 
Irados 
Frente a esse panorama pós‑guerra, quando a nação precisava ser reconstruída 
e a economia se aquecia novamente, surgiu um grupo de escritores romancistas, 
poetas e dramaturgos que se chamaram de “Os Jovens Irados”. Eles protestavam 
contra as injustiças econômicas e políticas (o capitalismo americano, a ditadura de 
Stálin) e eram favoráveis a uma arte que não fosse engajada politicamente. 
Quanto ao estilo, diferentemente dos escritores do Modernismo, eram favoráveis 
a uma arte simples e direta, que articulasse todos seus protestos em uma sociedade 
profundamente materialista. 
Entre esses escritores irados, destacam‑se os romancistas Kingsley Amis e Allan 
Silitoe. Entre os dramaturgos, John Osborne, que ficou famoso pela sua peça contra o 
Literatura Inglesa | 
A Literatura Norte‑Americana 
www.cenes.com.br | 65 
establishment, Look Back in Anger (1956). Na poesia, cabe mencionar Philip Larkin. 
 
14 A Literatura Norte‑Americana 
14.1 As Narrativas Coloniais 
Antes da chegada dos europeus à América do Norte, as narrativas dos nativos 
eram muito variadas, segundo a cultura de cada um desses povos. Ao mesmo tempo, 
eram literaturas orais, repassadas de uma geração a outra nas diferentes 
comunidades. VanSpanckeren (1994, p. 3) explica que os povos caçadores, como os 
Navajos, possuíam narrativas diferentes daquelas dos povos agricultores, como os 
Acoma, que viviam em aldeias. Alguns dos elementos em comum eram a reverência 
pela natureza, tratada como uma mãe espiritual. As personagens principais dessas 
narrativas eram derivadas da natureza como animais ou plantas. 
Todos os gêneros orais podem ser encontrados na literatura nativa americana: 
letras de canções, cânticos, mitos, contos de fadas, provérbios, narrativas épicas, 
histórias e lendas. Entre elas, encontram‑se narrativas míticas sobre a criação, segundo 
as crenças e filosofias dos diferentes povos nativos. VanSpanckeren (1994, p. 3) 
menciona, entre as narrativas mais populares (das que existem diferentes versões), a 
de uma tartaruga sustentando o mundo. 
No que diz respeito às canções ou poesias, elas assumem a forma de canções de 
ninar, de guerra, de amor ou de magia e dança. Muitas vezes essas canções se referiam 
a visões tidas em sonhos e, por isso, eram de grande poder curativo. 
Todas essas literaturas orais têm sido resgatadas recentemente, quando o 
cânone literário norte‑americano se pluralizou e as vozes de comunidades antes 
silenciadas, como a afro‑americana, nativa etc., foram nele incluídas. 
As primeiras narrativas que os europeus levaram para a América são “de 
exploração”. Podemos destacar o diário do descobridor de América (1492), Cristóvão 
Colombo, chamado de “Epístola” (1493), em que narra as diferentes peripécias sofridas 
no cruzamento do Oceano Atlântico até a chegada no continente americano. 
Uma das primeiras narrativas de um europeu em solo norte‑americano é a do 
Capitão John Smith 
(1580‑1631), que em 1607 ajudou a fundar a colônia de Jamestown. Seus textos 
True Relation of Virginia (1608) e Description of New England (1616) são propagandas 
Literatura Inglesa | 
A Literatura Norte‑Americana 
www.cenes.com.br | 66 
que tentam persuadir o leitor a se estabelecer no Novo Mundo. Sua narrativa General 
History of Virginia, New England and the Summer Isles (1624) contém uma das 
histórias mais conhecidas do Novo Mundo, a maneira de como ele foi resgatado das 
mãos dos índios pela filha do chefe, a bela índia Pocahontas: 
Two great stones were brought before Powhattan (the Indian 
“King”). Then as many as could, dragged him (Captain Smith) to the king, 
put his head on a stone and, with their clubs, were ready to beat out his 
brains. Pocahontas, the King’s dearest daughter, got his head in her arms, 
and laid down her own head upon his to save him from death. Because, of 
that, the King was contended that he should live (HIGH, 1986, p. 5‑6). 
Aos poucos, as narrativas dos viajantes e exploradores foram substituídas por 
outras, escritas pelos próprios colonos. Como a Inglaterra acabou controlando toda a 
América do Norte, as narrativas em língua inglesa se impuseram. Porem, já na segunda 
metade do século XX, quando a sociedade norte‑americana está se tornando 
explicitamente multicultural, há um desejo de recobrar essa herança cultural mista 
(VANSPANCKEREN, 1994, p. 5). 
Uma dessas narrativas, chamada de “New England Annoyances”, pode ser 
considerada, conforme Lemay (2005), como a primeira música folk da América do 
Norte. É uma paródia dos textos que queriam atrair colonos para o Novo Mundo. 
Porém, em vez de celebrar as bondades do clima, do solo e da abundância da América, 
em um tom de exagero, apresenta com humor as muitas dificuldades e desconfortos 
com que se encontram os novos colonos. 
A música foi escrita em 1643, quando a emigração para a Nova Inglaterra havia 
estagnado, e os colonos estavam experimentando uma época de depressão 
econômica. Ao mesmo tempo, a música era dirigida aos mesmos colonos da Nova 
Inglaterra, lembrando‑lhes todas as dificuldades atravessadas com sucesso, revelando 
que eram, realmente, o povo escolhido por Deus. Parte da piada (que os colonos de 
Nova Inglaterra amavam) era que a música se fazia passar por uma literatura que 
“promovia” o Novo Mundo: 
1 
New England’s annoyances you that would know them, Pray ponder 
these verses which briefly doth show them. 
The place where we live is a wilderness wood, 
Literatura Inglesa | 
A Literatura Norte‑Americana 
www.cenes.com.br| 67 
Where grass is much wanting that’s fruitful and good. 2 
From the end of November till three months are gone, 
The ground is all frozen as hard as a stone, 
Our mountains and hills and vallies below, 
Being commonly covered with ice and with snow. 
3 
And when the north‑western with violence blows, 
Then every man pulls his cap over his nose; But if any is so hardy and 
will it withstand, He loses a finger, a foot, or a hand. 
4 
When the ground opens we then take the hoe, 
And make the ground ready to plant and to sow; Our corn being 
planted and seed being sown, The worms destroy much before it is grown. 
16 
But you who the Lord intends hither to bring, 
Forsake not the honey for fear of the sting; 
But bring both a quiet and contended mind, 
And all needful blessings you surely shall find (LEMAY, 2005, p. 539). 
 
Os puritanos, por sua vez, favoreciam a literatura religiosa, cujo objetivo era 
louvar a Deus e tornar a Bíblia familiar. Eles transitaram por todos os gêneros: sermões 
religiosos; poesia metafísica; relatos religiosos; diários etc. 
Os temas dessas narrativas estavam relacionados ao seu dia a dia, mas sempre a 
partir de uma perspectiva moral e religiosa: a vida era vista como uma prova constante; 
o fracasso levava à condenação; o sucesso era recompensado com a graça de Deus, 
manifestada no bem‑estar econômico. É por isso que o Puritanismo sempre está 
associado ao capitalismo americano. Como aponta VanSpanckeren (1994, p. 5), 
“ambos fundamentam‑se na ambição, no trabalho árduo e na busca permanente do 
sucesso [...] Riqueza e status não eram almejados por si só, mas como reafirmação de 
Literatura Inglesa | 
A Literatura Norte‑Americana 
www.cenes.com.br | 68 
saúde espiritual e promessa de vida eterna”. Para os puritanos, não havia diferença 
entre o mundo secular e o mundo religioso: tudo o que acontecia na vida era um sinal 
da vontade divina. 
Entre os escritores do Puritanismo, cabe destacar a obra da primeira poetisa 
norte‑americana, Anne Bradstreet (c. 1612‑1672), publicada na Inglaterra, onde 
Bradstreet foi criada e educada. Ela emigrou para a América aos 18 anos e seu marido 
tornou‑se governador da Colônia de Massachusetts, que logo seria parte da cidade 
de Boston. 
Seus poemas eram sobre temas religiosos, a vida cotidiana, a família (marido e 
filhos) e também relacionados à natureza. Seus mestres eram os poetas metafísicos 
ingleses. Sua estratégia retórica principal eram os “conceitos”, a superposição de 
temas ou objetos díspares e o tom sempre piedoso. Sua poesia nos mostra o coração 
da mulher puritana no século XVII, como podemos perceber no poema To My Dear 
and Loving Husband: 
If ever there were one, then surely we. 
If ever man were loved by his wife, then thee; 
If ever wife was happy in a man, 
Compare with me, ye women, if you can. I prize thy love more than 
whole mines of gold Or all the riches that the East does hold. 
My love is such that rivers cannot quench, Nor ought but love from 
thee, give recompense. 
Thy love is such I can no way repay, 
The heavens reward thee manifold, I pray. 
Then while we live, in love let’s so persevere 
That when we live no more, we may live ever (BRADSTREET, 1678). 
 
Entre os autores puritanos de narrativas religiosas e intelectuais, destacamos 
Cotton Mather (1663‑1728). Nascido em Boston, estudou em Harvard e publicou 
aproximadamente 400 livros e panfletos durante a sua vida. Seu trabalho mais 
relevante é intitulado Magnalia Christi America (1702). Nela, o autor narra a história 
da igreja na Nova Inglaterra, os primeiros assentamentos e a vida de seus 
Literatura Inglesa | 
A Literatura Norte‑Americana 
www.cenes.com.br | 69 
governadores. Uma das características de sua prosa é o uso do barroco. Nessa 
narrativa, Mather fala sobre a missão divina dos puritanos, de estabelecer o Reino de 
Deus na América. A estrutura desse texto é uma série de narrativas sobre a vida dos 
“santos” americanos. 
Mather é também conhecido por seus textos sobre os julgamentos de Salem, por 
bruxaria, no século XVII, The Wonders of the Invisible World, como aponta Lemay 
(2005, p. 275). Embora ele tenha tentado acalmar a histeria naquele momento sombrio 
da história norte‑americana, seu nome sempre foi associado a esse incidente. Isso 
porque, como acrescenta Lemay, nessa narrativa Mather assume a existência da 
bruxaria e exonera os juízes pela tortura e assassinato dos supostos criminosos. 
 
14.2 A Criação da Tradição Literária Norte‑americana 
O século XIX é de grande importância na formação da tradição literária 
norte‑americana, já que é o momento em que as narrativas do novo continente, 
mesmo sendo escritas em língua inglesa, já não serão mais associadas à tradição 
literária da Inglaterra. A língua inglesa falada na América já havia adquirido a cadência 
e o vocabulário do novo continente, evidenciando a formação de uma nova cultura e, 
por extensão, de uma nova tradição nacional e literária. Como apontam Ashcroft et al. 
(1989), a literatura dos Estados Unidos é a primeira literatura pós‑colonial a se formar 
a partir da diferença cultural entre a Europa, cujo mundo era conhecido e estava 
relacionado a todas as narrativas levadas pelos imigrantes ao novo continente, e as 
que, ao se afastarem das costas europeias, iam adquirindo novos significados. Os 
escritores da Colônia se depararam com um mundo novo, uma nova concepção de 
homem e de sociedade, que pedia novas narrativas. 
Essa ideia da diferença da cultura norte‑americana e, por extensão, da sua 
literatura foi registrada desde as primeiras décadas do século XIX. 
Allen (1972, p. 103) cita Fenimore Cooper como o primeiro romancista 
norte‑americano que, em seu livro Notions of the Americans (Noções dos 
Americanos), aponta o seguinte: 
Praticamente nada há aqui nada que contribua para o enriquecimento do autor, 
como se encontra em veios tão ricos como os da Europa. Não existem anais para o 
historiador; nenhuma loucura para o sátiro; nem costumes para o dramaturgo; nem 
ficções obscuras para o escritor de romances; nem ofensas graves ou pesadas contra 
o decoro para o moralista; nem quaisquer dos ricos auxílios artificiais da poesia. 
Literatura Inglesa | 
A Literatura Norte‑Americana 
www.cenes.com.br | 70 
Da mesma maneira, Allen cita Nathaniel Hawthorne (1972, p. 104), que 30 anos 
após Fenimore Cooper vai apontar o seguinte: 
Nenhum autor pode conceber a dificuldade de escrever um romance acerca de 
um país onde não há sombras, nem antiguidade, nem mistério, nenhum erro pitoresco 
ou tétrico, nem coisa alguma a não ser a prosperidade, como é o caso da minha 
querida terra natal. 
Para Hawthorne, a falta de uma tradição (como a europeia) dificulta a escrita de 
uma literatura ao estilo europeu e vai exigir o desenvolvimento de novos gêneros 
literários. Mas, como também aponta Allen, pouco tempo após Hawthorne escrever 
esse texto acontecem a Guerra Civil e o Período de Reconstrução, eventos que deram 
aos escritores dos Estados Unidos material sombrio suficiente para o desenvolvimento 
de uma literatura nacional. 
Por sua vez, Allen (1972, p. 105) também cita o grande escritor Henry James, que, 
na sua biografia de Nathaniel Hawthorne, aponta para o grande conflito dos escritores 
norte‑americanos: 
Poder‑se‑ia enumerar os itens de uma civilização evoluída, como existe em 
outros países, e que estão ausentes da natureza da vida norte‑americana, até o ponto 
de se indagar o que restou. Nenhum Estado, no sentido europeu da palavra, é na 
verdade quase que sem um nome nacional específico. Nenhum soberano, nem corte, 
nem lealdade pessoal, nem aristocracia, nem igreja, nem clero, nem exército, nem 
serviço diplomático, nem aristocracia rural, nem palácios ou castelos, nem mansões, 
nem velhas casas de campo, nem paróquias, nem casa de telhado de palha seca, nem 
ruínas cobertas de hera; não há famosas universidades, nem escolassecundarias de 
classe média, nem Oxford ou Eton ou Harrow; nenhuma literatura, romances, museus 
ou quadros; nenhuma sociedade política, nenhuma associação esportiva [...]. 
Claro, James está falando de se escrever a partir do contexto europeu, de 
narrativas como, por exemplo, o romance realista, que se apoia em uma cultura onde 
se encontram todas essas grandes instituições. Por isso, os escritores 
norte‑americanos vão apontar o seu olhar não para a Europa, mas para o centro de 
seu continente, desenvolvendo uma nova tradição literária que vai se diferenciar da 
europeia tanto nos seus temas como na sua forma. 
 
Literatura Inglesa | 
A Literatura Norte‑Americana 
www.cenes.com.br | 71 
14.3 O Romantismo Americano 
Como vimos anteriormente, o Movimento Romântico surgiu na Inglaterra com a 
publicação das 
Lyrical Ballads (1798), por Samuel Taylor Coleridge e William Wordsworth. Esse 
movimento significou uma critica ao utilitarismo e materialismo da Revolução 
Industrial, aos valores da Idade da Razão e a reafirmação dos valores pregados pelas 
Revoluções Americana e Francesa, de igualdade, liberdade e fraternidade. 
No caso dos Estados Unidos, o Romantismo coincidiu com “a expansão nacional”, 
a descoberta de uma voz “norte‑americana”, a consolidação da identidade nacional e 
o idealismo emergente dessa época (VANSPANCKEREN, 1994, p. 26). 
O Romantismo implicou um voltar‑se para a natureza, vista como algo “sublime”, 
grandioso e esplendoroso, afirmando a crença no conceito de natureza como 
orgânica, tendo o homem como parte dela (por isso, conhecer o “Ser” não é um 
processo egoísta, mas um processo para se reconectar com a humanidade). Assim, era 
perfeitamente apropriado para o contexto norte‑americano, onde a natureza ocupava 
o centro do palco, a criação de uma nova identidade nacional e cultural fundamentada 
na reconsideração e revalorização do “Ser”, que se manifestava na formação de novas 
palavras, como “self‑reliance” (autoconfiança); “self‑realization” (autorrealização); 
“self‑expression” (autoexpressão). 
O Movimento Transcendentalista, que foi uma reação ao racionalismo do século 
XVIII, está associado ao Romantismo americano. Eles acreditavam na unidade entre 
Deus e o mundo, que se expressava a partir de uma “grande alma” (“oversoul”). Por 
sua vez, a alma de cada homem era parte dessa grande alma, manifestada, por 
exemplo, no contato com a natureza. Assim, quando o poeta estava em uma paisagem 
sublime, como a americana, por meio de sua “imaginação” (a ferramenta de 
conhecimento dos românticos), ele transcendia o plano material e entrava no plano 
espiritual. Nesse momento, sua alma e essa “grande alma” tornavam‑se um só, Deus 
e o homem uniam‑se. Como explica VanSpanckeren (1994, p. 27) “a doutrina da 
autoconfiança e do individualismo norte‑americano desenvolveu‑se a partir da crença 
na identificação da alma individual com Deus”. 
 
14.4 Os Ensaístas 
Seus representantes podem ser agrupados em ensaístas, romancistas e poetas e 
Literatura Inglesa | 
A Literatura Norte‑Americana 
www.cenes.com.br | 72 
são considerados os pais da tradição literária norte‑americana. No caso dos ensaístas, 
destacam‑se os dois grandes pensadores Ralph Waldo Emerson e Henry David 
Thoreau. 
Ralph Waldo Emerson (1803‑82) nasceu em Boston e era filho de um ministro 
unionista, membro de uma antiga família puritana. Estudou na Universidade de 
Harvard, mas suas dúvidas sobre o dogma cristão fizeram com que abandonasse sua 
carreira como ministro. Viajou à Europa, onde conheceu Wordworth e Coleridge, por 
meio de quem se familiarizou com o transcendentalismo e o idealismo alemão. 
Também estudou os textos sagrados, as religiões orientais e filósofos ingleses como 
Hume e Locke. Foi ensaísta e poeta. Emerson apelou ao surgimento do individualismo 
americano, inspirado na natureza do continente, como pode se observar em alguns 
de seus ensaios mais famosos, como Self‑Reliance e The Over‑Soul. Em seu livro 
Nature (1836), Emerson expressa seu amor pelos cenários naturais, a necessidade de 
uma visão nacional, a confiança na experiência pessoal e a noção da “Grande Alma”. 
Aplicou suas ideias transcendentalistas aos problemas nacionais, como se pode ler em 
“The American Scholar” (1837). 
Conforme apontado por Allen (1972, p. 141), Henry David Thoreau (1817‑1862), 
o jovem amigo de Emerson, é o homem de Emerson (descrito nos seus ensaios) em 
carne e osso. A obra‑prima de Thoreau é Walden or Life in the Woods (1854). Ela é o 
resultado das experiências coletadas nos dois anos, dois meses e dois dias (1845 a 
1847) em que morou em uma cabana, construída por ele mesmo, dentro da 
propriedade Walden Pond, de Emerson. Essa obra está inspirada não no 
transcendentalismo, mas nas teorias filosóficas orientais. Lembra a vida na fronteira e 
abre as fronteiras internas de autodescobrimento. 
Seu outro ensaio famoso, “Civil Disobedience”, em que teoriza sobre a resistência 
pacífica, inspirou Mahatma Gandhi, líder da libertação da índia do império britânico, 
e também as lutas pelos direitos civis do líder afro‑americano Martin Luther King, nas 
décadas de 1950 e 60. 
Seus interesses ecológicos, sua autossuficiência e sua rígida ética fazem com que 
as ideias de Thoreau continuem vigentes ainda hoje. 
 
Literatura Inglesa | 
A Literatura Norte‑Americana 
www.cenes.com.br | 73 
14.5 Os Poetas 
Walt Whitman e Emily Dickinson 
Emerson foi uma grande influência dos poetas americanos do Romantismo, 
como Walt Whitman (1819‑1892) e Emily Dickinson (1830‑1886). Whitman foi o poeta 
que Emerson exigia da sua época. 
Oriundo de Nova York, foi impressor e jornalista, bem como editor do jornal 
Eagle de Brooklin. Logo, trabalhou no jornal Crescent, em Nova Orleans, e, de volta a 
Nova York, foi jornalista do The Freeman, do Brooklyn. 
Ele se opunha à expansão da escravatura aos territórios adquiridos após a Guerra 
com o México. Durante a Guerra Civil, trabalhou como enfermeiro tanto no campo de 
batalha como nos hospitais militares de Washington. 
Ficou conhecido em 1855, quando publicou sua obra poética Leaves of Grass 
(Folhas de Erva [ou grama]), que, como seu nome indica, já mostra a afinidade do 
poeta com a natureza, na linha de Emerson e Thoreau. Na capa do livro, não havia o 
nome de autor, mas na contracapa aparecia o retrato de um homem em mangas de 
camisa, com uma mão no bolso, outra na cintura e aspecto de trabalhador. A ausência 
do nome, mas a presença de sua imagem eram um manifesto poético e político cuja 
intenção era significar‑se como o “novo poeta”, o porta‑voz da gente comum, com a 
qual ele se identificava. Somente aqueles que liam o livro sabiam quem o poeta era: 
Walt Whitman, a kosmos, of Manhattan the son, 
Turbulent, fleshy, sensual, eating, drinking and breeding, No 
sentimentalist, no stander above men and women or apart from them, 
No more modest than immodest (WHITMAN, 1992, p. 50). 
Como já anuncia na Introdução ao poema, Whitman canta o novo 
homem norte‑americano e sua nova sociedade democrática. 
Leaves of Grass é uma coleção de poemas. O mais longo de todos, 
título de seus poemas, é Song of Myself (Canção de Mim Mesmo), em que 
o poeta se apresenta como norte‑americano: 
My tongue, every atom of my blood, formed from this soil, this 
air, 
Born here of parents born here from parents the same, and 
Literatura Inglesa | 
A Literatura Norte‑Americana 
www.cenes.com.br | 74 
their parents the same, 
I, now, thirty‑seven years old in perfect health begin, Hoping not to 
cease till death (WHITMAN, 1992, p. 52). 
 
Song of Myself é um poema de 52 estrofes ou partes. Como indica Allen (1972, 
p. 150), é uma apologia a si mesmo. Porem, não é bem ele, a apologia não é ao 
Whitman homem, mas ao poeta ao estilo dos poetas do Romantismo inglês, esse ser 
ideal cuja visão vai além da do homem comum. Esse é um poema de aceitação, que 
revela o espírito democráticowhitmaniano ao incluir homens e mulheres de todas as 
classes, raças e profissões na formação da nação americana. Por isso, uma de suas 
estratégias retóricas principais é o “catálogo” por meio dos quais inclui o povo 
norte‑americano no seu canto, como na estrofe 15: 
The pure contralto sings in the organ loft, 
The carpenter dresses his plank… 
The married and unmarried children ride home to their 
Thanksgiving dinner. 
The pilot seizes the king‑pin… 
The mate stands braced in the whale‑boat… 
The duck‑shooter walks by silent… 
The deacons are ordained with crossed hands… 
The spinning girl retreats and advances to the hum of the big wheel… 
The farmer stops by the fence… 
The lunatic is carried at last to the asylum… (WHITMAN, 1992). 
 
Por sua vez, o símbolo principal do poema, que representa esse espírito de 
democracia, é a grama: presente em todo o continente, acessível para todos, elemento 
unificador entre cultura e natureza, bandeira do espírito democrático da nação: 
A child said What is the grass? Fetching it to me with full hands; 
How could I answer the child? I do not know what it is any 
Literatura Inglesa | 
A Literatura Norte‑Americana 
www.cenes.com.br | 75 
 more than he. 
I guess it must be the flag of my disposition, out of hopeful 
 green stuff woven. 
Or I guess it is the handkerchief of the Lord, 
A scented gift and remembrancer designedly dropt, Bearing the 
owner’s name someway in the corners, that we May see and remark, 
and say Whose? 
Or I guess the grass is itself a child, the produced babe of the 
vegetation. 
Or I guess it is a uniform hieroglyphic 
And it means, Sprouting alike in broad zones and narrow 
zones, 
Growing among black folks and among white, 
Kanuck, Tuckahoe, Congressmen, cuff, I give them the 
same, I receive them the same (WHITMAN, 1992). 
 
A grama é então o símbolo da vida e também o elemento unificador que nasce 
entre todos os seres humanos. É o “lenço” de Deus com seu nome escrito nele. Aceitar 
a grama é aceitar a vida e a morte, pois significa nova vida e, como aponta Allen (1972, 
p. 152), percorre os Estados Unidos, incluindo e aceitando todos. 
Nessa época, a forma dos versos de Whitman, verso livre, foi tão revolucionária 
como seu tema e encontrou grande resistência da estética estabelecida, mas grande 
aceitação pelos transcendentalistas como Emerson, que viam no poema a articulação 
das suas teorias. É interessante notar que Whitman construiu um estilo para recriar e 
articular essa nação norte‑americana, também em processo de formação e expansão 
territorial. 
A unidade do poema é o verso que, às vezes, continua em mais de uma linha, 
enquanto as estrofes são irregulares. Mas o traço comum a esses versos, como diz 
Allen (1972, p. 155), é “o sentimento de espaço, distância e movimento” e também sua 
grande visualidade. Por isso, é um poema de energia contagiosa. 
Literatura Inglesa | 
A Literatura Norte‑Americana 
www.cenes.com.br | 76 
Outra característica é o uso da linguagem: Whitman não utiliza linguagem formal 
como Emerson, mas emprega todo o vocabulário disponível de seu tempo: a 
linguagem das ruas, a dos discursos políticos, o jargão da ciência. Da mesma maneira, 
se utiliza de palavras de outras línguas: francês, italiano, espanhol etc. 
Como dissemos, Emily Dickinson (1830‑1886) foi a grande poetisa do século XIX. 
Ela era oriunda da cidade calvinista de Amherst, Massachusetts. Dickinson se recusou 
ao papel convencional da mulher no século XIX: não se casou nem levou uma vida 
religiosa ativa. Assim, a poesia tornou‑se sua ferramenta para se problematizar e se 
comunicar com o mundo: 
(569) 
I reckon –when I count at all‑ 
First –Poets‑ Then the Sun‑ 
Then Summer‑ Then the Heaven of GodAnd then –the List is done‑ 
But, looking back –the First so seems 
To Comprehend the Whole‑ 
The Others look a needless Show‑ 
So I write –Poets‑ All (JOHNSON, 1986, p. 665). 
 
Assim, por meio de sua poesia, Dickinson estabeleceu uma relação dialógica com 
a sociedade. Na esfera do privado e pessoal, sua poesia referia‑se a temas não 
convencionais para uma mulher: ela não louvava o amor ou a família, mas se utilizava 
da poesia para problematizar os valores de sua sociedade. Na esfera social, e 
diferentemente de Whitman, não se interessou pelas grandes causas nacionais, como 
a Guerra Civil. 
Dickinson levou uma vida de reclusão dentro dos muros de sua casa em Amherst, 
mantendo uma relação muito afetuosa com sua irmã, seu irmão e sua cunhada. 
Contudo, diferentemente das mulheres de sua época, não se casou nem teve filhos, 
preferindo a vida do intelecto: 
(303) 
The Soul selects her own SocietyThen –shuts the DoorTo her divine 
Majority‑ 
Literatura Inglesa | 
A Literatura Norte‑Americana 
www.cenes.com.br | 77 
Present no more‑ (JOHNSON, 1986, p. 304). 
 
Em 1850, deixou frequentar a Igreja, mantendo uma atitude crítica em relação ao 
discurso religioso, o que mostrava a influência dos transcendentalistas e seu louvor à 
natureza em sua obra: 
(324) 
Some keep the Sabbath going to ChurchI keep it, staying at 
homeWith a Bobolink for a Chorister‑ 
And an Orchard, for a Dome (JOHNSON, 1986, p. 306). 
 
Porém, diferentemente de Whitman, Dickinson nunca se converteu a essa 
doutrina ou a nenhuma outra. Assim, sua poesia é como um pivô a partir do qual ora 
considera os princípios do protestantismo, ora os do transcendentalismo, tomando 
elementos de ambos e não se convertendo a nenhum. 
Durante sua vida, Dickinson só publicou 7 poemas dos 1.775 que escreveu e 
foram encontrados, após sua morte, espalhados por toda a casa da família. Um dos 
motivos é que seus temas e formas são não convencionais. Nos poemas, Dickinson 
foca‑se no autoconhecimento e na individualidade. Seus poemas não têm nomes, 
tendo sido então numerados na ocasião de sua publicação, no século XX, muitos anos 
após sua morte. Da mesma maneira, eles são elípticos e opacos, muitas vezes 
dificultando sua leitura. Essas características definem a poesia de Dickinson como de 
“ruptura” e questionamento. Porém, isso não significa que Dickinson era contra a sua 
publicação. Como fala no poema 441: 
This is my letter to the World 
That never wrote to Me‑ 
The simple News that Nature told‑ 
With tender Majesty 
Her message is committed 
To Hands I cannot see‑ 
For love of Her –Sweet‑ countrymen 
Literatura Inglesa | 
A Literatura Norte‑Americana 
www.cenes.com.br | 78 
Judge Tenderly –of Me (JOHNSON, 1986, p. 410). 
 
O motivo pelo qual Dickinson publicou poucos poemas em vida foi por se negar 
a modificá‑los para agradar aos editores e público da época. 
Os temas de seus poemas são a morte, o amor, Deus, a natureza, o Paraíso, a 
religião, a eternidade, as flores, a dor, a alma, a oração, o coração. O seu tom é irônico, 
sagaz e muitas vezes desrespeitoso com os valores de sua comunidade. Por meio 
deles, Dickinson questiona as crenças da sua sociedade, mostra que as verdades não 
são nem permanentes, nem eternas, e reconceitualiza os valores, a partir de diferentes 
perspectivas: 
(657) 
I dwell in Possibility‑ 
A fairer House than ProseMore numerous of Windows‑ 
Superior –for Doors‑ (JOHNSON, 1986, p. 605). 
 
É por isso que os críticos chamam a poesia de Dickinson de “heurística”, no 
sentido de representarem sua busca pelo conhecimento e seu desejo de melhor 
entender o mundo. 
Um exemplo desses questionamentos está em sua própria escrita, que às vezes 
apresenta determinada perspectiva sobre um tema, mas logo, em outro poema, 
discute a mesma temática sob uma ótica diferente. Por exemplo, nos seguintes 
poemas sobre a oração: 
(502) 
At least –to pray‑ is left –is left‑ 
Oh Jesus, ‑in the Air‑ 
I know not which your chamber is‑ 
I’m knocking –everywhere‑ (JOHNSON, 1986, p. 510). 
 
(437) 
Literatura Inglesa | 
A Literatura Norte‑Americana 
www.cenes.com.br | 79 
Prayer is the little implement 
Throughwhich Men reach 
Where Presence –is denied them. They fling their Speech 
By means of it –in God’s Ear‑ 
If then He hearThis sums the Apparatus 
Comprised in Prayer‑ (JOHNSON, 1986, p. 435). 
 
O eu lírico veste diferentes máscaras nos diferentes poemas. Por sua vez, a sintaxe 
dos poemas é quebrada porque revela a mente no processo de enunciar o 
pensamento. É o tom hesitante do eu lírico que vai construindo suas ideias à medida 
que o poema é enunciado, o que torna a leitura difícil para o leitor. 
Diferentemente, então, da poesia de Whitman, que é extrovertida e uma explosão 
de energia, a poesia de Dickinson é introspectiva e de reflexão. Como a poeta fala no 
poema 832, a melhor maneira de conhecer o mundo é por meio do 
autoconhecimento: 
Soto! Explore thyself! 
Therein thyself shall find 
The ‘Undiscovered Continent’ 
No settler had the mind (JOHNSON, 1986, p. 801). 
 
14.6 O Naturalismo Norte‑americano – Uma Crítica Social: Os Poetas 
Embora o romance ocupe o centro da cena, neste período destacam‑se os nomes 
de três poetas, associados a outra região dos Estados Unidos: o Meio‑Oeste. Eles são 
Carl Sandburg (1878‑1967), Edgar Lee Masters (1868‑1950) e Vachel Lindsay 
(1879‑1931). 
Como a poesia de Whitman, o poema Chicago (1916) de Carl Sandburg é urbano 
e expansivo na medida em que recria o ritmo e a vertigem da vida de uma das grandes 
cidades industriais do norte dos Estados Unidos, na virada do século: 
Hog Butcher for the World, 
Literatura Inglesa | 
A Literatura Norte‑Americana 
www.cenes.com.br | 80 
Tool maker, Stacker of Wheat, 
Player with Railroads and the Nation’s Freight Handler; 
Stormy, husky, brawling, 
City of the Big Shoulders: (SANDBURG, 1994). 
 
Essa poesia mostra o experimentalismo de Sanburg com a linguagem coloquial 
e o verso livre, que contribuiu para a formação da Escola de Escritores de Chicago, à 
qual pertenciam, entre outros, Edgar Lee Master, Theodore Dreiser e Vachel Lindsay. 
Nesse poema, ele se utiliza da língua vernácula do Meio‑Oeste para celebrar, em 
um estilo whitmaniano, a vida das pessoas simples, envolvidas nessa sociedade 
altamente industrializada. Embora reconheça o caráter destrutivo desse tipo de vida, 
o poeta prefere enfatizar a habilidade do ser humano para se impor sobre as 
dificuldades da sociedade industrial. 
 
14.7 Os Poetas do Modernismo Norte‑Americano 
Ezra Pound (1885‑1972) foi um dos poetas mais destacados do Modernismo. 
Durante sua estada na Europa (1908‑1920), esteve em contato com muitos escritores 
de renome, entre eles o poeta irlandês William Butler Yeats. Pound revisou e melhorou 
o poema The Waste Land do escritor norte‑americano, também residente na Europa, 
T. S. Eliot. 
Pound foi o representante principal da escola poética do imagismo, que era a 
favor de uma apresentação clara e visual. Ele queria encontrar beleza nas coisas 
simples. Os princípios do imagismo eram evitar o uso supérfluo de palavras: somente 
deveriam ser usados aqueles adjetivos que revelassem alguma coisa de importância; 
da mesma maneira, era contra o uso de abstrações e a favor de expressar diretamente 
os temas por meio de figuras concretas. Segundo ele, a composição deveria seguir o 
ritmo da música. Pound era contra o uso de metáforas ou símbolos que remetessem 
o leitor a algum referente fora do poema. Para ele, o poder da poesia era produto da 
linguagem e não do contexto social. Ele era, no entanto, a favor da justaposição de 
elementos díspares. 
Essa técnica é exemplificada no seu haicai In a Station of the Metro (1913): 
Literatura Inglesa | 
A Literatura Norte‑Americana 
www.cenes.com.br | 81 
In a Station of the Metro 
The apparition of these faces in a crowd; 
Petals on a wet, black bough (POUND, 1913). 
 
No poema, que tem a concentração pictórica dos ideogramas chineses ou dos 
poemas japoneses, haicai, os dois elementos, rostos e pétalas, são paralelos e se 
relacionam de maneira sincrônica. A estratégia retórica utilizada é o “símile” e não a 
metáfora, em que um elemento significa outro. 
Para Pound, o poema deveria capturar o instante quando um objeto exterior 
tornava‑se uma experiência subjetiva. Para ele, era essa a essência da poesia do 
Modernismo, a união do objeto e do pensamento, o exterior e o interior (RULAND; 
BRADBURY 1991). 
Sua obra mais importante, The Cantos, possui alusões a obras literárias e artísticas 
de eras e culturas diferentes, o que torna sua leitura difícil. 
Como Ezra Pound e também T. S. Eliot, Robert Frost (1874‑1963), oriundo da 
Califórnia, mas criado em uma fazenda no nordeste dos Estados Unidos, foi para a 
Inglaterra atraído pelos novos movimentos poéticos. Seus poemas narram a vida no 
campo e apelam para a nostalgia do passado, evocada pelas imagens da colheita de 
maças, os muros de pedra e cercas que dividem os campos, as estradas solitárias. Sua 
poesia era do agrado do público pelo vocabulário simples, as metáforas acessíveis e 
o uso de rima. Porém, como a prosa de Hemingway, as poesias aparentemente simples 
de Frost sugerem outro nível de significação, como no poema The Road not Taken: 
Two roads diverged in a yellow wood, 
And sorry I could not travel both 
And be one traveler, long I stood 
And looked down one as far as I could To where it bent in the 
undergrowth; 
Then took the other, as just as fair, 
And having perhaps the better claim, 
Because it was grassy and wanted wear; 
Literatura Inglesa | 
A Literatura Norte‑Americana 
www.cenes.com.br | 82 
Though as for that, the passing there 
Had worn them really about the same, 
And both that morning equally lay In leaves no step had trodden 
black. 
Oh, I kept the first another day! Yet knowing how way leads on to 
ways, I doubted if I should ever come back. 
I shall be telling this with a sigh 
Somewhere ages and ages hence: 
Two roads diverged in a wood, and I— 
I took the one less traveled by, 
And that has made all the difference (FROST, 1916). 
 
Outro poeta a ser mencionado é Wallace Stevens (1879‑1955), nascido na 
Pensilvânia e aluno de Harvard. Foi um homem de negócios e, ao mesmo tempo, um 
poeta. Para Stevens, a forma da arte deve corresponder à natureza. Seu vocabulário é 
variado, e o tom de seus poemas, humorístico ou irônico. Em alguns dos seus poemas, 
resgata a cultura popular, enquanto em outros critica a cultura sofisticada. Porém, seus 
poemas são altamente intelectualizados e ficaram conhecidos por seus intricados 
jogos de palavras e seu caráter simbólico, como em seu poema Anecdote of the Jar: 
I placed a jar in Tennessee, And round it was, upon a hill. It made the 
slovenly wilderness Surround that hill. 
The wilderness rose up to it, 
And sprawled around, no longer wild. 
The jar was round upon the ground And tall and of a port in air. 
It took dominion every where. The jar was gray and bare. 
It did not give of bird or bush, 
Like nothing else in Tennessee (STEVENS, 1923). 
 
Literatura Inglesa | 
A Literatura Norte‑Americana 
www.cenes.com.br | 83 
Neste poema, o fato de ter colocado uma “jarra” em Tennessee traz ordem 
natural ao caos da existência, porque tudo se acomoda ao redor dela. 
William Carlos Williams (1883‑1963), como Stevens, também tinha outras 
ocupações à parte da escrita de poesia. Ele foi pediatra por toda sua vida. Era defensor 
da linguagem coloquial e trazia para seus poemas os ritmos do inglês 
norte‑americano. Isso ajudou a poesia norte‑americana a se diferenciar da poética 
inglesa, como a métrica iâmbica, ainda de importância desde a Renascença. 
Williams tratava de temas corriqueiros e encontrava beleza nos objetos simples 
do dia a dia. Por isso, ele chamou sua poesia de “objetivista” para sugerir a importância 
dos objetos concretos. Esse processo se revela no seu poema The Red Wheelbarrow 
(1923): 
so much depends upon 
a red whee barrow 
glazed with rain water 
besides the white chickens (WILLIAMS, 1923). 
 
O poema, noestilo da poesia imagista, tem um caráter pictórico e foca‑se na 
imagem de um carrinho de mão: a ideia é evitar abstrações e fazer uma representação 
objetiva de um objeto. O poema revela o desejo de Williams de escapar de símbolos 
complexos que separavam a poesia da realidade. 
 
14.8 A Poesia Norte‑Americana Nas Décadas de 1940 e 50 
Na década de 1950, a poesia tradicional norte‑americana se distingue pela sua 
dicção convencional, usando rima ou padrão métrico preestabelecido, de grande 
precisão e tom realista. Essa poesia estará em contraponto com a poesia experimental, 
que pode ser dividida em cinco escolas: Escola de Black Mountain; Escola de São 
Francisco; Escola de Nova York; Poetas Beat; Surrealismo e Existencialismo. 
Esses poetas inspiraram‑se no jazz, na pintura expressionista abstrata. Eram 
intelectuais de contracultura que se dissociaram das universidades (onde lecionavam 
os poetas tradicionais norte‑americanos, como Richard Wilbur) e criticavam a 
sociedade burguesa. 
Literatura Inglesa | 
A Literatura Norte‑Americana 
www.cenes.com.br | 84 
Na sua busca por novos valores, escreveram uma poesia ousada, de grande 
originalidade e, às vezes, chocante. Há uma volta às tradições indígenas 
norte‑americanas. Como no caso do Romantismo, esses poetas estavam a favor da 
composição espontânea. 
Vamos nos focar nos poetas Beat, que surgiram na década de 1950 em São 
Francisco. Os principais foram Allen Ginsberg e Jack Kerouac. Essa era uma poesia para 
ser lida e, por isso, muitos a consideram como uma antecipação do rap, predominante 
na década de 1990. Foi a poesia que mais criticou os valores do establishment da 
sociedade burguesa e capitalista norte‑americana, no sentido de ter perdido a sua 
inocência e se corrompido pelo materialismo, como narra Allen Ginsberg no seu 
poema Howl (1954): 
I saw the best minds of my generation destroyed by madness, 
starving, histerical, naked, dragging themselves thorugh the negro streets 
at dawn looking for an angry fix, angel headed hippies burning for the 
ancient heavenly connection to the starry dynamo in the machinery of night, 
[….] 
Who were expelled from the academies for crazy & publishing 
obscene Odes on the windows of skulls… (GINSBERG, 1996, p. 49). 
 
14.9 A Literatura das Décadas de 1960 e 70. A Inovação das Mulheres Poetas 
Há três poetisas norte‑americanas que desenvolveram um estilo ímpar e 
escreveram num estilo confessional: Sylvia Plath (1932‑1963), Anne Sexton 
(1928‑1974) e Adrienne Rich (1929). Elas se utilizam do verso livre e escrevem sobre 
momentos de dor de forma reveladora. Para elas, esses momentos de sofrimento 
mostravam o espírito da época. A poesia escrita por elas tinha suas raízes no seu corpo 
e na existência feminina. 
Por exemplo, Rich reflete em seu ensaio When we dead awaken: writing as 
re‑vision: “Na década de 1950, eu podia escrever, pela primeira vez, sobre minha 
experiência como mulher... Até então, tinha tentado não me identificar como uma 
mulher poeta”. 
Ramazani et al. (1973) explicam que Rich, Sexton e Plath se utilizaram do estilo 
confessional para expressar suas visões, contra as normas literárias e sociais impostas 
às mulheres norte‑americanas. Elas expressavam seus desejos, ódios e impulso suicida 
Literatura Inglesa | 
A Ficção Norte‑Americana 
www.cenes.com.br | 85 
em termos intimistas. 
No poema Ariel, Plath livra‑se de suas responsabilidades mundanas e monta seu 
cavalo, rumo ao amanhecer: 
The child’s cry Melts in the wall. 
And I 
Am the arrow, 
The dew that flies 
Suicidal, at one with the drive 
Into the red 
Eye, the cauldron of morning (PLATH, 1965). 
 
15 A Ficção Norte‑Americana 
15.1 Da Paisagem Europeia à Norte‑Americana 
Os primeiros ficcionistas que vão se destacar são Charles Brockden Brown 
(1771‑1810), Washington Irving (1789‑1859) e James Fenimore Cooper (1789‑1851). 
A sensibilidade gótica de Brockden Brown mostra o momento de tradução cultural da 
Europa para a América. Se, por um lado, ele se inspirou nos grandes escritores do 
gênero, como Anne Radcliffe (autora do famoso romance gótico The Mysteries 
of Udolpho), por outro lado, o uso desse gênero deu relevância e voz à grande 
ansiedade que esse mundo novo, cheio de promessas, mas também de incerteza, 
representava para o escritor. Por sua vez, Washington Irving ficou conhecido pelas 
suas estórias ou “esboços”, como Rip Van Winkle e The Legend of Sleepy Hollow (A 
Lenda do Vale Sonolento), que, mais uma vez, são um hibrido europeu‑americano. 
Embora sejam adaptações de lendas alemãs (VANSPANCKEREN, 1994, p. 22), a estória 
está ambientada nas montanhas Catskills dos Estados Unidos. 
Diferentemente desses escritores, James Fenimore Cooper não procurou sua 
inspiração na tradição europeia, mas focou‑se, como explica VanSpanckeren (1994, p. 
23), no mito e na história americana: a invasão dessa terra atemporal que era a 
América. Sua personagem principal, Natty Bumppo, dramatiza a visão do explorador 
norte‑americano no seu desejo de conquistar a fronteira e o território dos nativos. Em 
Literatura Inglesa | 
A Ficção Norte‑Americana 
www.cenes.com.br | 86 
seu primeiro romance, The Pioneers (Os Pioneiros), de 1823, Cooper apresenta 
Bumppo como “o primeiro desbravador famoso na literatura americana, bem como o 
predecessor de inúmeros caubóis e heróis do interior. É aquele individualista de firmes 
valores morais, com os valores de um cavaleiro medieval, que se destaca das pessoas 
da sociedade que ele mesmo defende” (VANSPANCKEREN, 1994, p. 24). O interessante 
de Bumpoo é estar sempre fugindo para a fronteira, como que tentando escapar dos 
mesmos colonos guiados por ele ao coração desse território desconhecido. A vida de 
Natty Bumppo é o elo entre os cinco romances (entre os quais pertence The Pioneers) 
da série Leather‑Stocking Tales (Os Contos das Perneiras de Couro): O Último dos 
Moicanos (1826); A Planície (1827); O Guia (1840) e O Caçador (1841). O palco dessas 
narrativas é a fronteira entre 1740 e 1804; suas personagens principais são índios e 
colonos; seu tema principal, as diferentes ondas de colonização. 
 
15.2 O “Romance” Norte‑Americano: A Primeira Metade do Século XIX 
Os grandes nomes da ficção norte‑americana no século XIX são Nathaniel 
Hawthorne (1804‑1864), Herman Melville (1819‑1891) e Edgar Allan Poe (1809‑1849). 
VanSpanckeren (1994, p. 36) explica que, no Romantismo norte‑americano, a visão 
romântica tendia a se expressar na forma que Hawthorne denominou “romance”: um 
tipo elevado, emocional e simbólico do romance. Os romances não eram historias de 
amor, mas obras sérias que usavam técnicas especiais para comunicar significados 
complexos e sutis. 
Em vez de definir cuidadosamente e em detalhe as personagens realistas, como 
fazia a maioria dos romancistas ingleses ou continentais, esses escritores formaram 
figuras heroicas grandiosas, impregnadas de significados míticos. Como explica 
VanSpanckeren (1994, p. 36), os protagonistas típicos do romance americano eram 
atormentados e alienados. Hester Prynne, em The Scarlet Letter, ou Ahab de Melville, 
em Moby Dick, e as inúmeras personagens isoladas e obcecadas dos contos de Poe 
são protagonistas solitárias enfrentando destinos obscuros que, de modo misterioso, 
brotam de seus inconscientes mais profundos. As tramas simbólicas revelam ações 
escondidas de um espírito angustiado. 
Uma razão para a exploração fictícia dos recônditos da alma, como acrescenta 
VanSpanckeren (1994), é a ausência de uma vida comunitária consolidada e tradicional 
na América. Os romancistas ingleses viviam em uma sociedade complexa, bem 
articulada e tradicional, e compartilhavam com os leitores atitudes que informavam 
sua ficção realista. Pense, por exemplo, nos romances de Jane Austen ou Charles 
Literatura Inglesa | 
A Ficção Norte‑Americana 
www.cenes.com.br | 87 
Dickens, ou Emily Brontë. Em contraponto, os romancistasnorte‑americanos se 
defrontavam com uma historia de luta e revolução, geografia de vastos ermos e 
sociedade democrática fluida e pouco estratificada. Por isso, os romances 
norte‑americanos revelam falta de tradição ao estilo europeu, mas, ainda mais 
importante, revelam o processo de criação de uma nova tradição, com as 
características do local onde está sendo enunciado. Muitos romances (novel) ingleses 
mostram um protagonista pobre ascendendo econômica e socialmente devido a um 
bom casamento ou à descoberta de um passado aristocrático escondido. Mas essa 
trama oculta não desafia a estrutura social aristocrática da Inglaterra; ao contrário, 
vem confirmá‑la. A ascensão da personagem satisfaz o desejo dos leitores, em sua 
maioria, de classe média. Já o romancista norte‑americano tinha que depender de 
seus recursos. A América do Norte era em parte uma fronteira indefinida e em 
constante movimento, povoada por imigrantes falando línguas estrangeiras e 
seguindo costumes rudes e estranhos. 
Por sua vez, o romancista norte‑americano tinha que inventar novos modelos. 
Daí, a forma idiossincrática de muitas das narrativas da época revelando que, em vez 
de tomar emprestados modelos literários já experimentados, os norte‑americanos 
tenderam a inventar novas técnicas criativas. É essa a razão de suas obras, mais do 
que ter lugar em uma paisagem urbana e social, acontecerem na psicologia dos 
personagens, cuja herança puritana os coloca num embate do bem contra o mal. 
Nathaniel Hawthorne (1804‑1864) nasceu em Salem, Massachusetts, onde sua 
família residiu desde 1630, com a chegada de seu ancestral, John Winthrop, à América. 
O tataravô do escritor foi um dos juízes do famoso julgamento das mulheres acusadas 
de bruxaria em Salem, em 1692. 
De alguma maneira, Hawthorne sentiu‑se culpado pelas ações de seus ancestrais 
e também por ser um artista quando os puritanos condenavam esse tipo de atividade. 
Diferentemente de Melville, Hawthorne escreve sobre o homem em sociedade, 
mas sempre sofrendo por alguma culpa secreta, o que o mantém isolado do resto da 
comunidade. Seu interesse nos lugares recônditos da mente e da alma fizeram‑no, 
como Poe, desenvolver o gênero gótico. No entanto, impulsionou também um novo 
tipo de gênero literário chamado “romance”, que é diferente do que aqui chamamos 
“romance”. 
No Brasil, usamos a palavra romance para denominar o que em inglês é 
conhecido como novel e novela para denominar o gênero que, em inglês, é chamado 
de romance. O termo “novela” usado no Brasil para dar nome àqueles episódios em 
Literatura Inglesa | 
A Ficção Norte‑Americana 
www.cenes.com.br | 88 
série apresentados na TV, em inglês, é conhecido por soap opera. 
Hawthorne criou o romance (novela) devido à falta de tradição literária nos 
Estados Unidos, quando comparada com a tradição literária europeia, como explica 
no prefácio de seu romance (novela) The House of the Seven Gables (1851): 
When a writer calls his work a Romance, it need hardly be observed 
that he wishes to claim a certain latitude, both as to its fashion and material, 
which he would not have felt himself entitled to assume had he professed 
to be writing a novel. The latter form of composition is presumed to aim at 
a very minute fidelity, not merely to the possible, but to the probable and 
ordinary course of man’s experience. The former – while as a work of art, it 
must rigidly subject itself to laws, and while it sins unpardonably so far as it 
may swerve aside from the truth of the human heart – has fairly a right to 
present that truth under circumstances, to a great extent, of the author’s 
own choosing or creation. If he thinks fit, also, he may manage his 
atmospheric medium as to bring out or mellow the lights and deepen and 
enrich the shadows of the picture. He will be wise, no doubt, to make a very 
moderate use of the privileges here stated, and specially, to mingle the 
Marvellous rather as a slight, delicate, and evanescent flavour than as any 
portion of the actual substance of the dish offered to the public 
(HAWTHORNE, 1999, p. 1). 
 
Enquanto o romance (novel), no sentido europeu, pertence ao mundo do “real”, 
o romance (novela), na definição de Hawthorne, tem a ver com esse lugar entre a 
realidade e a fantasia e nota‑se nele, de maneira explícita, a criação imaginativa do 
autor, que nos romances realistas fica disfarçada pela verossimilhança: o desejo de 
efeito de verdade. Da mesma maneira, diferente do romance (novel), o romance 
(novela), na definição de Hawthorne, lhe permitia assumir uma posição neutra entre o 
passado e o presente, o racional e o irracional, o real e a fantasia. 
Devido às múltiplas interpretações a que essas narrativas dão lugar, sua 
estratégia retórica mais importante é a alegoria. Para os puritanos, Deus era 
onipresente. Por isso, para eles qualquer acontecimento, grande ou pequeno, poderia 
ser um sinal de Deus ou do demônio e precisava ser traduzido. Por esse motivo, ele 
considerava a vida uma alegoria. Contudo, diferentemente do símbolo, que é 
polivalente, a alegoria só podia ter uma interpretação correta, sempre associada com 
o Bem e o Mal. 
Literatura Inglesa | 
A Ficção Norte‑Americana 
www.cenes.com.br | 89 
Hawthorne era, então, um alegorista natural. Mas, sendo um homem do século 
XIX, ele entendia a alegoria como nós entendemos os símbolos hoje: de maneira 
polissêmica: pode ter diferentes significados, dependendo da interpretação. 
Hawthorne foi um mestre do conto. Entre os contos de sua primeira antologia, 
Twice‑Told Tales (1837), cujo tema principal é a solidão e o mal, cabe mencionar The 
Minister’s Black Veil, em que um ministro da Nova Inglaterra usa um véu negro por 
toda a vida, como símbolo do mal que se encontra na alma humana. É à sua segunda 
coleção, Mosses from an Old Manse (1846), que pertencem seus contos The Birthmark 
(1843) e Rappaccini’s Daughter (1844), em que as personagens centrais são cientistas 
que utilizam seu conhecimento para interferir com os mistérios da vida. Em Young 
Goodman Brown (1835), o herói acredita que todos os habitantes de seu vilarejo são 
devotos do demônio, se escondendo assim dos seus próprios pecados. Ethan Brand 
está em sua coleção de contos The Snow Image (1851). Ethan busca, durante sua vida 
toda, o pecado imperdoável. 
Seus romances acontecem na Nova Inglaterra puritana do século XVII. O mais 
famoso é The Scarlet Letter (1850), em que a personagem principal, Hester Prynne, é 
obrigada a usar uma letra A no peito, mostrando para o mundo que era uma mulher 
adúltera. O romance se pergunta se as ações praticadas por Hester devem ou não ser 
consideradas, verdadeiramente, como um pecado. 
Entre sua ficção pode também se mencionar The House of the Seven Gables 
(1851), romance gótico em que uma maldição do passado acaba por destruir uma 
família. The Marble Faun (1860) foi escrita enquanto o autor morava na Itália, e seu 
tema principal é o efeito do pecado. Em outro nível, nesse romance, Hawthorne 
compara a vida na Nova Inglaterra puritana com a vida na Itália católica. 
Por sua vez, a obra mais conhecida de Herman Melville (1819‑1891) é Moby Dick 
(1851), parte do cânone norte‑americano. Como em suas obras anteriores, como 
Typee (1846) e Omoo (1847), Moby Dick tem lugar em uma paisagem marítima. 
Porém, mais do que viagens marítimas, elas representam as viagem interiores das 
personagens em busca da verdade. Em Moby Dick, o navio pesqueiro Pequod sai em 
uma viagem simbólica, enquanto a grande baleia branca, Moby Dick, representa Deus 
ou o destino. O Capitão Ahab, a personagem central, encontra‑se dividido entre sua 
humanidade e seu desejo de destruir a grande baleia. Ele representa, no romance, a 
luta entre o Bem e o Mal. Suas obras posteriores, Pierre (1852), Benito Cereno (1855) 
e Billy Budd continuam com a temática da luta entre o Bem e o Mal. Um denominador 
comum a todas elas é que,no final, Melville parece nos dizer que no mundo não há 
Literatura Inglesa | 
A Ficção Norte‑Americana 
www.cenes.com.br | 90 
lugar nem para o Bem nem para o Mal total, ou que ambos habitam todas as criaturas. 
Edgar Allan Poe (1809‑1849) é igualmente interessado na psicologia e no lado 
mais sombrio da natureza humana. Diferentemente de Hawthorne e Melville, que são 
da Nova Inglaterra, a sua literatura está associada com o Sul dos Estados Unidos, de 
onde eram oriundos seus pais adotivos, já que seus pais biológicos (atores) tinham 
falecido quando o escritor tinha só três anos. 
Poe fez importantes contribuições à tradição literária norte‑americana em três 
áreas: o conto, a crítica literária e a poesia. Seus contos de terror tornaram‑se famosos 
porque, diferentemente da tradição do conto de horror europeu, o medo não é 
externo às personagens, mas gerado na alma humana. É por isso que Poe, frente às 
críticas de que ele só copiava o modelo literário europeu, respondeu que o medo 
criado por seus contos vinha exclusivamente da alma humana. Entre seus contos mais 
famosos, encontram‑se The Pit and the Pendulum (1841), The Tell‑Tale Heart (1843), 
The Black Cat (1843) e The Fall of the House of Usher (1839). Essa última narrativa 
apresenta a teoria da “unidade de efeito”, desenvolvida pelo autor no seu famoso 
ensaio A Filosofia da Composição. 
Poe foi também o criador das narrativas de detetives. Exemplos seriam The 
Murders in the Rue Morgue (1841), The Mystery of Marie Roget (1842), The Purloined 
Letter (1845) e The Gold Bug (1843). Na primeira narrativa mencionada, Poe cria a 
personagem de um dos mais famosos detetives do mundo literário, Dupin. 
No que diz a respeito a sua poesia, o interesse do Poe estava mais no efeito 
sonoro do que no conteúdo, como testemunha a repetição do famoso “Nevermore” 
no seu poema The Raven. 
Como já dito, Poe se interessou também pela crítica literária. Seu objetivo era 
desenvolver uma tradição nacional literária norte‑americana. Entre esses ensaios, 
podem‑se mencionar A Filosofia da Composição e Eureka. 
VanSpanckeren (1994, p. 44) chama a atenção para as mulheres escritoras desse 
período. Entre elas, destaca Harriet Beecher Stowe (1811‑1896), autora de Uncle Tom’s 
Cabin, o livro mais popular do século XIX, que faz um apelo ao fim da escravidão nos 
Estados Unidos, uma nação que se definia como democrática. Seu personagem, o Pai 
Tomas (Uncle Tom), é apresentado como um mártir do sistema escravista. Ele 
compartilha dos valores cristãos, desejando converter seu bondoso dono St. Clare. 
Aliás, ela não era contra o Sul; havia visitado o Sul e o representa com 
benevolência. O verdadeiro vilão de seu romance é um nortista. Ironicamente, como 
Literatura Inglesa | 
A Ficção Norte‑Americana 
www.cenes.com.br | 91 
aponta VanSpanckeren, a autora escreveu esse romance com o fim de reconciliar o 
Sul com o Norte, que, nesse momento, se dirigiam à Guerra Civil. 
É a esse período que pertencem as narrativas de Frederick Douglas (1817‑1895), 
líder antiescravagista afro‑americano que nasceu escravo em uma propriedade em 
Maryland e conseguiu fugir em 1838. Em 1845, publicou Narrative of the Life of 
Frederick Douglas, An American Slave, que é a mais conhecida narrativa de escravos. 
VanSpanckeren (1994, p. 46) explica que “a narrativa de escravos” é o primeiro 
gênero literário da prosa negra dos Estados Unidos. Por meio desse tipo de narrativas, 
os afro‑americanos construíram uma identidade própria que os separava dos 
americanos brancos e revalorizaram as tradições e valores de suas comunidades. Essas 
narrativas já antecipam as grandes narrativas afro‑americanas que surgirão no século 
XX, como as de Langston Hughes, Zora Neale Hurston, Richard Wrigth, James Baldwin, 
Ralph Ellison, Alice Walker e Toni Morrison. 
 
15.3 O Realismo Norte‑Americano: Segunda Metade do Século XIX 
O período entre a Guerra Civil (1861‑1865) e a Primeira Guerra Mundial 
(1915‑1918) foi de profundas mudanças nos Estados Unidos, segundo temos visto. 
Até a Guerra Civil, os americanos lutaram, primeiramente, para estabelecer uma nação 
democrática e se diferenciar das monarquias absolutistas europeias. Logo, para por 
fim ao sistema da escravatura. Os estados que lideraram esse processo foram os do 
Norte, da Nova Inglaterra, Pensilvânia e Nova York. Allen (1972, p. 67) explica que, 
para o mundo exterior, os Estados Unidos sempre são associados com os estados do 
Norte. Aliás, foi por meio dos portos de mar do Norte que os imigrantes da Europa 
entraram nos Estados Unidos no século XIX. Foram esses habitantes do Norte, yankees 
e imigrantes, que conquistaram o Oeste, enquanto o Sul fora sempre uma exceção. 
Na segunda metade do século XIX, o idealismo norte‑americano tornou‑se em 
uma idealização do progresso e do “self‑made man”: foi o momento da formação das 
grandes fortunas e, mais uma vez, o Norte foi líder. De 1860 a 1914, os Estados Unidos 
se transformaram em uma grande nação industrializada, produzindo uma revolução 
social. 
Nas narrativas literárias, o romance acompanha as diferentes transformações, 
entre elas o surgimento dos romances realista e naturalista, mostrando a crise 
produzida pela urbanização e industrialização. As habitações superlotadas, condições 
insalubres, salários baixos, entre outras mazelas, são representadas na literatura da 
Literatura Inglesa | 
A Ficção Norte‑Americana 
www.cenes.com.br | 92 
época. Simultaneamente, outros romances constroem a vida das classes mais 
abastadas. Essa nova vida na sociedade produz outra linha narrativa, que mostra o 
desejo de voltar para a América virgem. É também nesse período que as narrativas 
afro‑americanas entram em ascensão. 
 
15.4 O Romance de Crítica e Resistência 
Samuel Clemens (1835‑1910), que se fez famoso com o pseudônimo de Mark 
Twain, é um dos escritores mais destacados dessa conjuntura histórica 
norte‑americana. O escritor norte‑americano Ernest Hemingway diz que toda a 
literatura norte‑americana vem de um grande romance, The Adventures of 
Huckleberry Finn, de Mark Twain. Isso porque, em vez de se preocupar em escrever 
como os ingleses, Twain recriava nos seus romances a fala coloquial norte‑americana. 
Como fala VanSpanckeren (1994, p. 48), ele foi o primeiro grande autor do interior dos 
Estados Unidos. 
Para ele, o romance realista era mais do que um estilo, era uma narrativa que lhe 
permitia criticar os valores da sociedade norte‑americana, como acontece com sua 
personagem de Huck Finn. Huck ajuda um escravo negro a fugir, mesmo sabendo que 
essa ação vai condená‑lo ao inferno. 
Em 1948, o crítico norte‑americano Lionel Trilling, em seu ensaio Form and 
Symbol: The River and the Shore, descreveu Huck Finn como um livro subversivo, que 
foi banido de escolas e bibliotecas: 
“[Mark Twain] could scarcely have estimated [The Adventures of 
Huckleberry Finn] for what it is, one of the world’s great books and one of 
the central documents of American culture”. 
“Where does its greatness lie? Primarily in its power of telling the 
truth. […] No one, as Twain well knew, sets a higher value on truth than a 
boy. Truth is the whole of a boy’s conscious demand upon the world of 
adults. He is likely to believe that the adult world is in a conspiracy to lie to 
him, and it is this belief, by no means unfounded, that arouses Tom and 
Huck and all boys to their moral sensitivity, their everlasting concern with 
justice, which they call fairness. At the same time, it often makes them 
skillful and profound liars in their own defense, yet they do not tell the 
ultimate lie of adults: they do not lie to themselves” (TRILLING, 1962, p. 
318). 
Literatura Inglesa | 
A Ficção Norte‑Americana 
www.cenes.com.br | 93 
O romance narra a estória de Huck Finn, morador de uma cidadezinha do interior 
do Mississipi com seu pai, que é um bêbado, representante da classe social do Sul 
chamadade “white trash”, o lixo branco. É por isso que ele é adotado por uma família 
respeitável quando seu pai tenta matá‑lo. Porém, ironicamente, frente ao desejo dessa 
família de “civilizá‑lo”, ou seja, educá‑lo nos valores da sociedade norte‑americana, 
Huck foge junto com Jim, um afro‑americano cuja dona quer vendê‑lo no Sul. 
Eles passam por uma série de peripécias perigosas e engraçadas por meio das 
quais Twain retrata com humor a sociedade norte‑americana. No fim, descobre‑se que 
Jim já estava libertado e Huck volta para a cidadezinha de Hannibal. Porém, como 
muitos outros heróis americanos, na tradição de Fenimore Cooper, ele não tolera a 
sociedade “civilizada” e foge para o “território índio”. Será esse um dos temas mais 
marcantes da literatura norte‑americana, que ainda continua em filmes e seriados de 
televisão: a amizade entre homens; o caráter nômade do herói que não tolera o 
mundo refinado da cidade e seus valores e começa uma procura por novas fronteiras 
sociais e culturais. 
The Adventures of Huckleberry Finn foi a sequência de outro livro muito famoso 
de Mark Twain, The Adventures of Tom Sawyer, publicado em 1876. Tom, 
diferentemente de Huck, está preso à respeitabilidade da sociedade calvinista 
norte‑americana. Enquanto Huck realmente foge, as brincadeiras de Tom existem 
simplesmente como um jogo por meio do qual ele torna toleráveis os limites de sua 
existência na sociedade. 
Assim, como fala Allen (1972, p. 172), enquanto Tom brinca com o desejo de 
liberdade, Huck age. 
A obra de Mark Twain é vasta, incluindo ficção e ensaios. Devemos destacar The 
Celebrated Jumping Frog of Calaveras County (1876), no qual desenvolve o estilo do 
“tall story”: uma forma popular e oral que precede palavras escritas. Esse gênero era 
parte da vivência norte‑americana, do descobrimento de um continente e de uma 
forma de vida diferente. É Daniel Boorstin (1864 apud ALLEN, 1972, p. 169) quem 
explica que: 
[...] nenhuma língua poderia ser norte‑americana se não fosse 
suficientemente maleável para descrever o incomum como se fosse usual, o 
extravagante como se fosse normal. A extravagância da vivência norte‑americana 
e a insuficiência da linguagem tradicional fizeram com que o “tall talk” se tornasse 
necessário como veículo da era da expansão norte‑americana. 
Por isso, o “tall tale” e o “tall talk” foram o produto da imaginação 
Literatura Inglesa | 
A Ficção Norte‑Americana 
www.cenes.com.br | 94 
norte‑americana desenvolvida em condições inigualáveis de sobrevivência que, em 
particular, o homem da fronteira precisou enfrentar. 
 
15.5 Os Romancistas Cosmopolitas 
Junto com Mark Twain, o outro grande nome do romance norte‑americano do 
século XIX é Henry James (1843‑1916), que foi um dos escritores mais prolíficos e 
inovadores em língua inglesa. James não só escreveu ficção, mas também se 
interessou por teorizar sobre o gênero romance, como o faz no seu já clássico texto 
The Art of Fiction (1884, 1888). 
Porém, se Twain era do interior e olhava para o interior dos Estados Unidos, 
James, oriundo de uma família de intelectuais de Nova Inglaterra, olhava para a 
Europa. Essa atitude vai se transformar em um dos temas principais de sua literatura, 
que é o “tema internacional” em algumas das narrativas de sua primeira fase como 
escritor, como as novelas The American (1877) e Daisy Miller (1879) e o romance The 
Portrait of a Lady (1881), nos quais discute as relações entre os americanos, 
democratas e provincianos e os europeus sofisticados e cosmopolitas. 
Aos poucos, as suas narrativas tornaram‑se mais experimentais, quando o autor 
foi influenciado pelas descobertas na área da psicologia de seu irmão William James 
(1840‑1910), que em 1890 publicou Princípios da Psicologia, onde discute o fluir da 
consciência humana. É baseado nesse texto que as narrativas associadas com o 
período modernista, após a descoberta do inconsciente em 1900 por Sigmund Freud, 
tomam o nome de fluxo da consciência. 
Na segunda etapa da sua carreira, já residente na Inglaterra, James explorou 
novos temas, como o feminismo, em seu romance The Bostonians (1886), mas cada 
vez fica mais clara sua mudança de foco do mundo exterior para o mundo interior, da 
mente humana. Sua novela What Maisie Knew (1897) é um exemplo de seu 
desenvolvimento das narrativas em terceira pessoa, mas, em vez de ser um narrador 
onisciente, que está em todo lugar, em todo momento, esse narrador está limitado ao 
olhar de uma personagem só e é um exemplo da técnica narrativa de James chamada 
de “inteligência central”. 
O experimentalismo de James torna‑se ainda mais evidente na terceira fase de 
sua carreira, quando volta aos temas internacionais, mas tratados com penetração 
psicológica: The Wings of the Dove (1902), The Ambassadors (1903), The Golden Bowl 
(1904). Nessas obras, como aponta VanSpanckeren (1994, p. 52), James desenvolve a 
Literatura Inglesa | 
A Ficção Norte‑Americana 
www.cenes.com.br | 95 
teoria de que só a autoconsciência e uma clara percepção dos outros podem gerar 
sabedoria e amor. 
Outra romancista destacada que pertence ao grupo de escritores cosmopolitas é 
Edith Wharton (1862‑1937). Nascida em uma família rica de Nova York, como Henry 
James cresceu e foi educada na Europa. Ela também se interessou pelo tema 
internacional, ou seja, a relação entre os valores americanos e europeus, com também 
a ascensão dos nouveaux‑riches, as famílias de empresários multimilionários no Norte 
dos Estados Unidos. Entre seus romances mais importantes, destacam‑se: The House 
of Mirth (1905), The Custom of the Country (1913), Summer (1917), The Age of 
Innocence (1920) e Ethan Frome (1911). 
 
15.6 O Naturalismo Norte‑Americano: Uma Crítica Social 
Os grandes nomes do naturalismo nos Estados Unidos são Stephen Crane 
(1871‑1900), Jack London (1876‑1916) e Theodore Dreiser (1871‑1945). Como os 
romancistas cosmopolitas, eles se utilizaram do gênero romance para associar o 
indivíduo à sociedade. Porém, colocaram seu foco nas classes sociais menos abastadas 
e – influenciados pelas teorias darwinistas da “sobrevivência do mais apto” e das 
teorias filosóficas deterministas, que veem a vida do ser humano determinada por 
forças econômicas e sociais além de seu controle – denunciaram os grandes 
problemas sociais de sua época. Esse tipo de filosofia nega o poder da religião como 
força libertadora e percebe o universo como uma grande máquina que leva ao declínio 
da sociedade humana. 
Nesse nível literário, esse tipo de narrativa é chamada de “naturalista”. Esse estilo 
literário também apareceu na Europa, especialmente na França, associado aos nomes 
de Émile Zola, Gustave Flaubert, Guy de Maupassant e Honoré de Balzac. Como explica 
VanSpanckeren (1994, p. 53), esse tipo de narrativa tornou‑se central nos Estados 
Unidos durante a expansão industrial, quando a nação tornava‑se urbana e cada vez 
mais ciente das grandes forças econômicas que regiam sua vida. 
Maggie, A Girl of the Streets (1893), de Stephen Crane, é um dos romances mais 
representativos do naturalismo norte‑americano. Narra a estória de uma moça que 
foge da sua família e acaba se prostituindo na grande cidade para poder sobreviver. 
Por sua vez, o romance autobiográfico, Martin Éden (1909), de Jack London, narra a 
estória de um operário pobre, mas inteligente, que enriquece escrevendo. Porém, seu 
novo status social termina por aliená‑lo, já que é rejeitado pela classe trabalhadora à 
Literatura Inglesa | 
A Ficção Norte‑Americana 
www.cenes.com.br | 96 
qual já não pertence, enquanto, ao mesmo tempo, ele rejeita os valores da classe rica. 
Da mesma maneira, no seu romance An American Tragedy (1925), Theodore 
Dreiser recria o desespero de muitos trabalhadores norte‑americanos aflitos pela 
competição voltada unicamente para o sucesso material. Como aponta 
VanSpanckeren (1994, p. 55), “com a expansão do poderio industrial norte‑americano,a vida dos ricos, retratada em jornais e fotografias, contrastava com a vida insípida 
dos agricultores e os trabalhadores urbanos comuns”. 
Também se destaca neste período o romance de Upton Sinclair (1878‑1968) The 
Jungle (1906), no qual o autor critica as péssimas condições de trabalho nos 
matadouros de Chicago, que adquirem valor metonímico porque representam a 
terrível miséria em que vivem as classes baixas dos Estados Unidos. 
Todos esses romances de insucesso, que retratam a vida desses novos Estados 
Unidos, industrializada e urbana, marcada simultaneamente pelo progresso e pela 
pobreza extrema, se apresentam como críticas ao sonho americano, no sentido que, 
como veremos ao estudar The Great Gatsby, de F. Scott Fitzgerald, revela a qualidade 
oxímora do sonho: a idealização extrema do sucesso material. 
 
15.7 Narrativas Femininas: Outras vozes, Outras regiões 
Há uma série de grandes escritoras mulheres associadas às diferentes regiões 
dos Estados Unidos. Sarah Orne Jewett (1849‑1909) é uma escritora do Maine que 
retrata as comunidades pesqueiras, isoladas dos grandes centros urbanos, em suas 
obras The Country of the Pointed Firs (1896) e A White Heron (1886). A narrativa traz 
a perspectiva de uma citadina que chega em busca de paz e tranquilidade e se envolve 
nas estórias das pessoas do lugar. 
Muitas dessas narrativas femininas são consideradas literatura de protesto social 
devido às dificuldades econômicas, à injustiça racial e à desigualdade entre sexos 
existentes na época. Os romances e contos de Kate Chopin (1851‑1904), ambientados 
na Luisiana francesa, são exemplos dessa abordagem literária. Um de seus títulos mais 
notáveis é The Awakening (1899), em que a autora narra a estória de uma mulher que, 
em busca da sua realização, deixa seu marido e família. 
Outra escritora dessas décadas é Charlotte Perkins Gilman (1860‑1935), cuja 
temática é semelhante à de Chopin em The Yellow Wallpaper (1892). Essas escritoras, 
como explica VanSpanckeren (1994, p. 51), haviam sido esquecidas e deixadas fora do 
Literatura Inglesa | 
A Ficção Norte‑Americana 
www.cenes.com.br | 97 
cânone, pois este privilegiava escritores masculinos e brancos. Posteriormente, essas 
autoras foram resgatadas pelos estudos feministas na segunda metade do século XX. 
Mais uma grande escritora do século XIX é Willa Cather (1873‑1947), cujas obras 
recriam a vida dos imigrantes nas planícies do estado de Nebraska. Suas obras mais 
destacadas são O Pioneers! (1913) e My Antonia (1918). Seus temas mais centrais são 
o pioneirismo, a religião e a independência das mulheres. 
 
15.8 As Narrativas do Modernismo Norte‑Americano 
Para os intelectuais e artistas, a brutalidade da guerra, a participação repugnante 
dos Estados Unidos (levar a democracia e a liberdade), juntamente com o triunfo da 
ideologia da América provinciana e ortodoxa, lhes fizeram se sentir traídos e que se 
retirassem para dentro de si mesmos, tornando‑se indivíduos exilados, antissociais e 
indiferentes aos questionamentos políticos. 
 
15.9 O Romance do Modernismo Norte‑Americano 
Sherwood Anderson (1876‑1941) foi um dos escritores que, como explica 
Malcolm Bradbury (1983, p. 58), dramatizou sua revolta contra o comércio em termos 
literários: “Anderson interpretou as mudanças desse momento, das limitações da vida 
no campo para a boemia urbana, do comercialismo puritano para a criação sem 
repressão, dos valores materiais para os orgânicos”. Sua literatura foi de protesto e a 
favor da liberação psíquica. 
Seus primeiros romances, Windy McPherson’s Son (1919) e Marching Men (1917), 
têm muitos pontos em comum com as narrativas do Naturalismo e representam uma 
crítica ao vazio cultural dos Estados Unidos mecanizado. Sua obra mais importante é 
Winesburg, Ohio, seleção de contos iniciada em 1916, todos relacionados entre si, em 
que narra a vida em uma cidade imaginaria, Winesburg, no estado de Ohio. Como 
explica Bradbury (1983, p. 59), as 26 estórias dramatizam a solidão moderna. Os 
episódios, tanto psicológicos como estéticos, mostram as experiências e revelações 
de cada uma das personagens, seres deformados pela alienação na pequena 
comunidade de Winesburg. 
Winesburg, Ohio foi o grande triunfo literário de Anderson, embora ele tenha 
publicado outras notáveis coletâneas de contos: The Triumph of Egg (1922), Horses 
and Men (1923) e Death in the Woods (1933). 
Literatura Inglesa | 
A Ficção Norte‑Americana 
www.cenes.com.br | 98 
A grande contribuição de Anderson foi ser a ponte entre o culto ao fato, do 
Naturalismo norte‑americano, e o reconhecimento do Modernismo da arte pelo seu 
valor estético. Anderson foi quem abriu caminho para os grandes escritores do 
Modernismo norte‑americano: F. Scott Fitzgerald (1896‑1940), Ernest Hemingway 
(1899‑1961) e William Faulkner (1897‑1962). 
O Modernismo, tanto na Europa como na América, significou um rompimento 
com a tradição da civilização ocidental. Na arte em geral e na literatura em particular, 
forma e conteúdo tornaram‑se inseparáveis, a ponto de a forma conter tanto 
significado quanto a estória que está sendo narrada. Essa visão da arte e da literatura 
vai alcançar seu ponto mais alto após a Segunda Guerra Mundial. 
Essas mudanças na forma se manifestaram por meio do uso do ponto de vista, 
ou foco narrativo: da terceira pessoa onisciente – característica dos romances realistas, 
centrados no diálogo entre as personagens, dentro de um contexto social – ao uso 
das técnicas do fluxo da consciência, inspiradas nas teorias de Freud, focadas no 
pensamento das personagens isoladas da sociedade. Para interpretar essa nova 
literatura, surgiu nos Estados Unidos uma nova escola de crítica literária, conhecida 
como New Criticism. 
Nos Estados Unidos, a ficção da década de 1920 foi de experimentação. Como 
vimos anteriormente na obra de Sherwood Anderson, a literatura se afastou do 
Naturalismo, abrindo caminho para a vanguarda e o experimentalismo e expressando 
desilusão em relação ao novo estilo de vida materialista norte‑americano, cujo 
resultado foi provocar um êxodo dos escritores norte‑americanos para Paris. 
A cidade de Paris oferecia boemia e uma troca favorável. Mas, ao mesmo tempo, 
além das divergências com o contexto norte‑americano, havia nesses escritores uma 
nostalgia pelos Estados Unidos. Por isso, muitas vezes, utilizando‑se das formas 
experimentais aprendidas nos ateliês de Paris com Gertrude Stein, Ezra Pound e James 
Joyce, eles escreviam sobre a paisagem norte‑americana rural deixada para trás. Esses 
escritores foram batizados por Gertrude Stein como “a geração perdida”, a partir de 
sua frase: “You are all a lost generation”. 
Como explica Bradbury (1991, p. 72), esses artistas buscavam estilos que lhes 
ajudassem a expressar não só as rupturas e derrotas, mas também a energia da 
modernidade dos Estados Unidos contemporâneos. Assim, aplicaram em sua arte o 
estilo modernista, adaptando estratégias como a quebra da cronologia e narrativa 
linear, e a descontinuidade entre história e forma. Essas técnicas do Modernismo 
abrangiam a forma espacial, o corte rápido, a abstração da figura humana, o sentido 
Literatura Inglesa | 
A Ficção Norte‑Americana 
www.cenes.com.br | 99 
de deslocamento histórico, a lesão psíquica (BRADBURY, 1991, p. 73). 
Nos anos 1920, quem melhor dramatizou, e com maior intensidade, a experiência 
moderna nos Estados Unidos foi F. Scott Fitzgerald. Oriundo de St. Paul, Minnesota, 
ficou conhecido por suas estórias e crônicas da Era do Jazz. Estudou na Universidade 
Princeton, onde manteve contato com jovens de famílias muito ricas do Leste dos 
Estados Unidos. Esse fato tornou‑se uma obsessão e um dos temas principais da sua 
literatura. Sua estória típica é sobre um moço novo e de boa aparência, mas sem 
dinheiro, que se apaixona por uma mulher de família rica. 
Em 1917, o autor se alistou no Exército, mas nunca foiao front na Europa. Seu 
primeiro romance, This Side of Paradise (1920), foi um sucesso imediato. As pessoas 
confundiam as personagens do romance, a melindrosa da década de 20 e o moço 
boêmio e rico, com Fitzgerald e sua mulher Zelda, uma belle sulista com quem se 
casou, primeiro se estabelecendo em Nova York, mas logo emigrando para a Europa. 
O segundo romance de Fitzgerald é The Beautiful and the Damned (1922), que, 
como seu nome indica, tem como personagens principais os jovens da década de 20. 
Seu próximo e melhor romance foi The Great Gatsby (1925). Nessa época, Fitzgerald 
escreveu muitos de seus contos, publicados nas revistas mais importantes da época, 
o que lhe permitiu levar uma vida extravagante, própria da década. Em 1934, publicou 
Tender is the Night. Como o romance não foi bem‑sucedido, dedicou‑se a escrever 
roteiros para Hollywood. Foi dessa época seu famoso livro de ensaios autobiográficos 
The Crack Up, que, como o título diz, mostra seu declínio pessoal, junto com a crise 
financeira de 1929. 
Fitzgerald tem sido muitas vezes negligenciado em favor de seus 
contemporâneos Ernest Hemingway e William Faulkner, sendo mais lembrado por sua 
extravagância, seu dandismo, sua relação tumultuada com Zelda e sua passagem 
meteórica pela literatura norte‑americana. Ele, porém, foi um homem de seu tempo. 
Em vez de escrever narrativas contra seu tempo, foi um cronista de sua época. 
Fitzgerald foi o porta‑voz da nova atitude norte‑americana, metamorfoseando a 
realidade norte‑americana em ficção. 
O estilo de seus romances é uma fusão de elementos do Romantismo, como o 
simbolismo e o lirismo, o que se percebe no vocabulário empregado, e o Realismo, 
como a representação da vida do dia a dia americano; ou seja, ele escreveu romances 
de costumes que captaram a nova experiência norte‑americana. 
Uma das grandes inovações de seus romances é a discussão da complexidade e 
Literatura Inglesa | 
A Ficção Norte‑Americana 
www.cenes.com.br | 100 
ambiguidade relacionadas às problemáticas do amor, um tema que nunca havia sido 
central no romance norte‑americano, bem como o tratamento artístico dado aos ricos 
norte‑americanos. Dessa maneira, o amor e o dinheiro tornam‑se elementos por meio 
dos quais o escritor dramatiza um dos temas principais de seus romances: o sonho 
americano destruído pela materialização da vida norte‑americana. 
Para Fitzgerald, todos os homens tem um sonho a ser alcançado, o qual fracassa 
quando entra em rota de colisão com a realidade. O símbolo desse sonho é o desejo 
de alcançar a mulher amada, sempre pertencente a uma classe social alta, tornando‑se 
quase impossível de ser alcançada. 
Essa inconsistência do sonho americano era típica dessa época de turbulentas 
mudanças e nostalgia pelo passado, como também dos dois pecados capitais da 
sociedade norte‑americana: o extermínio de nativos e o sistema escravagista. Essa 
crítica ao sonho americano também é central na literatura dos outros dois grandes 
escritores do Modernismo norte‑americano: Ernest Hemingway e William Faulkner. 
 
The Great Gatsby 
O sonho americano alcança a sua melhor expressão na literatura de Fitzgerald, 
em seu romance The Great Gatsby. Nele, o autor relaciona os desejos do indivíduo, 
neste caso, o sonho pessoal de Jay Gatsby (personagem principal), ao sonho da nação 
norte‑americana. Para Fitzgerald, o sonho americano tem uma qualidade paradoxal. 
Por um lado, por ser um sonho, está relacionado à ilusão. Pelo outro, essa ilusão só 
pode ser alcançada por meio de um materialismo cru e sem piedade. Assim, o 
romance não nega o sonho americano, mas o critica a partir de uma perspectiva social, 
não somente pessoal. 
O romance está ambientado na cidade de Nova York, para onde convergem 
todas as personagens, oriundas do Meio‑Oeste americano, rumo ao Leste para 
conquistar uma nova fronteira: a grande cidade. 
A personagem principal é Jay Gatsby, um homem que, no melhor estilo self‑made 
man norte‑americano, inventa uma identidade e uma história para atingir seu sonho, 
obter o amor de uma mulher de família rica e tradicional, Daisy Buchanan. Uma das 
características mais importantes do romance é ser narrado da perspectiva de Nick 
Carraway, membro de uma família tradicional e conservadora do Meio‑Oeste. Dessa 
maneira, observamos a personagem de Gatsby, um gângster e contrabandista de 
álcool, a partir do olhar do conservadorismo americano das pequenas cidadezinhas 
Literatura Inglesa | 
A Ficção Norte‑Americana 
www.cenes.com.br | 101 
interioranas. Ainda sob o foco de Carraway, o elemento salvador de Gatsby 
paradoxalmente é que, diferente das outras personagens ricas, ele tem um sonho. No 
final do romance, no entanto, esse sonho é reconsiderado, tanto no nível pessoal 
quanto no da história dos Estados Unidos. 
Gatsby é uma personagem que atinge proporções míticas, e o enredo gira ao 
redor do conflito moral e social provocado pelo confronto entre Gatsby – e a 
qualidade de seu sonho – e Daisy Buchanan e seu marido Tom Buchanan. 
Os eventos do romance têm lugar em um verão na cidade de Nova York e são 
apresentados de maneira fragmentada, por meio de uma série de flashbacks que nos 
ajudam a entender os acontecimentos do presente. A alternância desses flashbacks 
com a narrativa linear do romance faz com que presente e passado sejam 
apresentados de maneira diacrônica, lado a lado. 
Como aponta Bradbury (1991, p. 77), Gatsby é um sonhador corrupto, Daisy, 
objeto de amor corrompido, casada com um marido violento e cercada por “desleixo” 
e indiferença social. Porém, ao final do romance, reconsidera e resignifica o sonho 
americano, evocando a bela imagem das costas da América do Norte quando foram 
avistadas pela primeira vez pelos colonizadores holandeses. Nesse momento, 
Fitzgerald, por meio de seu narrador, Nick Carraway, resgata a esperança de Gatsby 
no sonho, juntamente com a de todos os norte‑americanos que, como botes contra a 
corrente, continuam a sonhar: “So we beat on, boats against the current, borne back 
ceaselessly into the past”. 
Passemos agora para Ernest Hemingway, que, como Fitzgerald, era do 
Meio‑Oeste norte‑americano. Hemingway participou da Primeira Guerra Mundial 
dirigindo uma ambulância, foi ferido e hospitalizado. Após a Guerra, ficou em Paris, 
onde esteve em contato com outros escritores norte‑americanos expatriados: F. Scott 
Fitzgerald, Sherwood Anderson, Ezra Pound e Gertrude Stein, o que influenciou seu 
estilo. Logo participou como jornalista na Guerra Civil Espanhola. 
Como Fitzgerald, Ernest Hemingway foi também porta‑voz de sua época. Seu 
estilo se caracteriza pela grande precisão e o uso controlado das palavras, a falta de 
conectores que expressem causa, a pouca adjetivação, as metáforas reduzidas. Assim, 
seus textos se caracterizam por frases curtas e objetivas, relacionadas pela conjunção 
“and”, o que dá um senso cumulativo a sua narrativa. É o leitor que precisa 
relacioná‑las e saturá‑las de significações. 
É por isso que os críticos falam que suas narrativas são com um “iceberg”: na 
Literatura Inglesa | 
A Ficção Norte‑Americana 
www.cenes.com.br | 102 
superfície do texto só se enxerga a ponta, enquanto o corpo está oculto nas 
entrelinhas. Esse estilo econômico e controlado, por sua vez, é funcional para 
expressar o controle das dores e das emoções. Os heróis de Hemingway se destacam 
pela “grace under pressure”: quanto maior o sofrimento, maior o controle da 
personagem. Nesse sentido, o controle formal da narrativa implica o controle 
emocional, revelando, como falávamos antes, que no Modernismo a forma carrega 
tanto significado quanto o conteúdo. 
Seus temas foram a Primeira Guerra Mundial, as lesões físicas, morais e 
psicológicas sofridas por aqueles que dela participaram, bem como a morte e a 
“geração perdida”. Como aponta VanSpanckeren (1994, p. 71), os sobreviventes 
cínicos. Suas personagens, diferentementedas de Fitzgerald, não são sonhadoras e 
sensíveis, mas soldados, toureiros, atletas, pescadores e jornalistas de caráter, 
caracterizados por um estoicismo trágico, mas que revela a integridade moral da 
personagem. 
Um exemplo seriam as vinhetas publicadas por Hemingway entre os contos da 
antologia In Our Time (1925): 
Nick sat against the wall of the church where they had dragged him 
to be clear of machine‑gun fire in the street. Both legs stuck out awkwardly. 
He had been hit in the spine. His face was sweaty and dirty. The sun shone 
on his face. The day was very hot. Rinaldi, big backed, his equipment 
sprawling, lay face downward against the wall. Nick looked straight ahead 
brilliantly. The pink wall of the house opposite had fallen out from the roof, 
and an iron bedstead hung twisted toward the street. Two Austrian dead lay 
in the rubble in the shade of the house. Up the street were other dead. 
Things were getting forward in the town. It was going well. Stretcher 
bearers would be along any time now. Nick turned his head and looked 
down at Rinadi. ‘Senta, Rinaldo; Senta. You and me we’ve made a separate 
peace’. Rinaldi lay still in the sun, breathing with difficulty. ‘We’re not 
patriots’. Nick turned his head away, smiling sweatily. Rinaldi was a 
disappointing audience (HEMINGWAY apud COWNLEY, 1944, p. 90). 
 
Hemingway ganhou o Prêmio Pulitzer por The Old Man and the Sea em 1952 e, 
no ano seguinte, o Prêmio Nobel de Literatura. Da sua vasta obra, devem ser 
mencionados: In Our Time (1925); The Sun also Rises (1926); A Farewell to Arms (1929); 
Men Without Women (1927); Death in the Afternoon (1932); To Have and Have Not 
Literatura Inglesa | 
A Ficção Norte‑Americana 
www.cenes.com.br | 103 
(1937); For Whom the Bells Toll (1940). Após sua morte, foram publicados A Movable 
Feast (1964) e The Nick Adams Stories (1972). 
Contemporâneo de Hemingway e Fitzgerald, William Faulkner pertencia a uma 
antiga família sulista de Oxford, Mississipi, onde passou a maior parte da sua vida. 
Suas narrativas têm lugar no condado imaginário de Yoknapatawpha, onde moram 
várias famílias interligadas há várias gerações. A cidade principal do condado, 
Jefferson, tem muito em comum com a cidade de Oxford. Nas suas narrativas, 
Faulkner, com grande dor, recria a história do Sul dos Estados Unidos, na sua 
dramatização gótica da decadência das grandes famílias de fazendeiros e seu grande 
pecado: a escravatura. 
Entre eles, Faulkner foi quem mais experimentou com a forma. Uma de suas 
características principais é o uso das técnicas do fluxo da consciência e de múltiplos 
pontos de vista, como em seus romances The Sound and the Fury (1929) e As I Lay 
Dying (1930). 
Em The Sound and the Fury, Faulkner narra a estória da decadência de uma 
família aristocrática, mas pobre: os Compson, cuja filha, Caddy, diferentemente do 
estereótipo da Souther Belle, se prostitui. O conflito familiar derivado dessa situação 
será particularmente central à narrativa. A primeira parte do romance é narrada em 
primeira pessoa a partir da perspectiva de Benjy, um doente mental. A segunda é 
narrada, também em primeira pessoa, por Quentin, o filho intelectual da família, que 
acaba se suicidando. A terceira parte tem a voz de Jason, o filho que aceita os valores 
dos yankees do Norte. Sua parte é também narrada em primeira pessoa, mas, 
diferentemente das duas anteriores, narradas em monólogo interior, ocorrendo na 
mente das personagens; o estilo narrativo da parte de Jason tem sido chamado de 
solilóquio, no sentido de, embora em primeira pessoa, ter a forma de um diálogo. 
Finalmente, a última seção é narrada pela babá negra da família, Dilsey, a única capaz 
de sentir amor por todos os membros dela. Por isso, é narrada não em primeira 
pessoa, o que revela o isolamento da personagem, mas em terceira pessoa: o centro 
da narrativa são os outros, não ela mesma. 
Em seu romance Light in August (1932), Faulkner discute as relações complexas 
e violentas entre uma mulher branca e um homem negro. Em Absalom, Absalom! 
(1936), narra a estória de um fazendeiro que enriquece por seus próprios meios, mas 
perde tudo em decorrência do preconceito racial. 
Os romances e contos de William Faulkner (entre os quais se destacam os 
clássicos “A Rose for Emily” e “Dry September”) retratam as tradições do Sul, a relação 
Literatura Inglesa | 
A Ficção Norte‑Americana 
www.cenes.com.br | 104 
entre a família, a comunidade e a terra, e os conflitos entre brancos e negros no Sul 
que, mesmo após a Guerra Civil, os mantêm amarrados ao passado e não os deixa 
progredir. 
 
15.10 Main Street no Romance 
Como contraponto aos grandes escritores do Modernismo norte‑americano, 
devemos mencionar a obra de Sinclair Lewis (1885‑1991), cujo romance Main Street 
(1920) satiriza os valores da pequena comunidade norte‑americana, sua vida 
monótona e hipócrita. Em 1922, ele publicou seu famoso romance Babbitt, em que 
narra a vida de um empresário norte‑americano comum, morando em uma cidade 
comum dos Estados Unidos. Com explica VanSpanckeren (1994, p. 73), o romance 
adicionou uma nova palavra ao vocabulário norte‑americano, “Babbitry”, que significa 
mentalidade tacanha, complacência e modos burgueses. 
Em 1925, ele publicou seu romance Arrowsmith, em que narra a vida de um 
médico que tenta manter sua ética médica frente à corrupção. Em 1930, Lewis foi o 
primeiro norte‑americano a ganhar o Prêmio Nobel de Literatura. 
 
15.11 As Narrativas de Crítica Social: O Romance Engajado 
Bradbury (1991, p. 108) conta que, quando as atitudes progressistas 
renovaram‑se devido à Grande Depressão, o documentário de denuncia política 
ocupou a cena literária, e ressurgiram os romances naturalistas de escritores como 
Sherwood Anderson, Upton Sinclair e Theodore Dreiser. Aparecem em cena os 
escritores Sinclair Lewis (1885‑1951), John Dos Passos (1869‑1970) e John Steinbeck 
(1902‑1968). 
Os temas desses escritores eram o desemprego, o desespero urbano e a miséria 
rural. Muitos escritores novos se voltaram para temas proletários, interessando‑se 
pelos bolsões de pobreza e degradação social, e pela linguagem que atacasse e 
violentasse. Eles desejavam criar uma narrativa que não ficasse somente nas palavras, 
mas levassem a uma atitude, como explica Bradbury (1991, p. 110). Ao assim fazê‑lo, 
criaram novas formas literárias para representar a degradação e a alienação urbana e 
rural. 
John Dos Passos (1896‑1970) começou como um escritor de esquerda, 
interessado no realismo socialista. Na trilogia U.S.A., formada pelos romances 42nd 
Literatura Inglesa | 
A Ficção Norte‑Americana 
www.cenes.com.br | 105 
Parallel (1930), 1919 (1932) e The Big Money (1936), desenvolveu uma técnica 
experimental de colagem, que inclui discurso jornalístico, a partir de segmentos de 
noticiários cinematográficos, canções populares e biografias que resumem a vida de 
norte‑americanos notáveis, e que dão aos seus romances um tom de documentário. 
Por usa vez, utiliza outra estratégia narrativa, “o olho da câmera”, poemas no estilo do 
fluxo da consciência, que implicam uma resposta subjetiva a todos esses discursos 
mencionados. Essas narrativas expõem a corrupção moral criada pelo materialismo 
norte‑americano. 
John Steinbeck (1902‑1968) era oriundo de Salinas, Califórnia, onde muitos de 
seus romances acontecem. Ele foi autodidata e de família pobre. Em decorrência de 
sua origem humilde, trabalhou em várias profissões, como carpinteiro, agrimensor, 
vendedor de loja, empregado de farmácia, de uma fábrica de açúcar e de um rancho. 
Bradbury (1991, p. 120) explica que Steinbeck tinha ambições tanto científicas 
(próprias do Naturalismo) como proféticas, que se manifestavam em seu desejo de 
explicar a biologia coletiva das ações humanas e afirmar a necessidade espiritual da 
existência humana. Esse elemento místico está presente em seus romances The 
Pastureof Heaven (1932) e To a God Unknown (1933), em que narra o movimento dos 
norte‑americanos para o Oeste, através do Continente, para os vales de Califórnia, à 
procura de suas raízes primitivas. Para Steinbeck, essas raízes não estavam nas 
satisfações individuais, ou na posse de propriedades, ou na moralidade convencional. 
Essas ideias se manifestam nas suas narrativas principais: Tortilla Flat (1935), In 
Dubious Battle (1936), Of Mice and Men (1937), The Red Pony (1937), Cannery Row 
(1945) e em seu romance mais destacado: The Grapes of Wrath (1939). 
Esse último romance é emblemático da Depressão da década de 1930 e 
dramatiza a migração dos “Okie”, habitantes do estado de Oklahoma, devido à crise 
econômica e à grande seca, para os vales da Califórnia. Em uma das cenas do romance, 
Steinbeck narra o momento em que os pequenos arrendatários são obrigados a sair 
das terras porque, para fazê‑las renascer, precisavam alternar a plantação, pois o 
algodão havia deixado a terra exausta, mas eles não tinham dinheiro para comprar 
outras sementes. Então, os donos das terras explicavam aos arrendatários a 
necessidade de saírem das terras porque eles, por sua vez, também estavam 
endividados com os bancos: 
It’s not us [the owners]. It’s the bank. A bank isn’t like a man. Or an owner 
with fifty thousand acres, he isn’t like a man either. That’s the monster. 
Sure, cried the tenant men, but it’s our land. We measured and broke it up. 
Literatura Inglesa | 
A Ficção Norte‑Americana 
www.cenes.com.br | 106 
We were born on it, and we got killed on it, died on it. Even if it’s no good, it’s 
still ours. That’s what makes it ours – being born on it, working it, dying on it. 
That makes owner ship, not a paper with numbers on it. 
We’re sorry. It’s not us. It’s the monster. The bank isn’t like a man. 
Yes, but the bank is made of men. […] 
The tenants cried, Grampa killed the Indians, Pa killed snakes for the land. 
Maybe we can kill banks – they’re worse than Indians and snakes. Maybe we got 
to fight to keep our land, like Pa and Grampa did. 
And now the owner men grew angry. You’ll have to go. 
But it’s ours, the tenant men cried. 
No. The bank, the monster owns it. You’ ll have to go (STEINBECK apud 
LANE; SULLIVAN, 1999, p. 326). 
 
Como pode‑se observar no trecho do romance, na maneira como os 
arrendatários sentem‑se unidos à terra, Steinbeck, como explica Bradbury (1991, p. 
121), foi além do Realismo. Ele pertence à escola do transcendentalismo 
norte‑americano, para quem existia uma alma única ligando o homem e a natureza. 
Dessa maneira, seus romances retratam a presença e a participação do homem na 
sociedade e na natureza, simultaneamente. Segundo a visão do autor, e como se pode 
observar no trecho anterior, os crimes morais ocorrem quando as instituições 
interferem nessa relação. A saída das terras de origem rumo aos vales da Califórnia 
retrata duas viagens: uma é a de esperança para o Oeste, a Terra Prometida; a outra é 
a da individualidade para a comunidade, com o objetivo de superar a ira gerada pelo 
desespero social e a indignação política. Em 1962, Steinbeck tornou‑se outro 
norte‑americano a receber o Prêmio Nobel de Literatura. 
Entre os escritores afro‑americanos, cabe destacar a obra de Richard Wright 
(1908‑1960), oriundo do estado de Mississippi. Sua infância é retratada em seu 
romance autobiográfico Black Boy (1945). Suas fontes de inspiração literária foram as 
obras de Sherwood Anderson, Theodore Dreiser e Sincaliar Lewis. Na década de 1930, 
afiliou‑se ao Partido Comunista. 
Sua obra alcançou o grande público, ajudando a abrir caminho para os grandes 
escritores que o sucederiam, como James Baldwin e Ralph Waldo Ellison. Seu romance 
Literatura Inglesa | 
A Ficção Norte‑Americana 
www.cenes.com.br | 107 
mais polêmico foi Native Son (1940), em que narra a estória de um jovem negro que, 
sem querer, mata a filha de seu patrão branco e logo queima seu corpo. Finalmente, 
acaba matando sua namorada negra porque receia que o delate. 
 
15.12 Os Prosistas da Década de 1940 
Ruland (1985, p. 371) aponta para o período após a Segunda Guerra Mundial, do 
horror do Holocausto e da bomba atômica, como o que levou à produção de uma 
literatura sóbria, baseada na ideia de que a inocência da nação havia ficado para trás. 
Foi também uma época materialista, de expansão militar, ansiedade ideológica e de 
forte senso de transformação da consciência. Foi o período da mídia, da multiplicação 
de estilos. Foi a era em que a realidade se parecia com a irrealidade. 
Ruland cita o crítico Malcolm Cowley, cuja narrativa The Literary Situation (1954) 
dizia que o clima de experimentalismo do Modernismo e de discussão ideológica da 
década de 30 se desmanchava e que, em seu lugar, estava se perfilando um interesse 
na crítica literária. 
Uma das características da ficção desse período é o fato de ser variada, incluindo 
o existencialismo europeu e o Realismo mágico latino‑americano. Por outro lado, a 
presença da televisão, da mídia e do cinema influenciaram as narrativas escritas. Isso 
mostra que as narrativas populares também tinham o poder de interferir nas narrativas 
ditas eruditas, não por estar havendo uma banalização da literatura, mas como signo 
da procura por novas formas que melhor representassem a conjuntura presente. 
Entre os escritores de ficção, destacam‑se três mulheres, também do Sul dos 
Estados Unidos: Katherine Anne Porter (1890‑1980), Eudora Welty (1909‑2001) e 
Flannery O’Connor (1925‑1964). Porter escreveu romances e contos, destacando‑se 
nesse segundo gênero. Entre suas narrativas, merecem destaque as coletâneas Pale 
Horse, Pale Rider (1939) e The Leaning Tower (1944). Porter influenciou sua 
conterrânea Eudora Welty, nascida em Mississippi. Sua primeira coletânea de contos 
é A Curtain of Green (1941). Como outra grande contista sulista, Flannery O’Connor, 
Welty se interessava pelo cômico e grotesco. Por meio do grotesco, O’Connor narra a 
maneira como a ignorância provoca violência e discriminação. Entre suas coletâneas 
de contos, destaca‑se Everything that Rises must Converge (1965). 
 
Literatura Inglesa | 
A Ficção Norte‑Americana 
www.cenes.com.br | 108 
15.13 Os Prosistas da Década de 1950 
A década de 50 foi um momento de grande prosperidade, quando a Segunda 
Guerra Mundial tirou os Estados Unidos da Depressão. A boa vida era medida em 
termos de bens materiais, como casas, carros, televisão e eletrodomésticos. Mas, ao 
mesmo tempo, criticava‑se essa nova classe, produto da tecnologia e do lazer, por ter 
perdido o desejo de buscar novos desafios. Ao mesmo tempo, se o sucesso 
econômico era um dos objetivos principais, o fracasso tornou‑se também um dos 
temas centrais dessa literatura. 
Mas, uma das características importantes desse momento é que os Estados 
Unidos cada vez mais se apresentavam como uma sociedade profundamente 
heterogênea. A melhor ficção veio daqueles grupos que estiveram relacionados com 
a experiência da guerra, em particular os escritores judeus‑americanos ou 
afro‑americanos. 
 
15.14 Escritores Judeu‑Americanos 
Desde 1890, os escritores judeus‑americanos eram uma parte importante da 
tradição norte‑americana, mas alcançaram seu ponto de maior importância em 1945. 
O romance judeu‑americano dessa época não falava da experiência da imigração, mas 
do materialismo, da cidade moderna, das relações interpessoais. Foi nessa época que 
apareceram alguns dos escritores mais importantes dessa tradição, como Saul Bellow 
(1915‑2005), com seu romance Dangling Man (1944), e Bernard Malamud 
(1914‑1986), filho de imigrantes judeus. Seus temas principais são a luta do homem 
para sobreviver e a ética dos judeus imigrantes. Destacam‑se entre suas obras a 
coletânea de contos The Magic Barrel (1958). Isaac Bashevis Singer (1904‑1991) foi 
ganhador do Prêmio Nobel. Era filho de imigrantes poloneses que chegaram aos 
EstadosUnidos em 1935. Seu gênero de preferência era o conto e escreveu em iídiche, 
fusão do alemão e hebraico, comum dos judeus europeus. Suas personagens eram 
judeus moradores de pequenas aldeias da Europa e os imigrantes que vieram para a 
América antes e depois da Segunda Guerra Mundial. 
Outro escritor judeu‑americano de destaque é Vladimir Nabokov (1889‑1967). 
Um de seus romances mais importantes é Lolita (1958), sobre um homem educado de 
meia‑idade que se apaixona por uma moça norte‑americana, sem educação, de 12 
anos. Como explica VanSpanckeren (1994, p. 102), Nabokov era ciente de sua função 
de mediador entre a literatura norte‑americana e russa, de onde era oriundo. Sua 
Literatura Inglesa | 
A Ficção Norte‑Americana 
www.cenes.com.br | 109 
grande contribuição foi a renovação do Realismo norte‑americano a partir do 
Expressionismo europeu. 
Mais um escritor judeu‑americano de grande qualidade é J. D. Salinger (1919‑). 
Seu grande romance é The Catcher in the Rye (1951), narrado da perspectiva de um 
adolescente de 16 anos, de classe alta, Holden Caulfield, que foge de um colégio de 
elite e se desaponta com o mundo materialista dos adultos. Por meio de uma 
linguagem coloquial adolescente, Holden se define com o salvador da inocência das 
crianças que brincam em um campo de centeio, tão alto que não podem perceber 
para onde correm quando brincam. Outra obra de destaque de Salinger é sua 
coletânea de contos Nine Stories (1953). Uma delas, For Esme with Love and Squalor, 
trata do amor e da sordidez na Segunda Guerra Mundial (tanto na Europa como nos 
Estados Unidos) vistos a partir da perspectiva de uma inteligente garota inglesa, que 
pede para o narrador, um soldado norte‑americano na Inglaterra, justamente escrever 
um conto sobre a sordidez da guerra. Seu pedido e interesse no soldado tornam‑se, 
por sua vez, um ato de amor que lhe permite voltar da guerra para a próspera e 
superficial sociedade norte‑americana “with his faculties intact”. 
 
15.15 As Narrativas das Décadas de 1960 e 70 
VanSpanckeren (1994, p. 104) aponta que foi na década de 60 que surgiu a 
diferença entre fato e ficção, romance e reportagem, tendência que é mantida até 
hoje. A obra mais relevante neste estilo é In Cold Blood (1966), que narra o assassinato 
de uma família de fazendeiros no estado de Kansas. Esse estilo ficou conhecido como 
“Novo Jornalismo”, porque relacionava jornalismo e ficção: as estratégias narrativas 
da literatura e os fatos de algum acontecimento jornalístico. A ideia era ressaltar a 
dramaticidade da estória narrada. 
Da mesma maneira, a literatura da década de 60 se caracteriza pela visão satírica 
dos valores da sociedade norte‑americana, a fusão entre o cômico e o metafísico e o 
grotesco. 
Um dos escritores mais destacados desse momento é Thomas Pyncheon (1937‑), 
que foi influenciado por Vladimir Nabokov. Seu estilo é inovador e usa de jogos e 
códigos. Por exemplo, muitas vezes a trama da narrativa é desconhecida para uma das 
personagens principais, que precisa criar uma ordem a partir do caos que a rodeia. 
Entre suas obras, destacam‑se V (1963) e The Crying Lot of 49 (1966). 
John Barth (1930‑) se interessa mais pelo estilo de narrar a estória do que pela 
Literatura Inglesa | 
A Literatura Afro‑Americana 
www.cenes.com.br | 110 
estória sendo narrada. VanSpanckeren (1996, p. 106) define seu estilo narrativo como 
um parque de diversões cheio de espelhos que distorcem alguns traços e minimizam 
outros. Uma de suas narrativas mais inovadoras é Lost in the Fun House (1968), uma 
sátira das “grandes narrativas” clássicas do mundo ocidental. O objetivo de Barth é 
mostrar ao leitor o caráter de “construto” tanto da leitura como da escrita. Em outras 
palavras, o autor critica o conceito de “natural” ou “normativo”. 
Por sua vez, um dos dramaturgos mais centrais desse período é Edward Albee, 
que escreveu algumas das peças psicológicas mais memoráveis, nas que utiliza 
elementos do absurdo para criticar acidamente o sonho americano e a arte de 
Hollywood, como Who is Afraid of Virginia Woolf? (1962). 
 
16 A Literatura Afro‑Americana 
É interessante notar que, já na época colonial, havia algumas vozes que não 
pertenciam às dos homens brancos e anglo‑saxões, como a de Phillis Wheatley 
(1753‑1784), uma escrava afro‑americana que fora levada da África para Boston, onde 
foi comprada por um alfaiate rico, John Wheatley, para servir a sua esposa. Nas suas 
poesias, Wheatley afirma a igualdade espiritual entre negros e brancos, ao mesmo 
tempo em que, indiretamente, critica o racismo branco. A respeito da forma, os seus 
poemas revelam a tradição literária clássica da Nova Inglaterra: 
On Being Brought From Africa To America 
It was mercy brought me from my pagan land, Taught my benighted 
soul to understand 
That there’s a God, that there’s a Savior too: 
Once I redemption neither sought nor knew. 
Some view our sable race with scornful eye, 
“Their color is a diabolic dye.” 
Remember Christians; Negroes, black as Cain, 
May be refined, and join the angelic train (LEMAY, 2005, p. 96). 
Já na segunda metade do século XIX, as narrativas afro‑americanas vão se 
afirmar, por meio de autobiografias, textos de protesto, sermões, poesias e cânticos. 
A identidade negra começa a se impor nas narrativas de Booker T. Washington, 
Literatura Inglesa | 
A Literatura Afro‑Americana 
www.cenes.com.br | 111 
William Edward Burghardt Du Bois, Charles Waddel Chesnutt e Paul Laurence Dunbar, 
entre muitos outros. 
Um dos ataques mais sangrentos contra a escravatura nos Estados Unidos foi 
inspirado por Nat Turner (1800‑1831) no verão de 1831 na Virgínia. Esse pregador 
protestante (sobre quem há pouca informação) acreditava que sua missão na vida era 
salvar seu povo da escravatura. Assim, organizou uma revolta no dia 21 de agosto de 
1831 que reuniu mais de 60 escravos e acabou com a morte de cinquenta brancos. A 
revolta foi controlada, mas Turner conseguiu escapar por dois meses, quando foi 
julgado e executado. Isso levou a medidas mais duras contra os escravos. Porém, com 
o tempo, sua figura teve um efeito carismático para os lideres negros (INGE, 2005). 
Booker T. Washington (1856‑1915) era filho de pai branco escravagista. Fora 
criado como escravo no estado da Virgínia. Sua autobiografia, Up From Slavery (1901), 
narra sua própria estória e sua luta para alcançar uma melhor vida para os 
afro‑americanos. Da mesma maneira, seu discurso Atlanta Exposition Address (1895) 
foca‑se na sua tentativa de integrar os negros recém‑libertos à sociedade 
norte‑americana. 
William Edward Burghardt Du Bois (1868‑1963) nasceu na Nova Inglaterra e se 
formou nas universidades de Harvard e Berlim. Sua obra principal é The Souls of Black 
Folks (1903). Nele, Du Bois discute que, apesar de suas realizações, Booker T. 
Washington houvera aceito a segregação, o que resultava na inferiorização dos 
afro‑americanos. Foi um dos fundadores da National Association for the Advancement 
of Colored People (NAACP). A importância de seu trabalho é ter ajudado os 
intelectuais afro‑americanos a redescobrirem o valor de sua cultura. 
Na sua poesia, Paul Laurence Dunbar (1872‑1906) faz uso do dialeto dos 
afro‑americanos, como uma maneira de mostrar a sua diferença cultural, mas também 
do inglês formal, por um lado, para poder mostrar uma imagem diferenciada dos 
afro‑americanos aos norte‑americanos brancos (já que os gêneros são o elo de 
comunicação entre o escritor e sua audiência) e, por outro, para mostrar a capacidade 
do afro‑americano para se comunicar em qualquer forma da língua inglesa. Embora 
ele preferisse seus poemas em inglês standard mais do que em dialeto, o crítico 
William Dean Howells escreveu uma crítica favorável aos seus poemas em dialeto e 
assim seu nome ficou relacionado a esse uso da linguagem. 
O uso da língua inglesa, assim como sua apropriação e a reescrita (nos seus 
poemas)de textos da cultura branca, como a Bíblia, transformaram‑se em alegoria de 
resistência, já que os saturava de novos significados, que faziam sentido para a 
Literatura Inglesa | 
A Literatura Afro‑Americana 
www.cenes.com.br | 112 
comunidade afro‑americana. 
Um de seus poemas mais importantes e conhecidos é Sympathy, cujo refrão 
tornou‑se o título da autobiografia da escritora afro‑americana contemporânea Maya 
Angelou: 
I know what the cage bird feels, alas! 
When the sun is bright on the upland slopes; 
When the wind stirs soft through the springing grass, 
And the river flows like a stream of glass; 
When the first bird sings and the first bud opens, And the faint 
perfume from its chalice steals— I know what the caged bird feels! 
I know why the caged bird beats its wing 
Till its blood is red on the cruel bars; 
For he must fly back to his perch and cling 
When he fain would be on the bough‑a‑swing; 
And a pin still throbs in the old, old scars And they pulse again with 
a keener sting— I know why he beats his wing! 
I know why the caged bird sings, ah me, 
When his wing is bruised and his bosom sore,‑‑ 
When he beats the bars and he would be free; 
It is not a carol of joy or glee, 
But a prayer that he sends from his heart’s deep core, But a plea, that 
upward to Heaven he flings— 
I know why the caged bird sings! (BRAXTON, 1993). 
 
Nesse poema, Dunbar se utiliza da metáfora do pássaro na gaiola para explicar 
o conflito dos afro‑americanos. Ele o faz por meio de um tipo de verso diferente que 
recria a cadência da língua inglesa, usada pelos afro‑americanos, assim como seu 
próprio passo e ritmo de vida. Mais uma vez essa apropriação do verso mostra seu 
Literatura Inglesa | 
A Literatura Afro‑Americana 
www.cenes.com.br | 113 
desejo de criar uma literatura afro‑americana em tema e forma. O irônico é esse duplo 
sistema de significação tornar‑se visível só para os membros da comunidade, 
enquanto passa despercebido para a comunidade branca, que pensa estar ele só 
“copiando”, não reformulando, sistemas narrativos já existentes. Ao fazer isso, Dunbar 
revela o desejo da comunidade afro‑americana de marcar sua identidade cultural por 
meio de suas diferentes formas culturais. 
 
16.1 The Harlem Renaissance: A Afirmação da Literatura Afro‑Americana 
Foi a música do jazz, dos afro‑americanos que deu o nome a essa década: The 
Jazz Age. Destacavam‑se músicos como Duke Ellington e cantoras como Bessie Smith. 
Um dos gêneros era o blues e havia também os negro spirituals. Por sua vez, os 
escritores afro‑americanos, que tinham se assentado no Harlem, queriam que sua 
literatura não fosse uma mímica da literatura dos brancos, mas uma literatura que 
recriasse as experiências, gostos e estilos da comunidade afro‑americana dos Estados 
Unidos. Esse foi o objetivo do movimento negro chamado de Harlem Renaissance 
(1919‑1929). 
Assim, a década de 1920 foi um momento de lutas políticas, sociais e raciais que 
vão se afirmar por meio das expressões artísticas. O ano de 1919 foi um momento em 
que muitos soldados afro‑americanos que tinham lutado na Primeira Guerra Mundial 
voltam para Estados Unidos e têm dificuldades para encontrar empregos. Muitos 
afro‑americanos foram linchados no Sul e, por isso, houve reação da comunidade 
negra. Houve uma conferência do NAACP pedindo ao governo novas leis que 
proibissem esse tipo de violência. Em 1920, o líder Marcus Garvey organizou uma 
convenção no Madison Square Garden, em que centenas de cidadãos negros 
participaram. 
Na arte, o dramaturgo Eugene O’Neill estreou a peça The Emperor Jones, cujo 
ator principal era afro‑americano. Em 1922, o então jovem músico Louis Armstrong 
vai de Nova Orleans para Chicago e começa a tocar em uma banda. 
Em 1925, a revista Survey Graphic publicou um número especial dedicado aos 
artistas do Harlem Renaissance intitulado Harlem: Mecca of the New Negro, em que 
introduz a poesia, a ficção e os ensaios dos artistas afro‑americanos ao público branco. 
Nesse mesmo ano, Alain Locke publica The New Negro, ilustrado por Winold Reiss. O 
interessante é que, nesses retratos, há uma mudança na maneira como os 
afro‑americanos são representados. Os títulos das fotografias não se referem a tipos 
Literatura Inglesa | 
A Literatura Afro‑Americana 
www.cenes.com.br | 114 
raciais ou étnicos, eles são reconhecidos pelas suas profissões: “Uma bibliotecária”; 
“Duas professoras” etc. 
Nessa década, há exibições de pinturas e esculturas de artistas negros. Em 1927, 
o músico Duke Ellington começa a tocar no Cotton Club, no qual os músicos eram 
negros, mas a audiência, branca. Em 1928, aparece o Harlem Experimental Theatre. 
Surgem também revistas literárias e artísticas, como a Fire!!, dedicadas ao Harlem 
Renaissance. É também nessa década que os escritores mais importantes desse 
movimento publicam poesias, contos e romances: Langston Hughes, James Weldon 
Johnson, Claude McKay, Countee Cullen, Zora Neale Hurston, entre outros. 
 
16.2 A Poesia de Langston Hughes 
Langston Hughes (1902‑1967) incorporou na sua poesia os ritmos da música do 
jazz e do blues, a linguagem coloquial de sua comunidade e temas folclóricos. Ele teve 
uma atuação relevante no Harlem Renaissance não somente por meio de sua 
literatura, mas por sua ação para abrir teatros e promover eventos de artistas 
afro‑americanos. Escreveu poesias, duas autobiografias – The Big Sea (1940) e I 
wonder as I wander (1956) – e os maravilhosos sketches de sua personagem Jesse B. 
Semple, por meio de quem fazia sua crítica social. 
Na sua poesia, Hughes usa palavras do dialeto negro, incorpora os ritmos do jazz 
e do blues, utiliza um estilo coloquial, seu tom é de crítica e profundamente irônico. 
A partir de sua poesia, Hughes discute o conceito de “negritude” (desenvolvido 
pelos líderes Aime Cesaire e Leopold Sedar Segnhor) e seu orgulho de ser 
afro‑americano, como em seu poema My People, em que afirma o slogan “Black is 
Beautiful”: 
The night is beautiful, So the faces of my people. 
The stars are beautiful, So the eyes of my people. 
Beautiful, also, is the sun. 
Beautiful, also, are the souls of my people (HUGHES, 1990, p. 43). 
 
Um de seus poemas mais famosos e belos sobre a negritude é 
 
Literatura Inglesa | 
A Literatura Afro‑Americana 
www.cenes.com.br | 115 
Negro 
I am a Negro: 
Black as the night is black, 
Black like the depths of my Africa. 
I’ve been a slave: 
Caesar told me to keep his door‑steps clean. 
I brushed the boots of Washington. 
I’ve been a worker: 
Under my hand the pyramids rose. 
I made mortar for the Woolworth Building. 
I’ve been a singer: 
All the way from Africa to Georgia. 
I carried my sorrow songs. 
I made ragtime. 
I’ve been a victim: 
The Belgians cut off my hands in the Congo. 
They lynch me still in Mississippi. 
I am a Negro: 
Black as the night is black 
Black like the depths of my Africa (HUGHES, 1990, p. 57). 
 
Também na sua poesia Hughes reescreve a poesia democrática de Walt Whitman, 
mostrando que os afro‑americanos também são parte da América. Uma maneira de 
lutar pela identidade afro‑americana é torná‑los “visíveis”, que os Outros não os 
ignorem, mas reconheçam sua presença, como é dramatizado no poema I, Too: 
I, too, sing America. 
Literatura Inglesa | 
A Literatura Afro‑Americana 
www.cenes.com.br | 116 
I am the darker brother. 
They send me to eat in the kitchen. 
When company comes, 
But I laugh 
And eat well, And grow strong. 
Tomorrow, 
I’ll be at the table 
When company comes. 
Nobody’ll dare 
Say to me, 
“Eat in the kitchen”, Then. 
Besides, 
They’ll see how beautiful I am 
And be ashamed— 
I, too, am America (HUGHES, 1990, p. 87). 
 
Esse pedido de igualdade para todos os cidadãos norte‑americanos deveria se 
cristalizar por meio dos direitos civis e da igualdade de oportunidade de trabalho para 
todos. Seria essa uma maneira em que o Sonho Americanoseria para todos, por igual. 
Muitos afro‑americanos tinham emigrado do Sul, após a Guerra Civil, à procura de 
trabalhos no Norte, mas tinham sido confinados no bairro do Harlem, em Nova York, 
muitas vezes vivendo em condições precárias e só realizando trabalhos que os brancos 
não queriam fazer. Hughes observava os afro‑americanos andando pelas ruas do 
Harlem, felizes por ter um lugar próprio, mas tristes pelas suas condições. Por isso, 
Hughes chama a atenção ao que acontece quando um sonho é postergado 
indefinidamente: 
What happens to a dream deferred? 
Does it dry up like a raisin in the sun? Or fester like a sore— And then 
run? 
Literatura Inglesa | 
A Literatura Afro‑Americana 
www.cenes.com.br | 117 
Does it stink like rotten meat? Or crust and sugar over— like syrupy 
sweet? 
Maybe it just sags like a heavy load. 
Or does it explode? (HUGHES, 1990, p. 77). 
 
Também por meio de sua poesia, Hughes denunciou a perseguição dos negros 
no Sul por organizações como o Ku Klux Klan, como em seu poema Ku Klux: 
They took me out 
To some lonesome place. 
They said, “Do you believe 
In the great white race?” 
I said, “Mister, 
To tell you the truth, 
I’d believe in anything 
If you’d just turn me loose.” 
The white man said, “Boy, 
Can it be 
You’re standin’ there A‑sassin’ me? 
They hit me in the head And knocked me down. And then they kicked 
me On the ground. 
A klansman said, “Nigger, 
Look me in the face— And tell me you believe in 
The great white race” (HUGHES, 1990, p. 88). 
 
O sistema de segregação de brancos e negros ficou conhecido como as Leis Jim 
Crow, que estavam em vigor nos estados sulistas. Essas leis (que diferiam de estado 
para estado) estavam a favor de escolas e lugares públicos segregados e negavam aos 
Literatura Inglesa | 
A Literatura Afro‑Americana 
www.cenes.com.br | 118 
negros o direito de votar. No Poema Merry‑Go‑Round, Colored Child at Carnival, 
Hughes critica as Leis Jim Crow Sulistas vistas a partir da perspectiva de uma criança 
negra em um carrossel em uma cidade do Norte: 
Where is the Jim Crow section On this merry‑go‑round, Mister, cause 
I want to ride? 
Down South where I come from 
White and colored 
Can’t sit side by side. Down South on the train 
There is a Jim Crow car. 
On the bus we’re put in the back — There ain’t no back 
To a merry‑go‑round” 
Where’s a the horse 
For a kid that’s black? (HUGHES, 1990, p. 98). 
 
Outra grande escritora do Harlem Renaissance foi Zora Neale Hurston 
(1903‑1960), oriunda da cidade de Notasulga, Alabama. Seu gênero foram os contos 
e o romance. Hurston estudou antropologia no Barnard College e tinha uma visão 
cientifica da etnicidade. A autora se interessou pelas lendas folclóricas do povo 
afro‑americano tanto dos Estados Unidos como do Haiti, onde residiu por algum 
tempo. Como Hughes, Hurston utiliza nos seus romances a língua coloquial dos 
afro‑americanos, mas desta feita do Sul da nação. 
Seu romance mais importante é a bela narrativa Their Eyes were Watching God 
(1937), no qual, em uma passagem memorável, escrita em dialeto, a autora discute o 
conflito de identidade dos afro‑americanos quando a personagem principal é 
chamada de “Alphabet”, porque muitas pessoas tinham‑na chamado de maneiras 
diferentes, apontando para a falta de visibilidade e de uma identidade definida da 
comunidade afro‑americana. Nessa mesma passagem, a criança descobre que é negra 
quando se olha, pela primeira vez, em uma fotografia: 
“So when we looked at the picture and everybody got pointed out 
there wasn’t nobody left except a real dark little girl with long hair standing 
by Eleanor. Dat’s where Ah wuz s’posed to be, but Ah couldn’t recognize dat 
Literatura Inglesa | 
A Literatura Afro‑Americana 
www.cenes.com.br | 119 
dark chile as me. So Ah ast, ‘where is me? Ah don’t see me.” 
“Everybody laughed, even Mr. Washburn. Miss Nellie, the Mama of 
the Chillun who come back home after her husband dead, she pointed to de 
darkone and said, ‘Dat’s you Alphabet, don’ t you know yo’ oneself?” 
“Dey all useter call me Alphabet ‘cause so many people had done 
named me different names. Ah looked at the picture a long time and seen 
it was mah dress and mah hair s Ah said: 
“Aw, aw, Ah’,m colored!” 
“Den dey all laughed real hard. But before Ah seen the picture Ah 
thought Ah wuz like de rest” (HURSTON, 2006, p. 8‑9). 
Por meio de sua dramatização da condição da família afro‑americana e a situação 
da mulher nela, Hurston desconstruía o mito – criado pela comunidade branca – que, 
devido à escravidão, os afro‑americanos não tinham conceito de família. Ao mesmo 
tempo, Hurston também fazia sua crítica à maneira como a mulher negra era muitas 
vezes tratada pelos homens de sua comunidade. Isso mostra que Hurston foi 
precursora do movimento feminista e inspirou escritoras negras posteriores, como 
Alice Walker e a ganhadora do Prêmio Nobel de Literatura Toni Morrison. 
 
16.3 Escritores Afro‑Americanos da Década de 1950 
Entre os escritores afro‑americanos do período, destacam‑se dois grandes 
romancistas: James Baldwin (1924‑1987) e Ralph Waldo Ellison (1914‑1994). Ambos 
refletem a experiência afro‑americana nos anos 50. O problema de suas personagens 
não é a falta de ambição, como no caso de outras narrativas do período, mas seu 
conflito de identidade, o que não lhes permite funcionar na sociedade. Um dos 
romances mais destacados de Baldwin, Go Tell it on the Mountain (1953), trata da 
busca pelo autoconhecimento e a fé religiosa de um moço de 14 anos. Outros 
romances importantes na carreira de Baldwin são The Fire Next Time (1963) e Another 
Country (1962), nos quais trata sobre o desejo do fim da segregação racial. 
Ellison, por sua vez, escreveu um romance só: Invisible Man (1952), também sobre 
a busca da identidade afro‑americano e sua luta para se tornar “visível” à comunidade 
norte‑americana. Trata da vida de um negro que vive em um buraco subterrâneo, 
iluminado com eletricidade roubada. Embora ganhe uma bolsa para estudar na 
faculdade, é humilhado pelos brancos. Fora da faculdade, a vida também é corrupta e 
Literatura Inglesa | 
A Literatura Afro‑Americana 
www.cenes.com.br | 120 
nem a religião oferece consolo. 
 
16.4 O Black Arts Movement 
O Black Arts Movement, que surgiu nessas décadas, tinha como objetivo 
transformar a maneira como os afro‑americanos tinham sido representados ou 
retratados na literatura e nas artes dos Estados Unidos. Para isso, eles se voltaram à 
população afro‑americana com o intuito de definir seus objetivos em nível social e 
político. Por isso, a arte negra dos anos 1960 é uma expressão engajada politicamente. 
Larry Neal definiu o Black Arts Movement como uma visão da arte que pensa que 
o artista não deve se alienar da comunidade, mas ser porta‑voz dela. O Black Arts 
Movements é o lado espiritual e estético do movimento Black Power. Como tal, era a 
favor de uma arte que falasse direitamente às necessidades e aspirações dos Estados 
Unidos negro. Ambos os movimentos baseavam‑se em um ideário nacionalista que 
pedia a autodeterminação e o reconhecimento dos afro‑americanos como parte da 
nação norte‑americana. O objetivo do Black Arts Movement, então, era criar uma 
estética negra que fosse reconhecida como tal. 
Um dos poetas e escritores mais importantes nessa época da tradição 
afro‑americana é Amiri Baraka (1934‑), que também escreveu peças de teatro e teve 
ativa participação na política norte‑americana. Foi ele quem primeiro usou o termo 
Black Arts, com uma conotação positiva, para identificar essa estética afro‑americana: 
We are unfair 
And unfair 
We are black magicians Black arts we make in black labs of the heart 
The fair are fair and deathly white 
The day will not save them 
And we own the night (DICKER, 2008, p. 145). 
 
Da mesma maneira, o teatro de Amiri Baraka apresentava‑se como uma 
alternativa, nas suas palavras,à esterilidade do teatro branco. Era um teatro do 
“espírito” que confrontava o homem negro na sua interação com os afro‑americanos 
e os brancos: 
Literatura Inglesa | 
A Literatura Afro‑Americana 
www.cenes.com.br | 121 
Our theatre will show victims so that their brothers in the audience 
will be better able to understand that they are the brothers of victims, and 
that they themselves are blood brothers. And what we show must cause the 
blood to rush, so that pre‑Revolutionary temperaments will be bathed in 
this blood, and it will cause their deepest souls to move, and they will find 
themselves tensed and clenched, even ready to die, at what the soul has 
been taught (YOUNG, 1996, p. 1965). 
I have a dream that one day this nation will rise up and live out the 
true meaning of its creed: “We hold these truths to be self‑evident, that all 
men are created equal.” 
I have a dream that one day on the red hills of Georgia, the sons of 
former slaves and the sons of former slave owners will be able to sit down 
together at the table of brotherhood. 
I have a dream that one day even the state of Mississippi, a state 
sweltering with the heat of injustice, sweltering with the heat of oppression, 
will be transformed into an oasis of freedom and justice. 
I have a dream that my four little children will one day live in a nation 
where they will not be judged by the color of their skin but by the content 
of their character. 
I have a dream today! 
I have a dream that one day, down in Alabama, with its vicious racists, 
with its governor having his lips dripping with the words of “interposition” 
and “nullification” ‑‑ one day right there in Alabama little black boys and 
black girls will be able to join hands with little white boys and white girls as 
sisters and brothers. 
I have a dream today! 
I have a dream that one day every valley shall be exalted, and every 
hill and mountain shall be made low, the rough places will be made plain, 
and the crooked places will be made straight; “and the glory of the Lord 
shall be revealed and all flesh shall see it together.” 
This is our hope, and this is the faith that I go back to the South with. 
Fonte: KING Jr., M. L. I have a dream. March on Washington for Jobs 
Literatura Inglesa | 
A Literatura Afro‑Americana 
www.cenes.com.br | 122 
and Freedom. Washington DC, Estados Unidos da América, 28 ago. 1963. 
 
Maya Angelou (1928‑) tem assumido diferentes formas literárias. Uma de suas 
obras mais notáveis é sua autobiografia I Know Why the Caged Bird Sings (1970), 
como também sua coletânea de poemas Just Give me a Cool Drink of Water (1971). 
Nascida em Knoxville, Tennessee (batizada Yolande Cornalia Giovanni Jr.), Nikki 
Giovanni foi uma das primeiras poetas do Black Arts Movement. Era a favor de uma 
resposta agressiva e violenta, caso preciso, à opressão branca. Em um de seus poemas 
mais famosos, For Saundra (1968), Giovanni articula essa atitude combativa ao se 
negar a escrever uma poesia superficial (be‑bopping) ou romântica (sobre árvores). 
Ela prefere uma poesia combativa, na sua opinião mais adequada para tempos difíceis: 
I wanted to write a poem that rhymes 
but revolution doesn’t lend itself to be‑bopping 
then my neighbor who thinks i hate asked – do you ever write tree 
poems – i like trees 
so i thought 
i’ll write a beautiful green tree poem 
peeked from my window to check the image 
noticed the school yard was covered with asphalt 
no green – no trees grow in manhattan 
then, well, i thought the sky i’ll do a big blue sky poem but all the 
clouds have winged low since Dick was elected 
so i thought again and it occurred to me 
maybe i shouldn’t write at all 
but clean my gun and check my kerosene supply perhaps these are 
not poetic times at all (DUNGY, 2009). 
 
Rita Dove (1952‑) foi a primeira poetisa negra laureada nos Estados Unidos e a 
segunda artista negra (após Gwendolyn Brooks) a ganhar o Prêmio Pulitzer de poesia. 
Literatura Inglesa | 
A Literatura Afro‑Americana 
www.cenes.com.br | 123 
Ela era a favor de uma sensibilidade muito mais abrangente do que a do Black Arts 
Movement. Tinha uma atitude mais universalista e era contra qualquer parcialidade 
política, de raça ou gênero. Da mesma maneira, ela se negou a criar personagens para 
propósitos didáticos ou propagandísticos, como inventar uma heroína negra só para 
criar uma imagem negra positiva. Leia a seguir o poema Daystar: 
She wanted a little room for thinking; but she saw diapers steaming 
on the line, a doll lumped behind the door. 
So she laughed a chair behind the garage to sit out the children’s 
naps. 
Sometimes there were things to watchthe pinched armor of a 
vanished cricket, a floating maple leaf. Other days she stared until she was 
assured when she closed her eyes she’d see only her own vivid blood. 
She had an hour, at best, before Liza appeared pouting from the top 
of the stairs and just what was mother doing out back with the field mice? 
Why 
Building a palace. Later that night when Tom rolled over and lurched 
into her, she would open her eyes and think of the place that was hers for 
an hour –where she was nothing, pure nothing, in the middle of the day 
(DOVE, 1993). 
 
16.5 O Modernismo na Literatura Afro‑Americana 
Há duas romancistas afro‑americanas de grande destaque: Toni Morrison (1931‑) 
e Alice Walker (1944‑). Morrison frequentou a Universidade de Harvard e trabalha 
como editora em Washington. Ao mesmo tempo, é professora emérita de várias 
universidades. 
Seu tema principal é a identidade negra. Seus romances, de caráter experimental, 
mostram a influência no uso das técnicas narrativas do escritor sulista William 
Faulkner. Em The Bluest Eye (1970), Morrison narra a estória de uma moça negra cujo 
pai tem abusado dela. Em Sula (1973), a autora desconstrói o estereótipo da mulher 
negra e a apresenta como um ser humano em toda sua complexidade. Em Beloved 
(1987), Morrison narra a estória de uma mulher, no Sul dos Estados Unidos, que mata 
seus filhos para que não continuem como escravos. Em 1993, Morrison ganhou o 
Prêmio Nobel de Literatura. 
Literatura Inglesa | 
A Literatura Multiétnica 
www.cenes.com.br | 124 
Alice Walker continua nos passos de escritoras negras como Zora Neale Hurston. 
Ela se define como uma escritora feminista. Um dos temas principais de sua literatura 
é a busca da dignidade na vida humana. Sua obra principal é The Color Purple, 
baseada na maneira como as mulheres se apoiam umas nas outras em momentos de 
grande aflição. 
Como temos tentado mostrar em nossa narrativa, determinados tipos de estórias 
e histórias se impõem em determinados momentos porque refletem os interesses dos 
grupos no poder. Porém, aos poucos, e em uma cultura explicitamente multicultural 
como a norte‑americana (ou qualquer nação americana), outras vozes começam a 
surgir e se impor. Aos poucos, a heterogeneidade cultural americana reescreveu o 
“We, the People”, de maneira a incluir todas as vozes silenciadas ou marginalizadas 
em um sem‑fim de narrativas em contraponto que constantemente resignificam as 
narrativas nacionais. 
 
17 A Literatura Multiétnica 
A partir da segunda metade do século XX floresce a literatura multiétnica. 
Seguindo a liderança dos escritores afro‑americanos, escritores chicanos 
(norte‑americanos de origem mexicana), hispanos (cubanos‑norte‑americanos ou 
porto‑riquenhos), latinos, nativos e sino‑americanos começaram a atrair a atenção do 
grande público norte‑americano. 
Na década de 1970, apareceram programas nas universidades de estudos étnicos 
e, na década de 80, surgiram periódicos acadêmicos, organizações profissionais e 
revistas literárias dedicadas a essas causas. 
Por sua vez, já na década de 90 começaram a proliferar as conferências voltadas 
para os estudos étnicos, os que se agrupavam em novos cânones literários que, por 
sua vez, estavam em contraponto comos cânones clássicos. Todas essas narrativas 
criticam os valores do establishment como universais e únicos. 
Entre os temas mais destacados, estão a rescrita do conceito de raça como 
culturalmente construída; a etnicidade como conceito cultural; o etnocentrismo em 
contraponto à heterogeneidade cultural; o monolinguismo versus o polilinguismo. 
Entre os escritores chicanos, destacam‑se a escritora e poetisa Gloria Anzaldua, 
cuja poesia, com tons da tradição oral, conjuga palavras em espanhol e inglês e 
remonta às tradições mexicanas. 
Literatura Inglesa | 
A Literatura Multiétnica 
www.cenes.com.br | 125 
O poeta Alberto Ríos (1952‑) relaciona em seus poemas a fantasia e o realismo, 
no estilo do realismo mágico de Gabriel Garcia Márquez. Seus poemas mostram o 
hibridismo entre as línguas inglesa e espanhola, o estilo de composição e a cultura 
norte‑americana e latino‑americana, por exemplo em Mi Abuelo, em que o eu lírico 
diz: “Mi abuelo is the man who speaks through all the mouths in my house”. Sua 
poética evoca a língua castelhana, que precisou abandonar ao aprender o inglês na 
escola. 
Por sua vez, os poetas nativos têm se destacado tanto na prosa como na poesia. 
Suas poesias caracterizam‑se pela tradição do verso xamanístico, parte central de sua 
herança cultural. Por meio desses poemas, os poetas nativos evocam o mundo natural. 
Um desses poetas é Simon Ortiz (1941‑), que trata das contradições na vida de um 
índio norte‑americano no dia de hoje, dividido entre o presente e o passado. Nas suas 
poesias, Ortiz lembra os norte‑americanos das injustiças cometidas contra o seu povo. 
Leslie Marmon Silko (1948‑), membro de Laguna Pueblo, usa a linguagem 
coloquial e histórias tradicionais para criar poemas líricos. Ela é filha de europeus e 
nativos. Por meio de sua poesia, constrói uma ponte entre as tradições orais nativas e 
o público que lê poesia em língua inglesa. Porém, ela se coloca ao lado dos nativos 
norte‑americanos. Em seu poema Long Time Ago, imagina um mundo sem o homem 
europeu e branco: 
Long time ago in the beginning there were no white people in this 
world there was nothing European. 
And this world might have gone on like that except for one thing: 
witchery. 
This world was already complete even without white people. There 
was everything including witchery (RAMAZANI et al., 2003, p. 340). 
 
Entre os escritores hispano‑americanos, destacam‑se o ganhador do Prêmio 
Pulitzer Oscar Hijuelos, oriundo de Cuba e autor de The Mambo Kings Play Songs of 
Love (1989), e a contista Sandra Cisneros com sua antologia Woman Hollering Creek 
and Other Stories (1991). 
As vozes sino‑americanas também podem se ouvir neste período, a partir de 
escritoras como Maxine Hong Kingston e seu romance The Woman Warrior (1976), 
que abriu caminho para outros escritores sino‑americanos, como Amy Tan, cujo tema 
Literatura Inglesa | 
Conceitos Sobre O Pós‑Colonialismo 
www.cenes.com.br | 126 
é a vida chinesa nos Estados Unidos em The Joy Luck Club (1989) e The Kitchen God’s 
Wife (1991). 
 
18 Conceitos Sobre O Pós‑Colonialismo 
18.1 O Que é o Pós‑Colonialismo? 
Aschcroft et al. (1989) explicam o termo “pós‑colonialismo” como aquele que se 
refere às culturas afetadas pelo processo imperial do momento da colonização até o 
presente. Essa definição já revela que o “pós” do termo não é uma referência temporal, 
vinculada a um evento passado, mas um lugar, mais especificamente, denomina 
aquele local além do Ocidente, além da Europa, onde diferentes povos foram afetados 
pelo colonialismo. Então, se dermos ao termo uma conotação de lugar, ele evoca 
imediatamente aqueles locais considerados como “marginais” porque estão além do 
“centro”, ou seja, de metrópoles como a Inglaterra ou a Europa em geral. Ao abrir o 
nosso escopo dessa maneira, nos defrontamos com outras culturas, com o Outro 
silenciado por séculos de dominação colonial. 
Fica claro, então, que definir o “pós” em termos de tempo implicaria, por um lado, 
tirar nossa atenção das formas presentes de desigualdade e injustiça – sejam elas 
políticas, econômicas ou discursivas dentro de um sistema global – e, pelo outro, 
pensar que a dominação dos fracos pelos poderosos tenha chegado ao fim. Nós 
sabemos que isso não é assim. O colonialismo tem tomado outras formas, como o 
imperialismo. 
Em outro nível, o termo “pós‑colonial” problematiza o tratamento de verdade 
universal dado às áreas da filosofia, da história, da literatura, da sociologia, da 
antropologia, e das ciências políticas, desenvolvidas no Ocidente e levadas pelos 
colonizadores (ingleses, franceses, alemães etc.) para todos os cantos do mundo, sem 
levar em conta as culturas locais. 
Esses saberes do Iluminismo europeu espalhavam a noção de que os europeus 
eram “iluminados”, ou seja, seres racionais, cartesianos, culturalmente superiores, 
enquanto os colonizados eram “primitivos”. Para justificar a colonização e subjugação 
das outras culturas, os europeus diziam que “o fardo do homem branco”, como canta 
um dos poetas do imperialismo inglês, Rudyard Kipling, era levar a “luz” a todos esses 
povos que, em sua opinião, ainda estavam nas trevas: 
Literatura Inglesa | 
Conceitos Sobre O Pós‑Colonialismo 
www.cenes.com.br | 127 
Take up the White Man’s burden – Send forth the best ye breed – 
Go, bind your sons to exile 
To serve your captives’ need; 
To wait, in heavy harness, 
On fluttered folk and wild – 
Your new‑caught sullen peoples 
Half devil and half child (WASHINGTON, 2007). 
 
Então, o termo “pós‑colonial” não se refere a uma periodização, mas a uma 
revisão e problematização dos saberes ocidentais, em particular os do Iluminismo, 
tidos como universais, essências e válidos em qualquer parte do mundo. 
 
18.2 A Semente da Teoria Pós‑Colonial 
Em 1978, o escritor palestino Edward Said publicou o livro Orientalismo, obra 
central para a teoria pós‑colonial. Seu argumento principal é que o orientalismo não 
é um fato, mas um discurso por meio do qual o Ocidente produz (inventa, cria) e 
manipula o Oriente política, econômica, social, militar e cientificamente. O 
orientalismo seria então a visão que o Ocidente constrói e divulga do Oriente, gerada 
a partir dos textos escritos pelos ocidentais sobre o Oriente, nos quais declaram a 
superioridade do Ocidente. O orientalismo, então, foi um “produto” do imperialismo 
ocidental, que o “construía” como inferior para autorizar sua subjugação. 
Influenciado pelas teorias pós‑estruturalistas, o texto de Said revela que nossa 
maneira de interpretar o mundo é expressa por meio do discurso; dito de outra 
maneira, a “palavra” é tão poderosa quanto uma arma letal, uma vez que ela nos ajuda 
a dominar e subjugar culturas segundo a nossa conveniência. Isso mostra que os 
textos culturais, históricos, políticos, literários não são nem puros, nem inocentes (é só 
ler o poema de Kipling que colocamos anteriormente), mas armas de dominação que 
servem para impor determinadas ideologias e maneiras de enxergar o mundo. 
 
Literatura Inglesa | 
Conceitos Sobre O Pós‑Colonialismo 
www.cenes.com.br | 128 
18.3 As Literaturas Pós‑Coloniais 
As reflexões de Said mostram que a literatura teve um papel central durante o 
período da colonização. Como exemplo, o gênero romance foi central no processo de 
colonização da índia. Por meio dele, as elites indianas se familiarizaram com a maneira 
de pensar e com os padrões culturais europeus e relegaram sua cultura a um segundo 
plano. Isso produziu uma aproximação dos ingleses e do modo ocidental de pensar e 
um afastamento de sua própria cultura. Ou seja, os ingleses utilizaram sua tradição 
literária para “civilizar” os indianos. Porém, o que os ingleses não consideraram foi o 
papel subversivo da literatura: os colonizados se apoderaram da língua (o inglês) e do 
gênero (o romance) do colonizador para recriar sua própria cultura, que tinha sido 
menosprezada pelocolonizador, e assim resistir (FESTINO, 2007). 
Surgiram assim as tradições literárias – também de língua inglesa – indiana, 
africana, irlandesa, caribenha, canadense, neozelandesa, australiana e (acredite!) 
norte‑americana, que foi a primeira literatura pós‑colonial, hoje hegemônica. Então, 
embora escritas em língua inglesa, elas não são “galhos” da literatura inglesa, cada 
uma delas conforma uma literatura nacional, relacionada com a história política, social 
e literária de cada país. Por isso, elas podem ser lidas como narrativas que contribuem 
à identidade nacional. 
Ao mesmo tempo, embora todas essas tradições literárias tenham em comum o 
fato de ter sofrido o processo colonial, cada uma delas possui, por um lado, suas 
próprias marcas culturais e, por outro, uma diferente maneira de se relacionar com o 
colonizador no espaço colonial que Bhabha (1994) chamou de “terceiro espaço”, onde 
as duas culturas entraram em colisão. 
Cada uma dessas tradições literárias merece um estudo particular e detalhado. 
Os seus escritores ocupam hoje o centro da cena das literaturas de língua inglesa, 
como se pode observar pelo fato de que, nas últimas décadas, um dois maiores 
prêmios das literaturas de língua inglesa, o Booker Prize, assim como o Prêmio Nobel 
de Literatura, têm sido conferidos a escritores das ex‑colônias. 
 
18.4 A Estética Pós‑Colonial 
Por sua vez, cada uma dessas literaturas é um exemplo do que o crítico Franz 
Fanon chamou de “a estética do colonizado”. Elas são o resultado de um processo de 
três etapas. Na primeira, como acabamos de ver, o colonizado assimila a estética do 
colonizador e rejeita a própria, em seu desejo de ser aceito em pé de igualdade. Na 
Literatura Inglesa | 
A Literatura Canadense 
www.cenes.com.br | 129 
segunda etapa, quando o colonizado percebe que o colonizador nunca vai tratá‑lo 
como igual, ele tenta recuperar sua estética pré‑colonial em toda a sua pureza. Se 
antes tinha desvalorizado sua cultura, agora ela a superestima. Em um terceiro 
momento, no final do período colonial, o colonizado desenvolve uma estética 
“híbrida”, ou seja, há traços de sua cultura e da do colonizador: produz‑se uma colisão 
entre o imaginário do colonizador e o do colonizado que nunca é pacifica, muito pelo 
contrário. 
 
18.5 O Tropo da Diferença 
Como resposta ao discurso civilizatório e universalista inglês, o tropo que se 
destaca nessas novas tradições literárias em língua inglesa é o da diferença: a 
revalorização das crenças e dos processos de significação locais denegridos pela 
colonização, o que leva à reformulação da identidade nacional. 
Nesse contexto, a metáfora literária adquire valor pedagógico e libertário porque 
torna‑se uma ferramenta relevante nesse processo de construção da diferença ao criar 
um âmbito em que o sujeito marginalizado reencontra‑se com sua cultura. Como 
aponta Chinua Achebe (1988, p. 30) em seu ensaio significativamente intitulado O 
Romancista como Professor, o objetivo do romancista pós‑colonial seria “[...] ajudar 
sua sociedade a recobrar a confiança nela mesma e deixar de lado os complexos dos 
anos de degradação e humilhação. Isso é essencialmente uma questão de educação”. 
Achebe acrescenta que sua maior satisfação seria se seus romances ensinassem 
seus leitores que, com todas as suas imperfeições, seu passado não foi uma “longa 
noite de selvageria da qual tinham sido salvos pelo homem europeu, atuando em 
nome de Deus” (ACHEBE, 1988, p. 31). 
 
19 A Literatura Canadense 
19.1 A Formação de Uma Tradição 
No Canadá, há duas tradições literárias: uma em língua inglesa e outra em língua 
francesa, fruto do processo de colonização. A literatura canadense de língua inglesa, 
como as demais literaturas pós‑coloniais, começou por meio de um jogo de 
contraponto, primeiramente com a tradição inglesa e logo com a tradição 
norte‑americana, tentando encontrar sua própria voz. Aos poucos, a tradição literária 
Literatura Inglesa | 
A Literatura Canadense 
www.cenes.com.br | 130 
canadense se afirmou e se desenvolveu ao redor de estilos e temáticas próprias a sua 
experiência histórica e ao seu espaço geográfico e cultural. Por sua vez, esse conceito 
da tradição canadense tem sido constantemente ressignificado e modificado 
dependendo das diferentes respostas fornecidas à pergunta “O que significa Canadá?” 
articulada nas diversas conjunturas históricas. 
Essa tradição literária começa ao redor do século XVIII (KEITH, 2006, p. 15) 
porque, diferentemente dos Estados Unidos, que alcançaram sua independência da 
Inglaterra já nesse século, o Canadá continuou a ser parte do Commonwealth. 
Um dos principais eixos temáticos da literatura canadense é, nas palavras de uma 
de suas principais escritoras, Margaret Atwood (apud FRASER, 2000, p. 152), o tema 
da “sobrevivência física, mental e espiritual” em um novo continente. Por sua vez, essas 
vivências – que englobam as diferentes fases da colonização e as mudanças sociais e 
territoriais – têm dado origem a diferentes formas de representação da experiência 
canadense, narrativas muitas vezes estrategicamente funcionais, visando valorizar a 
nova cultura e, ao mesmo tempo, marcar sua diferença. Bennett e Brown (2002, p. XVI) 
explicam que uma das preocupações centrais dos escritores canadenses tem sido 
registrar, em detalhe, a crônica de seu dia a dia, porque escrever sobre suas 
experiências e o seu passado era uma forma de entendê‑los e valorizá‑los. Assim, 
acrescentam os autores, as primeiras descrições da floresta (bush) no Norte vão dar 
lugar às narrativas dos primeiros colonos; por sua vez, esses vão se converter na 
história da nação, baseada na economia rural, que, aos poucos, vai se desenvolver em 
uma cultura urbana entre a natureza e um vizinho imperial e tecnologicamente 
desenvolvido (BENNET; BROWN, 2002, p. XVI). Então, as mudanças na nação 
provocaram também mudanças na literatura, na maneira de se compreender esse 
conceito de sobrevivência, e também na estrutura das narrativas, seu estilo, o tipo de 
língua inglesa utilizado etc. 
Conforme acrescentam Bennett e Brown (2002, p. XVII), essa tendência ao 
realismo presente na tradição canadense se contrapõe à presença do mito e à busca 
por um mundo idealizado, que vá além da experiência do dia a dia. A relação entre 
essas narrativas miméticas e míticas dependerá, por sua vez, da maneira como o 
conceito de “realidade” é entendido, desde os valores do Iluminismo e a razão no 
momento da colonização, o idealismo do século XVIII, a confiança na ciência nos 
séculos XIX e XX e, finalmente, a ideia de que a verdade é plural e contingente, 
característica da passagem entre os séculos XX e XXI. Por sua vez, essas epistemologias 
modificam a maneira como os escritores entendem suas experiências no mundo (o 
conceito de sobrevivência) o qual, na literatura, levará à organização da tradição em 
Literatura Inglesa | 
A Literatura Canadense 
www.cenes.com.br | 131 
períodos. 
Porém, acrescentam os autores, no caso da literatura canadense não é tão fácil 
fazer essa divisão, em particular porque havia no território canadense uma tradição 
indígena que fora interrompida, mas não apagada, com a qual a cultura europeia vai 
interagir nos novos territórios. Ao mesmo tempo, a cultura e as narrativas trazidas 
pelos europeus mudarão, pois o contato com o novo continente as distanciará das 
narrativas europeias. 
Bennet e Brown (2002, p. XVIII) reconhecem quatro períodos principais. O 
primeiro é “A cultura literária anterior à Confederação”, cujo foco está no senso de 
perda e deslocamento dos imigrantes quando, por um lado, olhavam com nostalgia 
ao passado que deixavam para trás e, por outro, procuravam novas formas linguísticas 
e narrativas que dessem conta de narrar as experiências da nova paisagem. 
O segundo período, chamado de “A emergência de uma literatura nacional”, 
inclui os escritores mais destacados no períodode formação da nação. Seu desejo era 
reescrever a tradição romântica, herdada da Inglaterra e dos Estados Unidos, e criar 
uma literatura vernácula. 
O terceiro período, “A emergência do modernismo literário”, se desenvolve na 
primeira metade do século XX e mostra sua apropriação das características do 
Modernismo. Como exemplo, uma das figuras que se destaca é a escritora Sara 
Jeannette Duncan, cuja literatura mostra a fusão entre o realismo urbano de Henry 
James e sua experiência de vida em uma pequena comunidade do interior canadense. 
Os escritores de ficção e os poetas mais destacados desse período aderem aos 
princípios do “Modernismo internacional”. Um dos interesses principais dos escritores 
desta época é a relação entre a voz do autor e o texto. 
O quarto período, “A estética fragmentada do final do século XX”, foca‑se nas 
décadas entre 1950 e 1980, períodos de grande crescimento e mudanças no Canadá, 
caracterizado pelo apoio governamental para as artes e a mídia, pela emergência de 
uma indústria editorial autônoma, pelas possibilidades de viajar através do território 
canadense com mais facilidade, por uma maior população urbana e pela expansão da 
educação universitária. 
Ao mesmo tempo, esse período, chamado também de período pós‑moderno, vai 
se caracterizar pelo fato de haver diferentes linhas de pensamento em contraponto. 
Por um lado, o período vai ser lembrado por alguns dos grandes nomes da literatura 
canadense, como Margaret Laurence e Alice Munro, cuja escrita se identifica com as 
Literatura Inglesa | 
A Literatura Canadense 
www.cenes.com.br | 132 
estratégias e os princípios do Modernismo. 
Esse período também tem por característica a facilidade de os artistas se 
movimentarem por fronteiras geográficas e culturais, cujas influências se manifestam 
nas narrativas oriundas de outras partes do mundo, tais como Michael Ondaatje (Sri 
Lanka), Rohinton Mistry (índia), Dionne Brand (Caribe), Thomas King (Cherokee, 
Estados Unidos), mas que farão parte do cânone canadense. Por sua vez, todos esses 
escritores, e também escritoras de grande renome e transcendência, como Margaret 
Atwood, movimentam‑se pelos limites de gêneros, transitando entre a poesia e a 
ficção, a palavra escrita e a pintura. 
 
19.2 A Prosa na Tradição Canadense 
19.3 As Primeiras Narrativas em Prosa 
As primeiras atividades literárias no Canadá são um contraponto entre as 
narrativas vernáculas, encontradas pelos primeiros colonos e, ao mesmo tempo, as 
primeiras narrativas produzidas por viajantes e exploradores. Como aponta Keith 
(2006, p. 31, vol. 1), esses colonos muitas vezes voltavam à Europa e suas narrativas 
eram publicadas como contribuições ao conhecimento científico ou diários de viagem. 
Um exemplo seria Travels and Adventures in Canada and the Indian Territories (1809), 
de Alexander Henry. Mas, o que distingue esse escritor é que, ao atravessar o território 
canadense, precisou se disfarçar de “canadense” para fugir dos índios, já que estes 
eram hostis aos ingleses; porém, em outro momento, precisou se disfarçar de índio 
para escapar de um dos tantos massacres entre índios e colonizadores. Esse fato vem 
mostrar a necessidade de se adaptar à nova situação para poder sobreviver. 
Um dos escritores mais representativos desta época e da literatura de viagem é 
David Thompson, autor de From Narratives of His Explorations in Western North 
America 1784‑1812, no qual investiga o território até então desconhecido. As obras 
de reconhecimento dos novos territórios resgatam as narrativas dos nativos 
associadas com esses locais e oferecem ao colonizador novos e preciosos 
conhecimentos, como no caso de Life Among the Nathaways: 
I had always admired the tact of the Indian in being able to guide 
himself through the darkest pine Forest to exactly the place he intended to 
go his keen, constant attentions on everything: the removal of the smallest 
Stone, the bent or broken twig, a slight mark on the ground, all spoke plain 
language to him. I was anxious to acquire this knowledge, and often being 
Literatura Inglesa | 
A Literatura Canadense 
www.cenes.com.br | 133 
in company with them, sometimes for several months, I paid attention to 
what they pointed out to me, and became almost equal to them, which 
became of great use to me (KEITH, 2006, p. 38). 
Antes da chegada dos europeus, as crenças e narrativas dos povos da América 
do Norte eram transmitidas de forma oral. Muitas das versões escritas que chegaram 
até nossos dias são as de exploradores como Thompson; elas têm sido consideradas 
com certo ceticismo pelos críticos atuais. Contudo, se usadas com cuidado, podem ser 
fontes de informação de grande valia (BENNETT; BROWN, 2002, p. XX). 
Uma dessas narrativas é a de Saukamapee (1714?‑1791?), um nativo Nahathaway 
que deixou seu povo e uniu‑se aos Peigans, uma das três nações Algonkian. No 
inverno de 1787, encontrou‑se com o explorador David Thompson, a quem narrou 
sobre a vida na América do Norte, em particular sua vida entre os Peigans: 
The Peeagans were always the frontier Tribe, and upon whom the 
Snake Indians made their attacks, these latter were very numerous, even 
without their allies; and the Peeagans had to send messengers among us to 
procure help. Two of them came to the camp of my father, and I was then 
about his age (pointing to a lad of about sixteen years) he promised to come 
and bring some of his people, the Nahathaways with him, for I am myself of 
that people, and not of those with whom I am. My father brought about 
twenty warriors with him (KEITH, 2006, p. 39). 
Esse pequeno trecho, narrado por Saukamapee quando já estava com 90 anos, 
mostra a relação entre as diferentes nações nativas em sua luta pelo poder e pelo 
controle da região. Um dos detalhes interessantes é a referência, entre parênteses, 
incluída por Thompson, em que, por meio da comparação com um moço do 
acampamento, Saukamapee explica a idade que ele mesmo tinha nesse momento. 
As primeiras narrativas em prosa produzidas no que hoje é conhecido como 
Canadá são da área de Nova Scotia. É aqui onde aparece, aos poucos, uma sociedade 
canadense, cujas obras satirizam a vida nesses núcleos sociais emergentes. Entre os 
nomes que se destacam, podem ser mencionados Thomas McCulloch, cujas cartas 
trazem uma descrição da vida em uma cidade de Nova Scotia. Essas cartas foram 
publicadas em um livro intitulado The Letters of Mephibosheth Stepsure (1862). O 
interesse despertado por elas reside no fato de terem sido escritas para uma audiência 
local, falando do contraste entre a vida nas grandes cidades e os pequenos povoados 
do interior do Canadá. 
Literatura Inglesa | 
A Literatura Canadense 
www.cenes.com.br | 134 
Keith (2006, p. 38, vol. 1) explica que, enquanto na Nova Scotia estava surgindo 
um sentido de comunidade, a região de Ontário, conhecida por “the bush”, ou seja, o 
sertão canadense, ainda estava sendo povoada pelos pioneiros. Nesse período, essa 
experiência se manteve como o tema principal da sua literatura. As irmãs Strickland, 
Catharine Parr Traill (1802‑1899) e Susanne Moodie (1803‑1885) são duas das 
escritoras mais destacadas dessa região e época. Ambas eram inglesas, de Londres, e 
pertenciam a uma família com interesses literários, tendo emigrado para o Canadá em 
1832. Suas narrativas eram dirigidas a um publico inglês, contando suas experiências 
no novo país. 
Traill ficou muito conhecida por The Backwoods of Canada (1836), no qual narra 
seus primeiros anos no Canadá a partir de uma série de cartas dirigidas a sua mãe, 
parentes e amigos. Nelas, ela explica sua relação com o novo contexto geográfico. 
Bennett e Brown (2002, p. 87) apontam que as memórias dos pioneiros – como Traill 
– foram narrativas de grande popularidade no século XIX e começo do século XX. 
Diferentemente das histórias de exploradores, que narram as extremas privações 
durante a conquistaem uma paisagem inóspita, e também dos escritos dos viajantes, 
as memórias dos pioneiros são narrativas extensas que contam os longos anos da 
experiência cotidiana de luta contra a natureza e o clima. Por isso, são textos cujos 
conteúdos testemunham uma grande resistência física e espiritual. 
Essas experiências individuais são consideradas representações das experiências 
das comunidades em seu esforço para fundar uma nova nação. É esse tipo de narrativa 
que, mais à frente, se desenvolverá no que se chamou de “romance de pioneiros”. 
Antes de sua chegada ao Canadá, Traill já publicara narrativas infantis. The 
Backwoods of Canada (1836) foi publicado quando ela já residia há quatro anos no 
sertão canadense. O objetivo dessa narrativa, como explicam Bennett e Brown (2002, 
p. 86), era preparar as jovens esposas dos emigrantes que partiam rumo ao Canadá. 
Na carta IX, a autora descreve sua casa em seu novo contexto cultural e geográfico: 
Lake House 
April 18, 1833 
But it is time that I should give you some account of our log‑house, 
into which we moved a few days before Christmas. Many delays having 
hindered its completion before that time, I began to think it would never be 
habitable. 
[...] 
Literatura Inglesa | 
A Literatura Canadense 
www.cenes.com.br | 135 
We have not quite comfortably settled, and I shall give you a 
description of our little dwelling. What is finished is only a part of the 
original plan; the rest must be added next spring, or fall, as circumstances 
may suit. 
A nice small sitting‑room with a store closet, a kitchen, pantry and 
bed‑chamber form the ground floor; there is a good upper floor that will 
make three sleeping‑rooms. 
“What a nut‑shell!” I think I hear you exclaim. So it is at present; but 
we purpose adding a handsome frame front as soon as we can get boards 
from the mill, which will give us another parlour, long hall, and good spare 
bed‑room (KEITH, 2006, p. 87). 
 
Nesse trecho, podemos ver a simplicidade de sua nova morada, sem nenhum dos 
refinamentos da Inglaterra, sendo porém confortável, protegendo‑os do clima 
inóspito do hemisfério norte. O tom da carta é alegre e cheio de energia. Uma de suas 
características mais importantes é que esses tipos de narrativas eram escritas por 
homens para um público masculino. Neste caso, porém, é escrita por uma mulher para 
um público feminino. Entretanto, o interesse das cartas transcende qualquer 
consideração de gênero, uma vez que, como fala Keith (2006, p. 40, vol. 1), a autora 
retrata as belezas naturais de sua nova terra enquanto lamenta, da perspectiva 
europeia, o que ela chama de “falta de história”. 
Na carta X, Traill descreve a paisagem que rodeia sua nova morada: 
Lake House 
May the 9th, 1833 
I enjoy a walk in the woods of a bright winter‑day, when not a cloud, 
or the faint shadow of a cloud, obscures the soft azure of he heavens above; 
when but for the silver covering of the earth I might look upawrds to the 
cloudless sky and say “It is June, sweet June”. The evergreens, as the pines, 
cedars, hemlock, and balsam firs, are bending their pendent branches, 
loaded with snow, which the least motion scatters in a mimic shower 
around, but so light and dry is it that it is shaken off without the slightest 
inconvenience (KEITH, 2006, p. 88). 
 
Literatura Inglesa | 
A Literatura Canadense 
www.cenes.com.br | 136 
Na segunda metade do século XIX, quando o Canadá estava se afirmando como 
uma nova nação, começaram a surgir outros viajantes que, como Anna Jameson 
(1794‑1860) em Winter Studies and Summer Rambles (1838), oferecem uma visão 
interessante do Canadá. Como aponta Keith (2006, p. 42, vol. 1), na Inglaterra, Jameson 
tinha acesso aos círculos sociais, intelectuais e literários e, por isso, trouxe para seu 
tour no Canadá a visão de uma escritora profissional. Ela passou o inverno em Toronto, 
mas no verão se estabeleceu em Ontário. Assim, ela narra as belezas da paisagem 
natural enquanto descreve em detalhe as dificuldades enfrentadas no seu dia a dia 
em contato com os canadenses. 
 
19.4 As Primeiras Narrativas Ficcionais 
Conforme Keith (2006, p. 68, vol. 1), as primeiras narrativas ficcionais do Canadá 
se distinguem das europeias especialmente porque, devido a sua situação histórica, 
em vez de optarem por narrativas de costumes, com sofisticadas análises das relações 
entre os membros dos grupos sociais, os escritores preferiram as aventuras que 
contavam como o novo continente era desbravado. 
Nessa época, como explica o crítico, ainda não havia um público para as 
narrativas canadenses, bem como uma indústria editorial canadense. Elas eram 
estrangeiras, em particular inglesas e estadunidenses. Finalmente, as primeiras obras 
de ficção canadenses começaram a aparecer no momento do auge do romance inglês, 
dominado por Charles Dickens, George Eliott e Thackeray, o que também contribuiu 
para que não tivessem uma recepção muito calorosa na sociedade canadense. 
As narrativas ficcionais, romances e contos, até a Primeira Guerra Mundial, são 
experimentos individuais e isolados. Em 1769, Frances Brooke publicou The History of 
Emily Montague, considerado o primeiro romance canadense. É um romance epistolar 
no estilo de Clarissa, de Samuel Richardson. A ação central acontece no Canadá, em 
Quebec, e a estória acaba com a volta de todos os personagens para a Inglaterra. 
Outros dois romances que se destacaram na época são Wacousta (1832), de John 
Richardson, e The Golden Dog (1877), de William Kirby. O primeiro é um romance 
histórico, e os eventos narrados estão centrados na relação entre os europeus e os 
nativos, cujas consequências serão sentidas na relação posterior entre os canadenses 
brancos e nativos. O segundo é também um romance histórico e apresenta um mundo 
de heróis e vilões, da luta do bem contra o mal, e o desejo de voltar para um mundo 
idealizado, segundo os padrões europeus, sempre em contraponto com a nova 
situação de luta e violência característica da formação do Canadá. 
Literatura Inglesa | 
A Literatura Canadense 
www.cenes.com.br | 137 
O gênero conto também vai alcançar sua melhor expressão no século XX; apesar 
disso, já no século XIX, destaca‑se In the Village of the Viger (1896), de Duncan 
Campbell Scott (1862‑1947). Profundamente ligado à paisagem canadense, desde 
cedo o autor interessou‑se pela vida dos nativos e as experiências dos canadenses na 
fronteira, especialmente daqueles de origem francesa. É por isso que todas as suas 
estórias acontecem em um vilarejo rural francês no interior do território canadense. 
Ao mesmo tempo, como explica Keith (2006, p. 75, vol. 1), os escritores Ernest 
Thompson Seton e Charles G. D. Roberts criaram um gênero genuinamente 
canadense: as histórias realistas de animais, que se diferenciam das fábulas. Entre 
essas coleções, destacam‑se Earth’s Enigmas (1896), de Roberts, e Wild Animals I Have 
Known (1898), de Seton. A maioria dessas narrativas tem a forma de biografias de 
animais e, por meio delas, é narrada a vida na floresta, onde, partindo de uma 
perspectiva darwiniana, só o mais forte pode sobreviver. 
Por isso, as personagens principais das narrativas são animais que se impõem 
sobre os demais. As histórias, no entanto, estão intimamente ligadas ao mundo do 
homem, pois, para ambos os autores, homens e animais pertencem ao mesmo 
entorno. Por sua vez, essas narrativas trazem belos desenhos das personagens 
principais, que, muitas vezes, têm nomes humanos, como é o caso de Johnny Bear. 
Como também destaca Keith (2006, p. 76, vol. 1), embora já existisse um 
desenvolvimento significativo, a floresta era uma presença importante na sociedade, 
e os autores acharam uma maneira inteligente de relacionar ambos os mundos. 
 
Sara Jeannette Duncan 
Entre os contistas canadenses da virada do século XIX para o século XX, uma 
escritora de renome é Sara Jeannete Duncan (1861‑1922).Como Henry James nos 
Estados Unidos e na Inglaterra, ela já antecipa o Modernismo no Canadá. A autora 
usou vários pseudônimos, mas ficou conhecida por seu nome de solteira. Durante sua 
vida como escritora, como apontam Bennett e Brown (2002, p. 154), Duncan usou 
várias vozes na sua escritura. No começo de sua carreira, Duncan viajou aos Estados 
Unidos e a Honduras e, nesse período, adotou o estilo entre inocente e atrevido da 
personagem Daisy Miller, de Henry James, dividida entre América e Europa. Assim, em 
An American Girl in London (1891), Duncan contrapõe uma personagem feminina 
canadense ao estereótipo feminino inglês. 
Uma das vozes que Duncan também se apropriou foi a de jornalista. Começou 
Literatura Inglesa | 
A Literatura Canadense 
www.cenes.com.br | 138 
no The Washington Post, nos Estados Unidos, até ser contratada pelo The Globe, em 
Toronto, para conduzir a seção do jornal dirigida às mulheres. Foi a primeira mulher a 
ter um trabalho em um jornal de destaque no Canadá. Sempre interessada na política, 
em 1888 começou a trabalhar como correspondente no Parlamento para o Montreal 
Star. 
Em 1890, Duncan se casou com o museólogo Everard Cotes, após o que se 
mudaram para a índia. É neste momento que Duncam produz sua ficção de maior 
importância, cujo foco principal é a mulher deslocada de seu entorno cultural, como 
era o caso das mulheres inglesas na sociedade indiana. Suas obras de maior destaque 
são The Simple Adventures of a Memsahib (1893), A Daughter of Today (1894) e The 
Pool in the Desert (1903). 
Devido a problemas de saúde, Duncan passou longas temporadas na Inglaterra 
e, durante as primeiras décadas do século XX, escreveu dois romances que lidam com 
o papel da mulher quando essa se encontra culturalmente deslocada, The Imperialist 
(1904) e Cousin Cinderella: A Canadian Girl in London (1908). 
No conto A Mother in India, Duncan relaciona mais uma vez o tema do império 
e o lugar da mulher nele, com a violência silenciosa perpetrada pelo sistema colonial 
na relação entre uma mãe e sua pequena filha quando esta é levada a Londres, para 
ser criada por sua avó e tias, segundo os padrões da Inglaterra do século XIX; quando 
a menina retorna para se reunir com sua mãe na índia, ambas são perfeitas estranhas. 
Devido às doenças que constantemente ameaçam os ingleses na índia, quando 
a criança tinha um mês de vida é levada para a Inglaterra por correr risco de morte, 
produzindo‑se assim a separação de sua mãe: 
She was just five weeks old when the doctor told us that we must 
either pack her home immediately or lose her, and the very next day John 
went down with enteric. So Cecily was sent to England with a sergeant´s wife 
who had lost her twins, and I settled down under the direction of a native 
doctor, to fight for my husband´s life, without ice or proper food, or 
sick‑room or comforts of any sort. Ah! Fort Samila with the sun glaring up 
from the sand! (COWASJEE, 1990, p. 75). 
O que se lê por detrás do tom de equidade da narrativa é uma história de doença, 
morte e sacrifício em um lugar totalmente longínquo e alheio. A narradora não só tem 
que se separar de sua pequena filha, mas, ainda convalescente do parto, também deve 
cuidar de seu marido doente em condições de grande precariedade. Entendemos 
Literatura Inglesa | 
A Literatura Canadense 
www.cenes.com.br | 139 
então que, embora livre de qualquer tipo de sentimentalismo, a grande história, mais 
do que estória, sendo narrada além do contexto característico da vida anglo‑indiana, 
é principalmente a do grande sacrifício realizado pelos súditos ingleses pela grandeza 
do Raj e, num tom paradoxalmente amortecido, a história da impotência da mulher 
inglesa presa ao sistema colonial. 
Assim, a narradora conta como a mãe e as irmãs do marido, mulheres de grande 
gentileza (gentility), embora de recursos limitados, a informam sobre a educação de 
sua filha nas cartas semanais que ela, por sua vez, lê escondendo sua raiva e frustração 
atrás de uma pretensa tranquilidade que, como discute Suleri, tem mais de histeria do 
que de calma: 
Meanwhile we noted the weekly progress with much the feeling one 
would have about a far‑away little bit of property that was giving no trouble 
and coming on exceedingly well. We would take possession of Cecily at our 
convenience; till then, it was gratifying to hear of our earned increment in 
her little dimples and sweet little curls (COWASJEE, 1990, p. 77). 
Quando finalmente a mãe tem a possibilidade de viajar para a Inglaterra, não é 
para ver sua filha, mas para acompanhar o marido, que fora promovido, fato esse 
também narrado de maneira monotônica e casual. Na medida em que o momento do 
encontro entre mãe e filha se aproxima, o ritmo da narrativa vai num crescendo, mas, 
em vez de terminar num clímax de afetuoso reconhecimento, se resolve em uma 
situação altamente anticlimática, quando a filha, como previsto, trata a mãe como uma 
perfeita desconhecida: 
Half‑way she came; I suppose our regards were too fixed, too 
absorbed, for there she stopped with a wail of terror at the strange faces, 
and ran straight back to the outstretched arms of her Aunt Emma. The most 
natural thing in the world, no doubt. I walked over to a chair opposite with 
my hand‑bag and umbrella and sat down –a spectator, aloof and silent […]. 
It is not amusing even now to remember the anger I felt. I did not touch her 
or speak to her; I simply sat observing my alien possession, in the frock I 
had not made and the sash I had not chosen, being coaxed and kissed and 
protected and petted by Aunt Emma (COWASJEE, 1990, p. 78‑79). 
Há, em A Mother in India, uma desfamiliarização do tema da maternidade 
produzida justamente pela separação que faz com que mãe e filha se sintam duas 
estranhas. Porém, a ruptura não é somente geográfica, mas também cultural. Na 
maioria das vezes as mães, segundo mostra Duncan, não podiam imprimir um rumo 
Literatura Inglesa | 
A Literatura Canadense 
www.cenes.com.br | 140 
determinado às histórias dos seus próprios filhos, já que eles se encontravam 
culturalmente separados, o que produzia uma terrível frustração, ao mesmo tempo 
demonstrando a impossibilidade de as mulheres das colônias controlarem suas 
próprias famílias. 
Embora, durante sua residência na índia, os britânicos continuassem 
considerando a Inglaterra como home, de volta à Europa após anos de serviço, eles 
se tornavam estrangeiros no seu próprio país. Duncan discute esse aspecto dos 
coloniais quando, a bordo do navio que volta para a índia, depois da sua estadia na 
Inglaterra, a narradora reflete que: 
It was a Bombay ship, full of returning Anglo‑Indians. I looked up 
and down the long saloon tables with a sense of relief and solace; I was again 
with my own people. They belonged to Bengal and to Burma, to Madras and 
to the Punjab, but they were all my people. I could pick out a score that I 
knew in fact, and there were none in imagination that I didn´t know 
(COWASJEE, 1990, p. 83). 
O momento de ruptura cultural está marcado pelo novo apelo nacional 
anglo‑indiano. Assim, a narradora mostra como a experiência colonial a coloca num 
“terceiro espaço”, que a torna uma estrangeira na sua própria cultura. Ela mesma é 
uma curiosidade para os ingleses. 
Em sua próxima viagem à Inglaterra, mãe e filha se olham através das duas 
margens de um abismo cultural: 
We spent a pleasant summer with a little girl in the house whose interest in us 
was amusing, and whose outings it was gratifying to arrange; but when we went back, 
I had not desire to take her with us. I thought her very much better where she was 
(COWASJEE, 1990, p. 81). 
Uma vez mais de volta à índia, a mãe se movimenta com o regimento de seu 
marido: “We went back to the frontier and the regiment saw a lot of service. That 
meant medals and fun for my husband, but economy and anxiety for me, though I 
managed tobe allowed as close to the firing line as any woman” (COWASJEE, 1990, p. 
80). Que estória/história está sendo contada? O mundo do marido pertence, como 
diria a autora indiana Arundhati Roy em The God of Small Things (1997), ao “deus das 
grandes coisas”, das grandes causas e acontecimentos, dos eventos históricos que 
faziam parte do mundo masculino do Raj. O dela, porém, só traz frustração e 
ansiedade e uma eterna espera. As mulheres pertencem “ao deus das pequenas 
Literatura Inglesa | 
A Literatura Canadense 
www.cenes.com.br | 141 
coisas”, mas suas histórias/estórias também precisam ser contadas, embora relegadas 
ao mundo feminino do pitoresco. 
 
19.5 A Ficção Canadense do Modernismo 
Aos poucos, na virada do século XIX para o XX, a ficção canadense vai adquirindo 
contornos próprios, conforme os temas de interesse vão migrando da vida na fronteira 
para as ruas das grandes cidades. Frederick Philip Grove (1879‑1948), como explica 
Keith (2006, p. 19, vol. 2), um europeu que fora ao Canadá à procura da América, 
tornou‑se paradoxalmente um dos primeiros romancistas canadenses. Por isso, sua 
prosa de caráter realista em A Search for America (1927) e In Search of Myself (1947) 
revela a odisseia dos imigrantes na sua oscilação entre as virtudes europeias e o novo 
continente americano. 
Outro escritor de relevância nessa conjuntura é Morley Callaghan (1903‑1990). 
Nascido e educado no Canadá, seus contos foram publicados nos Estados Unidos 
junto à ficção de Sherwood Anderson, Sinclair Lewis, Ernest Hemingway e F. Scott 
Fitzgerald. Esses dois grandes escritores o ajudaram na publicação de seus romances 
e coletâneas de contos, como Strange Fugitive (1928) e A Native Argosy (1929). Suas 
obras foram as primeiras a serem associadas não com a literatura inglesa, mas a 
norte‑americana. Durante a década de 1960, ele publicou seus contos nas mais 
prestigiosas revistas literárias dos Estados Unidos. Seus temas são urbanos e falam da 
vida nas grandes cidades canadenses, em um estilo e linguagem diretos. 
Keith (2006, p. 27, vol. 2) acrescenta que, na década de 1930, devido à Grande 
Depressão, não houve florescimento literário no Canadá e só na década de 40 surgirão 
os próximos escritores representativos de ficção: Hugh MacLennan (1907‑1990) e 
Sinclair Ross (1908‑1996). A grande contribuição da obra de MacLennan, como em 
seu romance Barometer Rising (1941), foi fazer seus leitores cientes de sua condição 
de canadenses. Com esse fim, sua ficção está profundamente enraizada na cultura 
canadense, estando ambientada nas grandes cidades, chamadas pelos seus nomes 
verdadeiros. Em 1941, Ross publicou As For Me and My House, um dos romances 
ainda hoje lidos no Canadá. É uma das obras chamadas de “prairie novel”, que, como 
os de Grove, acontecem no estado das grandes planícies canadenses, Manitoba. Sua 
prosa é mais elaborada e coloquial do que os outros romances do gênero. O tema são 
a luta e a alienação tanto na vida rural como nas cidades. Ela é contada pela 
personagem Mrs. Bentley, uma narradora complexa e pouco confiável, que revela mais 
do que ela mesma compreende. 
Literatura Inglesa | 
A Literatura Canadense 
www.cenes.com.br | 142 
Foi esse romance que inspirou uma das grandes escritoras de ficção canadense, 
Margaret Laurence (1926‑1987), cuja escrita influenciou no surgimento de outras duas 
grandes escritoras de ficção canadense: Alice Munro (1931‑) e Margaret Atwood 
(1939‑). 
 
19.6 Os Grandes Nomes da Ficção Canadense 
Nascida na cidade de Neepawa, Manitoba, Margaret Laurence transformou a 
pequena comunidade da planície onde cresceu na cidade imaginária de Manawaka, 
onde as narrativas de seus cinco romances inter‑relacionados acontecem. Eles são The 
Stone Angel (1964), A Jest of God (1966),The Fire Dwellers (1969), A Bird in the House 
(1970) e The Diviners (1974). Como diz Keith (2006, p. 65, vol. 2), os romances sobre 
Manawaka têm sido elogiados por vários motivos: a relação entre os conflitos de uma 
família e a região onde acontecem (no estado de Manitoba) revelam um marcado 
senso de lugar e de pertencimento que, por sua vez, articula um dos temas centrais 
da literatura canadense, como temos apontado: o da sobrevivência. Assim, a partir de 
sua voz narrativa, Laurence expressa uma sensibilidade marcadamente canadense. 
Entre esses romances, o mais destacado é o último da série, The Diviners, que ganhou 
o prêmio Governor General’s Award. 
Os romances contam a saga de uma família de ascendência escocesa, em 
particular de sua personagem principal, Morag, que em alguns momentos sente‑se 
uma estrangeira em uma terra estranha, mesmo tendo nascido no Canadá. Assim, The 
Diviners começa com uma referência de lugar, marcada pelo rio que cruza Manawaka: 
The River flowed both ways. The current moved from north to south, 
but the wind usually came from the south, rippling the bronze‑green water 
in the opposite direction. This apparently impossible contradiction, made 
apparent and possible, still fascinated Morag, even after the years of 
river‑watching. 
The dawn had lifted, and the morning air was fiflled with swallows, 
darting so low over the river that their wings sometimes brushed the water, 
then spiralling and pirouetting upward again. Morag watched, trying to 
avoid thought, but this ploy was not successful (BENNETT; BROWN, 2002, 
p. 11). 
O romance se inicia com uma meditação inspirada pelo lugar, pela fascinação 
com a natureza, mas tentando compreender seu lugar no mundo. Morag (Sarah em 
Literatura Inglesa | 
A Literatura Canadense 
www.cenes.com.br | 143 
escocês), como todas as heroínas dos cinco romances da saga de Manawaka, deixa 
sua terra fisicamente, só para reconhecer que não a pode abandonar emocionalmente. 
O momento culminante acontece quando viaja para a Escócia, apenas para descobrir 
que seu verdadeiro lugar é o Canadá, revelando a importância do tema da herança 
em Laurence. A herança, como apontam Bennett e Brown (2002, p. 584), não é 
somente genética, mas tem a ver com o entorno físico, social e cultural. Se a nossa 
herança, acrescentam as autoras, limita a nossa vida, também nos dá sustento e é a 
nossa força superior, nos permitindo sobreviver em um mundo caracterizado pela 
incerteza. 
Assim, o romance acaba com uma referência poética a Manawaka, mas somente 
quando Morag descobre significado da palavra “diviner” que dá o título ao romance: 
At least Royland knew he had been a true diviner. There were the 
wells, proof sensitive. Water. Real wet water. There to be felt and tasted. 
Morag’s magic tricks were of a different order. She would never know 
whether they actually worked or not, or to what extent. That wasn’t given 
to her to know. In a sense, it did not matter. The necessary doing of the 
thing – that mattered. 
Morag walked out across the grass and looked at the river. The sun, 
now low, was catchng the waves, sending out once more the flotilla of little 
lights skimming along the greenbronze surface. The waters flowed from 
north to south, and the current was visible, but now a south wind was 
blowing, ruffling the water in the opposite direction, so that the river, as so 
often here, seemed to be flowing both ways. 
Look ahead into the past, and back into the future, until the silence. 
How far could anyone see into the river? Not far. Near shore, in the 
shallows, the water was clear, and there were the clean and broken 
clamshells of creatures now dead, and the wavering of the underwater 
weed‑forests, and the flicker of small live fishes, and the undulating lines of 
gold as the sand ripples received the sun. Only slightly further out, the water 
deepened and kept its life from sight. 
Morag returned to the house, to write the remaining private and 
fictional words, and to set down her title (BENNETT; BROWN, 2002, p. 477). 
 
Literatura Inglesa | 
A Literatura Canadense 
www.cenes.com.br | 144A importância de Laurence está no fato de ter conscientizado seus leitores de sua 
herança canadense. Na passagem anterior, Morag percebe que Royland havia se 
tornado um verdadeiro “diviner”, e os córregos eram prova suficiente disso. No seu 
caso, ela também havia se tornado alguém que conseguia entender o fluir da vida, só 
que seu modo de expressão era pela palavra. É o fluxo do rio em Manawaka o grande 
elemento narrativo onde o passado se resignifica a partir do futuro e o futuro se 
entende pelo passado, relacionando os dois grandes temas: o da herança e o da 
sobrevivência no entorno geográfico e cultural. O livro acaba com Morag reconciliada 
com a paisagem de Manawaka, tentando resgatá‑la e guardá‑la por meio do uso da 
palavra. 
Laurence teve exposição internacional. Com seu marido, engenheiro civil, a 
autora morou na África, no então Protetorado Britânico de Somália e, mais tarde, em 
Gana. Foi lá que começou sua carreira de escritora, publicando uma série de contos, 
logo lançados em forma de livro, The Tomorrow‑Tamer (1963), 
This Side of Jordan (1960), em que discute o processo de independência de Gana, 
e Long Drums and 
Cannons (1968), um estudo crítico dos escritores de língua inglesa na Nigéria. 
Foram sua experiência na África e suas lutas pela liberdade e a nação que lhes 
permitiram melhor entender a influência colonial no Canadá. 
A ficção de Alice Munro, como explica Keith (2006, p. 67, vol. 2), está intimamente 
conectada à de Margaret Laurence pelo seu interesse no espaço físico, nesse caso, a 
área do sudoeste de Ontário, onde se encontram Jubilee e Hanratty, duas 
comunidades recorrentes na ficção da autora. Munro publicou seu primeiro livro de 
contos, Dance of the Happy Shades, em 1968, obra que lhe deu o primeiro dos três 
Governor General’s Award recebidos por sua produção literária. 
Ela publicou sete coleções de contos: Something I’ve Been Meaning to Tell You 
(1974); The Moons of Jupiter (1982), The Progress of Love (1986, Governor General’s 
Award), Friend of My Youth (1990), Open 
Secrets (1994), The Love of a Good Woman (1998) e Hateship, Friendship, 
Courship, Loveship, Marriage 
(2001) e duas sequências de contos, às vezes consideradas romances: Lives of 
Girls and Women (1971) e Who Do You Think You Are? (1978, Governor’s General 
Award). 
Literatura Inglesa | 
A Literatura Canadense 
www.cenes.com.br | 145 
A complexa estrutura de seus contos se organiza a partir de uma relação de 
contraponto, como explicam Bennett e Brown (2002, p. 661), permitindo à autora 
estabelecer uma relação dialógica entre o feminino e o masculino, o bem e o mal, o 
mundo rural e o mundo urbano. Da mesma maneira, os enredos se movimentam entre 
o presente e o passado, reproduzindo a maneira como a mente tenta recobrar o 
passado em toda sua complexidade. 
The Progress of Love é um de seus contos mais famosos. Nele, há um 
contraponto entre a relação da narradora, Fame, com sua mãe, e de sua mãe, Marietta, 
com sua própria mãe. Essa relação dialógica entre uma e outra personagem se 
estabelece por meio de uma interpretação de seus nomes por parte da narradora: 
I was named Euphemia, after my mother’s mother. A terrible name, 
such as nobody has nowadays. At home they called me Phemie, but when I 
started to work, I called myself Fame. My husband, Dan Casey, called me 
Fame. Then in the bar of the Shamrock Hotel, years later, after my divorce, 
when I was going out, a man said to me “Fame, I’ve been meaning to ask 
you, just what is it you are famous for?” 
“I don’t know”, I told him. “I don’t know, unless it’s for wasting my 
talking to jerks like you. After that, I thought of changing it altogether, to 
something like Joan, but unless I moved away from here, how could I do 
that? (BENNETT; BROWN, 2002, p. 664). 
O nome da narradora, Euphemia, Phemie, Fame, remete a sua avô e, ao mesmo 
tempo, a seu desejo de afirmar sua identidade. Por sua vez, sua identidade está 
intimamente ligada à pequena cidade onde mora. 
O que distingue esse conto das muitas obras anteriores da autora é mostrar o 
poder presente nas percepções das memórias em nossas vidas, mostrando que cada 
evento pode ser entendido sob perspectivas diferentes. A morte da mãe faz Fame 
lembrar‑se de sua infância na casa de seus pais e, por meio dela, da infância de sua 
mãe, quando ainda era “Marietta” e não “Mother”: 
My mother’s name as a child was Marietta. That continued to be her name, of 
course, until Beryl came I never heard her called by it. My father always said Mother. I 
had a childish notion – I knew it was childish – that Mother suited my mother better 
than it did other mothers. Mother, not Mama [...] Marietta, in my mind, was separate, 
not swallowed up in my mother’s grown up‑body. Marietta was still running around 
loose up in her town of Ramsay, on the Ottawa River. In that town, the streets were 
Literatura Inglesa | 
A Literatura Canadense 
www.cenes.com.br | 146 
full of horses and puddles, and darkened by men who came in from the bush on 
weekends. Loggers. There were eleven hotels on the main hotels on the main street, 
where the loggers stayed, and drank (BENNETT; BROWN, 2002, p. 665). 
Essas lembranças fazem a narrativa fluir em duas direções, para o passado e para 
o futuro, às vezes sobrepostas, provocando rupturas que ajudam a narradora a refletir 
justamente sobre as diferentes formas do amor, como indica o título da narrativa, 
conforme este era entendido por várias gerações da família. 
 
Margaret Atwood 
Margaret Atwood, nascida em Ottawa e residente em Toronto, estudou na 
Universidade de Toronto, onde foi colega do crítico Northrop Frye. 
Seus primeiros romances são The Edible Woman (1969) e Lady Oracle (1976). Eles 
marcam a primeira etapa de sua carreira como escritora. Conforme Bennett e Brown 
(2002, p. 777), o estilo severo e controlado dessa escrita não satisfaz as expectativas 
dos leitores e, mais do que afirmar qualquer atitude conformista, os leva a diferentes 
tipos de percepções. Muitas vezes, os narradores desse tipo de ficção são pessoas 
alienadas que olham com desconfiança o mundo do cotidiano, muitas vezes devido 
ao consumismo que governa a sociedade moderna. A esta visão, como apontam 
Bennett e Brown (2002, p. 777), a autora contrapõe sonhos e alucinações. Sua ideia é 
que precisamos descer ao nível da psique e redescobrir as dimensões primitivas e 
míticas para podermos experimentar um verdadeiro senso de completude. 
Atwood pertence a uma geração mais jovem que as duas escritoras mencionadas. 
Esse fato se reflete tanto no seu estilo como nos temas de suas narrativas, em prosa e 
em poesia. Conforme Keith (2006, p. 69, vol. 2), embora ela utilize estratégias do 
Realismo, seu estilo inclui o uso da sátira, a paródia, elementos de comédia e fábula. 
Essa atitude, conforme Atwood, seria o resultado de os canadenses se sentirem 
numa relação de inferioridade cultural com a Inglaterra e os Estados Unidos. Por isso, 
a dualidade em relação ao seu lugar no Canadá e ao conflito de se sentir, simultânea 
e permanentemente, por dentro e por fora da cultura. Esses foram os temas de um de 
seus livros sobre a tradição literária canadense, Survival: A Thematic Guide to Canadian 
Literature (1972). Bennett e Brown (2002, p. 777) apontam que a obra da autora, com 
tendências para uma ótica pós‑colonial, pretende ser um corretivo para essa atitude. 
É por isso que, para a autora, o papel do escritor adquire importância. É ele que tenta 
achar sentido nessa comunidade dividida entre dois mundos. 
Literatura Inglesa | 
A Literatura Canadense 
www.cenes.com.br | 147 
À segunda etapa na produção ficcional de Atwood pertencem a antologia de 
contos Bluebeard’s Egg (1983) e os romances Life Before Man (1979), Bodily Harm 
(1981), The Handmaid’s Tale (1985), Cat’s Eye (1988), The Robber Bride (1993), Alias 
Grace (1996) e The Blind Assassin (2000), que ganhou oBooker Prize. Neles, a autora utiliza um novo estilo, mais marcadamente político 
e satírico, abrangendo novas temáticas, e indo além do tema imperial, condenando a 
tortura como instrumento de repressão política,e adotando uma perspectiva global, 
como sua relação com a Amnesty International. É na escrita que tudo acontece e é por 
meio dela que o leitor perde a inocência. A interpretação, tão afiada como uma faca, 
rasga a página e se abrem rios de tinta. 
If the national mental illness of the United States is megalomania, that of 
Canada is paranoid schizofrenia. Mrs. Moodie is divided down the middle: she 
praises the Canadian landscape but accuses it of destroying her; she dislikes the 
people already in Canada but finds in people her only refuge from the land itself; 
she preaches progress and the march of civilization while brooding elegiacally 
upon the destruction of the wilderness... She claims to be an ardent Canadian 
patroiot while all the time she is standing back from the country and criticizing it 
as though she were a detached observer, a stranger. Perhaps that is the way we 
still live. We are all immingrants to this place even if we were born here: the 
country is too big for anyone to inhabit completely, and in the parts unknown to 
us we move in fear, exiles, and invaders. This country is something that must be 
chosen – it is so easy to leave – and if we do choose it we are still choosing a 
violent duality (BENNETT; BROWN, 2002, p. 777). 
Timothy Findley (1930‑2002) e Mordecai Richler (1931‑2001) são outros dois 
renomados escritores de ficção pertencentes a esse período. Findley foi romancista, 
mas também escreveu roteiros para a televisão, como os seriados The Whiteoaks of 
Jalna (1971‑4) e The National Dream (1974), este último sobre a construção da 
Canadian Pacific Railway. O reconhecimento maior veio com o romance The Wars 
(1977), que lhe rendeu o Governor’s General Award e inaugurou um período de 
grande produção escrita, do qual destacamos o romance Famous Last Words (1981), 
a coleção de contos Dinner Along the Amazon (1984) e peças de teatro como Elizabeth 
Rex (2000). Bennett e Brown (2002, p. 645) apontam que, embora as narrativas de 
Findley sejam marcadas pela violência, ele ficou famoso por sua luta em favor de 
causas humanitárias e por seu amor pelos animais. Uma marca de sua sensibilidade é 
que as piores lutas de sua ficção sempre ocorrem com personagens muito honestas, 
para quem é difícil encontrar o caminho em uma era cheia de dor. 
Literatura Inglesa | 
A Literatura Canadense 
www.cenes.com.br | 148 
Um dos temas principais da ficção de Mordecai Richler é a luta contra o 
antissemitismo, que ele mesmo experimentou por haver crescido na época da 
Depressão em Montreal. Após a Segunda Guerra Mundial, ele viajou para Paris, onde 
entrou em contato com o trabalho de Ernest Hemingway, Jean Paul Sartre e Albert 
Camus, entre outros. Ele se tornou um dos muitos expatriados que se reuniam nos 
cafés de Paris. Em 1959, de regresso ao Canadá, publicou o romance Apprenticeship 
of Duddy Kravitz, sedimentando sua fama como escritor. Por sua sátira Cocksure 
(1968), recebeu o Governor’s General Award. Mordecai é também o autor da saga 
Solomon Gursky Was Here (1989), em que narra a história de uma família judia no 
Canadá durante quatro gerações. 
Na década de 1990, preocupado com o separatismo de Quebec (entre as 
comunidades francófonas e anglófonas), Mordecai publicou o livro Oh Canada! Oh 
Quebec! Requiem for a Divided Country (1992), no qual ataca os nacionalistas 
francófonos de Quebec, mostrando o antissemitismo da população dessa cidade. 
Richler foi também jornalista e trabalhou na TV e na indústria do cinema. 
 
19.7 Escritores da Diáspora ou “Canadenses” Por Opção 
Uma das características mais importantes da literatura canadense recente é a 
presença de escritores cujas origens ancestrais não são europeias, como o 
cingalo‑canadense Michael Ondaatje, o escritor indiano‑canadense Rohinton Mistry, 
a escritora caribenha‑canadense Dionne Brand e o escritor americano‑canadense 
Thomas King. 
Michael Ondaatje (1943‑) pertence a esse espaço “in‑between” (BHABHA, 1994), 
o que permite diferentes leituras de sua identidade. Nasceu na cidade de Kegalle, Sri 
Lanka, ex‑Ceilão. Na infância, imigrou para a Inglaterra com sua mãe, 
estabelecendo‑se no Canadá em 1962, onde ainda mora com sua família. Sua 
produção literária é muito ampla e rica, compreendendo duas fases. Da primeira, 
centralizada em sua experiência americana, destacam‑se os romances The Collected 
Works of Billy the Kid (1970), Coming Through Slaughter (1976) e In the Skin of a Lion 
(1987). 
Na segunda fase, o foco está na Ásia. A essa fase pertencem seus romances The 
English Patient (1993) e Anil’s Ghost (2000) e seus dois livros de poemas, The 
Cinnamon Peeler (1989) e Handwriting (1998), o último escrito entre o Sri Lanka e o 
Canadá. 
Literatura Inglesa | 
A Literatura Canadense 
www.cenes.com.br | 149 
Nas muitas entrevistas que tem oferecido, Ondaatje tem se definido como 
cingalo‑canadense, vivendo entre dois mundos. Em 1978, o autor decidiu voltar para 
o Sri Lanka, para se reencontrar com sua história pessoal, como as personagens de 
seus romances pós‑coloniais, escritos após essa viagem, o Paciente Inglês e Kip, em 
The English Patient, e Anil Tissera, em Anil’s Ghost. Ondaatje define‑se como um 
“bastardo internacional” morando além de qualquer fronteira. 
Após a visita ao Sri Lanka, Ondaatje escreveu sua autobiografia, Running in the 
Family (1982), na qual estabelece os pontos principais de sua poética pós‑colonial. 
Nela, Ondaatje refere‑se à qualidade instável da identidade cultural: “I’m the foreigner, 
I’m the prodigal son who hates the foreigner” (ONDAATJE, 1982, p. 79); o nacionalismo 
e o colonialismo, “We own the country we are grown in or we are alien or invaders” 
(ONDAATJE, 1982, p. 79); o discurso da história entendido como um palimpsesto sem 
fim: “I am part of a human pyramid. Below me are other bodies that I am standing on 
and above me are several more, though I am quite near the top” (ONDAATJE, 1982, p. 
27). Essas são as metáforas principais de sua obra literária, desenvolvidas em seus dois 
romances pós‑coloniais, The English Patient e Anil’s Ghost. 
Rohinton Mistry (1952‑), por sua vez, nasceu na cidade de Bombaim, índia, e 
imigrou para Toronto em 1957. No começo, trabalhou em um banco, enquanto 
estudava inglês e filosofia na Universidade de Toronto. Em 1983, ganhou um concurso 
de contos e o Canadian Fiction Magazine Prize; no ano seguinte, tornou‑se escritor. 
Publicou as experiências desse período no livro Tales from Firozsha Baag (1987), obra 
que fez de Mistry um escritor de reconhecimento internacional. 
O estilo realista de Rohinton Mistry tem muitos pontos em comum com o 
Realismo do século XIX. Um dos pontos mais interessantes de sua literatura é não 
tentar fazer da índia um lugar exótico para consumo ocidental, mas apresentá‑la em 
toda sua complexidade cultural. O primeiro romance do autor, 
Such a Long Journey (1991), ganhou dois prêmios: Governor’s General Award e 
Commonwealth Writers Prize, tendo sido shortlisted para o prestigioso Booker Prize. 
O romance acontece durante o governo de Indira Gandhi e narra a estória da família 
Noble, cujo predicamento espelha‑se nos conflitos da nação nesse momento. Como 
apontam Bennett e Brown (2002, p. 1073), os conflitos históricos e as circunstâncias 
políticas da nação são forças que ameaçam o entorno familiar. 
O segundo romance do autor, A Fine Balance (1995), ganhou o prêmio Giller e 
também foi nominado para o Booker Prize. A ação acontece durante a década de 1970 
na índia, com referências ao processo de independência desta em relação à Inglaterra 
Literatura Inglesa | 
A Literatura Canadense 
www.cenes.com.br | 150 
em 1947. Desafiando as barreiras de casta e religião, quatro pessoasse encontram em 
um pequeno apartamento em Bombaim: uma viúva, que sobrevive com trabalhos de 
costura; dois alfaiates, que procuram se defender de um governo que persegue as 
pessoas das consideradas castas inferiores; e um estudante alienado de sua família. 
O interesse do autor pelos temas relacionados com a família volta a aparecer em 
Family Matters (2002), também ambientado em Bombaim. A personagem principal, 
Nariman Vakeel, testa os limites da devoção filial após sofrer um acidente que o torna 
dependente de sua filha. Conforme Bennett e Brown (2002, p. 1074), a exigência de 
Narinam sobre sua filha pode ser considerado um paralelo com o esforço exigido pela 
índia de seus habitantes. Como todos os outros romances de Mistry, Family Matters 
mais uma vez relaciona o público com o privado. 
 
19.8 Swimming Lessons, de Rohinton Mistry 
Os contos da coletânea Tales from Firozsha Baag podem ser organizados em três 
grupos. Os primeiros contos contam a vida do narrador no condomínio de Firozsha 
Baag, em Bombaim, onde mora a comunidade parsi, uma minoria étnica da índia que 
havia fugido do Irã devido a questões religiosas e que na índia pós‑independência foi 
perseguida por questões religiosas e políticas. Já no conto Lend Me Your Light da 
mesma coletânea, o narrador, uma ficcionalização de Mistry, nos conta, a partir de 
uma perspectiva crítica, o momento em que cruza fronteiras geográficas e culturais 
para se estabelecer no Canadá. Com sua carga de dúvidas ainda não resolvidas sobre 
sua cultura indiana, o jovem narrador apresenta‑se dividido entre dois mundos. O 
último conto da coletânea, Swimming Lessons, acontece no Canadá, em outro 
condomínio, onde ele passa a morar com imigrantes de outras partes do mundo, 
como iugoslavos e portugueses. Como o nome do conto revela, o narrador aprende 
a nadar cruzando fronteiras geográficas e culturais. Aos poucos, acha respostas às 
dúvidas trazidas da índia. Assim, entre seus vizinhos canadenses, ele vai aprender a 
narrar, com grande compaixão, sobre a sua comunidade parsi em Bombaim. O conto 
apreende então o preciso momento em que sua identidade cultural encontra‑se em 
processo de mudança. Em outro nível, conforme ocorrido com outros escritores na 
diáspora, a narrativa revela o momento exato em que o sujeito pós‑colonial se 
transforma em uma celebridade literária. 
O conto é narrado em primeira pessoa, o que parece ser uma estratégia muito 
simples. Porém, no caso da literatura pós‑colonial, implica outros níveis de 
complexidade. Em um primeiro momento, o narrador pode ser identificado com o 
Literatura Inglesa | 
A Literatura Canadense 
www.cenes.com.br | 151 
autor e mostra o momento em que Mistry torna‑se um escritor. Em segundo lugar, 
narrar eventos implica posicionar‑se em um determinado lugar a partir do qual 
recriará um contexto social e cultural. Swimming Lesson, entretanto, é narrado no 
momento da transição do narrador entre a índia e o Canadá e, por isso, encontra‑se 
culturalmente deslocado. 
Outra característica marcante do conto é o fato ser simultaneamente contado no 
presente e no passado. No primeiro caso, para se referir às novas experiências no 
Canadá, que levam o narrador a reconsiderar sua vida na índia. Esse movimento 
apresenta‑se na forma fragmentada da narrativa, que aos poucos, porém, 
inter‑relaciona ambos os espaços culturais, permitindo ao narrador tentar dar sentido 
a sua nova vida. 
Esse processo é articulado no conto por meio das cartas escritas pelo narrador 
aos seus pais e das anedotas sobre as lições de natação que decidiu tomar para melhor 
se adaptar ao âmbito canadense. 
After Mother put [the letter] back in the envelope, Father said 
everything about his life is locked in silence and secrecy, I still don’t 
understand why he bothered to visit us last year if he had nothing to say: 
every letter of his has been a quick note so we won’t worry – what does he 
think we worry about his health, in that country everyone eats well whether 
they work or not, he should be worrying about us with all the black market 
and rationing, has he forgotten already how he used to go to the 
ration‑shop and wait in line every week; (MISTRY, 1987, p. 232). 
Porém, o silêncio das cartas esconde as dificuldades enfrentadas pelo narrador 
no momento em que este tenta definir sua nova identidade cultural e se ajustar ao 
novo contexto. Nesse processo, sua vida na índia torna‑se uma série de memórias que 
o ajudam a resignificar seu passado e a enxergá‑lo de maneira diferenciada. Aos 
poucos, as cartas tornam‑se contos que revelam o processo heurístico por meio do 
qual ele tenta dar sentido ao seu novo contexto cultural, relacionando o âmbito do 
público com o do privado. Suas cartas, então, podem ser entendidas como seus 
primeiros escritos, e suas aulas de natação, como o correlato objetivo do processo de 
escritura, seu principal canal de expressão neste ritual de passagem entre duas 
culturas. Essas narrativas são de grande importância para a experiência pós‑colonial, 
já que se focam no espaço criado entre a palavra e o novo lugar de residência, 
tornando‑se um meio de conhecimento. 
Nesse contexto, as aulas de natação e a água são metáforas que lhe permitem 
Literatura Inglesa | 
A Literatura Canadense 
www.cenes.com.br | 152 
relacionar sua vida em Bombaim com aquela em Toronto. Como ele mesmo reflete: 
Water image in my life is recurring. Chaupatty beach, now the 
high‑school swimming pool. The universal symbol of life and regeneration 
did nothing but frustrate me. Perhaps the swimming pool will overturn that 
failure (MISTRY, 1987, p. 234). 
 
Imediatamente, suas reflexões sobre a água como símbolo universal adquirem 
um tom metaliterário por meio do qual passa a pensar sua condição de escritor: 
When images and symbols abound in this manner, sprawling or 
rolling across the page without guile or artifice, one is prone to say, how 
obvious, how skilless; symbols, after all, should be still and gentle as 
dewdrops, tiny, yet, shining with a world of meaning (MISTRY, 1987, p. 234). 
 
A metáfora sobre a natação se transforma em referências à escrita, o que vai lhe 
permitir encurtar as diferenças culturais que separam povos e nações. A travessia, 
contudo, é difícil, e as aulas de natação vão representar a dura experiência, tanto física 
como social, do processo de emigrar para outro país. 
Sua relação com Canadá está marcada pelo desejo e pelo medo: o desejo de se 
integrar e o medo de ser rejeitado. Essa sensação de temor confirma‑se quando o 
narrador se encontra com três moços canadenses nas duchas, antes da entrada na 
piscina, e estes, denunciando uma atitude de discriminação, começam a cantar “Paki, 
Paki, smells like curry... Pretty soon all the water’s going to taste like curry” (MISTRY, 
1987, p. 234). Desconhecendo diferenças culturais e étnicas, e pelo fato de ser oriundo 
do subcontinente indiano, o narrador é chamado de paquistanês, como todos os 
indianos imigrantes. Nessa hora, a lição de natação torna‑se uma terrível experiência 
cultural. 
Contudo, se o narrador acha difícil se integrar em seu novo contexto cultural, 
também precisa resolver sua relação com a cultura indiana. Uma das memórias que o 
fazem se sentir culpado é a da doença e morte de seu avô. Enquanto o velho homem 
esteve doente no hospital, o narrador o havia visitado somente uma vez e ainda por 
insistência da sua mãe. A lembrança dessa triste experiência lhe é despertada pela 
imagem de um velho vizinho canadense que, na sua cadeira de rodas, vai e volta pelo 
condomínio. 
Literatura Inglesa | 
A Literatura Canadense 
www.cenes.com.br | 153 
Um dia, ao se encontrarem no corredor, é esse homem, cujo nome ele 
desconhece, que lhe ensina o segredo de nadar e viver: “[...] facing the bare wall 
because he had seen all there was to see outside and it was time to see inside 
[...]” (MISTRY, 1987, p. 243). 
Seguindoseu conselho, um dia ele enche de água a banheira de seu apartamento 
e submerge sua cabeça, enquanto reflete: “The world outside the water I have seen 
a lot of, it is now time to see what is inside” (MISTRY, 1987, p. 243). 
Então, ele toma um banho em sua própria sujeira, sua própria “grey and murky 
water”, conforme sua definição das águas da praia em Bombaim. Esse é o ritual de 
passagem que lhe permite enxergar, pela primeira vez, o trauma da imigração, uma 
vez que coloca em contraponto a discriminação na índia e no Canadá. Como resultado, 
ele submerge em sua narrativa e seu melhor conto é escrito. Nela, a imagem de seu 
avô quando de sua morte se reflete na imagem de seu velho vizinho canadense. No 
momento em que relaciona ambas as imagens, ele associa a índia e o Canadá, o tempo 
passado com o espaço presente por meio de uma metáfora comum de vida e de 
morte. Assim, ele narra a história de uns sob a perspectiva dos outros, desconstruindo 
qualquer tipo de hierarquia entre ambas as culturas. 
Por sua vez, Thomas King (1943‑) é um escritor de origem Cherokee e grega, 
nascido e criado na Califórnia, Estados Unidos, onde foi professor na Universidade de 
Minnesota, no programa de Estudos Nativos. Em 1980, emigrou para o Canadá, onde 
é professor na Universidade de Guelp. King editou dois livros de grande importância 
sobre literatura nativa: The native in literature: canadian and comparative perspectives 
(1987) e All my relations: an anthology of contemporary canadian native fiction (1990). 
King é também conhecido por sua obra ficcional. Uma de suas principais 
características é o uso da oralidade na narrativa, como pode ser observado em sua 
coleção de contos One Good Story, That One (1990). A primeira estória começa com 
as palavras “You know, I hear this story up north...”, provocando já uma ruptura na 
convenção narrativa. Nesses contos, o coiote, a figura mítica nativa, é sua personagem 
principal. Contudo, diferentemente de outras narrativas, nas quais se apresenta como 
uma figura única, King trata o seu coiote como uma figura múltipla existente dentro e 
fora do tempo, já parte da paisagem norte‑americana antes da chegada dos europeus 
e que ainda está entre nós. O coiote de King pode mudar de gênero, tornar‑se outras 
personagens, alternar características e crenças (BENNETT; BROWN, 2002, p. 913). Na 
literatura nativa, a importância da figura do coiote reside em não apresentar o mundo 
em termos judaico‑cristãos, com enfrentamentos entre o bem e o mal, a ordem e a 
Literatura Inglesa | 
A Literatura Canadense 
www.cenes.com.br | 154 
desordem, destacando o interesse nativo pelo equilíbrio e a harmonia, como podemos 
observar a seguir na história A Coyote Columbus Story, na qual King, com muito 
humor, narra, da perspectiva dos nativos, a colonização da América. 
Um dos romances mais conhecidos de King é Green Grass, Running Water (1993), 
no qual, com grande humor, narra o dia a dia da comunidade nativa contemporânea. 
Por sua vez, no seu romance Truth and Bright Water (1993), King nos lembra de que 
as fronteiras são criações europeias, nada tendo a ver com a experiência nativa. 
King também tem participado ativamente no rádio e na TV. Foi o editor da série 
Four Directions, uma produção da CBC sobre as primeiras nações. Também adaptou 
alguns dos contos de One Good Story, That One para o rádio e a TV. 
Como apontam Bennett e Brown (2002, p. 194), o caráter da obra de King revela‑o 
como um coiote, muito bem‑humorado. 
 
19.9 A Coyote Columbus Story 
You know, Coyote came by my place the other day. She was going to 
a party. She had her party hat and she had her party whistle and she had her 
party rattle. 
I’m going to a party, she says. 
Yes, I says, I can see that. 
It is a party for Christopher Columbus, says Coyote. That is the one 
who found America. That is the one who found Indians. 
Boy, that Coyote is one silly Coyote. You got to watch out for her. 
Some of Coyote’s stories have got Coyote tails and some of Coyote’s stories 
are covered with scraggy Coyote fur but all of Coyote’s stories are bent. 
Christopher Columbus didn’t find America, I says. Christopher 
Columbus didn’t find Indians, either. You got a tail on that story. 
Oh no, says Coyote. I read it in a book. 
Must have been a Coyote book, I says. 
No, no, no, no, says Coyote. It was a history book. Big red one. All 
about how Christopher Columbus sailed the ocean blue looking for America 
Literatura Inglesa | 
A Literatura Canadense 
www.cenes.com.br | 155 
and the Indians. 
Sit down, I says. Have some tea... We’re going to have to do this story 
right. We’re going to have to’do this story now. 
It was all Old Coyote’s fault, I tell Coyote, and here is how the story 
goes. Here is what really happened. 
So. 
Old Coyote loved to play ball, you know. She played ball all day and 
all night. She would throw the ball and she would hit the ball and she would 
run and catch the ball. But playing ball by herself was boring, so she sang a 
song and she danced a dance and she thought about playing ball and pretty 
soon along came some Indians. Old Coyote and the Indians became very 
good friends. You are sure a good friend, says those Indians. Yes, that’s true, 
says Old Coyote. 
But, you know, whenever Old Coyote and the Indians played ball, Old 
Coyote always won. She always won because she made up the rules. That 
sneaky one made up the rules and she always won because she could do 
that. 
That’s not fair, says the Indians. Friends don’t do that. 
That’s the rules, says Old Coyote. Let’s play some more. Maybe you 
will win the next time. But they don’t. You keep changing the rules, says 
those Indians. No, no, no, no, says Old Coyote. You are mistaken. And then 
she changes the rules again. 
So, after a while, those Indians find better things to do. 
Some of them go fishing. 
Some of them go shopping. 
Some of them go to a movie. 
Some of them go on a vacation. 
Those Indians got better things to do than play ball with Old Coyote 
and those changing rules. 
So, Old Coyote doesn’t have anyone to play with. 
Literatura Inglesa | 
A Literatura Canadense 
www.cenes.com.br | 156 
So, she has to play by herself. 
So, she gets bored. 
When Old Coyote gets bored, anything can happen. 
Stick around. Big trouble is coming, I can tell you that. 
Well. That silly one sings a song and she dances a dance and she 
thinks about playing ball. But she’s thinking about changing those rules, 
too, and she doesn’t watch what she is making up out of her head. So pretty 
soon, she makes three ships. 
Hmmmm, says Old Coyote, where did those ships come from? And 
pretty soon, she makes some people on those ships. Hmmmm, says Old 
Coyote, where did those people come from? And pretty soon, she makes 
some people on the beach with flags and funny‑looking clothes and stuff. 
Hooray, says Old Coyote. You are just in time for the ball game. 
Hello, says one of the men in silly clothes and red hair all over his 
head. I am Christopher Columbus. I am sailing the ocean blue looking for 
China. Have you seen it? 
Forget China, says Old Coyote. Let’s play ball. It must be around here 
somewhere, says Christopher Columbus. I have a map. Forget the map, says 
Old Coyote. I’ll bat first and I’ll tell you the rules as we go along. 
But that Christopher Columbus and his friends don’t want to play 
ball. We got work to do, he says. We got to find China. We got to find things 
we can sell. 
Yes, says those Columbus people, where is the gold? 
Yes, they says, where is that silk cloth? 
Yes, they says, where are those portable color televisions? 
Yes, they says, where are those home computers? 
Boy, says Old Coyote, and that one scratches her head. I must have 
sung that song wrong. Maybe I didn’t do the right dance. Maybe I thought 
too hard. These people I made have no manners. They act as if they have no 
relations. 
Andshe is right. Christopher Columbus and his friends start jumping 
Literatura Inglesa | 
A Literatura Canadense 
www.cenes.com.br | 157 
up and down in their funny clothes and they shout so loud that Coyote’s 
ears almost fall off. 
Boy, what a bunch of noise, says Coyote. What bad manners. You 
guys got to stop jumping and shouting or my ears will fall off. 
We got to find China, says Christopher Columbus. We got to become 
rich. We got to become famous. Do you think you can help us? 
But all Old Coyote can think about is playing ball. 
I’ll let you bat first, says Old Coyote. 
No time for games, says Christopher Columbus. 
I’ll let you make the rules, cries Old Coyote. 
But those Columbus people don’t listen. They are too busy running 
around, peeking under rocks, looking in caves, sailing all over the place. 
Looking for China. Looking for stuff they can sell. 
I got a monkey, says one. 
I got a parrot, says another. 
I got a fish, says a third. 
I got a coconut, says a fourth. 
That stuff isn’t worth poop, says Christopher Columbus. We can’t sell 
those things in Spain. Look harder. 
But all they find are monkeys and parrots and fish and coconuts. And 
when they tell Christopher Columbus, that one he squeezes his ears and he 
chews his nose and grind his teeth. He grinds his teeth so hard, he gets a 
headache and, then, he gets cranky. 
And then he gets an idea. Say, says Christopher Columbus. Maybe we 
could sell Indians. 
Yes, says his friends, that’s a good idea. We could sell Indians, and 
they throwaway their monkeys and parrots and fish and coconuts. 
Wait a minute, says the Indians, that is not a good idea. That is a bad 
idea. That is a bad idea full of bad manners. 
Literatura Inglesa | 
A Literatura Canadense 
www.cenes.com.br | 158 
When Old Coyote hears this bad idea, she starts to laugh. Who would 
buy Indians, she says, and she laughs some more. She laughs so hard, she 
has to hold her nose on her face with both her hands. 
But while that Old Coyote is laughing, Christopher Columbus grabs a 
big bunch of Indian men and Indian women and Indian children and locks 
them up in his ships. 
When Old Coyote stops laughing and looks around, she sees that 
some of the Indians are missing. Hey, she says, where are those Indians? 
Where are my friends? 
I’m going to sell them in Spain, says Christopher Columbus. 
Somebody has to pay for this trip. Sailing over the ocean blue isn’t cheap, 
you know. 
But Old Coyote still thinks that Christopher Columbus is playing a 
trick. She thinks it is a joke. That is a good joke, she says, trying to make me 
think that you are going to sell my friends. And she starts to laugh again. 
Grab some more Indians, says Christopher Columbus. 
When Old Coyote sees Christopher Columbus grab some more 
Indians, she laughs even harder. What a good joke, she says. And she laughs 
some more. 
She does this four times and when she is done laughing, all the 
Indians are gone. And Christopher Columbus is gone ana Christopher 
Columbus’s friends are gone, too. 
Wait a minute, says old Coyote. What happened to my friends? 
Where are my Indians? You got to bring them back. Who’s going to play 
ball with me? 
But Christopher Columbus didn’t bring the Indians back and Old 
Coyote was real sorry she thought him up. She tried to take him back. But, 
you know, once you think things like that, you can’t take them back. So you 
have to be careful what you think. 
So. That’s the end of the story. 
Boy, says Coyote. That is one sad story. 
Literatura Inglesa | 
A Literatura Canadense 
www.cenes.com.br | 159 
Yes, I says. It’s sad alright. And things don’t get any better, I can tell 
you that. 
What a very sad story, says Coyote. Poor Old Coyote didn’t have 
anyone to play ball with. That one must have been lonely. And Coyote 
begins to cry. 
Stop crying, I says. Old Coyote is fine. Some blue jays come along 
after that and they play ball with her. 
Oh, good, says Coyote. But what happened to the Indians? There was 
nothing in that red history book about Christopher Columbus and the 
Indians. 
Christopher Columbus sold the Indians, I says, and that one became 
rich and famous. 
Oh, good, says Coyote. I love a happy ending. And that one blows 
her party whistle and that one shakes her party rattle and that one puts her 
party hat back on her head. I better get going, she says, I’m going to be late 
for the party. 
Okay, I says. Just remember how that story goes. Don’t go messing 
it up again. Have you got it straight, now? 
You bet, says Coyote. But if Christopher Columbus didn’t find 
America and he didn’t find Indians, who found these things? 
Those things were never lost, I says. Those things were always here. 
Those things are still here today. By golly, I think you are right, says Coyote. 
Don’t be thinking, I says. This world has enough problems already 
without a bunch of Coyote thoughts with tails and scraggy fur running 
around bumping into each other. 
Boy, that’s the truth. I can tell you that. 
Fonte: KING, 1999. 
 
Literatura Inglesa | 
A Poesia na Tradição Canadense 
www.cenes.com.br | 160 
20 A Poesia na Tradição Canadense 
20.1 Antes da Confederação: As Primeiras Poesias 
Como no caso das outras literaturas pós‑coloniais, os primeiros experimentos na 
poesia canadense são desenvolvidos por meio de uma linguagem e métrica mais 
adequada à paisagem urbana europeia do que à floresta canadense. Assim, os 
primeiros exemplos de poesia no Canadá olham com nostalgia para Europa, em vez 
de olhar para o futuro, para o novo continente. Um exemplo seria o poema The Rising 
Village, de Oliver Goldsmith, o qual é uma imitação do poema The Deserted Village, 
escrito pelo seu tio, o escritor anglo‑irlandês de mesmo nome. A ideia principal do 
poema é que a nova sociedade agrária canadense iria recompensar a Grã‑Bretanha 
por sua perda dos vilarejos durante o Cercado das Terras. 
Aos poucos, enquanto o Canadá se aproxima de sua autonomia como nação, 
começam a surgir as novas vozes que conseguem adequar forma e conteúdo de modo 
a expressar suas novas experiências com uma cadência linguística e poética própria 
do Canadá. Essa é uma poesia escrita por canadenses para um público canadense. O 
que propicia esse movimento é o fato de o Canadá poder se liberar de sua condição 
de colônia e, por isso, de parte da tradição literária inglesa. Entre os nomes que se 
destacam neste período, podem ser mencionados: Charles Sangster (1822‑1893) e 
Isabella Valancy Crawford (1850‑1887). 
Charles Sangster foi o primeiro poeta a alcançar notoriedade no Canadá durante 
sua vida. Foi chamado de “o primeiro poeta canadense”. Em seu poema de 1856, The 
St. Lawrence and the Saguenay, ele narra uma viagem pelo rio St. Lawrence, partindo 
de Kingston, sua cidade nativa, passando por Montreal e Quebec, e logo navegando 
pelo rio Saguenay, famoso pela sua beleza natural: 
The bark leaps love‑fraught from the land; the sea 
Lies calm before us. Many an isle is there, 
Clad with soft verdure; many a stately tree 
Uplifts its leafy branches through the air; 
The amorous current bathes the islets fair, 
As we skip, youth‑like, o’er the limpid waves; 
White cloudlets speck the golden atmosphere, 
Literatura Inglesa | 
A Poesia na Tradição Canadense 
www.cenes.com.br | 161 
Through which the passionage sun looks down, and graes 
His image on the pearls that boil from the deep caves, (BENNETT; 
BROWN, 2002, p. 125). 
 
O modelo de Sangster é o soneto The River Duddon, do poeta romântico inglês 
William Wordsworth. O fato de estar preocupado com a forma da poesia: métrica, 
rima, uso de vocabulário, como pudemos apreciar na estrofe anterior, faz com que a 
paisagem seja apresentada de uma maneira tão artificial que se perde qualquer 
referência ao Canadá. Essa é uma crítica que foi muitas vezes feitas do poeta. 
Isabella Valancy Crawford, por sua vez, também trouxepara sua poesia toda a 
sua bagagem cultural europeia: seu conhecimento dos clássicos, Horácio e Dante, e 
os poetas ingleses contemporâneos, como Tennyson e os pré‑rafaelitas. Mas, como 
apontam Bennett e Brown (2002, p. 130), o que distingue a poesia de Crawford é a 
referência não somente à paisagem canadense, como também à mitologia nativa. 
Dessa maneira, por meio de poemas em dialeto, monólogos dramáticos, a poeta 
apresenta o confronto entre dois mundos na forma de uma luta cósmica entre a luz e 
a escuridão, a esperança e o desespero. 
Em 1876, com sua mãe, a poeta radicou‑se em Toronto, perto de revistas e 
jornais, com o objetivo de poder publicar suas poesias. Porém, só atingiu notoriedade 
em 1905, quando foi publicado The Collected Poems of Isabella Valancy Crawford. Em 
1972, houve renovado interesse na poesia de Crawford e sua obra foi republicada. 
Segundo Frye (1971, p. 147), Crawford tinha “a mais notável imaginação mitopoética 
na literatura canadense”. Um exemplo seria o poema animista Said the Canoe, no qual 
a natureza é personificada, como vemos na primeira estrofe do poema: 
My masters twin me a bed 
Of pine‑boughs resinous, and cedar; 
Of moss, a soft and gentle breeder 
Of dreams of rest; and me they sprea With furry skins and, laughing, 
said: 
‘Now she shall lay her polished sides 
As queens do rest, or dainty brides, 
Literatura Inglesa | 
A Poesia na Tradição Canadense 
www.cenes.com.br | 162 
Our slender lady of the tides!’ (BENNETT; BROWN, 2002, p. 135). 
 
Aqui, um acampamento índio é visto da perspectiva da canoa. Nesse poema, 
como em muitos outros, Crawford reconhece as ricas e profusas imagens que podem 
ser encontradas na vida e na cultura das primeiras nações do Canadá. 
Assim, a poesia de Crawford enriquece a tradição canadense, não por meio da 
importação de estratégias retóricas da metrópole, ou seja, Londres e Nova York, mas 
pelo fato de dar relevância às narrativas e crenças nativas. Essa atitude mostra uma 
leitura própria e relativa ao Canadá, a qual contribuiu para a formação de uma tradição 
literária com características próprias. Noutras palavras, essas literaturas começam a 
produzir seu capital literário e, por isso, começam a decidir, aos poucos, no plano 
internacional, o que é entendido como “o literário”. Eles fazem com que as fronteiras 
da literatura, num contexto internacional, se expandam cada vez mais, para dar lugar 
às novas vozes que modificarão as literaturas produzidas nos centros hegemônicos, 
sejam estes na Europa ou nos Estados Unidos. 
 
20.2 Os Poetas da Confederação 
Embora os poetas Charles G. D. Roberts, Bliss Carman, Archibald Lampman e 
Duncan Campbell Scott tivessem somente sete anos durante a Confederação 
Canadense de 1867 e não tenham dado início a nenhum movimento, sem o saber 
foram chamados de os Poetas da Confederação. Por meio da leitura de seus 
respectivos poemas, como também de uma assídua correspondência, aos poucos 
foram considerados pelo público canadense como os quatro poetas mais notáveis de 
sua geração (KEITH, 2006, p. 57, vol. 1). Embora influenciados pelos poetas ingleses e 
norte‑americanos, desenvolveram um estilo próprio do Canadá. Seu momento de 
proeminência foi entre 1867 e a Primeira Guerra Mundial. Um dos temas de interesse 
de todos eles foram o nacionalismo e a colaboração para a formação de uma 
identidade cultural nacional. Archibald Lampman assim lembra a publicação do 
primeiro livro de poesias de Roberts: 
It was almost ten years ago, and I was very young, an undergraduate 
at college. One May evening somebody lent me Orion and Other Poems. 
Like most of the young fellows about me I had been under the depressing 
conviction that we were situated hopelessly on the outskirts of civilization, 
where no art and no literature could be, and it was useless to expect that 
Literatura Inglesa | 
A Poesia na Tradição Canadense 
www.cenes.com.br | 163 
anything great could be done by any of our companions, still more useless 
to expect that we could do it ourselves. I sat up all night reading and 
re‑reading Orion in a state of the wildest exciment and when I went to bet I 
could not sleep. It seemed to me a wonderful thing that such a work could 
be done by a Canadian, by a young man, one of ourselves (BENNETT; 
BROWN, 2002, p. 144‑145). 
 
Então, o fato de ver belos poemas escritos por um jovem canadense produz entre 
seus colegas a sensação de pertencerem a uma comunidade em formação, que estava 
fazendo sua história. É bom lembrar que a literatura é central na formação de uma 
identidade nacional, ao mesmo tempo em que ela reproduz os valores que essa 
comunidade entende como os norteadores de sua cultura. 
A obra de Charles D. G. Roberts (1860‑1943) se distingue neste período em que 
a tradição literária canadense estava em formação. Interessante notar que seu livro 
Orion teve diferentes recepções na Inglaterra e no Canadá. Enquanto na Europa foi 
muito elogiado por Matthew Arnold como sendo “verdadeiramente canadense”, no 
Canadá foi criticado em alguns âmbitos por ser “demasiado regional”. Isso fez com 
que o poeta embarcasse na escrita de uma poesia que fosse representativa de todos 
os canadenses. Como ele mesmo apontou, “We must forget to ask of a work whether 
it is Nova Scotian or British Columbian, of Ontario, or of New Brunswick, until we have 
enquired if it be broadly and truly Canadian” (apud BENNETT; BROWN, 2002, p. 145). 
Esse foi o resultado de seu contato com um grupo de nacionalistas canadenses, 
interessados em impulsionar as artes e letras no Canadá. 
Como muitos outros poetas, a vida e obra de Roberts foi marcada pelas 
contradições. Ainda que ele tenha sido um poeta nacionalista, morou muitos anos em 
Nova York e Londres. Embora desejasse colocar a nação acima da região, seus 
melhores poemas, como apontam Bennett e Brown (2002, p. 145), são os mais 
regionalistas. Talvez isso ocorra porque o mais local é sempre o mais nacional. Outra 
característica distintiva que o aproxima dos poetas dos Estados Unidos é que, embora 
tendo forte influência inglesa, uma visão surpreendentemente modernista percorre 
sua poesia, resultado dessa nova sociedade em formação. Seria esse o caso de The 
Tantramar Revisited, em que, por meio de versos brancos, o poeta contrapõe os temas 
da permanência e da mudança contínua dos valores sociais, ao descrever uma área 
rural de Nova Scotia cruzada pelo rio Tantramar: 
Summers and summers have come, and gone with the flight of the 
Literatura Inglesa | 
A Poesia na Tradição Canadense 
www.cenes.com.br | 164 
swallow; 
Sunshine and thunder have been, storm, and winter, and frost; Many 
and many a sorrow has all but died from remembrance, Many a dream o joy 
fall’n in the shado of pain. 
Hands of chance and change have marred, or moulded, or broken, 
Busy with spirit or flesh, all I most have adored; 
Even the bosom of Earth is strewn with heavier shadows,– 
Only in these green hills, aslant to the sea, no change! (BENNETT; 
BROWN, 2002, p. 146). 
 
Archibald Lampman (1861‑1899) foi um poeta da tradição romântica, que 
reconhecia Keats como sua grande influência. Contudo, seu interesse principal foi 
ilustrar a paisagem canadense porque, conforme palavras do autor, “climate and 
scenic conditions have much to do with the molding of national character” (apud 
BENNETT; BROWN, 2002, p. 178), enquanto o crescimento das cidades ameaçava essa 
beleza natural. Essa atitude já revela quanto o entorno americano foi decisivo na 
formação de uma identidade nacional. 
Laptman publicou no Canadá Among the Millets (1888) e nos Estados Unidos 
Lyrics of the Earth (1895). Pelo fato de sua poesia focalizar momentos de intensa 
relação com a natureza, o que, na tradição dos românticos ingleses e dos 
transcedentalistas norte‑americanos, leva a perceber a verdade, Lampman muitas 
vezes tem sido interpretado como um poeta nostálgico que olhapara o passado, para 
a tradição europeia. Contudo, sua representação da força, da beleza e da alegria 
associadas com a natureza só pode ser resultado de seu contato com a paisagem 
americana. Esse seria o caso da primeira estrofe de Voices of Earth, em que o poeta, 
como no caso dos românticos ingleses ou Whitman, a partir do terceiro olho da 
imaginação, tem acesso à harmonia cósmica: 
 
Voices of Earth 
We have not heard the music of the spheres, 
The song of star to star, but there are sounds 
Literatura Inglesa | 
A Poesia na Tradição Canadense 
www.cenes.com.br | 165 
More deep than human joy and human tears, 
That Nature uses in her common rounds; 
The fall of streams, the cry of winds that strain 
The oak, the roarin of the sea’s sure, might Of thunder breaking afar 
off, or rain 
That falls by minutes in the summer night. These are the voices of 
earth’s secret soul, Uttering the mystery from which she came. 
To him who hears them grief beyond control, 
Or joy inscrutable without a name, 
Wakes in his heart thoughts bedded there, impearled, Before the 
birth and making of the world. 
1899 (BENNETT; BROWN, 2002, p. 185). 
 
Da mesma maneira, a poesia de Duncan Campbell Scott (1862‑1947) revela a 
transformação de elementos da poesia inglesa e canadense, convertidas pela 
paisagem canadense. Nascido em Ottawa e criado nos vilarejos de Ontário e Quebec, 
desde cedo o autor revelou grande interesse na vida dos nativos, tema de sua 
literatura. Seu primeiro livro de poesias, The Magic House and Other Poems, foi 
publicado em 1893. Nele, as lutas entre as forças da natureza se resolvem em 
momentos de grande beleza. Junto com o poeta Archibald Lampman, Scott fez muitas 
viagens de canoa e expedições profissionais para visitar as áreas habitadas pelas 
primeiras nações do Canadá. Em seu segundo livro, Labour and the Angel (1898), seu 
tema já não é a natureza, mas as primeiras nações e a vida dos colonos, temas que o 
tornaram bem conhecido. Porém, sua vida também era cheia de contradições, e Scott 
foi criticado pela sua participação no Departamento de Assuntos Nativos. Então, como 
explicam Bennett e Brown (2002, p. 191), embora seus poemas revelem grande 
sensibilidade para com os povos aborígenes, como no caso de The Forsaken, os 
leitores de hoje não se podem esquecer de que as pessoas que ele idealiza nos seus 
poemas são as mesmas que foram afetadas por suas políticas indígenas. Ao mesmo 
tempo, hoje em dia as representações das primeiras nações por homens brancos são 
altamente problematizadas. 
Na primeira estrofe de The Forsaken, Campbell Scott narra a maneira pela qual 
Literatura Inglesa | 
A Poesia na Tradição Canadense 
www.cenes.com.br | 166 
uma mulher Chipewyan pesca bravamente na paisagem gelada para poder alimentar 
seu pequeno filho: 
Once in the winter 
Out on a lake 
In the heart of the north‑land, 
Far from the Fort 
And far from the hunters, 
A Chippewa woman, 
With her sick baby, 
Crouched in the last hours 
Of a great storm. 
Frozen and hungry, 
She fished through the ice 
With a line of the twisted 
Bark of a cedar, 
And a rabbit‑bone hook 
Polished and barbed; 
Fished with the bare hook 
All through the day, 
Fished and caught nothing 
While the young chieftain 
Tugged at her breasts, Or slept in the lacings 
Of the warm tikanagan. 
[Tikanagan: berço de musgo] (BENNETT; BROWN, 2002, p. 195). 
 
Literatura Inglesa | 
O Modernismo 
www.cenes.com.br | 167 
21 O Modernismo 
O poeta E. J. Pratt (1882‑1964), como aponta Keith (2006, p. 83, vol. 2), é uma 
figura transicional e o nexo entre os poetas confederados e os poetas do Modernismo 
no Canadá, liderados por Ezra Pound e T. S. Eliot na Europa e nos Estados Unidos. Seus 
poemas apareceram em New Provinces (1936), uma antologia na qual três nomes 
significativos do Modernismo canadense – A. J. M. Smith, F. R. Scott e A. M. Klein – 
publicaram seus trabalhos. Contudo, eles têm elementos tanto da poesia vitoriana 
como do Modernismo. Segundo explica Keith (2006, p. 84, vol. 2), sua posição na 
poesia canadense deve ser entendida em termos históricos e geográficos. Nasceu na 
Terra Nova, filho de um pastor metodista; foi criado em uma comunidade rural, na 
qual as tradições orais eram ainda muito presentes e onde a luta contra as forças da 
natureza era o foco principal das atividades cotidianas. Logo emigrou para Toronto, 
onde estudou filosofia, psicologia e teologia. Como seu discípulo, Northrop Frye, foi 
ordenado pastor. Porém, em vez assumir o ministério, tornou‑se professor 
universitário. Assim, ele une os séculos XIX e XX, a vida primitiva e rural e a mais 
sofisticada vida urbana. 
O tema dos poemas de Pratt tem a ver com o conflito entre o homem e as forças 
naturais, enquanto sua vitalidade linguística reflete um mundo em que a força e a 
energia são essenciais. Essa ideia é assim articulada no seu poema The Shark: 
He seemed to know the harbour, 
So leisurely he swam; 
His fin, 
Like a piece of sheet‑iron, 
Three‑cornered, 
And with knife‑edge, 
Stirred not a bubble 
As it moved 
With its base‑line on the water. 
His body was tubular 
And tapered 
Literatura Inglesa | 
O Modernismo 
www.cenes.com.br | 168 
And smoke‑blue, 
And as he passed the wharf 
He turned, 
And snapped at a flat‑fish 
Tht was dead and floating; 
And I saw the flash of a white throat, 
And a double row of white teeht, And eyes of metallic grey Hard and 
narrow and slit. 
Then out of the harbour, 
With that three‑cornered fin 
Shearing without a bubble the water 
Lithely, 
Leisurely, 
He swam – 
That strange fish, 
Tubular, tapered, smoke‑blue, 
Part vulutre, part wolf, 
Part neither – for his blood was cold. 
1923 (BENNETT; BROWN, 2002, p. 274). 
 
Como em muitos de seus poemas, em The Shark, Pratt retrata a natureza de uma 
perspectiva cósmica. Aí reside sua originalidade e modernismo: sua reflexão filosófica 
a partir de elementos de seu entorno e tradição. 
As figuras mais representativas do Modernismo na poesia canadense são os três 
poetas do chamado 
McGill Movement (nome da universidade onde foram alunos), liderado por A. J. 
M. Smith (1902‑1980), F. R. Scott (1899‑1985) e A. M. Klein (1909‑1972). Smith fez seu 
Literatura Inglesa | 
O Modernismo 
www.cenes.com.br | 169 
doutorado na Escócia. Nesse período, em 1928, publicou um artigo intitulado Wanted 
– Canadian Criticism no Canadian Forum. Nele, o poeta pedia por uma crítica 
modernista que mostrasse aos escritores canadenses o caminho para a estética do 
século XX e os afastasse do patriotismo moral e comercial que havia se apoderado do 
Canadá. Ele achava que os escritores canadenses estavam errados porque haviam 
seguido princípios morais em vez de estéticos e apoiavam escritores que usavam 
clichês e imagens gastas e triviais. Em sua opinião, a escrita canadense deveria dar 
relevância ao uso da ironia e não se preocupar tanto com sua posição no espaço ou 
seu lugar no tempo (apud BENNETT; BROWN, 2002, p. 366). 
Esse artigo, como assinalam Bennett e Brown (2002, p. 366), é um importante 
divisor de águas, marcando a distância entre os que eram a favor da sensibilidade 
artística do Modernismo e aqueles que apoiavam o objetivo nacionalista de criar uma 
tradição literária canadense. 
Foi a partir dessa perspectiva que – ainda como professor da Universidade 
Estadual de Michigan, Estados Unidos (já que, durante a Depressão, não conseguiu 
trabalho de professor no Canadá) – Smith publicou uma antologia de novos poetas 
canadenses interessados na sensibilidade do Modernismo. Influenciado por escritores 
como W. Butler Yeats e James Joyce, ele era a favor de uma poesia do intelecto (ao 
estilo de John Donne no século XVII) e não dos sentimentos, ao estilo dos poetas 
românticos. Para ele, o poeta do Modernismo deveria se interessar por questões 
formais. Assim, aplicou seus princípios à literatura nacional canadense,os quais 
discutiu no prefácio de The Book of Canadian Poetry (1943), onde faz distinção entre 
a poesia “cosmopolita” e “nativa”. Para Smith, os poetas cosmopolitas franceses eram 
aqueles que davam importância aos elementos tidos como em comum com outros 
poetas de fama internacional, ao passo que os autores nativos só davam relevância ao 
tipicamente canadense. Enquanto o poeta cosmopolita tratava de transcender o 
momento colonial, o nativo adotava uma atitude provinciana (BENNETT; BROWN, 
2002, p. 367). 
Esse prefácio deu lugar a novas controvérsias com outro grupo de intelectuais, 
críticos da poesia “civilizada e polida” dos cosmopolitas, defendendo uma arte, 
vigorosa, de tom proletário, interessada nos assuntos do homem comum. Como 
apontam Bennett e Brown (2002, p. 367), esse debate já não mais era estético, mas 
marcadamente político. O Modernismo era criticado por ser antinacional, dar mais 
importância à Inglaterra e aos Estados Unidos, enquanto a literatura nacional estava 
profundamente relacionada à formação de uma identidade nacional e cultural. 
Literatura Inglesa | 
O Pós‑Modernismo 
www.cenes.com.br | 170 
Por sua vez, como antologista, Smith ajudou a formar o cânone canadense. Entre 
as antologias mais famosas, destacam‑se The Oxford Book of Canadian Verse (1960) 
e as antologias de ensaios críticos, Masks of Fiction (1961), Masks of Poetry (1962) e 
On Poetry and Poets (1977). Nas palavras de Smith, 
A poem should be a highly organized, complex, and unified 
re‑creation of experience in which the maximum use of meaning and 
suggestion in the sounds of words has been achieved with the minimum 
essential outlay of words. A poem is not the description of an experience. It 
is an experience in itself, and it awakens in themind of the alert and 
receptive reader a new experience analogous to the one in the mind of the 
poet ultimately responsible for the creation of the poem (Smith apud 
BENNETT; BROWN, 2002, p. 368). 
 
Um exemplo dessa forma econômica e condensada seria a primeira estrofe de 
The Lonely Land: 
Cedar and jagged fir uplift sharp barbs against the gray and cloud‑piled sky; 
and in the bay blown spume and windrift and thin, bitter spray snap at the 
whirling sky; and the pine trees lean one way. 
1926 (BENNETT; BROWN, 2002, p. 368) 
 
22 O Pós‑Modernismo 
Como pode ser notado, a formação da tradição poética canadense procede de 
uma série de conflitos criativos entre extremos que podem ser identificados como 
britânico versus norte‑americano, cosmopolita versus nativo, gentil versus popular, 
cosmopolita versus nacionalista. Nesse processo muitos nomes de poetas se somarão 
para contribuir na formação dessa tradição. Tudo isso vem mostrar que, como aponta 
Northrop Frye, todas as poesias têm sua origem em muitas outras poesias. 
 
Margaret Atwood 
Na poesia contemporânea, o nome que se destaca é o de Margaret Atwood 
(1939‑). Seus poemas se caracterizam pelo tom lacônico por meio do qual, com 
Literatura Inglesa | 
O Pós‑Modernismo 
www.cenes.com.br | 171 
incrível sangue frio, a poeta trata muitas vezes de temas arrepiantes. Seus primeiros 
poemas foram publicados em 1961, em Double Persphone. 
A poesia de Atwood pode se dividir em duas grandes fases. À primeira pertencem 
os poemas 
The Circle Game (1966), The Animals in that Country (1968), Procedures from 
Underground (1970), The Journals of Susanna Moodie (1970), Power Politics (1973) e 
You are Happy (1974). Esses poemas, para Bennett e Brown (2002, p. 777), se 
caracterizam por seu estilo direito, sem emoções. Eles levam os leitores a duvidarem 
de suas convicções e a perceberem a realidade de uma perspectiva diferente. 
Keith (2002, p. 142, vol. 1) caracteriza sua poesia como “mitopoética”. Seu poema 
simbólico This Is a Photograph of Me revela um mundo alternativo, abaixo da 
superfície: 
This is a Photograph of Me 
It was taken some time ago. At first it seems to be 
a smeared 
print: blurred lines and grey flecks blended with the paper; 
then, as you scan 
it, ou see in the left‑hand corner 
a thing that is like a branch: part of a tree 
(balsam or spruce) emerging and, to the right, halfway up what 
ought to be a gentle slope, a small frame house. 
In the background there is a lake, and beyond that, some low hills. 
(The photograph was taken the day after I drowned). 
I am in the lake, in the center of the picture, just under the surface. 
It is difficult to say where precisely, or to say how large or small I am: 
the effect of water on light is a distortion but if you look long enough 
eventually you will be able to see me. 1966 (KEITH, 2002, p. 142, vol. 1). 
 
O poema, escrito em versos brancos, estilo direto, desafiando as regras de 
Literatura Inglesa | 
O Pós‑Modernismo 
www.cenes.com.br | 172 
pontuação, nos mostra uma perspectiva diferente do ser no momento do cruzamento 
entre a vida e a morte. 
A poesia de Atwood é nativa e cosmopolita ao mesmo tempo. Cosmopolita 
porque os símbolos utilizados na sua poesia pertencem à mitologia clássica e têm 
validade além das fronteiras nacionais. Também porque Atwood é uma das escritoras 
canadenses cuja obra tem transcendido as fronteiras nacionais. E é nativa porque a 
autora escreve a partir da tradição nacional canadense. Ainda mais, por sua poesia se 
utilizar de imagens e alusões direitamente relacionadas à história e geografia 
canadenses, como no caso do maravilhoso poema Progressive Insanities of a Pioneer, 
no qual um dos tantos pioneiros tenta achar um centro a partir do qual organizar sua 
existência no vasto e infinito território norte‑americano. 
 
Progressive Insanities of a Pioneer 
I 
He stood, a point on a sheet of green paper proclaiming himself the 
centre, 
with no walls, no borders anywhere; the sky no height above him, 
totally unenclosed and shouted: 
Let me out! 
 
II 
He dug the soil in rows, imposed himself with shovels. He asserted 
into the furrows, I am not random. 
The ground replied with aphorisms: 
a tree‑sprout, a nameless weed, words he couldn’t understand. 
 
III 
The house pitched the plot staked in the middle of nowhere 
At night the mind inside, in the middle of nowhere 
Literatura Inglesa | 
O Pós‑Modernismo 
www.cenes.com.br | 173 
The idea of an animal patters across the roof. 
In the darkness the fields defend themselves with fences in vain: 
everything is getting in. 
 
IV 
By daylight he resisted. He said, disgusted with the swamps’s 
clamouring and the outbursts of rocks 
This is not the order but the absence of order. 
He was wrong, tue unanswering forest implied: 
It was an ordered absence. 
 
V 
For many years he fished for a great vision, dangling the hooks of 
sown roots under the surface of the shallow earth. 
It was like enticing whales with a bent pin. Besides he thought 
in that country only the worms were biting. 
 
VI 
If he had known unestructured space is a deluge and stocked his log 
houseboat with all the animals even the wolves, he might have floated. 
But obstinate he stated, The land is solid and stamped, watching his 
foot sink down through stone up to the knee. 
 
VII 
Things refused to name themselves; refused to let him name them. 
The wolves hunted outside. 
On his beaches, his clearings, by the surf of undergrowth breaking at 
Literatura Inglesa | 
O Pós‑Modernismo 
www.cenes.com.br | 174 
his feet, he foresaw desintegration and in the en through his eyes made 
ragged by his effort, the tension between subject and object, the green 
vision, the unnmaed whale invaded 
1968 (BENNETT; BROWN, 2002, p. 780). 
 
Em versos livres, diretos, com claras referências metaliterárias, que relaciona o 
construir de uma nação com o construir um poema, tem o tom de um grito de 
desespero. Já na primeira estrofe o eu lírico, um pioneiro, se descreve como o centro 
dessa vastidão. Contudo, em vez de liberá‑lo, esse tremendo espaço o aprisiona

Mais conteúdos dessa disciplina