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MÓDULO 2 - A REGULAMENTAÇÃO DA PSICOLOGIA NO BRASIL Objetivo Apresentar as condições sociais, históricas e políticas da autonomização da Psicologia em meados dos séculos XIX e XX no Brasil, na interface com outras ciências, como a Medicina. Apresentar as condições sociais, históricas e políticas da regulamentação da Psicologia na década de 1960 no Brasil. Contextualizar o surgimento do Conselho Federal de Psicologia, dos Regionais e sua atuação como Comissão de Fiscalização e Comissão de Ética. INTRODUÇÃO A Psicologia foi regulamentada como profissão no Brasil no ano de 1962, decorrente da Lei nº 4119, de 27 de agosto de 1962. Em dezembro do mesmo ano, aprovou-se o parecer nº 403/62, do relator Conselheiro Valnir Chagas, que, pela primeira vez, fixava oficialmente um currículo mínimo de Psicologia, objetivando estabelecer os direitos do exercício profissional. Somente em 1971 é que se criou o Conselho Federal de Psicologia, órgão encarregado de zelar pela organização do exercício profissional e que congregava todos os psicólogos brasileiros. A Psicologia conquistou seu espaço autônomo como área de conhecimento e campo de práticas em consequência da produção de ideias e práticas psicológicas no interior de outras áreas do saber. Foi chamada a contribuir para a solução de problemas relacionados à área da Saúde, à Educação e ao mundo do trabalho e das organizações. Pereira & Pereira Neto (2003, p 20) definem esse período como o de profissionalização da Psicologia, de 1890 a 1975. "Abrange desde a gênese da institucionalização da prática psicológica até a regulamentação da profissão e a criação dos seus dispositivos formais." Os autores assinalam como marcos desse momento: a Reforma de Benjamin Constant no campo educacional (1890), a inauguração dos laboratório de psicologia junto ao campo educacional e médico (1906), e a criação do código de ética (1975). Pessotti (1998), por sua vez, elaborou outro critério baseado na presença ou não de instituições com vínculos com a área psicológica. Elegeu três grandes marcos; foram eles: 1833, quando se criou as Faculdades de Medicina no Rio de Janeiro e na Bahia; 1934, quando se constituiu um curso de Psicologia na Universidade de São Paulo; e 1962, quando a Psicologia foi regulamentada. Optou-se, nesse texto base, em assumir as diretrizes de Antunes (2004, 2006), que são ligadas ao referencial histórico, e, na medida do possível, iluminar os marcos apontados por esses outros autores de renome para os estudos historiográficos da Psicologia brasileira. Antunes( 2006) indica que, no Brasil, a profissionalização e autonomização da Psicologia inicia-se com a parceira da psicologia com outros saberes ainda no século XIX, que apresentava um contexto sócio-histórico e político singular, no qual se tinha uma formação social dependente e atrasada, mas, ao mesmo tempo, uma busca pela modernidade, pelo caminho da industrialização. Diante desse cenário, o Brasil adotou o modelo republicano, conciliado com a ideologia liberal e uma economia de base agrário-comercial e exportadora. Também acontecia uma crescente urbanização e a definição da região Sudeste como polo sócio cultural do país. Essa configuração sócio política influenciou o meio acadêmico intelectual, com a crença na liberdade e a supremacia do individuo diante a sociedade. Bernardes (2007) afirma que a psicologia construiu-se nas relações que mantinha com esse cenário, no qual os modelos de produção e consumo exigiam a padronização da igualdade, resultado do auge da produção industrial, que requeria alto padrão de produtividade. Diante desse quadro, a Psicologia, em sua nascente, foi marcada pelas estratégias de controle de variedade e produtividade, transformando-se em um saber de forte viés adaptativo. Essa busca por padronização e adaptabilidade se deu em três grandes interfaces do saber psicológico pré científico. Foram elas: a Psicologia e as Instituições Médicas; a Psicologia e as Instituições Educacionais; a Psicologia e a organização do trabalho. A Psicologia e as Instituições Médicas Desde o século XIX, a Psicologia, enquanto conjunto de ideias articuladas, esteve intimamente relacionada com a prática médica e psiquiátrica, em instituições asilares e no âmbito da Medicina Legal. No caso, as Faculdades de Medicina na Bahia e no Rio de Janeiro e os hospícios foram as principais fontes de produção de ideias psicológicas. Desde 1890, já existiam teses publicadas por médicos com teor psicológico, tais como as obras de José Tapajós, Psicofisiologia da percepção e das representações (1890), Das emoções de Veríssimo Dias de Castro (1890), A Memória e a personalidade de Seabra em 1894, a famosa tese de Henrique Roxo, Duração dos atos psíquicos elementares (1990), entre outras. A prática médica legal, por sua vez, possuía uma atuação higienicista, ao buscar erradicar ou minimizar as doenças infecto-contagiosas muito presentes nas cidades em desenvolvimento. Segundo Costa (1983), essas atuações dispersaram-se nas cidades, por meio de políticas públicas de saneamento básico e atingiu a educação moral e física das famílias, que passaram a se responsabilizar também pelos cuidados com a higiene pública e privada. Antunes (2004) aponta que os pressupostos higienicistas articulavam-se com os princípios da eugenia e da limpeza étnica, intimamente ligados com a cultura racista brasileira vigente, conforme podemos vislumbrar: Os ideais higienicistas geralmente se articulavam aos princípios da eugenia, intimamente ligados ao pensamento racista brasileiro. Baseavam-se numa concepção que afirmava a existência de uma hierarquia racial (sendo a raça ariana considerada superior e a raça negra a mais inferior de todas), do que decorria a teoria da degenerescência, que considerava a propensão à degenerescência física e mental das ditas raças inferiores. Por essa via, a reinvindicação de adoção de medidas higienicistas, cuja finalidade não era senão o embranquecimento da raça brasileira. (ANTUNES,2004, p. 119). Segundo Antunes (2006), as teorias da degenerescência e da eugenia extrapolavam os muros dos asilos e hospícios, propondo ações de disciplinarização da sociedade e dos seus corpos familiares. No Brasil, a junção dessas correntes originou uma experiência cruel de exclusão do louco e a preocupação com práticas profiláticas diante da loucura. Nesse projeto preventivo, o Estado devia se preocupar com a pobreza, a marginalidade, o crime, pois todos esses quadros possuíam uma familiaridade muito grande com a loucura, porque levavam os sujeitos à desordem, a não adaptação aos padrões requeridos. Podia-se afirmar que havia, ao mesmo tempo, uma visão moralizante e racionalizante da loucura. Antunes (2006) ainda aponta a preocupação com a ordem urbana e com a bandeira do progresso ligada ao ideário positivista, relacionado a práticas de exclusão daqueles que não se adaptassem às normas estabelecidas, os denominados desordeiros. Cabia à ciência médica e psicológica contribuírem na identificação desses sujeitos e no seu tratamento em locais específicos, como os asilos e manicômios. Nos hospícios, também havia a produção de conhecimento psicológico a partir das práticas nos laboratórios criados na época. Um dos mais relevantes foi, segundo Antunes (2004), o da Colônia de Psicopatas do Engenho de Dentro, criado em 1923, dirigido pelo psicólogo polonês Waclaw Radecki. Tornou-se nove anos depois, o Instituto de Psicologia, subordinado ao Ministério da Educação e da Saúde Pública. Produziu um rol de pesquisas temáticas em psicologia sobre seleção e orientação profissional, fadiga em trabalhadores menores de idade, seleção de aviadores, psicometria, entre outras. Outro laboratório importante foi fundado junto à Liga Brasileira de Higiene Mental, em 1923, no Rio de Janeiro, dirigida por Alfred Fessard, Plínio Olinto e Lemes Lopes. Realizaram vários simpósios e seminários de Psicologia, com o intuito de divulgar as pesquisas realizadas. Predominava o ideal eugênico, profilático e a preocupaçãocom a educação dos indivíduos mal adaptados. (ANTUNES, 2004) Segundo Antunes (2006, p 51), em 1932, a " Liga propôs ao Ministério da Educação e da Saúde Pública, a presença obrigatória de gabinetes de Psicologia, junto às Clínicas Psiquiátricas" . Além disso, promovia, todo ano, as Jornadas Brasileiras de Psicologia, para difundir conhecimento. Um dos projetos que mais destoaram da tendência eugênica, foi o movimento antipsiquiátrico de Recife, com Ulysses Pernambucano e seu modelo humanista e existencial de atendimento dos doentes mentais. Também propiciou contribuições para a Educação e investia na formação dos funcionários: os monitores de saúde mental e auxiliares psicólogos. Antunes (2006) afirma, que: A evolução do pensamento psicológico no interior da Medicina até o século XIX preparou o terreno para que o conhecimento e a prática da Psicologia se desenvolvessem a tal ponto que fizeram delinear-se com maior clareza seus contornos, tendo assim contribuído para a penetração da Psicologia Científica e sua definição como campo autônomo de conhecimento e ação, o que veio a se concretizar nas décadas iniciais do século XX.(ANTUNES, 2006, p 61) A Psicologia em Instituições Educacionais Com o desenvolvimento urbano-industrial, no século XX, o pensamento republicano aliado ao positivismo e à ideologia liberal, mostrava uma preocupação com uma educação humanista e cientificista. Surge no Brasil, então, uma corrente educacional que reivindicava a ampliação do número de escolas e o combate ao analfabetismo, a partir do ideário escolanovista. Essa proposta de renovação e ampliação educacional chegou ao nosso país em 1882, pelas mãos de Rui Barbosa e alcançou o século XX com outras reformas importantes. Um exemplo foi a proposta de Benjamin Constant, em 1890, que propunha maior liberdade, laicidade e gratuidade do ensino. O escolanovismo implementou uma tendência cientificista, introduzindo disciplinas científicas, como a Psicologia e a Lógica, no lugar da Filosofia de cunho humanista. Segundo Vidal (2003), o movimento da Escola Nova propôs uma renovação do ensino, na Europa, na América e no Brasil, na primeira metade do século XX. O escolanovismo desenvolveu-se no Brasil sob importantes impactos de transformações econômicas, políticas e sociais, porém, com eles surgiram graves conflitos nos aspectos políticos e sociais, resultando uma mudança significativa no ponto de vista intelectual brasileiro. O escolanovismo acreditava que a educação era o instrumento eficaz para a reconstrução de uma sociedade cidadã e legitimamente democrática, considerando as diversidades e a individualidade do sujeito, preparados psicossocialmente para refletir e mudar a sociedade em que viviam. Esse movimento agregou nomes importantes ao cenário educacional e psicológico, como Antônio Carneiro Leão, Lourenço Filho, Anísio Teixeira, Manoel Bonfim, entre outros. Esse último educador merece destaque pelo seu enfrentamento dos problemas sociais e o seu entendimento de que a educação deveria ser instrumento contra a opressão, que a maioria do povo sofria. Afirmava, por exemplo, que o analfabetismo era uma vergonha nacional. A Psicologia, enquanto saber foi essencial no projeto educacional do país, no inicio do século XX, pois serviu como pilar de sustentação científica para a consolidação do escolanovismo, ao cuidar dos sujeitos e das suas diferenças individuais (Psicologia Diferencial), ao estudar o processo de desenvolvimento vital, ao observar os processos de ensino-aprendizagem e ao criar testes de inteligência e de seleção profissional. Ainda nesse cenário, apesar de nomes emancipadores como Bonfim, existia no campo educacional aliado ao suporte da Psicologia, a preocupação com a formação de um país robusto, baseado no lema de um povo forte mental e fisicamente, o que mantinha vivos os ideais eugênicos em busca da higienização das raças. Nessa interface entre a Educação e a Psicologia, há de se destacar a criação do Instituto de Psicologia de Ulysses Pernambucano em Recife, em 1925, com produções significativas nas áreas de testes psicológicos de nível mental, aptidão, de cunho pedagógico, padronização de testes coletivos, entre outros, com o intuito de formar pesquisadores na área da Psicologia. (ANTUNES, 2006) Também é indicada a importância das Escolas Normais para o estabelecimento da Psicologia Científica no Brasil, seja compondo os currículos ou construindo laboratórios de psicologia, por volta de 1912. Destaque para a Escola Normal de São Paulo, que foi responsável pela "divulgação das teorias psicológicas em voga na Europa e nos Estados Unidos e, por decorrência, das técnicas delas derivadas, em especial, a psicometria". (ANTUNES, 2006, p. 78) Em 1925, Lourenço Filho revitalizou o laboratório de Psicologia Experimental, junto a Escola Normal de São Paulo, que se tornou anos depois Gabinete de Psicologia e Antropologia Pedagógica, com o italiano Ugo Pizzoli, com produções vinculadas à medida de funções psicológicas, com destaque para estudos perceptivos. Antunes (2006) nos revela a importância das Escolas Normais para a autonomização da Psicologia, pois encontrou: o mais fértil terreno para seu desenvolvimento, não somente por serem estas campos potenciais de aplicação de conhecimentos e técnicas derivadas da ciência psicológica, mas também por permitirem a produção de pesquisas. (...) além de, no caso, ter sido uma das mais importantes bases para que a Psicologia se tornasse mais tarde disciplina universitária. (ANTUNES, 2006, p 81) A Psicologia e a organização do trabalho Com a promessa do desenvolvimento urbano-industrial desde o século XIX, o Brasil assistiu a emergência de diferentes camadas sociais, uma diversificação das atividades produtivas e novos conflitos sociais oriundos da complexificação econômica do país. Segundo Antunes (2006, p 87), encontra-se na década de 20, em pleno século XX, as primeiras experiências da aplicação de Psicologia ao mundo do trabalho, confirmando-a como um "conjunto de conhecimento e práticas capazes de dar respostas e subsidiar ações que interviessem nos problemas sociais". A Psicologia inseria-se nesse cenário, buscando promover ações que maximizassem a produção industrial. Participava de um conhecimento racionalizável e cientificista, como ocorreu com o panorama educacional. Eram práticas com finalidade de controle social nas indústrias, onde grupos de operários começavam a se organizar contra condições subumanas de trabalho, mantidas pelos modelos tayloristas e fordistas de produção. Em 1929, criou-se o Instituto de Organização Científica do Trabalho, que possuía diferentes funções, como seleção e educação profissional, organização psicológica do modo de produção, entre outros. Porém, não conseguiu se manter devido a crises econômicas. Em 1930, sob a tutela de Aldo Mario de Azevedo, criou-se o Instituto Paulista de Eficiência, que facilitou a Organização Racional do Trabalho (IDORT), que se desdobrou em instituições de claro cunho psicológico, como a Associação Brasileira para Prevenção de Acidentes. Também foram experiências igualmente importantes, as pesquisas realizadas a partir dos processos de seleção de aviadores para a Aviação Militar, sob tutela do Laboratório de Psicologia da Colônia de Psicopatas do Engenho de Dentro. Segundo Antunes (2006, p 91), nesse contexto, a Psicologia serviu como função de sustentáculo cientifico dos novos métodos administrativos, onde imperava a lógica racional e científica de atuação, seja pelos testes implementados ou por processos de seleção profissional objetivos. Nessa lógica, o individuo era compreendido como uma peça material do processo produtivo, inclusive pela própria Psicologia, que o nominava como parte dos Recursos Humanos. A Regulamentação da Psicologia e do Conselho Federal A Psicologia foi regulamentada como profissão, no Brasil, no ano de 1962, decorrente da Lei nº 4119, de 27 de agosto de 1962. Porém, somente em 1972, é que se criou o Conselho Federal de Psicologia,órgão encarregado de zelar pela organização do exercício profissional e que congregava todos os psicólogos brasileiros. Segundo Soares (2010, p.20), em 1946, foi aprovado um decreto-lei que "ampliava o regime didático da Filosofia, referindo-se à possibilidade de ter diploma de licenciado" em Psicologia, quem por exemplo, fosse aprovado nos três primeiros anos do curso de Filosofia, bem em cursos de Biologia, Fisiologia, Antropologia, Estatística e em cursos de especialização de Psicologia. Em 1962, o Presidente da República João Goulart, promulgou a 27 de agosto, a Lei nº 4.119 dispondo sobre os Cursos de Formação de Psicólogos, com importantes inovações, tais como permitir, aos portadores de diplomas ou certificados de especialista em Psicologia, Psicologia Educacional, Psicologia Clínica e Psicologia Aplicada ao Trabalho, o exercício do ofício de psicólogo, como também permitir aos que já venham exercendo, na data da publicação da Lei, ou tenham exercido por mais de cinco anos, atividades profissionais de Psicologia Aplicada, o registro de Psicólogo. (SOARES,2010) Romaro (2006, p 28) afirma que, a partir do Decreto 53464, em 1964, regulamenta-se definitivamente a Lei 4119 e se estruturam os cursos de psicologia, junto às Faculdades de Filosofia, em cursos de bacharelado, licenciatura e psicologia. A lei estabelece como "funções privativas do psicólogo brasileiro o diagnóstico psicológico, a orientação e seleção pessoal, a orientação psicopedagógica, a solução de problemas de ajustamento, a colaboração em assuntos psicológicos ligados a outras ciências". Esse marco foi essencial para a profissionalização da Psicologia, pois como Pereira & Pereira Neto (2003) elucidam: Para que uma atividade seja reconhecida como tal, é necessário que reúna algumas características. Por um lado, a profissão deve ter um conhecimento delimitado, complexo e institucionalizado. Por outro, ela tem que organizar seus interesses em associações profissionais que padronizem a conduta dos pares, realizando uma auto- regulação. O controle interno da profissão é feito através da fiscalização das condutas profissionais com dispositivos formais, entre os quais se destacam os códigos de ética. (PEREIRA&PEREIRA NETO, 2003, p 20) Bock (2001), ao discutir a regulamentação da Psicologia em 1962, através da Lei nº 4119 e o Catálogo Brasileiro de Ocupações do mesmo ano, ressalta o caráter disciplinador e moralizante das práticas psicológicas, como podemos vislumbrar: A psicologia e a profissão lá estão limitadas a aspectos intervencionistas orientados para o ajustamento e a adaptação do individuo. Fala-se, então, de desenvolvimento e de condições para sua facilitação, como se o desenvolvimento tivesse percurso determinado. (....) A finalidade do trabalho é ajustamento, adaptação, auto realização, desenvolvimento, convivência e desempenho, sempre supondo um estado de normalidade. O trabalho do psicólogo está muito relacionado a esses objetivos, seja ele em escolas, empresas ou clínicas. ( BOCK, 2001, p. 26). Apenas em 1971 cria-se o Conselho Federal e os Conselhos Regionais de Psicologia, com o intuito de regulamentar, orientar, disciplinar e fiscalizar o exercício da profissão, sendo elaborando o primeiro Código de Ética apenas em 1975, pela resolução CFP 008/75, por uma Comissão de Ética. Segundo Soares (2010, p. 28), o primeiro Conselho Federal enfrentou uma tarefa árdua, pois precisou se empenhar em elaborar leis sobre "as quais viessem a assentar, sólidas e definitivas, a tradição e a unidade da classe, recentemente reconhecida, ao lado de uma consciência de corpo, sob a égide de uma só Autarquia". Nesse processo constitutivo, o Conselho Federal de Psicologia no Brasil se definia como uma autarquia federal, ou seja, como instituição com autonomia de gestão didático-científica, administrativa e financeira. Porém, devido ao contexto político e histórico de teor ditatorial, nas décadas de 1960 e de 1970, o Conselho permaneceu como extensão dos poderes e decisões do Estado, sem independência jurídica ou social. Somente a partir da redemocratização do país, em meados dos anos de 1980, o Conselho assumiu sua vocação autárquica, mostrando-se com maior autonomia em suas agendas políticas e profissionais. Pode-se comprovar esse fato, pelas informações que constam atualmente no site do Conselho Federal: O Conselho Federal de Psicologia – CFP é uma autarquia de direito público, com autonomia administrativa e financeira, cujos objetivos, além de regulamentar, orientar e fiscalizar o exercício profissional, como previsto na Lei 5766/1971, regulamentada pelo Decreto 79.822, de 17 de junho de 1977, deve promover espaços de discussão sobre os grandes temas da Psicologia que levem à qualificação dos serviços profissionais prestados pela categoria à sociedade. (CFP, disponível < http://site.cfp.org.br/cfp/conheca-o-cfp/>, acesso 2013) Em 1976, elegeu-se o segundo Conselho Federal, focado em fortalecer a imagem profissional do psicólogo brasileiro, assim como também oficializar o exercício de fiscalização em relação ao exercício profissional, sob uma Comissão de Fiscalização, fixada pela Resolução nº 3, de 27 de fevereiro de 1977. Desde então, o Conselho Federal de Psicologia passou por diferentes momentos dentro do contexto sociopolítico brasileiro. Entretanto, foi com a democratização e com a Constituição Cidadã, em 1988, que esse órgão passou a seguir uma vocação mais crítico-social, criando inúmeras Comissões pertinentes e comprometidas com a realidade brasileira. Atualmente, encontramos as seguintes comissões permanentes: § Comissão de Direitos Humanos, criada pela Resolução CFP nº 11/1998 tem como atribuições: incentivar a reflexão sobre os direitos humanos inerentes à formação, à prática profissional e à pesquisa em Psicologia; intervir em todas as situações em que existam violações dos direitos humanos que produzam sofrimento mental; participar de todas as iniciativas que preservem os direitos humanos na sociedade brasileira; apoiar o movimento internacional dos direitos humanos; e lutar contra todas as formas de exclusão que violem os direitos humanos e provoquem qualquer tipo de sofrimento mental. § Comissão de Análise sobre Título Especialistas, criada pela Resolução CFP nº 014/200, revogada pela Resolução CFP nº 013/2007: criada para fins de concessão de credenciamento de cursos de especialista e análise de recursos sobre títulos de especialistas. Essa comissão também tem a responsabilidade de subsidiar o plenário do CFP para as diversas demandas relacionadas ao tema “Especialidades em Psicologia”. § Comissão Nacional de Credenciamento de sites, criada pela Resolução CFP nº 003/2000, revogada pela Resolução CFP nº 012/2005: além de realizar avaliação dos sites que oferecem serviços de Psicologia, apresenta sugestões para o aprimoramento dos procedimentos e critérios envolvidos nesta tarefa e subsidia o Sistema Conselhos de Psicologia a respeito da matéria. http://site.cfp.org.br/cfp/conheca-o-cfp/ § Comissão Consultiva em Avaliação Psicológica, criada pela Resolução CFP nº 025/2001, revogada pela Resolução CFP nº 002/2003: integrada por psicólogos convidados de reconhecido saber em testes psicológicos, tem como objetivo analisar e emitir parecer sobre os testes psicológicos encaminhados ao CFP, com base nos parâmetros definidos nesta Resolução, bem como apresentar sugestões para o aprimoramento dos procedimentos e critérios envolvidos nessa tarefa, subsidiando as decisões do Plenário a respeito da matéria. (CFP, disponível < http://site.cfp.org.br/cfp/conheca-o-cfp/>, acesso 2013) Atualmente, no século XXI, segundo Pereira & Pereira Neto (2003), enfrentamos um período de profissionalização mais madura, porém a Psicologia sofre com as alterações e crises sócio econômicas, causando uma maior proliferação de faculdades de psicologia, a queda na qualidade da formação e, ao mesmo tempo, uma degradação do valor do trabalho do psicólogo no mercado de trabalho.Há novos espaços de atuação profissional que surgem devido, inclusive, a uma crise mercadológica e epistêmica no cenário clínico. Surgem novos dilemas éticos situados nos fenômenos intersubjetivos da contemporaneidade, desafiando a categoria profissional a se rever continua e criticamente. Esse é o processo de profissionalização aberto e ainda por ser feito, na prática cotidiana de uma profissão relativamente nova em nosso país. BIBLIOGRAFIAS BASICAS: ANTUNES, M. A psicologia no Brasil: leitura histórica sobre sua constituição. São Paulo: Ed Unimarco EDUC, 2005. ROMARO, R. A. Ética na psicologia. São Paulo: Ed. Vozes, 2006. SOARES, Antonio Rodrigues. A Psicologia no Brasil. Psicol. cienc. prof. [online]. 2010, vol.30, n.spe, pp. 8-41 Bibliografias Complementares ANTUNES, M. A Psicologia no Brasil no século XX: Desenvolvimento Científico e Profissional. In MASSIMI & GUEDES (orgs). História da Psicologia no Brasil: novos estudos. São Paulo: Ed EDUC, 2004. BERNARDES, L. História da Psicologia no Brasil. São Paulo: Ed Casa do Psicólogo, 2007. BOCK, A. História da organização do psicólogo e a concepção do fenômeno psicológico. In: JACO-VILELA,CEREZZO, RODRIGUES (org). Clio-Psyque hoje: fazeres e dizeres psi na história do Brasil. RJ: Relume- Dumará. 2001, p 25-33. COSTA, J. Ordem médica e norma familiar. Rio de Janeiro: Ed Graal, 1987. PEREIRA e PEREIRA NETO. O Psicólogo no Brasil: notas sobre seu processo de profissionalização. Revista Psicologia em Estudo, Maringá, v 8 , n.2, PP 19-27, 2003. PESSOTTI, I. Notas para uma história da psicologia brasileira. In CONSELHO FEDERAL DE PSICOLOGIA. Quem é o psicólogo brasileiro? São Paulo: Ed Edicon, 1988. SAVIANI, Dermeval. O legado educacional do “longo século XX” brasileiro. In: SAVIANI, Dermeval ( et. al.). O legado educacional do século XX no Brasil. Campinas, SP: Autores Associados, 2004. http://site.cfp.org.br/cfp/conheca-o-cfp/ VIDAL, Diana Gonçalves. Escola Nova e processo educativo. In: LOPES, Eliane Marta, FIGUEIREDO, Luciano e GREIVAS, Cynthia (orgs.). 500 anos de educação no Brasil. Belo Horizonte: Autêntica, 3ª. Ed., 2003. Uma Reflexão Inquietante: Diante a apresentação histórica e contextual desse módulo sobre a autonomização da Psicologia no Brasil e seu viés adaptativo e eugênico, de que modo na atualidade, os psicólogos brasileiros podem e devem rever sua história e transformar sua atuação com parâmetros mais éticos e comprometidos com a sociedade? Sugestão hipermidiática: Visite o site da Memória da Psicologia junto ao Conselho Federal de Psicologia, escolha um vídeo disponível e o relacione com o conteúdo do módulo, cabe a sugestão do vídeo Memória do Projeto de Ulysses Pernambucano, disponível http://www.youtube.com/watch? feature=player_embedded&v=dzsYlRp93uU, acesso nov/2013.. Projeto Memória da Psicologia Brasileira, disponível em <http://site.cfp.org.br/multimidia/projeto-memorias-da-psicologia-brasileira/videos/>, acesso nov/2013. Atividades Teórico-Práticas: I) Leia o texto de Soares (2010) e grife trechos que dizem respeito às funções do Conselho Federal de Psicologia. TEXTO BASE: SOARES, Antonio Rodrigues. A Psicologia no Brasil. Psicol. cienc. prof. [online]. 2010, vol.30, Caderno Especial, pp. 8-41. II) Crie uma linha do tempo a partir das informações disponíveis no texto base do Módulo, identificando: eventos sociais, históricos e profissionais importantes na fase de implementação da Psicologia como ciência no século XX, a criação do Conselho Federal de Psicologia e a constituição dos Códigos de Ética. Exercício comentado: Sobre as idéias psicológicas brasileiras dos séculos XIX e XX, na fase de autonomização da Psicologia Científica, Antunes ( 2006) afirma que possuíam: I) a finalidade de conscientizar critico e socialmente o individuo diante o modelo de desenvolvimento urbano-industrial. II) a finalidade de adaptar o sujeito aos padrões de alta produtividade da época. III) a finalidade de moralizar os sujeitos, nos padrões morais e éticos da elite brasileira, excluindo os desordeiros, que não seguiam esses padrões. IV) a finalidade de localizar o homem certo para o lugar certo no padrão organizacional e no mundo do trabalho. São corretas as afirmativas: a) I, II e III http://www.youtube.com/watch?feature=player_embedded&v=dzsYlRp93uU http://site.cfp.org.br/multimidia/projeto-memorias-da-psicologia-brasileira/videos/ b) II, III e IV c) III e IV d) I, III e IV e) III e IV Comentários do exercício: o aluno deve ler o texto base do módulo e as citações realizadas a partir de Antunes (2006), para compreender o viés hegemônico adaptativo e higienicista dos saberes psicológicos no contexto brasileiro (séc XIX e XX) que possuía essa demanda: manter o sujeito disciplinado e em alto padrão de produtividade. A partir dessa concepção, percebe-se que o item I está incorreto, pois não se objetivava conscientizar criticamente a população através das práticas psicológicas, mas mantê-la moralizada e disciplinada, como está explícitos nos itens II , III e IV. Portanto, alternativa B é a correta.
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