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A nossa deliciosa jornalista continua sua intrépida aventura para solucionar o caso dos discos voadores. Somente que, agora, em terras germânicas... © 1965 – J F KRAKBERB José Alberto Gueiros Título original: SANGRE DE PERIODISTA Digitalização: JVS 400923/400925 Publicado no Brasil pela Editora Monterrey MEMÓRIA Em sua primeira aventura, como repórter do “Nova Manhã”, a filha de Giselle é enviada a Califórnia, aonde vem aparecendo estranhos discos-voadores. Aparentemente, são enviados pelos russos, para intimidar os americanos. Brigitte hospeda-se no luxuoso Airport Hotel, em Los Angeles, onde faz amizade com o detetive da casa, o ex- sargento Karl Kildkind. Dois espiões soviéticos são assassinados na suíte do hotel, quando procuravam descobrir o mistério dos discos. Antes de morrer, um deles assegura a Brigitte que os UFOS não são fabricados pela União Soviética, pelo contrário, o Kremlin também quer saber quem é que está operando com eles. Brigitte segue a pista dos UFOS e consegue interceptar um dos aparelhos misteriosos, viajando nele, em companhia de três anões com o corpo pintado de verde, que falam fluentemente o russo. Nessa altura, a linda jornalista já conhecera o inspetor Charles Alan Pitzer — do FBI — e este, impressionado com as suas reportagens, convida-a para entrar para o Serviço Secreto. Brigitte aceita, mas continua a agir sozinha. Assim é que descobre onde fica a base de lançamento dos UFOS nos arredores de Pasadena e vai até lá, caindo numa cilada, Os responsáveis pelo aparecimento dos discos tinham sido avisados, pelo rádio, da visita da bela repórter. E Brigitte confirma as suas suspeitas: o sargento Kildkind é um traidor e fora ele quem matara os dois agentes soviéticos! Brigitte é aprisionada por uma organização de elementos neonazistas, empenhada na criação do Quarto Reich, que usa os discos para intrigar os Estados Unidos com a União Soviética. O chefe da Organização Herr Führer está na Alemanha Ocidental, de onde controla seus adeptos em todo o mundo. Brigitte consegue se comunicar com o FBI, mantendo ligado o transmissor de rádio do UFO, e os agentes federais cercam a base secreta, prendendo todos os implicados na trama. E a jovem repórter sai correndo para o Airport Hotel, a fim de agarrar também o sargento Kildkind. CAPÍTULO PRIMEIRO Uma linda turista vai partir para a Baviera Depois do tremendo tiroteio, tudo ficou mais ou menos em silêncio, ao redor do galpão. Brigitte enfiou a pistola Markarov no cós da saia e saiu pelo largo portão de zinco. Pouco adiante, viu os agentes do FBI encaminhando os prisioneiros para os “tintureiros”, que esperavam, em frente à casa grande. Um homem forte, de meia-idade, destacou-se do grupo e foi ao encontro da jovem repórter. Ela custou a reconhecê-lo. Era o chofer de praça que ali a levara, mas estava com o rosto tão machucado que mais parecia um monstro. — Ei, senhorita! — gritou o homem. — Eles me libertaram agora mesmo! Refiro-me aos federais! A senhorita não sofreu nada? Antes assim! Eu não sabia que isto aqui era um asilo de doentes mentais! Vai voltar para Los Angeles? Se quiser, posso levá-la. Pelo caminho, os dois trocaram confidências e a morena explicou tudo ao chefe, omitindo apenas os fatos que poderiam ferir a lei de Segurança Nacional. Chegaram ao Airport Hotel às duas horas da madrugada. A corrida custou, exatamente, dez dólares, mas Brigitte deu mais dez, de gorjeta, ao infeliz motorista. Entrou no prédio do hotel e dirigiu-se à portaria. — Alô, amigo! Onde posso encontrar o sargento Kildkind? O rapaz da recepção empalideceu. — Alguma dificuldade, senhorita Montfort? Creio que o sargento desceu e ainda não subiu. Não estará ao quarto? Brigitte agradeceu e embarafustou pelo corredor, descendo a escadinha dos fundos. A porta do quartinho do porão, em frente à lavanderia, estava fechada. A garota experimentou cautelosamente a maçaneta, mas não chegou a abrir a porta. Alguma coisa dura foi encostada às suas costas, na altura do rim direito. — O recepcionista acabou de me avisar pelo telefone — disse a voz untuosa do gordo detetive do hotel. Então, você escapou? Brigitte tirou rapidamente a pistola do cós das saias e voltou-se. Seu dedo premiu o gatilho, mas ouviu-se apenas um estalido metálico. A Markarov já não tinha mais nenhuma bala no pente! — Eu devia matá-la por isso — rosnou ele. — Mas não o farei sem, antes, lhe mostrar a lavanderia! Solte a sua arma, Brigitte! Como escapou de meus companheiros, na chácara? — Adivinhe — disse a morena, largando a Markarov. — Escapei depois de pulverizar toda a organização! E, agora, vim buscar você! Não ganhará nada em matar-me, sargento! O FBI está a caminho deste hotel! — Ainda tenho tempo, menina. Você gosta de trabalhar sozinha. Vamos para a lavanderia! — Só irei com uma condição. Você vai me confessar tudo, sargento! Inclusive, vai me dizer quem á o chefe supremo da Organização Nacional da Revanche! Topa? Se você topar, pode fazer de mim o que quiser. — Herr Führer? — grasnou o gordo. — Não, Brigitte! Esse, está fora do alcance dos federais Vocês jamais alcançarão Herr Führer! Que importa que tenham fechado a Agência da Califórnia? Ainda que o FBI acabe com todas as células, na América, nosso partido continuará forte nas outras partes do mundo! E a sede, na Alemanha, jamais será maculada pelos nojentos defensores de uma democracia fraca e corrupta! O Nacional Socialismo triunfará, outra vez, e tomara conta do mundo! Enquanto falava, tirou uma gazua do bolso com a mão esquerda e abriu a porta da lavanderia, O local também estava escuro e deserto. Entraram, sem acender a luz, e o gordo voltou a fechar a porta. — Que pretende fazer? — inquiriu Brigitte, preocupada. — Já lhe disse, filhinha. Vou pôr em funcionamento a máquina de lavar. E você verá, de muito perto, como funcionam as pás rotativas... Os olhos dos dois já estavam acostumados à escuridão. O sargento recuou até uma enorme lavadeira automática, colocada junto da parede, e ergueu a tampa de uma abertura circular, à altura de um metro do solo. Sua pistola moveu-se na penumbra. — Meta a cabeça aqui, filhinha. Você ficará entalada pelos ombros, numa excelente posição. Foi assim que eu me servi daquelas duas chinesas. Tenho meus próprios métodos para seduzir mocinhas... Vamos! Meta a cabeça neste buraco, ou eu apertarei o gatilho! — Certo — suspirou Brigitte, adiantando-se e procurando se plantar sobre as pernas separadas. — Você tem a arma, sargento. Quer que tire a saia, para facilitar a brincadeira? — Não é necessário — grunhiu o gordo, lambendo os beiços. Súbito, a garota oscilou o tronco para a esquerda, obrigando a pistola a mover-se ligeiramente, e voltou a se inclinar para a direita, enquanto sua mão direita aberta e com os dedos unidos se chocava violentamente com o antebraço do gordo. A cutilada foi demolidora. O sargento soltou um urro e largou a pistola. Desequilibrado, o gordo procurou apoio na máquina de lavar, Brigitte não lhe deu tempo de se endireitar e empurrou-lhe a cabeça, com as duas mãos, para a abertura redonda. O impulso foi tão forte que a cabeça e um ombro do detetive entraram pelo buraco e aí ficaram entalados. Sua voz veio de muito longe, das profundezas da máquina de lavar: — Socorro! Tire-me daqui! Tranqüilamente, Brigitte baixou a tampa sobre as costas do homem, prendendo-o ainda mais. — E agora? — perguntou, afavelmente. — Está mais cômodo? Devo ligar a lavadeira? Não. Creio que isso não me permitirá ouvir o que você tem para me dizer... — Socorro! Não me faça mal! Mas a jovem repórter já estava tirando as calças de sua vitima. Fez o mesmo com as cuecas... Nu da cintura para baixo, seu enorme corpo branco brilhando na escuridão, o gordo esperneava como um porco no matadouro.— Agora fale — ordenou, com voz dura.. Cada recusa importará num tiro nas nádegas! Às vezes, eu também uso métodos nazistas! Onde está o seu transmissor de rádio? — Numa maleta, no meu quarto. Meu quarto fica no último andar do hotel. — Como foi que você entrou para a organização? — Não posso dizer! Fiz um juramento e... Ouviu-se apenas um “ploft” e uma bala da Pistola raspou uma nádega do gordo. Foi apenas um arranhão, mas um fio de sangue escorreu pela sua coxa. — Como foi que você entrou para a organização? — insistiu Brigitte. O sargento Kildkind começou a falar com volubilidade: — Sempre pertenci ao Partido Nazista Americano. O gauleiter Henrich Brunsk me convidou para entrar para o ONR e eu aceitei. Vim trabalhar neste hotel porque muitos diplomatas russos costumam se hospedar aqui. Nós ainda estamos em guerra com os russos, você sabe. — Como foi o caso daqueles dois agentes secretos que você matou? — Recebi ordens para neutralizá-los. Estavam investigando o mistério dos discos e poderiam atrapalhar os planos de Herr Führer. Naquela manhã, quando os russos voltaram da estrada do Barstow, entrei na suíte 32 e liquidei um dos inimigos, enquanto o outro ia para o banheiro. Eu tinha deixado a porta aberta. Aí, ouvi a elevador e escapei, escondendo-me no fundo do corredor. Era você, Brigitte. Esperei que você entrasse e voltei para acabar o serviço. O outro russo também morreu, mas você escapou. Estava muito escuro e isso atrapalhou a minha pontaria. — Mas, depois, seus chefes lhe deram ordem para não me matar... — Ia. A ordem veio diretamente de Herr Führer. Quando nós lhe radiografamos contando os acontecimentos, e falamos em seu nome, ele mandou que eu a vigiasse, mas que não atentasse contra a sua vida. Foi o que fiz. Até ajudei você a localizar o ponto de pouso do disco, na colina de El Centro... Era preciso que você visse o pião-voador bem de perto, e também acreditasse que ele pertencia à União Soviética. Os tripulantes tinham ordens para falar apenas em russo, mas negar essa nacionalidade. — Por que Herr Führer não queria que me matassem? — Não sei. Acho que ele pretende interessai você no movimento nacional-socialista alemão. Ele disse, ao gauleiter Brunsk, que é filha do estrategista Bierrenbach, morto há vinte anos, e poderia ser doutrinada. — E você, como soube disso? — Não era difícil de deduzir, depois de sua conversa com o inspetor Pitzer. Quando você deixou comigo aquele bilhete para ser entregue ao homem do FBI, vi que você tinha acertado com o local da nossa base secreta. Preveni o gauleiter, pelo rádio, e pensei que você fosse apanhada... — Fui apanhada, mas escapei. E seus amigos foram todos presos. Quem se comunicava, pelo rádio, com Herr Führer? Você? — Não. Apenas o gauleiter Brunsk. Eles têm um código especial. Eu não tenho ordens para me dirigir diretamente ao Führer. Só em casos especiais. — Quem é Herr Führer? — Não sei. Outro tiro “plof” e a outra nádega do gordo começou a sangrar. — Quem é Herr Führer? — repetiu Brigitte com voz suave. — Um ex-capitão da Gestapo em Paris, chamado Maximiliano Marx. Ele era ajudante de ordens do coronel Oetting. Depois da derrota do Reich, mudou de nome e fugiu da Alemanha para a Áustria. Mas voltou e vive confortavelmente na Baviera. É um dos esteios do Partido e o maior financiador da Organização Nacional da Revanche. Quando for implantado o Quarto Reich, ele será o chanceler e o novo Führer do povo germânico! O capitão Marx conheceu sua mãe, pouco antes da morte dela, na prisão de Chorche Midi. Foi o que ouvi dizer. — Eu sei — disse Brigitte, pensativamente. — Esse nome não me é estranho! Foi o capitão Maximiliano Marx quem prendeu minha mãe na Rue du Bac, e a levou à presença do general Stupnaggel! Qual é o nome dele, agora? — Não sei. Não, não atire! Juro que não sei! Só sei que ele é um homem rico e importante. — O que é que esse maluco está planejando fazer na Tcheco-Eslováquia? — Também não sei. Só o gauleiter Brunsk é que poderá responder a isso. — Você nunca telegrafou nenhuma mensagem diretamente a Herr Führer? — Nunca! — Pois vai telegrafar agora! — Agora? — gemeu a voz, no fundo da máquina de lavar. — Sim! Vou precisar de você, sargento Kildkind! Você me ajudará a agarrar o chefe do bando! O mistério dos discos ainda não acabou, pois falta apanhar o responsável pela trama e desarticular, de uma vez por todas, a organização! E, para isso, eu precisarei ir à Alemanha! — Você? — Sim. Ajudada por você. — Não conte comigo, Brigitte! Fiz um juramento de fidelidade ao Partido Nazista Americano e o senhor Rockwell não vai gostar... — O Partido não está em jogo. Acho até duvidoso que ele participe desse movimento criminoso, tendente a provocar a guerra atômica. Isso deve ser idéia de um homem só, enlouquecido pelo fanatismo político. — Eu também fiz um juramento de fidelidade a Herr Führer! Não posso trair os meus companheiros! Se você está pensando em me usar como isca... — Não, sargento. A isca serei eu. Tenho muito interesse em saber o que está para acontecer na Tcheco-Eslováquia. Você vai apenas radiografar uma nova mensagem para Herr Führer, no impedimento do gauleiter Heinrich Brunsk! — Herr Brunsk também foi preso? — Antes fosse. Ele está morto. E você seguirá o mesmo caminho, se não concordar comigo! E vou liquidá-lo aos poucos, com alguns tiros em partes menos vitais do corpo... Que acha da idéia? Podemos começar? As nádegas do gordo já ardiam como o diabo. Brigitte encostou o grosso silenciador da pistola à sua carne, sobre as nádegas feridas, e fez pressão. — Não atire! — berrou o sargento, prestes a perder os sentidos. — Eu... eu radiografo o que você quiser! Não atire, por favor! Num minuto, Brigitte vestiu-lhe as calças e permitiu que ele saísse de sua humilhante posição, — Você me machucou, Brigitte! Vai paga por isso! Nem a polícia secreta americana trata os seus prisioneiros com tanta crueldade! Eu levarei à barra do tribunal! — Queixe-se ao inspetor Pitzer, quando ele agarrar. Agora, vamos subir. Eu lhe direi o que deve transmitir, pelo rádio, a Herr Führer. Saíram da lavanderia e foram apanhar o elevador, que os levou ao décimo e último anda do Airport Hotel. Brigitte levava a Pistola escondida debaixo do casaco e o ascensorista não percebeu nada, O quarto do detetive do hotel ficava no fundo do corredor do décimo andar Ele abriu a porta, com dedos trêmulos, e foi empurrado para dentro. Brigitte fechou a porta à chave. — Depressa, sargento! O FBI não deve de morar! O gordo apanhou uma maleta e abriu-a, exibindo um moderno e potente transmissor de rádio. Ergueu a antena parabólica e apontou para um manipulador de telegrafia sem fio. — Veja. Já está sintonizado com a faixa do rádio- receptor, na Baviera. A freqüência é sempre a mesma. Você conhece radiotelegrafia? — Um pouco. Perca as esperanças de me enganar. Agora, dê o sinal e verifique se eles estão na escuta. Suponho que haja uma estação-monitora permanentemente na faixa dos 500 quilohertz. — Sim, há. Eles estão sempre na escuta. Mas não usamos a faixa internacional de socorro. Isso nos causaria contratempo. Dizendo isto, o sargento pôs-se a manipular o transmissor. Ouviu-se um crepitar isócrono, que se repetiu três vezes. O gordo esperou uma resposta. O aparelho crepitou de novo, retransmitindo as três letras do câmbio; a mensagem estava sendo recebida pela sede da ONR, na Baviera. — Que devo dizer? — rosnou o Kildkind, irritado. — Repita isto: “Por motivos de força maior, estão suspensas as operações na Califórnia. O gauleiter Brunsk não pode se comunicar com a sede. Brigitte Montfort rompeu com o FBI e segue para a Baviera, depois de doutrinada pelo sargento Westmore. Aguardo ordens, nesta faixa, amanhã de manhã”. —Tenho que transformar a mensagem em código. Isso vai demorar alguns minutos. — Peça a seus amigos para ficarem sintonizados com você. Uma pequena demora dará maior realismo à transmissão. O sargento acenou e foi apanhar uma edição do “Mein Kampf”, de Adolf Hitler, pendo-se a substituir palavras, de acordo com um trecho do livro. Cinco minutos depois, tinha traduzido a mensagem e retransmitia-a, pelo Código Morse, Repetiu a transmissão duas vezes e recebeu duas letras de resposta: IO. — In Ordung — disse ele. — A sede não desconfiou de nada. Parecia espantado. E Brigitte ficou desconfiada. Realmente, era estranho que a sede não fizesse perguntas... Mas, nesse momento, ouviram-se vozes e passos no corredor. O sargento Kildkind fechou a maleta e atirou-a violentamente contra a pistola, na mão da jornalista. A arma disparou para o teto, enquanto Brigitte caía de costas. O gordo pôs-se de pé e correu para a janela, arrastando a maleta com o rádio-transmissor. — Pare! — gritou Brigitte, ajoelhando-se e apontando a Pistola. Mas o outro não a ouvia. Parecia alucinado. Abriu a janela e pulou para o peitoril, procurando equilibrar-se na estreita platibanda exterior. Brigitte gritou outra vez, ao mesmo tempo em que meia dúzia de agentes federais arrombava a porta e entrava no quarto. O gordo ainda deu alguns passos, agarrado às reentrâncias da fachada do prédio, e, de repente, soltou um grito e despencou no vácuo. Os agentes acorreram, mas era tarde. O corpo redondo do sargento Kildkind esvoaçou e precipitou-se sobre a calçada, sessenta metros abaixo. Quando se estatelou na rua, já estava morto. E a maleta, com o rádio-transmissor, fora completamente destruída. — É uma pena — disse uma voz fria, atrás de Brigitte. — O transmissor de rádio da chácara de Pasadena também foi destruído por esses nazistas! Não temos possibilidade de localizar a sede da organização, na Alemanha! A linda repórter voltou-se e encarou o inspetor Alan Pitzer. — Eu não empurrei o gordo! — protestou. — Ele cometeu o suicídio! Mas cumpriu a sua missão e confessou tudo o que sabia. Suas últimas palavras, antes do vôo, foram exclusivas para o “Nova Manhã”. Debruçados na janela, os agentes do FBI comentavam o trágico acontecimento. Estavam muito preocupados, pois temiam ser acusados de assassínio. A polícia, às vezes, usa métodos pouco ortodoxos... — Eu deporei a favor dos seus rapazes — continuou Brigitte, dirigindo-se ao inspetor. — Assisti a tudo e sei que o gordo se suicidou. Mas, antes de tornarmos público este desagradável desenlace, precisamos agarrar o chefe da organização. Já tenho um plano para isso. — Oh, não! — gemeu o homem do FBI. — Essa, não! Você pretende ir à Alemanha? — Exato. E com passagens pagas pelo serviço secreto... Aliás, meu chefe, Miky Grogan, sempre sonhou em ter um correspondente na RFA. Aposto que o velho Miky vai ficar muito feliz. — Você está maluca, menina! Sob hipótese alguma eu permitirei. — Brigitte fez um gesto, interrompendo-o. — O FBI tem recursos para agarrar o homem, na Alemanha? O inspetor coçou a cabeça, deslocando o chapéu. — Bem... Ainda nem sequer sabemos quem é esse Herr Führer. Os principais chefes do movimento, em Pasadena, foram mortos e não podem falar. E, agora, esse contato também se matou, estupidamente! Mas podemos tentar localizar a sede da organização. Um dos presos falou na Baviera... — A Baviera é muito grande, inspetor. E só eu sei o nome do homem. — Você sabe o nome de Herr Führer? — espantou-se o detetive. — Sei. Isto é, sei o nome que ele tinha quando exercia um cargo na SS de Himmler. Era o capitão Maximiliano Marx, da Gestapo. O inspetor olhou para ela de esguelha. — Então, você quer, mesmo, arriscar a vida na Alemanha Ocidental? — Tenho uma chance de me sair bem da empreitada. Antes de morrer, o sargento Kildkind teve a gentileza de telegrafar uma mensagem para Herr Führer, dizendo que Brigitte Montfort aderiu ao nazismo... — Oh, não! — Oh, sim. Como vê, comecei o meu trabalho de espiã usando as mesmas armas dos nossos adversários... Darei um jeito de penetrar na fortaleza de Herr Führer... se for, realmente, uma fortaleza... e destruir o que ainda resta da organização. O senhor terá notícias minhas, pelo “Nova Manhã”. — Nada disso, Brigitte! Se você está mesmo disposta a se meter nessa aventura, eu lhe darei cobertura oficial. Temos agentes secretos em Munique, que talvez possam ajudá-la a encontrar esse capitão Marx. Eles já receberam instruções para seguir a trilha do disco-voador usado na Califórnia. — Como é isso? — perguntou Brigitte, perplexa. — Os motores secretos do UFO montado na oficina de Pasadena — explicou o inspetor Pitzer. — foram retirados da carcaça e enviados para a Alemanha, por via aérea. Só soubemos disso agora e não pudemos interceptar o material. As partes do motor, desmontadas, seguiram como peças de automóveis, aparentemente com destino à fábrica DKW. Mas haverá agentes da CIA, no aeroporto de Munique, observando o desembarque. É vital, para nós, descobrir o segredo de fabricação dos discos-voadores! — Eu me encarregarei disso — afirmou Brigitte. — Dê- me os endereços de seus contatos em Munique, chefe, e reze por mim. Se eu for bem sucedida nessa missão de turista, terei alguma recompensa extra? E ela olhou candidamente, com seus doces olhos azuis, para o rosto severo do inspetor Pitzer. — Menina — disse o homem do FBI, sorrindo — se você nos trouxer os planos do UFO e a cabeça de Herr Führer, sua recompensa será tão grande que não caberá na bagagem de um diplomata sul-americano! Brigitte também sorriu e, logo, ficou séria. Estava pensando no capitão Maximiliano Marx, o novo Führer do Quarto Reich. Segundo as memórias de sua falecida mãe, o capitão Marx pertencera à famigerada Casa Parda de Munique, sede da Gestapo, e nutria um ódio profundo à bela e saudosa Giselle Montfort. CAPÍTULO SEGUNDO Os agentes de Munique Não havia tempo a perder. O FBI prometera conservar em segredo a diligência policial à chácara de Pasadena, e a nova reportagem de Brigitte para o “Nova Manhã” fora guardada, num cofre forte, por Miky Grogan, mas esses acontecimentos não podiam deixar de ser divu1gado num futuro próximo. Ora, no dia em que se soubesse que a sede da Organização Nacional da Revanche fora desarticulada pelo Serviço Secreto, seus membros ainda em liberdade teriam chances de escapar à justiça. Por isso, enquanto o inspetor Pitzer e seus intocáveis percorriam todo o território norte-americano, caçando os remanescentes do movimento nazista, Brigitte obtinha facilidades diplomáticas para a aquisição de seu passaporte e passagens aéreas de turista em vilegiatura pela Alemanha Ocidental. Cinco dias depois do tiroteio de Pasadena, a bela repórter estava pronta para partir, em sua primeira missão de espionagem no exterior. E, na manhã seguinte, 7 de fevereiro, ela embarcava num jato da Air France, que a transportava, do Aeroporto Kennedy, de Nova Iorque, ao Aeroporto de Le Bourget, em Paris. Duas horas depois, o jato da DLH deixou-a, sã e salva, no Aeroporto de Riem, a onze quilômetros da capital da Baviera. Um táxi levou-a para o Oktober Hotel, na Arnulfstrass, de acordo com as recomendações do FBI. Era um hotelzinho modesto, mas simpático, dirigido por um casal de irmãos gêmeos, Hubbert e Magda Einsenkopft, ligados secretamente à CIA norte-americana. Durante o almoço, o senhor Emsenkopft sentou-se à mesa de Brigitte e falou-lhe entusiasticamente das belezas de Munique, dos recantos pitorescos da Baviera que ela devia fotografar — e acabou declarando, com ar de profundo desgosto: — Infelizmente, não existem mais as grandes praças públicas de antigamente. A própria Maximilians-platz não tem grandes motivos de atração turística. Não existemmais as grandes praças do passado! Brigitte compreendeu e suspirou, mas não deu demonstrações de desânimo. Se os agentes da CIA não tinham encontrado a pista do ex-capitão Maximiliano Marx, talvez ela fosse mais feliz. Talvez a notícia da sua chegada a Munique atraísse algum dos cúmplices de Herr Führer, desejoso de servir de cicerone à bela e graciosa jornalista americana, doutrinada pelo sargento Westinore... Às oito horas da noite, desceu para jantar. O senhor Einsenkopft instalou-a numa mesa do fundo, onde já se encontrava sentado um cavalheiro moreno, alto e magro, com cara de agente funerário, O estranho apresentou- se como major Güntber e, enquanto comiam, convidou a jovem para um passeio pela Praça das Tílias, onde ela respiraria o ar da velha München... — Sei que a senhorita é repórter de um grande jornal americano. Vai gostar de conhecer München e fotografar suas peculiaridades. A cidade foi inteiramente reconstruída, depois de arrasada na última guerra, e já está pronta para outra. Depois do nosso passeio pela Praça das Tílias, podemos acabar a noite assistindo um excelente show bávaro no Platzl. Brigitte aceitou e foi buscar a máquina fotográfica. Saíram do hotel e caminharam, a pé, pela Arnulfstrass, em direção à Haupt Platz. — É melhor irmos a pé — sussurrou o major Günther, olhando ao redor com ar de desconfiança. — Você está sendo muito vigiada, senhorita Montfort, e pode ser perigoso apanharem-nos num táxi. Aqui, no meio dos transeuntes, eles não tentarão nada. — Eles quem? — perguntou a garota, intrigada. — Desculpe-me — volveu o magrelo, sorrindo. — Esqueci-me de lhe dizer que pertenço à... AEAJCGNS. Eles, evidentemente, são os neo-nazistas. — E o que vem a ser AEAJPCGNS? — Agência do Estado para a Administração da Justiça e Punição dos Crimes de Guerra Nacional-Socialistas. Nossa agência foi fundada em 1958, em Ludwigsburg. Ternos, em nossos arquivos, informações sobre quase todos os oficiais nazistas envolvidos em crimes contra a humanidade. Mas, infelizmente, nada consta sobre esse capitão Maximiliano Marx. — O senhor Einsenkopft já me falou. Realmente, o capitão Marx não trabalhou em nenhum campo de concentração. Ele atuou em Paris, durante a ocupação nazista, como agente da Gestapo. Mesmo que fosse apanhado por isso, seria absolvido, como foi o ex-SS Führer da Bélgica, Jan Verbelen, que hoje vive livre em Viena. Os senhores se preocupam mais com os carrascos dos campos de extermínio, esquecendo-se de que os membros da Gestapo também cometeram muitas atrocidades! — Lamento, senhorita Montfort, mas não podemos ser- lhe úteis. Nada consta Contra o capitão Marx. E, por isso, não sabemos que nome ele adotou, ao regressar à Alemanha. Todavia, já nos comunicamos com nossos colegas da Shin- Beth e aguardamos seu pronunciamento. Pode ser que os judeus saibam de alguma coisa que nós ignoramos. Conversei, esta manhã, com um antigo membro da CEPG e ele me disse que também nunca ouviu falar nesse capitão Marx. Brigitte torceu o narizinho. — A CFPG é?... — Cooperação Fraternal dos Prisioneiros de Guerra — disse o major Günther, sempre em voz baixa — Um grupo formado na Alemanha do Sul e na Áustria, em fins de 1943, por oficiais soviéticos presos no Campo de Perlech, nos arredores de München. — O capitão Marx — retrucou Brigitte, impaciente só se fez notado de 1944 a 45, em Paris. E natural que os russos também não o conheçam. Como poderei entrar em contato com algum elemento da Shin-Beth? — Impossível, senhorita Montfort. Os espiões israelitas são muito cautelosos e desconfiados. Será melhor que a senhorita espere que eles venham ao seu encontro. A Shanon já foi avisada e certamente avisará a Shin-Beth e a Chech- Beth, seu serviço de ação. Eles trabalham em estreita cooperação, sob a chefia de um militar cujo nome de código é David. De minha parte, senhorita Montfort, lamento não lhe poder ser útil. Apesar de tudo, dar-me-á o prazer de dançar comigo na Platzl? Sou bom bailarino. Brigitte sorriu graciosamente. — Não, obrigada. Estou cansadíssima, major! Agradecer- lhe-ia se me arranjasse um táxi. — Voltará ao Oktober? São apenas quatro quadras. — Não. Vou dar uma volta pela cidade. Sozinha, se fosse possível. O major Günter bateu os calcanhares e correu para a beira da calçada, acenando para os carros que passavam. Nenhum táxi o atendeu, pois estavam todos ocupados. Brigitte tirou um cigarro da bolsa e enfiou-o nos lábios, sorrindo para si mesma. Uma mão gorda surgiu na sua frente, fazendo funcionar um isqueiro de prata. Ela teve um sobressalto. — Não se assuste — disse o padre, com voz mansa. — Livre-se daquele chato. Quero falar com você. A repórter examinou o homem da cabeça aos pés. Um padre católico, sem dúvida alguma. Ou, talvez, um nazista disfarçado. — Livre-se dele — insistiu o estranho, guardando o isqueiro depois de lhe acender o cigarro. Brigitte acenou e foi ao encontro do magrelo. — Não se incomode, major. Resolvi caminhar a pé. Muito obrigada e boa-noite. — Gute Nacht — rosnou o militar, perfilando-se. — Fique com o meu cartão, senhorita. Se alguma noite se sentir sozinha em München... eu conheço muitos lugares onde se bebe uma excelente cerveja! Gut! Auf Wiedersehen! Um instante depois, ele tinha desaparecido pelo meio dos transeuntes e Brigitte encontrou-se sozinha, ao lado do padre sorridente. — Para onde vamos, reverendo? — Tenho um carrinho de aluguel, senhorita Montfort — disse o padre. — Mas, antes de raptá-la, devo lhe tirar as dúvidas. Não sou nenhum enviado dos inimigos da Democracia. Pelo contrário. Chamo-me Aaron Kristallmaker e meu lema é “Ame takhat dine, chen takhat, chen” (Olho por olho, dente por dente. Lema da organização secreta Israelita Shin-Beth). Entendeu agora? — Um rabino? — fez Brigitte, surpresa. — Um falso padre católico, senhorita. É mais seguro assim, na Baviera. Ainda existem, por aqui, muitos inimigos dos judeus... Faça o favor de entrar. Enfiaram-se no carrinho e o padre deu a partida, assobiando baixinho. — Para onde está me levando, reverendo? — Para lugar nenhum, senhorita. Meu chefe, Herr David, me falou sobre a sua missão na Alemanha. Nós também não temos notícia de nenhum criminoso de guerra chamado Maximiliano Marx, mas não podemos dizer o mesmo de Herr Führer. Há um homem, na Baviera, que se julga o herdeiro de Adolf Hitler. Ele pode ser o seu homem. O meu, é outro nazista da velha guarda, que também tem contas a ajustar com Israel. Refiro-me no ex-oberschatführer do Campo de Concentração de Auschwitz, Heldrich Werstoffer. Já ouviu falar nele? — Nunca. — Eu ando atrás dele há vinte anos, senhorita, mas ele sempre tem me escapado! Werstoffer é responsável direto pela morte de vinte mil judeus, na Polônia, e ajudou o famigerado doutor Joseph Mengele a envenenar prisioneiros com injeções de ácido fenólico nas veias! Andei atrás dele por toda a Europa e parte da América do Sul. Agora, creio que o localizei, escondido numa cidadezinha da Baviera, sob o nome de Heinrich Tofferwerst. O sobrenome é parecido, mas, como tem a inicial diferente, não foi fácil identificá-lo. Atualmente, Werstoffer é o secretário de um riquíssimo industrial alemão aposentado, chamado Theodor von Maximdorf. O passado de Herr Maximdorf não é muito claro, mas sabemos que ele não participou de nenhum massacre de judeus. Possivelmente, estaria em Paris, durante a ocupação nazista. Brigitte acenou. — Pode ser o meu homem. — Foi o que pensei, Herr Maximdorf é candidato a senador, nas próximas eleições para o Bundestag, e um dos homens mais ricos da Baviera. Mas não mora em Munique. — Onde é que ele mora? — Tem uma luxuosa casa de campo nos arredores da cidadezinha de Deggendorf, ao sudeste da Baviera. Sua certeza de ganhar as eleições é tão grande quejá se considera senador. Eu ainda estou fazendo um levantamento da vida pregressa de seu secretário, antes de raptá-lo e leva-lo para Israel. Não podemos nos arriscar a um engano senhorita. É muito difícil desmascarar esses nazistas ricos, pois eles mudaram de nome, fizeram desaparecer documentos comprometedores, substituiram papéis de identidade e dienstalterlistes (‘lista de serviço’ da SS de Himmler). Mas, logo que obtiver provas palpáveis de que Tofferwest é Werstoffer, irei a Deggendorf com um grupo de “torpedos” da Chech-Beth e, mesmo que encontrar resistência armada... Brigitte interrompeu-o com um gesto. — Não posso esperar a ação dos seus “comandos”, reverendo. Se o senador Maximdorf for o ex-capitão Marx, tenho que me entrevistar com ele o mais depressa possível. Não posso demonstrar que não conheço o seu endereço. O senhor já esteve na casa de campo de Deggendorf? — Uma vez só e, assim mesmo, de longe. É uma extensa propriedade, ao sul da cidade, conhecida por Taghaus. Está permanentemente guardada por um corpo de polícia privado, composto por filhos e netos de nazistas. Por outro lado, como se trata de um dos líderes do NDP, o governo permite- lhe certas regalias, título de defesa pessoal. — Tentarei falar com ele — replicou Brigitte, animadamente. — Pode ser que, em se tratando de uma correspondente norte-americana, ele faça uma exceção. E, se ele for Herr Führer, tenho a certeza de que me receberá de braços abertos. Para todos os efeitos, eu aderi ao nazismo. O agente da Shin-Beth abriu a boca, mas não disse mais nada. Brigitte voltou a falar: — Como poderei ir a Deggendorf? O falso sacerdote olhou para ela de esguelha. — Como é que você prefere ir? — De automóvel, se fosse possível. Há algum ônibus para lá? — Posso lhe alugar este carro — disse o judeu, pensativamente. — Não há perigo nenhum, pois ele pertence a uma agência de Munique. Você o devolverá, depois, à Shin-Beth. Nosso ponto de encontro será uma garagem da Konigsplatz. Quando pretende ir a Deggendorf, senhorita Montfort? Brigitte notou que a voz do gordo tinha se tornado fria e impessoal. — Amanhã de manhã. O mais cedo possível — Você encontrará o carro preparado para partir, às sete horas, na garagem da Konigsplatz. É lá que vamos nos separar. Chegaram a praça assinalada e entraram numa garagem. Os mecânicos não tinham cara de judeu, mas receberam o falso padre católico com demonstração de grande deferência. Brigitte despediu-se do agente israelita e tomou um táxi, voltando ao Oktober Hotel. Eram onze horas da noite. Às oito da manhã, reuniu algumas coisas na maleta amarela e saiu do hotel, com a máquina fotográfica pendurada no ombro. Um táxi a levou à garagem da Konigsplatz, onde encontrou o Volks preto, com o tanque cheio. Sobre o assento dianteiro do carro havia um mapa da Baviera, com o percurso rodoviário Munique-beggendorf assinalado a lápis vermelho. Brigitte pagou 80 deutsche- marks ao garagista e embarcou, manobrando o carrinho para fora da garagem. Atravessou a praça e entrou na Bierstrass, olhando pelo espelhinho retrovisor. Nenhum outro carro a seguia. Apesar disso, estava desconfiada. Não podia entender por que o homem da Shin-Beth fizera questão de que ela alugasse aquele carro preto e não outro qualquer... Orientada pelo mapa rodoviário, não teve dificuldades em seguir a estrada prosseguindo pela margem do Rio Isar. Chegou à cidadezinha de Wallersdorf às duas e meia da tarde. Então, almoçou e seguiu viagem. Uma hora depois, entrava em Deggendorf e atravessava a pequena cidade do sudeste da Baviera, rumo à sua extremidade norte, como se fosse para Matten. As casas foram substituídas pelas plantações, mas não havia sinais de nenhum bangalô. Numa encruzilhada, via-se uma tabuleta: TAGHAUS — 2 kilometer Eintritt Verboten Virou o carro para a direita e entrou numa longa estrada de macadame, deserta e batida de sol. Depois de um quilômetro e meio de marcha. encontrou pela frente uma cancela, guardada por dois homens armados com fuzis de repetição Brent. — Halt! — grito um deles. — Ihre Dokumente, bitte? Brigitte freou o Volks e exibiu um sorriso cordial, que perturbou os dois rapazes. Eles se entreolharam e examinaram o cartão de identidade que ela lhes apresentou. — Senhorita Brigitte Montfort, do “Nova Manhã” da Califórnia? Ela abriu a portinhola e suspendeu ainda mais a minissaia. — Do “Nova Manhã” de Nova Iorque. Sim, companheiros. Herr Führer me espera. Deustschland über alles! Os dois guardas pigarrearam e devolveram-lhe o cartão. Depois, um deles empunhou um rádio-comunicador, ergueu a antena e pôs-se a papaguear qualquer coisa em alemão. Escutou a resposta e baixou a antena do aparelho portátil. — Sie Konnen eintreten, senhorita Montfort. O senador a aguarda ansiosamente. Suponho que não leve nenhuma arma na bagagem, nicht wahr? — Nein — respondeu a linda repórter, mostrando as pernas até as coxas. — Podem me revistar. Os guardas olharam para sua calcinha de rendas em lycra, engoliram em seco e viraram as costas. Um deles abriu a cancela. Brigitte fechou a portinhola do carro e pisou no acelerador. O inverno fazia os pinheiros parecerem trêmulos de frio. Ao lado do prédio, cinzento, via-se uma espécie de torre de observação, com outro guarda armado, que empunhava um binóculo de longo alcance. Dois rapazes altos e louros saíram das sombras do bangalô e aproximaram-se, com as mãos na cintura. Esses, sim, usavam camisas pardas e tinham braçadeiras com a cruz suástica. — Guten Abend, Fraulein — saudou um deles, fazendo a continência nazista. — Deixe o carro no estacionamento. Eduard a levará até lá. Bitte. — Piscina! — exclamou Brigitte, encantada. — Com este calor, eu adoraria cair n’água! O dia estava ensolarado, mas frio. Os dois nazistas se entreolharam e fizeram uma careta. — Como quiser — disse o mais simpático. — Você trouxe roupa de banho? — Sempre ando de biquíni — confidenciou Brigitte, piscando um olho. — Tomem conta de minha mala, bitte, e levem minha roupa lá para dentro. Suponho que haja quarto de hóspedes. Eu vim passar dois dias em companhia do senador Maximdorf. Irei ao encontro dele, pronta para um bom mergulho na piscina! Dito isto, manobrou o Volks, estacionando-o no lugar indicado pelos guardas, saltou e começou a se despir. Num minuto, a exuberante anatomia da repórter estava à mostra, entalada num mínimo biquíni de lycra que mais parecia a lingerie de uma vedete de cinema francês. Seminua, com a câmara fotográfica pendurada ao pescoço, a bela correspondente do “Nova Manhã” caminhou garbosamente pela relva, seguindo os passos trôpegos do louro mais antipático, que se chamava Eduard. Enquanto isso, o mais simpático ficava ao lado do carro, cheirando gulosamente as roupas perfumadas da espetacular hóspede de seu Führer. A piscina da casa de campo era enorme, ladrilhada de verde, em forma de coração. Ficava nos fundos do prédio, cercada de árvores frondosas e mesinhas com guarda-sóis coloridos. — Fraulein Brigitte Bierrenbach! — anunciou o louro chamado Eduard. — Ela não faltou ao encontro, mein lieber Führer! Havia apenas um homem sentado na beira da piscina, que se levantou com dificuldade ao ouvir os gritos de seu original mordomo. Era um velho magro e seco, de monóculo, o bigode branco caído melancolicamente em volta dos beiços finos e exangues. Devia ter apenas sessenta anos de idade, mas parecia uma múmia. — Ia, bitter! — exclamou, com voz fraca e trêmula. — Como vai, Brigitte? Fez boa viagem? Sou o senador Theodor von Maxindorf, mas já fui o SS Kapitan Maximiliano Marx, ajudante de ordens do coronel Oetter! Tenho muito prazer em conhecer a filha de Giselle Montfort! Muito prazer, realmente! Brigitte estendeu-lhe galantemente a mãozinha branca. — O prazer é todomeu, senador. Como sabe, sou repórter do “Nova Manhã” e vim dos Estados Unidos especialmente para entrevistá-lo. Estou muito interessada na sua campanha nacionalista. A múmia sorriu mostrando uma impecável dentadura postiça e beijou-lhe as costas da mão. — Ia. Eu sei de tudo, meine lieber Fraulien. Não repare no meu nervosismo. Você é realmente, muito bonita... e muito parecida com sua mãe! Por um momento, tive a desagradável impressão de ver, outra vez, aquela traiçoeira serpente francesa, a quem devemos a morte de alguns dos mais nobres oficiais da SS, durante a ocupação da França! Ia, eu sei de tudo — repetiu, olhando gulosamente para as pernas de Brigitte. — Sei que o FBI destruiu a nossa agencia na Califórnia, que o gauleiter Heinrich Brunsk e o Hauptscharfüller Westmore foram assassinados... e também sei que o sargento Kildkind caiu pela janela do Airport Hotel, depois de ameaçado por você! Você julgava, Madchen, que eu acreditaria na mensagem de um simples blockleiter? Brigitte estava tão assombrada que, no primeiro momento, não encontrou o que dizer. CAPÍTULO TERCEIRO O complexo de Maximiliano Marx Passou-se um minuto de silêncio tenso, grave. Theodor von Maximdorf olhava para Brigitte com ar malicioso, estudando todas as suas reações fisionômicas. A linda repórter suspirou. — Devo entender, senador, que sou sua prisioneira? — Antes de mais nada, Madchen, entregue-nos a sua máquina fotográfica! Não permitimos retratos, na Taghaus! Fez um gesto ao louro chamado Eduard. Brigitte ainda tentou defender a câmara, mas o jovem nazista arrancou-a brutalmente de suas mãos e atirou-a ao chão, espatifando-a com o tacão da bota. — Minha Speedflash! — gemeu Brigitte. — Custou-me cento e cinqüenta dólares! — O orgulhoso tacão da bota germânica! — ganiu o senador Maximdorf. — É assim que resolvemos os nossos assuntos! Intimidada, Brigitte encolheu-se na cadeira, cruzando as mãos sobre as coxas nuas. O louro chamado Eduard recuou dois passos e ficou na expectativa. — Está com frio? — zombou a múmia, sorrindo para Brigitte. — Não, senador. Estou com curiosidade. Responda, por favor: Devo entender que sou sua prisioneira? — Jawohl! Você caiu na boca do lobo, Madchen! Exatamente como eu esperava. Os anões do meu disco- voador não foram tão felizes... — O senhor também sabe de tudo a respeito do que aconteceu no disco? — Naturalmente. Tudo foi planejado por mim. E você deve ter-se sentido muito humilhada, ao servir de pastos aos instintos de três feras verdes — Nem por isso, senador. Já estou habituada com essas coisas. E insisto na minha entrevista exclusiva! — Você não entendeu — tornou a múmia, impaciente. — Eu sei que você é agente do FBI, trabalhando de comum acordo com o inspetor Alan Pitzer! Tudo o que acontece no mundo, e que interessa à nossa organização, é radiografado diariamente para mim! Você é uma traidora, Brigitte Montfort Bierrenbach! — Traidora, por quê? Eu nunca pertenci ao partido Nazista! — Mas metade do seu sangue é alemão! Se não concordava com os nossos métodos, devia ter-se omitido! Em vez disso, você se aliou aos inimigos do Quarto Reich e procurou nos prejudicar de todas as formas, com suas reportagens no “Nova Manhã”! Você já foi condenada à morte, Brigitte, e só eu evitei que a sentença fosse cumprida! Você nos atrapalhou, lançando dúvidas sobre a origem dos discos, quando nós precisávamos que os americanos pensassem que os UFOS eram fabricados pela União Soviética! Ainda não entendeu? Nosso intuito é intrigar as democracias, propiciando a guerra atômica! — Idéia de malucos. A guerra nunca beneficia a ninguém, senão aos urubus. — Engana-se! — O velho animou-se e passou a falar como se estivesse fazendo um discurso: — Hoje, com a prosperidade das democracias. o Nacional-Socialismo não tem a mesma força de antigamente. Hoje, não procuramos mais formar um grande movimento político, como no tempo de meu saudoso padrinho Adolf Hitler; criamos pequenos grupos, elites táticas que possam vir a constituir os quadros dirigentes de um futuro movimento mundial quando cessar a prosperidade das democracias e uma nova crise mergulhar os povos no desespero. Nosso movimento nacionalista não é apenas alemão; temos o apoio de parte da Europa Ocidental e dos países árabes. São grupos isolados, difíceis de serem liquidados pelos reacionários de Washington e Moscou! Mas a maior organização, e a que apresenta mais disciplina e ação tática, é a minha! O Nacional-Socialismo está ressurgindo gloriosamente. Uma pausa. — Foi o senhor quem teve a idéia dos discos? — inquiriu Brigitte, com voz trêmula. O velho estava arfando, cansado de falar tanto. Um garçom veio correndo do palacete, com uma bandeja nas mãos. — Quer beber laranjada? — perguntou o senador Maximdorf, encarando Brigitte com seus olhos aguados. A morena fez uma careta. — Não, obrigada. Aceitaria uma taça de champanha. — Não quero que se beba álcool perto da piscina — resmungou o velho. — Aqui só se bebem refrigerantes! O garçom serviu-lhe um copo de laranjada, que ele bebeu de um só fôlego. Imediatamente, o garçom deu meia-volta e desapareceu. — Foi o senhor quem teve a idéia dos discos? — repetiu Brigitte. — Ia — respondeu o senador, com orgulho. — Mas não fui eu quem os fabricou. Eu apenas planejo as operações, não as executo. Tenho um grande engenheiro trabalhando para mim, em nossa base secreta da Baviera. O pequeno motor do foguete que soltamos na Califórnia, e que foi destruído a caminho da Alemanha, já não nos servia para nada. Atualmente, temos um novo modelo, mais aperfeiçoado. É a arma secreta que usarei contra a Tcheco-Eslováquia! Mas você não saberá do que se trata. Não sou tão doido a ponto de lhe revelar os nossos planos. Embora você já esteja morta... Brigitte estremeceu. — Já estou morta? — Teoricamente falando. Você foi condenada à morte pelo Alto Comando da Organização e só não morreu devido à minha interferência pessoal. Mas não viverá senão mais uma noite. Será a nossa noite de amor. Pálida e confusa, a linda repórter pestanejou. — Não entendo, senador! O senhor quer se casar comigo? Ele deu uma casquinada. — Quase que você acertava, diabinha! Mas não é bem isso. Eu quero me vingar de sua falecida mãe! — Continuo sem entender. — Giselle Montfort — disse a múmia, com voz repassada de ódio — ousou ridicularizar-me, em Paris, durante a ocupação! Giselle foi gentil para todos os oficiais nazistas, menos para mim! Todos dormiram com ela, menos Maximiliano Marx! Eu a desejava, Brigitte... eu a desejava com todas as forças de meus impulsos... e ela sempre me repeliu! No próprio carro em que a levei presa, para ser fuzilada, ela recusou ser inteiramente minha! — E ficou frustrado para o resto da vida... — Ia, fiquei frustrado! Mas, agora, sei como me vingar daquela víbora! Já que não conquistei a mãe, conquistarei a filha! Entendeu, agora? Você será minha esta noite, Madchen! E, depois que eu a possuir... e você delirar entre os meus braços... será morta com um tiro na nuca! Depois que eu a possuir, Brigitte Montfort, ficarei desafogado e poderei dormir em paz! Resta saber se você concorda com isso. — Se eu concordo? — geriu Brigitte. — Claro que não! Sob hipótese alguma farei carinhos numa múmia! — Nesse caso — retrucou o senador, sem, se alterar — você morrerá agora, abatida como um cão danado, e eu possuirei seu cadáver! Está pronto para a execução, mein Obersturmführer? Esta última pergunta foi dirigida ao touro Eduard. Ele tirou a pistola Luger do coldre e girou nos tacões. — Ia, mein Führer! Suas ordens serão cumpridas! — Um minuto! — gritou Brigitte, encolhendo-se na cadeira. — Se não há outro remédio, eu concordo! Vou-lhe tirar o complexo, senador. Mas, por que devo morrer, depoisde fazê-lo feliz? — É o sistema — disse o velho, suspirando. — Só trabalhamos obedecendo a um sistema tecnológico. A piedade está fora da nossa política. Você morrerá, depois de nossa noite de núpcias! A menos que eu goste tanto que resolva repetir a dose... — Certo — suspirou Brigitte. — Serei a sua nova Scherazade. Estou pronta para o sacrifício, que me dará mais algumas horas de vida. O senador fez um gesto e o louro Eduard voltou a enfiar a pistola no coldre. Nesse momento, ouviram-se vozes, entre as árvores, e entraram em cena mais dois personagens. Uma mulher gorda, vestida de branco, e um homem de meia- idade, de cabelos grisalhos cortados à escovinha. fardado de preto. — Herr Oberscharführer Heinrich Tofferwest! — anunciou Eduard. — Frau Anne Pfifer! Está na hora da pílula, me,» Führer. A mulher gorda tinha uns olhos negros e perversos, que se fixaram em Brigitte com ar de desafio. Sem dizer uma palavra, ela acercou-se do velho, abriu-lhe a boca e meteu- lhe uma cápsula na garganta. O senador engoliu a droga sem mastigar. Entretanto, o homem da farda preta parava em frente a Brigitte e encarava-a com seus olhos azuis e frios. — Fraulein Brigitte Montfort? Eu tinha curiosidade em conhecer a mulher que destruiu a nossa sede na Califórnia. Estamos muito satisfeitos por ver que você veio ao nosso encontro. Eu próprio quero ter a alegria de lhe dar um tiro na cara! — Depois — esganiçou o senador. — Acabei de revelar à minha hóspede o que espero dela. E ela está disposta a cooperar. — Ela tem que morrer, mein Führer! — Depois. Não antes de ser minha! Isto é uma ordem! — Amanhã iremos para o Baustab Paradie — lembrou o secretário. — Não convém que esta repórter atrevida esteja vive até amanhã. Ela não pode conhecer os nossos planos, na “Operação Fronteira”! É um risco muito grande. E, desta vez, temos que provocar a guerra entre o Leste e o Oeste! Nosso Partido só tomará conta do mundo depois que eclodir a guerra atômica! Deixe-me matar a víbora, mein Führer! — Logo mais — teimou o velhote. — Depois que eu satisfizer a minha sede de vingança, ela será sua, Heinrich. O secretário curvou respeitosamente a cabeça. — Certo — rosnou entredentes. — Sou um soldado, mein Führer, e não discuto as ordens do Alto Comando! Assistirei ao desagradável episódio, por trás da porta. Mas não demore muito, pois minha paciência já se esgotou! Brigitte estava assombrada. Aqueles homens discutiam a sua morte com uma frieza de canibais! Mas não podia se rebelar. Qualquer gesto suspeito podia significar um fuzilamento sumário. Via-se que o ex-Oberscharlührer Heydrich Wertstoffer estava ansioso por lhe dar um tiro na cara. Quanto à enfermeira, a gorda Anne Pfifer, não parecia mais humana do que seus companheiros de partido. — Brigitte — rosnou ela, encarando a garota com seus olhos de cobra — você é uma desavergonhada! Agradeça a Herr Führer o fato de ainda estar viva! E seja boazinha para ele, se quiser continuar a viver! Por mim, você já estaria enterrada! Tenho um remédio muito bom para matar ratas do seu tipo... e, se me deixassem agir, você morreria lentamente, numa terrível agonia, sofrendo os horrores do inferno! Conheço todos os métodos científicos que o doutor Mengele usou em Auschwitz... e garanto-lhe que são maravilhosos! Eu só queria que me deixassem agir! — Nem — esganiçou o senador. — Continue envenenando os seus ratos, querida Anne, e deixe os seres humanos para os nossos carrascos. É preciso haver disciplina e hierarquia! E agora — concluiu ele, lambendo os beiços — quero que a minha hóspede nade um pouco, na piscina, enquanto eu a contemplarei aqui de cima. Vendo-se alvo de tantos olhares perversos, Brigitte sorriu timidamente e pôs-se de pé, espreguiçando-se como uma gata. Seu maravilhoso corpo róseo ordenou, mal defendido pelo maiô de duas peças. Ela era bela como Frinéia. — Cadela! — rugiu a enfermeira Anne Pfifer. — Exibicionista! É magra como um bacalhau! — Mein Gott! — exclamou o secretário, arregalando os olhos. Ela é... é um monumento! Nunca vi um par de nádegas tão perfeitas! É por isso, então, que Herr Führer... — Nem — grunhiu o velhote, irritado. — Não me interesso pelas fêmeas, quando se trata do Partido! Quero apenas me vingar da mãe dessa serpente! O secretário engoliu em seco. Sorrindo maliciosamente, cônscia do seu charme, Brigitte estufou os seios e deu uma corridinha pela relva, até o trampolim da piscina. Os olhos vidrados de Heinrich Tofferwerst acompanharam-na, enquanto a baba escorria pelo seu queixo quadrado. — Divina! Maravilhosa! Gewiss! Selbstverstandleich! — Mas será fuzilada — rosnou o senador, pondo-se de pé com dificuldade. — Será fuzilada! — Ia, mein Führer! Eu próprio me encarregarei disso! Nesse momento, Brigitte mergulhou, abrindo os braços como um anjo. E teve a agradável surpresa de constatar que a água da piscina era morna e perfumada. — Herr Führer não vai? — perguntou a enfermeira, amparando a múmia. — É muito divertido, dentro da água.... — Nein — lastimou-se o senador, entalando monóculo no olho. — Meu coração não agüenta mais essas coisas! Pergunto a mim mesmo se não terei um colapso, esta noite, quando recebei essa Madchen entre os braços! Meu coração já não é o mesmo de quando eu tinha apenas cinqüenta anos! — Oh, não! — gemeu a gorda horrorizada. — Seu coração ainda é muito jovem, mein Führer! Não diga isso nem brincando! Entretanto, o secretário do senador coçava-se todo, lutando contra a tentação de despir o uniforme e também cair dentro d’água. — Nein — rosnou o velho, encarando-o severamente. — Ninguém tomará banho com ela, antes de mim! Contenha o seu furor, Heinrich! Primeiro eu! O secretário respirou fundo e bateu os calcanhares. E os três nazistas ficaram olhando, embevecidamente, para o corpo de Brigitte, que aflorava às águas verdes, como o corpo de uma ninfa. Depois o ex-Oberscharführer Werstoffer soltou um gemido e foi-se embora correndo. O jantar foi servido às oito horas, na sala de refeições do bangalô, decorada com bandeiras e retratos de líderes nazistas da década de 30. Acima de todos, via-se o retrato de Adolf Hitler, em uniforme pardo, com o braço levantado e a língua de fora; era um instantâneo tomado durante os Jogos Olímpicos de 1936. Brigitte sentou-se à direita de Herr Führer, tendo o secretário do velho à sua direita. Por duas vezes, a perna de Heinrich Tofferwest roçou na dela, mas a garota repeliu a insinuação. O velho senador comia pacatamente as suas verduras cozidas, pois era vegetariano. E a enfermeira Anne Pfifer não tirava os olhos, negros e cruéis, de cima do rosto da bela repórter; parecia que também queria comê-la. Às dez horas, acabou a refeição e o senador deu ordens para que preparassem a sua sessão de cinema em casa. Passaram para a sala de exibições. O secretário encarregou- se do projetor de 16 mm. Eram todos filmes antigos (alguns de Carlitos) e desenhos animados de Walt Disney. O senador batia palmas como uma criança. E Brigitte estudava angustiadamente um meio de fugir dali. Mas sabia que isso não era possível. Até as paredes do bangalô pareciam ter olhos. E ela não se admiraria muito se houvesse guardas enrolados nas cortinas da sala... Por fim, chegou a hora de recolher, O senador bateu palmas e as luzes da sala de cinema se acenderam. — Vamos para a cama anunciou ele, batendo levemente nas costas da mão de Brigitte. — Venha, minha doce noivinha. Você tem-se portado muito bem. Gostou das comédias do Carlitos? — Muito. Ele se parece com Hitler. A gente morre de rir. O velhote fechou a cara e não fez mais comentários. — Eu também ficarei de vigília ao quarto — declarou a enfermeira Anne Pfifer, ajudando o patrão a levantar-se. — Mein lieber Führer pode precisar de alguma coisa. Devo colocar uma garrafa de “MuskaVoda” na mesinha de cabeceira? — Ia — disse o velhote, feliz. — Conhece a “Muska Voda”, Brigitte? É uma água maravilhosa de Kladany, na Iugoslávia. Ela nos dá um vigor físico excepcional! Esta noite, vou precisar muito de “Muska Voda”! O vinho que bebi ao jantar está apenas me queimando o estômago. Passaram para o dormitório, na frente do palacete. A alcova cheirava a perfume francês, Brigitte suspirou, imaginando o trabalho que teria, para levantar o moral de seu velho anfitrião mas não lhe restava outra saída. Tal como Scherazade, a heroína das “Mil e Uma Noites”, tinha que distrair o sultão, para não morrer antes do tempo. Quando ficaram a sós no quarto, a repórter olhou para todos os lados, em busca de alguma coisa que servisse de arma. Estava disposta a matar o Führer, antes de ser morta pelo seu secretário. Mas, isso, ficaria para depois... Despiram-se e foram para a cama. Os lençóis estavam frios. E o corpo do senador, mais ainda. — Madchen — suspirou ele, abraçando a repórter — você é igualzinha à sua mãe! Bela e apetitosa como Giselle Montfort! Por que sua mãe não quis nada comigo? Agora, aqui está você, à minha mercê, e eu... eu... — E o senhor? — fez Brigitte, impaciente. — Eu... eu já não tenho o mesmo coração de antigamente! Brigitte compreendeu tudo. E regozijou-se com isso. Se ela só seria morta depois da sua noite nupcial, talvez não a fuzilassem naquela noite. O senador Theodor Maximdorf não estava em condições de fazer o papel de noivo. — Então? — tornou a garota, nervosa, enquanto o velhote se lastimava, babando-lhe o pescoço. — Estou com sono, senador! Não será melhor que me deixe dormir? — Desculpe — choramingou a múmia, caindo para um lado. — Não depende de mim, entende? Essa “Muska Voda” deve ser falsificada! — Entendo — disse a garota, afagando-lhe o rosto repulsivo. — Deite a cabeça no meu colo e durma, mein Lieb. Amanhã é outro dia. E eu sei que nós ainda seremos muito felizes! Você me agrada, Theodor! — Deveras? — murmurou o velho, encantado. — Deveras. Agora, durma em paz. Eu cantarei uma canção de ninar. Esta é a noite do meu bem. E amanhã, será outro dia. Cinco minutos depois, Herr Führer estava dormindo profundamente, com um sorriso seráfico nos lábios finos e exangues. E Brigitte amaldiçoava a sua má sorte. Sabia que o secretário estava atento, no quarto contíguo, e não lhe daria tempo de escapar por uma janela. Súbito, a porta da alcova se abriu e surgiu o feroz secretário. Usava um pijama azul e trazia a pistola na mão. — Afinal! — rugiu ele, rilhando os dentes. — Agora, é a minha vez! Brigitte ergueu a mãozinha, retirando-a de sob as cobertas. — Ainda não, companheiro! Não grite, para não acordar o seu Führer! Ele ainda não cumpriu o seu dever. — Nein? — murmurou o secretário, perplexo. — Nein. Herr Führer não está bem disposto esta noite. Deve ter sido o vinho. Tentaremos, outra vez, amanhã. Incomodado com o ruído das vozes, o senador Maximdorf acordou e sentou-se na cama, piscando os olhos sonolentos. Depois, ao ver o secretário com a pistola na mão, deu um berro: — Fora daqui! Eu não pedi cooperação! Ela só será sacrificada depois que eu me vingar! Isto é uma ordem! Heinrich bateu os calcanhares mas não saiu. Sua voz tomou-se doce e persuasiva: — Mein Führer... Talvez fosse melhor o senhor me deixar tomar o seu lugar... Estou sempre pronto para me sacrificar pelo meu amado Führer! — Ia — murmurou o velhote, suspirando. — uma boa idéia! Tome o meu lugar, valente Heiririch, e faça essa mulher sofrer! Apunhale-a, martirize-a, esfrangalhe-a, para que ela conheça o vigor da nobre raça ariana! — Nein! — gritou Brigitte, enrolando-se nas cobertas. — Não quero trair o meu Führer! Se eu tiver que ser imolada no amor, só o serei pelo senador Maximiliano Marx! Só ao meu bom velhinho eu darei essa honra! Perplexo, o senador viu-se nos braços quentes e macios da bela repórter. Aquilo aqueceu-lhe o coração, embora não bastasse para aquecer-lhe o resto do corpo. — Ia — rosnou, encantado. — Ela se apaixonou por mim! Ela me ama! E não será de mais ninguém senão minha! Ou minha ou de mais ninguém! — empertigou-se e estendeu o braço magro e pelancudo: — Fora daqui, Heinrich! Eu lhe direi quando chegar a sua vez! Deixe os amantes dormirem em paz! O secretário fez uma careta, mas meteu a pistola no bolso, bateu os calcanhares e foi-se embora. Quando a porta se fechou, Brigitte inclinou-se para o velho trêmulo e beijou- o nos lábios. — Obrigada, querido! Eu só serei sua ou de mais ninguém! Vamos tentar outra vez? E passaram o resto da noite contando piadas e rindo como duas crianças. CAPÍTULO QUARTO Brigitte conquista a confiança do Führer Na manhã seguinte, Brigitte foi a primeira a acordar. Levantou-se, pé ante pé, e foi espiar por uma fresta da porta. O secretário Heinrich Tofferwest estava sentado numa poltrona, junto da saída para o corredor, e a enfermeira Anne Pfifer dormia a sono solto, estendida num divã. Na cama, o senador Maximdorf suspirou. — Guten Morgen — murmurou a múmia, bocejando. — Creio que não fui muito brilhante, a noite passada... — Você foi maravilhoso, Theodor! Já não sou sua inimiga! Se eu soubesse que você era tão carinhoso, não teria causado tantos dissabores à organização! O velho olhou para ela de soslaio. — Acredito. Você demonstrou muita firmeza de ânimo, negando-se a atender às solicitações de um garboso rapaz como Heinrích. Sou o novo Führer, Brigitte. Talvez você esteja fascinada pela minha forte personalidade. Mas prefiro que não me chame de Theodor. Brigitte agarrou-lhe na mão magra e trêmula. — Deve ser isso, querido. Perto de você eu me sinto tão... tão pequenina! Sua capacidade de planejamento é fenomenal! Só agora compreendo toda a magnitude da “Operação Califórnia”. A intriga, em política, é a arma dos esportes. E, se você conseguir intrigar os russos com os americanos, terá andado meio caminho para a conquista do mundo! Fale-me de seus planos, mein Führer. Ele a encarou, cada vez mais desconfiado. — Nem! Você ainda não prestou juramento. E acredito que não prestará nunca. Você não me engana, Brigitte Montfort! Sua fascinação por mim não é suficiente para torná-la uma fiel seguidora do Nacional-Socialismo! Você está querendo me ludibriar! — Não confia na sua pequenina Madchen? — Nein! Conheço as mulheres. Sua mãe foi uma espiã da Resistência e você não deve ser melhor do que ela! Metade de seu sangue é francês. — Estou nas suas mãos, mein Führer. E não tenho possibilidades de me comunicar com os inimigos do Quarto Reich. Mesmo que eu fosse amiga do inspetor Pitzer... — Você é uma agente dos americanos — rosnou o Führer. — Sabemos de tudo! Você é culpada de nosso fracasso na Califórnia! — Vejo que você não confia em mim — queixou-se a encantadora morena, fazendo beicinho. — Mesmo agora, quando lhe ofereço o meu amor e a minha submissão, você duvida de mim! Então, por que não me mata de uma vez? Por que não sacia, nos meus seios, a sua sede de sangue? Por que não me fere diretamente aqui, no coração? E mostrava-lhe o seio esquerdo, alvo e empinado, com o bico intumescido. — Nem! Não vou matá-la antes de possuí-la. Mas não lhe direi nada sobre a invasão da Tcheco-Eslováquia! Nossa próxima operação é definitiva! Não pode falhar! E eu ainda não sei se você, esperta como é, não arranjará um jeito de se comunicar com seus amigos do FBI. — Como? Haverá algum feito? Eu não vejo nenhum... — Nem eu. Você é minha prisioneira e morrerá logo que eu conseguir os meus intentos. Você não tem chance de me trair outra vez. A menos que tenha algum emissor de rádio escondido em alguma parte do corpo... — Pode me revistar — disse Brigitte, com voz magoada, atirando longe as cobertas. — Estou inteiramente nua. Pode procurar o emissor.O que eu não admito é que você duvide sempre de mim! O Führer fez um gesto e desviou os olhos do corpo desnudo da bela repórter. — Nem! Você não tem emissores secretos. Você tem apenas veneno, nesse seu corpo pecaminoso! Veneno, é que você tem! — Então, fale — volveu Brigitte, com voz persuasiva. — Eu sei que você tem orgulho das suas maquinações. Que vamos fazer, hoje, no Baustab Paradies? O velho estremeceu. — Quem lhe falou do nosso campo de provas? — Seu secretário. Heinrich disse que iríamos, hoje, ao campo. — Nem! — rosnou o Führer, arrepiado. — Você não vai! — Não quer me levar em sua companhia? Vai me deixar aqui, à mercê desses seus subordinados? Eles me agarrarão à força, logo que você virar as costas! E, logo mais, à noite, você não me terá em seus braços, para tentarmos outra vez... — Frau Pfifer também não irá a Zwiesel. Você ficará na Taghaus, em companhia de minha enfermeira. Confio inteiramente em frau Pfifer. — O campo de provas fica em Zwiesel? É uma cidadezinha próxima da fronteira da Tcheco-Eslováquia, não é? — Ia. Mas você não irá comigo! Passarei em Zwiesel os três dias que faltam para a operação e não quero... — Três noites sem a sua Sherazade? — queixou-se Brigitte, fazendo-lhe um afago na face enrugada. — Vou morrer de frio, sem a sua companhia! Somos tão felizes juntos! E acredito que, esta noite, você possa se reabilitar! Esta noite você se vingará do desprezo que minha mãe lhe deu! — Esta noite — grunhiu o velho, teimoso — estarei em Zwiesel! — E eu com você. — Sozinho! — Eu com você. A gatinha com o seu cachorrinho... — Não insista, mulher diabólica! Você não irá! Vou recomendar a frau Pfifer para que tome conta de você e não deixe nenhum dos rapazes se fazer de saliente. Depois da operação com o novo disco-voador, veremos qual será o seu destino. Confesso que, agora, que nos conhecemos melhor, já não tenho tanta vontade de lhe dar um tiro. Mas o sistema me obriga a ser duro. Se não fosse o sistema, nenhum judeu teria sido exterminado, em 1940. Uma traidora tem que ser fuzilada, ainda que seja uma garota bonita e carinhosa. — Você vai invadir a Tcheco-Eslováquia? — perguntou Brigitte, arregalando os lindos olhos azuis. — Eu não disse isso! — É uma loucura, mein Führer! Você e seus companheiros não teriam a mínima chance! Os guardas da fronteira acabarão com vocês todos! — Somos vento e vinte, com os operários do Baustab Paradies. Mas não é o que você pensa. Não seja tola. É claro que não vamos combatei o exército tcheco. Meu plano é mais sutil. Inspirado em meu padrinho Adolf Hitler, eu... — Não quero saber de seu plano — replicou Brigitte, fazendo um muxoxo. — Você me ofendeu, duvidando da minha lealdade! Não quero mais saber de porcaria nenhuma! Duvido que consigam intrigar a União Soviética com os Estados Unidos, ou a Alemanha Ocidental, invadindo a Tcheco-Eslováquia com seus discos-voadores! Duvido! — Na “Operação Fronteira” — volveu o velho, irritado — vamos intrigar a OTAN com o Pacto de Varsóvia! Você não entende de estratégia, menina! Não lhe disse que era uma operação de alta envergadura? E a idéia foi minha, inteiramente minha! Assim como também foi minha a idéia do disco na Califórnia! — Você foi brilhante, capitão Maximiliano Marx! — Prefiro que me chame de Herr Führer! O capitão Marx morreu e foi enterrado em Paris! Eu gostaria que você visse o novo foguete, criado pelo professor Wolfang Arnau! Nenhum caça a jato poderá interceptá-lo! É tão ligeiro que, se os guardas da fronteira o virem, pensarão que estão sonhando! Mas tudo se tornará realidade, quando eles forem atacados pelos falsos soldados norte-americanos! — Ah! — exclamou Brigitte, mordendo o lábio. — Então, é isso? O senador Maximdorf estava tão entusiasmado consigo mesmo que não refletia sobre o valor de suas revelações: — É isso, Madchen! Mas você não poderá passar adiante a informação. Você não irá ao Baustab Paradies e não verá o novo disco, que servirá de veículo para o meu Himmelpahrstkommando! — Esquadrão-suicida? — murmurou Brigitte, alarmada. — Jawol! Ainda não compreendeu? — Sou muito burra, mein Führer. — O que você tem de bonita tem de “tapada”! Está claro como água! Cinco dos meus homens, vestidos com fardas norte-americanas e com insígnias da OTAN, descerão de pára-quedas sobre os postos da fronteira tcheca e colocarão cargas de TNT numa casamata. Entretanto, o disco regressará à base. É claro que nossos heróicos companheiros serão rechaçados e dizimados pelas tropas tchecas, mas seus cadáveres provarão a perfídia dos norte-americanos, invadindo o território sob domínio soviético. Isso provocará reação das tropas dos países socialistas... e eis o estopim da guerra! A Baviera será invadida pelos tchecos e a Alemanha Ocidental tomará uma desforra sangrenta da Alemanha Oriental. E a União Soviética bombardeará os Estados Unidos, com seus mísseis teleguiados! E os Estados Unidos revidarão, pulverizando os comunistas de Moscou! Não é uma bela perspectiva? Brigitte ouvia tudo com os olhos arregalados pelo assombro. Engoliu cm seco e perguntou, com voz fraca. — Seus cinco “comandos” já estão sendo treinados no Baustab Paradies? — Iá. Já estão prontos para a ação. Mas o Dia D será a próxima quinta-feira, à meia-noite. Com qualquer tempo e a todo o risco! — Vocês têm predileção pela meia-noite. Parecem lobisomens. — É o sistema, menina — o velho nazista recostou-se na cabeceira da cama, sorrindo orgulhosamente.. — Tem que haver organização rígida nos nossos golpes. Nada é feito ao azar; tudo obedece a um esquema inflexível. As ações marcadas para a meia-noite têm que ser executadas à meia- noite! Tudo quanto planejamos, em nosso QG, obedece a uma ordem matemática. Só a disciplina nos levará ao sucesso! Alertada pelo seu sexto sentido, Brigitte saltou da cama, vestiu um peignoir e foi abrir, repentinamente, a porta do quarto. Frau Anne Pfifer estava no umbral, com uma bandeja nas mãos. Seus olhos negros e cruéis piscaram de surpresa. — Oh, é a senhora? — fez a repórter. — Entre. Por que escuta atrás das portas? Essa não é uma ação muito correta, mesmo para uma nazista... — Eu não estava escutando — protestou a enfermeira, ruborizada. — Estava chegando neste momento, para trazer a gemada de Herr Führer. E acho que ele não devia lhe dar tanta confiança! Eu tomarei conta de você, Madchen! Quando formos para o Baustab, você não sairá de perto, de mim! — Nein — rosnou o senador Maximdorf. — Vocês não irão para Zwiegel! Não posso me arriscar e levar mulheres comigo! — Eu irei — teimou a enfermeira. — Não posso deixar de cuidar da saúde de meu Führer! O senhor ainda está muito fraco e tem que tomar as suas vitaminas nas horas certas. Eu irei e levarei esta cadelinha debaixo de chicote! O velho resmungou qualquer coisa, mas obedeceu, pondo-se a chupar ruidosamente a gemada. Enquanto isso, a feroz enfermeira encarava Brigitte quase lhe cuspindo no rosto: — Você, sua atrevida, venha fazer o desjejum na sala! Não sou sua criada! E prepare-se para sofrer nas minhas mãos, quando formos para o Baustab! Você apenas surpreenderá os segredos que eu permitir que você surpreenda! E será castigada se fizer perguntas demais! Apesar do tom agressivo da voz da gorda enfermeira, Brigitte ficou de pé atrás. Por que frau Pfifer facilitava a sua ida ao campo de treinamento, onde ficava a base secreta dos novos discos-voadores da Organização? Ali havia um mistério qualquer! Não houve tempo para outras conjecturas; ouviram-se passos pesados e o ex-Oberscharfuhrer Heydrich Werstoffer apareceu na abertura da porta. — Heil, Fuhrer! — Heil! — respondeu o senador, acabando de comer a gemada. — Was ist geschechen? O secretário estava muito nervoso. — Schnell! Venha à sala de rádio, mein Führer! FritzWonegger estava radiografando, da América, quando emitiu um sinal de alarma. Depois, tudo ficou em silêncio. Nossos operadores continuaram na escuta. E, agora, Fritz voltou a transmitir, pedindo informações sobre a “Operação Fronteira”. Queremos que o senhor identifique o “sinal” do gerente do hotel. — Malditos! — rugiu o senador, saltando da cama, nu como uma múmia desenrolada. — Eles o apanharam! O FBI deve tê-lo descoberto e, agora, o obrigou a continuar as transmissões! Tal como Brigitte fez com o sargento Kildkind! — Que devemos fazer, mein Führer? Cabe-lhe a decisão. O velho já estava se vestindo apressadamente. Desliguem o receptor! Destruam todo o equipamento! Vamos abandonar a Taghaus! O FBI já conhece a nossa freqüência e poderá alertar as autoridades da Alemanha Ocidental! Acabou de se vestir, entalou o monóculo no olho e, sem olhar para Brigitte, saiu apressadamente. A enfermeira correu atrás dele, para ampará-lo, deixando a bandeja em cima da mesa. Antes de sair também, o secretário ainda se voltou para Brigitte com ódio na voz: — Você não perde por esperar, Madchen! A sentença de morte será cumprida a qualquer momento, queira ou não queira Herr Führer! Na próxima reunião do Alto-Comando, eu exigirei ação imediata, contra você! E saiu, pisando forte. A jovem repórter suspirou e também se vestiu, lentamente, refletindo sobre a sua triste situação. Estava completamente isolada de seus contatos do FBI e da CIA e não tinha meios de se comunicar, sequer, com o major Günther ou o falso padre, Aaron Kristallmaker. Dali em diante, teria que agir com muito tato, se quisesse destruir o QG da Organização, apanhar o líder do movimento neonazista e descobrir o segredo de fabricação dos discos- voadores. Se o senador Maximdorf conseguisse êxito, naquela noite, em sua alcova do Baustab Paradies, ela estaria perdida! Repetia-se com ela o drama de sua falecida mãe, em relação ao capitão Marx. A sina das Montfort era sofrer as perseguições dos nazistas despeitados... Meia hora depois, já alimentada, a linda repórter preparava-se para dar uma volta pela casa de campo, sob a vigilância do rapaz alto e louro chamado Eduard, quando foi apanhada por outro rapaz alto e louro chamado Adilo, e levada, aos empurrões, para a sala de despachos do bangalô. Encontrou o senador Maximdorf, vestido a passeio, sentado na cabeceira de uma mesa comprida, tendo o secretário de um lado e um velho sardo do outro. — Sente-se, senhorita Montfort — disse, gentilmente, o homem gordo. — Sou o Reichftdirer Hermann Reuterintof, chefe nacional do Partido na Alemanha. Herr Führer falou- me a seu respeito e na diferença que há entre os dois. Como se trata de uma ligação de ódio, e não de amor, respeitamos os sentimentos de nosso guia espiritual. Até nova ordem do Alto Comando, que se reunirá amanhã no Baustab a senhorita está livre. Mas isso não lhe permite continuar a criar dificuldades à nossa Organização! Herr Führer intercedeu pela senhorita, mas seus sentimentos caritativos se chocam contra os interesses do Partido. Queremos que nos diga qual a sua participação no “caso Kristallmaker”! Brigitte pestanejou. Como é que eles sabiam de suas ligações com o agente da Shin-Beth? — Desculpe, mein Reichführer. Não entendi bem. — Entendeu perfeitamente — volveu o Buda sorridente. — A senhorita acaba de ser acusada, pelo secretário de Herr Führer, de introduzir um espião judeu na nossa subsede de Deggendorf! — Deve haver algum engano, excelência! Não introduzi ninguém na casa de campo! Vim, sozinha, de Munique, num carro alugado! Juro que não tenho nada a ver com esse “caso Kristallmaker”! Foi a vez do senador Maximdorf erguer a voz esganiçada: — Acredito nela, companheiros. Brigitte não deve ter ligações com os judeus. O espião que apanhamos esta manhã escondido na casa de campo, deve ter entrado aqui por outros meios. Eu decido pela inocência da Madchen! — O Führer tem sempre razão — rosnou Heinrich Tofferwerst. — Mas, neste caso, o espião veio no carro preto da acusada! Examinamos o Volks e encontramos um esconderijo, sob o banco dianteiro, onde um homem podia caber muito bem. Insisto em que o espião viajou no carro de Brigitte, com o seu consentimento! Creio que isto basta para que ela seja fuzilada, sem mais delongas! E peço permissão aos companheiros para executar pessoalmente a sentença nos fundos da Taghaus! O Buda ergueu um braço. — Um momento, companheiro secretário! Vamos acarear os dois prisioneiros. Até agora, o espião judeu não envolveu senhorita Montfort no complô. Vejamos se é possível confundi-lo. Façam entrar o agente da Shin-Beth! Na mesma hora, apareceram dois rapazes altos e louros, carregando o falso padre católico. Aaron Kristallmaker usava apenas uma malha preta em vez de batina e tinha um coldre vazio na cintura. — Ele foi apanhado antes de fotografar nossas instalações — disse o Reichführer Reuterintof. — Olhe para este “boneco”, senhorita Montfort, e diga-nos se o reconhece. A senhorita não teria se encontrado com ele, por acaso, no Oktober Hotel da Arnulfstrass? — Nunca vi esse individuo, excelência. E, se ele viajou escondido no meu carro, juro por Deus que foi sem que eu soubesse! — Também jura por Deus que nunca o viu? — insistiu o gordo, como voz menos delicada. Antes que ela respondesse, o agente secreto israelita avançou para a mesa a encarou Heinrich Tofferwerst com expressão de ódio, gritando-lhe na cara: — Monstro! É você mesmo, Heydrich Wetstoffer! Tenho seu retrato na memória! Eu o encontrei, carniceiro de Auschwiti! Agora, podem me matar, porque outro “torpedo” do Chech-Beth completará a minha missão! Você ainda será julgado em Israel! O secretário, muito pálido olhou para os seus companheiros de mesa. — O acusado sofre das faculdades mentais — decidiu o Reichführer Reuterintof. — Suas ameaças não intimidam o nosso digno secretário. Levem-no para o porão da Taghaus e façam-no falar. Se ele foi ajudado por Brigitte Montfort, acabará confessando tudo, depois de torturado. Por enquanto, ofereço a senhorita Montfort o benefício da dúvida. Está suspensa a sessão! Brigitte foi retirada, por uma porta e o padre Aaron Kristallmaker foi empurrado por outro. Quando se viu ao ar livre, a repórter respirou fundo, desafogada. Ao seu lado, o louro Eduard sorria. — Você escapou de boa, fraulein! Herr Reichführer não costuma ter muitas contemplações pelos traidores... Mas ele também deve ter-se interessado pelas suas pernas... Reze para que Herr Führer continue fracassando nos seus trans- postes amorosos. Logo que ele funcionar, você deixará de viver! * * * Depois do almoço, foi formada uma caravana de automóvel, que devia se dirigir, pela estrada de rodagem que atravessara o Einedriege, para. a cidade de Zwiesel. Brigitte e Anne Pfifer viajaram juntas, no mesmo Mercedez Benz, sob a vigilância de dois nazistas armados. Nenhum dos viajantes usava fardas, mas todos tinham pistolas debaixo dos paletós. Atravessaram o Einedriege e penetraram na floresta da Baviera, cercados por pinheiros, abetos e faias. O frio fazia as árvores tremerem. Outra estrada secundária levou a caravana até uma cerca de arame farpado, onde havia um portão guardado por dois policiais. Uma pequena plaqueta anunciava: SS BAUSTAB PARADIES Centro de Assistência e Caridade. Brigitte perguntou à enfermeira se a SS de Himmler voltara a funcionar na Baviera. Se assim fosse o governo de Bonn estaria muito comprometido. — Nein — respondeu a gorda. — SS quer dizer “Serviços Sociais”. Foi outra idéia de Herr Führer. Ele é um velhinho muito engenhoso. — Você gosta dele, não é verdade? — perguntou Brigitte, em voz baixa. — Talvez... Ia, talvez eu goste dele, de outra maneira. Talvez eu não o ame, apenas, como guia espiritual do povo alemão. HerrFührer tem a vida nas minhas mãos. E ele sabe disso. Os carros atravessaram a porteira e internaram-se num campo sem árvores, cheio de falsos agricultores, que andavam de um lado para o outro, carregando ferramentas mecânicas. Pouco depois, surgiu uma enorme casa de cimento, de dois andares, com a bandeira alemã no telhado. Sobre a porta principal, pendia um letreiro, também em caracteres góticos: WIR LIEBEN UNSEREN FÜHRER (Nós amamos nosso Führer) Brigitte e Anne Pfifer saltaram do carro, ladeadas pelos dois jovens louros. Um dos rapazes ajudou a enfermeira a descer, enquanto o outro dava uma cotovelada nas costas de Brigitte. — Para onde vamos? — perguntou a repórter, timidamente. — Você vem comigo — respondeu a enfermeira, com voz forte. — Herr Führer terá que assistir à reunião semanal do Alto-Comando, durante a qual será debatido o seu caso. Mas, enquanto você não for fuzilada, poderá se distrair, conhecendo o Baustab. Não há nenhuma ordem em contrário. — Agradeço a hospitalidade. Afinal, vocês não são tão maus como parecem... Um dos jovens louros tentou objetar qualquer coisa, mas a gorda gelou-o com um olhar coruscante. Anne Pfifer agarrou no braço de Brigitte e arrastou-a para longe do casarão, onde ficava a Kosmmandatur. Todos os caminhos do Baustab eram cobertos de relva. — Você conhece bem o campo de treinamento? — perguntou a repórter. — Ainda não — foi a surpreendente resposta. — É a primeira vez que entro aqui. Só conheço o Baustab através das informações de meu amado Führer. Por isso, também quero satisfazer a curiosidade... — Já sei. Você sonha em repetir as experiências do doutor Joseph Mengele... — Quase isso — retrucou a enfermeira, sorrindo perversamente. — Deve ser maravilhoso, um envenenamento em massa! Percorreram todo o campo sem serem molestadas. Brigitte viu uma reprodução, em tamanho natural, de uma casamata de cimento, em volta da qual cinco homens nervosos, fardados de soldados norte-americanos, pulavam como cabritos. — Centro de treinamento de guerrilhas — informou Anne Pfifer. — A casamata é igual ao posto da fronteira tcheca, próximo de Zelezná Ruda, na Cesky Les Sumava. Esses são os cinco suicidas que invadirão a fronteira, no próximo dia 13, à meia-noite. Eles descerão de pára-quedas. depois de transportados pelo novo foguete criado pelo professor Arnou. Pelo menos, foi o que lhe disse Herr Führer, não foi? Brigitte não respondeu, incomodada com o olhar maldoso da mulher de branco. Continuaram a visita às instalações, mas tiveram que retroceder, ao receberem ordem de uma sentinela. A sentinela tomava conta de um grande hangar de alumínio, com telhado corrediço. — A base do UFO — disse Anne Pfifer, fotografando o hangar com seus olhos negros. — Aí é proibida a entrada. Vamos para a sede. Voltaram, vagarosamente, afundando os pés na grama macia, e entraram numa casa baixa e comprida, cheia de quartos. A enfermeira escolheu um dos quartos, mas sorriu quando Brigitte fez menção de tirar o casaquinho. — Nein Madchen! Você não precisará de quarto. Seu dormitório será na casa grande. Assim decidiu Herr Führer. Mas eu estarei lá também, para ver se, esta noite, ele é mais feliz... — E eu, infeliz — queixou-se Brigitte. — Já vi que não vou levar nenhuma reportagem para a América! — Quem sabe? — retrucou a gorda, sorrindo friamente. E, com esta tirada enigmática, deu as costas à repórter e desinteressou-se completamente dela. Brigitte saiu e caminhou na direção da casa grande. A reunião dos bozen do partido tinha terminado e o secretário do senador veio ao seu encontro. — Fui derrotado pelo voto do Führer — disse ele, com expressão de ódio. — O Alto-Comando permitiu que você vivesse ainda esta noite. Cuide-se, serpente! Mesmo que o velho não consiga o seu desideratum, você não me escapará amanhã! Já escolhi até o local em que você levará um tiro! CAPÍTULO QUINTO Encontro debaixo da chuva “Preciso apanhar os planos do novo disco-voador — pensou Brigitte — Preciso evitar que esses cinco suicidas ataquem a casamata da fronteira da Tcheco-Eslováquia!” Seus pensamentos foram interrompidos por um ronco do senador Maximdorf. Estavam deitados na cama de um dos quartos de sobrado da casa grande onde iam passar aquela noite. A última noite de Scherazade... O rico senador Maximdorf parecia tão triste e desamparado, na sua senilidade, que a filha de Giselle não teve ânimo para estrangulá-lo, ou asfixiá-lo sob o travesseiro Em vez disso, a linda repórter saltou silenciosamente da cama e foi espiar o corredor, por uma fresta da porta. Ela vestiu rapidamente sua saia-blusa e foi abrir a janela. A correspondente estrangeira do “Nova Manhã” hesitou; depois, deslocou delicadamente o corpo do senador para um lado e tirou o lençol da cama, rasgando em tiras. Amarrou as pontas e obteve uma corda de seis metros de comprimento. O campo parecia deserto. Amarrou uma ponta da corda improvisada nos pés da cama e atirou a outra por cima do peitoril da janela. A longa serpente de pano ficou balançando, a um metro do solo. Brigitte saltou por cima do parapeito da janela e desceu, cautelosamente. Mas, quando pisou a grama, sentiu que não estava sozinha. — Não faça barulho — ciciou uma voz grave. — Isto facilita a minha missão! Você, agora, não me escapa! Era o secretário fardado de preto, e tinha uma pistola na mão. Brigitte sentiu o coração palpitar na garganta. — Parabéns, Heinrich! Pensei que você estivesse, também, no corredor. — Era o que eu queria que você pensasse. Vamos? Conversaremos melhor no meio do mato. Sua sepultura já está preparada. E cutucou-a com a ponta da Luger. Estava, realmente, apavorada. Caminharam, em silêncio, através do campo aberto. — Suponho que você não queira me dar um tiro na nuca — disse a garota, recuperando a serenidade. — Conheço os homens. Você quer apenas me pegar no mato, não é? Antes de você, aqueles anões do disco-voador fizeram a mesma coisa... — Engana-se — retrucou o nazista. — Sou necrófilo! — O quê? — Necrófilo — repetiu ele, gozando o som da palavra. — Um complexo adquirido no campo de concentração de Auschwitz, na Polônia. Apavorada, a morena não teve força para dizer nada. Chegaram a um local deserto, próximo da cerca de arame farpado, onde havia uma sepultura recentemente aberta. — Ajoelhe-se! — ordenou ele, com voz dura. Estava com a braguilha da calça desabotoada e a pistola na mão esquerda, pronta para disparar. Brigitte começou a choramingar. — Por favor, Heinrich! Não precisa me ameaçar com essa arma! Eu faço tudo o que você quiser! — Uma mulher morta — replicou o outro, com voz aguda — só faz o que os vivos querem! Ajoelhe-se e vire-se de costas, voltada para o buraco! É aqui que você vai morrer! Ouviram um grito feminino, ao longe, que ressoou no campo deserto. Era a voz da enfermeira Anne Pfiffer. O secretário do senador ergueu ligeiramente o rosto, para ouvir melhor. Era o que Brigitte esperava. De repente, a chorosa morena mudou de atitude; sua perna direita se ergueu, bruscamente e atingiu o baixo-ventre do carrasco, fazendo-o soltar um uivo de dor. Antes que ele se recompusesse, a jovem repórter atingiu-o com uma cutilada, no pescoço, e outro pontapé, na boca do. estômago. Lentamente, o secretário desmoronou no chão, disparando a pistola para dentro da sepultura. Brigitte empurrou-lhe o corpo para dentro do túmulo e correu para a cerca. Tinha que se arriscar! A floresta era negra e assustadora. Não se via. nenhuma casa, nenhuma luz, ao redor do campo de treinamento da organização. De repente, começou a chover. A água gelada, ensopou-lhe a blusa, fazendo-a tremer de frio. Escaparia de um tarado para apanhar uma pneumonia? Mas não podia parar! Pouco adiante, viu uma estrada, batida pelo temporal. A garota jánão tinha forças para correr. Tropeçou num monte de pedras, perdeu o equilíbrio e caiu numa poça de água. Mas, daí a alguns minutos, as forças voltaram a seu corpo trêmulo. Conseguiu pôr-se de pé. Ela seria muito egoísta se morresse sem ser útil aos seus amigos do Serviço Secreto dos Estados Unidos! Tinha que pensar na segurança da humanidade! Tinha que evitar a guerra atômica! Um jipe vinha pela estrada solitária, do leste para o oeste. Talvez viesse da fronteira tcheca! O jipe parou e uma cara negra debruçou-se na portinhola. Um crioulo! Não podia ser um nazista! — Ajude-me! — implorou a repórter, cambaleando. — Perdi-me no caminho! Leve-me, até uma hospedaria. O chofer do jipe não era um negro; parecia, antes, um soldado norte-americano da OTAN com o rosto coberto de óleo. — Olá! — exclamou ele, com voz de falsete. — Não é a hóspede de Herr Führer? Ao reconhecê-lo, Brigitte tentou fugir, mas o rapaz foi mais ligeiro. Saltou do jipe e alcançou-a, abraçando-a e levando-a de volta para o carro. Era um jovem moreno e mastigava “chewing-gun”. Os dois lutaram um momento e, depois, ele enfiou a garota exausta no assento dianteiro do jipe. Ela deixou-se cair no banco, de pernas abertas. — Você estava fugindo? — perguntou o rapaz, estupidamente, sentando-se ao seu lado. — Não. Saí para conhecer a paisagem e tomar um banho de chuveiro... Que há com você? Sua voz é fina assim mesmo? — Ia. Não preciso ter voz grossa para dinamitar a casamata dos tchecos. — Você é um dos cinco suicidas do Himmelfchrstkommando, não é? Ele sacou uma pistola do coldre e apontou-a ameaçadoramente. — Claro! Sou o Hauptscharführer Rudolf Kuhl, chefe do “comando”. Estive visitando minha família, no caminho de Bayerisch Eisenstein, mas já vou voltar para o Campo. Não foi muito agradável encontrar você, Madchen, Você pode me denunciar aos bozen do Partido. É proibido sair da concentração. Mas eu tinha que ver mamãe, porque ela está, doente. — Descanse, Rudolf. Não direi nada. Você não vai me levar de volta para o Baustab. — Como não? Sou fiel ao Partido! E sei que você é uma espiã dos americanos! Se eu a entregar ao Alto-Comando, serei condecorado! — Talvez. Mas você não teria coragem de me entregar a seus chefes, sabendo que eles querem me matar friamente. Você não é um monstro cruel, como os outros nazistas. Posso ver a candura de seu coração, espelhada no seu rosto angelical. — Estou com o rosto cheio de graxa. — Apesar disso, sei que você tem bons sentimentos. Só o fato de se arriscar a ser preso, saindo do campo sem consentimento, mostra que seu amor filial é mais forte do que seu respeito pela disciplina militar. O jipe permanecia parado, no meio da estrada, batido pela chuva. E a pistola também continuava apontando para o peito de Brigitte. — Sou um soldado, Madchen! Meu, dever é entregar você! Não tente me engabelar! Você não o conseguiria! Mesmo porque não gosto de mulheres! Já percebeu isso, não? Suas pernas brancas não me impressionam! — Você não gosta nem de sua irmã, Rudolf? — Não tenho irmãs. Sou filho único. Talvez por eu ser muito mimado é que não gosto de mulheres. Também tenho horror aos homens! Nunca me decidi sobre o caminho que devo tomar na vida... Brigitte suspirou, erguendo os olhos para o céu. — Contudo, você foi bastante valente, para se alistar no “Esquadrão Suicida”. Eu o considero um homem, Rudolf, e um homem de excepcionais qualidades morais! Sei que você não me entregará ao seu Führer! — Não sabe nada! É isso o que eu vou fazer, entregá-la ao Führer! Não entrei para o Esquadrão-Suicida; fui escolhido pelo Alto-Comando, porque moro perto da fronteira e conheço as defesas tchecas. E, como estava cansado da vida, resolvi aceitar a incumbência. A vida não tem nenhum sentido, para mim. Mamãe está muito doente... não gosto de mulheres... e tenho pavor dos homens! — Sua mãe precisa de você, Rudolf. Ninguém está sozinho neste mundo. — Mamãe á a primeira a dizer que eu sou maricas. Ela me educou assim e agora me critica. Mas, o que ela não sabe, é que eu pertenco ao Himmelfthrstkcommando! Nenhum maricas pertenceria a essa tropa de elite! Brigitte resolveu mudar de tática. — O que é que tem a sua mãezinha? É coisa grave? O rosto do rapaz ficou ainda mais sombrio. — Ela tem febre e delírio. Quase não se alimenta e queixa-se de dores na barriga. Nenhum dos remédios que o doutor receitou deu jeito! Se mamãe morrer, ficarei sozinho no mundo! Papai já morreu há muitos anos, de cólera. — Cólera-morbus? — Não. Encolerizou-se, brigou com um vizinho e levou duas facadas. Se mamãe morrer, não terei mais ninguém para me amolar o juízo! Mas, antes disso, descerei na fronteira e arrebentarei a casamata com TNT! Eles vão me pagar, esses tchecos! — Por que você tem ódio dos tchecos? — Tenho ódio de todo o mundo! Sou um revoltado! E, antes de morrer, fuzilado pelos guardas da fronteira, vou fazer “miséria”! — Espere — disse Brigitte, meneando a cabeça. — Você não deve ser tão pessimista, Rudolf. Eu lhe darei uma chance de ser útil. — Como? Suas pernas brancas não me impressionam! Minhas pernas também não são feias. — Você pode ajudar a humanidade, Rudolf. Evite a guerra atômica, durante a qual morrerão milhares de inocentes! Não participe da “Operação Fronteira”! — Agora é tarde. Partiremos depois de amanhã. E você vai comigo para o Baustab! — Apelo para os seus sentimentos religiosos, Rudolf. Você falou em Deus e não pode ser um herege. Ajude-me a evitar a guerra! Isso que vocês vão fazer em nome do nacional-socialismo, é uma loucura, um pecado que brada aos céus. — Sou um soldado e recebo ordens! Nada no mundo me tornará um traidor! Acima de tudo, Madchen, existe o sistema! — E sua mãezinha morrerá de febres e delírios. — Ela vai morrer de qualquer maneira! Não há nenhum médico que a salve. — Aqui, não. Mas, na minha terra, há muitos. Podemos fazer uma barganha. — Uma barganha? — Sim. Já ouviu falar na Clínica Mayo? É uma dais maiores casas de saúde do mundo e tem especialistas em todos os tipos de doenças. A Clínica Mayo só falha quando Deus está de mau humor. O jovem nazista abriu a boca, mas tornou a fechá-la. Lentamente, enfiou a pistola no coldre. — Você não está brincando? Não está querendo me engabelar? — Nein. Nunca brinquei com coisas sérias. Tenho muitos amigos em Munique. Se você me ajudar, eu levarei sua mãe para lá e de lá ela partirá para Nova Iorque, sob os auspício da CIA. Não acha que a saúde de sua mãezinha vale o sacrifício? — Não sei — resmungou o mancebo, nervoso. — Se eu enganar o Alto-Comando, serei desmascarado e... Não sei mentir. Madchen! — Eu não lhe contei tudo, filhinho. Minha idéia é levar você, também, para os Estados Unidos. Você poderá arranjar um emprego em Nova Iorque. Qual é a sua profissão? — Antes de entrar para a organização, era lavrador. — Esse emprego é difícil de arranjar, em Nova Iorque. Mas você, pode ir para o interior. O essencial é escaparmos daqui. — Não entendo. Se eu saltar de pára-quedas e fazer ir pelos ares a casamata da fronteira... — Não, Rudolf. É isso o que eu quero lhe explicar. Você não vai saltar, de pára-quedas, do disco-voador. Quem vai saltar sou eu. — Você! Como? — Usando a sua farda de tenente norte-americano. Temos o mesmo corpo e eu sou ligeiramente mais máscula do que você. Entende? Vamos trocar de papéis? — Meus papéis são falsos. Eles me arranjaram documentos de identidade de um indigente, chamado Jack Barrington, que faleceu em Munique. — Pois eu serei Jack Barrington, Rudolf. E você estará livre, para levar sua mãe a Munique e procurar os meus amigos, no Oktober Hotel. Aceita? O rapazinho arregalou os olhos. — Você quer dizer que... Você terá coragem de entrar no Baustab, como se fosse eu, e?... Eles descobrirãologo a diferença! Eu sou mais volumoso aqui em baixo e você é mais volumosa aí em cima! — Talvez não notem isso. Essa cara suja de óleo me ajudará no disfarce. Mas é claro que você vai me dar instruções. Quero que me diga o que devo fazer... o que você faria, se voltasse para o Campo. Sem se esquecer de nenhum detalhe! Certo? O rapaz ainda estava irresoluto. — Não sei... É perigoso! Eu... — Perigoso para mim. Certo? Afinal, os olhos dele brilharam com uma nova chama. — Você garante que minha mãe ficará boa? — Garanto. Na Clínica Mayo, eles curam até defuntos. Rodolf Kuhl manobrou o jipe debaixo da chuva que continuava a cair como um dilúvio e voltou, com ele, para a estrada de Bayerisch Eisenstein. Eram quatro horas da madrugada. As oito da manhã, tinha parado de chover, O jipe voltou a sair da casa e retomou o caminho do Baustab Paradies. Um rapazinho moreno, elegantemente fardado de tenente norte-americano, ia ao volante. Tinha os cabelos negros ocultos pelo boné e o rosto coberto de graxa, mas seus olhos azuis brilhavam como duas estrelas. “Meu Deus! — pensou Brigitte, enquanto pisava no acelerador. — Contanto, que os outros suicidas não vejam de perto os meus olhos! E não sintam a maciez de minhas coxas!” De qualquer maneira, lá ia ela. Talvez ao encontro da morte. CAPÍTULO SEXTO Tiroteio de alcova Ela teve sorte. Seguindo as instruções de Rudolf Kushl, dirigiu o jipe para uma pequena cancela, na extremidade norte do Baustab, onde um guarda vestido como um camponês facilitou-lhe a entrada. — Hei!, mein Himmellahrstkommandant! Como está sua mãe? Pensei que você não voltasse mais! Siga diretamente para o pátio. Seus companheiros já estão fazendo exercícios. — Danke, mein Rottenhuber! E Brigitte enterrou o boné sobre os olhos, fez a saudação nazista e pisou no acelerador. Foi deixar o jipe num galpão à esquerda do gigantesco hangar e saltou, dirigindo-se para um pátio cimentado, onde se encontravam os outros quatro suicidas, fardados de soldados da OTAN. Sua chegada não interessou ninguém. Nem sequer o instrutor militar dos guerrilheiros, um oficial latino-americano, de grandes barbas negras, que explicava aos seus alunos como deviam se deixar abater pelo inimigo, depois da destruição da casamata. Os exercícios se prolongaram até o meio-dia. Depois, foram almoçar. Não houve conversas, entre os participantes da operação, e a garota pôde escapar incólume. À tarde, repetiram-se os treinos: saltos de pára-quedas, numa torre especial e, por volta das cinco horas da tarde, os “comandos” ficaram livres. Enquanto os quatro legítimos suicidas se metiam no alojamento, Brigitte pôs-se a percorrer o campo, exibindo o seu uniforme sujo e amarfanhado. Fez muitas perguntas, aos trabalhadores, e obteve algumas boas respostas. Nenhum guarda a interpelou e ela pôde tomar as suas notas taquigráficas. Após o jantar, no dormitório silencioso, esperou que seus companheiros dormissem e passou a limpo os apontamentos, escondendo-os dentro da faixa de pano que lhe amassava os seios. O papel dizia: “DADOS CONFIDENCIAIS SOBRE O “SS BAUSTAB PARADIES”, SEDE DA ORGANIZAÇÃO NACiONAL DA REVANCHE, NOS ARREDORES DE ZWIEGEL, BAVIERA”. “Cem homens em armas. Quinze operários especializados. Instalações secretas de um laboratório e uma fábrica metalúrgica, onde não é permitida a entrada. Computadores eletrônicos e rede de radar, para rastreamento do disco-voador. Colônia de residentes, na extremidade oriental. Campo de treinamento para guerrilhas, com um pátio e a reprodução de uma casamata tcheca. Um oficial cubano como instrutor. O Alto Comando da organização compõe-se de cinco bozen do Partido Nazista: Herr Führer Theodor Von Maximdorf, seu secretário Heinrich Tofferwerst, o Reichführer Hermann Reuter-Intof, o Hauptsturmführer Franz Brunner Mordau, comandante do Baustab, e seu ajudante de ordens, o Obersturmführer Lukas Kurtmann. A propriedade é circundada por uma cerca de arame farpado, simples, sem eletricidade. O SS Bausteb Paradies passa por ser um depósito de material (e campo de construção) de uma sociedade de ajuda aos necessitados, semelhante à Volkswohlfahrt, que ajudava os pobres da Alemanha com as roupas tiradas aos judeus assassinados. Só existe um canhão antiaéreo, armado no pátio da casa grande”. Essa noite se passou sem novidades. Às seis da manhã, houve novas correras no pátio mas, depois do almoço, os cinco falsos soldados americanos receberam permissão para passear, em liberdade, até à noite. Às oito horas, haveria uma concentração, no laboratório, quando o professor Wolfang Arnau lhes faria um pequeno discurso, a respeito do disco- voador. Era justamente, no refeitório coletivo, e a morena passou por alguns sustos, pois um nazista à paisana que tinha todo o tipo de agente da nova Gestapo, tentou conversar com ela. Brigitte, porém, conseguiu iludi-lo, rosnando como um cão. Satisfeito com a discrição do tenente do HimmeLfahrstkommando, o homem do serviço secreto deixou-a em paz. A conferencia do professor Arnau teve início às oito e meia. Os cinco falsos soldados da OTAN foram admitidos no hangar onde ficavam o laboratório e a oficina mecânica, e sentaram-se numa pequena sala de aula, à frente de um estrado onde se via um quadro negro e a maquete de um foguete, diferente de todos aqueles que Brigitte já vira. Pouco depois, o professor Arnau assumiu o seu posto, no estrado. Em cinco cadeiras, colocadas à direita da cátedra, sentaram-se os oficiais do Alto Comando da organização, inclusive o senador Maximdorf. Apenas o Hauptsturrnführer Franz Mordau usava uniforme — uma túnica cinzenta e um casaco preto, com as insígnias de Kommandant da SS. O professor Arnou era um velhote gordo e risonho, de óculos de aros de ouro, vestido com uma bata manchada de ácidos. — Companheiros — discursou ele, brandindo um pedaço de giz — antes de vossa gloriosa missão em território tcheco, é justo que vos revele alguns segredos de meu invento, no qual o glorioso Himmelfahrstkommando do Quarto Reich viajará para o seu alto destino! O foguete “Bierkorpg”(cabeça de cervejeiro) é um modelo aperfeiçoado do anterior, o “Spinne”(aranha), com o qual lançamos a confusão nos Estados Unidos. O veículo em que vós, gloriosos suicidas do Quarto Reich, atravessareis a fronteira tcheca, é originário dos gloriosos mísseis teleguiados que eu criei em Peenemunde, em 1943, mas não chegaram a ser utilizados pelo nosso saudoso Führer Adolf Hitler. Em 1945, quando os russos capturaram a nossa base, no Estreito de Meclemburgo, consegui escapar com os planos do “Spinne”. Mas só agora, sob o glorioso comando do nosso amado Führer Maximdorf, pude transformar em realidade o grande sonho do Nacional-Socialismo. Nossa nova arma secreta, queridos companheiros, não um similares no mundo! Deixou de ser um simples foguete teleguiado para ser um veículo autônomo, fácil de manobrar e de uma mobilidade espantosa. Peço permissão à digna assistência para entrar em detalhes técnicos, tomando-os acessíveis à inteligência de qualquer militar. O cientista buscou um pouco de fôlego, satisfeito com a atenção que lhe davam os ouvintes, então continuou: — O motor do “Bierkopl”, cujos primeiros testes obtiveram extraordinário êxito, consta, essencialmente, de uma câmara de combustão de novo tipo, revestida de uma liga de metal refratária ao calor, onde se misturam o oxidante e o combustível líquido. A vantagem do combustível líquido é esta: o fluxo pode ser controlado ou interrompido, abrindo- se e fechando-se as válvulas. Os gases são expelidos por trás e pela frente, através de uma tubeira termo-resistente, provida de palhetas de grafite. Nas antigas Bombas V, nós queimávamos álcool e oxigênio líquido; no meu foguete, usamos ácido nítrico e Artinium, que é superior aoVisol do foguete “Taifun”. Qualquer estrutura metálica, em forma de disco, pode ser transportada pelo “Bierkopf”. Seus lemes, de novo modelo, permitem-lhe manobras audaciosas, em ângulos de 90 graus. Sua autonomia de vôo é de seis mil quilômetros, dez vezes aquela atingida pelo “Spinne”. Além disso, o “Bierkopl” desenvolve cerca de dez mil quilômetros por hora e pode atingir alturas de vinte quilômetros, deixando para trás qualquer tipo de avião a jato. Seus amortecedores de ruído são perfeitos e tornam-no completamente silencioso, o que não acontecia com o primitivo modelo, testado na Califórnia. Para orgulho da organização, companheiros; quero que conheçam o esquema do “Bierkopf”, antes de conhecê-lo ao vivo. Isto só acontecerá dentro de três horas, quando o glorioso HiminelIahrstkommando partir heroicamente na sua missão de extermínio! Heil, Führer! Em seguida, o cientista pôs-se a fazer desenhos no quadro negro, explicando exaustivamente as peculiaridades do seu invento. Brigitte anotou mentalmente as características do aparelho, mas compreendeu que não as poderia reproduzir, confiando apenas na memória. Por outro lado, também não podia tomar notas, pois o homem da Gestapo não a perdia de vista. Às dez horas, o professor Arnau deu por terminada a conferência e todos se levantaram. Quando se dispunha a sair, em companhia de seus quatro colegas, Brigitte sentiu que alguém lhe tocava um braço. Voltou-se vivamente e encarou os olhos frios do secretário do senador; imediatamente, a morena baixou os seus. — Mein Himmelfahrstkommandant — disse o ex- Oberscharführer Werstoffer — por ordem de Herr Führer, solicito-lhe que compareça à Sala do Conselho do Alto Comando. Eu irei em sua companhia. — Jawohl — murmurou Brigitte, de cabeça baixa. — Aconteceu alguma coisa? — Nein. Não se assuste, tenente. Você não tem motivos para se assustar. Com o canto do olho, a garota viu que dois guardas, armados com submetralhadoras, tinham se plantados às suas costas. Não podia deixar de obedecer. Marchou para fora do hangar, seguida pelos três nazistas, e continuou a marcha, na direção da casa grande. Os outros quatro oficiais do Alto Comando já deviam ter seguido o mesmo caminho. — Por favor — solicitou o secretário do senador, agarrando-a por um braço. — Dê-me a sua arma, tenente! E antes que ela fizesse um gesto, arrancou-lhe a pistola do coldre. Entraram na Sala do Conselho, mas encontraram- na vazia. No alto da parede, o retrato de Hitler continuava com a língua de fora. — Siga em frente — ordenou o secretário. — Suba a escada! Herr Führer espera por você no dormitório. Mas, desta vez, eu quero estar presente! — Aconteceu alguma coisa? — repetiu Brigitte, empalidecendo. O nazista sorriu friamente. — Você foi desmascarada, Madchen! Não tente fugir! Eu a reconheci e Herr Führer também! Mas o velho se entusiasmou, ao vê-la fardada como um jovem soldado, e ordenou-me que a levasse para o quarto. Na sua juventude, Herr Führer serviu na Wehrmacht e gostava de brincar com os recrutas bonitos. Ele se entusiasmou outra vez, ao ver você fardada, e acha que, agora, conseguirá o seu intento. O velho estava, realmente, muito excitado. À porta da alcova do sobrado encontraram a enfermeira Anne Pfifer, com o rosto contraído numa expressão de ódio. — Cadela! — disse a gorda, ameaçando esganar Brigitte. — Você não devia ter voltado! Não se engana duas vezes um digno oficial nazista! Mas o secretário empurrou a mulher para um lado evitando que ela alcançasse a sua prisioneira, e fez Brigitte entrar no quarto, seguindo-a de perto. A porta se fechou sobre eles. No meio da alcova, o rico senador Maximdorf estava despindo as calças. Brigitte olhou desesperadamente ao redor e viu a janela fechada. Não tinha outra saída. — Não dispa o uniforme — recomendou a múmia, voltando para ela os olhos vermelhos e empapuçados. — Quero ter a ilusão de submeter um jovem tenente norte- americano! E não admito desobediências! Ele estava apenas de ceroulas e suas pernas magras e tortas formavam dois parêntesis. Então, as coisas começaram a acontecer com rapidez. Quando o velho se atirou em cima dela, num ataque de furor lúbrico, Brigitte apoiou os cotovelos na beira da cama e ergueu as pernas abertas, enlaçando o magro pescoço de seu agressor. O Führer cambaleou e caiu de joelhos, abafado, respirando com dificuldade. Ato contínuo, Brigitte girou sobre seu corpo esquelético e prendeu-o numa “gravata”, pelas costas, mantendo-o encostado ao peito. Do outro lado do quarto, Heinrich Tofferwerst tinha tirado a pistola do coldre, apontado-a ameaçadoramente. — Largue-o! — ordenou, com voz seca. — Largue você a pistola! A vida de seu Führer está nas minhas mãos! Meio estrangulado pelo braço da garota, o senador gorgolejava e fazia sinais cabalísticos no ar. Já tinha perdido todo o entusiasmo. — Largue-o! — repetiu o secretário, erguendo a arma. — Desta vez, você não escapa! Nem que seja preciso imolar o nosso Führer! E, contra todas as expectativas, começou a atirar. Os estampidos ressoaram no quarto como tiros de canhão. Brigitte sentiu o corpo do velhote amolecer nos seus braços, varado pelas balas. A Luger continuou a funcionar, mesmo depois que o ex-capitão Marx, já morto, rolou pelo assoalho. Descoberta, Brigitte encarou o secretário com um olhar perplexo. Os tiros continuaram — mas, agora, vinham da porta do quarto. Heinrich Tofferwest girou sobre si mesmo, largou a Luger e caiu de bruços, em cima do cadáver do Führer. Na mesma hora, a porta se abriu de todo e apareceu um homem gordo, com o rosto coberto de esparadrapo, amparado pela enfermeira Anne Pfifer. Esse homem, no qual Brigitte reconheceu o falso padre Aarão Kristallmaker, usava as roupas típicas de um lavrador da Baviera. — Aïne takhat dine, — murmurou ele, com voz sumida — chen takhat chen! Obrigado, frau Pfifer! David saberá que eu não falhei! Ainda alarmada, Brigitte viu o agente israelita tossir e escapar das mãos da enfermeira, rolando pelo assoalho. Seus olhos arregalados e vítreos ficaram pregados no teto, mas não enxergavam mais nada. — Ele já estava quase morto quando chegou — disse a gorda — Não pude deixar de ajudá-lo a cumprir sua missão. Agora, ele morreu em paz. Foi torturado em Deggendorf, e dado como morto. Mas sua força de vontade era imortal! — Quem é você? — murmurou Brigitte. A mulher de branco sorriu. — Anne Pfifer, do ATIC. Só lamento não ter, eu mesma, envenenado esse novo Führer! Mas eu não podia liquidá-lo antes de conhecer o segredo do disco-voador. Suponho que você já tenha os planos da arma secreta, não? Brigitte estava de boca aberta. Engoliu em seco e respondeu: — Não, não tenho os planos. Não sabia que o ATIC estava metido nisto. — O “Air Technical Intelligence Center” — disse a enfermeira, falando rapidamente — é uma organização que estuda os fenômenos dos UFOS. Juntei-me aos nazistas para descobrir o mistério dos discos. E só poderei voltar para a América levando um relatório pormenorizado. Vocês, da CIA podem... — súbito, ela se interrompeu e mudou de tom: — Siga para a sua unidade, mein Himme1fihrskcmandant, bombardeie os nossos inimigos! Eu me encarregarei de explicar, aos companheiros de partido, o traiçoeiro atentado contra a vida de nosso amado Führer! Cinco ou seis guardas irromperam no quarto, brandindo armas. Brigitte endireitou o boné e fez a continência nazista, Os soldados perfilaram-se, olhando alarmados para os três cadáveres estendidos no assoalho. Sem esperar por mais nada, a repórter apanhou a sua pistola entalada no cinturão do secretário e escapou pela porta, enquanto Anne Pfifer continha os guardas, falando-lhes em alemão. Já eram onze horas da noite. Faltava apenas uma hora para a saída do disco. Brigitte correu para o alojamento doHimmelfahrstkommando, mas já não encontrou os outros quatro falsos soldados norte-americanos. Uma sentinela informou-a que o grupo esperava por ela no hangar. A morena correu para lá. Deixaram-na entrar depois de esquadrinharem seu rosto sujo de óleo e ela pôde reunir-se aos outros nazistas disfarçados. — Heil, Führer! — Heil! Estavam todos, numa dependência central do vasto hangar de alumínio. Sobre uma plataforma de aço via-se uma enorme estrutura de metal branco, semelhante à prata polida, ostentando a bandeira norte-americana (star and stripes) desenhada numa das faces. Era um novo disco-voador de grandes proporções, que repousava sobre o foguete “Bierkopf” cujas características o professor Arnau descrevera nessa noite. Ao lado do monstro metálico que devia ter mais de quinze metros de diâmetro e possuía seis panelinhas na parte superior, o inventor dos discos sorria, ladeado pelo Reichführer Herman Reuter-Intof, pelo Hauptsturmlührer Franz Mordau e pelo Oberscharführer Lukas Kartman. — Podem entrar — convidou o professor Arnou, a voz fremente de orgulho. — A Câmara de Comando tem capacidade para seis navegadores. Sigam as instruções pelo rádio. E não se esqueçam de que a carga de TNT não deve ser lançada, mas transportada pelos gloriosos suicidas do Quarto Reich! Felicidades, companheiros! Glücktiche Reise!(boa viagem) Os cinco falsos soldados da OTAN subiram para bordo e a portinhola se fechou automaticamente. Havia um piloto sentado diante do painel de instrumentos — um homem sério e grave, metido num macacão de zuarte. — Sentem-se — ordenou ele. — Estamos apenas à espera do nosso amado Führer. Sairemos cinco minutos antes da meia-noite, conforme as instruções recebidas. E eu voltarei com o disco. Através de uma das janelinhas da Câmara de Comando, Brigitte via o movimento, lá embaixo. Sobre a plataforma, o professor Arnau e os três oficiais do Alto Comando discutiam acaloradamente. Depois, o cientista fez um gesto agressivo, diante do nariz do Retchfuhrer, e desapareceu na direção de uma porta onde se via o dístico: “SALA DE COMANDO — TG” Passou-se, ainda, algum tempo. Brigitte reparou que seus quatro companheiros de viagem olhavam para ela com ar estranho, trocando confidências em voz baixa. O piloto, com a cabeça virada por cima do ombro, também perecia desconfiado. Disfarçadamente, Brigitte recuou para um canto da câmara e desabotoou o coldre da pistola. Uma, voz metálica soou no painel de instrumentos: — Achtung! Zwanzing... neunzehn... achatzehn.. Era a voz do professor Arnau, contando os segundos que faltavam para a partida! Nisso, o piloto olhou diretamente para Brigitte e mostrou os dentes de ouro: — Você vai morrer de qualquer maneira, Madchen! Seu erro foi ter entrado aqui! A filha de Giselle empunhou a pistola e cobriu os cinco nazistas. — Certo, amigos! Vocês também me desmascararam! Se temos que morrer, vamos começar a operação! Acione o start, piloto! A voz metálica continuava soando, mecanicamente: — Zehn... neun... acht... sieben... O piloto, muito pálido, levou a mão a uma alavanca do painel de instrumentos. Sobre ela, via-se a indicação “Emergência”. A pistola cuspiu fogo da mão de Brigitte, e o piloto caiu de banda, antes de alcançar a alavanca. Seu corpo escorregou para o chão e ficou imóvel. — Geben Sie acht beim Aufsteigen! (atenção para a subida) — disse a voz, no alto-falante. No mesmo momento, o enorme disco de metal trepidou e começou a se mover. Os quatro falsos soldados norte- americanos, gelados pelo espanto, não sabiam o que fazer. E a carcaça prateada ergueu-se lentamente no espaço, saindo pelo telhado aberto do hangar. Estava sendo teleguiado de terra e nenhum de seus ocupantes sabia como orientá-lo. — Gut — disse a voz, no alto-falante do painel de instrumentos. — Auf Wiedersehen! Brigitte teve a impressão de que o inventor dos discos, feliz como um garoto malvado ao praticar uma travessura, despedia-se deles como se nunca mais esperasse vê-los com vida. Logo, o aparelho ganhou velocidade e subiu, em linha reta, rumo às estrelas. CAPÍTULO SÉTIMO Nasce outro Führer Logo que o disco-voador desapareceu no alto do céu, o professor Arnau acendeu a tela do radar e passou a controlá- lo, pelo “bip” resultante da “varredura” da palheta. Havia um grande silêncio na Sala de Comando, onde também se encontravam o Reichführer Reuter-Intof e o HauptsturmIührer Brunner Mordau. — Eles estão, agora, a dez quilômetros de altura — anunciou o professor Arnau, com orgulho na voz. — uma pena que Herr Führer não tenha assistido à partida! Mas suponho que, ele esteja aqui ao término da experiência. — Não sei o que houve com Herr Führer e seu secretário — disse o Buda risonho. — Aqueles dois estavam nos escondendo alguma coisa! Mandei o meu ordenança à Kommandatur, mas ele também não regressou mais! — Eles estão, agora, a mil e seiscentos quilômetros — disse o inventor dos discos. — o dobro da altura do Evereste. O “Birkopf” mantém a mesma velocidade no ar rarefeito! Vou fazê-lo descer na fronteira, mandando um impulso pelo rádio. O computador encarregar-se-á de tudo. Nesse momento, o Oberscharführer Lukas Kurtmann entrou na sala, muito afobado. Fez continência e anunciou, com voz dramática: — Companheiros, Herr Fuhrer e seu secretário foram assassinados a tiros pelo espião judeu Aaron Kristallmaker, que também morreu! A enfermeira suíça Anne Pfifer não é encontrada em parte alguma! Herr Führer está morto, companheiros! Schrecklich! Ungoublich! (horrível, inacretitável) O Reichführer empertigou-se, exibindo a volumosa barriga. — É uma má notícia, companheiros! Mas nem por isso devemos cancelar a “Operação Fronteira”! A partir deste momento, eu assumirei a liderança da organização! — Nada disso — objetou o professor Arnau, voltando-se da mesa de controle. — Depois de Herr Führer, sempre fui eu o mentor espiritual da revanche! Com a morte de nosso glorioso guia, eu comandarei as ações da organização! Vocês nunca conseguirão intrigar os russos com os americanos sem o uso dos meus discos! O Hauptsturmführer Mordau adiantou-se majestosamente. — Há um pequeno erro de lógica nisso tudo — disse ele, com voz grave. — Na qualidade de comandante do Braustab Paradies, eu assumo a chefia geral da organização! E a operação prosseguirá, de acordo com os planos traçados pelo Alto Comando! — Herr Hauptsturmführer — replicou o Reichführer, sacando da pistola. — O senhor está preso! A morte do Fahrer não deve ser pretexto para subversões. A maioria dos nossos companheiros de partido está comigo! Vamos fazer um expurgo no Alto Comando e afastar os militares da carreira! Eu sou o novo Führer! No silêncio que se seguiu, o Oberschczrführer Lukas Kurtmani também sacou da sua Luger e disparou-a, à queima-roupa, nas costas do Buda. A pistola caiu das mãos do gordo Reichphrer e ele acompanhou-a na queda, ficando estirado no lajeado. — Sehr gutt, danke — disse o comandante do campo. — Livramos o Quarto Reich de um perigoso ditador! Assuma o comando do Baustab, Mein Oberschcrführerl Eu entrarei em entendimentos com os políticos do NDP, para escolher-mos os novos candidatos às eleições, em Bonn! A “Operação Fronteira” continua! E Herr professor Arnau será o responsável pelo seu bom êxito! Alguma dúvida? O velho e gordo cientista bateu os calcanhares. — Nem, mein lieber Führer! Curvo-me diante do glorioso Exército Nazista! A operação continua! — Que foi? — perguntou o novo Führer. — Não sei! O piloto deve ter ligado a chave da autonomia! Não posso mais controlar o “Bierkorpl”! E ele está baixando, a cinco mil quilômetros por hora, sobre a cidade de Nuremberg! * * * Brigitte tinha-se sentado diante do painel de instrumentos do disco sem deixar de apontar a pistola para os quatro falsossoldados da OTAN, e logo virava uma chave, entre os dísticos “TG” e “AUT”. Puxara a chave para baixo colocando-a na posição “AUT” e neutralizara, assim, os impulsos de rádio que orientavam o aparelho. O enorme disco de prata dera um arranco, como um automóvel ao engrenar a “reduzida”, mas continuara a voar com a mesma velocidade, quinze quilômetros acima da superfície da Terra. Havia uma espécie de manche em frente ao painel, mas a linda repórter’ não poderia acioná-lo sem perder de vista os seus companheiros de viagem. Voltou-se para os quatro nazistas alarmados e perguntou secamente: — Algum de vocês sabe pilotar um avião? Os rapazes negaram. A morena fez um gesto com a pistola. — Certo! Eu darei, a um de vocês a honra de nos levar de volta ao Baüstab Paradies! Aqui termina a “Operação Fronteira» e começa a “Operação Reviravolta”! Vamos modificar ligeiramente o nosso plano de vôo! E apontou a arma para um dos rapazes altos e louros. Este estremeceu e correu a sentar-se diante do manche. Depois, seguindo as instruções de Brigitte, dirigiu o foguete para terra. Todos olhavam, fascinados, para o ponteiro do altímetro. O disco-voador perdia altura progressivamente. Dez quilômetros... oito quilômetros... seis quilômetros... — Vamos bater! — gritou o piloto-amador. — Não se pode frear a descida? Brigitte acionou a alavanca marcada “Retro” e o aparelho pôs-se a girar no espaço, até ficar perfeitamente imóvel. — Dê-lhe menos gás — ordenou a repórter. O piloto obedeceu, diminuindo o fluxo de carburante para á câmara de explosão. O disco continuou a descer, em velocidade mais moderada. Quatro quilômetros... dois quilômetros... um quilômetro... quinhentos metros... — Estamos sobrevoando Nuremberg! — gritou um dos nazistas, olhando por uma das vigias. — E já temos um caça a jato atrás de nós! — Ótimo! — respondeu Brigitte. — uma guinada para sudeste, piloto! Velocidade de cruzeiro, O Baustab não fica longe daqui. Uma multidão de transeuntes, na rua de Nuremberg, olhava para cima, maravilhada com o aspecto do UFO. Vertiginosamente, o disco-voador cortava os ares, sem fazer o menor ruído. O espetáculo durou apenas alguns segundos, para os habitantes da grande cidade; súbito, o aparolho fez uma curva num ângulo de sessenta graus e precipitou-se para o sul. Na câmara de comando, Brigitte mantinha os quatro soldados sob a ameaça da pistola. Passaram por cima da selva da Baviera e dos subúrbios de Regensburg e logo viram surgir as luzes mortiças do Baustab Paradies. O foguete do professor Arnau voava apenas a cem metros de altura. — Estabilize o manchei — ordenou Brigitte. — Mantenha o disco por cima do hangar! O jovem soldado, suando em bicas, ferrava nervosamente a metade do volante. E o grande prato de metal pairou elegantemente sobre o hangar do Campo de Provas. Então, Brigitte estendeu a mão esquerda e apertou um botão vermelho, marcado “Bomb 1”. Ouviram um ranger de ferragens e o compartimento dos explosivos se abriu, soltando todo o seu mortífero conteúdo. Uma tonelada de TNT caiu, certeiramente, sobre o hangar, fazendo tudo ir pelos ares. - — Na mosca! — exclamou Brigitte, alegremente. — Que pena eu não poder ver a cara do professor Arnau! Ele deve estar orgulhoso de sua arma secreta! O hangar em chamas explodiu, como se estivesse cheio de fogos de artifício. Homens apavorados corriam de um lado para o outro, enquanto as explosões se sucediam, espalhando metais inflamados pelo pátio de treinamento. A torre onde eram treinados os pára-quedistas ruiu fragorosamente. — Mais para a esquerda — comandou Brigitte, batendo com o cano da pistola no ombro do piloto. — Faça o disco pairar sobre a Kommandantur! O rapazinho obedeceu. Ela estendeu a mão e apertou um segundo botão, marcado “Bomb 2”. Nova carga de TNT desceu do disco e foi explodir sobre a sede principal do Alto Comando da ONR. As paredes da casa grande abriram-se, como um castelo, de cartas. Mas, de repente, ouviu-se um estrondo e o disco deu uma súbita reviravolta no ar. Brigitte caiu contra uma parede, enquanto os outros soldados também viravam de pernas para o ar. O piloto agarrou-se desesperadamente ao manche, porém, ele não funcionava mais. — Os lemes não obedecem! Estamos caindo! Brigitte correu a espiar por urna janelinha; — Fomos atingidos por uma granada de trinta milímetros! Eu me esqueci do canhão antiaéreo! É preciso neutralizar aquele canhão! — Fique onde está! — replicou um dos nazistas, rastejando até ela. — Você é nossa prisioneira! Vamos aterrissar no pátio! A repórter tinha perdido a sua pistola e o outro apontava- lhe uma Luger. Reagir seria loucura. Ela ergueu docilmente os braços. O soldado que fazia as vezes de piloto puxou furiosamente o manche, enquanto acionava a alavanca “Retro”. O disco saltou, no ar, e imobilizou-se; em seguida, começou a descer lentamente. Estavam sobre o pátio central do Baustab, fervilhante de nazistas armados. As labaredas do ‘hangar destruído’ iluminavam a noite como se fosse dia. Vagarosamente, o disco pousou no pátio, sobre as suas quatro rodinhas, e ficou imóvel. A aterrissagem tinha sido perfeita. O piloto cortou o gás e acionou a chaveta marcada “Auss”. A portinhola da câmara de comando abriu-se automaticamente. — Desça! — ordenou o soldado que empunhava a Luger Herr Führer dirá o que devemos fazer com você! Brigitte desceu a escadinha, obedientemente, caindo nas mãos de uma dúzia de nazistas. Um homem alto e forte destacou-se do grupo. Tinha o uniforme cinzento em frangalhos e a cara suja de sangue e fuligem. Mas era o Hauptsturmjührer Fritz Mordau. — ‘Sou o’ novo Führer — declarou ele, com voz seca. — O professor Arnau e meu ordenança morreram na explosão do laboratório. Só eu escapei daquele inferno! Mas a “Operação Fronteira” terá que prosseguir, de acordo com os planos traçados! — Impossível, mein Fiihrer — protestou um dos quatro falsos soldados norte-americanos. — Não sabemos pilotar o disco! Foi um milagre nosso companheiro Kurt ter aterrissado sem acidentes! — Pouco importa — retrucou o novo Führer. — Tomem um jipe e sigam para a fronteira, pela estrada de Bayerich Eisenstein! Há um carro, com chapas falsas; preparado para esta eventualidade! O instrutor Solano Marquez seguirá com vocês. Eu o nomeio Himmelfahrstkommandant! Apanhem granadas no arsenal e cumpram a vossa missão! Schnell! Os quatro soldados bateram continência e afastaram-se correndo. Entretanto, Brigitte sofria os beliscões dos outros nazistas irritados. — Tragam a Madchen para a Sala do Conselho — ordenou o novo Führer. Ela será condenada à morte, num julgamento sumário, e fuzilada nos fundos do Baustab! Eu mesmo executarei a sentença! — A Sala do Conselho não existe mais — informou um nazista, vestido como um lenhador. — Tudo foi pelos ares. Entregue-nos a mulher, mein Führer, e deixe-nos pendurá-la no pátio! Um crime destes só pode ser castigado com o linchamento! — Lincha! — gritou o grupo de fanáticos, enfurecido. — Acabem com ela! Brigitte tentou se defender dos socos e pontapés, mas eles eram muitos e estavam alucinados pelo ódio. Entre pancadas e empurrões, a filha de Giselle foi arrastada para o pátio da Baustab. Seus agressores rasgaram-lhe a farda, deixando-a só de calcinhas e sutiã. Mas nem a visão maravilhosa de seu corpo desnudo acalmou a multidão ululante. Eram mais de cinqüenta homens rudes, furiosos, e não existe poesia nas massas. — Heil, Führer! — bradou a multidão, erguendo os braços. A correspondente especial do “Nova Manhã” julgou chegada a sua última hora. Um nazista alto e louro deu uma gargalhada e começou a puxar a corda da forca. Esperneando, Brigitte viu-se içada no ar. Suas mãos agarraram freneticamente na corda, para aliviar a pressão. Mas sabia que não teria forças para permanecerpor muito tempo naquela posição. O ar atravessava a sua garganta fazendo um ruído sibilante. Sua cabeça começou a rodar. Seu corpo seminu retorceu-se, numa espécie de dança quase lasciva, e seus olhos se fecharam, enquanto a língua surgia entre seus dentes brancos. Nisso, ouviu-se um tiro, seguido de uma rajada de metralhadora, O nazista alto e louro largou a ponta da corda, rodopiou e caiu de costas, com uma bala entre os olhos. Brigitte despencou-se sobro o solo, rolando como um saco de batatas. Aqueles tiros foram como um sinal de ataque. Outros disparos ecoaram na praça e meia dúzia de nazistas tombou no solo, gritando imprecações. A voz do novo Fuhrer Fritz Mordau elevou-se, dentre o coro de gemidos: — Achtúng! São soldados do Bundewehr! Estamos cercados! Realmente, o Baustab Paradies fora subitamente envolvido por um contingente de soldados do exército da Alemanha Ocidental, comandado por um tenente ruivo e nervoso. Brigitte sentou-se no lajedo, apalpando o pescoço magoado, e assistiu, aliviada, à rendição dos nazistas remanescentes da batalha. Nenhum deles reagiu quando reconheceu a farda dos soldados regulares alemães. Apenas Fritz Mordau ainda tinha a pistola na mão. — Entregue-se! — exigiu o tenente do Bundesiehr, caminhando para ele. — Vocês estão presos! Acabou-se o Quarto Reich! — Jawokl — concordou o ex-Hauptsturmführer, entregando-lhe a pistola. — Meu reinado durou apenas meia hora! Mas nós voltaremos! Enquanto existirem comunistas, também existirão nazistas! Atrás do tenente do Bundswehr surgiu um uniforme branco, que se aproximou rapidamente de Brigitte. Anne Pfifer, armada com uma pistola, ajudou a jornalista a levantar-se. — Vocês chegaram a tempo — gemeu Brigitte. — Mas nem tudo terminou, O Himmelfahrskomnando escapou daqui, num jipe americano, e dirigi-se para a fronteira! Temos que evitar o ataque à casamata tcheca! — Tarde demais — disse a agente do ATIC. — Chamei os soldados, que aguardavam meu apelo acampados em Grosse Arber, mas eles não dispõem de nenhuma divisão motorizada. Vamos, penas, prender os nazistas do Baustab; os soldados tchecos que se defendam! — Não! gritou Brigitte, alarmada. — O jipe está carregado de explosivos! Temos que evitar o ataque! O tenente do Bundeswehr olhava para ela com curiosidade. Quanto ao novo Führer, já fora despojado de seu uniforme cinzento e levado aos pescoções para um canto do pátio, onde se encontravam todos os demais nazistas aprisionados. — Tenente — continuou Brigitte, agarrando no braço do jovem oficial — venha comigo! Quero que me ajude a prender os cinco nazistas que faltam! Não podemos deixar de agarrá-los! O rapaz olhou, outra vez, para a figura da linda repórter maltratada e seminua e coçou a cabeça. Imediatamente, dois soldados do batalhão trocaram um olhar de entendimento e, enquanto um deles tirava a túnica, o outro despia as calças. Segundos depois, Brigitte envergava uma nova farda — o glorioso uniforme do Exército Democrático da República Federal Alemã. Em seguida, a jovem puxou o tenente pelo braço e obrigou-o a correr na direção do pátio. — Podem ir — gritou-lhes Anne Pfifer. — O Feldwebel Khristopher assumirá o comando do Baustab! Brigitte sentiu um arrepio na espinha, mas, logo, compreendeu que o sargento, a que a enfermeira se referia, era outro dos militares do Bunderwehr. Ela e o tenente subiram rapidamente a escadinha e entraram no disco- voador. — O senhor já pilotou algum avião? — quis saber Brigitte. — Já. Tenho brevet de piloto amador. — Ótimo! Então, esqueça-se do que aprendeu e assuma o comando do disco! Eu lhe darei instruções, embora elas sejam desnecessárias. Basta ler os dísticos do painel de instrumentos. Não há nada mais fácil do que dirigir esta geringonça. Sentaram-se, lado a lado, diante do quadro cheio de luzes coloridas, e começaram a agir. Não tinham tempo a perder. Se os cinco falsos soldados norte-americanos tinham saído dali meia horas antes, seguindo pela estrada que ia dar na fronteira, já deviam estar atingindo a localidade de Bayerisch Eisenstein, que distava apenas quinze quilômetros de Zwiegel; daí a Zelezná Ruda em território tcheco eram apenas mais cinco quilômetros. E a casamata dos guardas da fronteira ficava na entrada da floresta da Boemia, antes de Zelezná Ruda. — Como se chama, tenente? — perguntou Brigitte, quando o enorme disco-voador fechou a portinhola e começou a elevar-se no espaço. — Karl Wassermann, fraulein. — O rapaz ainda estava pensando nas belas coxas brancas de sua companheira. — De alguma coisa está servindo o meu treino de piloto. Este aparelho assemelha-se bastante a um avião a jato... embora responda aos apelos com muita violência. — Estamos fazendo cinco mil quilômetros por hora, tenente! — A jovem debruçava-se sobre uma das janelinhas laterais e, cada vez que movia as nádegas, o coração do piloto dava um salto. — Mantenha o disco ao nível da estrada, por favor. Por que suas mãos tremem tanto? Creio que já passamos por Bayerisch Eisenstein e estamos sobrevoando a floresta da Boemia. Isto tudo já é território socialista! Convém voltarmos, em baixa altitude. Ainda não vi sinais de nenhum automóvel, lá embaixo, na estrada. Mas, dali a pouco, ambos viram um jipe que se deslocava lentamente pela estrada da fronteira. Brigitte fez um aceno ao tenente e este empurrou o manche. Vertiginosamente, o “Bierkopl” desceu sobre a estrada solitária. — Dez metros à frente do jipe, tenente! O rapaz acionou uma das alavancas, dando mais gás à tubeira posterior do foguete; o disco deu um salto e pôs-se a acompanhar a corrida do jipe, dez ou quinze metros à sua frente. Então, Brigitte calcou o botão marcado “Lastro”. Ouviu-se um ruído de ferragens e alguma coisa pesada caiu do aparelho, espatifando-se no meio da estrada. Era uma caixa cheia de areia. — Eles não atenderam ao aviso — comentou o tenente, olhando também pela janelinha. — Não querem parar! Vão atravessar a fronteira! Realmente, o jipe tinha se desviado da parede de areia e prosseguia na sua corrida veloz, rumo a primeira casamata da fronteira. Soaram alguns disparos de armas de fogo e a estrutura metálica do disco ressoou como um tambor. Mas o material inventado pelo professor Arnau também devia ser à prova de abalas. — Eles não se entregam, tenente! — Brigitte tinha o lindo rosto endurecido pela tensão. — Assumo toda a responsabilidade! Se os deixarmos minarem a casamata, a perda de vidas será maior! Coloque o disco exatamente em cima do Jipe. — Mas... — Faça o que eu mando! É uma ordem! Estavam apenas a vinte metros do pequeno carro com capota de aço. O tenente fez uma careta, mas obedeceu. E, então, fechando os lindos olhos azuis para não ver o resultado de seu gesto, Brigitte apertou o botão “Bomb 3”. Era o último ligado aos reservatórios de explosivos. Um minuto depois, havia apenas uma grande cratera na estrada que atravessava a fronteira da Tcheco-Eslováquia; o jipe e seus cinco ocupantes tinham desaparecido. Como num passe de mágica. EPÍLOGO E PRELÚDIO Um telefonema dentro da noite Uma semana depois, em Nova Iorque, o diretor do “Nova Manhã”, Miky Grogan, reuniu amigos para homenagear Brigitte. A linda repórter voltara da Europa dois dias antes, mas então tivera tempo para se reunir aos seus companheiros de trabalho. O Departamento de Estado monopolizara-a, interrogando-a exaustivamente, e dera-lhe por satisfeito com as suas declarações. Tudo acabara bem, afinal. Depois de ter evitado a destruição da casamata tcheca, pulverizando o Hinunelfahrstkomrnando nazista, a jovem tripulante do disco-voador havia deixado o tenente Wasserrnann no Baustab e, surpreendentemente, voltara a levantar vôo com o”Bierkopf”, afastando-se da cidadezinha de Zwiegel. Fora pousar num campo de manobras do exércitonorte- americano, nas proximidades de Munique, e apresentara-se ao espantado comandante, pedindo-lhe que internasse o disco do professor Arnau e lhe emprestasse um telefone. Dali, ela se comunicara diretamente com o QG do FBI, na Pensylvania Avenue, em Washington, relatando as suas aventuras. E recebera ordens para calar o bico. Essa foi a parte mais desagradável da história. O Departamento de Defesa enviara à bela repórter e a seu chefe um pedido estranho: o de não publicarem a reportagem completa sobre os discos-voadores “pinne” e “Bierkopf”, que seria a última da série já iniciada. Razões importantes, relativas à segurança do Estado, impunham a necessidade de se fazer silêncio sobre os UFOS. O pedido do Departamento de Defesa fora atendido. A princípio, a esfuziante Brigitte ficara zangada. lá tinha tudo escrito e pronto para sair na primeira página, inclusive os detalhes técnicos da fabricação do foguete. Seu sangue de jornalista, seu senso de informação, estavam inteiramente frustrados! Mas logo se convencera de que melhor seria manter o segredo irrevelado. Para o bem do Tio Sam e da tranqüilidade do mundo. O restante da reportagem pôde ser publicado e causou um tremendo impacto na opinião pública. Ninguém mais se lembrava de um monstro chamado Adolf Hitler e não acreditava nas ameaças de um Quarto Reich, criado pelos neonazistas. Mas, depois de conhecerem todos os detalhes da aventura de Brigitte na Baviera, os leitores do “Nova Manhã” compreenderam que a bela correspondente estrangeira evitara não apenas o aquecimento da “guerra fria” entre a União Soviética e os Estados Unidos, como, também, a eclosão de um novo conflito mundial. O estopim seria a Tcheco-Eslováquia. Agora, porém, tudo estava terminado, felizmente sem maiores complicações. A polícia da Alemanha Federal fechara as sedes da ONR em Deggendorf. O professor Arnau também morrera, no bombardeio contra seu laboratório. E o segundo agente da Organização no Airport Hotel, o gerente Frítz Wonegger, já tinha sido preso pelo inspetor Alan Pitzer. A Organização Nacional da Revanche, tal como a “Sechsgestirn(Seis Estrelas, organização neonazista com QG nas proximidades de Gmunden, na Áustria, aparentemente dissolvida depois da prisão de Adolf Elchmann), estava fadada a desaparecer por falta de líderes. Miky Grogan, feliz de ver sua protegida de volta da Baviera, sã e enxuta, resolveu dar uma festa de comemoração. Alan Pitzer e Frau Anne Pfifer que também regressara da Alemanha, para assumir seu posto no ATIC, foram especialmente convidados. E Frank Minello compareceu porque era “cara de pau”. Brigitte, florindo a magia de seu corpo em gestos que eram pétalas de rosas, olhando com seu olhar azul e deixando os cabelos tão negros envergonharem o negrume da noite... Brigitte, em moreno pálido, o intenso perfume de sua pele a desafiar puritanos e troianos menos gregos, era a única mulher no fantástico party. Ninguém pediria outra. Frank Minello mordia os lábios, infeliz, um vulcão de ciúmes dentro do peito. Era-lhe impossível compreender o mistério Montfort. Mas, também não queria dar o braço a torcer. Pitzer atacava por outros caminhos. Em certo momento, quis ouvir da própria jovem o motivo da reportagem que teria sido a mais sensacional do mundo. Mostrou-se solidário com ela. Um absurdo, a interferência do Departamento de Defesa na liberdade de imprensa! Brigitte, já agora mais calma, fazia charme: — Muito obrigada, chefe. Mas é fácil de entender a proibição. O invento do professor Amou é, antes de tudo, uma arma secreta e uma arma de guerra. Terrível arma! Sua espantosa mobilidade e seu fácil manejo tornam-na acessível a qualquer militar. Se for fabricada em grande escala, tomará obsoletos todos os tipos de avião a jato até agora conhecidos. Isso, sem falar nos mísseis teleguiados. O segredo de fabricação do “Bierkorpl” não deve ser divulgado, no momento, quando o ritmo das negociações de paz no mundo é perfeito. Esplêndida reserva das forças do nosso Ocidente livre. Devidamente arquivada para qualquer emergência. Enquanto isso, na opinião pública, os misteriosos discos- voadores continuam sendo um mito. Uma bela fantasia. Eu própria adoraria acreditar que vêm de Marte, trazendo mistérios, soluções de problemas sociais e religiosos. Mas.., chega! Não quer tomar um drink? Pitzer baixou a voz: — Quero tomar você! Brigitte sorriu e desconversou. Suas idéias eram mais sérias. — Quando iremos a Washington? — Esta noite mesmo, se você quiser. O chefe quer conhecê-la pessoalmente. E você tem que prestar o juramento e assinar o contrato, Não se preocupe: você pode ficar duas noites no apartamento de minha mãe. — Sua mãe mora em Washington? — Não. Mas tem um apartamento lá. Vazio. Brigitte sorriu e saiu para outro grupo, deixando o velho lobo do FBI de queixo caído, pensando em um vasto pileque para agüentar o queimar de seu desejo atiçado... Afinal pensou Brigitte o inspetor Pitzer não será tão duro como uma pedra... Ela teria que se apresentar no QG do FBI, é claro pois tinha uma recompensa para receber mas, por medida de segurança, viajaria sozinha... — Brigitte — disse Miky Grogan, segurando-a por um braço. — Ainda resta esclarecer uma coisa! Que história é essa de você internar uma senhora alemã, na Clínica Mayo, por conta do jornal? Há uma semana que pagamos as despesas, sem saber por quê! — É a mãe de Rudolf Kuhl — explicou a linda repórter, sorrindo. — Rudolf é um jovem nazista que preferiu a democracia. Espero que os médicos tenham descoberto o mal da pobre senhora. — Descobriram — rosnou o gordo diretor do “Nova Manhã”. — Ela sofria de cólera. Mas já está quase curada. — Cólera morbus? — Não. Vivia encolerizada porque o filho era um maricas. Foi o desgosto que a prostrou. O rapaz também está sob observação médica. Terminada a festa, Brigitte de volta aos seus aposentos, nua para o banho, cruzou o enorme espelho. Contemplou-se, feliz. Não era sem uma renovada alegria que se admirava, toda noite, antes de dormir, diante do espelho amigo. Nem um defeito, no corpo elástico! Seios, pernas, ancas, barriga, tudo certo, na proporção exata! Só o amor não estava certo no ponto exato de suas reações. Que estranha conseqüência! Se apaixonava-se, perdia o desejo. Se não se apaixonava, aí sim, desejava. Balançando os seios livres, foi até o telefone cor-de-rosa de seu boudoir. Sentou-se. Cruzou as pernas sensacionais. E discou um número. — Alô? Pronto! Era uma voz de homem, grave e macia. — Frank? Sou eu. Ainda não se deitou? Então, venha. Sim, isso mesmo. Venha correndo, garotão! No quarto, deixando apenas o abajur discreto a iluminação o corpo nu, Brigitte espreguiçou-se e murmurou consigo mesma: — Quando repousara o seu amor no meu amor? Como a pureza na alma dos santos... como os pássaros nas torres das igrejas?... Cinco minutos depois, Frank Minello deu-lhe a resposta. O jovem e musculoso redator esportivo do “Nova Manhã” viera tão depressa que se esquecera de vestir a camisa, sob o capote de lã. Também, para quê? A descoberta de um novo átomo na natureza desperta a cobiça de gente muito perigosa. Brigitte Montfort volta em: O MISTÉRIO DO ÁTOMO Z.