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TCC_FINAL REVISÃO ORTOGRÁFICA (1) docx

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1
1 INTRODUÇÃO
Com o avanço tecnológico dos meios de comunicação e a velocidade das trocas de
informação, o culto às celebridades tornou-se realidade constante no cenário
midiático. Essa exaltação ao célebre contribui para a construção das identificações e
desejos de uma sociedade, criando padrões a serem seguidos e condensando
valores de uma sociedade.
No universo esportivo, tornar-se um personagem relevante é um patamar que
poucos alcançam, mas aqueles que conseguem a atenção do público passam a se
tornar referências, podendo representar ídolos e até mesmo heróis para grande
parte da população. Assim, é comum encontrar esportistas a percorrer o caminho
dos astros, aparecendo em campanhas publicitárias, festas, clipes musicais,
eventos, dentre outros.
Para compreender esta imagem do futebolista na sociedade brasileira
contemporânea é necessário saber o próprio papel do esporte e a importância que o
desempenha no contexto social. Mais que um esporte, a atividade que coloca 11
homens de cada lado de um campo, correndo atrás de uma única bola e se
esforçando ao máximo para driblar o goleiro adversário durante 90 minutos,
possibilitou ao Brasil uma construção de identidade e o título de país do futebol.
O presente trabalho propõe-se a analisar de que forma a mídia configura o jogador
Neymar como uma celebridade. Para isso, traçamos um panorama teórico dividido
em 3 partes. Na primeira, são estabelecidas as linhas teóricas no âmbito de como a
mídia contribui para a construção da sociedade atual, e como são estabelecidos os
termos de construção da figura pública do jogador com as linhas de raciocínio de
Edgar Morin (1997) junto às definições de olimpianos modernos como semideuses
da sociedade contemporânea, modelos de felicidade projetados pelas celebridades,
além de utilizar a abordagem de Ronaldo Helal (2001) sobre a distinção entre ídolos
e heróis.
2
Em seguida, foi traçado um panorama através contextualização da imagem do
jogador de futebol na sociedade brasileira, a construção do chamado estilo brasileiro
de futebol e as influências do esporte na construção da identidade da sociedade
brasileira. Para isto foram utilizadas as análises de Soares e Lovisolo (2003), Melo
(2000) e Giglio (2007), autores que colaboraram na definição dos conceitos
utilizados.
Na terceira parte, buscamos entender os caminhos percorridos pelo atleta Neymar
da Silva Santos Júnior para alcançar a fama, suas raízes, sua construção como
jogador, bem como sua ascensão como celebridade e alguns momentos de
destaque de sua vida pessoal.
Na análise, buscamos compreender o conteúdo das matérias publicadas no ano de
2011, em três das principais revistas semanais do país - Época, Veja e IstoÉ – que
veicularam o jogador na capa. O objetivo foi analisar a forma de abordagem das
características do jogador e estabelecer paralelos com os conceitos anteriormente
estudados, a fim de perceber de que forma ele foi configurado por estes veículos
como uma celebridade.
Como poderemos perceber ao longo deste trabalho, a construção da imagem de
uma celebridade vai muito além de suas particularidades aparentes. Suas vitórias,
sua vida pessoal, as aparições midiáticas e a opinião do público colaboram para
defini-lo como personalidade do universo social contemporâneo. A narrativa
biográfica de um ídolo do futebol dialoga com as interações sociais do contexto mais
amplo no qual ela se insere.
3
2 MÍDIA E SOCIEDADE: INFLUÊNCIAS MÚTUAS
As sociedades contemporâneas encontram-se fortemente marcadas pela presença
dos diversos meios de comunicação. Alguns autores têm sublinhado essa
onipresença da mídia no mundo atual e, mais especificamente, no cotidiano de1
homens e mulheres, que consomem, ao longo de suas vidas, reportagens em jornais
e revistas, filmes, telenovelas, reality shows, músicas nos rádios, vídeos na
internet... “A mídia é uma instituição onipresente na vida social contemporânea,
sendo possível pensá-la como constituinte da e constituída pela sociedade em que
se inscreve” (SIMÕES, 2009, p.68). Kellner (2006) também chama a atenção para
essa dimensão essencial da mídia na nossa experiência.
“É impossível escapar à presença, à representação da mídia.
Passamos a depender da mídia, tanto impressa como eletrônica,
para fins de entretenimento e informação, de conforto e segurança,
para ver algum sentido nas continuidades da experiência e também,
de quando em quando, parra as intensidades da experiência.”
(KELLNER, 2006, p. 12).
Silverstone (2002, p.20) compartilha dessa ideia ao dizer que “a mídia é, se nada
mais, cotidiana, uma presença constante em nossa vida diária”. Para o autor, é no
“mundo mundano” que a mídia atua com mais intensidade, no dia-a-dia das
pessoas, nas suas ações corriqueiras.
Ela filtra e molda realidades cotidianas, por meio de suas
representações singulares e múltiplas, fornecendo critérios,
referências para a condução da vida diária, para a produção e a
manutenção do senso comum. (...) A mídia nos deu palavras para
dizer, as ideias para exprimir, não como uma força desencarnada
operando contra nós enquanto nos ocupamos com nossos afazeres
diários, mas como parte de uma realidade de que participamos, que
dividimos e que sustentamos diariamente por meio de nossa fala
diária, de nossas interações diárias (SILVERSTONE, 2002, p.20-21).
A mídia é capaz de fomentar na sociedade fantasias e sonhos, colaborando para a
construção de identidades e ajudando a configurar o ambiente cultural
contemporâneo por meio de seu conteúdo. Para Kellner (2006), os indivíduos
reelaboram a concepção do mundo à sua volta incluindo suas percepções sobre a
1 Segundo Gastaldo (2008, p.354), “o termo “mídia” deriva de um aportuguesamento da pronúncia em
inglês do termo latino media que é a forma plural de medium, ‘meio’.”.
4
realidade cultural e social.
A cultura de mídia ajuda a modelar a visão prevalecente de mundo e
os valores mais profundos: define o que é considerado bom ou mau,
positivo ou negativo, moral ou imoral. As narrativas e as imagens
veiculadas pela mídia fornecem os símbolos, os mitos e os recursos
que ajudam a constituir uma cultura comum para a maioria dos
indivíduos em muitas regiões do mundo de hoje. A cultura veiculada
pela mídia fornece o material que cria as identidades pelas quais os
indivíduos se inserem nas sociedades tecnocapitalistas
contemporâneas, produzindo uma nova forma de cultura global.
(KELLNER, 2001, p11)
Segundo Silverstone (2002, p.33), a mídia se estende para além do encontro
emissor-receptor: ela envolve uma atividade mais ou menos contínua de
engajamento e desengajamento, com significados que têm sua fonte ou seu foco na
circulação de significado. Essa crítica de Silverstone encontra eco nas limitações
apontadas por França no chamado “paradigma clássico” da comunicação, que
durante anos prevaleceu nos estudos sobre os meios de comunicação, no qual a
“relação é tomada como unilateral, preestabelecida e fixa” (FRANÇA, 1998, p. 38).
Para a autora, esse modelo deixa ignorados os envolvidos na relação e a própria
relação cujas mensagens são tomadas de forma estanque (FRANÇA, 1998).
A mensagem, cortada/extraída do contexto da relação, se transforma
em uma materialidade rígida. O processo de significação se reduz às
funções (mecânicas) de codificação e decodificação, em um universo
de equivalência. Fazendo isso, o modelo ignora a criatividade
linguística, o sentido construído no contexto da relação e na situação
de troca (FRANÇA, 1998, p. 38).
Em sentido contrário a esse “paradigma clássico”, Silverstone sugere compreender a
mídia como processo, “uma coisa em curso e uma coisa feita” (SILVERSTONE,
2002, p.16). Para o autor, isso significa dizer que todo processo é social e que,
portanto, a mídia deve ser entendida como “historicamente específica”, ou seja,
“está mudando, já mudou, radicalmente’”. (SILVERSTONE, 2002, p.17). O autor, de
fato, está sublinhando a relevância de se considerar o contexto social quando se
analisamos produtos da mídia. Também Thompson (1998, p. 41) destaca “a
importância de pensar nos meios de comunicação em relação aos contextos sociais
práticos nos quais os indivíduos produzem e recebem as formas simbólicas
5
mediadas”. Por sua vez, ao estudar a produção jornalística, França (1998) enfatiza:
Se é bem verdade que não podemos estudar o jornal sem dar à
informação um relevo particular, não podemos também lhe atribuir a
onipotência de tudo conter ou tudo anular: os interlocutores, suas
relações reais, o contexto da relação, sua inserção na esfera do
social (FRANÇA, 1998, p. 42).
Uma das consequências do “paradigma clássico” da comunicação foi o
desenvolvimento de pesquisas e estudos que tomaram os receptores dos produtos
midiáticos como passivos, submissos a meios de comunicações todo-poderosos .2
Thompson aponta ainda que houve, nesses estudos, um equívoco, a recepção, de
acordo com o autor, tem de ser examinada de outra forma. “Deveria ser vista como
uma atividade: não como algo passivo, mas o tipo de prática pelas quais os
indivíduos percebem e trabalham o material simbólico que recebem” (THOMPSON,
1998, p. 42) (grifo do autor). O autor, também ao falar da recepção, resgata a
importância do contexto.
a recepção é uma atividade situada: os produtos da mídia são
recebidos por indivíduos que estão sempre situados em específicos
contextos sócio históricos. (...) ela é também uma atividade que
permite aos indivíduos se distanciarem dos contextos práticos de
suas vidas cotidianas” (THOMPSON, 1998, p. 42-43) (grifo do autor).
O que os autores aqui estudados reforçam é a relevância de não retirar os produtos
da mídia dos contextos específicos nos quais se inserem e perpassam - sob pena de
ignorarmos as complexas relações que esses produtos estabelecem com as
sociedades e, mais especificamente, com as pessoas em suas práticas diárias, que
envolvem também outras pessoas. Como lembra França (1998),
A noção é circular: a palavra nos envia às relações; as relações, à
palavra. (...) A comunicação é um refinamento da possibilidade de
estar com o outro; ela inscreve a convergência e o conflito entre o
interior e o exterior, a partilha e o recolhimento, o eu e o outro. Ela
conjuga distância e proximidade, diferença e identidade, conflito e
cumplicidade. (FRANÇA, 1998, p. 45).
Estudar uma celebridade e suas relações com a mídia requer, por conseguinte,
2 Estudos de diferentes correntes ideológicas tomam este caminho desde a Teoria da Agulha
Hipodérmica até a marxista Teoria Crítica, da Escola de Frankfurt com seu conceito de Indústria
Cultural.
6
investigar também os contextos social e cultural no qual se dão essas relações. Na
atualidade, a emergência das celebridades encontra-se interligada ao modo de
funcionamento da mídia. Esse ponto será explorado na seção a seguir.
7
2.1CELEBRIDADES
As celebridades permeiam o universo midiático contemporâneo. De acordo com
Kellner (2006, p. 126), “as celebridades são as divindades fabricadas e
administradas. São ícones midiáticos, deuses e deusas da vida cotidiana”. Essa
relação das celebridades com a mídia é sintetizada por Herschmann e Pereira
(2005) quando afirmam que a mídia contemporânea mobiliza seu público de uma
maneira forte, incorporando elementos do dia a dia e narrativas biográficas, sobre as
trajetórias dos ídolos e celebridades. Para Pimentel (2005), “a palavra celebridade
virou termo corrente para indicar aqueles indivíduos que se transformam em alvo
privilegiado das mídias”.
Algumas celebridades surgem e pouco tempo depois desaparecem, outras já
possuem uma presença mais duradoura. O tempo em que ela se manterá nesta
posição está relacionado ao seu posicionamento diante dos meios. O sociólogo
Rojek (2008 apud PRIMO, 2009) afirma existir três tipos de celebridade: conferida,3
adquirida e atribuída. A celebridade conferida decorre de linhagem, como a família
real inglesa. Já a celebridade adquirida é derivada de realizações individuais,
como a conquista de um título no universo esportivo, por exemplo. Por fim, a
celebridade atribuída é aquela que ainda sem um grande talento ou habilidade
consegue se destacar e adquirir atenção do público, através de intermédios culturais
.4
A discussão sobre as celebridades não é nova, ela vem sendo feita por alguns
autores há várias décadas. Edgar Morin (1997) foi um dos primeiros a falar destas
figuras de uma forma bem próxima do que elas são nos dias de hoje. Em suas
discussões, essas celebridades são chamadas de olimpianos . Os olimpianos5
5A expressão Olimpianos é proveniente daqueles que habitam o Monte Olimpo, montanha mais alta
4 Pertencente a esta última classe, Rojek (2009) cria ainda uma subcategoria denominada celetóide,
que seria a forma mais efêmera de celebridade, com fama passageira - aqueles que possuem os
famosos "quinze minutos de fama".
3 ROJEK, Chris. Celebrity. London: Reaktion Books, 2001.
8
modernos são as grandes estrelas da mídia, com um estilo de vida invejável. “Esses
olimpianos não são apenas astros de cinema, mas também os campeões, príncipes,
reis, playboys, exploradores, artistas célebres, etc.” (MORIN, 1997, p. 105).
Segundo o autor, a informação realiza a transformação dos olimpianos em vedetes,
elevando fatos destituídos de qualquer significação política, como casamentos,
divórcios brigas e nascimentos ao nível de fatos históricos. Existe uma junção de
vida profissional e pessoal numa esfera de visibilidade e influências. Morin (1997,
p.107) ainda analisa que “conjugando a vida cotidiana e a vida olimpiana, os
olimpianos se tornam modelos de cultura no sentido etnográfico do termo, isto é,
modelos de vida. São heróis modelos. Encarnam os mitos de autorrealização da
vida privada” (grifo do autor). Isto significa que os olimpianos possuem o poder de
influenciar as outras pessoas, que almejam ser reconhecidas e que, por isso,
espelham-se nessas figuras. Para Pena (2002),
A espetacularização da vida toma o lugar das tradicionais formas de
entretenimento. Cada momento da biografia de um indivíduo é
superdimensionado, transformado em capítulo e consumido como um
filme. Mas a valorização do biográfico é diretamente proporcional à
capacidade desse indivíduo em roubar a cena, ou seja, em tornar-se
uma celebridade. Aliás, as celebridades tornaram-se o pólo de
identificação do consumidor-ator-espectador do espetáculo
contemporâneo. São elas que catalisam a atenção e preenchem o
imaginário coletivo. (PENA, 2002, p. 49)
Morin (1997) defende que a cultura de massa possibilita a criação destes ícones
midiáticos que possuem grande destaque . Segundo o autor, as estrelas são6
modelos de vida e um apelo das massas na busca da salvação individual, que é
sintetizada na relação entre o real e o imaginário. Essas pessoas podem se tornar
referência devido ao papel que desempenham que muitas vezes é atrelado ao seu
6 Morin (1997, p. 17) entende a cultura de massa como uma cultura e não mero instrumento de
manipulação das classes dominantes, pois “ela constitui um corpo de símbolos, mitos e imagens
concernentes à vida prática e à vida imaginária, um sistema de projeções e de identificações
específicas. Ela se acrescenta à cultura nacional, à cultura humanista, à cultura religiosa, e entra em
concorrência com estas culturas”.
da Grécia, conhecida na mitologia grega como a morada dos deuses.
9
talento ligado às produções culturais e esportes ou até mesmo por algum episódio
inusitado em suas vidas. Para Morin (1997), o olimpismo de uns nasce do
imaginário, isto é, de papéis encarnados nos filmes (astros), o de outros nasce de
sua função sagrada (realeza, presidência), de seus trabalhos heroicos (campeões,
exploradores) ou eróticos (playboys). Estas celebridades tornam-se referência para
os demais à medida que se destacam, passam a figurar modelos de conduta, na
busca da tão sonhada felicidade e do sucesso.
Essa capacidade dos olimpianos de representar um modelo de vida de forma a
causar sentimentos de admiração e buscaprojetada pelo público mexendo com seu
imaginário também é discutida por Morin ao afirmar que “os olimpianos, por meio de
sua dupla natureza, divina e humana, efetuam a circulação permanente entre o
mundo da projeção e o mundo da identificação” (MORIN, 1997, p. 107). Ao mesmo
tempo em que existe uma exaltação das características dessas estrelas,
elevando-as a divindades e associando-as ao extraordinário, a cultura de massa
procura humanizá-las a fim de que o público se identifique com elas. É explorada a
exposição de fatos cotidianos como humanos comuns e em outros momentos, aquilo
que as torna especiais. Segundo o autor;
Os novos olimpianos são, simultaneamente, magnetizados no
imaginário e no real, simultaneamente, ideais inimitáveis e modelos
imitáveis; sua dupla natureza é análoga à dupla natureza teológica
do herói-deus da religião cristã: olimpianas e olimpianos são sobre
humanos no papel que eles encarnam, humanos na existência
privada que eles levam. A imprensa de massa, ao mesmo tempo em
que investe os olimpianos de um papel mitológico, mergulha em suas
vidas privadas a fim de extrair delas a substância humana que
permite a identificação. (MORIN, 1969, p. 112-113) (grifo nosso).
Para Morin (1997, p. 82), alguns fatores são mais propícios para desenvolver a identificação. Pode
haver um equilíbrio entre realismo e idealização; uma veracidade que estabeleça a ligação com a
realidade cotidiana; personagens que tenham relação com o dia a dia, mas, ao mesmo tempo, uma
vida mais intensa, diferenciando-os dos "cidadãos comuns"; necessidades e ambições dos
receptores; personagens dotados de qualidades simpáticas, agradáveis ao público. Isto permite que o
público faça uma idealização destes semideuses, admirando-os pelo que os simples mortais não
podem fazer e, ao mesmo tempo, buscando características que os aproxime do real, do ser humano
10
que possui falhas como qualquer outro, promovendo a identificação à medida que estas
características são expostas. A mídia é a plataforma para que isso aconteça, ela possibilita a
propagação dessas informações e possui presença marcante na vida dos indivíduos.
Para Kellner (2004, p.176), “a cultura da mídia não aborda apenas os
grandes momentos da vida comum, mas proporciona também material ainda
mais farto para as fantasias e sonhos, modelando o pensamento, o
comportamento e as identidades.” Sendo assim, o comportamento e os
valores dos indivíduos acabam recebendo influência desses ícones
midiáticos.
Quando se fala em celebridades, outros dois termos são relacionados a este
conceito, que os diferenciam e os revestem de uma aura especial, são eles: ídolos e
heróis. Apesar de estarem relacionados, os termos não têm o mesmo significado.
Sobre a definição de herói Helal e Murad (1995, p. 65) afirmam que:
o herói é quem conseguiu, lutando, ultrapassar os limites possíveis
das condições históricas e pessoais de uma forma extraordinária,
contendo nessa façanha uma necessária dose de ‘redenção’ e
‘glória’ de um povo. Mas para que sua trajetória heroica alcance este
status é necessário que as pessoas acreditem na verdade que as
façanhas do herói afirmam. Logo, o mito do herói faz parte de uma
relação com os seguidores, os fãs, aqueles que o idolatram. Sem
esta relação, este ‘acordo’, o herói não é herói, o que nos leva a
concluir, então, que na figura do herói se encontram agrupadas
várias representações distintas da coletividade. (HELAL; MURAD,
1995, p. 65).
Sendo assim, pode-se considerar que o herói representa uma figura forte,
pois é como se ele vivesse em função da sociedade, desempenhando seu
papel de uma forma especial, agindo em função do coletivo e é fundamental
que o público seguidor acredite nele. A saga clássica do herói fala de um ser
que parte do mundo cotidiano e se aventura a enfrentar obstáculos
considerados intransponíveis, os vence e retorna a casa, trazendo benefícios
aos seus semelhantes (CAMPBELL, 1995, p. 36). A figura relacionada ao
11
heroísmo é retratada por muitos autores como o ser que possui uma missão e
tem grande valor diante dos outros, que acreditam que ele possa
desempenhar um papel importante, na busca da vitória que é concretizada
como um ganho para todas as pessoas. Segundo Pena;
O herói acredita que tem uma missão a cumprir. Ele deve domar o
cotidiano e viver na esfera do extraordinário. Deve entregar-se ao
seu propósito maior e ao seu destino glorificado, que será construído
única e exclusivamente por ele mesmo, já que ele é senhor de seus
atos. (PENA, 2004, p.34).
O herói é colocado por grande parte dos autores como um personagem forte que
busca sua glória através de sua missão, diferente do ídolo. Já o ídolo constrói sua
imagem através do tempo, com ações humanas que, de alguma forma, são
admiradas pelo público. Para Giglio (2007), “o ídolo seria uma pessoa conhecida e
reconhecida, ou seja, famoso, porém, incapaz de redimir a sociedade.” Segundo o
autor, o ídolo possui uma postura mais individualista, voltada à realização de seus
feitos pessoais. Segundo O’ Sullivan et al. (2005 apud Monteiro 2007), os ídolos são7
ícones tipicamente modernos, que personificam uma série de ideais e valores em
consequência de sua projeção midiática e, portanto, assumem um papel simbólico
de incontestável relevância na sociedade contemporânea.
A palavra ídolo tem origem grega, eidôlon, e significa imagem. Essa imagem reflete
a importância de seus feitos. Para Helal (2003), os êxitos dos ídolos despertam a
nossa curiosidade. Suas trajetórias rumo à fama são “editadas” na mídia,
enfatizando certos aspectos, relegando outros a um plano secundário e até mesmo
omitindo algumas passagens. No Brasil, as narrativas das trajetórias de vida dos
ídolos enfatizam a genialidade e o improviso como características marcantes e
fundamentais para se alcançar o sucesso.
Alguns tipos de celebridades podem conseguir o título de heróis mais
facilmente que outras, dependendo de sua postura e do papel desempenhado
7 O’ SULLIVAN T. et al. Key concepts in communication and cultural studies. New York: Routledge, 2002.
12
na mídia. Os campeões das olimpíadas, por exemplo, são frequentemente
exaltados ao heroísmo, principalmente se esses possuírem alguma limitação.
Já as celebridades da música ou dramaturgia dificilmente conseguem este
efeito, pois sua trajetória caminha rumo a auto-realização. Helal (2003) afirma
que
as narrativas das trajetórias de vida dos ídolos esportivos
frequentemente focalizam características que os transformam em
heróis, enquanto as dos ídolos da música ou dramaturgia, por
exemplo, raramente salientam estas qualidades. A explicação para
este fato reside no aspecto agonístico, de luta, que permeia o
universo do esporte. A competição é inerente ao próprio espetáculo.
Ambos, ídolos do esporte e da música se transformam em
celebridades, porém, os primeiros são mais facilmente considerados
“heróis” (HELAL, 2003, p. 19).
O próximo item deste trabalho busca compreender um pouco mais as
especificidades das celebridades nos esportes, mais especificamente no futebol.
Para tanto, foi fundamental abordar, ainda que brevemente, o que esse esporte
significa no imaginário do povo brasileiro.
2.2 Celebridades no esporte
Já se tornou senso comum dizer que o futebol no Brasil é uma paixão popular. Com
uma porção cada vez maior de admiradores, o esporte tem elevado um número
crescente de atletas ao posto de celebridades nacionais e mesmo mundiais. É
possível encontrá-los em programas televisivos de entrevistas ou apresentando
programas de esporte, capas de revistas de fofocas, mas também revistas
informativas, em ações beneficentes amplamente divulgadas ou dando dicas de
moda, saúde ou beleza. O público fica sabendo, com grande interesse, sobre as
quantias milionárias dos contratos, os namoros, casamentos e divórcios, os casos
polêmicos, os gostos, hábitos e costumes dessas celebridades esportivas.
Para Giglio (2007, p.22), a grande maioria dos brasileiros vê o futebol comoum
13
momento de lazer, no qual nele encontram motivos para reunir a família, encontrar
os amigos, ter assuntos para conversar, assim, mobilizando milhares de pessoas
com um objetivo comum. “Portanto, o futebol possui um grande significado para o
povo brasileiro. Um dos pilares que sustenta esse significado são seus ídolos e
heróis.” (GIGLIO, 2007, p.22).
Helal defende que “um fenômeno de massa não se sustenta sem a presença de
‘estrelas’. São elas que atraem as pessoas aos eventos e transformam-se em um
referencial para os fãs.” (HELAL, 1999, p. 01). Por sua vez, Rosa (2008) afirma que
as pessoas necessitam ter alguém para admirar. “As pessoas gostam e precisam
idolatrar alguém que conseguiu vencer, quebrar recordes e saltar obstáculos pela
vida toda até tornar-se um ídolo” (ROSA, 2008, p.25).
De acordo com Helal (1999, p.01), os jogadores possuem características que os
transformam em heróis, isso devido à paixão da massa por lutas e superação de
obstáculos, muito presentes em torneios de futebol, nos quais o jogador precisa
derrotar o time oponente para sair vitorioso. “O herói tem que cumprir sua missão:
conceder dádivas aos seus semelhantes.” (HELAL; SOARES; LOVISOLO, 2001, p.
154).
De fato, um fenômeno de massa não consegue se sustentar por
muito tempo sem a presença de “heróis”, “estrelas” e “ídolos”. São
eles que levam as pessoas a se identificarem com aquele evento.
Eles representam a nossa comunidade, frequentemente
sobrepujando obstáculos aparentemente intransponíveis. (HELAL;
SOARES; LOVISOLO, 2001, p. 154)
De acordo com Helal, Soares e Lovisolo, (2001, p. 150), os feitos de ídolos e heróis
despertam a curiosidade do povo brasileiro. Sua infância, como ingressaram no
futebol, o decorrer da carreira e como chegaram à fama são constantemente
narrados pela mídia, caindo nas graças dos admiradores. No Brasil, a rotina de
preparação dos jogadores é constantemente destacada, pois, ao contrário dos
ídolos da música, por exemplo, que não precisam de muito treino, os jogadores de
futebol devem estar em forma, ter presteza e improviso como características
14
principais. (HELAL; SOARES; LOVISOLO, 2001, p. 150).
Cabe ressaltar que nem todos os jogadores conseguem ser considerados atletas de
sucesso, virarem uma celebridade, tornarem-se olimpianos no panteão brasileiro.
Aqui, emerge com força a noção de dom, usada, muitas vezes, para explicar o
destaque de um atleta. “Algumas qualidades dos jogadores são identificadas a partir
da ideia de dom e aquele que possui o dom é considerado craque.” (GIGLIO, 2007,
p.88). O dom é visto como um diferencial . (GIGLIO, 2007).8
Esse empenho de alguns para tornar um “craque”, treinando com muito esforço,
enquanto outro, que possuiria o “dom”, já nasceria com grande habilidade. Desse
modo, por mais que outros jogadores se esforçassem, jamais conseguiriam alcançar
o mesmo nível daquele que tem o “dom” (GIGLIO, 2007, p.89-91). Para Helal (2003),
dizer que um jogador de futebol é “esforçado” chega a ser uma crítica contundente.
“Esta é uma maneira de se dizer que o sujeito não tem talento, porém se esforça. A
forma oposta seria o talento puro, genuíno, inato” (HELAL, 2003, p.21). No entanto,
Giglio (2007) pondera que,
para possuir um dom, é preciso trabalhar com afinco e determinação.
Portanto, se essas qualidades são importantes para conquistar seus
objetivos, será que possuir ou não o dom é um determinante para ser
um profissional, qualquer que seja a sua área? O sucesso no futebol
não acontecerá “naturalmente” somente pelo fato dos jogadores
possuírem o dom, por isso, para chegar ao status de ídolo, é preciso
trabalhar duro. (GIGLIO, 2007, p. 92)
De toda forma, Rosa (2008, p. 25) afirma que só chega ao topo o jogador que possui
habilidades fora do comum, àquele que faz coisas que os demais jogadores não
conseguem. “O jogador precisa ser diferenciado para ter a atenção da mídia, num
país como o Brasil onde existem milhares de jogadores e a paixão pelo futebol é
imensa, essa não é uma tarefa muito fácil” (ROSA, 2008, p.25).
Segundo Giglio (2007), essa crença no dom faz com que no Brasil surjam cada vez
8 Giglio (2007, p.82) define dom como uma dádiva de Deus ou talento, encarando como qualidade
futebolística do jogador brasileiro que, por si só, já nasceria com o talento.
15
mais garotos aptos a se tornarem grandes jogadores de futebol. “O senso comum
considera que a representatividade mundial que o Brasil conquistou no futebol é a
combinação de uma qualidade genética e de uma prontidão do brasileiro para a
prática” (GIGLIO, 2007, p.92). Grande parte da eficácia nos campos, como a
conquista de muitos títulos pela Seleção Brasileira, passa a ser concebida a partir de
um talento “natural” do brasileiro para esse esporte, algo hereditário que os
jogadores trariam. O futebol passa a ser uma atividade que diz da própria identidade
do “ser brasileiro”.
Pelo fato do vínculo entre o futebol e o homem brasileiro ser tão
grande, acaba-se por naturalizar as suas opções pela prática do
futebol. A paixão pelo futebol também é naturalizada, afinal, como
dizem, está no sangue, é hereditário. Há um discurso de que o
brasileiro possua uma prontidão para jogar futebol e, por isso,
teríamos conquistado tantas glórias nos gramados. (GIGLIO, 2007,
p.92)
O futebol tornou-se um fenômeno no esporte no qual é possível descobrir os
desejos, anseios e expectativas da população (GIGLIO, 2007). É comum, portanto,
que grande parte dos ídolos e heróis brasileiros seja composta por jogadores de
futebol. “A sociedade valoriza o vencedor, a vitória, a ascensão, impondo um padrão
de comportamento que reconhece o mais forte e o mais habilidoso”. (GIGLIO, 2007,
p.119). Giglio (2007, p.119) ainda ressalta que, no Brasil, o futebol é um esporte que
atinge todas as classes sociais, fazendo com que uma quantidade crescente de
jogadores seja exemplo para muitos brasileiros .9
Giglio (2007, p.119) afirma que se tornar jogador de futebol, sair do anonimato e ter
um salário milionário é o sonho de grande parte dos meninos brasileiros, mas a
parcela dos que conseguem alcançar tal façanha é pequena. “Portanto, os famosos,
os ídolos e heróis constituem uma exceção da exceção.” (GIGLIO, 2007, p.119).
Essa característica do ídolo e herói acaba por transformar o universo
do futebol em um terreno extremamente fértil para a produção de
9 Mais à frente neste trabalho será discutido que nem sempre o futebol foi praticado por toda a
população. De fato, ele chega ao Brasil como um esporte da elite, do qual negros e brancos pobres
não participavam.
16
mitos e ritos relevantes para a comunidade. Dotados de talento e
carisma, o que os singulariza e os diferencia dos demais, estes
“heróis” são paradigmas dos anseios sociais e através das narrativas
de suas trajetórias de vida, uma cultura se expressa e se revela.
(HELAL; SOARES; LOVISOLO, 2001, p. 154).
Ser um jogador de futebol profissional não é apenas aproveitar do status de ídolo e
herói, mas também ter de viver em constante angústia e preocupação, pois a
qualquer momento o jogador pode ser dispensado. (GIGLIO, 2007). Helal (1999)
retoma o caso da derrota do Brasil na Copa de 1998, durante a qual, contava-se
com o desempenho do jogador Ronaldo Fenômeno – atuação que decepcionou as
expectativas do povo brasileiro.
Observamos que na “derrocada” do ídolo, os fãs “descobrem” que o
mito é um “mortal”, um “homem como outro qualquer”, que tem suas
fraquezas, passa mal, dorme abraçado ao pai nos momentos difíceis,
sofre de solidão, sente-se aprisionado e ainda, de forma
emblemática, trata-se apenas de “um menino”. Assim, na “queda” do
ídolo, presenciamos a sua “humanização”. Ao invés do super-homem
Ronaldinho, “descobrimos” Ronaldo, o homem, o mortal. Os fãs se
familiarizam com ele e muitos querem lhe dar colo. (HELAL, 1999,
p.4).
Além disso, Marques (2005, p. 10) revela que os ídolos do esporte acabam por
serem vistos como “seres sobrenaturais” - exemplo de comportamento para as
pessoas.“Os recordes alcançados pelos atletas, os títulos e as vitórias (e, mais do
que isso, sua vontade e obsessão pelas conquistas) os tornam também genitores de
uma criação” (MARQUES, 2005, p. 10).
Segundo Marques (2005, p. 03), a mídia sempre foi o principal veículo para a
realização do “fenômeno da idolatria” (MARQUES, 2005, p.03). Por meio da mídia, o
aspirante a ídolo se promove e consegue manter seu nome constantemente em
destaque. Assim tanto o jogador quanto os veículos midiáticos obtém resultados
positivos, pois para a mídia, tal parceria auxilia o aumento da produção de
entretenimento para o público (MARQUES, 2005, p. 03). Rosa (2008, p.24)
considera que, através da mídia, o jogador também consegue grandes patrocínios e
contatos em grandes clubes, isto é, estar na mídia traz sucesso, fama, dinheiro e
17
status. “Também para a mídia o sucesso dos atletas é importante, pois, se eles são
ídolos, seus fãs irão consumir a mídia para ficar sabendo de tudo o que acontece
com eles” (ROSA, 2008, p.24).
Embora ídolos e heróis sejam, ao fim, celebridades, é importante para esta
monografia ressaltar que os conceitos trazem diferenças. De fato, verifica-se que a
mídia, os próprios jogadores e a população em geral utilizam as palavras como
sinônimos. Não é o caso neste trabalho. Giglio (2007) esclarece a diferença entre os
termos:
O ídolo é o protagonista do espetáculo esportivo, sua presença
torna-se imprescindível, afinal, sem ele o jogo “perde a graça”. O
herói, para assumir a condição de protagonista, necessita de uma
situação mítica que o coloque em evidência. Como o herói está
vinculado a um evento mítico, seus feitos são perpetuados,
imortalizados e relembrados por muito tempo. O ídolo se relacionará
com os seus torcedores/fãs e construirá essa condição no cotidiano e
pode atingir a condição de herói caso seu time participe de um
evento capaz de demarcar muito bem a identidade do clube, tal como
fazer um gol em uma final de campeonato. (GIGLIO, 2007, p.123)
Como descreve Giglio (2007), o ídolo adquire tal status em consequência de sua
história com o clube, assim será lembrado por tudo o que fez pelo time, seus títulos
conquistados, pelos gols, torcida, jogos considerados clássicos, etc. Já o herói surge
de uma situação mítica, um momento ímpar, imortalizado no imaginário daquela
população como uma ação excepcional, por exemplo, fazer um gol em uma final da
Copa do Mundo.
Assim que o ídolo não puder mais sustentar a sua posição, será
substituído por outro jogador apto a ocupar o seu lugar, enquanto o
herói será definido pelo evento mítico capaz de transformá-lo em
herói. Portanto, a cada evento capaz de mitificar um atleta, um novo
herói poderá surgir. (GIGLIO, 2007, p.123)
Ídolos ou heróis, os jogadores de futebol brasileiro encarnam de alguma forma,
valores da sociedade brasileira e acabam por dizer também sobre como os
brasileiros se veem. Enfim, estudar a representação desses jogadores na mídia
lança luz sobre aspectos da própria sociedade. O próximo tópico desta monografia
18
enfoca a discussão sobre o valor da felicidade nas sociedades contemporâneas e
como as celebridades, por vezes, materializam esse ideal.
2.3 Felicidade sob os holofotes
O entendimento do que significa ser feliz varia de acordo com as civilizações e, para
a cultura de massa, o tema tornou-se central (MORIN, 1997). O autor analisa que a
felicidade na cultura de massa assume contornos próprios e complexos em que a
figura das celebridades ocupa papel de destaque: “Os olimpianos, em sua
intensidade de vida afetiva, sua liberdade de movimento, suas paixões e seus
lazeres, são como os grandes modelos projetivos e identificativos da felicidade
moderna”. (MORIN, 1997, p. 130). De fato, também essa felicidade se configura por
meio de processo de projeção e identificação.
A cultura de massa delineia uma figura particular e complexa da
felicidade: projetiva e identificativa simultaneamente. A felicidade é
mito, isto é, projeção imaginária de arquétipos de felicidade, mas é
ao mesmo tempo ideia-força, busca vivida por milhões de adeptos.
Esses dois aspectos estão em parte, radicalmente dissociados, em
parte, radicalmente associados. (MORIN, 1997, p. 125)
Assim o papel das celebridades é evidenciado, elas encaram, dão vida a esses
arquétipos de felicidade, não apenas como forma de escapar de nossas angústias,
mas servindo de referência (FRANÇA, 2010, p. 225). Elas podem indicar um Norte
(ou possíveis nortes) frente a uma realidade cada vez mais complexa.
Mais do que a vida do outro, é a nossa, de alguma maneira, que está
em jogo na relação que estabelecemos com nossos ídolos. Não se
trata aí apenas de um mecanismo psicológico de compensação ou
escape; é possível ver também uma dinâmica da cultura, uma
invenção necessária para lidar com a insegurança, buscar
referências e operar ajustes em nossa própria frágil e sofrida
inserção na realidade contemporânea. Nesse sentido, a natureza
passageira das celebridades de nossos dias se mostra bastante
adequada; de alguma maneira, espelham a felicidade que estamos
buscando e o caminho dessa busca. (FRANÇA, 2010, p. 225).
Morin (1997) explica que as celebridades fornecem à vida privada os modelos e as
19
imagens condutoras de suas aspirações. Assim, emergem impulsos do campo
imaginário em direção ao real e vice versa, esses movimentos tendem a propor uma
ideologia e receitas práticas condutoras – justamente dos temas que a sociedade
almeja – da felicidade, do amor, do lazer, e dos mitos de auto-realização e heróis
modelos. A felicidade passa a se incorporar à ideia de viver:
as estrelas, em suas vidas de lazer, de jogo, de espetáculo, de amor,
de luxo e na sua busca incessante de felicidade simbolizam os tipos
ideais da cultura de massa. Heróis e heroínas da vida privada, os
astros e estrelas são a ala ativa da grande corte dos olimpianos, que
animam a imagem da verdadeira vida. (MORIN, 1997, p. 108)
Segundo a concepção de Morin (1997) na contemporaneidade ao mesmo tempo em
que a felicidade é um mito, ou seja, fruto da idealização dos modelos de felicidade; é
também um ideal pretendido por todos. Atualmente a felicidade é buscada tanto nos
bens materiais, como nos valores afetivos, o que podemos compreender como a
prevalência do “ser” e do “ter” simultaneamente. Nessa dinâmica, descreve Morin
(1997), a felicidade se apresenta como felicidade do indivíduo privado, ou seja, é
sobretudo uma felicidade pessoal , ligada ao presente.10
A felicidade moderna é partilhada pela alternativa entre a prioridade
dos valores afetivos e a prioridade dos valores materiais, a prioridade
de ser e a prioridade do ter e ao mesmo tempo força para superá-la,
para conciliar o ser e o ter. A concepção de felicidade, que é a da
cultura de massa, não pode ser reduzida ao hedonismo do
bem-estar, pois, pelo contrário, leva alimentos para as grandes fomes
da alma, mas pode ser considerada consumidora, no sentido mais
amplo do termo, isto é, que incita não só a consumir os produtos,
mas a consumir a própria vida (MORIN, 1997, p. 127).
Morin (1997) afirma ainda que, desde os heróis imaginários até os cartazes
publicitários, a cultura de massas carrega uma infinidade de incitações que
desenvolvem ou criam a imagem da vida desejável, o modelo de um estilo de vida.
O autor ressalta que, através do imaginário, da informação romanceada ou
10 Para o autor, “os conflitos tradicionais entre o interesse pessoal e o interesse público, o amor e o
dever persistem, mas esses conflitos são consideravelmente reduzidos em relação ao antigo
imaginário, e encontram, na maior parte dos casos, uma solução feliz na qual a realização privada
não é sacrificada. (MORIN, 1997, p. 126).
20
vedetizada, por meio dos contatos, dos conselhos e da publicidade, instaura-se o
impulso dos temas fundamentais que tendem a se encarnar na vida vivida.
O primeiro capítulo desta monografia teve como objetivo esclarecer conceitos
fundamentais para a análise de como o jogador Neymar dosSantos Júnior aparece
nas páginas das revistas Veja, Época e IstoÉ. O próximo capítulo fará uma
discussão mais aprofundada da história do futebol no mundo e no Brasil, focando
em alguns jogadores que marcaram essa atividade no país. O objetivo é mostrar,
com mais clareza, como o futebol, que começou como uma prática da elite no país
transformou-se no esporte símbolo do país numa trajetória entrelaçada à vida social,
política e cultural do Brasil.
21
3 FUTEBOL
O futebol é um dos exemplos mais significativos dentre todas as modalidades
esportivas que se fazem presentes na sociedade atual. Considerando o futebol uma
manifestação social complexa, vários estudos, a partir da década de 1970, legitimam
o futebol como objeto válido para as ciências sociais (LOVISOLO; SOARES, 2003).
Mascarenhas (2004) ressalta que “os esportes, enquanto fenômeno social, se
realizam a partir de determinadas condições históricas e geográficas”.
O esporte de forma constante e gradativa tem ocupado espaço
significativo na vida do ser humano. Nesse contexto podemos
compreender o esporte como uma atividade humana, ou mesmo
como um patrimônio cultural da humanidade, cuja prática poderá
apresentar-se com diferentes funções. (PAES, 2000, p. 33)
Manifestação cultural, o futebol deve ser compreendido também como atividade
altamente lucrativa, com notável impacto na economia da sociedade global.
Hobsbawn (2007) afirma que, graças à televisão global, esse esporte
universalmente popular transformou-se em um complexo industrial capitalista de
categoria mundial. Hoje ele é o esporte mais popular de todo o planeta como explica
Zubieta (2002):
Nos últimos anos, o futebol converteu-se em algo inevitável. Não
está somente nos estádios, mas invadiu todos os terrenos. É a
estrela dos meios de comunicação, o centro das conversações
cotidianas, a obsessão de alguns, a razão de viver de muitos e um
autêntico pesadelo para os poucos que não entendem deste esporte
[...] O futebol entrou sem chamar na nossa vida cotidiana. De um
tempo para cá deixou de ser algo extraordinário dos domingos à
tarde para converter-se no pão-nosso de cada dia. (ZUBIETA, 2002,
p.44.):
De fato, também o futebol se tornou globalizado, de acordo com Szymanski e
Kuypers (1999), ele é um produto fornecido por trabalhadores (jogadores e comissão
técnica) usando terra (campos), construções (estádios) e equipamento (bolas,
chuteiras, etc.) numa competição e por meio de cooperação com os rivais. Esse
sentido do futebol como produto evidencia o esporte como maior centro da indústria
22
do entretenimento e um dos principais motes de campanhas publicitárias, já que por
sua versatilidade possibilita a venda de uma enorme gama de produtos, Alvito
(2006) destaca que:
a plasticidade da mercadoria futebol permite que ele seja vendido ou
comercializado sob diversas formas: na TV, no telemóvel (novo e
promissor mercado), jogos eletrônicos de diversos tipos (inclusive
aqueles que simulam a “administração” da parte financeira dos
times), revistas especializadas, álbuns de figurinhas, em sites com
conteúdo exclusivo (partidas, gols, melhores momentos). Isto sem
falar na enorme variedade de produtos que usam os clubes — agora
transformados em marcas — e seus distintivos. Dentro desta lógica
de transformação dos grandes clubes do mundo em “marcas globais”
é que se entende o propósito das excursões de clubes europeus ao
Oriente de olho no mercado asiático, sem falar na contratação de
jogadores locais com o mesmo objetivo. (ALVITO 2006, p.6)
A compreensão do futebol e sua complexidade como fenômeno mundial exigem que
se resgatem a origem e a história deste esporte e seu desenvolvimento até os dias
atuais. Os próximos tópicos desta monografia têm como objetivo desenhar esse
quadro histórico tanto no mundo como no Brasil.
23
3.1 Origem e história
Siqueira (2011, p.67-79) informa que “o jogo moderno criado com regras na
Inglaterra em 1863, com a formação do Football Association é a base dos eventos
esportivos na atualidade”. Mas sobre as origens mais remotas do futebol no mundo
há muitas afirmações. Melo (2000) e Unzelt (2002) defendem que não existem
registros consensuais sobre os primeiros vestígios dos jogos com bola que
precederam a prática do futebol. Aquino (2002) cita um levantamento feito por
historiadores e arqueólogos que indica que o Egito e a Babilônia foram os pioneiros
a desenvolver algo que lembrava o futebol praticado por nós brasileiros.
Porém, as informações mais precisas se referem aos países asiáticos como
precursores do esporte. Na China, por exemplo, houve um jogo chamado tsutchu
(golpe na bola com o pé), que era praticado por volta de dois mil e trezentos anos
atrás, no período da dinastia Han . No Japão Antigo, foi criado um esporte muito11
parecido com o futebol atual chamado kemari (ke = chutar, mari = bola), aplicado
primeiramente como treinamento militar (por fortalecer os membros inferiores) e
esporte da nobreza . Historiadores do futebol encontraram relatos que confirmam o12
acontecimento de jogos entre equipes chinesas e japonesas na Antiguidade (MELO,
2000).
Os gregos criaram um jogo por volta do século I A.C chamado Episkiros. Neste jogo,
soldados gregos dividiam-se em duas equipes de nove jogadores em um terreno de
formato retangular. Quando os romanos dominaram a Grécia, entraram em contato
com a cultura grega e acabaram assimilando o Episkiros, porém o jogo tomou uma
conotação muito mais violenta (MELO, 2000).
Ainda segundo Melo (2000, p.10) na Itália Medieval surgiu um jogo chamado gioco
12 A bola era feita de fibras de bambu e entre as regras, o contato físico era proibido entre os 16
jogadores (8 para cada equipe) (MELO, 2000).
11 Segundo Melo (2000), o jogo na verdade era um treino militar em que se formavam duas equipes
com oito jogadores e o objetivo era passar a bola de pé em pé sem deixar cair no chão, levando-a
para dentro de duas estacas fincadas no campo. Estas estacas eram ligadas por um fio de cera.
24
del calcio. Praticado em praças, contava com 27 jogadores em cada equipe, que
tinham como objetivo levar a bola até dois postes localizados nos cantos extremos
da praça. A violência era muito comum, pois o jogo funcionava como uma válvula de
escape para os problemas provenientes das questões sociais típicas da época. O
barulho, a desorganização e a violência eram tão grandes que o rei Eduardo II
decretou uma lei proibindo a prática do jogo, condenando à prisão os praticantes .13
No ano de 1848, em Cambridge, na Inglaterra, estabeleceu-se um único código de
regras para o futebol. Em 1863, foi criado o Football Association (MELO, 2000), mais
tarde, em 1871, constituiu-se a figura do guarda-redes (goleiro), o único com
autorização para colocar as mãos na bola e que deveria ficar próximo ao gol para
evitar a entrada dela. No ano de 1875, foi criada a regra do tempo de 90 minutos e,
em 1891, o pênalti para punir faltas dentro da área. Somente em 1907, foi
estabelecida a regra do impedimento (MELO, 2000). De acordo com Carrano (2000,
p. 15), o esporte fora introduzido voltado para os jovens como forma de preparar os
futuros líderes do Império Britânico, propagando valores, como cavalheirismo, boa
conduta e honestidade.
A chegada do futebol à Europa se deu simultaneamente ao seu processo de
profissionalização. Esta expansão disseminou a constituição do jogo, sua linguagem,
forma de organização, costumes, vestimentas e, também, o hábito de terem adeptos
assistindo aos jogos, aqueles que, nos dias de hoje, conhecemos como
espectadores ou torcedores. Há registros, de que na última década do século XIX,
havia clubes que cobravam ingressos para se assistir aos jogos. É com esse
formato, como espetáculo, que o futebol se dissemina por praticamente todo o
mundo (MELO, 2000).
3.2 O futebol no Brasil
13 Os integrantes da nobreza, então, desenvolveram uma nova versão do jogo que ganhou regras
diferentes e foi organizado e sistematizado. O campo deveria medir 120 por 180 metrose nas duas
pontas seriam instalados dois arcos retangulares chamados de gol. A bola era de couro e enchida
com ar (MELO, 2000).
25
O futebol chega ao Brasil como um esporte de elite. De acordo com Voser,
Guimarães e Ribeiro (2006, p.17), em 1894, foi Charles W. Miller (brasileiro de
origem escocesa e inglesa) quem apresentou o futebol ao Brasil. O sucesso do14
novo esporte foi imediato e logo começaram a surgir grupos para jogar o futebol.
Segundo Voser, Guimarães e Ribeiro (2006, p.17). “O primeiro círculo que cultivou o
esporte de forma organizada foi formado por sócios do São Paulo Atletic Club.” e
assim, seus participantes tiveram a oportunidade de treinar e ensinar o futebol aos
demais colegas de trabalho que se interessassem. De início, caracterizou-se por um
esporte elitizado, pois apenas os jovens da classe alta, que representavam a elite da
sociedade da época tinham oportunidade de aprender. (VOSER; GUIMARÃES;15
RIBEIRO, 2006, p.17).
Há de destacar-se, que boa parte da trajetória inicial do futebol no
Brasil possui um caráter elitista, pois os ingleses (primeiros
praticantes do futebol no Brasil) faziam parte da elite da sociedade
paulista e carioca, e além deles somente os brasileiros ricos tinham
acesso à prática do futebol. É preciso levar em consideração que
quase todo material necessário para a prática do futebol era
importado e muito caro, não sendo acessível a qualquer pessoa
aficionada por futebol. (VOSER, GUIMARÃES; RIBEIRO, 2006, p.
18,).
De acordo com Giglio (2007, p.40), o futebol foi incorporado ao processo de
formação das metrópoles e, consequentemente, a um novo estilo de vida. O esporte
popularizou-se num momento de expansão urbana. Novos centros surgiam e
gradativamente o futebol passou a fazer parte do cotidiano do povo brasileiro em
15 O grupo foi criado por sócios do São Paulo Atletic Club, que reunia funcionários ingleses da
companhia de gás, do Banco de Londres e da São Paulo Railway. Seu primeiro jogo aconteceu em
14 ou 15 de abril de 1895 e foi disputado pelos funcionários da Companhia de Gás x Cia. Ferroviária
São Paulo Railway. O placar final foi: Funcionários da Companhia de Gás 2 x 4 Cia. Ferroviária São
Paulo Railway. (VOSER, GUIMARÃES; RIBEIRO, 2006, p.17)
14 Aos nove anos, Charles Miller seguiu para a Inglaterra com a finalidade de estudar. Lá, aprendeu a
jogar futebol. Após dez anos, retornou ao Brasil para trabalhar na São Paulo Railway (posteriormente
Estrada de Ferro Santos-Jundiaí) e se surpreendeu ao descobrir que ninguém praticava o futebol em
sua terra natal. Havia trazido duas bolas, uma agulha, uma bomba de ar, dois uniformes e um livro de
regras sobre o esporte chamado football, o que foi de grande ajuda quando decidiu ensinar seus
companheiros de trabalho. Sua reação foi imediata: iria ensinar os ingleses que viviam em São Paulo
e se entregou a essa atividade (VOSER; GUIMARÃES; RIBEIRO, 2006, p.17).
26
seu tempo livre. Assim, o esporte configurou-se como um elemento adequado às
novas demandas sociais que se formavam, especialmente no eixo Rio - São Paulo
(SOARES, 2001).
Segundo Voser, Guimarães e Ribeiro (2006, p.18), Hans Nobiling, alemão que veio
para o Brasil em 1897, foi o principal divulgador do futebol. “Nobiling motivou e
colaborou com Miller, na divulgação e organização de diversas competições de
futebol.” (VOSER; GUIMARÃES; RIBEIRO, 2006 p.18). Caldas (1990) afirma que
essas competições eram realizadas no campo de rúgbi do São Paulo Athletic Club e
no Velódromo, lugares frequentados pela alta sociedade, o que impossibilitava o
acesso de pessoas de baixa classe social. De acordo com Vogel (1982, p.99), foram
nas cidades do Rio de Janeiro e São Paulo, cidades que eram consideradas as
maiores metrópoles brasileiras da época, que houve os principais acontecimentos
futebolísticos do país .16
A maioria das unidades da federação não estava em condições de contribuir
com jogadores de alto nível técnico para selecionados. Assim, o que acabou
predominando foi a presença dos atletas dos grandes clubes do Rio e São
Paulo. Este fato, no entanto, não deixava de refletir certas condições
objetivas do desenvolvimento da sociedade brasileira, polarizada em torno
dos grandes centros urbanos do país, que se encontravam no Sudeste.
(VOGEL, p.99, 1982)
Daolio (2000, p.03) relata que, inicialmente, a implementação desta nova
modalidade esportiva no Brasil trouxe consigo uma discriminação evidente às
pessoas de pele negra e a pessoas de pele branca que eram pobres, por se tratar
de um esporte apenas praticado pela elite, classe de maior influência.
Em meados de 1923, segundo Lemos e Guedes (2008, p.36), o esporte, pela pouca
exigência para sua prática, alcançou adeptos de classes menos favorecidas.
Tamanho era o interesse dos negros pelo futebol que alguns tentavam disfarçar a
cor e engomavam o cabelo. Daolio (2000, p. 02) relata que, após o Vasco17
17 Carlos Alberto, no Campeonato Carioca de 1914, por conta própria, chegou a cobrir-se com
pó-de-arroz para que parecesse branco. Contudo, com o decorrer da partida, o suor cobriu a
16 Mas foi no Rio Grande do Sul que surgiu o primeiro time de futebol brasileiro. O time Rio Grande
do Sul foi fundado em 19 de julho de 1900 e é o clube de futebol mais antigo do Brasil (VOGEL, 1982,
p. 99).
27
conquistar o título carioca em 1923, com um time composto por negros e brancos
pobres e analfabetos, a situação começou a mudar: mesmo com a insatisfação
daqueles que queriam manter o futebol como um esporte de elite, foi necessário
repensar a proibição dos negros no futebol.
Melo (2009) esclarece que, a partir dessa inserção, o futebol passou a ser o esporte
mais procurado no país. Considerado o mais divertido pelas camadas populares,
tornou-se o esporte mais importante e principal passatempo, dessa maneira,
propiciando a participação direta do povo (MELO, 2000). O futebol não era mais
jogado somente nos clubes de elite, passou a ser praticado nas ruas, nos clubes de
subúrbio que se formaram, nas várzeas, nas praias, enfim, era jogado em muitos
outros espaços. (GIGLIO, 2007, p.41). Segundo Elias e Dunning (1992, p.65), o
fascínio criado por esse esporte passou a fazer parte do cotidiano do povo brasileiro
e tornou-o a modalidade favorita da nação.
A formação das Ligas de clubes para a disputa de um campeonato criou um
importante elo entre o esporte e a sociedade. A formação de clubes foi fundamental,
pois, a partir dela, as pessoas encontraram um novo meio de se divertirem, uma vez
que naquela época, momentos de lazer eram aproveitados apenas com atividades
de caça e outros jogos de bola. Uma nova atividade para recreação foi criada e as
pessoas puderam desfrutar a nova atividade esportiva, arriscando-se a jogar ou se
divertindo assistindo aos jogos. (ELIAS;DUNNING, 1992, p. 65).
Segundo Antunes (1994, p.109), com a popularização do futebol, as possibilidades
de profissionalizar os operários-jogadores se ampliaram e se estreitaram as relações
entre patrões e funcionários. Uma vez que os donos logo perceberam o sucesso das
equipes que levavam o nome das empresas, o esporte servia como um ótimo meio
de divulgação do nome das fábricas e seus produtos.
Ao se popularizar, o futebol ganhou novos significados simbólicos,
maquiagem. A torcida do América, que o conhecia, começou a persegui-lo e a gritar "pó-de-arroz",
apelido que acabou sendo absorvido pela torcida do Fluminense, que passou a jogar pó-de-arroz e
talco à entrada de seu time em campo. (LOVISOLO, 2001, p.38)
28
ideológicos, socioeconômicos. Transformou-se em fenômeno social
de grande importância, envolvendo uma complexa rede de relações
sociais e de interesses, às vezes mais, às vezes menos divergentes.
(ANTUNES, 1994, p. 109)
Segundo Rinaldi (2000, p.168), o futebol tem se identificado com a cultura brasileira,
principalmente no que se refere à subjetividade de suas relações, no que acontece
dentro do campo, como as transgressões das regras, da ordem e desordem, e da
aproximação queo futebol faz dos torcedores com a realidade festiva do prazer e do
lazer, que representa momentos de paixão e alegria. Para Paz, (2006, p.61), não
existe no mundo uma nação que se identifique mais com o futebol que o Brasil.
Franco Junior (2007, p.73) relata que a seleção Brasileira de Futebol teve sua
criação em 1914 e contou com atletas que jogavam em times paulistas e cariocas
para enfrentar o Exeter City, da Inglaterra, no Rio de Janeiro. Com a desorganização
e falta de profissionalismo da Confederação Brasileira de Desportos, que havia se
filiado à FIFA, o time participou da primeira Copa do Mundo em 1930, contando
apenas com jogadores cariocas, devido a um desentendimento com os paulistas. A
seleção também participou do campeonato mundial de 1934 e 1938, porém não
obtendo sucesso. Foi assim que a Seleção Brasileira se iniciou nos campeonatos
mundiais. (FRANCO JUNIOR, 2007, p.73)
3.3 Os títulos: surge a nação do futebol
Da Matta (1982) refuta a visão utilitarista do futebol como "ópio do povo", que, no
seu ponto de vista, separa o futebol da sociedade, entendendo-o como prejudicial a
outras questões sociais relevantes. Embora reconheça que determinadas
circunstâncias levam o esporte a servir como instrumento de alienação das massas,
o autor propõe um novo olhar: sugere compreender. o futebol como "veículo para
uma série de dramatizações da sociedade brasileira, constituindo-se num modo
especifico de expressão desta". (DA MATTA, 1982, p. 21).
Partindo deste pressuposto, é possível afirmar, baseando-se em Gastaldo (2006),
29
que, para o Brasil, vencer uma copa do mundo é como reforçar a identidade do país.
“Uma copa do Mundo é muito mais do que um mero torneio de futebol: ela é uma
chance de se colocar a própria nação em perspectiva comparada com o resto do
mundo” (GASTALDO, 2006, p.3).
Para Daolio (2005), o futebol é o esporte mais importante para o Brasil: “seu estilo
de jogo é referência mundial e os principais jogadores brasileiros são ídolos em
todas as partes do planeta. [...] o Brasil é o único país participante de todas as
Copas do Mundo”, (DAOLIO, 2005, p. 2). Este item da monografia traz um breve
resumo das vitórias da Seleção Brasileira nas Copas do Mundo com o intuito de
mostra como, ao longo do século XX, o país se transforma para o mundo e para os
próprios brasileiros na “nação do futebol”.
Em 1950, após 12 anos sem acontecer o campeonato mundial , o Brasil conseguiu18
sediar a IV Copa do mundo. Voser, Guimarães e Ribeiro (2006, p.39) contam que
após a guerra, nenhum país europeu quis sediar a Copa do mundo. O Brasil, único
candidato ser a sede do campeonato, ganhou o direito. Ainda seguindo Voser,
Guimarães e Ribeiro (2006, p.40) a seleção brasileira, era considerada a favorita do
campeonato mundial, mas foi derrotado pela Seleção Uruguaia de Futebol em pleno
Maracanã. Com isso, a identidade da Seleção Brasileira foi ferida profundamente.
Pela primeira vez a seleção usou o uniforme verde e amarelo, no campeonato
mundial de 1954, deixando de lado o uniforme antigo (camisa branca e calção azul
usado desde 1919), pois era considerado azarado (VOSER; GUIMARÃES;
RIBEIRO, 2006, p. 43).
O primeiro título aconteceu no Campeonato Mundial de 1958, quando a Seleção
pode se recuperar do fracasso da Copa do Mundo de 1954. Voser, Guimarães e
Ribeiro (2006, p.47-48) afirmam que, durante a Copa de 1958, a Seleção Brasileira
era uma das favoritas a ganhar o torneio. A Seleção contou com os grandes nomes
18 Após o Campeonato de 1938, a Copa do Mundo foi cancelada devido à Segunda Guerra Mundial e
só retornou em 1950. (VOSER; GUIMARÃES; RIBEIRO, 2006, p.37)
30
do futebol, Garrincha e Pelé, que venceram a Suécia, país-sede do evento. O Brasil
se tornou a primeira nação a ganhar um titulo fora de seu próprio continente.
(VOSER; GUIMARÃES; RIBEIRO, 2006, p.47-48). Segundo Barros (1990, p.17),
“em meados de 1962 começou-se a ter uma evolução maior no aspecto científico do
treinamento pela atualização e estudo de nossos profissionais na Europa.” Assim
teve início a fase cientifica de treinamento de futebol no Brasil, contribuindo para a
Seleção Brasileira conseguir futuros títulos. (BARROS, 1990, p.17)
O segundo título da seleção foi conquistado em 1962 e foi fundamental para que o
Brasil fosse considerado o país do futebol. Segundo Soares (1994, p.99), a
característica brasileira do futebol ficou em evidência. A partir dessa vitória, o país
passa a adquirir uma identidade própria nos campos, o que chamou a atenção das
outras seleções.
O “Brasil do futebol”, nessa trajetória vitoriosa, apesar de toda a sua
precariedade econômica e social, passa a ser o paradigma do
esporte, por ter sido Campeão do Mundo em 1958 e 1962. Os
brasileiros passam a possuir uma identidade e uma autonomia em
relação aos demais países, no futebol, possuindo seu próprio estilo
de jogar. Esta “autonomia” no futebol proporcionou a ratificação de
uma identidade fundada nos modelos nacionais, que se generalizou
de forma epopéica para outras esferas de atuação. (SOARES, 1994,
p.99)
Já o terceiro título mundial veio em 1970. Segundo Barros (1990, p.17), mesmo com
tantos problemas, a Seleção Brasileira realizou um grande preparo físico e
organização antes da Copa e voltou para casa vitoriosa. De fato, a ditadura militar
então em vigor no país acabou por fazer uso político da Seleção Brasileira.
A CBD recebeu todo o respaldo governista para que o time fosse
comparado com o próprio país, ficando a imagem de que se o Brasil
desse certo no futebol, também daria certo no regime proposto pelos
militares até então, mostrando que a ditadura não era tão ruim
quanto se mostrava (na visão da propaganda militar) (RODRIGUES,
2009). 19
19 Disponível em:
<http://www.universidadedofutebol.com.br/Noticia/11140/A%2bSELECAO%2bBRASILEIRA%2bDA%2
31
Rodrigues (2009) afirma que o Brasil foi o primeiro país a conseguir o Tricampeonato
Mundial de Futebol. A vitória transformou-se em propaganda política do governo
que, na época, promovia forte repressão às pessoas e grupos que lhe faziam
oposição.
a proposta imposta pelo braço de ferro dos militares brasileiros, de
certa forma, penduraria por mais algum tempo, precisamente mais 14
anos, onde muitos brasileiros e o país, como um todo, pagaram
muito caro, colhendo, até hoje, o fruto das sequelas deixadas pelos
militares e pensamentos como: "O Brasil só dá certo no futebol”
(RODRIGUES, 2009).
O quarto título mundial foi adquirido na Copa mundial em 1994 nos Estados Unidos.
Após um período de vinte e quatro anos sem vencer o Campeonato Mundial, a
disputa esteve acirrada. Segundo Gastaldo (2006, p.3), “a conquista do
tetracampeonato mundial de futebol, isolando o Brasil de seus concorrentes direto
no número de títulos conquistados (Alemanha e Itália têm três títulos cada),
representou uma espécie de ‘salvaguarda’ contra a derrota”. Os jogadores Romário
e Bebeto foram peças fundamentais para a conquista do título que trouxe uma
“alegria carnavalesca”, nas palavras de Franco Junior (2007, p.177).
Por fim, o quinto título mundial foi conquistado em 2002, na Copa da Coréia do
Sul/Japão. O Brasil estava desacreditado devido à dificuldade na qual se classificou
para o evento e muitos achavam que não conseguiria o pentacampeonato
(NOGUEIRA, 2002, p. 28). Segundo Gastaldo (2006, p.3), “se o Brasil houvesse
perdido, hoje teríamos dois tetracampeões no mundo; vencendo, o Brasil isolou-se
de seus oponentes por dois títulos, vantagem que pode perdurar por décadas”.
Nogueira (2002, p.28) afirma que com um futebol de atitude e buscando o resultado,
o Brasil superou as expectativas. A Seleção de Rivaldo, Ronaldo e Ronaldinho
Gaúcho obteve uma campanha numericamente perfeita: sete vitórias em sete jogos.
Ronaldo marca dois gols na final, contra a Alemanha, e afasta a fase ruim de quatro
bCOPA%2bDE%2b1970%2bE%2bA%2bDITADURA%2bMILITAR> Acesso em: 13 dez. 2012.
32
anos atrás (NOGUEIRA 2002, p.28).
Após essa trajetória, pode-se concluirque "hoje já é possível falar do futebol como
uma expressão cultural brasileira, assim como são o carnaval, o samba, o
candomblé e outras práticas" (DAOLIO, 1997, p.127). Segundo Soares e Lovisolo
(2003) as imagens vinculadas àquilo que conhecemos como “estilo brasileiro de
futebol” são as da alegria, da improvisação, dos floreios, dos dribles, do toque de
calcanhar, enfim, das firulas. É comum a utilização de palavras como “malandragem”
e “ginga” para definir traços dos futebolistas do país. Conforme pode ser observado
pelos autores (2003, p.131):
Na definição do estilo brasileiro são enfatizadas as habilidades
individuais, tornando a disciplina e o jogo de equipe secundários. São
ressaltadas, na definição do estilo, as capacidades de improvisação
e de arranjo de última hora que produziriam jogadas inesperadas,
criativas. Os jogadores preferidos, os craques, possuiriam um dom
ou talento que combina habilidade, astúcia, sagacidade, capacidade
de simulação, improvisação e criatividade. (SOARES; LOVISOLO
2003, p. 131).
Esse jeito único de jogar futebol do brasileiro passou por um longo caminho até se
tornar marca da identidade nacional. O crescimento do futebol a partir da década de
20 proporcionou a participação na definição do estilo esportivo no país. Como
afirmam Soares e Lovisolo,
O estilo marcado pela virtuose individual começou a ser louvado
como autêntico e singular, um processo de recriação do modelo
anglo-saxão. A corrente de valorização da singularidade de nosso
futebol parece tornar-se hegemônica, talvez pela qualidade empírica
de nosso futebol, ou ainda pela maximização do imaginário
culturalista e nacionalista nos anos de 1930. (SOARES; LOVISOLO,
2003,p. 135)
As vitórias conquistadas pela Seleção Brasileira, ao longo do século XX, fizeram
surgir na mídia nacional a figura de uma nova celebridade no Olimpo: o jogador de
futebol. Nesse panteão, um atleta reina absoluto: Edson Arantes do Nascimento.
33
3.4 O Brasil ganha um rei
Maior jogador de todos os tempos do esporte mais popular do mundo, e futebolista
mais querido pelos brasileiros, Pelé é considerado o Rei do Futebol. Ainda é
requisitado em eventos esportivos e campanhas publicitárias, mesmo trinta anos
após aposentar as chuteiras.
Segundo Castello, (2004, p.24) aos quinze anos, Pelé foi chamado para jogar no
Santos Futebol Clube e, dois anos depois, foi convocado pelo então técnico da
Seleção Brasileira, Sylvio Pirilo para jogar na equipe. Já no ano seguinte, participou
da Copa do Mundo de 1958. Ainda com 17 anos, Pelé não se deixou levar pelos
comentários com relação a sua pouca experiência e impressionou com sua
habilidade e confiança. Sua fama cresceu e ele ficou conhecido nos quatro cantos
da terra. Paz (2006) conta que, em um jogo na Colômbia, Pelé foi expulso, mas com
a revolta da torcida que protestou, exigindo sua volta, a autoridade local entrou em
campo e exigiu que o árbitro voltasse na sua decisão, assim Pelé voltou ao jogo.
Acontecimentos como este, espalharam a fama de Rei do Futebol, que Pelé
assumiu com maestria (PAZ, 2006, p.48)
Segundo Foster (2002, p.16), Pelé estava sendo sondado por grandes times que
queriam contratá-lo. “Pelé havia se tornado o jogador mais desejado do mundo dos
esportes. Clubes como Real Madrid, Juventus e Internazionale de Milão ofereceram
somas astronômicas pelo seu passe.” Porém o jogador recusou todas as ofertas,
firmando se futuro no Santos Futebol Clube. (FOSTER, 2006, p.16)
A Copa do Mundo de 1962 foi muito rápida para Pelé. O Rei era a “peça chave”
para o Brasil nessa edição campeonato mundial. Porém, no segundo jogo, em
partida contra a Tchecoslováquia, logo aos 28 minutos de jogo, Pelé se machucou e
não pode mais participar daquela edição da Copa. (CASTELLO, 2004, p.67)
Foster afirma que (2002), na copa de 1966, Pelé foi perseguido em campo diversas
vezes e apesar de estar clara a armação em cima do time, os árbitros nada fizeram.
34
A seleção permaneceu pouco tempo, sendo eliminada já na primeira fase.
O campeão dos dois mundiais anteriores, o Brasil, e seu meio-campista principal,
Pelé, literalmente foram arremessados a patadas para fora do torneio. Brutalmente
maltratado pelos búlgaros contra Portugal, Pelé foi submetido a um violento frenesi
de chutes desleais cada vez que pegava a bola, sob os olhos tolerantes do árbitro
inglês. Quando Pelé se retirou mancando do campo, foi seguido por seus
companheiros, que foram eliminados do torneio antes das quartas de final.
(FOSTER, 2002, p.15)
Segundo Castello (2004, p.77-78), ao findar a copa de 1966, Pelé estava
desacreditado para o futebol, mas obstinado, o jogador soube se superar e jogou
brilhantemente na copa de 1970. Para Castello (2004, p.77-78), a posição de Rei
voltou à tona no México. Ali Pelé conquistava sua soberania definitiva e despedia-se
com classe do Campeonato Mundial de futebol. Mauricio (2002, p. 16) relembra na
biografia de Pelé a dificuldade em despedir-se de uma carreira tão bem sucedida,
“Vou ter que me preparar psicologicamente para viver como Edson, pois não creio
que as pessoas esqueçam Pelé.” (MAURICIO, 2002, p.68) A Seleção Brasileira de
Pelé foi a que mais marcou gols em todas as copas do mundo. (CASTELLO, 2004,
p. 63). No texto “O jogo bonito: futebol na Inglaterra e no Brasil nos anos 50 e 60”,
Foster (2002,apud LEVINE, 1980), afirma que Pelé foi “o primeiro brasileiro não
branco celebrado como símbolo e fonte de orgulho nacional, não apenas pela cor de
sua pele, mas por seus próprios méritos” (FOSTER, 2002, apud LEVINE, 1980).
De acordo com Foster (2002, p.16) um exemplo de jogar, Pelé trabalhou muito bem
em equipe, respeitava a autoridade e era patriótico. Sua vida tanto na esfera
profissional quanto privada, como jogador de futebol e cidadão brasileiro, encarnava
os valores do “trabalho em equipe e as virtudes da hierarquia”, tão caros aos chefes
militares que governaram o país nos anos 60/70 (FOSTER, 2002, p.16).
Paz (2006) informa que, em 1995, aos 65 anos e quase 30 anos depois de se
despedir dos gramados, Pelé foi nomeado Ministro Especial dos Esportes. O jogador
35
também foi nomeado pela imprensa internacional o “Atleta do Século”, “título
significativo, considerando-se que o futebol é um esporte coletivo, bem diferente do
atletismo, do boxe ou do tênis” (PAZ, 2006, p.50).
3.5 Estrelas no firmamento: os jogadores e a mídia
Os jogadores de futebol brasileiros de grande destaque sublinha Helal (2003, p. 20).
têm suas trajetórias rumo ao estrelato influenciadas pela maneira como a mídia os
retrata, algumas vezes, dando ênfase a certos aspectos, em outras, omitindo certas
passagens de suas vidas. O autor percebe a tendência de que “no Brasil, as
narrativas das trajetórias de vida dos ídolos enfatizam sobremaneira a genialidade e
o improviso como características marcantes e fundamentais para se alcançar o
sucesso” (HELAL, 2003, p. 20). Mas, de fato, não há uma representação única da
figura do jogador de futebol brasileiro pela mídia nacional. Este tópico da monografia
tenta mostra as múltiplas relações que se estabelecem entre a mídia e alguns dos
principais jogadores que entraram para a história do futebol no país.
Segundo Helal (2003, p.20), Zico foi o jogador que obteve mais destaque nas
décadas de 70 e 80, tornando-se dono de grande admiração de fãs do Brasil e do
mundo. “Figura muitas vezes contestada quando saía do universo clubístico, sua
biografia fala da vitória através do trabalho e de uma sucessão de obstáculos e
provações que ele teve que superar.” (HELAL, 2003, p. 20).
Analisando duas biografias a respeito do jogador (uma escrita pelo próprio atleta),
Helal (2003, p.21) cita como é resgatada sua infância pobre e sofrida - o que facilita
a identificação com o povo brasileiro e o talento genuíno, sem explicações de como
tal talento surgiu, assim sendo visualizado como um ser singular. Em contraposição,
Helal (2003, p.21) comenta a passagem em uma biografia do jogador que deixa
claroque esforço e determinação são essenciais para se obter sucesso - o que pode
destruir a imaginação do brasileiro que crê fielmente no talento genuíno dos
jogadores, assim não precisando de tanta dedicação e esforço.
Zico teve muitos obstáculos no caminhar de sua carreira, começando pelo corpo de
36
aparência frágil que quase o impediu de fazer um teste no Flamengo. Graças a isso,
submeteu-se a diversos tratamentos para reforçar a musculatura. Ao contrário dos
demais jogadores de grande destaque, sua biografia enfatiza primeiramente a
renúncia e não as dificuldades financeiras.
Este tratamento a que se submeteu ainda bem jovem fez com que
Zico ficasse conhecido no início da carreira como “craque de
laboratório”. Ou seja, de um planejamento “científico”, com a ajuda
de médicos, nutricionistas e modernas técnicas e aparelhos de
educação física, surgiu uma grande estrela do futebol. Era o racional,
o objetivo e o matemático unindo-se ao lúdico, ao talento e à
improvisação. É interessante notar, no entanto, que apesar das
biografias enfatizarem positivamente a dedicação de Zico a este
trabalho “científico”, à época a alcunha “craque de laboratório” era
utilizada, muitas vezes, de forma pejorativa, significando um craque
não genuíno, fugindo das características “artísticas”, “espontâneas” e
“criativas” do nosso futebol. (HELAL, 2003, p.23)
Segundo Helal (2003), Zico possui características em sua personalidade que
passam uma superioridade fora do comum e isso se torna claro na forma com que o
jogador enfrentava os obstáculos da vida com perseverança, honestidade, força de
vontade, luta e etc, para se manter no posto a qual lhe foi dado, de herói. (HELAL,
2003, p.23). De acordo com Helal (2003, p.24), Zico reforça o título de herói ao
enfrentar com determinação as provocações a qual sofria.
Depois do problema do corpo franzino, Zico sofreu uma grande
decepção ao não ser convocado para as Olimpíadas de 1972.
Seguindo o conselho do próprio técnico da Seleção Olímpica, Zico,
que em 1971 já começara a jogar entre os profissionais, voltou para
os juvenis a fim de ser convocado para as Olimpíadas que se
realizariam no ano seguinte. A convocação não veio e ele, a
princípio, reagiu de forma “ordinária”, com sentimento de revolta,
decepção e muito abatimento [...] (HELAL, 2003, p.24).
No entanto, Helal (2003, p. 24) afirma que isso serviu de motivação para que o
jogador treinasse cada vez mais, transformando esse sentimento de revolta em
estimulo para ser melhor. “O que se verifica na biografia de Zico é a construção de
uma narrativa na qual uma série de obstáculos, perdas e fracassos são sempre
acompanhados de uma história de muito trabalho, determinação e profissionalismo”
(HELAL, 2003, p. 25)
37
Assim, a biografia de Zico ao enfatizar, de forma peremptória, o
sucesso através do esforço e do trabalho, junta-se aos modelos de
heróis mais próximos das sociedades anglo-saxônicas, permeadas
por uma ética única do trabalho e do indivíduo. Este modelo é
antagônico ao padrão predominante na construção da idolatria
(HELAL, 2003, P.25-26).
Zico se destacou por vitórias conquistadas, dessa maneira se tornando “um modelo
mais próximo do herói clássico. Estávamos diante de uma narrativa que enfatiza a
superação constante de vários obstáculos e a vitória conquistada primordialmente
com muito trabalho e disciplina.” (HELAL, 2003, p.26).
É interessante perceber que a representação de Zico, embora tenha pontos em
comum, difere do tratamento que a mídia reservou ao jogador Romário. Para avaliar
esse tratamento e descobrir como o atleta conseguiu o posto de herói, Helal
observou dois períodos importantes para o jogador: “a) partida entre Brasil e Uruguai
nas eliminatórias para a Copa de 1994 (uma semana antes da partida e uma
semana após); e b) Copa do Mundo" de 1994 (uma semana antes do início da Copa
até duas semanas após a conquista)”. (HELAL, 2003, p. 26)
O jogador Romário, mesmo criticado diversas vezes durante sua carreira, foi “o
atleta de futebol mais festejado pela mídia e torcida brasileira.” (HELAL, 2003, p.26).
Nas eliminatórias do Campeonato Mundial de 1994, o Brasil precisava vencer o
Uruguai para conseguir sua vaga no campeonato. Por problemas disciplinares, o
jogador Romário tinha sido afastado da seleção, porém, com a pressão da mídia e
dos torcedores, o então técnico da Seleção, Carlos Alberto Parreira, resolveu
convocá-lo para a partida contra o Uruguai (HELAL, 2003, p.27).
Romário retorna, desta feita, com a missão de salvar a seleção de
uma possível eliminação. Monta-se, assim, o palco para uma
trajetória pontuada por lances que nos remetem, por um lado, à saga
clássica do herói e, por outro, ao “tipo ideal” de herói brasileiro.
(HELAL, 2003, p.27)
38
Segundo Helal (2003, p 27), os cadernos de esportes dos jornais brasileiros passam
a falar do talento genuíno de Romário, assim como sua indisciplina e seus atos
irresponsáveis - sempre ressaltando os gols que marcara na ocasião. Com isso,
Romário, nada modesto e muito confiante, se vangloriava com o sucesso. “Este
excesso de confiança e individualismo que costuma ser interpretado como
arrogância e egoísmo, é amenizado em uma nota que destaca os atos altruístas de
Romário, como por exemplo, a preocupação de ajudar parentes e amigos” (HELAL,
2003, p. 27).
A partir daí, Helal (2003, p.29) relata que Romário constantemente saía nas páginas
de esporte. “No texto da matéria, uma menção do pai de Romário reforça o
estereótipo de ‘marrento’ como algo nato, que já nasceu com o jogador” (HELAL,
2003, p.28) Tais características ilustravam sua personalidade arredia e seu
temperamento difícil.
Os recursos acionados pela mídia nesta construção vão formando um
personagem singular, “irreverente”, de “temperamento difícil”, mas
amadurecido, sabendo dosar o lado “marrento”. Ou seja, sabendo ser
“malandro”, não confrontando-se mais de frente com as forças do sistema,
mas caminhando na fronteira entre a ordem e a desordem. (HELAL, 2003,
p.29)
Com tanto destaque, as críticas ao seu temperamento sempre estavam em
evidência, porém sempre seguidas de elogios sobre sua forma de jogar, seu talento
nato, sua habilidade. Quando em campo, Romário apresenta inicialmente uma certa
má vontade no aquecimento, porém na hora do jogo, com sua malícia e destreza,
dava um show. “Comentava-se que estava faltando “alegria”, “picardia”, enfim
“malandragem” na seleção – o retorno de Romário tornava a seleção mais
“brasileira”” (HELAL, 2003, p. 29) (grifo nosso). Dessa maneira, Romário trazia de
volta a brasilidade há muito não percebida na Seleção (HELAL, 2003, p.29).
Helal (2003, p. 31) observa que, conforme ficava claro que Romário havia trazido de
volta a brasilidade para a Seleção, a pressão sobre o jogador aumentava. Ele não só
tinha a missão de trazer para o Brasil a taça do campeonato, mas também fazer a
39
seleção jogar o futebol brasileiro “de raça”. Ou seja, o povo brasileiro confiava em
Romário e o jogador aproveitava seu espaço na mídia para afirmar que iria ganhar a
Copa para o Brasil (HELAL, 2003, p. 31).
Assim, segundo Helal (2003, p.32) Romário, com seu jeito “marrento”, indisciplinado,
somado a origem humilde e seu jeito peculiar de falar, sempre utilizando gírias,
concedem a característica brasileira ao herói. Romário, como o principal responsável
por conquistar o tetracampeonato, reforça o título de herói por se aproximar do
brasileiro comum no jeito de ser “relaxado”, indisciplinado e com um talento especial
para o futebol que só o brasileiro tem (HELAL, 2003, p.32).
Helal (2003, p. 32-33) enfatiza que as representações que vêm à tona na mídia das
figuras de Zico e Romário são construídas, reelaboradas, editadas pela própria
mídia e acabam por influenciar a maneira dos mesmos jogadores se posicionarem
no contexto da sociedade brasileira.
A eficácia da edição ancora-se, no entanto, nos discursos e ações
dos próprios atletas em questão. E como ambos são consumidores
da mídia e enquanto sujeitos

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