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PROGRAMA DE INTEGRAÇÃO SAÚDE COMUNIDADE CAPI�TULO 2 - INTEGRAÇA� O SAU� DE- COMUNIDADE: IMPACTOS NO TERRITO� RIO E NA SOCIEDADE Solange Aparecida Emıĺio Introdução Você deve estar bastante familiarizado com as de�inições cotidianas de comunidade, território e sociedade, certo? Mas você sabia que, apesar de serem conceitos aparentemente conhecidos, as concepções especı́�icas trazidas pelos estudiosos de Antropologia, Sociologia e Geogra�ia podem contribuir para a compreensão mais ampla acerca das necessidades das populações e dos efeitos das intervenções em saúde? Você sabe como é possı́vel promover a integração entre saúde e comunidade de forma a produzir impactos no território e na sociedade? No primeiro tópico desta unidade, os conceitos de território, comunidade e sociedade serão retomados e ampliados, de forma a promover uma maior compreensão ao pro�issional de saúde sobre seu papel como agente de transformação de realidades. No seguinte, será apresentada cada uma das etapas de elaboração de um projeto de intervenção para a promoção de saúde em uma comunidade e discutida a importância da metodologia da problematização na formação do pro�issional de saúde, com enfoque no modelo conhecido como “Arco de Maguerez”. Então, serão tecidas algumas considerações importantes relativas aos métodos de observação e registro do território e sobre a importância da análise dos indicadores sociais, culturais e demográ�icos que permitem a associação de determinantes de saúde de uma comunidade relacionados ao contexto biopsicossocial e que podem nortear o planejamento e a realização de intervenções de promoção de saúde e bem-estar que possibilitem transformações nas realidades. Vamos começar? Acompanhe! 2.1 Comunidade, território e sociedade O Programa de Integração Saúde Comunidade é uma unidade curricular que pressupõe a integração teórico- prática para a realização de ações de saúde e bem-estar e a promoção da qualidade de vida aos participantes de uma comunidade, com impactos no território e com vistas a gerar transformações na sociedade. O recurso interdisciplinar, com o apoio de diferentes áreas de conhecimento, como a Antropologia, a Sociologia e a Geogra�ia, por exemplo, torna-se necessário para a ampliação de alguns conceitos que são muito familiares no senso comum, mas que do ponto de vista do planejamento de ações de intervenção em saúde e bem-estar precisam ser ampliados e compreendidos em sua complexidade,, no entanto, como a�irma Fazenda (2011), não basta integrar os conhecimentos das diferentes áreas, é necessário promover a interação com e entre eles, para que o resultado possa produzir transformações na percepção da realidade. Então, a seguir, partiremos das de�inições usuais dos termos comunidade, território e sociedade para poder revisitá-los à luz de outros campos do saber. 2.1.1 Definições cotidianas de comunidade, território e sociedade Uma busca inicial a dicionários traz como de�inição de “comunidade” os conceitos de congregação, coesão e identidade comum de pessoas que habitam ou pertencem a um lugar ou grupo social, que partilham cultura e história, pro�issão, atividade, ofı́cio, religião, crenças e hábitos. Como sinônimos, aparecem: confraria, comunhão, irmandade, sociedade, grêmio, agremiação e favela (DICIO, 2019; MICHAELIS, 2019). Na atualidade, o último sinônimo tem sido bastante utilizado principalmente por veı́culos de comunicação de massa de nosso paı́s, como jornais, revistas e páginas de internet. A substituição do termo serve tanto como referência ao local quanto aos seus moradores. Assim, quando se diz “comunidade da Rocinha” pode ser uma referência tanto à favela localizada na zona sul do Rio de Janeiro, como ao conjunto de seus moradores. Já as de�inições de território, remetem ao espaço constituı́do pela porção de superfı́cie pertencente ao um paı́s, estado, cidade, região, distrito; ou seja, a região sob jurisdição de uma autoridade, com fronteiras demarcadas ou área controlada por um grupo de pessoas ou animais (DICIO, 2019; MICHAELIS, 2019). Todas elas se restringem ao espaço demarcado ao seu domı́nio ou controle. Assim, pelas de�inições encontradas, uma comunidade ou favela poderia ser também de�inida como um território. Quando pesquisamos as de�inições da palavra “sociedade”, também encontramos aproximações aos conceitos de “comunidade” e “território”, como por exemplo, a sociedade como convivência e agrupamento de pessoas ou animais de uma espécie em um território comum ou como forma de nomear o local ou sede de associações ou agremiações. No entanto, há também algumas especi�icidades em suas de�inições, como a ideia de sociedade como: participação em grupos organizados; a subordinação a leis, normas, preceitos, regulamentos ou estatutos; a associação de pessoas que atuam como proprietários em uma empresa e, �inalmente, ao grupo de pessoas de alto poder aquisitivo, “a alta sociedade” (DICIO, 2019; MICHAELIS, 2019). Como visto, os conceitos de “comunidade”, “território” e “sociedade” são utilizados no cotidiano de formas distintas, mas há eventuais sobreposições. Vamos buscar compreendê-los um pouco melhor a partir de contribuições de diferentes áreas das ciências sociais. 2.1.2 Apoio interdisciplinar para a ampliação dos conceitos Ao retomarmos os conceitos de “comunidade” e “sociedade” apresentados acima, percebemos que ao mesmo tempo em que aparecem como palavras sinônimas, também podem evocar sentidos opostos quando considerados seus membros, uma vez que uma “comunidade” pode de�inir pessoas em situação de vulnerabilidade social e uma “sociedade” pode remeter a um grupo de pessoas de alto poder aquisitivo (DICIO, 2019; MICHAELIS, 2019). Pode parecer que a substituição do termo “favela” pela “comunidade” seja somente uma forma de suavizar a realidade de pessoas geralmente estigmatizadas, mas, segundo Castro (2004), ele também serve para valorizar as formas de interação mais próximas e personalizadas que são caracterı́sticas de pessoas que vivem nestas localidades, mesmo considerando a heterogeneidade comportamental, social e hierárquica de seus membros. Figura 1 - Uma das vistas da comunidade da Rocinha, no Rio de Janeiro. Fonte: Michal Staniewski, Shutterstock, 2020. Segundo Brancaleone (2008), Ferdinand Tönnies foi um dos autores que mais in�luenciou a sociologia alemã. Ele trouxe uma importante diferença entre comunidade e sociedade, a�irmando que a primeira se relacionava à vida social ı́ntima e interior, enquanto a sociedade estaria relacionada ao domı́nio público, do mundo exterior. Assim, o corpo comunitário antecederia a constituição de uma sociedade e se caracterizaria pela união e interação das pessoas a partir de sua vontade, estabelecida por laços de consanguinidade (parentesco), territoriais (vizinhança) e de a�inidade ou amizade, que podem estar interconectados ou interdependentes. Do ponto de vista histórico e a partir de estudos da Antropologia e da Sociologia, pode-se perceber que o conceito de comunidade carrega em si um tanto de utopia por conter a ideia de preservação de raı́zes, laços de solidariedade, con�iança e valores coletivos, muitas vezes utilizado em contraposição ao de sociedade ou como solução para a resolução das consequências da modernidade (principalmente nos grandes centros urbanos), como o desenraizamento, a perda do sentido da vida, a violência, o desamparo e a insegurança (ALBUQUERQUE, 1999). Com relação ao conceito de “território”, Santos (2004), um importante geógrafo brasileiro, trouxe uma contribuição importante, que foi aproveitada em diferentes áreas. Para este autor, o território é compreendido como uma apropriação social, um recorte do espaço quali�icado pelo sujeito, sendo o espaço de�inido como um conjunto de sistemas de objetos e ações que não podem ser considerados de forma isolada, constituindo- se como produtos das relaçõessociais e históricas Agora que exploramos um pouco mais os conceitos apresentados, vamos compreender de que forma eles se articulam às possibilidades e realização de ações de promoção de saúde, no próximo tópico. Fique atento! VOCÊ QUER LER? O texto “Leitura do espaço geográ�ico através das categorias: lugar, paisagem e território” traz contribuições da Geogra�ia para o entendimento da realidade em que vivemos, abordando a ação do sujeito social a partir dos conceitos de “lugar”, “paisagem” e território (GIOMETTI, PITTON; ORTIGOZA, 2012). Para ter acesso ao texto na ıńtegra, clique em: https://acervodigital.unesp.br/bitstream/123456789/47175/1/u1_d22_v9_t02.pdf (https://acervodigital.unesp.br/bitstream/123456789/47175/1/u1_d22_v9_t02.pdf ). https://acervodigital.unesp.br/bitstream/123456789/47175/1/u1_d22_v9_t02.pdf 2.1.3 A articulação entre comunidade, território e sociedade na promoção de saúde Quando pensamos na possibilidade de promover saúde e bem-estar a uma comunidade, geralmente intervimos junto a pessoas que frequentam alguma instituição ou pertencem a algum grupo que interage a partir dos laços estabelecidos e mantidos, de acordo com Mocelim (2011), com continuidade no tempo e proximidade emocional e espacial. Acreditamos que tais ações impactem não somente este microcontexto, mas, consequentemente, o território (considerando as relações dos sujeitos com o espaço) e a sociedade a ela relacionados, pensando na possibilidade de ocorrência de mudanças em leis, programas, projetos e na transformação das realidades concretas dos sujeitos participantes do macrocontexto. Assim, o conceito de território é importante para a compreensão das interações e da apropriação dos espaços pela população e fundamental para a compreensão dos problemas de saúde e elaboração de propostas de intervenção em uma comunidade. Os pro�issionais de saúde precisam reconhecer o território, não apenas como uma extensão geométrica, mas também como um espaço em permanente construção, que apresenta determinadas caracterı́sticas sociais, culturais, históricas da população, sendo capaz de identi�icar como se dá a apropriação dos espaços e dos recursos disponı́veis (MONKEN; BARCELLOS, 2007). A organização dos serviços que possam atender às necessidades da população de um determinado território passará pelo conhecimento das pessoas, dos espaços e das relações entre eles. Esta unidade curricular propõe a integração teórico-prática, que objetiva a preparação do futuro pro�issional para a realização de ações que possam promover a transformação de realidades. Para isso, é necessário identi�icar as demandas da comunidade, do território e da sociedade, de forma a possibilitar a elaboração de um projeto que possa prestar um trabalho ancorado na ética e que atenda às reais necessidades da população envolvida. Existe uma sistematização que ajuda os pro�issionais de saúde na elaboração e aplicação de projetos de intervenção. E� o que você verá a seguir. VOCÊ QUER VER? O �ilme “Bacurau”, dirigido por Kleber Mendonça Filho e Juliano Dornelles, rodado no Brasil, que esteve em cartaz nos cinemas em 2019, traz a história de algum momento no futuro de uma cidade denominada “Bacurau”. Nele você poderá identi�icar a importância do sentimento de comunidade para a identi�icação e resolução de problemas, bem como a relação e apropriação de seus habitantes com o território e os efeitos das interações com a sociedade. 2.2 Etapas do projeto de intervenção e o Arco de Maguerez Para que as intervenções realizadas na área da saúde sejam efetivas, é muito importante que elas utilizem recursos reconhecidos e validados pela comunidade cientı́�ica. Existem algumas padronizações que são resultantes de estudos e práticas e que podem nortear o trabalho dos pro�issionais da área. Assim, é muito importante que a construção e apresentação de um projeto de intervenção em uma comunidade sigam etapas pré-determinadas que poderão ser identi�icadas e acompanhadas por quem o acessar (seja um membro da comunidade ou uma pessoa que avaliará a possibilidade de execução). No entanto, o preparo do pro�issional da área da saúde para a elaboração e realização da intervenção não se dará somente pelo conhecimento das etapas de produção do projeto de intervenção, mas pela possibilidade de compreensão da realidade na qual irá intervir para poder transformá-la e ao mesmo tempo se transformar (VILLARDI; CYRINO; BERBEL, 2015). Vamos ver, a seguir, como isso pode ser feito. 2.2.1 Arco de Maguerez O pro�issional de saúde precisa estar preparado para uma prática que contemple a atenção às necessidades de saúde da comunidade e do território de intervenção, num constante questionamento crı́tico que leve em conta o contexto social e polı́tico (PAIM; ALMEIDA FILHO, 2014). Considerando isso, o Programa de Integração Saúde Comunidade propõe o desenvolvimento das competências de analisar e resolver problemas, do futuro pro�issional, utilizando como metodologia de aprendizagem a problematização apoiada no “Arco de Maguerez” (BERBEL, 1995). VOCÊ O CONHECE? Charles Maguerez aplicou, em alguns paıśes da Europa e da A� frica, uma proposta para a formação pro�issional de adultos analfabetos que implicava o envolvimento ativo e o diálogo constante entre os participantes e partia de problemas reais que precisariam ser solucionados. Ela inspirou o modelo de formação pro�issional conhecido atualmente no Brasil como “Arco de Maguerez” (BERBEL, 2012). A primeira referência ao Arco de Maguerez no Brasil, segundo Berbel (1995) foi feita por Bodernave e Pereira, em 1977. Esses autores apresentam o que Charles Maguerez denominou como “Método do Arco”, composto por cinco etapas a serem seguidas por quem quiser detectar os problemas reais de um contexto para poder promover transformações. A con�iguração em formato de arco diz respeito aos momentos de aproximação e afastamento, à realidade de intervenção e às possibilidades de transformação dos participantes no processo. O primeiro contato com a realidade é feito na primeira etapa: observação da realidade para o levantamento do problema; então, há um afastamento da realidade para o levantamento dos pontos-chave; e em seguida, ocorre a busca de referências teóricas que possam auxiliar na maior compreensão do problema - a teorização. Então, começa uma nova aproximação ao campo, quando são levantadas hipóteses de solução e, ao �inal, retorna-se ao contexto, para a aplicação da intervenção elaborada, com vistas à transformação da realidade inicialmente encontrada. O infográ�ico a seguir sintetiza o movimento do arco. A metodologia de problematização com o arco de Maguerez na formação do pro�issional de saúde, segundo Villardi, Cyrino & Berbel (2015), é uma estratégia que permite a apropriação dos passos necessários para a identi�icação das demandas, a elaboração do projeto e a execução da intervenção. No entanto, para estes autores, Para se apropriar da metodologia da problematização, é preciso ir além do simples cumprimento mecânico de cada etapa do arco de Maguerez e construir um raciocı́nio aberto com os participantes [...] [pois] o potencial dessa metodologia não está apenas nas etapas do arco, mas nas mudanças ocorridas desde o inı́cio até o �im de cada arco completado com os participantes, na postura e na construção do conhecimento, o que permite uma práxis transformadora. (VILLARDI; CYRINO; BERBEL, 2015, p. 105) Assim, a metodologia da problematização serve tanto para a formação do pro�issional como para a elaboração da intervenção em uma comunidade e, se for utilizada de forma adequada, poderá contribuir para a realização das mudanças necessárias, em benefı́cio de todos os envolvidos. 2.2.2 Elaboração do projeto de intervenção de acordo com as etapas do Arco de Maguerez O Ministério da Saúde disponibilizou um documento que orienta a elaboraçãoescrita de projetos no contexto da atenção básica à saúde. Segundo este material, a intervenção é “[…] uma proposta de ação feita pelo pro�issional para a resolução de um problema real observado em seu território de atuação, seja no âmbito da clı́nica ou da organização dos serviços, buscando a melhoria das condições de saúde da população” (BRASIL, 2015, p. 1). Considerando as orientações do referido documento e as etapas do Arco de Maguerez apontadas pelos autores de referência (BODERNAVE; PEREIRA, 2004; BERBEL, 1995; VILLARDI; CYRINO; BERBEL, 2015), podemos concluir que as três primeiras etapas do arco — observação da realidade, levantamento dos pontos-chave e teorização — precisam ser realizadas antes do inı́cio da elaboração do projeto escrito, pois fornecerão dados para a sua redação. Como vimos, a primeira etapa do arco propõe a aproximação ao campo de intervenção, com a ida efetiva ao local da coleta de informações e o contato com os participantes. (Em alguns casos, porém, este será também o momento do primeiro contato do estudante ou pro�issional com aquela instituição, comunidade ou até mesmo com o território em questão. Nestes casos, apesar de alguns autores, como Bodernave e Pereira (2004), Berbel (1995) e Villardi, Cyrino e Berbel, (2015) sugerirem a teorização somente na terceira etapa do arco, podemos propor que antes da ida a campo seja realizada uma pesquisa preliminar sobre a comunidade ou instituição em que se dará a intervenção. Isso pode ser feito em páginas da internet ou em documentos o�iciais que informem o su�iciente sobre a população ou contexto e que permitam o conhecimento mı́nimo para a elaboração de um roteiro de observação e de entrevista para a realização da primeira etapa do arco. A quarta etapa do arco (levantamento de hipóteses de solução) é fundamental para a de�inição dos objetivos da intervenção que se planeja realizar (BERBEL, 1995) e fornecerá conteúdo para a ampliação da revisão de literatura que buscará referências de intervenções, com objetivos ou metodologias semelhantes às imaginadas que auxiliarão no delineamento das atividades previstas. A última etapa do arco (aplicação à realidade) está vinculada à preparação �inal do projeto, com o detalhamento da metodologia, incluindo o os procedimentos, instrumentos e recursos (BRASIL, 2015). Como já mencionado, se tudo correr bem, espera-se que as ações realizadas na comunidade-alvo promovam transformações na realidade. No entanto, sabemos que a instituição ou comunidade na qual ocorre a intervenção faz parte de um território e, como já vimos, este é quali�icado por seus participantes (SANTOS, 2004), ocorrendo uma relação muito importante entre comunidade, território e sociedade. A elaboração do projeto de intervenção, portanto, precisa contemplar também a observação e o registro do território. Vamos entender um pouco mais sobre como isso se dá no próximo tópico. 2.3 Métodos de observação e registro do território O Programa de Integração Saúde Comunidade tem como alguns de seus objetivos associar os determinantes de saúde de uma comunidade e sua relação com o contexto biopsicossocial, construir projetos de intervenção em promoção em saúde com a comunidade e avaliar seus efeitos. De acordo com Monken e Barcellos (2007), as ações de saúde precisam reconhecer as caracterı́sticas e especi�icidades dos territórios para se aproximar da produção social dos problemas de saúde coletiva neles registrados. Assim, é necessário revisitarmos o conceito de território, agora pensando nas possibilidades de promoção de saúde e nas estratégias que podem ser utilizadas para o cumprimento dos objetivos desta unidade curricular. 2.3.1 Território, territorialização e vigilância em saúde O planejamento de ações de saúde, quando considerados os princı́pios do Sistema U� nico de Saúde, pressupõe a organização dos serviços conforme as caracterı́sticas e necessidades da população e do ambiente em que estes ocorrerão (BRASIL, 2020b, online). Isso nos remete ao conceito de vigilância em saúde, que considera a realidade social e as interações realizadas entre os envolvidos. Segundo a de�inição do Ministério da Saúde, ela pode ser entendida como: um processo contı́nuo e sistemático de coleta, consolidação, disseminação de dados sobre eventos relacionados à saúde, que visa ao planejamento e à implementação de medidas de saúde pública para a proteção da saúde da população, a prevenção e controle de riscos, agravos e doenças, bem como para a promoção da saúde. (BRASIL, 2017, online) A vigilância em saúde tem fundamentação interdisciplinar na busca da compreensão dos determinantes de saúde e das necessidades da população (MONKEN; BARCELLOS, 2007). Isso se dá por meio da territorialização de informações, que está relacionada à compreensão da dinâmica dos espaços e populações, da produção e reprodução social dos sujeitos, que evidenciam, inclusive, as desigualdades sociais existentes (GONDIM; MONKEN, 2009). A determinação do que se constitui um território para o planejamento de uma ação também parece ser um grande desa�io. Monken e Barcellos (2007), descrevem algumas das possibilidades de delimitação dos territórios para a realização de vigilância em saúde: polı́tico-administrativa (paı́ses, Estados, cidades e bairros); área de atuação de equipes de saúde ou de abrangência de uma unidade básica de saúde; área de atuação dos agentes comunitários de saúde, determinada por condições homogêneas do ponto de vista socioeconômico e de saúde; e condomı́nios residenciais e conjuntos habitacionais. Mas, como vimos, território não é somente espaço, pois diz respeito às relações de poder nele instituı́das e a apropriação e atribuição de signi�icados feitas pelas pessoas dele participantes (SANTOS, 2004). Assim, seja qual for o critério de determinação dos limites de um território é muito importante que o pro�issional de saúde conheça as caracterı́sticas do território e a relação estabelecida entre este e a sua população. 2.3.2 Observação e registro do território O conhecimento aprofundado do território é um passo muito importante para a investigação da realidade da população na qual será realizada a intervenção em saúde. No entanto, apesar de ser um ponto importante para o inı́cio do trabalho, deve ser também ocorrer de forma permanente, uma vez que o território também está em constante processo de modi�icação (BARCELLOS; MONKEN, 2007). Figura 2 - Pessoas ocupam e se relacionam com o mesmo espaço de formas diferentes. Fonte: ivector, Shutterstock, 2020. A seguir, serão elencadas algumas estratégias que podem ser utilizadas para a realização do estudo do território, baseadas no trabalho de Barcellos e Monken (2007). Clique para conhecê-las. localizar ou desenhar um mapa do território, de preferência em escala, na qual podem ser apontadas as atividades humanas existentes lá (indústria, comércio, serviços, entre outros); realizar registros, no mapa ou em texto, de todas as informações obtidas com relação ao território; utilizar fotogra�ias, que podem ser tiradas por você ou retiradas de páginas da internet relativas ao território, pois estas podem auxiliar na análise posterior; Figura 3 - A favela de Paraisópolis, ao lado condomı́nios de luxo, no bairro do Morumbi, em São Paulo, ilustrando as desigualdades sociais existentes no território. Fonte: Caio Pederneiras, Shutterstock, 2019. • • • realizar entrevistas com diferentes participantes do território, para identi�icar as formas de apropriação e as relações existentes no espaço; levantar dados estatıśticos relativos à população, aos serviços e às atividades, aos recursos da localidade, aos indicadores de saúde, entre outros. De preferência, utilizando fontes con�iáveis. Agora que já vimos como coletar e registrar as informações relevantes acerca do territórioem que se darão as intervenções em saúde, precisamos poder integrar os dados obtidos em um processo de análise que permita tanto a ampliação da compreensão do problema de saúde a ser enfrentado, quanto das possibilidades de transformação efetiva das realidades. • • VOCÊ SABIA? O IBGE (Instituto Brasileiro de Geogra�ia e Estatıśtica) produz e disponibiliza dados estatıśticos relativos às condições sociais, econômicas e de vida da população brasileira (BRASIL, 2020ª, online). Podem ser acessados neste link https://ibge.gov.br/. Outra fonte importante de dados é a do DATASUS, disponıv́el neste link http://datasus.saude.gov.br/, que possui informações de saúde organizadas por localidade. 2.4 Análise de indicadores sociais, culturais e demográficos Sabemos que as possibilidades de intervenção de promoção de saúde podem ser ampliadas e constituir maior impacto se forem levadas em consideração as condições econômicas, sociais, culturais, ambientais e polı́ticas vivenciadas pela população do território em questão (FRANCO NETTO et al., 2017). Para compreender como pode se dar a compreensão dos indicadores sociais, culturais e demográ�icos na elaboração de um projeto de intervenção em uma comunidade, precisamos ser capazes de identi�icar não somente o que é semelhante ou diferente, mas, principalmente, o que caracteriza as desigualdades entre os participantes. A partir disso, podemos nortear nossas ações e re�lexões considerando o que almejamos como sendo as transformações necessárias e possı́veis. E� o que veremos no último tópico desta unidade. 2.4.1 Semelhanças, diferenças e desigualdades De acordo com Barcellos e Monken (2007), o uso de indicadores pode servir para a comparação entre os grupos populacionais, as condições destes grupos e as diferenças entre os momentos históricos de um território ou mais territórios em um dado momento. Ao buscar as semelhanças e as homogeneidades internas, é importante que não se opere uma homogeneização, pois esta retira das pessoas e dos coletivos a sua autonomia; por outro lado, é importante distinguir o que se constituem diferenças, como as caracterı́sticas especı́�icas de um grupo quando comparado a outro e o que podem ser consideradas desigualdades, que devem ser combatidas (BARCELLOS; MONKEN, 2007). Um bom exemplo de material que serve como referência para re�lexão é o Mapa da Desigualdade do municı́pio de São Paulo (REDE NOSSA SA� O PAULO, 2019), publicação que apresenta o resultado da avaliação e comparação de cinquenta e três indicadores obtidos nos noventa e seis distritos da cidade de São Paulo. Os indicadores apresentados são desde os relativos aos equipamentos e recursos públicos (como unidades básicas de saúde, leitos hospitalares, museus, acervo de livros), passando pelos principais ı́ndices (de nascimento, atropelamentos, violência, óbitos), até as condições de moradia, atendimentos, entre outras. Segundo seus autores, o referido documento tem o objetivo de contribuir para a compreensão das dinâmicas da cidade e para identi�icar as necessidades e prioridades da população em seus territórios. Estudo de caso Considere os dados apresentados abaixo. A primeira �igura traz o registro de informações coletadas em 2018 e apresenta a média de idade de óbito das pessoas nos diferentes distritos da Cidade de São Paulo. Podemos perceber que quanto mais centralizado o distrito, maior a expectativa de vida de seus moradores e quanto mais periférico, menor a idade média de morte da população. A segunda �igura traz dados obtidos em 2010 (último senso) e apresenta a porcentagem de distribuição de população preta e parda nas diferentes regiões do municı́pio de São Paulo. Podemos notar que o maior número de pessoas pretas e pardas está concentrado nas regiões periféricas, enquanto o menor número de pessoas pretas e pardas está encontra-se na região central. Fonte: REDE NOSSA SA� O PAULO, 2019, p. 30 Podemos destacar algumas considerações: a primeira é que o distrito de Moema, que aparece na primeira �igura como tendo a maior idade média ao morrer, na segunda como tendo a menor proporção de pretos e pardos em relação à população geral. A correlação entre os dados se evidencia mais quando observarmos a distribuição geral em ambas as �iguras, pois há uma triste coincidência entre os distritos que apresentam expectativas de vida mais baixas e a concentração de pessoas pretas e pardas mais altas. Assim, ao analisarmos os indicadores sociais, econômicos, culturais e demográ�icos dos territórios de intervenção, precisamos tomar cuidado para não naturalizarmos as condições de vida que podem trazer maior vulnerabilidade a uma determinada população. Para isso, é necessário integrarmos os processos sociais e econômicos para a compreensão dos processos de saúde e doença (BATISTELLA, 2007). A realização de uma proposta de promoção de saúde pressupõe o conhecimento das necessidades e condições da população, do território e da sociedade em que se dará a intervenção, mas também demanda a re�lexão acerca do que se espera obter de transformação a partir da ação que se realizará. Isso nos leva ao tópico �inal desta unidade. 2.4.2 Transformações que almejamos Em 2015, cento e cinquenta lı́deres mundiais se reuniram em Nova York, na sede da Organização das Nações Unidas (ONU), para �irmar o compromisso de implementar até 2030, dezessete objetivos globais de desenvolvimento sustentável (ONU, 2017, online). De forma resumida, os objetivos são os que você poderá ver, clicando nos ı́cones a seguir. Fonte: REDE NOSSA SA� O PAULO, 2019, p. 12. • Erradicar a pobreza e a fome, melhorar a nutrição. Assegurar a realização de práticas industriais e agrıćolas sustentáveis e inovadoras. Promover o bem-estar para as pessoas de todas as idades. Garantir a educação e o pleno emprego para todos. Promover a igualdade de gênero. Garantir o acesso e a gestão sustentável da água e da energia e a sustentabilidade do ecossistema, protegendo oceanos, mares, rios, �lorestas animais. Lutar contra a desigualdade entre os paıśes e dentro deles, tornando as cidades sustentáveis, pacı�́icas, acolhedoras aos seus habitantes, inclusivas e justas. Promover a sustentabilidade nos processos de produção e de consumo. • • • • • • • • Investir nas parcerias para a realização dos objetivos globais. E� claro que os objetivos elencados acima dependem de um esforço coletivo e de ações de diferentes áreas para que possam ser alcançados. E pelo que temos observado, considerando que estamos no inı́cio de 2020 e muito pouco foi feito para seu cumprimento até o momento, parece difı́cil imaginar que isso ocorrerá dentro do prazo previsto. Além disso, em um paı́s com marcadas desigualdades como o nosso, pode parecer utópica a proposta. No entanto, se tivermos em mente que cada um de nós - estudante ou pro�issional da área da saúde - também está implicado na concretização destes objetivos, eles podem se constituir como importantes norteadores para os diagnósticos das situações que encontrarmos e a elaboração dos projetos de intervenção. Talvez, assim, possamos dar nossa contribuição efetiva para que estes objetivos possam um dia ser atingidos. Conclusão Chegamos ao �inal desta unidade, na qual foram ampliados os conceitos de comunidade, território e sociedade, necessários à compreensão da abrangência das possı́veis ações a serem realizadas no Programa de Integração Saúde Comunidade e nas práticas pro�issionais futuras. Também, foi apresentado o processo de elaboração e aplicação de um projeto de intervenção em uma comunidade, tendo como referência as etapas do Arco de Maguerez. Discutimos, ainda, estratégias de observação e registro de território que fornecerão dados para serem utilizados na análise dos indicadores sociais, culturais e demográ�icos da população e do território e que auxiliarão na formulaçãodo projeto de intervenção e na avaliação de seus possı́veis resultados. Nesta unidade, você teve a oportunidade de: compreender os conceitos de comunidade e território e as implicações da participação dos profissionais de saúde nestes ambientes; associar os determinantes de saúde de uma comunidade e sua relação com o contexto biopsicossocial; identificar demandas de intervenção de promoção de saúde e bem-estar para a comunidade; refletir sobre os objetivos globais de desenvolvimento sustentável que devem nortear as ações dos profissionais de saúde nos territórios. • • • • Bibliografia ALBUQUERQUE, L. M. B. Comunidade e sociedade: conceito e utopia. Raı́zes, ano XVIII, n. 20, p. 50-53, nov. 1999. BACURAU. Direção: Kleber Mendonça Filho; Juliano Dornelles. SBS Production. Cinema Scópio. Globo �ilmes, 2019. 132 min., son., color. BARCELLOS, C.; MONKEN, M. Instrumentos para o diagnóstico sócio sanitário no Programa de Saúde da Famı́lia. In: FONSECA, A. F; CORBO, A. M. D. (orgs.). O território e o processo saúde-doença. Rio de Janeiro: Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio/Fundação Oswaldo Cruz, 2007. BATISTELLA, C. Abordagens contemporâneas do conceito de saúde. In: FONSECA, A. F; CORBO, A. M. D. (orgs.). O território e o processo saúde-doença. Rio de Janeiro: Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio/Fundação Oswaldo Cruz, 2007. BERBEL, N. A. N. Metodologia da problematização: uma alternativa metodológica apropriada para o ensino superior. Semina: Ciências Sociais e Humanas, Londrina, v. 16, n. 2, ed. especial, p. 9-19, out. 1995. BERBEL, N. A. N. A Metodologia da Problematização em três versões no contexto da didática e da formação de professores. Revista Diálogo Educacional, Paraná, v. 12, n. 35, p. 103-120, 2012. 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