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AULA 4 PLANEJAMENTO URBANO Profª Michela Rossane Cavilha Scupino 2 CONVERSA INICIAL À medida que o urbano se globaliza, o antigo e o atual se sobrepõem e acabam gerando movimentos diferenciados, ora de preservação das especificidades locais, ora de estilos internacionais. Pensando nas diferentes facetas que o planejamento urbano exige para se construir a sustentabilidade, são apresentados a seguir alguns temas que perfazem o planejar de maneira ampla. TEMA 1 – MOBILIDADE URBANA O processo de urbanização ocorrido nos países emergentes, principalmente na última metade do século XX, gerou como resultado consideráveis concentrações populacionais em um número reduzido de cidades, explicitando o conflito existente entre os habitantes de diversos níveis de renda pela apropriação e o uso de espaços públicos. O aumento da motorização da população, traduzido na ampliação da frota de automóveis e motos, resulta em uma crise que diariamente é ilustrada pelos congestionamentos e na disputa pelo uso da rua entre os vários modos de transporte, motorizados ou não, seja para a promoção da acessibilidade das pessoas, seja para o transporte e a distribuição de mercadorias, e a prestação de serviços (Boareto, 2008). Sob a ótica histórica, questões de planejamento urbano encontram-se associadas de forma conjunta a aspectos de modais, isto é, o crescimento das cidades influencia e é influenciado pelos meios de transporte disponíveis à sua sociedade. Além disso, a maneira como se dá o processo de circulação urbana interfere diretamente na demanda por transportes, nas áreas destinadas a estacionamento, nos congestionamentos etc. (Magagnin; Silva, 2008). Neto e Galindo (2015), ao reconstituir o histórico do planejamento urbano, ressaltam que a Lei n. 10.257, de 2001, ou o Estatuto da Cidade, já previa a incorporação da questão do transporte e da mobilidade urbana nas políticas municipais, prevendo o desenvolvimento de Planos Diretores de Transporte Urbano (PDTUs). Esse tema é suscitado novamente através da Resolução n. 34, de julho de 2005, expedida pelo Conselho das Cidades – Concidades –, um órgão consultivo e deliberativo do Ministério das Cidades criado através do Decreto n. 5.031, de 2 de abril de 2004, e que propões diretrizes para o desenvolvimento urbano de forma integrada ao desenvolvimento regional (IPEA, 2019). 3 Na Resolução n. 34, Neto e Galindo identificam que o PDTU passa a ser o Plano Diretor de Transporte e Mobilidade (PDTM), no qual é estabelecido o conteúdo mínimo do PDTM, prevendo diversas modalidades de transporte, respeitando as especificidades locais, a priorização do coletivo sobre o individual, os modos não motorizados e os pedestres (Neto; Galindo, 2015, p. 7). Atualmente, a mobilidade urbana está pautada na Lei Federal n. 12.587/2012, referente à Política Nacional de Mobilidade Urbana (PNMU). Esse dispositivo indica a necessidade dos planos municipais de mobilidade urbana, conforme seu art. 24. § 1º Em Municípios acima de 20.000 (vinte mil) habitantes e em todos os demais obrigados, na forma da lei, à elaboração do plano diretor, deverá ser elaborado o Plano de Mobilidade Urbana, integrado e compatível com os respectivos planos diretores ou neles inserido. § 2º Nos Municípios sem sistema de transporte público coletivo ou individual, o Plano de Mobilidade Urbana deverá ter o foco no transporte não motorizado e no planejamento da infraestrutura urbana destinada aos deslocamentos a pé e por bicicleta, de acordo com a legislação vigente. (Brasil, 2012) Ainda que exista a lei, as soluções de mobilidade têm focado na prestação do serviço de transporte e na engenharia de tráfego. É importante incorporar a mobilidade urbana às ações estratégias urbanísticas. Neto e Galindo (2019) descrevem a lei como a ferramenta que estabeleceu os princípios, objetivos, diretrizes e instrumentos dessa política. Através dessa legislação, é instituído o PNMU, que obriga o desenvolvimento dos planos de mobilidade aos municípios com mais de 20 mil habitantes. Por fim, os autores fazem um histórico dos planos de mobilidade urbana e seus avanços, referente às diretrizes sobre mobilidade urbana que eram difundidas antes da elaboração da legislação na Resolução n. 34. Os elementos básicos que devem estar contidos nesses planos, de acordo com a legislação e a resolução, são apresentados na figura abaixo: 4 Figura 1 – Elementos básicos do plano de mobilidade Fonte: Adaptado de Neto; Galindo, 2015. Os autores identificam que, entre esses elementos, há algumas semelhanças no seu escopo, como a necessidade de tratar da diversidade de modos de transportes existentes na cidade, a priorização do coletivo sobre o individual e o controle de impactos do ordenamento do solo no sistema de mobilidade (Neto; Galindo, 2015, p. 16). Mas ressaltam o fato de o PNMU ser mais direto e abranger maiores especificidades dos instrumentos de mobilidade urbana, além do fato de prever a integração com o plano diretor existente ou em desenvolvimento, de modo a haver coordenação entre as ações de mobilidade e as de planejamento urbano. • Os serviços de TPC e a circulação viária; • As infraestruturas do sistema de mobilidade urbana; • A acessibilidade para pessoas com deficiência e restrição de mobilidade; • A integração dos modos de transporte público e destes com os privados e os não motorizados; • A operação e o disciplinamento do transporte de carga na infraestrutura viária; • Os polos geradores de viagens; • As áreas de estacionamentos públicos e privados, gratuitos ou onerosos; • As áreas e os horários de acesso e circulação restrita ou controlada; • Os mecanismos e instrumentos de financiamento do TPC e da infraestrutura de mobilidade urbana; • A sistemática de avaliação, revisão e atualização periódica do Plano de Mobilidade Urbana em prazo não superior a dez anos. Conteúdo mínimo do Plano de Mobilidade – Lei n. 12.587/2012 • Garantir a diversidade das modalidades de transporte, respeitando as características das cidades, priorizando o transporte coletivo (que é estruturante sobre o individual) e os modos não motorizados, e valorizando o pedestre; • Garantir que a gestão da mobilidade urbana ocorra de modo integrado com o plano diretor municipal; • Respeitar as especificidades locais e regionais; • Garantir o controle da expansão urbana, a universalização do acesso à cidade, a melhoria da qualidade ambiental e o controle dos impactos no sistema de mobilidade gerados pelo ordenamento do uso do solo. Resolução n. 34, de 1º de julho de 2005, do Conselho das Cidades 5 TEMA 2 – GESTÃO DO PATRIMÔNIO HISTÓRICO-CULTURAL Não é incomum que as cidades resguardem elementos construídos ao longo de sua criação que se constituem em seu patrimônio histórico-cultural. Yamawaki e Salvi (2013) expõem que o patrimônio estaria associado a uma herança e que na coletividade definiria sua identidade, passando a ser merecedor de proteção. O Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN) apresenta que o Decreto de 1937 estabelece como patrimônio o conjunto de bens móveis e imóveis existentes no País e cuja conservação seja de interesse público, quer por sua vinculação a fatos memoráveis da história do Brasil, quer por seu excepcional valor arqueológico ou etnográfico, bibliográfico ou artístico. Já a Constituição de 1988 conceitua patrimônio cultural como sendo os bens “de natureza material e imaterial, tomados individualmente ou em conjunto, portadores de referência à identidade, à ação, à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira”. Autores como Maia e Filho (2018) apresentam que o planejamento urbano, quando considera a gestão do patrimônio histórico-cultural, carrega consigoo compromisso de equilíbrio entre as relações estabelecidas nesses termos: O patrimônio cultural é inseparável da atratividade, criatividade e sustentabilidade das cidades e se encontra no centro do desenvolvimento urbano. Sem a valorização da cultura, as cidades não podem ser espaços dinâmicos de vida e seriam reduzidas a simples construções de concreto e aço em um ambiente social deteriorado. A cultura faz a diferença e, não por acaso, a crise de legitimidade do planejamento urbano passa por sua dificuldade em aliar as bases de um desenvolvimento econômico equitativo – para combater a marginalização e o dualismo social – à defesa do patrimônio cultural, que protege as heranças do passado e valoriza as identidades e as artes locais. O fato é que os bens patrimoniais locais vêm assumindo um papel crescente na política urbana, tornando-se uma oportunidade, quer pelo critério econômico, quer pelos novos referenciais de vida social nas cidades. Deste modo, amplia-se o consenso de que o planejamento urbano não é mais simplesmente regulatório e operacional, ele também deve ser comunicacional, isto é, deve ser capaz de criar qualidade urbana através daquilo que é significativo para uma comunidade, traduzindo a redescoberta e a partilha da história de um território. [...] Dada a conjugação da proteção do patrimônio com o ordenamento do território e os seus instrumentos, reforçamos a ideia de que uma gestão inteligente dos recursos patrimoniais constitui um fator-chave para o desenvolvimento urbano sustentável. A análise desses processos cruzando memória, patrimônio e planejamento urbano permite não apenas revelar as relações de dominação entre os diferentes grupos 6 sociais presentes na cidade, mas também encontrar soluções para a expressão da visibilidade de grupos dominados, bem como um possível reequilíbrio das relações hierárquicas entre as classes sociais nos espaços urbanos. Em outras palavras, ao articular patrimônio cultural e planejamento urbano, reconhecemos o compromisso com as questões culturais e sociais de um possível “direito à cidade” face às exigências da hegemônica competitividade entre territórios econômicos. (Maia; Filho, 2018) Em geral, o patrimônio histórico-cultural é tombado pelo órgão pertinente, não implicando necessariamente desapropriação, ainda que a promoção de preservação do patrimônio perfaça à atribuição de novos usos. Assim, o meio urbano passa a ser definido como um mosaico, muitas vezes com sobreposição, que expressa tempos e modos diferenciados de viver (Maia; Filho, 2018). Cabe à gestão pública estabelecer critérios para determinar quais imóveis serão preservados, sem prejudicar o direito à cidade, estabelecendo equilíbrio entre valores e expectativas de preservação (Maia; Filho, 2018). No quesito do planejamento urbano envolvendo locais com perfil ou tombados como patrimônio, por vezes ocorre disputa entre o setor imobiliário e os órgãos de gestão do patrimônio cultural, que parte do tradicional impasse entre as políticas de preservação e as políticas de desenvolvimento econômico. As primeiras tidas como um fator "engessamento" da cidade, que impede o crescimento e o desenvolvimento econômico e urbano, e as últimas consideradas predatórias e a serviço do grande capital, que destrói a memória da cidade e de seus habitantes em prol da obtenção de lucros cada vez maiores através da especulação imobiliária. (Cavalcanti, 2010) Cavalcanti (2010) aponta que, com a criação do Estatuto da Cidade e o conceito de função social da propriedade, pode-se pensar em “função social do patrimônio histórico e cultural”, o que teria resultado em uma “série de projetos de intervenção em perímetros centrais que buscam concatenar as necessidades de preservação com outras questões urbanas, como a adequação da infraestrutura, as políticas habitacionais e a inclusão social”. A mesma autora expõe que alguns benefícios poderiam ser concedidos aos proprietários, conforme a Figura 2. Compatibilizar a proteção do patrimônio com benefícios econômicos, por meio de investimentos da iniciativa privada, parece ser uma boa oportunidade de conservação da história e da cultura. 7 Figura 2 – Instrumentos potenciais para compatibilização da proteção do patrimônio histórico-cultural com os seus proprietários Fonte: Adaptado de Cavalcanti, 2010. TEMA 3 – SANEAMENTO BÁSICO Segundo Brasil (2011, p. 32), para o planejamento, é necessário identificar e compreender as relações entre os sistemas de saneamento e a cidade, tanto em seus aspectos físicos, ambientais e de ocupação do solo quanto em seus aspectos técnicos. Portanto, no desenvolvimento da cidade, a procura pelo local saudável deve também ser parte da cultura do planejamento. O saneamento é configurado como orientador na definição dos vetores de crescimento e na proposta de zoneamento dos municípios. Ainda segundo o mesmo autor, o termo saneamento básico, até há pouco tempo utilizado no sentido restrito para denominar os serviços de água e esgoto, ganha um significado mais amplo com a Lei nº 11.445/2007, envolvendo ações de saneamento que têm uma relação mais intensa e cotidiana com a vida das pessoas na busca pela salubridade ambiental, passando a denominar os sistemas e serviços que integram o abastecimento de água, o esgotamento sanitário, a limpeza pública e manejo dos resíduos sólidos e a drenagem e manejo de águas pluviais urbanas. (Brasil, 2011) Nesse sentido, a Política Nacional de Saneamento Básico (Lei n. 11.445/2007) o conceitua como o conjunto de serviços, infraestruturas e instalações operacionais dos quatro elementos apresentados a seguir. Transferência do Direito de Construir • Utilizada em parceria com o tombamento, a fim de oferecer uma espécie de "compensação" aos proprietários de imóveis localizados em sítios tombados, preservar a ambiência e impedir que novas intervenções modifiquem suas características. Benefícios fiscais e tributários • Os tributos sobre imóveis urbanos, assim como as tarifas relativas a serviços públicos, podem ser diferenciados em função de seu interesse social. Dessa forma, é possível estabelecer uma política de subsídios para as tarifas dos serviços de energia elétrica e saneamento para áreas e imóveis urbanos onde morem pessoas de baixa renda. Outros instrumentos • IPTU progressivo; • Outorga onerosa; • Programas de locação social podem ser pensados a partir da lógica de valorização do patrimônio através de sua apropriação pela população e pela cidade. 8 Figura 3 – Conceito de saneamento básico no Brasil Fonte: Adaptado de Brasil, 2007. Ainda que hoje se tenha consciência da importância do saneamento básico, historicamente a preocupação expressa em políticas públicas é de certa forma recente, conforme é apresentado pelos gráficos a seguir. Figura 4 – Linha do tempo para o saneamento básico no Brasil Fonte: Adaptado de Brasil, 2011. Abastecimento de água potável • Constituído pelas atividades, infraestruturas e instalações necessárias ao abastecimento público de água potável, desde a captação até as ligações prediais e respectivos instrumentos de medição. Esgotamento sanitário • Constituído pelas atividades, infraestruturas e instalações operacionais de coleta, transporte, tratamento e disposição final adequados dos esgotos sanitários, desde as ligações prediais até o seu lançamento final no meio ambiente. Limpeza urbana e manejo de resíduos sólidos • Conjunto de atividades, infraestruturas e instalações operacionais de coleta, transporte, transbordo, tratamento e destino final do lixo doméstico e do lixo originário da varrição e limpeza de logradouros e vias públicas. Drenagem e manejo das águas pluviais urbanas • Conjunto de atividades, infraestruturas e instalações operacionais de drenagem urbana de águas pluviais, de transporte, detenção ou retenção para o amortecimento devazões de cheias, tratamento e disposição final das águas pluviais drenadas nas áreas urbanas. 1918 - Diagnóstico Rural 1930 - Estados, nova estrutura administrativa para saneamento 1942 - Programa Saneamento Amazônia Década de 1950 Criação de Serviço Autônomo de Água e Esgoto (SAAE) em vários municípios Década de 1970 - PLANASA 9 Figura 5 – Marcos da política de saneamento básico Fonte: Adaptado de Brasil, 2011. Algumas diretrizes norteiam o processo de elaboração dos Planos de Saneamento (Brasil, 2011), quais sejam: • Integração de diferentes componentes da área de saneamento básico e outras que se fizerem pertinentes em relação à saúde, ao ambiente e ao desenvolvimento urbano. • Promoção do protagonismo social a partir da criação de canais de acesso à informação e à participação que possibilite a conscientização e a autogestão da população. • Promoção da saúde pública. • Promoção da educação ambiental em saúde e saneamento que vise à construção da consciência individual e coletiva e de uma relação mais harmônica entre o homem e o ambiente. • Orientação pela bacia hidrográfica. • Sustentabilidade. • Proteção ambiental. • Inovação e utilização de tecnologias adequadas. • Transparência das ações e informações para a sociedade. 1994 - Aprovação, no Congresso Nacional, do Projeto de Lei da Câmara – PLC n. 199, que dispunha sobre a Política Nacional de Saneamento e seus instrumentos. 1999 – Firmado acordo com o Fundo Monetário Internacional (FMI). O Brasil comprometeu-se a acelerar e ampliar o escopo do programa de privatização e concessão dos serviços de água e esgoto, limitando o acesso dos municípios aos recursos oficiais. 2007 – Lei n. 11.445/2007, que estabelece as diretrizes nacionais para o saneamento básico e institui a Política Federal de Saneamento Básico (Brasil, 2007). Município como o titular dos serviços de saneamento básico. 10 É importante salientar que o planejamento urbano precisa considerar, além da situação e dinâmica atual, o cenário futuro delineado pela projeção de demanda, buscando corrigir as deficiências e maximizar os recursos. Dessa forma, espera-se que o planejamento do saneamento contribua para a organização do espaço urbano. Nesse sentido e conforme já apresentado, os processos participativos cada vez mais precisam compor as construções para que o planejamento seja efetivamente implementado. E no planejamento do saneamento não poderia ser diferente, exigindo-se, conforme Brasil (2011), algumas mudanças no processo de construção do planejamento. Figura 6 – Mudanças no processo de construção de planejamento necessário Fonte: Adaptado de Brasil, 2011. Para a construção do Plano, algumas etapas são previstas, conforme a Figura 7. Visão renovadora e generosa do poder público de partilhar poder com os diferentes segmentos sociais. Nova organização da administração pública com eficiência, transparência e flexibilização de procedimentos. Instituição dos canais de participação com a implementação de processos contínuos, integrados e descentralizados. Regras claras, decididas coletivamente, para a participação em todos os processos - fóruns consultivos e os deliberativos, os canais permanentes e os temporários, os momentos de discussão. Produção de informação sobre a realidade urbana, em linguagem acessível e transparente, democratizando o acesso à informação. 11 Figura 7 – Etapas de construção do plano de saneamento Fonte: Adaptado de Brasil, 2011. TEMA 4 – SAÚDE PÚBLICA E PLANEJAMENTO URBANO Saúde pública e planejamento urbano estão intimamente ligados. Considerando saúde como definido pela Organização Mundial de Saúde (OMS, 2006): “um estado de bem-estar físico, mental e social, e não somente ausência de afecções e enfermidades”. Bonetto (2017) expõe que a saúde em ambientes urbanos é uma crescente preocupação e sofre várias ameaças, como poluição, estresse, vulnerabilidade social e econômica, segurança. A mesma autora apresenta que tal situação possibilita o surgimento de doenças transmissíveis e crônicas, bem como outras doenças como depressão e ansiedade. Nesse sentido, potencialmente, o planejamento urbano poderia proporcionar bem-estar e qualidade de vida às pessoas por meio do desenho urbano e da usabilidade do espaço (Bonetto, 2017). Estudo como o de Maas (2006) e de Nielsen e Hansen (2007) retratam, por exemplo, que a relação entre espaço verde e saúde é significativa. Essa relação, segundo Maas (2006), estava geralmente presente em todos os graus de urbanidade e mais no grupo de idosos, jovens e pessoas com ensino médio, 12 considerando o ambiente urbano. Ainda segundo Nielsen e Hansen (2007), as áreas verdes impactam positivamente a vida dos residentes da cidade tanto no estresse como na obesidade. Tal situação coloca as áreas verdes em uma posição central no planejamento. Outro elemento influenciador da qualidade de vida e saúde das pessoas é a mobilidade. Transportes chamados ativos podem potencializar e desencadear diferentes elementos positivos nas áreas urbanas, como redução do fluxo de carros, risco de doenças como obesidade e diabetes, redução de poluição do ar, entre outros. Segundo a WRI1, os debates realizados sobre ações para fomentar o transporte ativo no Brasil trouxeram à tona sete desafios, quais sejam: • Instaurar a visão de rede de transporte ativo e integração com o transporte coletivo; • Obter dados para monitoramento e fiscalização; • Instituir diretrizes regulamentadas de infraestrutura; • Estabelecer a governança das calçadas; • Direcionar investimentos; • Conscientizar a população; • Estimular o uso do transporte ativo. TEMA 5 – PRINCÍPIOS DAS CALÇADAS No contexto da democratização do planejamento urbano, as calçadas surgem como elemento importante. Em Cidade Ativa2 (2017), é exposto que uma cidade inclusiva, resiliente e saudável deve, em primeira instância, colocar seus cidadãos como prioridade no planejamento e desenho urbano, com estratégias que ofereçam a eles boas experiências e que atendam às suas necessidades. Nesse sentido, as calçadas seriam elementos na rede de espaços públicos das cidades que deveriam ser planejados a partir daqueles que usufruem e transitam nesses espaços. 1 https://wribrasil.atavist.com/20-acoes-para-fomentar-o-transporte-ativo-no-brasil 2 https://www.archdaily.com.br/br/872374/como-fazer-calcadas-ativas 13 Ao retratar a dinâmica das calçadas em Recife, os autores Cunha e Helvecio (2013) indicam que, “apesar de a legislação definir o direito do cidadão de transitar em condição segura nas calçadas”, o que ocorre é o enfrentamento de obstáculos de toda natureza (buracos e irregularidades no piso) e até mesmo a ausência de calçada. Segundo os autores, outros elementos que por vezes são pouco expressivos são a arborização adequada, a iluminação inadequada, o rebaixamento do meio-fio além do permitido pela legislação, a ausência do piso (calçada de areia), a existência de obstáculos (rampas, inclinações excessivas etc.), entre outros (Cunha; Helvecio, 2013). Figura 8 – Padrão arquitetônico de São Paulo – Decreto n. 45.904, de 19 de maio de 2005 Fonte: Adaptado de Cunha; Helvecio, 2013. Em Cidade Ativa3 (2017), apresenta-se que as calçadas deveriam contemplar os atributos apresentados na Figura 9, buscando incentivar a mobilidade a pé. 3 https://www.archdaily.com.br/br/872374/como-fazer-calcadas-ativas Primeira faixa De serviço, destinada à colocação de árvores, rampas de acesso para veículos ou portadores de deficiências, postes de iluminação, sinalização de trânsito e mobiliário urbano como bancos, floreiras, telefones, caixas de correioe lixeiras Segunda faixa Denominada livre, é destinada exclusivamente à circulação de pedestres, devendo estar livre de quaisquer desníveis, obstáculos físicos, temporários ou permanentes, ou vegetação Terceira faixa Denominada de acesso, é a área em frente ao imóvel ou terreno, onde podem estar a vegetação, rampas, propaganda e mobiliário móvel como mesas de bar e floreiras. É uma faixa de apoio à propriedade 14 Figura 9 – Atributos das calçadas buscando atratividade para mobilidade a pé Fonte: Adaptado de Cidade Ativa, 2017. Conectividade • Uma boa calçada deve ser bem conectada com o restante da cidade. O seu uso pode ser incentivado se localizada próxima a estações de metrô, paradas de ônibus, ciclovias, equipamentos urbanos (hospitais, escolas, parques), ou edificações distintas. Outro ponto importante é a sinalização de orientação e informação para pedestres com indicações de caminhos e principais destinos do entorno. Acessibilidade • Esta estratégia é essencial para que uma calçada possa ser utilizada por todos os tipos de usuários (de diferentes idades e com capacidades diversas para locomoção, visão e audição). Uma calçada acessível é uma calçada inclusiva, confortável e de fácil acesso para qualquer pessoa. Segurança • A sensação de segurança é outro fator que garante o uso das calçadas. A questão da iluminação dedicada ao passeio está diretamente relacionada a esta estratégia, mas a presença de outras pessoas também é importante para garantir o uso. Portanto, diversidade dos usos do solo, visibilidade entre espaços públicos e privados, densidade populacional, limpeza e conservação são elementos que criam a sensação de segurança. Diversidade • A versatilidade de uma calçada atrai diferentes usuários, que podem somente passear e descansar, usufruir de espaços de usos múltiplos e para encontros, além de estimular atividades complementares que ativam o espaço ao longo das 24 horas do dia e em diferentes climas e épocas do ano. Escala humana/complexidade •Quando as calçadas são atraentes, interessantes, pensadas na escala da percepção do pedestre, o seu uso é incentivado. Os elementos presentes podem ser também atraentes e promover experiências inusitadas, ou seja, o desenho e a disposição do mobiliário urbano podem ser significativos para que a calçada seja um ponto de encontro, conversas e descanso, por exemplo. Além disso, o uso de materiais e texturas diversas dão caráter espacial e identidade ao espaço. Sustentabilidade/resiliência • Os espaços da calçada devem ser projetados para responder às mudanças climáticas e garantir cidades mais sustentáveis e eficientes. Dessa forma, estratégias para gestão de água, energia e resíduos podem aliviar as consequências de enchentes, ilhas de calor e auxiliam na redução da emissão de poluentes e o do consumo insustentável de recursos. 15 REFERÊNCIAS BOARETO, R. A política de mobilidade urbana e a construção de cidades sustentáveis. Revista dos Transportes Públicos – ANTP, ano 30/31, 2008. Disponível em: <https://www.fetranspor.com.br/wp-content/uploads/2014/08/A- Pol%C3%ADtica-de-Mobilidade-Urbana-e-a-Constru%C3%A7%C3%A3o-de- Cidades-Sustent%C3%A1veis.pdf>. Acesso em: 10 set. 2019. BONETTO, B. Cidade saudável: a relação entre planejamento urbano e saúde pública. ArchDaily, 24 jul. 2017. Disponível em: <https://www.archdaily.com.br/br/876411/cidade-saudavel-a-relacao-entre-planejamento- urbano-e-saude-publica>. Acesso em: 28 nov. 2019. BRASIL. 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