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Teoria Psicossexual do Desenvolvimento Infantil

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TEORIA PSICOSSEXUAL DO
DESENVOLVIMENTO
INFANTIL
AULA 1
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Profª Raquel Berg
CONVERSA INICIAL
Olá, seja bem-vindo(a)! Nesta disciplina trataremos sobre diversos temas. No primeiro
momento, falaremos sobre “Três Ensaios sobre a Teoria da Sexualidade”. No segundo momento,
falaremos sobre “Minhas teses sobre o papel da sexualidade na etiologia das neuroses”,
“Esclarecimento Sexual das Crianças”, “Teorias Sexuais das Crianças”, “Organização Genital
Infantil” e “Algumas consequências na distinção anatômica dos sexos”. Na sequência, falaremos
sobre o Pequeno Hans, denominado “Análise de uma fobia em um menino de 5 anos”, “Leonardo da
Vinci e uma lembrança de sua infância” e “Duas mentiras contadas por crianças”. Adiante,
falaremos sobre “O caso Schreber”, “História de uma neurose infantil” (conhecida como Homem dos
Lobos) e “O retorno do Totemismo na Infância”. Depois, falaremos sobre “Algumas Reflexões sobre
a Psicologia do Escolar”, “Uma recordação de infância de Dichtung und Wahrhei”, “Uma criança é
espancada”, “Associações de uma criança de 4 anos de idade” e o material psíquicos dos contos de
fada. Por fim, faremos uma breve revisão sobre o conteúdo apresentado nas aulas anteriores dessa
disciplina e os principais conceitos que precisam ficar gravados, a primeira e a segunda tópica,
alguns conceitos de “O Ego e o Id”, Spitz com sua teoria sobre os organizadores psíquicos no
primeiro ano de vida, as hipóteses kleinianas e lacanianas sobre o desenvolvimento infantil e o tema
da morte enquanto objeto de investigação infantil.
Na aula de hoje, nos concentraremos em falar sobre os Três Ensaios. Esse texto foi escrito em
1905, porém ele passou por uma série de revisões feitas por Freud posteriormente, o que fez com
que o documento contenha alguns conceitos que só serão efetivamente trabalhados na obra
freudiana muitos anos depois. Em função disso, faremos uma breve explicação para cada uma
dessas terminologias apenas para esclarecer o significado delas dentro do contexto dos “Três
Ensaios”, embora uma explicação mais completa seja feita em outras disciplinas que irão tratar
diretamente dos textos fundamentais para cada um desses conceitos. É importante trazer aqui
também que esse texto ensaia a transição da primeira para a segunda tópica freudiana, na medida
que traz o conceito de pulsões e transcende a ideia de um consciente (cs), subconsciente (Pcpt) e
inconsciente (Ics) com representações e afetos. Nesse texto, Freud vai além da ideia de sexualidade
das histéricas e traz a diferenciação entre sexo e sexualidade, que não necessariamente envolve o
órgão sexual em si e que se constitui ao longo da infância, desde o nascimento até a puberdade e a
vida adulta. Como esse texto é denso e cheio de detalhes, separamos o primeiro ensaio ao longo dos
dois primeiros temas, o segundo ensaio nos temas 3 e 4 e o terceiro ensaio no Tema 5.
TEMA 1 – AS ABERRAÇÕES SEXUAIS EM FREUD
Segundo Freud (1905), há nos homens a existência do que ele chama de pulsão sexual, ao que
ele compara com a pulsão de nutrição que seria a fome. O equivalente dessa fome, na pulsão sexual,
Freud dá o nome de “libido” (que seria como uma energia que impulsiona o desejo). Segundo o autor,
a opinião popular da época acreditava que essa libido estaria ausente na infância, surgindo na
puberdade e direcionada ao ato sexual. No entanto, os estudos de Freud (1905) demonstraram a
existência de dois tipos de desvios dessa libido: referentes ao objeto sexual (de quem procede a
atração sexual) e ao alvo sexual (ato a que a libido conduz).
É importante destacar, aqui, que essa classificação de Freud não é mais utilizada pelos
profissionais da saúde. No último documento do DSM-5 (2013) e do CID-11 (2020), a nomenclatura
hoje utilizada para o que Freud chamou de perversões é “transtornos da preferência sexual” e
“transtornos parafílicos”, sendo que em ambos a homoafetividade deixou de ser considerada como
um transtorno, e a transexualidade (que não será tratada aqui) é considerada como um transtorno na
medida que gera sofrimento ao indivíduo, não sendo a mesma coisa que a não identificação com o
gênero de origem (ou seja, um homem que se percebe como mulher ou mulher que se percebe como
homem). Como o objetivo aqui é apresentar os textos de origem freudianos, manteremos as
terminologias apenas para facilitar na compreensão desse texto.
1.1 DESVIOS RELATIVOS AO OBJETO E AO ALVO SEXUAL
O desvio do objeto é quando o desejo não é pelo sexo oposto em idade madura, ou seja, de um
homem para uma mulher e vice-versa. Em seu primeiro exemplo, Freud (1905) aborda a
homoafetividade, a que ele chama naquele momento de “invertidos” (embora hoje vemos a
terminologia como inadequada para abordar o tema). Esse é um tema delicado na psicanálise, sobre
o qual iremos expor também no tópico “Na prática”. Freud (1905), naquela época, afirmava que a
comunidade homoafetiva podia tratar de sua condição sexual com naturalidade (ou seja, com a
mesma aceitação natural que um heterossexual tem de sua condição) ou com revolta (ou seja,
tratando de sua condição como se fosse uma patologia). Para o autor, a origem dessa condição
poderia surgir junto com o indivíduo, numa época remota de sua vida ou pouco antes da puberdade;
além disso, poderia persistir por toda a vida ou ocorrer apenas durante determinado tempo.
A princípio, a homossexualidade (termo que Freud usa nesse texto) foi considerada como
contendo dois elementos: o caráter inato e a “degeneração”, sendo esse último termo devendo ser
dissociado de sua forma pejorativa como um desvio grave da norma ou com baixa capacidade de
sobrevivência. Segundo o autor, entende-se como degenerado aqui apenas o desvio no caráter
sexual, uma vez que essa condição não tem qualquer relação com o desempenho laboral, intelectual
ou ético do indivíduo. Já o caráter inato pode ser somente para os que Freud chama como
“absolutos” (ou seja, aqueles que já nasceram com essa condição e que a escolha por outra pessoa
do mesmo sexo é a única opção possível), enquanto para o demais ele afirma a possibilidade de
aquisição durante a infância, como se a pessoa mantivesse a bissexualidade após a idade adulta.
No entanto, ele admite que possuía pouco material para considerar suas observações como
conclusivas.
Em um primeiro momento, Freud (1905) tentou usar do hermafroditismo como um protótipo
para explicar a existência da bissexualidade humana, mas foi infeliz nessa primeira tentativa. Depois,
avaliou os estudos que afirmavam que nos homoafetivos se teria um cérebro contrário ao corpo
presente (ou seja, um cérebro feminino em um corpo masculino ou um cérebro masculino em um
corpo feminino). No entanto, para Freud, seria como substituir o problema psíquico pelo problema
anatômico, o que segue sem resolver a questão. Por fim, o autor considerou a teoria de Kraft-Ebing
como a mais próxima de uma explicação razoável:
Segundo Kraft-Ebing (1895, 5], a disposição bissexual dota o indivíduo tanto de centros cerebrais
masculinos e femininos quanto de órgão sexuais somáticos. Esses centros começam a
desenvolver-se na época da puberdade, na maioria das vezes sob a influência das glândulas
sexuais, que independem deles na disposição [originária]. (Freud, 1905, p. 135)
Isso explicaria por que o comportamento e a organização psíquica de uma pessoa independem
de sua condição sexual: ou seja, uma mulher pode sofrer uma transformação psíquica que a torne
mais masculina, ou um homem pode se comportar exatamente como um homem heterossexual
normal.
Embora naquele momento se acreditasse que a homoafetividade fosse oposta ao normal, essa
explicação só poderia funcionar para uma parcela das pessoas, assim como o é para a
heterossexualidade (pois a pessoa vai contra seus desejos para buscar a aceitação social). Assim,
para Freud (1905), a melhor explicação seria a de que o objeto sexual não é o mesmo sexo, mas uma
conjugação dos caracteres de ambos os sexos eum reflexo especular da própria natureza bissexual.
O objetivo sexual dos invertidos é diverso, sendo menos relevante o órgão sexual em si, pois nos
homens heterossexuais também há o prazer intenso na relação sexual anal e masturbação, assim
como nas mulheres heterossexuais há também uma preferência com o contato bucal.
Por fim, e aqui devemos excluir que a homoafetividade seja um desvio, Freud (1905) inclui no
grupo dos desvios de objeto as pessoas que escolhem os animais e as crianças. Segundo o autor,
essas escolhas muitas vezes se dão com mais frequência em pessoas com mais oportunidades
para sucumbirem a esses comportamentos (como professores e camponeses), e a diferença entre
pessoas com esses comportamentos e as consideradas loucas é somente o grau de intensidade do
transtorno sexual. Embora Freud (1905) afirme nesse texto que os distúrbios sexuais nos loucos não
são diferentes dos distúrbios sexuais das pessoas consideradas sãs, é importante frisar que esses
dois últimos exemplos posteriormente foram enquadrados fora do grupo da normalidade, uma vez
que esse tipo de desvio sexual foge das regras e limites sociais, podendo ser comparado ao próprio
incesto.
1.2 DESVIOS RELATIVOS AO ALVO SEXUAL
Para Freud (1905), o objetivo ou alvo sexual normal é o sexo genital, que leva ao alívio da tensão
e a extinção temporária da pulsão (semelhante a quando comemos e saciamos nossa fome). A
sexualidade normal pode incluir o uso temporário de outras partes do corpo antes do início do coito
(conhecidas dentro das famosas “preliminares”: o beijo, as carícias etc.), e se distinguem dos
exemplos que serão dados a seguir quando elas se tornam o objetivo final que não o contato genital.
Existem dois tipos de perversões aqui, que na verdade podem ser consideradas como a mesma
coisa, pois terminam com o desvio do objetivo sexual em si: I) as transgressões ou o uso de outras
partes do corpo obter prazer, e; II) as demoras das preliminares. Melhor explicando:
I. As transgressões aqui são consideradas como um enfraquecimento do juízo, uma cegueira
lógica semelhante à obediência do paciente durante a hipnose (e que depois ele aprofunda em
seu texto “Psicologia das Massas”: a submissão que passa pela credulidade amorosa; a
substituição da figura de autoridade que deveria ter desembocado em um vínculo amoroso
com uma pessoa do outro sexo, mas que se transforma na obediência cega a uma figura
supervalorizada. Essa correlação se dá na medida que, em ambos os casos, ocorre a restrição
do objetivo sexual em si – a união de órgãos sexuais – para o desvio da libido para outros fins).
Alguns dos exemplos aqui são: o sexo oral, pois embora a pessoa não compartilhe da escova
de dentes do outro por asco, a libido rende o sentimento de asco em prol da obtenção de
prazer; o sexo anal, criando uma sensação [imaginária] semelhante em homens e mulheres –
ou seja, ambos os sexos se igualam nessa experiência; e o fetichismo, como a obtenção de
prazer por partes do corpo como pés e cabelos, ou mesmo o desejo por pessoas com defeitos
físicos específicos, peças de roupa ou objetos em particular, que por alguma razão do próprio
pervertido conservam uma relação com o objeto sexual. Ele se origina na primeira infância ou a
partir de uma conexão simbólica, e passa a ser um transtorno quando gera sofrimento ou dor
ao outro contra a sua vontade, além de colocar a saúde e a vida do indivíduo em risco.
II. Aqui, o excesso de preliminares criticadas por Freud inclui o tocar, o olhar (como no caso dos
voyeurs), o sadismo e o masoquismo (ter prazer em provocar dor no outro ou com o próprio
sofrimento ou dor). O sadomasoquismo será mais bem trabalhado em outros textos de Freud
(como “O problema econômico do masoquismo”, escrito em 1924), mas serve como um
modelo de esclarecimento da perversão. O masoquismo é oposto ao sadismo, mas sempre o
acompanha, pois na perversão, o objetivo sexual pode ocorrer nas formas ativa e passiva
conjuntamente no mesmo indivíduo, o que faz com que alguém que sente prazer em infligir dor
em seu objeto sexual também terá prazer em dores que virá a sofrer ele próprio durante suas
relações sexuais.
TEMA 2 – PERVERSÕES E PSICONEUROSES
A perversão é classificada como uma doença, um transtorno. Segundo Freud (1905), existem
perversões dos mais variados tipos, incluindo algumas muito distanciadas do normal (como
necrofilia e coprofagia), e que vão muito além de sentimentos como vergonha, repugnância, horror,
nojo ou dor. A perversão se caracteriza pela existência desses transtornos no âmbito sexual, mesmo
que em outros aspectos o indivíduo se apresente plenamente dentro da normalidade. A natureza
patológica da perversão está em sua relação com o normal, o que significa que ela se torna um
transtorno quando apresenta um grau mais elevado de fixação e exclusividade do comportamento.
Nas neuroses, a pulsão e o recalque são os principais responsáveis na formação dos sintomas:
na histeria, os sintomas são deslocamento de desejos, por associação; na neurose obsessiva e nas
fobias, os sintomas representam a autocensura por medo e nojo, e na paranoia ocorre a projeção
dos desejos recalcados sob a forma de alucinações. Nas cartas sobre as psiconeuroses de defesa, o
autor também comenta sobre a cronologia dessas psiconeuroses, ou seja, quando elas se
estabelecem. Se considerarmos que existe uma maturação do corpo humano em paralelo a essas
experiências, poderíamos estabelecer uma correspondência entre as experiências com o próprio
corpo e essas psiconeuroses. Com isso, Freud então cria o conceito de zonas erógenas.
As zonas erógenas se comportam como uma porção do aparelho sexual, e podem servir como
aparelhos subordinados aos órgãos genitais ou como substitutos deles quando há a formação
dessas psiconeuroses. Embora a maioria dos psiconeuróticos adoeça após a puberdade, o processo
de recalque se dá durante a infância e se estabelece com o retorno do recalcado, geralmente
associado com fatores externos tardios como limitação da liberdade, perigos em geral e
inacessibilidade do objeto sexual normal, os quais pervertem pessoas que, de outra forma, poderiam
ter sido normais. Assim, podemos dizer que a neurose é uma junção do genético com a experiência
prévia do indivíduo. Já as perversões podem se originar de características inatas ou surgir de
fetichismo, e se expressam desde cedo em crianças.
O conceito das zonas erógenas, embora já tenha surgido nas cartas a Fliess, é trabalhado pela
primeira vez aqui. De modo geral, significa qualquer parte do corpo suscetível de se tornar uma fonte
de excitação sexual: a boca, o ânus, o pênis ou a vagina, ou qualquer outra parte, já que na
psicanálise todo o corpo, pele e membros pode se tornar uma fonte potencial de prazer. Iremos
tratar em detalhes sobre as fases na sequência.
TEMA 3 – A SEXUALIDADE INFANTIL
A opinião popular julga erroneamente que a pulsão sexual está ausente nas crianças e só se
desenvolve na puberdade, e que muitas das doenças dos adultos surgem em consequência de
hereditariedade; ou que a presença de pulsões sexuais em crianças ocorre como casos excepcionais
de depravação precoce. Segundo Freud, nós nos esquecemos de grande parte do que nos acontece
na infância, restando apenas fragmentos (a amnésia infantil). Durante essa época, reagimos de
maneira vívida (com amor, raiva e tristeza) ao que nos acontece, e constituem o princípio da nossa
vida sexual. O esquecimento dessas experiências infantis ocorre como um processo semelhante ao
da amnésia neurótica em relação a eventos emocionalmente relevantes: mais do que isso, a
amnésia neurótica existe porque traços de memória, interligados entre si, foram recalcados,
misturando memórias recentes com memórias precoces. Assim, a amnésia neurótica não existe sem
a amnésia infantil.
As pulsões sexuais começam desde o nascimento e se desenvolvem durante a infância. Nesse
período, a formação de traumas associados à amnésia infantil faz com que asexperiências sejam
recalcadas, podendo ser futuramente uma fonte de sintomas dependendo das características
individuais. A educação está diretamente relacionada com a formação do recalque, pois é a principal
fonte para a criança aprender sobre as regras sociais e como deve se estabelecer sua sexualidade
nesse contexto. Como vimos antes, todo material recalcado necessita ser extravasado, podendo ser
por meio dos sonhos, dos sintomas, das fantasias e da sublimação, além do próprio sexo. A
sublimação é uma forma socialmente aceita e que se expressa na forma de talentos individuais para
os esportes, para as artes ou para a literatura, por exemplo.
3.1 AS MANIFESTAÇÕES INFANTIS DA SEXUALIDADE
Uma das primeiras manifestações da sexualidade infantil é o que Freud (1905) chama de
chuchar com deleite, que é o comportamento do infante de fazer o movimento de mamar sem estar
realmente se alimentando do leite materno. Outro comportamento é o chupar o dedo ou a chupeta,
às vezes acompanhado de segurar a própria orelha ou a orelha de outra pessoa. Esse
comportamento aparece na primeira infância e espera-se que se encerre na maturidade. Esse
chuchar (seja o peito, o dedo ou a chupeta) tem o objetivo de acalmar o bebê, de levá-lo ao sono ou a
uma reação semelhante ao orgasmo. O autor considera que as crianças que buscam o sugar como
uma forma de prazer autoerótico tendem a, quando adultos, dar uma importância erógena para os
lábios. Assim, o objetivo da pulsão sexual infantil é obter prazer, tranquilidade e satisfação por meio
de uma parte do corpo que for escolhida (erógena) para estimular essa sensação.
Assim como a zona labial (ou oral), a zona anal também pode atuar como uma via sexual. Um
exemplo disso são as crianças que seguram as fezes até que seu acúmulo provoque intensas
contrações musculares que provocam dor e prazer, como se fosse um comportamento
masturbatório do ânus. Sobre a masturbação, na psicanálise distinguem-se três fases de
masturbação infantil: uma pertencente à primeira infância, outra por volta dos quatro anos e uma
terceira na puberdade. A excitação sexual relativa da primeira infância, assim como as demais,
busca satisfação pela masturbação ou pela polução noturna, mas cada uma delas deve ter uma
separação marcada no desenvolvimento infantil.
A continuidade desse comportamento masturbatório ao longo da infância pode representar um
desvio de conduta e posteriormente se transformar em um transtorno. As crianças podem ter todo
tipo de irregularidades sexuais, já que barreiras como a vergonha, a repugnância e a moral ainda não
foram formados. Nesse sentido, são chamadas, portanto, de perverso-polimorfas. Laplanche e
Pontalis (2001, p. 342) esclarecem que a perversão faz parte do comportamento infantil e é
esperado como parte de sua interação com o ambiente. E, na medida que essa perversão está ligada
às pulsões parciais pertencentes às zonas erógenas durante o desenvolvimento infantil, se
apresenta, portanto, como uma disposição perverso-polimorfa.
As crianças, durante seus primeiros anos, têm muito prazer em expor seus corpos, com ênfase
nas suas partes genitais. Quando adquirem a capacidade de sentir vergonha, essas crianças passam
a exibir curiosidade pelas genitais de outras pessoas e pelas diferenças anatômicas entre os sexos.
Além disso, outra característica das crianças é a crueldade, pois o sentimento de piedade se
desenvolve somente mais tarde. Esse impulso de crueldade surge do desejo de domínio (sadismo
infantil), o que leva algumas crianças a um desejo de bater em animais e coleguinhas, e pode levar
ao prazer de apanhar nas nádegas, relacionado à passividade (masoquismo).
Entre três e cinco anos a criança chega no primeiro ápice sexual. Nesse momento, surge a
necessidade de fazer perguntas, e essa necessidade pode ser despertada por diversos motivos,
como a chegada de um novo bebê. Nesse sentido, a primeira dúvida costuma ser de onde vêm os
bebês (para as pessoas que têm filhos adotados, por exemplo, não é incomum a criança perguntar
sobre seu processo e como ela poderia ter se tornado filha daqueles pais sem ter sido gerada no
ventre da mãe). Ao perguntar sobre a origem dos bebês, a criança começa a compreender a própria
constituição sexual, a diferença anatômica dos sexos e o papel fertilizante do esperma. Segundo
Freud (1905), essa curiosidade pode ser comparada ao enigma da Esfinge (chamado de Complexo de
Édipo quando Freud for apresentar o caso do Pequeno Hans). Ao descobrir as diferenças sexuais
entre homens e mulheres, surge o complexo de castração (nas meninas se refere à frustração de não
ter pênis, e nos meninos se refere ao medo de perder seu pênis) e a inveja do pênis.
TEMA 4 – FASES E FONTES DO DESENVOLVIMENTO SEXUAL
Existem quatro fases de desenvolvimento sexual humano: a fase oral (que envolve o desejo de
incorporar o objeto), sádico-anal (que inicia a relação ativa e passiva), fálica e genital. Entre as fases
fálica e genital há o período de latência, pois na fase fálica há a organização genital infantil sob o
primado das pulsões parciais (e, nesse sentido, o falo é o único órgão genital), e na fase genital
constitui-se a genitalidade propriamente dita para os sexos. A escolha de um objeto é difásica, uma
entre as idades de dois a cinco anos (infantil) e outra no início da puberdade e que determinará o
resultado da vida sexual. Essas determinadas partes do corpo são escolhidas como zonas erógenas
principais por causa de sua relevância e determinadas idades: assim, a boca é o ponto de contato
afetivo e de nutrição com o corpo da mãe desde o nascimento; o ânus representa a fase quando a
criança precisa aprender a controlar seus esfíncteres e, com isso, controlar seu próprio corpo
(normalmente, após os dois anos), e a fase genital ocorre na puberdade e no término do
amadurecimento sexual, na adolescência. Nesse sentido, Freud amplia e traz a existência de dois
tipos de pulsões: sexuais e de autoconservação, como o amor e a fome. Dentro das pulsões sexuais,
estão inseridas as pulsões parciais, as quais estão ligadas a cada órgão de acordo com a idade, e
que se juntam para se tornarem pulsões totais somente na vida adulta. Posteriormente, em “Pulsões
e seus destinos”, Freud irá mudar essa divisão das pulsões para pulsões de vida e de morte, mas
isso é tema para uma outra aula.
A excitação sexual pode ter diversas origens: na repetição de um prazer já experimentado; pela
estimulação das zonas erógenas; como expressão de algumas pulsões como a crueldade. Essa
excitação pode ser adquirida pela agitação do corpo e na estimulação sensorial desse corpo (olhos,
ouvidos, pele e músculos), por isso as crianças também têm muita satisfação e necessidade em
praticar exercícios físicos. A tarefa intelectual também pode provocar prazer, pois toda atividade
praticada ou experimentada com intensidade pode gerar prazer e estimular a sexualidade. Mas é
importante frisar que a estimulação só ocorre dependendo da qualidade dos estímulos, do quanto a
criança está satisfeita em praticá-los (ou seja, não adianta forçar a criança a uma atividade que não
a faz feliz porque isso não a irá estimular adequadamente).
TEMA 5 – AS TRANSFORMAÇÕES DA PUBERDADE
Até antes da adolescência, as pulsões sexuais são autoeróticas. Com a chegada da puberdade,
um novo objetivo sexual aparece, pois um dos principais processos da puberdade é o
desenvolvimento dos genitais externos. Na adolescência, a pessoa passa a ter a capacidade de se
estimular sexualmente de três formas: externamente (p. ex., pela masturbação), internamente (p. ex.,
uso de substâncias) e mentalmente (p. ex., vídeos, filmes e sonhos). Essa excitação independe da
capacidade fértil do indivíduo e está diretamente relacionada com a libido (que já mencionamos
antes), que é a responsável pela geração de prazer e desprazer: prazer pela eliminação da tensão, e
desprazer porque cria mais desejo de prazer (semelhante ao uso de drogas: quanto mais usamos,
maisqueremos experimentar). A libido pode ser considerada como uma força quantitativamente
variável, com caráter qualitativo. Aqui, Freud (1905) estabelece que na infância há uma libido do ego,
ou libido narcísica (na medida que há um autoinvestimento) e depois surge uma libido do objeto.
Portanto, temos aqui dois tipos de libido (vale informar que, quando Freud escrever seu texto “Além
do princípio do prazer”, ele passará a trazer o conceito de libido como Eros, ligado às pulsões de
vida, em oposição às pulsões de morte).
5.1 A DIFERENCIAÇÃO ENTRE HOMENS E MULHERES
As disposições sexuais de meninos e meninas são percebidas na infância. E, embora seja
possível identificarmos diferenças entre eles, a atividade autoerótica é idêntica em ambos
(lembrando que, aqui, não estamos discutindo a concepção moderna de gênero, mas como se dá o
comportamento infantil com os órgãos sexuais, pênis e vagina/ clitóris). Com a puberdade, o
objetivo sexual deixa de ser autoerótico e focado na mãe e passa a ser em um outro diferente da
mãe.
As relações afetivas que permeiam a vida das crianças é que irão formar um modelo de suas
relações afetivas futuras – por meio do modelo que a criança concebe com a pessoa que cuida dela,
acaricia-a, beija-a, essa criança buscará no futuro um objeto sexual substituto dessa relação.
Quando a criança experimenta relações não saudáveis, como excesso de mimos ou privação de
afeto, isso pode desencadear futuramente comportamentos como ansiedade e carência afetiva
intensa, ou ser despertada sexualmente mais cedo. É claro que seria muito mais fácil para a criança
manter o direcionamento de seus impulsos sexuais para as pessoas que cuidaram dela; porém, a
barreira do incesto impede esse tipo de relação. O período de latência até a puberdade auxilia a
criança a impedir o desenvolvimento desse tipo de relação incestuosa e ajuda a criança a criar
moldes para o relacionamento com outras pessoas. Durante a escolha do objeto, que ocorre em
paralelo ao amadurecimento sexual, há também o desejo de independência em relação aos pais
(mas isso não ocorre em todos os jovens). Nos psiconeuróticos, o desligamento dos pais e o
impedimento incestuoso causam repúdio à sexualidade, e a escolha do objeto se mantém no
inconsciente, procurando sempre uma relação assexual e se mantendo apegado às suas antigas
relações infantis. As pessoas normais também sofrem influência do incesto, porém contornam essa
frustração ao buscarem uma pessoa madura com características de seu pai, mãe ou cuidador.
Durante a escolha do objeto, na adolescência, irá contar a atração sexual pela constituição
anatômica e psicológica antagônica, a repressão da sociedade, o desenvolvimento de uma relação
hostil com pessoas do mesmo sexo ou do sexo oposto, além de experiências infantis como divórcio,
morte etc. Ou seja, tudo que acontece na infância pode influenciar os relacionamentos futuros da
criança, muito embora eles não sejam determinantes (nem todo mundo que vivencia um luto ou um
trauma terá as mesmas escolhas objetais).
NA PRÁTICA
A proposta prática desse tema é vasta, mas aqui gostaríamos de trabalhar sobre o tema da
homoafetividade. Mais especificamente, a forma como as instituições psicanalíticas lidaram com
esse tema controverso durante o século XX. No texto “A psicanálise ‘no armário’, a autora comenta
que na década de 1920 era sabido que as sociedades de psicanálise recusavam candidatos às
escolas que fossem assumidamente gays ou que revelassem essa informação durante o processo
seletivo. Isso porque a homossexualidade era considerada uma doença, constando inclusive no DSM
(Manual Diagnóstico dos Transtornos Mentais) até 1973. E a autora continua, em referência à IPA
(Associação Psicanalítica Internacional):
Em circular enviada a todos os membros do secreto comitê, Ernest Jones relatava ter aconselhado
contra a admissão, pela Sociedade Holandesa de Psicanálise, de um membro que “se sabia
manifestamente homossexual”. Otto Rank e Freud discordavam da posição do colega, pois, para
eles, a homossexualidade não era razão suficiente para a rejeição. Por outro lado, porém, a
contratação não poderia tornar-se uma lei, “considerando os vários tipos de homossexualidade e
os diferentes mecanismos que a causam”. Já para os berlinenses Karl Abraham, Hanns Sachs e
Max Eitingon, esses indivíduos só deveriam ser admitidos se tivessem “outras qualidades a seu
favor”. (Oliveira, 2016, p. 39)
Com isso, conclui-se que o principal problema é o risco de apropriação e simplificação da teoria
psicanalítica (podendo ampliar essa simplificação para outros discursos que fazem parte do saber
histórico da humanidade) para discurso com viés preconceituoso, intolerante e parcial. Já
discutimos no caso Dora como ela sofria por se sentir reprimida intelectualmente, pela frustração de
sua condição como mulher na sociedade e, portanto, com o casamento como sua única opção. Da
mesma forma, Freud (1905) também comenta em seu texto sobre o risco de desenvolvimento de
psicopatologias em filhos de pais separados, algo que na época era considerado um desvio familiar.
Ayouch e Bulamah (2013) trouxeram uma série de exemplos ao longo da história da IPA, dentre
outras instituições ao redor do mundo, nas quais somente em 1992 foi possível que essa exclusão
caísse e as instituições finalmente aceitassem a presença de homossexuais. Assim podemos
concluir que modelos teóricos são protótipos que precisam ser constantemente revistos e
adaptados, ou como psicanalistas incorreremos no risco de nos colocarmos fora de contexto, fora
daquilo que é relevante, pertinente e adequado para a sociedade atual e para nossos clientes,
criando assim um falso problema, ou seja, uma questão que não pertence de fato à psicanálise e
que não deveria ser considerada um problema em si. Não é a homoafetividade que traz uma falha de
caráter ou social, ou mesmo fazendo parte de um erro genético; são as escolhas que fazemos, que
provocam dor e constrangimento no outro, que precisam ser vistas como um problema real, tanto do
ponto de vista da psicanálise quanto da sociedade como um todo.
FINALIZANDO
Nosso objetivo foi trazer de maneira detalhada o estudo de Freud “Três Ensaios sobre a Teoria
da Sexualidade”, emblemático para compreendermos o desenvolvimento psicossexual infantil e a
formação sexual de homens e mulheres. Embora alguns tópicos pretendam ser tratados somente
em outras aulas, como o Complexo de Édipo e o sadismo-masoquismo, alguns desses tópicos foram
mencionados aqui para que os alunos compreendam sua conexão com o tema desenvolvido na aula
de hoje uma vez que, ao longo da construção da teoria psicanalítica, Freud foi, aos poucos,
revisitando e aprofundando sobre cada um desses conceitos, até que fosse possível ter uma
proposta mais coerente sobre a estrutura do aparelho psíquico, a dinâmica das estruturas psíquicas
e dos principais transtornos, e sobre a prática clínica. Os conceitos mais importantes apresentados
aqui foram o conceito de libido, os tipos de desvios dessa libido (ao objeto e ao alvo), a natureza
bissexual da criança e sua disposição perverso-polimorfa, as fases do desenvolvimento (oral, anal,
fálica e genital), o período de latência, zonas erógenas/ pulsões parciais, as perversões e as
psiconeuroses no desenvolvimento infantil, a amnésia infantil como protótipo da amnésia neurótica,
a diferença entre pulsões sexuais e pulsões de autoconservação, o complexo de castração/ inveja
do pênis, o complexo de Édipo e a curiosidade infantil, a libido narcísica (ou do ego) versus libido do
objeto e a função da masturbação na infância, e a necessidade de contextualizar a teoria
psicanalítica na sociedade, enquadrando e ponderando temas dentro do período histórico em que
foram analisadas.
Esperamos que tenha aproveitado as discussões apresentadas aqui para conhecer um pouco
mais das origens da psicanálise, e o convidamos a continuar acompanhando as aulas para saber
mais sobre esse campo dosaber tão envolvente como é a psicanálise.
REFERÊNCIAS
APA. American Psychiatric Association. Diagnostic and statistical manual of mental disorders
DSM-5. Washington: APA, 2013.
AYOUCH, T.; BULAMAH, L. C. A homossexualidade dos analistas: história, política e
metapsicologia. Revista Percurso, n. 51, dezembro 2013, p. 115-126.
FREUD, S. Edição standard brasileira das obras psicológicas completas de Sigmund Freud
(1886-1899) – livro VII. Rio de Janeiro: Imago, 1977.
GARCIA-ROZA, L. A. Introdução à metapsicologia freudiana. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1995.
v. 1, v. 2 e v. 3.
LAPLANCHE, J.; PONTALIS, J. B. Vocabulário da psicanálise. 4. ed. São Paulo: Martins Fontes,
2001. 552 p.
OLIVEIRA, A. A psicanálise “no armário”. Revista Psico. USP, n. 2/3, jul. 2016. p. 38-42.
ROUDINESCO, E.; PLON, M. Dicionário de psicanálise. Tradução de Vera Ribeiro. Rio de Janeiro:
Jorge Zahar, 1998. 874 p.
WHO. World Health Organization. ICD-11, 2022.
BIBLIOGRAFIA COMPLEMENTAR
BIRMAN, J. Freud e a interpretação psicanalítica. Rio de Janeiro: Relumé-Dumará, 1991.
MEZAN, R. Freud: a trama dos conceitos. São Paulo: Perspectiva, 1980. 350 p.
 
 
 
 
 
 
 
 
 
TEORIA PSICOSSEXUAL DO
DESENVOLVIMENTO
INFANTIL
AULA 2
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Profª Raquel Berg
CONVERSA INICIAL
Bem-vindos(as)!
Na aula de hoje, o primeiro texto trará um fechamento sobre o tema dos “Três Ensaios”,
apresentado em conteúdo anterior, e falaremos sobre a importância das fantasias na formação da
sexualidade infantil. Embora os “Três Ensaios” já tenha começado a ser idealizado nas cartas a
Fliess, após sua publicação em 1905, Freud continuou a revisá-lo, tendo concluído a última versão
em 1925, pouco antes de sua morte. Em função das constantes revisões, os “Três Ensaios” se
tornou um texto denso e em alguns pontos confuso, pois muitas informações foram inseridas sem
considerar a cronologia da própria obra psicanalítica, como pudemos observar quando Freud insere
sua teoria sobre o masoquismo e sobre o narcisismo infantil, tópicos que só serão tratados mais
tarde. Depois, falaremos sobre Esclarecimento Sexual das Crianças e sobre as Teorias Sexuais das
Crianças.
TEMA 1 – MINHAS TESES SOBRE O PAPEL DA SEXUALIDADE NA
ETIOLOGIA DAS NEUROSES
Nesse texto, Freud (1905) traz a importância do conhecimento sobre o fator sexual na etiologia
das neuroses. Originalmente, a hipótese freudiana sobre a importância do fator sexual surgiu no
estudo sobre as neurastenias. Antes de continuarmos, vamos fazer um breve esclarecimento sobre a
neurastenia e a diferenciação das neuroses. De acordo com Laplanche e Pontalis (2001, p. 295), a
neurastenia “compreende um quadro clínico centrado numa fadiga física de origem ‘nervosa’ e
sintomas dos mais diversos registros (...) cefaleias, dispepsia, prisão de ventre, parestesias
espinhais, empobrecimento sexual”. Segundo os autores, a neurastenia se enquadra no grupo das
neuroses atuais que, como o próprio nome diz, são neuroses cuja origem está no presente e não na
infância; elas são a expressão simbólica de insatisfações sexuais e, além da neurastenia, possuem a
neurose de angústia (baseada em sintomas como espera ansiosa crônica, acessos de angústia ou
equivalentes somáticos) e a hipocondria. As neuroses atuais se diferenciam das psiconeuroses,
sendo as últimas de origem infantil (neurose histérica, neurose obsessiva, fobias e paranoia).
Quando tratamos das neuroses atuais, aqui a neurastenia e a neurose de angústia, observou-se
como a questão sexual tinha uma grande importância e influência na origem dos sintomas. Como já
comentamos anteriormente, em uma sociedade como Viena do início do século XX, repressora e
machista, não era difícil compreender por que os transtornos se davam com mais frequência na
esfera sexual e em mulheres. Nesses transtornos atuais, a causa dos sintomas estava
frequentemente associada à masturbação frequente, polução noturna e ao coito interrompido. Já
nas psiconeuroses, em seus estudos com as histéricas, Freud (1905, p. 259) percebeu que os
sintomas “eram efeitos persistentes de traumas psíquicos, e de que, por circunstâncias especiais, as
somas de afeto a eles correspondentes tinham sido desviadas da elaboração consciente, com isso
facilitando para si um caminho anormal para a inervação somática”. Ou seja, ainda que houvesse
fatores sexuais envolvidos na formação do sintoma, o trauma desencadeante nem sempre tinha um
conteúdo sexual em si, e por meio do método catártico, era possível identificar como experiências
banais poderiam ter se conectado de alguma forma com a vida sexual do paciente e, com isso,
desencadeado a doença.
No entanto, ao longo dos estudos, Freud (1905, p. 260) percebeu que nem sempre as
lembranças suscitadas eram reais:
Desde então, aprendi a decifrar muitas fantasias de sedução como tentativas de rechaçar
lembranças da atividade sexual do próprio indivíduo (masturbação infantil). Esclarecido esse
ponto, caiu por terra a insistência do elemento “traumático” presente nas vivências sexuais infantis,
restando o entendimento de que a atividade sexual infantil (seja ela espontânea ou provocada)
prescreve o rumo a ser tomado pela vida sexual posterior à maturidade.
Essa mudança no entendimento de Freud significa que, se antes ele acreditava que a formação
das neuroses se dava por experiências traumáticas vividas na infância, agora ele passa a considerar
o desenvolvimento sexual infantil como o efetivo formador das neuroses. Além disso, ele traz o
conceito das fantasias (ficções mnêmicas) como construções feitas a partir de lembranças infantis
e que se transformam, na puberdade, em sintomas. Ou seja, os traumas sexuais infantis são
substituídos pelo “infantilismo da sexualidade” (Freud, 1905, p. 261). Segundo Laplanche e Pontalis
(2001), as fantasias representam roteiros imaginários, deformações de lembranças recalcadas por
processos defensivos. Na histeria e na neurose obsessiva, eles retornam na forma de sintomas no
corpo ou em comportamentos compulsivos, e na paranoia eles são projetados para fora como
delírios. Assim, Freud retoma sua concepção de que, para uma lembrança se tornar patogênica, ela
deveria parecer intolerável ao ego. E uma vez que a defesa seja bem-sucedida, as lembranças
intoleráveis são expulsas da consciência. Porém, uma vez que a lembrança inconsciente redobra
seus esforços e se modifica, ela consegue voltar sob a forma de sintomas.
Ao avaliar pessoas saudáveis, Freud (1905) percebeu que a experiência de sedução infantil não
diferia das pessoas doentes. O que era diferente era a reação dessas pessoas a essas experiências.
Assim, uma pessoa normal ou saudável, durante seu desenvolvimento sexual infantil, foi capaz de
ter uma certa dose de recalcamento sexual que se exteriorizou diante das experiências obtidas no
mundo real. Já os doentes não souberam lidar com essas experiências, sua consciência não teve a
habilidade adequada para lidar e recalcar as experiências aflitivas, mostrando aqui a importância da
terapia infantil e a relevância disso mesmo quando a criança parece lidar bem com desafios,
traumas e rupturas (como luto, bullying, violência doméstica, acidente etc.).
Em “Três Ensaios sobre a Teoria da Sexualidade”, Freud (1905) trouxe que a sexualidade infantil
é variada e, por isso, chamada de perverso-polimorfa. A constituição saudável se dá a partir do
recalcamento de certas lembranças, certas pulsões parciais, bem como à subordinação dessas
pulsões parciais às zonas genitais. Quando há o desenvolvimento excessivo e compulsivo das
pulsões parciais, ocorre a perversão, e o excesso de recalcamento acarreta na neurose (pois a
perversão é o negativo da neurose). Assim, podemos concluir que “os sintomas representam a
atividade sexual do doente” (Freud, 1905, p. 264), pois a formação das doenças se dá quando
ocorrem perturbações nos processos sexuais, ou seja, quando há desvios na formação e no
direcionamento da libido. Nesse sentido, Freud (1905) associaas psiconeuroses à dependência
química, na medida em que a pessoa fica vulnerável à intoxicação e síndrome de abstinência.
TEMA 2 – ESCLARECIMENTO SEXUAL DAS CRIANÇAS
Esse texto foi escrito em 1907 como uma carta, na qual Freud pretendia elucidar se as crianças
deveriam ser esclarecidas sobre os fatores que envolvem a vida sexual, qual a melhor idade para
essa comunicação e como fazer isso. Como o próprio Freud (1907, p. 123) afirmou, fugir da questão
da sexualidade humana é estranho e incoerente, já que é a dúvida é comum e perfeitamente razoável
a partir de determinada idade:
Que propósito se visa atingir negando às crianças, ou aos jovens, esclarecimento desse tipo sobre
a vida sexual dos seres humanos? Será por medo de despertar prematuramente seu interesse por
tais assuntos, antes que o mesmo [sic] irrompa de forma espontânea? Será na esperança de que o
ocultamento possa retardar o aparecimento do instinto sexual por completo, até que este possa
encontrar seu caminho pelos únicos canais que lhe são abertos em nossa sociedade de classe
média? Será que acreditamos que as crianças não se interessarão pelos fatos e mistérios da vida
sexual, e não os compreenderão, se não forem impelidos a tal por influências externas? Será
possível que o conhecimento que lhes é negado não as alcançará por outros meios? Ou será que
se pretende genuína e seriamente que mais tarde elas venham a considerar degradante e
desprezível tudo que se relacione com o sexo, já que seus pais e professores quiseram mantê-las
afastadas dessas questões o maior tempo possível?
Para aqueles que têm filhos ou que convivem com crianças, já sabemos que esconder esse tipo
de informação é infrutífero. Nos tempos de Freud, as crianças podiam obter as informações sobre o
que diz respeito à vida sexual dos adultos com irmãos ou crianças mais velhas, nas bancas de
revista, nos livros e nas ruas, além da própria observação dos adultos sexualmente ativos. Hoje, além
dos exemplos dos tempos de Freud, esse acesso se dá também na televisão, na internet,
praticamente em qualquer lugar. E o próprio Freud (1907) comenta que omitir essa parte da vida das
pessoas não irá manter a pureza e a imaginação das crianças, pelo contrário, irá deixá-las ainda
mais curiosas. E de fato a orientação que damos a todos os pais em consultório é que precisam
tratar do tema com naturalidade, pois é com essa naturalidade que a criança irá entender a
dimensão que esse tema realmente precisa ter em sua vida. Para o autor, a sexualidade acompanha
o indivíduo desde seu nascimento. As crianças percebem que o pênis endurece e entendem como
cócegas, elas se satisfazem manipulando seus genitais, segurando as fezes ou chupando os dedos
– ou seja, estimulando as zonas erógenas, canalizando e satisfazendo suas pulsões parciais. Criar
mentiras de que não é nada cria insegurança e fantasias nocivas sobre o sexual, pois a criança tem
necessidade de entender o próprio corpo e as relações humanas em todos os espectros. Segundo o
autor, “a puberdade apenas concede aos genitais a primazia entre todas as outras zonas e fontes
produtoras de prazer, assim forçando o erotismo a colocar-se a serviço da função reprodutora”
(Freud, 1907, p. 125).
A curiosidade das crianças sobre o sexual começa desde muito cedo. Aqui, ao trazer o caso do
“Pequeno Hans” (que falaremos em conteúdo posterior), Freud comenta que o menino nunca havia
sido exposto à sedução de uma babá ou de uma irmã mais velha, mas desde cedo demonstrava
interesse pelo “pipi”. Perguntava à sua mãe se ela também tinha um “pipi” como o seu, e perguntava
várias vezes para se certificar da resposta. Depois, começou a fazer associações com as partes do
corpo dos animais, como as tetas da vaca como se fossem “pipis”. Após muito refletir sobre o
assunto, ele trouxe a primeira conclusão de que as vacas e os cavalos também tinham “pipis”, mas
as mesas e cadeiras não o tinham. Ao ver sua irmã tomando banho, ele pensou que ela também
poderia ter pipi, mas que ainda era muito pequeno e precisava crescer mais. Segundo o autor, esse
questionamento é comum entre as crianças, e isso não as torna com problemas patológicos ou com
uma sensualidade exacerbada, mas apenas crianças normais com curiosidades normais.
O autor também traz que as mentiras sobre esse assunto podem abalar a confiança das
crianças nos adultos, e faz com que queiram esconder seus desejos e temores mais íntimos, pois
não sentem que podem confiar nas pessoas que estão ao seu redor. Em uma carta que Freud (1907)
compartilhou em sua carta, ele trouxe o exemplo de uma menina órfã que pedia para a tia lhe dizer
de onde vinham os bebês, já que a explicação da cegonha não lhe parecia convincente. Segundo o
autor, a tentativa de enganar a curiosidade de uma criança, usar da religião ou de outros artifícios só
irá contar para a formação de neuroses ou tornar a criança um futuro adolescente revoltado.
Outro exemplo que o autor trouxe em seu texto foi o raciocínio de uma criança que não
acreditava que as cegonhas traziam os bebês porque o ser humano é um animal e a cegonha não
carrega os filhotes dos demais animais (embora alguns desenhos infantis ilustrem as cegonhas
como realmente entregando todos os filhotes de animais). Por fim, Freud (1907) aconselha em seu
livro que as escolas introduzam o tema em suas grades, em vez de tratarem do tema como um
assunto proibido, pecaminoso.
TEMA 3 – TEORIAS SEXUAIS DAS CRIANÇAS
E, dando continuidade ao texto anterior, algumas das teorias sexuais das crianças estudadas
por Freud (1908) trouxeram hipóteses interessantes sobre a origem dos bebês. Algumas das fontes
dos estudos aqui apresentados são da observação direta das crianças, do que fazem e o que dizem,
dos relatos dos pacientes neuróticos quando se recordam de suas experiências infantis, e dos
sonhos apresentados nessas consultas, que também apresentam um vasto conteúdo sobre essas
teorias. Entende-se que não necessariamente as lembranças e sonhos irão representar com
fidedignidade as experiências passadas, mas o formato como essas recordações surgem
esclarecem muito sobre como se procedeu as pressões educacionais, as exigências culturais e
familiares e, com isso, o processo de recalque. Segundo o autor, ademais, todas as pessoas passam
por essa experiência porque não é possível impedir ou prevenir uma criança de passar pelo interesse
na sexualidade. No caso das pessoas saudáveis, essa passagem se dá de forma mais ou menos
tranquila, e nos neuróticos e psicóticos, essa experiência se dá de forma distorcida, degenerada, “à
custa de dispendiosas formações substitutivas, isto é, do ponto de vista prático trata-se de um
fracasso” (Freud, 1908, p. 192).
A curiosidade das crianças pelo aspecto sexual não surge de modo espontâneo, mas a partir de
alguma surpresa – o nascimento de outra criança, por exemplo – que a faz temer pelo amor de seus
pais e das outras pessoas.
Essa rivalidade faz com que a criança queira saber como a nova criança chegou para poder
desejar que ela seja devolvida caso ameace as relações de afeto (ou seja, a chegada de um novo
irmão pode fazer a criança mais velha querer saber de onde vêm os bebês para poder devolver o
irmão que está competindo pela atenção dos pais). Quando essa rivalidade é atenuada pelo carinho
dos pais ou pela relação nova que se estabelece entre os irmãos, a pergunta continua como tentativa
de compreender sua própria origem. E, na medida em que as respostas a essa pergunta sobre de
onde vêm os bebês é evasiva ou permeada de mitos e fantasias, a criança não se dá por convencida
e segue na empreitada de descoberta desse segredo e, consequentemente, da própria sexualidade.
Conta Freud (1908) que uma criança ouviu de sua babá que os bebês eram retirados da água e
levados por cegonhas; imediatamente, a criança foi até o lago mais próximo de sua casa e olhou
dentro da água para tentar ver se conseguia achar crianças no fundo.
Ao referenciar o caso do Pequeno Hans, Freud(1908) trouxe que Hans, ao ver sua mãe grávida,
percebeu que a história da cegonha não era condizente com o fato do bebê estar dentro da barriga
de sua mãe. De fato, as crianças continuam a observar o comportamento dos adultos a respeito do
tema para checar a veracidade das informações. A primeira teoria infantil é de que todas as pessoas,
inclusive as mulheres, possuem um pênis. No Pequeno Hans, o menino acreditava que o pênis de
sua irmã recém-nascida era muito pequeno, por isso não era possível vê-lo ainda. Assim, o principal
temor dos meninos seria então o complexo de castração, o medo de perder o pênis. As meninas,
embora tenham o clitóris no lugar do pênis, esse representa um pênis propriamente dito em todos os
quesitos exceto a forma, podendo ser estimulado desde cedo pela menina, e na puberdade essa
sexualidade precisa ser parcialmente reprimida para que as características masculinas do impulso
sexual cedam para que surja a figura da mulher.
A segunda teoria sexual diz respeito a como os bebês saem da barriga de suas mães. Em um
primeiro momento, a conclusão lógica das crianças é a saída pelo ânus, como um excremento,
conectando o erotismo anal à atitude feminina. A terceira teoria sexual envolve a visão da criança de
seus pais em uma relação sexual, que lhe leva a uma concepção sádica do coito. Junto a isso tem-
se as hipóteses sobre o casamento e como se dá a suposta perda de pudor entre o casal – pessoas
urinando uma na frente da outra, mostrando seus traseiros, misturando sangue – e o desafio de
acreditar que os próprios pais sejam praticantes dos mesmos métodos que os pais de outras
crianças (a famosa dificuldade da criança e do adulto aceitarem que suas mães precisaram fazer
sexo para que elas fossem concebidas). Essas hipóteses são demonstradas em brincadeiras e jogos
infantis, ou em sintomas tardios de fobias ou sintomas correlatos.
TEMA 4 – ORGANIZAÇÃO GENITAL INFANTIL
Muito embora esse texto tenha sido escrito somente em 1923, ele constitui um acréscimo aos 3
Ensaios sobre a Teoria da Sexualidade de 1905. Em uma breve recapitulação, Freud (1923) comenta
que nos “Três Ensaios” ele trouxe a perspectiva bifásica da sexualidade infantil (ou bissexual), as
teorias sexuais das crianças e o desfecho da sexualidade após a vivência das zonas erógenas e das
pulsões parciais, por volta dos 5 anos. Daí em diante, até a puberdade, a criança entra no período de
latência até chegar à fase genital. Além disso, é na infância que se dá a escolha de objeto, escolha
essa que se concretiza quando a criança entra na fase genital.
Nos meninos, suas teorias sexuais são baseadas no seu próprio pênis, e é pela comparação
com o pai, com a mãe, com animais e objetos inanimados que esse menino começa a construir suas
hipóteses sexuais. A exibição do corpo nu e a agressividade infantil também são formas de testar a
curiosidade sexual, e é a percepção das mulheres e da sua falta de pênis que a criança inicia seus
primeiros temores – o complexo de castração. Porém, “o significado do complexo de castração só
pode ser corretamente apreciado se sua origem na fase da primazia fálica também for levada em
consideração” (Freud, 1923, p. 159-60). Em consequência do complexo de castração derivam a
depreciação das mulheres e a disposição patológica ao homossexualismo. Para a criança, a
castração ou perda do pênis representa uma mutilação, uma punição, sobre a qual muitas pessoas
inclusive usam para fazer as crianças obedecerem (não é incomum ouvir adultos dizendo a crianças
desobedientes que eles tirarão o “pipi” delas se não passarem a obedecê-los). Com esse raciocínio,
conclui-se que as mulheres foram punidas com a perda do pênis por terem descumprido alguma
regra.
Depois, quando a criança se dá conta de que as mães são capazes de gerar bebês, aceita-se a
falta do pênis e começa a hipótese de que o bebê, de alguma forma, substitui esse pênis perdido.
Ainda na fase anal, anterior à fálica, a criança não diferencia o masculino do feminino, mas entre o
ativo e o passivo, entre ter um pênis ou ser castrado; na fálica, o feminino volta a ter algum respeito e
o útero passa a representar o valor do feminino. Por isso, em terapia, quando uma mulher que não
pode ter filhos diz se sentir castrada, desprovida de ser mulher na completude, podemos
compreender essas afirmações como uma nova elaboração da perda do pênis e o encontro de um
substituto tardio.
TEMA 5 – ALGUMAS CONSEQUÊNCIAS NA DISTINÇÃO DOS SEXOS
Esse texto é uma continuação dos textos anteriores, agora com a discussão sobre o
desenvolvimento sexual nas mulheres. Tanto nos “Três Ensaios” quanto no estudo sobre as teorias
sexuais infantis, Freud afirma que suas hipóteses são para o desenvolvimento sexual infantil dos
homens. Em um primeiro momento, ele tentou estabelecer uma analogia entre o desenvolvimento
sexual feminino como análogo ao masculino (usando, por exemplo, o clitóris como um órgão
análogo ao pênis): isso se mostrou em diversos textos, nos quais Freud tentou definir que, assim
como o vínculo do homem era para com sua mãe, o vínculo da mulher era para com seu pai – o que
alguns tentaram chamar de Complexo de Electra (nome dado por Jung, com base na mitologia grega
na qual Electra, filha de Agamenon, pediu ao irmão que matasse sua mãe para vingar a morte do
pai). No entanto, com o tempo, Freud percebeu que a sexualidade feminina não poderia
simplesmente ser uma cópia da sexualidade masculina, tanto que no texto do capítulo anterior Freud
declarou que “infelizmente, podemos descrever esse estado de coisas apenas no ponto em que
afeta a criança do sexo masculino; os processos correspondentes na menina não conhecemos”
(Freud 1925, p. 275).
Segundo Strachey (1925), depois dos estudos com as histéricas, Freud nunca mais se deteve
para o desenvolvimento feminino, até 1924 com o texto “A dissolução do complexo de Édipo”. Freud
tentou estabelecer o seio como o primeiro objeto sexual de ambos os sexos e protótipo para todo o
modelo de relação posterior, e aqui ele cria o protótipo de uma fase pré-edipiana para explicar como
se dá o desenvolvimento sexual feminino, como se no caso das mulheres houvesse uma mudança
no órgão sexual principal e no objeto de amor, o que altera como se dão o complexo de Édipo, o
complexo de castração e a construção do superego. O superego, que vocês verão mais a fundo em
outras disciplinas, faz parte da segunda tópica (ou segunda teoria do aparelho psíquico, composta
de id, ego e superego), na qual o superego é responsável pela censura do ego, pela consciência
moral e pela formação de ideais, que são a interiorização das regras e exigências parentais, sociais).
No resumo da construção sexual dos meninos, Freud resumiu da seguinte forma: o seio da mãe
é o primeiro objeto sexual que canalizou sua libido para o prazer de ser alimentado e cuidado. Ao
mesmo tempo, o pai surge como um rival, o que precisa ser afastado ou substituído. O Complexo de
Édipo ocorre durante a fase fálica e se conclui com o complexo de castração; durante esse período,
o autoerotismo e o narcisismo se constituem, o menino desenvolve uma capacidade ativa e passiva
(masculina e feminina) e, com isso, aprende a também amar o pai e desejar o lugar da mãe como
objeto de amor do pai (não é incomum vermos meninos começarem apegados às mães e
posteriormente tentarem se identificar com os pais).
Nas meninas, Freud (1925) considera o processo um pouco mais complexo. Quando entram na
fase fálica, diferentemente dos meninos que se envolvem na masturbação e se encaminham para o
Complexo de Édipo, as meninas percebem que seu órgão sexual é diferente dos meninos, que é
“inferior”; nesse momento, elas caem vítimas da inveja do pênis. No menino, a percepção da falta de
pênis nas meninas causa estranheza, mas ele não se preocupa com isso até o momento que se vê
diante do complexo de castração. A partir daí, ele poderá ter desprezo pelo feminino ou horror à
condição. Já nas meninas, elas percebemdesde o início que não possuem um pênis, mas desejam
tê-lo. Esse desejo se torna uma ferida narcísica, e a cicatriz dessa ferida produz um sentimento de
inferioridade.
Em um primeiro momento, ela acredita que essa falta é uma punição individual, depois ela
percebe que a diferença é universal e passa a compartilhar com os homens um sentimento de
desprezo pelas mulheres e o desejo de ser também um homem. Freud (1925) também associa a
inveja do pênis ao ciúme, na medida em que o ciúme é o medo da perda do objeto de prazer,
remetendo à masturbação e ao medo simbólico da castração. Pela falta do pênis, Freud conclui que
as mulheres se encontram mais afastadas que os homens da masturbação, sendo o clitóris um local
de eliminação parcial da libido. Esse afastamento auxilia as meninas a se afastarem das
características masculinas e desenvolverem a feminilidade. A menina também diminui seu vínculo
com a mãe, na medida em que essa mãe é considerada a responsável por ter produzido uma criança
sem todos os atributos necessários, e na vida adulta a menina vai substituir o desejo do pênis pelo
desejo de um filho, fazendo-a tomar, por fim, o pai como objeto de amor.
Portanto, Freud conclui que nas meninas o complexo de Édipo é uma formação secundária, pois
“enquanto, nos meninos, o complexo de Édipo é destruído pelo complexo de castração, nas meninas
ele se faz possível e é introduzido através do complexo de castração (Freud, 1925, p. 285). Além
disso, enquanto nos homens o complexo de Édipo é destruído pelo complexo de castração e
substituído pelo superego, nas meninas Freud levanta que talvez o complexo de Édipo não seja de
todo destruído, o que explicaria um senso de justiça e uma percepção sobre a ética diferente dos
homens, e uma maior pessoalidade e vínculo emocional em comparação com o masculino. E
considerando que tanto a formação masculina quando feminina são constructos teóricos, nada
impede que parte dessas formações se dê tanto em homens quanto em mulheres.
NA PRÁTICA
A questão sobre como abordar o tema da sexualidade é antigo, e embora Freud tenha trazido
essa discussão na época, ainda hoje ela é pertinente para os pais que são questionados por seus
filhos, em algum momento, sobre sua origem, como trata a brincadeira abaixo:
Figura 1 – Origem dos bebês
Créditos: Tatyana Vyc/Shutterstock.
Figura 2 – Origem dos bebês
Créditos: Anna-Kharchenko/Shutterstock.
Figura 3 – Origem dos bebês
Créditos: ayelet-keshet/Shutterstock.
Para a experiência prática, trarei um pouco da minha própria experiência na maternidade. Meu
filho mais velho tinha 2 anos e meio quando fiquei grávida novamente. Um pouco mais cedo que a
idade de Hans quando sua mãe ficou grávida novamente. Lembro-me de que sua curiosidade era
entender como o irmão tinha entrado ali, ele queria ver se alguém o tinha colocado ali, mas não
conseguia entender como um bebê de tamanho normal poderia entrar dentro de mim. Ele me
perguntava se eu havia engolido o bebê ou empurrado por baixo, mas ainda assim não entendia
como poderia ter passado um bebê pela minha boca ou pela minha vagina, já que a cabeça dele não
passava por nenhum dos dois buracos. Depois que explicamos como eram feitos um bebê, ele
queria entender como o papai guardava os bebês, como ele os fazia, e depois quis entender como
ele mesmo poderia fazer os dele.
Ambos os meus filhos, em diferentes momentos, também quiseram entender as diferenças
sexuais entre homens e mulheres. Por um tempo, acreditavam que os pênis das mulheres ficavam
escondidos dentro das vaginas, como nas tartarugas cujos pênis ficam escondidos dentro dos
cascos. Depois, quiseram saber se o xixi e o cocô das mulheres saíam pelo mesmo lugar como nas
aves, e depois quiseram entender se as meninas que conheciam ficariam como as mamães e os
meninos, como os papais. Tive, mais recentemente, um grande desafio para explicar a questão de
gênero para as crianças, pois eles queriam entender se casais homossexuais podiam fazer seus
próprios filhos e se os homens trans podiam passar a engravidar.
Por fim, tive que explicar como vinham as crianças adotadas (disse meu filho em um momento:
“papai não está aqui e eu aprendi na escola que para fazer um bebê precisa do papai e da mamãe.
Como poderei ter um irmão sem ele aqui?”; em outro momento, ele viu uma criança com cor de pele
diferente dos pais e dos irmãos e perguntou se era possível escolher como queria nascer), o que me
deu um novo desafio para explicar sobre crianças adotadas, madrastas e padrastos. Infelizmente,
esse tópico veio acompanhado das histórias infantis (pois ambos queriam saber se todas as
madrastas eram malvadas como nos contos de fada). Também quiseram saber se podiam
encomendar irmãos e pais pela internet, o que foi uma conversa divertida e que mostra o quanto as
crianças se aprofundam para tentar entender esse tema, desde cedo.
FINALIZANDO
Nosso objetivo foi trazer de maneira detalhada a sequência dos estudos e publicações que
foram feitas a partir dos “Três Ensaios”, emblemático para compreendermos o desenvolvimento
psicossexual infantil e a formação sexual de homens e mulheres. Alguns dos tópicos trazidos hoje
foram como se dão a neurose atual e as psiconeuroses na formação sexual infantil, a importância
das fantasias de sedução, a característica intrínseca de todo ser humano de ter a perversão em sua
constituição (o perverso-polimorfo). Também comentamos as principais dúvidas das crianças sobre
a origem dos bebês, as diferenças entre homens e mulheres/entre o feminino e o masculino de todo
ser vivo, a questão das pequenas mentiras contadas por adultos para esconder a questão sexual,
como se dá a organização genital e como se forma o complexo de Édipo/complexo de castração em
meninos e meninas, suas diferenças e semelhanças.
Esperamos que tenham aproveitado as discussões apresentadas aqui para conhecer um pouco
mais das origens da psicanálise, e convidamos a todos a continuar acompanhando as aulas para
saber mais sobre esse campo do saber tão envolvente como é a psicanálise.
REFERÊNCIAS
BIRMAN, J. Freud e a interpretação psicanalítica. Rio de Janeiro: Relumé-Dumará, 1991.
FREUD, S. Edição standard brasileira das obras psicológicas completas de Sigmund Freud
(1886-1899) – livro VII e IX. Rio de Janeiro: Imago, 1977.
GARCIA-ROZA, L. A. Introdução à metapsicologia freudiana. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1995.
v. 1; v.2; v. 3.
LAPLANCHE, J.; PONTALIS, J. B. Vocabulário da psicanálise. 4. ed. São Paulo: Martins Fontes,
2001.
MEZAN, R. Freud: a trama dos conceitos. São Paulo: Perspectiva, 1980.
ROUDINESCO, E.; PLON, M. Dicionário de psicanálise. Tradução de Vera Ribeiro. Rio de Janeiro:
Jorge Zahar, 1998.
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
TEORIA PSICOSSEXUAL DO
DESENVOLVIMENTO
INFANTIL
AULA 4
 
 
 
 
 
 
 
 
Profª Raquel Berg
CONVERSA INICIAL
Neste momento, trataremos primeiramente do caso Schreber, emblemático para a compreensão
do narcisismo intermediário. Também veremos o Homem dos Lobos, conhecido como história de
uma neurose infantil, e sua importância para a compreensão da metáfora paterna. Por fim, falaremos
do retorno do totemismo na infância e como a questão totêmica é emblemática para a compreensão
da importância do objeto sexual na constituição individual e social.
TEMA 1 – CASO SCHREBER
O caso Schreber foi, na verdade, uma análise de Freud com base em um texto intitulado
Memórias de um doente dos nervos. Ou seja, Freud nunca chegou a atender esse rapaz, e toda a
análise se dá em função da interpretação do livro de memórias de Daniel Paul Schreber. Como
referencia Strachey, Freud faz alusão à história clínica de Schreber baseado apenas na idade do
rapaz quando ele caiu enfermo e foi internado. Depois, Freud teve acesso aos relatórios médicos de
Schreber enquanto este esteve internado e muitas informações confirmaram suas hipóteses iniciais
a respeito da psicopatologia apresentada pelo paciente.
Aparentemente, Schreber teve uma vida saudávelaté o momento em que sua esposa ficou
doente, com uma crise de paralisia. Duas semanas mais tarde, ele foi internado. Pelo que se
compreende, esse livro de memórias teve o objetivo de apresentar uma série de contestações e
argumentos jurídicos para comprovar que Schreber poderia sair do asilo no qual se encontrava.
A cronologia abaixo pretende esclarecer a sequência dos fatos:
1842   Schreber nasce em Leipzig
1861   Seu pai morre aos 53 anos
1877   Seu irmão mais velho se suicida aos 38 anos
1878   Schreber se casa
Aparecimento da primeira doença
1884   Apresenta-se como candidato ao Reichtag, sendo que já ocupava um importante cargo
judiciário, e é internado em um asilo
1885   Recebe alta do asilo
1886   É nomeado juiz em Leipzig
Aparecimento da segunda doença
1893   Recebe a notícia de que será nomeado no Tribunal de Apelação, toma posse como juiz
presidente e volta a ser internado
1894   É transferido para outros dois asilos
1900   Escreve o livro com o propósito de receber alta
1902   Recebe a alta esperada
1903   Publica seu livro de memórias
Schreber provinha de uma família instruída e, como podemos observar, de forma muito rápida
se tornou um importante jurista. No entanto, como ele próprio relata, seus distúrbios nervosos se
deram duas vezes: a primeira quando se apresentou como candidato a um importante cargo de juiz;
a segunda, quando foi nomeado presidente do senado, em 1893. Houve ainda uma terceira vez,
depois que ele escreveu o livro. Segundo Schreber, a doença o acometeu em função do grande fardo
que ambos os cargos representavam. Assim que recebeu a primeira proposta, foi internado e
diagnosticado com hipocondria. Depois da alta, conseguiu passar oito anos com a esposa, tendo
como única frustração a impossibilidade de ter filhos. Ao saber de sua possível indicação para o
cargo de presidente do senado, teve dois ou três sonhos de que sua doença poderia retornar. Certa
manhã, prestes a acordar, teve a ideia de que, “afinal de contas, deve ser realmente muito bom ser
mulher e submeter-se ao ato da cópula” (Freud, 1911, p. 24). Schreber escreve que certamente teria
rejeitado a ideia se estivesse plenamente consciente.
Depois de ser nomeado presidente, teve torturantes acessos de insônia e voltou para o asilo,
onde passou a ter ideias hipocondríacas, como a de que seu cérebro estava amolecendo e que
morreria cedo. Depois, começou a apresentar delírios persecutórios, sensibilidade à luz e ao barulho,
além de ilusões visuais e auditivas. Schreber acreditava que estava morto e em decomposição e que
seu corpo vinha sendo submetido a diversos horrores em nome do sagrado. O paciente ficava tão
preocupado com esses pensamentos e ilusões que permanecia paralisado por horas em estupor
alucinatório e desejava estar morto para se livrar daquela condição. Por isso, pedia que lhe
ministrassem cianureto, que já estava prescrito para ele. Essas ideias delirantes foram
gradativamente assumindo um caráter místico e religioso, como se estivesse em comunicação
direta com Deus, fosse um joguete de demônios e possivelmente já estivesse vivendo em outro
mundo. Após ser transferido para outro asilo, a psicose aguda com caráter alucinatório se
transformou na estrutura delirante da paranoia.
Quando avaliado, Schreber mostrava que, apesar da paranoia, sua inteligência permanecia
intacta, calma e sua memória se mantinha excelente em diversos campos além do jurídico. Em um
relatório de 1900, o médico afirmou que, embora os assuntos relacionados a seus delírios não
pudessem ser tratados com o paciente, em todos os outros aspectos o senhor presidente se
mostrava perfeitamente saudável: convivia com outras pessoas em perfeita harmonia, gentileza, tato
e decoro; sabia debater sobre diversos tópicos como política, arte, literatura; mostrava ótimo
discernimento e julgamento sobre tópicos cotidianos; expunha um julgamento ético diferenciado e
em momento algum introduzia de forma inadequada tópicos relacionados a seus transtornos.
Nesse período, Schreber decidiu escrever seu livro de memórias com o objetivo de ser
readmitido no trabalho, pois, em sua argumentação, seus delírios e alucinações não interferiam em
nada em sua capacidade cognitiva para executar sua função. Com isso, ele conseguiu restaurar seus
direitos civis. A decisão que devolveu sua liberdade resumia o sistema delirante de Schreber da
seguinte forma: “Acreditava que tinha a missão de redimir o mundo e restituir-lhe o estado perdido
de beatitude” (Freud, 1911, p. 27). Ele argumentou que fora convocado pelo próprio Deus para essa
missão. Deus, ao se sentir atraído por seus nervos, lhe enviara mensagens que nenhum outro ser
humano haveria recebido antes.
A parte mais essencial de sua missão é que ele deveria se transformar em mulher. Não que
Schreber desejasse fazê-lo, mas ele deveria se tornar uma por uma missão divina, mesmo que
prezasse por sua masculinidade e repudiasse a ideia em um primeiro momento. Ele acreditava que
tinha sido escolhido por ser o humano mais notável que já estivera na Terra, pois vivera diversos
desafios, como a destruição de seus órgãos internos, que se reconstituíram, algo impossível a outro
ser humano. Ou seja, Schreber interpretou que Deus seria uma figura que se cativara por ele e,
portanto, tentava criar uma conexão, por meio de raios divinos que se instalaram em cada parte do
corpo de Schreber e restauraram as partes destruídas para que ele pudesse alcançar a imortalidade
e se tornar um Redentor. Essa conexão se confirmava por alguns fenômenos como árvores que
possuíam antigas almas humanas e pássaros falantes, a interrupção de frases, a dificuldade de
defecação e outros fenômenos em seu corpo, como o crescimento de seios, a que ele chamava de
emasculação. Ao mencionar a emasculação, Schreber afirmava que Deus desejava se apoderar de
seu corpo e tomá-lo como o de uma prostituta, uma rameira.
TEMA 2 – DISCUSSÃO DO CASO SCHREBER
O tema da paranoia já fora discutido nos textos freudianos em 1895, no Rascunho H. Nessa
carta, Freud (1895) lança mão de sua hipótese e elenca dois pontos principais na análise da
paranoia: 1) é uma neurose de defesa; 2) seu mecanismo principal é a projeção, provocando assim
os delírios e as alucinações (diferente da histeria e da neurose obsessiva). Em outra carta, o
Rascunho K, Freud (1895) segue em sua análise sobre a paranoia e amplia a discussão ao introduzir
a hipótese de que a paranoia acarreta o retorno ao autoerotismo primitivo. Ao apresentar um estudo
sobre a paranoia feminina, em 1906, Freud associa esse transtorno a um homossexualismo
passivo primitivo. Strachey também comenta que Freud apresentou outros artigos intitulados Um
caso de paranoia que contraria a teoria psicanalítica da doença, em 1915, a Seção B de Alguns
mecanismos neuróticos no ciúme, na paranoia e no homossexualismo, em 1922, e Uma neurose
demonológica do século XVII, em 1923, porém nenhum deles será tratado neste texto porque apenas
trazem a confirmação das constatações feitas no artigo do caso Schreber.
Mas a grande relevância desse estudo está além da análise da paranoia em si, pois ele traz
também uma discussão sobre a construção metapsicológica de Freud a respeito do
desenvolvimento psicossexual infantil, como a questão do narcisismo. Nesse sentido, Freud (1911)
apresenta, nos Três Ensaios, um processo que seria intermediário entre o autoerotismo e o amor
objetal: o narcisismo. No narcisismo, o individuo reúne energias para conseguir um objeto de amor,
começando por si próprio, e somente depois migra para o amor por um objeto. Uma vez que o
narcisismo implica o homossexualismo, a paranoia de Schreber apenas confirma que o retorno ao
self resultaria em uma relação narcísica e uma suscetibilidade a essa fase de seu desenvolvimento.
Além disso, Freud (1911) traz o exame de como se formam os sintomas, algo que ele já fizera
em estudos anteriores. Assim, o processo de recalque acontece em três fases: o estabelecimento deum ponto de fixação, o recalque propriamente dito e o retorno do recalcado ao ponto de fixação. O
caso é nomeado como psicose associada a esquizofrenia: em ambas há uma clivagem do ego e,
segundo Freud (1911), a principal vantagem dos delírios é que, diferentemente das neuroses ‒ que
escondem a origem dos traumas sob a forma de sintomas ‒, nas psicoses o delírio apresenta de
[1]
forma distorcida e explícita a causa dos sintomas. Além disso, Freud interpreta esse caso dentro do
viés do narcisismo, no sentido de que a influência homossexual dos médicos que cuidaram de
Schreber pode ter favorecido a criação de fantasias, cuja origem primária seria a sedução pelo pai. A
defesa a essa ligação homossexual – o complexo paterno – se deu pelos delírios e pela negação
deles.
TEMA 3 – O HOMEM DOS LOBOS
Intitulado como uma neurose infantil, o Homem dos Lobos se trata de um dos mais importantes
casos de Freud, muito embora ele tenha parado de atender o paciente. Em 1910, depois de passar
pelo psiquiatra Kraepelin (como o fez também Schreber), um jovem russo muito rico procurou Freud
para lhe ajudar com seus sintomas. Após pegar gonorreia aos 18 anos, ficou completamente
incapacitado e dependente de outras pessoas. Os 10 anos antes do início da doença foram
saudáveis, mas na infância (em torno dos 4 anos) o rapaz teve uma fobia de animal que depois se
transformou em uma neurose obsessiva de cunho religioso. Como ele desenvolvera uma
característica de “entrincheiramento” por trás de uma amável apatia, Freud precisou estabelecer um
vínculo com o paciente antes de dar início ao tratamento. Depois de algum tempo, Freud comunicou
ao rapaz que o atenderia por determinado tempo e, independentemente de ter ou não uma melhora,
a terapia seria encerrada. Logo que Freud informou sobre o prazo de término, houve uma aparente
evolução e as sessões tiveram início.
Em seu histórico familiar, consta que os pais se casaram jovens, sua mãe passou a ter dores
abdominais e o pai entrou em depressão, o que o fez se ausentar de casa. O rapaz tinha uma irmã e
uma babá, uma mulher simples que cuidava dele como se fosse seu próprio filho. Em dado
momento, o menino sentiu um terrível medo de uma borboleta, o que lhe fez sair correndo,
assustado. Passou a ter medo também de besouros e lagartos, embora também gostasse de matá-
los e cortá-los em pedaços. Essa mesma ambiguidade ocorria com cavalos, pois o menino gostava
dos equinos, mas tinha medo quando eles batiam as patas no chão. Isso se evidenciava até na sua
relação com o sagrado, pois ora rezava, fazia o sinal da cruz diversas vezes e beijava os santos, ora
recordava blasfêmias e pensamentos que, para ele, eram inspiração do diabo.
Em recordação da sua infância, desenvolvendo assim as fantasias primárias, ele dizia se
lembrar de quando sua irmã sugeriu que eles mostrassem seus traseiros; em outro momento, ela
teria segurado o pênis dele e dito estar fazendo o mesmo que a babá fazia com o jardineiro.
Apaixonou-se pela irmã, que rejeitou a relação incestuosa. Passou, então, a se envolver com criadas.
A irmã, que se destacara muito intelectualmente, viajou. Depois de experiências que davam a
entender que ela estava entrando em um processo de demência precoce, envenenou-se e morreu.
O paciente demonstrava falta de ânimo, depressão, ficara internado em sanatórios e fora
diagnosticado com insanidade maníaco-depressiva. Quando melhorou, voltou para a Rússia, mas
com a Revolução de 1917 ele perdeu tudo, adoeceu e voltou para Berlim. Surgiu, então, o relato do
sonho que deu o título a essa história:
Sonhei que era noite e que eu estava deitado na cama (Meu leito tem o pé da cama voltado para
a janela: em frente da janela havia uma fileira de velhas nogueiras. Sei que era inverno quando tive o
sonho, e de noite). De repente, a janela abriu-se sozinha e fiquei aterrorizado ao ver que alguns lobos
brancos estavam sentados na grande nogueira em frente da janela. Havia seis ou sete deles. Os
lobos eram muito brancos e pareciam-se mais com raposas ou cães pastores, pois tinham caudas
grandes, como as raposas, e orelhas empinadas, como cães quando prestam atenção a algo. Com
grande terror, evidentemente de ser comido por lobos, gritei e acordei. (Freud, 1914, p. 41)
No momento, o sonho parecia muito real e a babá precisou acalmá-lo até que pudesse voltar a
dormir. O desenho a seguir é a representação do Homem dos Lobos, no livro de Freud (1914, p. 42):
Crédito: Jefferson Schnaider.
O paciente se perguntou por que tivera essa ideia: se tinha sido motivada pela história de
Chapeuzinho Vermelho, por causa das ovelhas que viviam nas vizinhanças; por uma história contada
por seu avô; ou pela história do lobo e dos sete cabritinhos. Em determinado momento, o rapaz
associou a árvore com lobos à árvore de Natal, na qual os lobos ocupavam o lugar dos presentes.
Depois, ao saber que teria um novo tutor, imaginou-o na figura de um leão que poderia devorá-lo.
Na adolescência, reviveu o sonho dos lobos com um professor que o censurara de sobrenome Wolf
(“lobo”, em inglês e alemão).
TEMA 4 – DISCUSSÃO DO CASO DOS LOBOS
Em diversos textos posteriores, Freud (1914) faz menções a esse caso clínico, trazendo, por
exemplo, que o psicanalista deveria publicar sonhos ocorridos na infância de seus pacientes,
principalmente daqueles que foram testemunhas de um ato sexual. O caso do Homem dos Lobos é
apresentado no texto A ocorrência, em sonhos, do material oriundo dos contos de fada”, de 1913;
depois, em Fausse reconnaissance [‘déjà raconté’] no tratamento psicanalítico e em Recordar, repetir e
elaborar, ambos de 1914; no artigo metapsicológico Repressão, de 1915; em Inibições, sintomas e
ansiedade, de 1926, em que o autor inclusive compara a fobia de Hans por cavalos com a fobia do
jovem russo por lobos; e em Análise terminável e interminável, em 1937. Algumas contribuições
desse texto dizem respeito à primitiva organização oral da libido, incluindo o comportamento de
incorporação e de identificação para a constituição de um ideal do ego, além do sentimento de culpa
e a disposição à depressão. O ideal do ego, em um primeiro momento na constituição da segunda
tópica, é apresentado como uma espécie de sinônimo do superego. No entanto, no texto do
narcisismo Freud introduz uma diferenciação para explicar que o ideal do ego é uma instância
narcísica, resultante da convergência entre o narcisismo e a identificação paterna, e posteriormente
da convergência entre os substitutos dos ideais internos e os ideais coletivos, associados a um
verdadeiro delírio de grandeza.
Freud retoma novamente os impulsos femininos primários e sua tese sobre a ocorrência da
bissexualidade em ambos os sexos, como um Complexo de Édipo “invertido”. Na verdade, o que ele
apresenta nesse texto é a ideia do recalque ocorrendo em diversos momentos (trazendo aqui a
noção da temporalidade psíquica como distinta da temporalidade cronológica), com a cena
originária como o ponto inicial da formação do trauma, juntamente com as fantasias originárias que
remontam à própria história. Essa teoria da sedução, ou seja, a fantasia do coito constitui a base do
amor edipiano: quando não há a transferência do amor para o objeto, esse amor retorna sob a forma
de autoerotismo e reinvestimento no ego. Posteriormente, esse investimento é projetado para fora,
criando assim as ilusões. O momento em que o sintoma deixa de ser uma fobia e uma neurose
obsessiva e passa a apresentar delírios e alucinações, isso acompanha o próprio desenvolvimento
do indivíduo, seu amadurecimento psicossexual, por isso Freud vai revendo o diagnóstico à medida
que acompanha o Homem dos Lobos.
Nesse caso, ao tomar conhecimento da história dos lobos na árvore, Freud conclui que
possivelmente esse sonho tenha relação com seu pai, que o organiza e o ameaça e que pode
copular com ele por trás, como fizera com a mãe, com uma ameaça de castração: “uma ocorrência
real – datando de um período muito prematuro

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