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HISTÓRIA-E-CULTURA-AFRO-BRASILEIRA-E-INDÍGENA (1)

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HISTÓRIA E CULTURA AFRO-
BRASILEIRA E INDÍGENA 
 
 
 
INTRODUÇÃO 
1 O BRASIL ANTES DO BRASIL 
Existem evidências arqueológicas de que o território que hoje chamamos de 
Brasil era ocupado por diferentes povos há mais de 12 mil anos. Entretanto, não existe 
consenso em relação a esse processo de ocupação: enquanto alguns pesquisadores 
problematizam a migração asiática pelo Estreito de Bering como única forma de 
chegada dos seres humanos ao continente que viria a ser conhe- cido como América, 
outros questionam a ideia de que os povos que ocupavam a parte sul do continente, 
principalmente as partes baixas (em contraposição com os povos dos Andes), eram 
sociedades nômades, pequenas e rudimenta- res, basicamente compostas de 
caçadores e coletores. Quanto a este último tópico, pesquisas recentes demonstram 
a existência de sociedades complexas e sofisticadas do ponto de vista tecnológico 
(evidenciadas por sua cerâmica) e na organização social formando os cacicados 
(OLIVEIRA; FREIRE, 2006). 
Manuela Carneiro da Cunha, uma das especialistas em história indígena no 
Brasil, sintetiza esses conflitos interpretativos no texto a seguir: 
 
Sabe-se que entre uns 35 mil acerca de uns 12 mil anos atrás, uma glaciação 
teria, por intervalos, feito o mar descer a uns 50 metros abaixo do nível atual. A faixa 
de terra chamada Beríngia teria assim aflorado em vários momentos deste período e 
permitido a passagem a pé da Ásia para a América. Em outros momentos, como no 
intervalo entre 15 mil a 19 mil anos atrás, o excesso de frio teria provocado a 
coalescência de geleiras ao norte da América do norte, impedindo a passagem de 
homens. Sobre o período anterior a 35 mil anos, nada se sabe. De 12 mil anos para 
cá, uma temperatura mais amena teria interposto o mar entre os dois continentes. Em 
vista disso, é tradicionalmente aceita a hipótese de uma migração terrestre vinda do 
nordeste da Ásia e se espraiando de norte a sul pelo continente americano, que 
poderia ter ocorrido entre 14 mil e 12 mil anos atrás. No entanto, há também 
possibilidades de entrada marítima no continente, pelo estreito de Bering [...]. Há 
considerável controvérsia sobre as datas dessa migração e sobre ser ela ou não a 
 
 
 
única fonte de povoamento das Américas. Quanto à antiguidade do povoamento, as 
estimativas tradicionais falam de 12 mil anos, mas muitos arqueólogos afirmam a 
existência de sítios arqueológicos no Novo Mundo anteriores a essas datas (CUNHA, 
1992, p. 10). 
 
Para fins didáticos, apresentaremos a seguir o sistema de periodização da 
história originalmente proposto por Willey e Phillips (1958), e também seguido por 
Neves (1995), para o território que viria a se tornar o Brasil antes da conquista 
europeia. Esse sistema classificatório, ainda que seja alvo de críticas, permite que 
ordenemos e comparemos dados em escala continental. Lembre-se, ao empregá-lo, 
de não considerar essas divisões como etapas evolutivas lineares, pois se sobrepõem 
umas às outras. 
1.1 Paleoíndio 
O período paleoíndio corresponderia ao estágio de adaptação dos povos 
migrantes às condições climáticas e geográficas do novo território (continente 
americano). Esse período se estenderia desde as primeiras ocupações até o final do 
Pleistoceno, há mais ou menos 10 mil anos. De acordo com Neves (1995, p. 177): 
 
[...] as evidências disponíveis para o paleoíndio — em sua maioria compostas 
por artefatos de pedra lascada — indicam uma diversidade de modos de aproveita- 
mento dos recursos naturais: havia populações de caçadores especializados em 
grandes animais e também grupos que faziam uso variado de um número maior de 
recursos. Tal variabilidade estava ligada às condições ecológicas específicas de cada 
região ocupada por essas populações. 
1.2 Arcaico 
O período arcaico corresponderia ao estágio de adaptação das populações às 
condições climáticas mais próximas que possuímos atualmente, incluindo os povos 
caçadores. Cronologicamente, esse período estaria situando no Holoceno, 
estendendo-se de 10 mil anos atrás até o presente. Conforme Neves (1995, p. 177): 
 
 
 
 
[...] com a extinção de vários dos animais caçados pelos seus ancestrais 
paleoíndios, as populações arcaicas adotaram estratégias adaptativas mais 
diversificadas, que incluíam a exploração de recursos aquáticos, como moluscos, a 
caça de pequenos animais e o manejo e domesticação de várias espécies de plantas. 
1.3 Formativo 
O período formativo corresponderia à presença e ao desenvolvimento da 
agricultura ou qualquer outra economia de subsistência, bem como à fixação da 
população em aldeias. Segundo Neves (1995, p. 177): “a prática da agricultura e a 
redução do nomadismo tiveram como consequência um aumento populacional 
significativo, e consequentemente o aumento da densidade demográfica”. 
É muito difícil precisar quantas pessoas e quantos povos ocupavam o território 
que foi conquistado pelos colonizadores europeus. Alguns etnólogos estimam que 
havia 1.400 povos indígenas ocupando esse espaço. Utilizando a classificação a partir 
das grandes famílias linguísticas, podem ser identifi- cados como Tupi-Guarani, Jê, 
Karib, Aruák, Xirianá, Tucano, entre outros, com imensa diversidade cultural e de 
organização social, em parte resultado da ocupação de diferentes espaços 
(OLIVEIRA; FREIRE, 2006). 
Há várias estimativas numéricas sobre a população indígena à época da 
conquista. Os pesquisadores chegam a diferentes números porque 
utilizam diversos métodos para elaborar suas hipóteses: alguns levam em 
consideração a área ocupada pelas aldeias, outros, a densidade populacional, etc. 
Assim, temos as seguintes estimativas: Julian Steward calculou em 1,5 milhão o 
número de indígenas ocupando o território atual do Brasil; William Denevan projetou, 
primeiramente, uma população de 5 milhões de indígenas na Amazônia, e, 
posteriormente, reviu essa projeção para cerca de 3,6 milhões; John Hemming 
elaborou uma estimativa de 2,4 milhões de indígenas, mas seus métodos foram 
bastante criticados (OLIVEIRA; FREIRE, 2006). 
Alguns pesquisadores defendem a interpretação desenvolvida por Donald 
Lathrap e José Brochado para a migração e ocupação territorial do Brasil. Segundo 
esses arqueólogos, o território brasileiro começou a ser ocupado ao longo do rio 
 
 
 
Amazonas com o povo Tupinambá, chegando ao litoral do Nordeste e ao atual estado 
de São Paulo. O povo Guarani, por sua vez, seguiu para o sul, chegando à foz do rio 
da Prata. Os povos do grande ramo Tupi eram encontrados na costa e no vale 
amazônico, onde dividiam espaço com grupos da etnia Aruák (principalmente nos rios 
Negro e Madeira) e Karib (nas Guianas e no Baixo Amazonas) (OLIVEIRA; FREIRE, 
2006). 
Essas informações são provenientes das descrições culturais e geográficas 
realizadas pelos cronistas do período colonial, e é preciso assinalar que tais fontes 
apresentam inúmeras limitações: 
Frequentemente se equivocam na identificação das populações, e pouco com- 
preendiam como os índios se rearticulavam para fazer frente ao projeto colonial 
português. A incapacidade dos portugueses em subjugar alguns grupos indígenas 
contribuiu para identificar genericamente os índios hostis como “Tapuios”. Tal 
identidade ocultava as iniciativas indígenas, os processos socioculturais intertribais de 
aliança ou conflito com os colonizadores. (OLIVEIRA; FREIRE, 2006, p. 22). 
Além das descrições provenientes dos cronistas, temos as evidências ar- 
queológicas e os estudos provenientes da linguística histórica. Cada um desses 
campos apresenta inúmeras contribuições para o estudo da ocupação territorial do 
Brasil antes de 1500, mas também dificuldades e limitações. Se já nos referimos aos 
equívocos dos relatos dos colonizadores e missionários, precisamos comentar 
também que determinados vestígios da cultura material se perderam (em alguns 
casos devido à ação climática), e que o estudo dalinguística histórica só é viável se 
há registro da gramática das línguas (FAUSTO, 2010). 
Falemos um pouco mais sobre as limitações e as contribuições da linguística. 
O antropólogo Greg Urban (1992) afirma que a linguística, principalmente a linguística 
comparativa, apresenta bons resultados para estudos cujo recorte cronológico está 
entre 4 mil e 500 mil anos a. C. Em outras palavras, essa metodologia não contribuiria 
para o estudo da origem dos povos sul-americanos. Porém, com o atual estado da 
arte, é possível fazer alguns apontamentos 
O que se vê mais claramente, e com um grau maior de certeza, atualmente, é 
um padrão de ocupação antiga no Brasil (4000–5000 a.C.) periférico ao curso principal 
do Amazonas, o que pode refletir uma adaptação a cabeceiras. E podem-se localizar 
três grandes troncos linguísticos (Jê, Tupi e Arawak), cada qual associado a um foco 
 
 
 
em cabeceiras e/ou periférico (planalto oriental do Brasil, região da chapada dos 
Parecis no oeste do Brasil e na Bolívia, e centro-norte do Peru, respectivamente). 
Essas áreas geográficas são também locais de aglomeração de línguas isoladas, 
sugerindo áreas de dispersão linguística muito antiga. Uma quarta área, os altiplanos 
guiano-venezuelanos, área das línguas Karith, parece ser um foco secundário de 
dispersão, mais recente do que os outros três. As distribuições sugerem que a 
ocupação das terras baixas propriamente ditas se fez mais tarde, embora possa haver 
ocorrido incursões temporárias nessas zonas, com migrações regulares ou ocasionais 
de povos das cabeceiras e regiões periféricas (URBAN, 1992, p. 102). 
Mesmo que essas dificuldades e esses problemas sejam entendidos pe- los 
pesquisadores como desafios para a escrita da história, seus trabalhos permitem que 
conheçamos um pouco mais sobre esses povos, como veremos no próximo item. 
Apenas para citar um exemplo, em relação à linguística, mesmo com todas as 
dificuldades apresentadas, foi possível que antropólogos como Urban (1992, p. 102) 
afirmassem o seguinte sobre a ocupação do território brasileiro: 
 
Os dados de que dispomos atualmente indicam situações de intenso contato, 
multilinguismo, línguas de comércio etc. para uma região que vai do extremo oeste da 
bacia Amazônica para o norte e em seguida para o leste, cruzando toda a América do 
Sul ao norte do Amazonas. O centro e o oeste do Brasil, ao contrário, parecem ser 
áreas nas quais a hipótese tradicional uma língua/uma cultura/um povo tem mais 
credibilidade. 
Como um resumo desse primeiro tópico, podemos recuperar alguns consensos 
arqueológicos, historiográficos e linguísticos a respeito da ocupação do território do 
atual Brasil pelos indígenas até o século XV. Esse espaço era ocupado há pelo menos 
12 mil anos quando houve o contato com os portugueses em 1500. Havia, inclusive, 
uma grande densidade populacional na região nordeste desde pelo menos 8 mil anos 
atras. Segundo Niéde Guidon (1992,p. 52): “a agricultura apareceu entre –4 mil e –3 
mil, sendo praticada em todo o território nacional desde –2 mil, mesmo que de maneira 
restrita”. Já em relação à cultura material: “a fabricação de vasilhas em cerâmica, fora 
da Amazônia, parece ter sido corrente a partir de –3 mil anos, pelo menos na área 
arqueológica de São Raimundo Nonato, no Piauí” (GUIDON, 1992, p. 52). Todos 
esses dados permitem que problematizemos a noção de “pré-história” ou de 
 
 
 
“sociedades simples” para os povos que ocupavam o território do que viria a ser o 
Brasil. 
2 A DIVERSIDADE INDÍGENA BRASILEIRA 
Um dos motivos pelos quais abandonou-se o termo “índio” para se refe- rir aos 
povos indígenas brasileiros foi que o termo, além de não designar qualquer etnia 
específica, perpetuava uma ideia de que os indígenas eram todos iguais, desprezando 
sua diversidade cultural, histórica, linguística e de organização política e social. Hoje 
em dia, devemos nos referir a esses povos como “indígenas”, “nativos”, “originários”, 
ou, melhor ainda, pela sua própria nomenclatura étnica. 
Juntamente com essa mudança em relação à diversidade étnica, foi neces- 
sário que se abandonasse uma perspectiva sobre os povos indígenas como 
“sociedades atrasadas” ou “primitivas”, que viviam nas florestas recorrendo a métodos 
rudimentares para sua sobrevivência. Com importantes mudanças conceituais, 
epistemológicas e teóricas, a história indígena contemporânea, além de estar sendo 
escrita pelos próprios indígenas, tem se caracterizado pelo reforço de uma narrativa 
de que os povos indígenas: 
 
[...] descendem de populações que aqui se instalaram há dezenas de milhares 
de anos, ocupando virtualmente toda a extensão desse continente. Ao longo desse 
período essas populações desenvolveram diferentes modos de uso e manejo dos 
recursos naturais e diferentes formas de organização social, o que é atestado pelo 
crescente número de pesquisas arqueológicas realizadas no Brasil e países vizinhos 
(NEVES, 1995 p. 171). 
 
Se recuperarmos a classificação adotada por Neves (1995) e apresentada no 
item anterior, teremos as seguintes perspectivas sobre os povos ocupantes do 
território que viria a se tornar o Brasil. Primeiramente, em relação ao período 
paleoíndio, ainda que exista uma divergência entre os que defendem que o sul do 
continente começou a ser povoado há mais de 30 mil anos e aqueles que sustentam 
uma ocupação mais recente, em torno de 12 mil anos atras, existe um consenso 
quanto à diferença da paisagem naquele período comparada aos dias atuais. No 
 
 
 
Brasil, existem apenas dois sítios arqueológicos cujas datações são anteriores a 20 
mil anos atrás: Toca da Esperança, na Bahia, e Toca do Boqueirão, do sítio da Pedra 
Furada, no Piauí. Em relação a esse último sítio: 
[...] datas de até 48.000 anos AP [Antes do Presente] foram obtidas para 
amostras de carvão de fogueiras circulares delimitadas por blocos de rocha caídos da 
parede do abrigo. Associada a essas fogueiras há uma indústria de objetos de pedra 
lascada feitos a partir de seixos de quartzo e quartzito (NEVES, 1995, p. 179). 
 
Porém, alguns pesquisadores fazem objeções a essas datações, já que não se 
poderia afirmar que as fogueiras analisadas são de autoria humana ou oriundas de 
um fenômeno natural (raios, por exemplo). Da mesma forma, questionam-se os 
objetos de pedra lascada encontrados: embora possam ter sidos confeccionados pela 
ação humana, também podem resultar de lascamentos naturais devido a 
desabamentos (NEVES, 1995). 
Independentemente das controvérsias quanto à datação, os sítios arque- 
ológicos brasileiros com datações perto de 12 mil anos atrás apresentam ca- 
racterísticas de uma ocupação por seres humanos que usavam uma variedade de 
instrumentos líticos. De acordo com Neves (1995, p. 180): 
A maior parte dos vestígios referentes a essas ocupações é composta por 
instru- mentos de pedra lascada, em sua maioria lascas com sinais de utilização, mas 
há também raspadores, seixos lascados (“choppers”), e pontas de projétil. É provável 
que parte do arsenal de caça fosse composto por materiais perecíveis como madeira 
e dentes de animais e por isso não se preservaram no registro arqueológico. Alguns 
dos animais então caçados — mastodonte, cavalo (posteriormente reintroduzido pelos 
europeus), preguiça gigante, gliptodonte (tatu gigante) — foram extintos como 
consequência da ação combinada do excesso de caça e do gradual aumento de 
temperatura que ocorreu no final do Pleistoceno. 
 
No Quadro 1, a seguir, são listados alguns desses sítios, sua localização e sua 
datação, sustentando a tese da ocupação do atual território brasileiro desde o período 
paleoíndio. 
 
 
 
 
Quadro 1. Sítios arqueológicos que evidenciam a ocupação do território 
brasileiro 
Datação 
(AP = Antes do Presente) 
 
Localização 
11.940 AP Bacia do rio Madeira, em Rondônia 
14.000 AP Bacia do rio Guaporé, Estado do Mato Grosso 
12.770 AP Baciado rio Uruguai, no Rio Grande do Sul 
12–14.000 AP Serra da Capivara, Piauí 
16–22.000 AP Lagoa Santa, Minas Gerais 
11.960 AP Serra do Cipó, Minas Gerais 
12.000 AP Vale do Peruaçú, Minas Gerais 
14.000 AP Goiás 
12.000 AP Baixo Rio Amazonas, Pará 
Fonte: Adaptado de Neves (1995) 
Já no período arcaico, ocorreu uma série de mudanças no meio ambiente como 
consequência da elevação geral de temperatura no início do Holoceno, resultando na 
formação de grandes áreas de florestas, a perenidade de muitos rios e a formação e 
expansão de manguezais. Essas transformações no meio ambiente ofereceram aos 
seres humanos uma maior diversidade de recursos naturais potencialmente 
utilizáveis, e a cultura material encontrada nos sítios arqueológicos desse período 
indica uma especialização no manejo de diferentes ecossistemas. 
Qual o impacto dessas mudanças no território e na ocupação do que seria o 
Brasil? Neves (1995) afirma que na região Amazônica houve períodos de 
ressecamento que levaram à expansão do cerrado por áreas hoje cobertas pela 
floresta. Essas mudanças climáticas teriam influenciado na ocupação humana da foz 
do rio Amazonas, mas também seria responsável pela diversificação das línguas 
indígenas em torno de 4.500 anos atrás. 
Quanto aos achados de cultura material desse período, predominam objetos 
confeccionados com pedras lascadas, artefatos feitos com ossos e pedras polidas, 
além de restos orgânicos, como no sítio Alfredo Wagner, num banhado no alto do Vale 
do Rio Itajaí, em Santa Catarina. Lá foram encontrados vários quilos de pinhões 
preservados, demonstrando a importância econômica da coleta de vegetais (NEVES, 
1995). 
 
 
 
Nesse período, também surgiu uma maior variedade de sítios: ocupações em 
grutas e abrigos sob rocha, sambaquis (colinas artificiais de conchas com restos de 
ocupações humanas sobrepostas), sítios a céu aberto, etc. Em relação aos 
sambaquis, foram encontrados sítios desse tipo ao longo de toda a costa do Brasil e 
nas regiões de manguezais, o que se explica pela riqueza e pela diversidade de 
recursos de fauna e flora. Nesses sítios, podemos observar que a cultura material é 
bastante rica, com destaque para os artefatos e adornos feitos com ossos de aves, 
dentes de mamíferos e restos de peixe, além de artefatos líticos feitos de pedra 
lascada e polida e figuras zoomorfas, os chamados zoólitos (NEVES, 1995). 
Foi no período arcaico que ocorreram os primeiros experimentos de do- 
mesticação de plantas nesse território. Ainda predominavam as atividades de 
subsistência e econômicas relacionadas à coleta. 
 
Com as extinções da megafauna no final do Pleistoceno, as atividades de 
coleta ocuparam uma importância ainda maior para as populações do arcaico [...]. O 
cultivo de plantas era no arcaico apenas um dos componentes de um complexo de 
atividades produtivas que incluíam a caça, a pesca, a coleta e o comércio. Poste- 
riormente, já no formativo, a agricultura passou a ocupar um papel fundamental na 
economia de várias sociedades indígenas, mas não de sua totalidade. Seria errado, 
portanto, considerar que o desenvolvimento da agricultura seja uma etapa evolutiva 
imprescindível ou mesmo um critério para se avaliar o nível de desenvolvimento de 
uma sociedade. Existem hoje no Brasil sociedades indígenas que fazem da caça, 
pesca e coleta sua estratégia principal de manejo dos recursos naturais [...]. A 
condição básica para domesticação de plantas foi o surgimento, no arcaico, das 
comunidades sedentárias de pescadores e coletores estabelecidas próximas a locais 
com abundância de fauna, como é o caso dos sambaquis (NEVES, 1995, p. 183). 
 
Para explicar esse processo de domesticação, o arqueólogo Donald Lathrap 
(1977) sugeriu o conceito de quintal: os povos indígenas teriam transplantado mudas 
de plantas de importância para alimentação, construção, produção de matérias-primas 
e substâncias para rituais da floresta para os “quintais” de suas casas, levando, 
posteriormente, ao desenvolvimento das roças. Para empreender essas sutilezas 
 
 
 
interpretativas, os especialistas afirmam que é necessário um conhecimento dos 
hábitos e dos saberes dos povos indígenas: 
[...] existe um gradiente sutil, e difícil de ser percebido pelo observador leigo, 
entre os domínios da sociedade — o espaço da comunidade — e da natureza, a 
floresta e as plantas e animais que nela vivem. É dentro desse gradiente, que inclui 
roças novas, roças antigas, roças abandonadas, os cursos d'água, a floresta e suas 
trilhas, que os recursos naturais são manejados. As roças abandonadas são um bom 
exemplo: embora não produzam mais mandioca, elas têm árvores frutíferas que 
atraem animais como paca, cutia, veados, funcionando, portanto, como campos de 
caça. Algumas dessas árvores — pupunheiras, bacabas, umaris, babaçu — 
continuam frutificando mesmo depois do abandono das aldeias e na Amazônia 
funcionam com indicadores de sítios arqueológicos. O antropólogo William Balée 
sugeriu que cerca de 10% das matas de terra firme da Amazônia seriam florestas 
antropogênicas, isto é, resultados diretos ou indiretos da ação humana [...]. Essas 
evidências arqueológicas e etnográficas sugerem que parte do que conhecemos como 
natureza selvagem na Amazônia pode provavelmente ser o produto de milhares de 
anos de manejo de recursos naturais por parte das populações indígenas da região. 
A paisagem amazônica — e por que não a de outras regiões do país? — seria assim 
patrimônio histórico além de patrimônio ecológico (NEVES, 1995, p. 183-184). 
 
Por fim, temos o período formativo. Neves (1995) afirma que, se durante o 
período arcaico coexistiram povos que experimentavam o cultivo de plantas e outros 
que eram praticamente sedentários, não há uma data, ou um aconteci- mento 
específico, que determine o início desse novo período. O que caracteriza uma 
mudança substancial é a emergência da agricultura como principal atividade produtiva 
e o paulatino sedentarismo dos povos, processos que ocorreram de maneiras e ritmos 
diversos de acordo com cada uma das regiões do atual Brasil. 
Veremos mais detidamente essa contribuição da cultura indígena à formação 
da cultura brasileira no próximo item, mas é fundamental, 
desde já, destacar, como faz Neves (1995), a domesticação de um número 
expres- sivo de plantas pelos indígenas americanos como uma das maiores contribui- 
ções para a humanidade. O autor cita como exemplos: “tomate, batata, tabaco, milho, 
pimenta, amendoim, mandioca, abacaxi, mamão, maracujá, abóbora, coca, batata-
 
 
 
doce, feijão, um tipo de algodão, pupunha, açaí, urucum (colorau)” (NEVES, 1995, p. 
184). 
 
No processo de transformação da agricultura como a principal atividade 
produtiva das populações indígenas, desenvolveram-se práticas e técnicas que, até 
os dias de hoje, são utilizadas por muitos povos de diferentes etnias, tais como a roça 
de toco ou coivara. Tal prática ou técnica consiste na der- rubada, ressecamento e 
queima de áreas de mata, o que permite a limpeza da área de cultivo e a fertilização 
do solo (NEVES, 1995). 
As populações agrícolas a partir do período formativo também eram, muitas 
vezes, fabricantes de cerâmicas — embora nem todo povo ceramista praticasse a 
agricultura. Ao estudarem essas cerâmicas, os arqueólogos conseguem demonstrar 
quais eram suas funções e seus usos, e muito mais: 
[...] os artefatos cerâmicos são também frequentemente decorados com 
pinturas, incisões, excisões, apêndices e outros recursos que podem fornecer 
informações sobre a tecnologia, economia, divisão do trabalho, religião, enfim 
elementos da organização sociocultural das sociedades que produziram ou adquiriram 
e depois descartaram esses artefatos (NEVES, 1995, p. 186). 
Essa reconstituição dos povos indígenas ao longo do tempo demonstra uma 
diversidade diacrônica. Vejamos agora um panorama da diversidade dos povos 
indígenas à época da conquistae da colonização. De acordo com Fausto (2010), o 
litoral era dominado por povos das etnias Tupinambá e Guarani. Esses grupos étnicos 
não devem ser compreendidos como uma unidade política, mas divididos em castas, 
gerações e nações, algumas aliadas entre si, outras rivais. Nesse sentido, já 
mencionamos que os cronistas coloniais registraram com muitas imprecisões a 
ocupação do território do Brasil por essas etnias, o que explica esses povos serem 
chamados de formas diferentes conforme os territórios ocupados. 
Fausto (2010, p. 75-76), afirma que as aldeias tupinambás “eram compostas 
por um número variável de malocas (em geral, de 4 a 8), dispostas irregu- larmente 
em torno de um pátio central, abrigando uma população de 500 a 2 mil pessoas”. As 
aldeias podiam se ligar por laços de consanguinidade ou aliança, mantendo relações 
pacíficas entre si, e participando, conjuntamente, de rituais e atividades militares 
(expedições e defesa do território). Em função dessas características, deve-se ter 
 
 
 
muito cuidado ao considerar cada etnia como uma organização política autônoma e 
verticalizada. 
As fronteiras eram fluidas, fruto de um processo histórico em andamento, no 
qual se definiam e redefiniam as alianças. Aldeias aliadas formavam conjuntos 
multicomunitários, como nós de uma rede sem centro; não existia um núcleo regional, 
político-cerimonial, onde residisse um chefe ou sacerdote supremo [...]. Tampouco 
havia chefes com poder supralocal. A estrutura da chefia era tão difusa e fragmentária 
quanto a das unidades sociais (FAUSTO, 2010, p. 77). 
 
Essa organização político-social pode ter sido distinta para os guara- nis. 
Alguns cronistas do período colonial os descrevem como “divididos em províncias 
submetidas a um cacique principal e denominaram agregados de aldeias como 
cacicados” (FAUSTO, 2010, p. 77). 
3 ASPECTOS DA CULTURA INDÍGENA NA SOCIEDADE BRASILEIRA 
Recuperar aspectos da cultura indígena que formam a cultura brasileira é um 
processo de reconhecimento e valorização de práticas e saberes historicamente 
marginalizados, porque compreendidos como provenientes de povos “incivilizados” ou 
“inferiores”. Ao longo do século XIX, após o processo de Independência, quando se 
iniciou a construção de uma identidade nacional brasileira, as contribuições das 
populações africanas e indígenas foram ignoradas em detrimento de aspectos da 
cultura branca europeia, identificada como representante da civilidade e do progresso. 
Essas representações dos povos indígenas foram perpetuadas ao longo do 
século XX, desenvolvendo-se, por parte do Estado brasileiro, uma série de políticas 
indigenistas que mantinham esses povos sob a condição de tutelados. Esse cenário 
somente se modificou com a promulgação da Constituição de 1988 e com a conquista 
de uma série de direitos mediante as lutas dos movimentos indígenas. Uma dessas 
vitórias foi a obrigatoriedade, em todos os níveis educativos, do ensino da história e 
da cultura indígenas. A partir dessa mudança, houve uma ressignificação das 
contribuições dos povos indígenas para a conformação da cultura e da sociedade 
brasileira. Rompeu-se com uma compreensão monolítica sobre os indígenas, 
expressa em termos genéricos como “índio”, e passou-se a valorizar a identidade 
 
 
 
étnica e identitária dos povos nativos do Brasil, como afirma o indígena Luciano-
Baniwa (2006, p. 49-50): 
 
A compreensão dessa diversidade étnica e identitária é importante para a 
superação da visão conservadora da noção clássica de Unidade Nacional e 
Identidade Nacional monolítica e única, na qual se pretende que a identidade seja 
uma síntese ou uma simplificação das diversas culturas e identidades que constituem 
o Estado-nação, o que aconteceria a partir dos processos denominados de hibridismo 
ou mestiçagem. 
Luciano-Baniwa também critica a ideia de que os indígenas tenham perdido 
sua identidade a partir do momento em que deixaram de viver em florestas, em aldeias 
ou comunidades, ou quando passaram a utilizar recursos tecno- lógicos, como 
celulares e computadores. Essa crença, bastante arraigada na sociedade brasileira, 
de que os indígenas possuem culturas estáticas, presas em comportamentos e 
hábitos do passado, e somente assim poderiam ser considerados “indígenas”, precisa 
ser problematizada a partir de uma com- preensão da cultura como algo dinâmico, 
resultado de processos de interação: 
Fazem parte de qualquer dinâmica cultural os intercâmbios e as interações com 
outras culturas, quando acontecem perdas e ganhos de elementos culturais, inclusive 
biológicos, mas que não resultam em perdas das identidades em interação. Dito de 
outra forma, não existe cultura estática e pura, ela é sempre o resultado de interações 
e trocas de experiências e modos de vida entre indivíduos e grupos sociais (LUCIANO-
BANIWA, 2006, p. 49-50). 
O texto a seguir, de Gersem Luciano-Baniwa, filósofo e antropólogo, professor 
da Universidade Federal de Goiás, é bastante didático na 
explicação sobre a conformação da cultura e da identidade indígenas e o 
desafio do enfrentamento de uma visão monolítica construída desde a formação do 
Estado-nação brasileiro no século XIX: 
Desta constatação histórica importa destacar que, quando falamos de 
diversidade cultural indígena, estamos falando de diversidade de civilizações 
autônomas e de culturas; de sistemas políticos, jurídicos, econômicos, enfim, de 
organizações sociais, econômicas e políticas construídas ao longo de milhares de 
anos, do mesmo modo que outras civilizações dos demais continentes: europeu, 
 
 
 
asiático, africano e a Oceania. Não se trata, portanto, de civilizações ou culturas 
superiores ou inferiores, mas de civilizações e culturas equivalentes, mas diferentes. 
Deste modo, podemos concluir que não existe uma identidade cultural única brasileira, 
mas diversas identidades que, embora não formem um conjunto monolítico e 
exclusivo, coexistem e convivem de forma harmoniosa, facultando e enriquecendo as 
várias maneiras possíveis de indianidade, brasilidade e humanidade. Ora, identidade 
implica a alteridade, assim como a alteridade pressupõe diversidade de identidades, 
pois é na interação com o outro não idêntico que a identidade se constitui. O 
reconhecimento das diferenças individuais e coletivas é condição de cidadania 
quando as identidades diversas são reconhecidas como direitos civis e políticos, 
consequentemente absorvidos pelos sistemas políticos e jurídicos no âmbito do 
Estado Nacional (LUCIANO-BANIWA, 2006, p. 49). 
 
Como mencionado anteriormente, os saberes e as práticas dos povos indí- 
genas relativos ao meio ambiente e sua forma de manejo é uma contribuição 
não somente à cultura e à sociedade brasileira, mas a toda a humanidade. 
Esses saberes e essas práticas são oriundos de uma compreensão holística 
do mundo, em que as vidas animal, humana e vegetal fazem parte de um 
todo (RIBEIRO, 1995). 
Não seria exagero, portanto, afirmar que as principais plantas de que os seres 
humanos se alimentam foram descobertas e domesticadas pelos povos originários do 
território que passou a se chamar América: batata, mandioca, milho, batata-doce, 
tomate, feijão, amendoim, cacau, abacaxi, caju, mamão, castanha-do-pará, etc. 
 
Vejamos a seguir mais alguns exemplos desse tipo de contribuição (RIBEIRO, 
1995). 
 
• Borracha: era conhecida pelos indígenas, que a utilizavam para fazer 
bolas, seringas e impermeabilizar objetos. Quando seu uso se tornou 
massificado no mundo inteiro a partir da segunda metade do século XIX, 
a Amazônia era a única região do mundo produtora para a indústria 
automobilística. 
• Propriedades medicinais de plantas: a capacidade curativa de 
diversas plantas domesticadas e cultivadas pelos indígenas está na 
 
 
 
base de muitos remédios produzidos e comercializados pela indústria 
farmacêu- tica. De acordo com Ribeiro (1995), três quartos das drogasprescritas hoje em dia foram descobertas por povos indígenas, que, 
aliás, não receberam o devido reconhecimento mundial por sua 
contribuição. 
• Plantas estimulantes, vegetais como a erva-mate, o guaraná e o tabaco 
foram difundidos e são utilizados em todo o mundo. 
 
Assim, o território que foi conquistado e colonizado pelos europeus era ocupado 
por centenas de etnias e povos distintos, que foram reduzidos segundo seu olhar 
eurocentrista à categoria monolítica de “índio”, ignorando sua diversidade e 
heterogeneidade. Por isso, é recomendável se referir a membros dessa categoria 
como “povos indígenas”, “povos originários” ou por seu nome étnico, como uma forma 
de reconhecimento de sua cultura, sua história e sua memória. 
Também fica clara a necessidade de reconhecermos as contribuições das 
populações indígenas que formam parte do Brasil para nossa cultura, mesmo que, 
durante muitos anos, tenhamos aprendido a valorizar apenas aspectos provenientes 
dos colonizadores brancos. A cultura brasileira é formada por elementos herdados das 
culturas dos povos africanos que, escravizados, foram trazidos para a América, e 
também por hábitos, práticas e saberes de diferentes povos indígenas. 
4 APRENDER COM OS POVOS INDÍGENAS 
Na década de 1990, o Grupo de Trabalho de Educação Popular (GT06) da 
ANPEd discutiu amplamente a crise dos movimentos sociais e o papel da educação 
popular no contexto da redemocratização política do Brasil. Partindo do alerta de 
Victor Valla (1996) que apontava a dificuldade que os profissionais e intelectuais têm 
de compreender o que as classes populares estão querendo lhes dizer, o GT06 
buscou analisar os modelos teóricos desenvolvidos por intelectuais brasileiros para 
interpretar os problemas e as práticas dos movimentos populares. Entendeu que os 
modelos de interpretação e condução da educação popular – no contexto de amplas 
mobilizações sociais e culturais dos anos 1960, ou no contexto de resistência à 
ditadura dos anos 1970, ou então nos processos massivos de luta pela 
 
 
 
redemocratização política dos anos 1980 – foram colocados em questão nos anos 
1990. O que aparecia como crise dos movimentos sociais passou a ser percebido 
como crise dos modelos de conhecimento a partir dos quais os intelectuais, 
profissionais e militantes têm buscado entender a realidade dos movimentos sociais. 
No atual contexto brasileiro de golpe de estado de 2016, torna-se pertinente 
refletir em que sentidos a atual crise política e social está relacionada à dificuldade 
que os líderes e políticos, profissionais e intelectuais têm de compreender o que os 
diferentes sujeitos populares estão querendo lhes dizer. E esta reflexão será tanto 
mais crítica e radical quanto mais dialogar com os grupos populares que mais têm 
sofrido os processos de exploração, exclusão e subalternização! Neste sentido, temos 
muito a aprender com os povos indígenas, que no continente ameríndio há cinco 
séculos vêm resistindo aos genocidas processos de colonização. 
Segundo o alerta de Eduardo Viveiros de Castro, neste momento em que o 
planeta passa por uma situação de “[...] catástrofe climática [...]” e está sendo 
transformado em um “[...] lugar irrespirável [...]”, devemos aprender com os povos 
indígenas “[...] como viver em um país sem destruí-lo, como viver em um mundo sem 
arrasá-lo e como ser feliz sem precisar de cartão de crédito [...].” “O encontro com o 
mundo índio nos leva para o futuro, não para o passado”. “Os índios têm muito a 
colaborar para um país mais democrático e diverso [...]” (apud FERRAZ, 2014, p. 1). 
No espaço deste texto, nos propomos a discutir o que estamos aprendendo com 
os povos indígenas da América Latina. Situamos esta discussão no contexto da 
colonização brasileira e de resistência dos povos indígenas. Sob o enfoque decolonial 
e não-colonial dos estudos interculturais críticos e orientados por autores que têm se 
colocado na escuta dos povos indígenas, discutimos aspectos de sua cosmovisão de 
sustentabilidade e da política do bem-viver. Concluímos com algumas considerações 
que levantam a hipótese de que a concepção pedagógica de Paulo Freire tem 
conexões com o modo indígena de educar. 
 
 
 
 
 
 
5 OS POVOS ORIGINÁRIOS E A COLONIZAÇÃO DO BRASIL 
O processo de colonização do Brasil significou um trágico processo de 
genocídio dos povos originários, destruição de seus territórios ancestrais, bem como 
o ocultamento ou esquecimento de suas ricas e variadas culturas. A redução 
demográfica dos povos indígenas foi descomunal: uma população estimada em quatro 
milhões de pessoas há cinco séculos, antes da conquista portuguesa, hoje está 
reduzida a cerca de novecentas mil pessoas, menos de meio por cento do conjunto 
dos atuais cidadãos brasileiros. De aproximadamente mil etnias originárias no século 
XIX, ainda resistem no território brasileiro, no século XXI, cerca de 305 pequenos 
grupos étnicos falantes de 274 línguas aborígenes, não eurodescentes (BRASIL, 
2011). 
De acordo com o Censo Demográfico 2010 (BRASIL, 2011), os três maiores 
povos originários do Brasil são o Tikuna, do Amazonas, com 46.045 pessoas; o povo 
Guarani Kaiowá, do Mato Grosso do Sul, com 43.401 pessoas; os Kaingang, 
presentes nos Estados de São Paulo, Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul, 
que somam 37.470 pessoas. Com população variando entre 29 mil e 9 mil pessoas, 
estão os Makuxi, Terena, Tenetehara, Yanomami, Potiguara, Pataxó, Sateré-mawé, 
Mundurukú, Múra, Xucuru, Baré, Pankararú, Kokama, Wapixana, Kayapó, Xacriabá. 
Esta população numericamente pequena, mas representante de uma rica 
variedade de povos ancestrais no território brasileiro, vem resistindo ao processo de 
colonização, que se iniciou a partir do século XVI com a chegada dos conquistadores 
portugueses e se complexificou com múltiplos processos imigratórios no século XIX e 
com a globalização do mercado internacional no século XX. 
O processo de povoamento, dominação e exploração colonial do território 
brasileiro vai além do domínio político-jurídico português. O povoamento pelos 
colonizadores visava demarcar e conquistar o território, dominar e explorar seus 
recursos. A dominação da natureza se fez mediante a subjugação das numerosas 
nações indígenas que aqui habitavam. E a dominação humana se constituiu mediante 
o discurso colonial sobre os povos nativos. 
Um discurso que classifica o mundo baseado no critério de raça, posicionando 
os povos autóctones em uma condição de subalternidade em relação ao europeu, na 
medida em que suas diferenças culturais eram interpretadas negativamente, como 
 
 
 
falta dos atributos da civilização e da cultura letrada europeia. A cosmovisão 
etnocêntrica das culturas europeias, que se autodefiniam como universais, induzia os 
conquistadores a ver os outros povos e as culturas diferentes como particulares e 
inferiores. 
Assim, pela incapacidade de entender as línguas e as culturas dos povos 
originários, os colonizadores europeus os conceituavam, por oposição negativa às 
culturas europeias, como povos não civilizados, não cultos, não letrados. 
Tal conotação pejorativa passou a se expressar na própria denominação índio. 
A nomeação do apelido genérico índio seria resultado de um equívoco de Cristóvão 
Colombo que, em 1492, em nome da Coroa espanhola, no contexto da expansão 
marítima e comercial europeia, tinha como destino alcançar e conquistar as Índias 
pela circunavegação do globo terrestre. 
Ao aportar neste continente desconhecido passaram a chamá-lo de Índias 
Ocidentais. E tal denominação se manteve pela perspectiva colonial para identificar, 
classificar e homogeneizar os nativos, desconsiderando as diferenças culturais e 
identitárias de inúmeros grupos étnicos neste imenso território. 
Não obstante os significados pejorativos que lhe foi atribuído historicamente, o 
termo índio foi apropriado pelos grupos e movimentos sociais indígenas,em seus 
processos de etnogênese, adquirindo, especialmente a partir da década de 1980 e 
1990, sentidos políticos de afirmação de identidades étnicas. 
A despeito das diferenças e diversidade de povos indígenas e suas 
experiências históricas, a denominação índio articula e confere uma unidade, 
demarcando uma fronteira étnica e identitária entre os povos nativos originários das 
Américas (LUCIANO, 2006). 
Todavia, neste estudo, preferimos indicar estes povos com os termos 
originários, nativos, ancestrais, autóctones, indígena. A palavra indígena significa “[...] 
natural do lugar em que vive, gerado dentro da terra que lhe é própria [...]”; “[...] 
população autóctone de um país ou que neste se estabeleceu anteriormente a um 
processo colonizador [...]”; por extensão, “[...] que é originário do país, região ou 
localidade em que se encontra; nativo [...]” (HOUAISS, 2001, verbete “indígena”). 
Da mesma forma, os povos originários buscam renomear, a partir de suas 
perspectivas etnoculturais, o continente das Américas, tal como os Guarani resgatam 
a nação Pindorama e sua cultura Tekó Porã, juntamente com os povos da AbyaYala, 
 
 
 
que desenvolvem suas culturas do bem-viver. Pindorama (etimologicamente significa 
região das palmeiras) é uma designação para o local mítico dos povos tupi-guarani, 
que seria uma terra livre dos males (CLASTRES, 1978). A expressão AbyaYala (que 
significa terra em sua plena maturidade) vem sendo cada vez mais usada pelos povos 
originários do continente objetivando construir um sentimento de unidade e 
pertencimento. 
6 DESAFIOS INTERCULTURAIS: A PERSPECTIVA DECOLONIAL E NÃO-
COLONIAL 
O ponto de vista dos povos indígenas recoloca o desafio de compreender 
criticamente a lógica da destruição ou subjugação que tem se configurado 
historicamente nas relações interculturais entre grupos e povos de diferentes 
contextos culturais, na busca de construir relaçõesinterculturais criativas e dialógicas. 
Catherine Walsh (2012) questiona o interculturalismo relacional, que restringe 
a relação intercultural ao nível individual, oculta os conflitos e contextos de poder ou 
reduz a diferença cultural em termos de superioridade ou inferioridade. Também refuta 
a perspectiva funcional da interculturalidade, que apoia a produção e gestão da 
diferença de forma funcional à expansão do sistema do mundo moderno. Esta 
concepção de interculturalidade não aponta para a criação de sociedades mais 
equitativas e igualitárias, mas para o controle do conflito étnico pela inclusão de grupos 
historicamente excluídos, de modo a manter a estabilidade social sob os imperativos 
econômicos do modelo neoliberal de acumulação capitalista. 
Walsh (2012) assumindo a perspectiva do interculturalismo crítico, questiona a 
estrutura colonial racial e seu vínculo com o capitalismo, apontando para a construção 
de sociedades diferentes. 
O interculturalismo crítico aponta para um projeto político, social, ético e 
epistêmico necessariamente decolonial. Significa compreender e confrontar a matriz 
do poder colonial, que historicamente vincula a ideia de raça, como uma critério de 
classificação e controle social, com o desenvolvimento do capitalismo global 
(moderno, colonial, eurocêntrico), iniciado como parte da formação histórica da 
América. 
 
 
 
A colonialidade é um dos elementos constitutivos e específicos do padrão 
mundial de poder capitalista. Se funda na imposição de uma classificação racial/étnica 
da população do mundo como pedra angular do dito padrão de poder e opera em cada 
um dos planos, âmbitos e dimensões materiais e subjetivas, da existência social 
cotidiana e da escala social. Origina-se e mundializa-se a partir da América. 
(QUIJANO, 2000, p. 342). 
 
A perspectiva decolonial de estudos interculturais vem sendo desenvolvida na 
América Latina por diferentes intelectuais e militantes. Segundo Carlos Walter Porto-
Gonçalves, 
[...] há um enorme legado teórico-político que nos vem desde Guaman Poma 
de Ayala, Simon Rodrigues, Simon Bolivar, José Artigas, José Maria 
Caycedo, José Martí, Emiliano Zapata, José Carlos Mariategui, Franz Fanon, 
Aymé Cesaire, C. R. James, Pablo Gonzalez Casanova, Zavaleta Mercado, 
Florestan Fernandes, Silvia Rivera Cusicanqui, Rachel Gutierrez, Anibal 
Quijano, Maristela Svampa, Enrique Leff, Enrique Dussel, Walter Mignolo, 
Ramon Grosfogel, Catherine Walsh, Arturo Escobar, Rui Mauro Marini, 
Norma Giarraca, Raul Zibechi, Pablo Mamani, Alberto Acosta entre tantos e 
tantas que haveremos de considerar para um diálogo denso com o 
pensamento crítico do sistema mundo capitalista moderno colonial em sua 
heterogeneidade histórico-estrutural. (PORTO- GONÇALVES, 2015, p. 246). 
 
Outros autores latino-americanos têm buscado ir além da crítica decolonial. 
Entre eles, Mario Valencia (2015) propõe uma perspectiva intercultural não- colonial. 
 
O não-colonial refere-se à geração, aspiração e dinamização de saberes-
fazeres inspirados no pensamento crítico latino-americano [...] compartilha com o 
decolonial o ponto de partida da consciência do estado de colonialidade e da sua total 
rejeição. Mas [...] dis-tinto do colonial, o não-colonial é aqui entendido como uma 
afirmação autodeterminada e criativa da consciência crítica e de todas as suas 
dimensões humanas. [...]. Isto faz com que se concentrem os esforços prioritariamente 
na imaginação epistêmica para a autoconstituição e constituição coletiva de contextos 
sociais, culturais, políticos, da sensibilidade diferentes, e não apenas na refutação 
dialética dos padrões dominantes. (VALENCIA, 2015, p. 12). 
 
 
 
 
A perspectiva não-colonial potencializa e ultrapassa o esforço de crítica e de 
desconstrução da colonialidade. Ao favorecer a escuta epistêmica das cosmovisões 
ancestrais não-coloniais, favorece uma interação dialógica com os povos originários 
que nos possibilita aprender com eles. 
7 ESCUTAR E COMPREENDER OS POVOS INDÍGENAS 
Vários autores vêm desenvolvendo estudos em perpectivas decoloniais e não-
coloniais. Entre outros, Jorge Gasché (2012), convivendo com comunidades 
ribeirinhas e indígenas da Amazônia peruana, compreendeu que os valores 
compartilhados pelos diferentes povos tradicionais da floresta amazônica não são 
reconhecidos pelas sociedades nacionais brasileira ou peruana. Entendeu que os 
valores são implícitos nas condutas e nas atividades cotidianas dos povos da floresta, 
mas estes não têm vocabulário para expressar seus valores na língua castelhana ou 
portuguesa e, por isso, não conseguem reivindicá-los em contraste com os valores 
sociais urbanos e capitalistas. 
Gasché indica os valores que identificou na convivência e pesquisa com os 
povos da floresta e propõe uma metodologia de trabalho educacional para ajudar 
essas comunidades a explicitar e identificar seus valores, nomeando-os na língua 
dominantes, de modo que possam identificar as diferenças, e fazer suas escolhas, em 
relação aos valores dominantes. 
Jacques Gauthier (2011) compartilha a compreensão de que os oprimidos têm 
interesse vital em revelar, analisar e criticar os fundamentos ocultos das opressões 
que estão sofrendo e que possuem conhecimentos implícitos, desconhecidos por 
outros grupos culturais, mas que podem ser explicitados mediante o diálogo 
intercultural. 
Entretanto, como acadêmicos eurodescendentes, ao nos propor a estabelecer 
um diálogo intercultural com os povos indígenas (assim como com outras culturas) 
necessariamente nos dispomos a uma crítica radical dos pressupostos 
epistemológicos que constituem a singularidade de nossa cultura, assim como da de 
nossos interlocutores: “[...] cada grupo (acadêmicos e populares) mostra ao outro o 
que ele não vê e não pode ver, ou seja, suas próprias costas, o caráter 
 
 
 
institucionalmente contextualizado da sua ciência, mesmo quando universal em direito 
[...]” (GAUTHIER, 2011, p. 80). 
Assim, o “[...] conceito de dialogicidadeexpressa essa dupla necessidade de 
uma escuta sensível mútua e de uma crítica mútua das ilusões e cegueiras de antes 
das rupturas epistemológicas” (GAUTHIER, 2011, p. 49, grifo do autor). 
Com esta disposição é que nos perguntamos – desde uma atitude crítica em 
relação à matriz epistemológica colonial constitutiva de formação científica 
eurodescendente – o que estamos aprendendo no diálogo intercultural com os povos 
originários de AbyaYala. 
8 O QUE ESTAMOS APRENDENDO COM OS POVOS INDÍGENAS 
Os genocídios dos povos ancestrais na América Latina constituem uma dimensão 
paradoxal do processo de globalização do sistema mundo moderno-colonial que, ao 
implantar e expandir o modo de produção capitalista mediante a exploração dos 
recursos da natureza e submissão dos trabalhadores, vem promovendo a destruição 
sistemática dos ecossistemas, bem como dos seus guardiões ancestrais, entre os 
quais os povos e as culturas originárias. 
Assim, neste contexto trágico, torna-se absolutamente necessário aprender com 
os povos originários ancestrais modos de vida que tornem sustentável a convivência 
planetária, inclusive para as futuras gerações dos seres humanos e das diferentes 
espécies de seres vivos que necessitam cuidar da Mãe Terra, para que esta possa 
continuar a nutri-los. 
O diálogo intercultural crítico com os povos originários implica em desconstruir os 
processos e princípios coloniais e em promover a construção de modos não- coloniais 
de ser e viver, bem como de poder e saber. Decolonializar implica um projeto 
intencional e processo contínuo e insurgente de diálogo e cooperação intercultural, 
que reinvente modos de vida não-coloniais. 
8.1 O bem-viver e a sustentabilidade 
Hoje os povos indígenas são mais vulneráveis do que nunca, frente à ofensiva 
dos proprietários de terra e dos grandes projetos econômicos, bem como de projetos 
 
 
 
políticos que cerceiam os processos de demarcação e autonomia dos territórios 
indígenas. 
 
A iniciativa voltada para o mercado internacional atende à expectativa de 
poderosas corporações econômicas, sobretudo transnacionais, nas áreas da 
mineração, de petróleo e gás, de monocultivos da soja, da cana de açúcar, da 
pecuária, da celulose, produção de agrocombustível, exploração madeireira e demais 
recursos naturais. 
Também se beneficiam as grandes empresas construtoras, que doam generosas 
quantias em dinheiro para abastecer os caixas de campanha eleitoral dos partidos 
políticos, com a certeza de que receberão tudo de volta, em dobro. Fazem parte da 
carteira de projetos da IIRSA (Integração da Infraestrutura Regional Sul Americana), 
que aqui no Brasil integram o PAC (Programa de Aceleração do Crescimento) a 
construção de hidrelétricas, linhas de transmissão, estradas, ferrovias,hidrovias, 
portos e aeroportos, sistemas de comunicação. 
A IIRSA traz no seu bojo uma concepção de desenvolvimento, entendido como 
crescimento econômico, a partir da super- exploração dos recursos naturais e 
alimentando padrões insustentáveis de consumo, para assegurar a acumulação 
capitalista. (HECK et al., 2012, p. 25). 
Os povos indígenas, que a partir de sua experiência milenar estabeleceram uma 
relação harmônica com a terra, questionam duramente essa lógica predatória: 
Somos filhos da ‘Pachamama’, não seus donos, nem dominadores, vendedores 
ou destruidores. Nossa vida depende dela e por isso desde milênios construímos 
nossas próprias formas do mal-chamado ‘desenvolvimento’, o SumaqKawsay/ 
SumaqQa-maña. 
Nosso Bem-viver como alternativa legítima de bem-estar em equilíbrio com a 
natureza e espiritualidade está longe da IIRSA, que nos quer converter em territórios 
‘de trânsito’ de mercadorias, buracos da mineração e rios poluídos de petróleo. 
(Resolución de Pueblos Indígenas sobre el IIRSA, CAOI – Coordinadora Andina de 
Organizaciones Indígenas, La Paz, 19 jan. 2008 apud HECK et al., 2012, p. 25, grifos 
dos autores). 
 
 
 
 
Esta visão de mundo fundamenta a concepção de bem-viver: buen vivir, em 
espanhol, SumakKawsai em quéchua; Suma Qa-mañaem aymara; Tekó Porã, em 
guarani. Significa a boa maneira de ser e viver, ou seja, viver em aprendizado e 
convivência com a natureza. Esta sabedoria, presente em todas as culturas 
ameríndias, nos leva a compreender que a relação entre todos os seres do planeta 
tem que ser encarada como uma relação social, entre sujeitos, em que cultura e 
natureza se fundem em humanidade. 
El Buen Vivir es un ‘paradigma comunitario de la cultura de la vida para vivir bien’, 
sustentado en una forma de vivir reflejada en una práctica cotidiana de respeto, 
armonía y equilibrio con todo lo que existe, comprendiendo que en la vida todo está 
interconectado, es interdependiente y está interrelacionado. (MAMANI, 2010, p. 6, 
grifos do autor). 
A maioria das culturas originárias brasileiras também entendem a Terra como Mãe 
(Pachamama). A Mãe protege e promove a vida mediante dádiva e reciprocidade. A 
natureza torna a vida humana possível. Por reciprocidade, os seres humanos são 
convidados a cuidar e proteger a natureza. 
Bartolomeu Melià, linguista e antropólogo jesuíta, explica do ponto de vista do 
povo Guarani o bem-viver: 
Tekóporã é um bom modo de ser, um bom estado de vida, é um ‘bem-viver’ e um 
‘viver bem’. É um estado de ventura, de alegria e de satisfação; um estado feliz e 
prazeroso, aprazível e tranquilo. Há um bem-viver quando existe harmonia com a 
natureza e com os membros da comunidade, quando existe alimentação suficiente, 
saúde e tranquilidade, quando a ‘divina abundância’ permite a economia da 
reciprocidade, o ‘jopói’, isto é, ‘mãos abertas’ de um para o outro. (MELIÀ, 2013, p. 
194, grifos do autor). 
 
Essa visão da vida e da natureza contrasta com a visão das culturas ocidentais: 
a natureza é concebida como um objeto a ser dominado, apropriado e mercantilizado. 
A maneira moderno-europeia de ver o mundo justifica um processo de exploração 
predatória do ambiente, bem como a sua própria força de trabalho para realizar a 
acumulação privada de capital. Tal sistema encontra-se agora em profunda crise, 
assim como a cosmovisão e as ideologias que a justificam. 
 
 
 
Entretanto, as cosmovisões ancestrais dos povos originários, ao integrar as 
dimensões biofísica, humana e espiritual, permite superar a concepção moderna que 
divide natureza e sociedade e justifica a exploração e dominação predatória da 
natureza pelos seres humanos. Assim, as culturas originárias oferecem uma visão de 
mundo que pode contribuir para superar o impasse em que as culturas ocidentais e o 
sistema capitalista se encontram hoje, no que diz respeito à sustentabilidade da vida 
e do ecossistema no planeta. 
Assim, para além da concepção moderna eurodescendente de oposição binária 
entre natureza e sociedade, o bem-viver – cultivado por povos da AbyaYala – promove 
a relação milenar entre mundos biofísicos, humanos e espirituais que dá sustentação 
aos sistemas integrais de vida dos povos ancestrais. Revalorizar esta relação 
holística, tecida pelos povos ancestrais mediante práticas comunitárias dialógicas 
integradas com o mundo natural, é a condição que torna possível desconstruir a matriz 
racista constitutiva das relações de poder colonial, que tem agenciado a distribuição, 
dominação e exploração da população mundial no contexto capitalista-global do 
trabalho. 
8.2 b) O bem-viver e a política 
A desconstrução da colonialidadedo poder implica, de modo particular, 
reconfigurar as relações jurídico-políticas do Estado, para além da imposição do 
nacionalismo monocultural. Implica em viabilizar a convivência intercultural, sem que 
as diferenças sejam negadas ou subalternizadas, mas que potencializem relações 
sociais críticas e criativas entre os diferentes sujeitos sociais e entre seus respectivos 
contextos culturais. Nesta direção, vários países da América Latina, impulsionados 
pelas lutas dos povos ancestrais,vem incorporando em sua organização política de 
Estado os princípios do bem- viver dos direitos da mãe-terra. 
No Brasil, os povos indígenas brasileiros continuam travando significativas lutas 
de resistência e por participação ativa na vida política do país. Eles procuram entrar 
positivamente no sistema político, judicial, legislativo, cultural e social do Estado, 
tentando viver e manter suas identidades como povos indígenas. 
Para isso, buscam fortalecer suas identidades e suas propriedades por meio de 
autogestão, bem como práticas de relações interculturais. Por exemplo, eles 
 
 
 
assumem a gestão ambiental de parques nacionais e das terras indígenas, promovem 
apoio comunitário intercultural para setores populares indígenas e urbanos e, para 
além das políticas de Estado, desenvolvem suas próprias políticas educacionais e 
atividades interculturais na cidade e no campo, bem como a colaboração com outros 
movimentos sociais. 
Alguns indígenas brasileiros têm buscado também participar do sistema político 
do Estado. A Constituição Brasileira de 1988 reconheceu o direito de representantes 
dos povos indígenas se candidatarem a cargos públicos, como prefeito, vereador e 
deputado estadual e federal. A mais recente conquista da população indígena na 
política foi a criação, em 2006, da Comissão Nacional de Política Indigenista (CNPI), 
que instituiu um foro de discussão, com os próprios indígenas, a respeito da 
elaboração de políticas públicas federais para a classe indígena. Este é o único 
espaço hoje no Brasil em que os povos autóctones podem exercer algum controle 
social sobre as políticas públicas feitas para eles mesmos. Entretanto, a CNPI tem 
atribuição consultiva e não deliberativa, o que significa que o governo não é obrigado 
a implementar suas propostas. 
As tentativas dos povos indígenas brasileiros de participar das instâncias políticas 
do Estado Brasileiro têm revelado um paradoxo. Ao assumirem o modo de vida dos 
colonizadores, muitos povos indígenas perderam sua identidade e autonomia. Por 
isso, várias comunidades indígenas buscam repensar esses desafios com base em 
suas necessidades e em sua maneira ancestral de ver o mundo. 
 
Eliel Benites (apud FLEURI, 2009, p. 18)2 enfatiza que o modo de organização 
dos povos indígenas brasileiros baseia-se no diálogo e na cooperação na 
comunidade. Por isso, é incompatível com o tipo de organização política do Estado, 
baseado em partidos. Essa contradição tornou-se muito clara nos processos eleitorais 
em que não só os candidatos políticos buscam e utilizam os votos dos indígenas, mas 
também os levam a assumir a forma de organização política contrária ao modo de 
organização comunitária de seu povo. 
Tal contradição questiona a forma hegemônica de organização política do Estado-
Nação. 
A organização dos Estados foi constituída, mesmo após as lutas por 
independência nas Américas, conforme o modelo de Estado-Nação, que reconhece 
 
 
 
apenas uma identidade nacional, vinculada à cultura e à língua dos colonizadores, 
subalternizando os diferentes grupos e povos nativos aos interesses das elites 
coloniais, de modo a manter o controle e a concentração do poder econômico e 
político capitalista. 
Neste contexto, diferentes movimentos sociais, que se articulam rizomaticamente 
no mundo atual, vêm desenvolvendo estratégias decoloniais, no sentido de 
desconstruir a matriz de dominação e exploração colonial que engendra os Estados 
Nacionais. A rebelião dos povos ancestrais colonizados, particularmente na América 
Latina, questiona o pressuposto racista e o caráter monocultural do Estado Nação 
(MARÍN, 2010; GUZMÁN, 2012; DÍAZ; VILLARREAL, 2010). Denuncia a violência 
latente e a ideologia neoliberal dominante que favorecem a manutenção do controle e 
da concentração do poder econômico-político nas mãos dos setores capitalistas 
hegemônicos (GASCHÉ, 2010). 
Os povos originários reconhecem criticamente os processos de subalternização a 
que foram submetidos historicamente e assumem as lutas por fortalecer suas 
identidades e autogerenciar seus territórios (ESQUIT, 2010). 
Grupos étnicos subalternizados se mobilizam na busca por reconstruir relações 
de justiça e equidade entre os diferentes setores socioculturais na gestão da vida e 
do meio-ambiente, colocando em discussão as bases teórico-jurídicas dos projetos 
estatais nacionais de interculturalidade (CARR; THESÉE, 2012). 
As lutas dos povos indígenas, portanto, não se conformam em participar das lutas 
sociais dentro do modelo político excludente e subalternizante estabelecido pelo 
Estado-Nação. 
Ao defender suas culturas e suas formas de organização social e política 
ancestrais, propugnam a Luta pela Vida, pela Dignidade e Território, em que vários 
desses movimentos indicam que a vida não pode ser pensada fora da natureza, [...] 
A Dignidade é um reclamo ao respeito à sua condição de outro ser digno, negado pela 
colonialidade da modernidade [...], enfim, o direito à diferença afirmando a diversidade 
biológica, em que criativamente se inspiram, para afirmar suas culturas. [...] E como a 
cultura não é algo abstrato, nos apontam que são necessárias as condições materiais 
para seus horizontes de sentido para a vida. Daí o território, como categoria que reúne 
natureza e cultura através das relações de poder sobre as condições materiais da 
vida. [...] Com isso, sinalizam que no mesmo estado territorial habitam múltiplas 
 
 
 
territorialidades [...]. Enfim, tensão de territorialidades. Daí o debate acerca da 
autonomia territorial, da plurinacionalidade, dos direitos da natureza, como se inscreve 
nas novas constituições do Equador e da Bolívia. Não mais Estado nacional, mas 
plurinacional. (PORTO GONÇALVES, 2015, grifos nossos). 
As lutas por se construir formas plurinacionais de Estado, tal como hoje propõe 
Estado Plurinacional Boliviano (MATEUS, 2012), bem como o Equador, constituem 
um significativo processo para se superar a colonialidade do poder, sustentada sobre 
o pressuposto da superioridade de uma etnia sobre as outras, ou da universalidade 
de uma nação, que nega a diferença cultural e a autonomia política dos povos que 
podem constituir democraticamente um Estado. 
Em suma, para além da concepção moderna eurodescendente de oposição 
binária entre natureza e sociedade, a cultura AbyaYalado bem-viver promove a 
relação milenar entre mundos biofísicos, humanos e espirituais que dá sustentação 
aos sistemas integrais de vida dos povos ancestrais. 
Revalorizar esta relação holística, tecida pelos povos ancestrais mediante práticas 
comunitárias dialógicas integradas com o mundo natural, é a condição que torna 
possível desconstruir a matriz racista constitutiva das relações de poder colonial, que 
tem agenciado a distribuição, dominação e exploração da população mundial no 
contexto capitalista-global do trabalho. Implica, de modo particular, reconfigurar as 
relações jurídico-políticas do Estado, para além da imposição do nacionalismo 
monocultural. Implica em viabilizar a convivência intercultural valorizando as 
diferenças como potencializadoras de relações sociais críticas e criativas entre os 
diferentes sujeitos sociais e entre seus respectivos contextos culturais. 
Neste sentido é que países como a Bolívia e o Equador, impulsionados pelas lutas 
dos povos ancestrais, vêm incorporando em sua organização política de Estado os 
princípios do bem-viver dos direitos da mãe-terra. 
Esta transformação política implica em mudanças na própria matriz moderno-
colonial de saber. Reconhecer a singularidade e relatividade das culturas e das 
ciências eurodescendentes, desconstruindo o mito de sua universalidade, é a 
condição para se reconhecer as racionalidades epistêmicas desenvolvidas 
historicamente por comunidades ancestrais e por movimentos populares, de modo a 
com eles estabelecer diálogos críticos e interação mutuamente enriquecedores.9 APRENDER A EDUCAR COM OS POVOS INDÍGENAS 
Os povos indígenas brasileiros, em sua rica complexidade e diversidade, 
compartilham com a maioria das sociedades ancestrais ameríndias uma visão de 
mundo baseada no bem-viver, bem como uma visão educacional que enfatiza a 
autonomia pessoal e a participação comunitária. Estes valores trazem uma 
perspectiva educativa muito diferente da educação colonial forjada pela modernidade 
europeia. 
Eliel Benites disse que os colonizadores e, posteriormente, os missionários de 
diferentes credos e agentes governamentais desenvolveram junto às nações 
autóctones uma educação de fora para dentro, pautados no sistema escolar e 
catequético. Tal como Paulo Freire entende a invasão cultural, através da educação 
bancária. Tal processo educativo pressupõe que a educação se faça de uma pessoa 
para outra, de um grupo sociocultural para outro, como um processo de transmissão 
de seu modo de perceber e de significar o mundo, de tal modo que o outro o absorva 
e o reproduza da mesma forma. Ao contrário do processo de educação de fora para 
dentro – afirma Eliel Benites – o povo Kaiowá-Guarani procura, hoje, desenvolver a 
educação de dentro para fora: 
 
É como uma fonte tapada que, ao ser desobstruída, jorra água em abundância. A 
água que jorra é a reflexão. A reflexão que se apresenta como a capacidade de se 
repensar o seu projeto e sua relação com o mundo a longo prazo. (depoimento de 
Eliel BENITES apud FLEURI, 2009, p. 17). 
 
Esta perspectiva educacional dos povos indígenas tem sido muito pouco 
incorporada pelas políticas educacionais do Estado-Nação. No Brasil, embora a 
Constituição de 1988 ea Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional de 1996 
tenham dado passos importantes na formulação de princípios gerais visando a uma 
educação diferenciada, bilíngue e intercultural, esta legislação foi construída com base 
em escasso diálogo com os diferentes povos indígenas (MARCON, 2010). 
 
Deste modo, nos contextos indígenas, as escolas foram estabelecidas com uma 
perspectiva colonial e doutrinária, em clara oposição à cultura dos antepassados, 
 
 
 
contribuindo para a destruição da coesão social nas famílias e nas comunidades 
indígenas (SIERRA et al., 2010). 
Os povos indígenas, portanto, para promover e consolidar suas culturas 
ancestrais não-coloniais, confrontam-se com as lógicas coloniais e disciplinares da 
educação escolar orientadas para a transmissão e reprodução da cultura nacional 
representada pelo Estado monocultural. O enfrentamento desta contradição implica 
em descontruir a colonialidade da cultura escolar, ao mesmo tempo que aprender com 
os povos indígenas estratégias educacionais não-coloniais. 
Um dos educadores que desenvolvem princípios epistemo-pedagógicos 
aprendidos com culturas ancestrais indígenas é Paulo Freire. Mesmo que Paulo Freire 
tenha formulado sua concepção pedagógica com as referências culturais de teorias 
críticas ocidentais, seu engajamento com os movimentos sociais populares ensejou a 
incorporação de perspectivas epistemológicas das culturas dos povos ancestrais da 
América Latina. Assim, se pode reconhecer os princípios do bem-viver, TekóPorã, em 
sua metodologia didática dialógica, que se caracteriza pela cooperação e 
reciprocidade nas relações entre os educadores e educandos, favorecendo uma 
atmosfera de aceitação mútua, respeito, compreensão e comunicação entre diferentes 
sujeitos, na busca de compreensão e transformação dos contextos socioculturais e 
ambientais em que se constituem. Neste sentido, Paulo Freire apresenta uma 
concepção educacional decolonial que reforça a perspectiva não-colonial. 
Por outro lado, desde o ponto de vista não-colonial das culturas ancestrais, somos 
convidados a reconfigurar a pedagogia crítica. 
Assim, a educação entendida como processo dialógico de problematização e 
transformação das relações socioculturais desiguais e injustas, apresenta-se como 
um instrumento de luta política dos grupos sociais e étnicos subalternizados ou 
excluídos no processo de colonização. Mas as lutas sociopolíticas conduzidas em 
parceria com os povos ancestrais radicalizam os projetos de transformação social 
para além dos limites do Estado-Nação e do antropocentrismo, criando perspectivas 
de organização política que sustentem as diferenças culturais e socioambientais, bem 
como os direitos da natureza. 
Na proposta pedagógica de Paulo Freire, os círculos de cultura apresentam-se 
como uma estratégia educacional para favorecer o diálogo na comunidade sobre as 
contradições que enfrentam em seu contexto social, de modo a promover a 
 
 
 
organização política para superá-las. Nesta direção, com as culturas indígenas, 
aprende-se que as lutas sociais e políticas não se restringem a mudanças no âmbito 
do sistema mundo moderno-colonial, mas se busca reconstruir as relações sociais na 
perspectiva inter-transcultural (GAUTHIER, 2011; PADILHA, 2004). 
 
Por conseguinte, o diálogo problematizador a partir dos temas geradores pode 
ultrapassar o enfoque econômico-política dos processos de opressão e dominação, 
questionando seus fundamentos epistêmicos da moderno-coloniais. O diálogo crítico 
entre as culturas ancestrais pode permitir processos transculturais e não apenas “[...] 
as pessoas se educam em relação, mediatizadas pelo mundo” (FREIRE, 1975, p. 79) 
mas também os povos e suas culturas se transformam, mediatizadas pela relação 
entre as pessoas. 
10 O IMPERIALISMO NA ÁFRICA 
Até meados do século XIX, a presença dos europeus no continente africano se 
limitava a algumas feitorias e colônias posicionadas no litoral, geralmente em locais 
estratégicos para o comércio. Assim, a maior parte do continente encontrava-se sob 
o poder das sociedades africanas, governadas por reis, imperadores ou conselhos de 
anciões. Contudo, essa situação mudou a partir dos últimos anos do século XIX. Em 
pouco tempo, quase toda a África passou a ser dominada pelas potências europeias. 
Esse novo processo de expansão colonial ficou conhecido como “imperialismo” 
ou “neocolonialismo”. O conceito de neocolonialismo é utilizado para diferenciar a 
nova expansão colonial do século XIX da colonização do período das grandes 
navegações, iniciada por portugueses e espanhóis no século XV. Sobre o termo 
“imperialismo”, Hernandez (2008, p. 71) afirma que foi utilizado pela primeira vez em 
1870, na Grã-Bretanha, “[...] dando nome a uma política orientada para criar uma 
federação baseada no fortalecimento da unidade dos Estados autônomos do império 
[...]”. Tanto a palavra “imperialismo” como a ideia que ela representa são carregadas 
de premissas ideológicas que geram inúmeras polêmicas, como pontuam Visentini e 
Pereira (2008, p. 92): 
 
 
 
 
As sociedades metropolitanas justificavam ideologicamente a conquista e 
dominação dos povos coloniais através de teorias como o darwinismo social, que 
concebia a existência como uma luta pela sobrevivência (onde os mais fortes 
predominam), pela consciência de uma missão civilizadora da raça branca e pelas 
teorias da superioridade racial. 
 
Vários escritores, religiosos e políticos, por exemplo, consideravam o colonialismo 
benéfico para os povos da África e da Ásia, vistos como atrasados do ponto de vista 
tecnológico e cultural. Aos olhos dos europeus, as instituições políticas e econômicas 
e o desenvolvimento industrial da Europa eram evidências da superioridade do 
homem branco. Por isso, os europeus defendiam que cabia a eles libertar os povos 
africanos e asiáticos da suposta “barbárie” em que viviam e introduzi-los na chamada 
“civilização”. Para além dessas razões “civilizatórias”, a expansão imperialista foi 
motivada pelos fatores listados a seguir. 
 
• Fatores econômicos: a grande concorrência entre as potências indus- 
triais as levou a ampliar os investimentos em tecnologias para dimi- nuir os 
custos de produção, reduzindo, em contrapartida,a oferta de empregos. A 
produção de mercadorias cresceu, enquanto o mercado consumidor, afetado 
pelo desemprego e pelos baixos salários, não era capaz de absorvê-las. O 
resultado foi uma grave crise econômica entre 1873 e 1896, marcada pela 
falência de empresas e pela queda generalizada dos preços. A saída 
encontrada pelos países europeus para resolver a crise foi a conquista de 
novos mercados para os seus produtos industrializados e para a aplicação dos 
seus capitais excedentes, além de novas fontes de energia e de matérias-
primas para as indústrias. 
• Fatores políticos e sociais: os governos europeus utilizaram a conquista 
de colônias como propaganda política. A expansão do poderio nacional por 
meio da obtenção de colônias serviu para despertar na população o orgulho 
patriótico e para obter o apoio dela aos governos das potências imperialistas. 
Para isso, também era necessário transferir para as áreas coloniais a mão de 
obra ociosa na Europa, minimizando as tensões sociais e enfraquecendo o 
movimento operário. 
 
 
 
Todos esses fatos [fatores] indicam uma convergência de interesses econômicos 
e políticos em torno do continente africano, abrangendo o estabelecimento de pontos 
de ocupação com a assinatura de inúmeros tratados com os potentados africanos, 
tornando-os presas fáceis para os colonialismos europeus dos finais do século XIX 
(HERNANDEZ, 2008, p. 61). 
 
Até 1880 não havia domínios europeus no interior do continente africano. 
Conforme Visentini e Pereira (2008, p. 92), desde a metade do século XIX, expedições 
exploratórias eram organizadas ao interior dos continentes, principalmente da África; 
os exploradores, “[...] geralmente financiados por sociedades geográficas, por mais 
idealistas que fossem, objetivamente abriam caminho para as potências colonialistas, 
na medida em que elaboravam um inventário dos povos e dos recursos naturais das 
regiões a serem conquistadas [...]”. A essas expedições exploratórias soma-se a ação 
de missionários, inaugurando uma nova fase da evangelização, que serviria para 
combater a “selvageria e salvar a alma" dos africanos. 
Essas expedições tiveram um efeito pragmático: “[...] todo o interior do continente 
e as bacias dos grandes rios africanos tornaram-se conhecidos dos europeus, 
facilitando uma penetração que fora, por séculos, evitada [...]” (CHAGASTELLES, 
2008, p. 114). A partir dessas missões exploratórias e das ações missionárias, o 
interesse dos europeus pelo continente africano cresceu exponencialmente. A cobiça 
pelo continente despertou grandes rivalidades entre os principais países 
industrializados do século XIX. Para evitar um conflito de grandes proporções, 
representantes de 15 potências organizaram, entre o final de 1884 e o início de 1885, 
o Congresso de Berlim, em que foram definidas as regras de ocupação do território 
africano. 
11 O CONGRESSO DE BERLIM 
Três importantes acontecimentos impulsionaram a organização de uma 
conferência para decidir sobre a partilha da África. Primeiro, o interesse que o rei da 
Bélgica, Leopoldo I, demonstrava pelo continente. Em 1876, foi criada em Bruxelas a 
Associação Internacional Africana, cujo objetivo era explorar a região dos Congos. 
Segundo, Portugal iniciou uma série de expedições que culminaram com a anexação 
 
 
 
das propriedades rurais afro-portuguesas de Moçambique, em 1880. Terceiro, a 
França mostrou o seu caráter expansionista entre 1879 e 1880, quando, junto à Grã-
Bretanha, passou a controlar o Egito pelo envio de uma missão exploradora ao Congo 
— com a ratificação de tratados com o povo beteke, que habitava a bacia do Congo 
— e pela iniciativa colonial estabelecida na Tunísia e na ilha de Madagascar 
(UZOIGWE, 2010). 
Os interesses dos europeus no continente africano prenunciavam um conflito 
entre as potências da época. Por isso, em 1880, Portugal convocou uma conferência 
internacional para resolver as disputas na África Central. Em 1884, Otto Von Bismarck, 
chanceler alemão, formulou uma declaração por meio da qual todo o sudoeste da 
África foi proclamado protetorado alemão. Para evitar um conflito de grandes 
proporções, Bismarck organizou o Congresso de Berlim, que reuniu representantes 
de 14 potências (França, Alemanha, Áustria-Hungria, Bélgica, Dinamarca, Espanha, 
Estados Unidos, Grã-Bretanha, Itália, Países Baixos, Portugal, Rússia, Suécia- 
Noruega e Turquia). As reuniões aconteceram entre 15 de novembro de 1884 e 26 de 
fevereiro de 1885. 
A Conferência tinha como principal objetivo “[...] assegurar as vantagens de livre 
navegação e livre comércio sobre os dois principais rios africanos que deságuam no 
Atlântico, o Níger o e Congo. Visava também a regulamentar novas ocupações de 
territórios africanos, em particular da costa ocidental do continente [...]” 
(HERNANDEZ, 2008, p. 62). Ficou acordado que o princípio definidor da partilha seria 
o de áreas de influência. Isso significava que, uma vez estabelecida no litoral, a nação 
estrangeira teria o direito de ocupar a zona do interior. 
 
É interessante você notar que, apesar de se tratar da partilha da África, “[...] 
nenhuma [n]ação independente africana foi convidada a participar dos assuntos que 
diziam respeito, diretamente, aos seus territórios [...]” (CHAGASTELLES, 2008, p. 
119). Se um dos principais objetivos do Congresso de Berlim era evitar rivalidades, 
ela não foi proveitosa, pois em vez disso as rivalidades se acirraram e, nas décadas 
seguintes, as potências europeias se enfrentaram na disputa pelo controle de regiões 
da África. Essa rivalidade é um dos fatores que deram início à Primeira Guerra 
Mundial, em 1914. Veja o que Hernandez (2008, p. 64) afirma sobre os resultados do 
Congresso de Berlim: 
 
 
 
A carta geopolítica da África estava basicamente pronta, sendo boa parte das 
fronteiras conservada, no seu conjunto, até os dias atuais. Com isso foram 
desconsiderados os direitos dos povos africanos e suas especificidades históricas, 
religiosas e linguísticas. Em outras palavras, as fronteiras da nova carta geopolítica 
da África, aprovada no Congresso de Berlim, raramente coincidiram com as da África 
antes dos portugueses. Mas cerca de trinta anos depois, por volta de 1920, quase 
todo o continente estava sob administração, proteção colonial ou ainda era 
reivindicado por outra potência europeia. 
Após o Congresso de Berlim, vários outros acordos foram assinados entre as 
potências europeias para assegurar o domínio sobre os territórios. O fato de as 
fronteiras culturais dos povos africanos não terem sido respeitadas nessa divisão 
desencadeou conflitos que são sentidos na África até os dias de hoje, como você vai 
ver adiante. 
O continente africano foi dividido entre as potências europeias por meio do 
Congresso de Berlim e dos acordos assinados até o início do século XX. 
Partindo de feitorias na costa africana — como Dacar, atual Senegal —, a França 
estendeu o seu domínio sobre uma área que ia do Atlântico ao interior, acompanhando 
o curso do rio Níger e criando a África Ocidental Francesa. A esses domínios, 
somavam-se a África Equatorial Francesa (atual Gabão e parte do Congo) e as 
províncias francesas do norte da África, Marrocos e Tunísia. Na região equatoriana, 
vizinha a Angola, grande parte da bacia do rio Congo converteu-se numa espécie de 
propriedade particular do rei Leopoldo II, da Bélgica, um dos principais envolvidos no 
Congresso de Berlim e em seus resultados (CHAGASTELLES, 2008). A colonização 
belga na região do Congo caracterizou-se pela extrema violência contra os nativos 
(homens, mulheres e crianças eram mutilados caso não cumprissem as metas 
estipuladas pelos belgas) e pelo saque das riquezas naturais da região. 
 
Portugal, a partir de suas antigas colônias de Angola e Moçambique, re- clamou 
a soberania sobre um território mais amplo e obteve, além deste, as terras que 
formaram a Guiné Portuguesa,

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