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HISTÓRIA DA CULTURA AFRODESCENDENTE E INDÍGENA Letícia Cristina Fonseca Destro FACULDADE ÚNICA DE IPATINGA 2 Letícia Cristina Fonseca Destro Graduada em História pela Universidade Federal de Viçosa (2010), Mestre em História Social pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (2012) e Doutora em História Social da Cultura da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (2016). Atualmente é Professora Titular e coordenadora do curso de História EaD da Faculdade Única de Ipatinga, além de professora da Educação Básica na rede estadual de ensino. 1ª edição Ipatinga – MG 2020 HISTÓRIA DA CULTURA AFRODESCENDENTE E INDÍGENA 3 Menu de Ícones Com o intuito de facilitar o seu estudo e uma melhor compreensão do conteúdo aplicado ao longo do livro didático, você irá encontrar ícones ao lado dos textos. Eles são para chamar a sua atenção para determinado trecho do conteúdo, cada um com uma função específica, mostradas a seguir: São sugestões de links para vídeos, documentos científico (artigos, monografias, dissertações e teses), sites ou links das Bibliotecas Virtuais (Minha Biblioteca e Biblioteca Pearson) relacionados com o conteúdo abordado. Trata-se dos conceitos, definições ou afirmações importantes nas quais você deve ter um maior grau de atenção! São exercícios de fixação do conteúdo abordado em cada unidade do livro. São para o esclarecimento do significado de determinados termos/palavras mostradas ao longo do livro. Este espaço é destinado para a reflexão sobre questões citadas em cada unidade, associando-o a suas ações, seja no ambiente profissional ou em seu cotidiano. 4 SUMÁRIO POVOS INDÍGENAS E A COLONIZAÇÃO PORTUGUESA .......................... 6 1.1 INTRODUÇÃO.......................................................................................................... 6 1.2 A “QUARTA PARTE” DO MUNDO............................................................................ 7 1.3 A CHEGADA DOS EUROPEUS ................................................................................. 9 1.4 “CIVILIZANDO” OS ÍNDIOS? ................................................................................ 13 1.5 DOS ESTEREÓTIPOS ............................................................................................... 15 1.5.1 Selvagens desordenados ............................................................................ 15 1.5.2 Bárbaros canibais .......................................................................................... 16 1.5.3 Luxuriosos e preguiçosos .............................................................................. 18 FIXANDO CONTEÚDO .......................................................................................... 20 POLÍTICA INDIGENISTA NO BRASIL INDEPENDENTE ........................... 25 2.1 INTRODUÇÃO........................................................................................................ 25 2.1.1 Primitivismo e romantismo............................................................................ 25 2.2 SOB A TUTELA DO ESTADO ................................................................................... 27 2.3 QUESTÃO DAS TERRAS INDÍGENAS ...................................................................... 29 FIXANDO CONTEÚDO .......................................................................................... 34 DIREITOS INDÍGENAS E A CONSTITUIÇÃO DE 1988 ............................... 39 3.1 INTRODUÇÃO........................................................................................................ 39 3.2 MOVIMENTO E RESISTÊNCIA INDÍGENA .............................................................. 39 3.3 POR UMA EDUCAÇÃO INDÍGENA ....................................................................... 41 3.4 AS TRANSFORMAÇÕES CULTURAIS ...................................................................... 45 FIXANDO CONTEÚDO .......................................................................................... 47 A ESCRAVIDÃO NEGRA NO BRASIL ....................................................... 52 4.1 INTRODUÇÃO........................................................................................................ 52 4.2 ESCRAVIDÃO ANTIGA E MODERNA .................................................................... 52 4.3 ESCRAVIDÃO NO BRASIL ..................................................................................... 58 FIXANDO CONTEÚDO .......................................................................................... 64 O LEGADO DA ESCRAVIDÃO NA ESTRUTURA SOCIAL BRASILEIRA ....... 69 5.1 INTRODUÇÃO........................................................................................................ 69 5.2 A ESCRAVIDÃO COMO CARACTERÍSTICA NACIONAL DO BRASIL ................... 70 5.3 A TESE DA DEMOCRACIA RACIAL COMO PRODUTO DA ESCRAVIDÃO ........... 72 5.4 O PROBLEMA DA INTEGRAÇÃO DO NEGRO NA SOCIEDADE DE CLASSES ...... 73 5.5 RAÇA E DESIGUALDADE SOCIAL BRASILEIRA ..................................................... 75 FIXANDO O CONTEÚDO ...................................................................................... 77 NEGRITUDE, AFRODESCENDÊNCIA E DIÁSPORA AFRICANA ................ 81 6.1 INTRODUÇÃO........................................................................................................ 81 6.2 DIMENSÕES DA NEGRITUDE ................................................................................. 82 6.3 NEGRITUDE E AFRODESCENDÊNCIA .................................................................... 83 6.4 O CULTO ÀS RELIGIÕES DE MATRIZ AFRICANA .................................................. 84 6.5 OS REMANESCENTES DAS COMUNIDADES DOS QUILOMBOS ........................... 87 6.6 NEGRITUDE E DIÁSPORA ....................................................................................... 87 FIXANDO O CONTEÚDO ...................................................................................... 90 RESPOSTAS DO FIXANDO O CONTEÚDO ........................................... 93 REFERÊNCIAS ...................................................................................... 94 UNIDADE 02 UNIDADE 01 UNIDADE 03 UNIDADE 04 UNIDADE 05 UNIDADE 06 5 CONFIRA NO LIVRO Nesta unidade estudaremos os impactos da chegada dos portugueses no território que viria a se chamar o Brasil tendo em vista as populações nativas que aqui já habitavam. Veremos o processo de escravidão dos indígenas, seus formas de resistência bem como as imagens criadas e divulgadas acerca dessas populações. Nesta unidade estudaremos as políticas desenvolvidas para lidar com a questão indígena ao longo da História do Brasil independente. Compreenderemos o histórico de criação das primeiras instituições governamentais e suas ações. Nesta unidade conheceremos as lutas e demandas da população indígena brasileira, especialmente no âmbito da educação, e os direitos adquiridos pela Constituição de 1988. Nesta unidade vamos discutir o conceito de escravidão moderno, bem como a estrutura sócio-econômica do tráfico transatlântico de escravizados e a própria escravidão no Brasil. Além disso, abordaremos as formas de resistência escrava destacando o papel ativo dos indivíduos escravizados dentro da própria lógica escravocrata. Nesta unidade conheceremos a discussão sobre a escravidão como uma característica nacional do Brasil no âmbito do pensamento sociológico e político brasileiro, sobretudo do ponto de vista da formulação da tese da democracia racial e de sua crítica. Nesta unidade nos voltaremos para a compreensão dos sentidos da negritudeenquanto uma experiência social que aponta, de um lado, para a ancestralidade cultural de matriz africana, e de outro, para os paralelos com os diferentes modos de vida das populações negras ao redor do mundo no contexto da chamada "diáspora africana". 6 POVOS INDÍGENAS E A COLONIZAÇÃO PORTUGUESA 1.1 INTRODUÇÃO Antes da chegada dos europeus às terras americanas, e à terra que daria origem ao país chamado Brasil, já habitavam este território povos diversos em termos linguísticos, culturais, políticos e econômicos – nesse sentido, são considerados povos nativos e/ou originários. Contudo, não se sabe exatamente de onde vieram, algumas teorias não consensuais apontam para a Ásia de onde teriam vindo pelo Estreito de Bering (faixa de terra congelada que ligaria a Sibéria ao Alasca) e outras para a Polinésia ou Oceania a partir de possíveis navegações. De acordo com o Instituto Socioambiental, estima-se que hoje o Brasil possua cerca de 256 povos falantes de mais de 150 línguas diferentes. Contudo, apesar de toda sua história e importante presença na formação do Brasil, a grande maioria dos brasileiros ainda ignora a imensa diversidade desses povos nativos que vivem no país. Mesmo em termos historiográficos, a densidade histórica do Brasil indígena e sua profunda influência na formação do Brasil foi por muito tempo ignorada. Na disciplina, portanto, vamos compreender mais sobre a história e cultura desses diversos povos que povoaram e povoam o território brasileiro, além de conhecer um pouco das suas lutas e demandas por reconhecimento. O Instituto Socioambiental (ISA) é uma organização não-governamental, sem fins lucrativos, fundada em 1994 com o objetivo de defender os bens e direitos humanos dos povos nativos. Acesse em: https://bit.ly/3nbxytY. Acesso em: 27 set. 2020; O programa Povos Indígenas no Brasil, por sua vez, é parte do portal do Instituto com oferece informações sobre os povos e a temática indígena. Para saber mais acesse: https://bit.ly/35oRDqD. Acesso em: 27 set. 2020. UNIDADE 7 1.2 A “QUARTA PARTE” DO MUNDO Quando os europeus chegaram no território que batizaram de América, por um equívoco histórico, toda a diversidade populacional que aqui já existia foi genericamente chamada de Índios e/ou Ameríndios. Mas por que o termo é considerado um equívoco histórico? Ao não reconhecerem as terras como um novo continente, julgaram ter chegada na região que almejavam alcançar para fins comerciais: a Índia. Expliquemos melhor isso. Para começarmos a compreender o contexto da época, é muito importante nos deslocarmos do nosso próprio. Como as pessoas daquela época pensavam? Como elas compreendiam o mundo? Pois bem, o mundo para os europeus medievais, de uma maneira geral, estava baseado nos ensinamentos bíblicos em função da importante e forte presença da Igreja Católica no cotidiano e na formação do conhecimento. Tendo a Bíblia como uma verdade absoluta, o mundo de então seguia sua narração. Assim, ele era dividido em três partes, que de acordo com a Bíblia, havia sido povoado, após o grande dilúvio, pelos três filhos de Noé: Sam, Jafé e Cam. Nesse sentido, de acordo com a interpretação bíblica da época, Sam teria povoado a Ásia, Jafé a Europa e Cam a África. Veja um esquema de mapa estilo T.O. comum na Idade Média para representar o mundo de então. Figura 1: Mapa Esquemático estilo T.O Fonte: Isidoro de Sevilha (1492) Antes de começarmos, faça um exercício e responda: o que é ser índio? O que você sabe e aprendeu sobre a população indígena no seu país? Na sequência, veja o que alguns brasileiros responderam essas perguntas no primeiro capítulo da sério Índios no Brasil: https://bit.ly/3kkPctn. Acesso em: 27 set. 2020. 8 Não havia, nesse sentido, espaço para uma quarta parte do mundo. Por conta disso, em um primeiro momento, quando os navegadores europeus desembarcaram nessas longínquas terras acreditaram que haviam chegado nas Índias, região que buscavam alcançar para comercializar. Conforme salienta Edmundo O’Gorman em seu livro A Invenção da América, Cristovão Colombo acreditou que havia chegada ao extremo oriente do mundo e todas observações que fazia eram provas empíricas de sua hipótese, respaldada, vale destacar, pela dimensão que a Ilha da Terra (como era chamado a parcela de terra habitada) possuía no imaginário de então. Somente com Américo Vespúcio que aquelas terras passaram a ser consideradas uma entidade geográfica desconhecida, um “Novo Mundo”. Apesar da posterior adequação da novidade, o termo genérico “índio” continuou a ser utilizado para denominar toda a diversidade populacional desse grande território que viria a ser chamado de América e é hoje adotado até por parte dos próprios nativos de maneira ressignificada. Contudo, não podemos desconsiderar a grande diversidade que eles possuem. Ou seja, apesar de usarmos um termo genérico para denominá-los não podemos unificar sua cultura, história, Apesar de ser muito comum falar-se em descobrimento da América, o historiador mexicano Edmundo O’Gorman, no livro citado de 1955, analisa que a América foi inventada e não descoberta. A América, nesse sentido, não existia antes da chegada do europeu, não possuía esse nome e nem os sentidos que ela representa. Ou seja, América não é algo natural, foi resultado da ação de agentes históricos. Para O’Gorman, ao se considerar que a América foi descoberta parte-se da noção de que a mesma já existia antes da chegada de Cristóvão Colombo e como já analisado anteriormente, nem mesmo Colombo considerou de imediato ter chegado na dita América. Considerar aquele território como uma nova parte do mundo, um novo continente chamado América foi um processo histórico. Disponível em: https://bit.ly/3eU2fB4. Acesso em: 27 set. 2020. 9 organização e língua. 1.3 A CHEGADA DOS EUROPEUS Ao chegarem ao território que viria ser o Brasil, os europeus logo perceberam que grande parte do litoral se encontrava ocupada por sociedades nativas, que compartilhavam, conforme ressalta Monteiro (1994), certas características básicas comuns à cultura tupi-guarani. No entanto, ainda assim, mantinham suas diversidades. Para enfrentar este problema, os europeus do século XVI resumiram o vasto panorama cultural em duas categorias genéricas: Tupi e Tapuia. Os Tupis seriam as sociedades litorâneas em contato direto com os europeus desde o Maranhão até Santa Catarina, incluindo os Guaranis. Já os Tapuias eram os grupos menos conhecidos dos europeus. Além dessas denominações, também havia outras comumente encontradas nas primeiras descrições acerca da terra e seus habitantes como: “gentios” (pagãos), “brasis”, “negros da terra” e “índios”. Com a intensificação da exploração, os portugueses buscaram impor diversas formas de organização do trabalho. Os nativos foram primeiramente utilizados para a extração do pau-brasil (madeira corante valorizada na Europa). Os nativos cortavam e transportavam a mercadoria até a feitoria, onde era trocada por artigos diversos a partir dos escambos. A mão de obra indígena também foi utilizada na extração das drogas do sertão (especiarias comercializadas com preços muitos elevados). Figura 2: Representação dos índios extraindo pau Brasil Fonte: Thévet (1575) 10 Com a introdução da cultura da cana-de-açúcar, os colonos passaram a utilizar a mão de obra indígena escrava. Houve, na sequência, um declínio do escambo em função das exigências que passaram a inviabilizar o mercado. A escravidão indígena foi utilizada em larga escala tanto para a produção comercial quanto de subsistência. E como se adquiria essa mão-de-obra? A partir do resgate, aprisionadosem decorrência de guerras intertribais, e também a partir das chamadas “guerras justas”, que buscavam aprisionar os indígenas considerados “inimigos”. Nesse processo, combatia-se, inclusive, os missionários jesuítas (padres pertencentes a ordem religiosa Companhia Jesus ligada à Igreja Católica) que eram contrários a escravização dos índios aldeados (ver o próximo item). Muitos indígenas foram forçadamente deslocados de outras regiões para o litoral, onde concentravam as fazendas produtoras do açúcar. Estas diversas formas de exploração acabaram gerando uma desorganização social, que somada às mortes em decorrência das epidemias, fomes e guerras (entre tribos e com os europeus) causaram um extermínio de boa parte da população indígena. Observe o gráfico da Funai (Fundação Nacional do Índio) acerca da densidade populacional indígena no Brasil desde 1500. Lembrem- se que os dados dos séculos iniciais são baseados em descrições e podem variar, pois não há muita precisão no levantamento. No livro “Negros da Terra”, o historiador John Monteiro analisa que com os aprisionamentos em decorrência das bandeiras, as guerras e os descimentos, a captura de mão de obra obra escrava indígena viabilizou a agricultura em São Paulo. Assim, a inserção indígena na sociedade paulista foi de suma importância para a formação sociocultural de São Paulo. Disponível em: https://bit.ly/2GXNAZ6. Acesso em: 27 set. 2020. 11 Figura 3: Dados demográficos da população indígena no Brasil (Dados da FUNAI) Fonte: Elaborado pelo Autor (2020) Ao observar a tabela e o gráfico (Figura 3) fica evidente a perda populacional dos povos indígenas entre 1500 e 1970. Vale ressaltar que somente em 1991 que o IBGE os incluiu no censo demográfico brasileiro e por isso tivemos um aumento de 150% dessa população na década de 1990. 12 Contudo, devemos salientar que o processo acima descrito não pode ser resumido apenas pelo extermínio indígena. Muitas foram as resistências dessas sociedades frente aos avanços europeus. Diante da exploração de seu trabalho, muitos desertavam e fugiam para a floresta e passavam a adotar emboscadas para atacar governamentais e bandeiras. Outros chegaram a organizar e participar de importantes revoltas do século XIX como a Cabanagem e a Cabanada (OLIVEIRA; FREIRE, 2006). Também foi necessário aos europeus aliar-se à grupos indígenas como estratégia. No século XVI, os franceses e os portugueses em guerra aliaram-se aos Tamoios e Tupiniquins, respectivamente. Já no século XVII, os holandeses se aliaram a grupos “tapuias” contra os portugueses. Os grupos indígenas, por sua vez, tinham seus próprios interesses ao se aliarem aos europeus. Os grupos Canibos, por exemplo, se aliaram aos missionários espanhóis para contestar o monopólio piro (arawak) no comércio dos Andes. De uma forma ou de outra, os povos indígenas eram sujeitos Para conhecer um pouco da história e realidade dos povos indígenas, com especial atenção para o papel da mulher, pela ótica nativa assista o episódio do documentário Vozes da Floresta realizado pelo Le Monde Diplomatique Brasil com Edna Shanenawa: Disponível em: https://bit.ly/3aVESoB. Acesso em: 27 set. 2020; Assista ao vídeo da antropóloga brasileira Lilian Schwarcz sobre o extermínio indígena nos primeiros contatos. Disponível em: https://bit.ly/2CXcUMK. Acesso em: 27 set. 2020; Assista ao vídeo da historiadora Maria Regina Celestino na Bienal do Livro de 2019 sobre seu livro Os Índios na História do Brasil. Disponível em: https://bit.ly/2YywtTe. Acesso em: 27 set. 2020; Leia mais no livro “Os Índios e o Brasil” de Mércio Pereira Gomes disponível na Biblioteca virtual em: https://bit.ly/2Qo00dN. Acesso em: 27 set. 2020; O livro “Os índios antes do Brasil“ de Carlos Fausto fala sobre a organização indígena antes da chegada dos europeus disponível na Minha Biblioteca Virtual Única: https://bit.ly/2D39rfO. Acesso em: 27 set. 2020. Para saber mais sobre as guerras e revoltas indígenas leia a Parte 2 do livro “A presença indígena na formação do Brasil” de João Pacheco de Oliveira e Carlos Augusto da Rocha Freire, disponível em: https://bit.ly/3jcvdwN. Acesso em: 27 set. 2020. 13 ativos da história (CUNHA, 2012). No final do século XVI, o uso da mão-de-obra escravizada dos indígenas nos engenhos acabou declinando e passou a predominar a escravização dos africanos, que somente foi abolida no final do século XIX. Contudo, vale ressaltar que apesar de ter sido abolida a escravidão indígena, ainda é possível observar a sua existência na prática ao longo dos séculos seguintes até pelo menos 1850. 1.4 “CIVILIZANDO” OS ÍNDIOS? A catequese dos índios na colônia portuguesa foi iniciada tão logo iniciou-se a exploração e colonização estratégica do território. Os primeiros responsáveis pela conversão indígena foram os jesuítas, que eram missionários vinculados à ordem católica conhecida como Companhia de Jesus fundada por Inácio de Loyola no contexto da Contrarreforma Católica. Os primeiros missionários jesuítas desembarcaram em Salvador, na Bahia, já em meados do século XVI acompanhando o primeiro governador-geral, Tomé de Sousa. A sua função seria a de converter os pagãos da terra à fé cristã. Os missionários jesuítas, nesse sentido, foram os primeiros a adotar, conforme analisa Fabricio Santos, a prática de aldear ou reunir os índios com o objetivo de No livro “As muralhas do Sertão”, a autora Nádia Farage analisa as intensas disputas territoriais envolvendo portugueses, espanhóis, ingleses e holandês em torno da região do Rio Branco. Na sua análise, Farage considera a importante participação dos indígenas como um agente histórico e social na contenda. Nos relatos de época, os europeus chamavam pagãos e gentios povos que geralmente possuíam tradições religiosas politeístas (acreditavam na existência de vários deuses e não apenas um – monoteísmo – como o Cristianismo. Os gregos antigos, romanos antigos, povos africanos, indígenas eram considerados pagãos pela perspectiva cristã. 14 torná-los cristãos. A instalação do aldeamento podia se dar pela construção da igreja e da residência do missionário em uma aldeia indígena já existente ou em um outro sítio. Nesses aldeamentos, a catequese era iniciada com o ensinamento rudimentar da fé e com a preparação para o batismo. Novos grupos indígenas eram constantemente deslocados (“descimento”) para essas povoações, visando concentrar a catequese naqueles espaços (SANTOS, 2012). Para os jesuítas, os nativos deveriam abandonar características fundamentais de sua cultura e adotar os preceitos e estilo de vida cristão. Os índios, por sua vez, estavam dispostos a manter seus costumes, apesar de aceitarem, aparentemente, com facilidade a nova religião. Essa aparente contradição observada pelos missionários, fez com que o aldeamento se tornasse uma solução para que pudessem controlar cotidianamente os nativos. Assim, esta inserção na vida social indígena possibilitou aos missionários criar uma rotina de ensino e catequese que transformavam lentamente o modo de vida daqueles nativos aldeados (SANTOS, 2012). A conversão católica, dessa forma, operou no sentido de domesticar os considerados “selvagens” obtendo, além disso, trabalhadores para os empreendimentos missionários – o que gerou tensão com os interesses dos colonos e autoridades civis que também se interessavam por recrutar mão de obra indígena para suas atividades econômicas. O conflito de interesses ocasionados culminou com a expulsão dos jesuítas no século XVIII. No período, a política colonial buscava uma maior laicização (separação do Estado da Igreja) do Estado, incluindo o controlede todos os agentes em contato com as populações nativas. Nesse contexto, implantou-se uma política guiada pelo Diretório (um documento com 95 parágrafos com determinações sobre economia e administração dos aldeamentos), de 1757, que não só dispôs sobre a liberdade dos índios como também alterou a administração destes, reorganizando as aldeias após a expulsão dos missionários (OLIVEIRA; FREIRE, 2006). Os novos diretores de índios, conforme o decreto real, deveriam, de maneira geral, expandir a fé católica, extinguir o gentilismo, civilizar os índios, introduzir o comércio e aumentar a agricultura. A língua portuguesa tornou-se uma exigência para os povos indígenas, que deveriam se comunicar exclusivamente por ela. A “civilização” dos índios, por sua vez, ficava a cargo das escolas públicas, que os 15 ensinava ofícios domésticos dentre outras competências. Buscava-se também combater a suposta “ociosidade” com o uso do trabalho dos indígenas para fins particulares. Os índios, dessa forma, passariam a ser governados por juízes e vereadores, e não mais pelos missionários. Vale ressaltar, por fim, que na prática o Diretório enfrentou muitas dificuldades como epidemias, mortes, fugas, desorganização social. Com o fim do Diretório em 1798, juízes de órfãos passaram a ser responsáveis pelos índios considerados “domésticos” e eles juntamente com o Estado velavam pelos bem índios, considerados incapazes (OLIVEIRA; FREIRE, 2006). Com a revogação do Diretório, criou-se um vazio administrativo acerca do governo povos indígenas que só foi preenchido em 1845, pelo “Regulamento acerca das Missões de catequese e civilização dos índios”. 1.5 DOS ESTEREÓTIPOS Como já estudado, quando os europeus desembarcaram no Novo Mundo, desconheciam sua existência e a seus habitantes. O processo de exploração e colonização também passou pela avaliação dos costumes e culturas desses povos sob a ótica da própria cultura europeia. Nesse item, portanto, vamos estudar como as diferenças culturais foram adaptadas e divulgadas pelos colonizadores a partir de pinturas e relatos de viagens, contribuindo para se criar uma imagem do índio que justificava a presença europeia. 1.5.1 Selvagens desordenados Para começar, os nativos foram considerados homens selvagens contrapostos ao ideal de civilidade ocidental por viveram, de acordo com os colonizadores, sem controle, sem o ordenamento do Estado e sem a salvação prometida pela Igreja. O cronista português, Pero Magalhães Gândavo, resume de forma canônica essa premissa: “A língua deste gentio toda pela Costa he huma: carece de três letras – scillet, não se acha nela f, nem l, nem r, cousa digna de espanto, por que assi não tem Fé, nem Lei, nem Rei; e desta maneira vivem sem justiça e desordenadamente” (GANDAVO, 1980, p. 52). Além disso, ao contrário dos europeus muito interessados em riquezas 16 materiais, as sociedades indígenas não se importavam, de maneira geral, com coisas materiais como o ouro, por exemplo. A partir do pensamento do francês Michel de Montaigne, por sua vez, a suposta selvageria aproximou-se ao tema do primitivismo no qual o selvagem viveria em um estado de pureza, sem as marcas do pecado original (lembrando que o pensamento da época era muito moldado pelos ensinamentos bíblicos, como ressaltado anteriormente). Na Carta de Pero Vaz de Caminha (primeira escrita sobre o Brasil e encaminhada ao el-rei dom Manuel em 1500), ainda é possível ver referências ao primitivismo ao endossar a inocência dos nativos e a boa vontade com que aceitavam a conversão, uma vez que seriam desprovidos, aos olhos de Caminha, de qualquer crença. Os nativos seriam, assim, uma espécie de papel em branco: Parece-me gente de tal inoce ̂ncia que, se homem os entendesse e eles a nós, seriam logo cristãos, porque eles, segundo parece, não têm, nem entendem em nenhuma crenc ̧a. E portanto, se os degredados, que aqui hão de ficar aprenderem bem a sua fala e os entenderem, não duvido que eles, segundo a santa intenção de Vossa Alteza, se hão de fazer cristãos e crer em nossa santa fé, à qual praza a Nosso Senhor que os traga, porque, certo, esta gente é boa e de boa simplicidade. E imprimir-se-á ligeiramente neles qualquer cunho, que lhes quiserem dar. E pois Nosso Senhor, que lhes deu bons corpos e bons rostos, como a bons homens, por aqui nos trouxe, creio que não foi sem causa (CAMINHA, 1500, 11-12) 1.5.2 Bárbaros canibais Bárbaro foi um termo utilizado na Grécia Antiga para denominar, de maneira O filósofo e etnólogo Pierre Clastres analisa a noção de sociedade e Estado em seu livro A sociedade contra o Estado para refutar a ideia de que a evolução das sociedades deve ser medida pela presença ou ausência da centralização do poder. Para ele, o poder coercitivo do Estado é somente apenas uma modalidade de poder dentre diversas outras. Ou seja, as sociedades ameríndias seriam, para Clastres, “essencialmente igualitárias” recusando qualquer força que impunha o enriquecimento de um pequeno grupo. A chefia indígena, nesse sentido, é esvaziada de poder coercitivo e considerada um importante mecanismo contra a concentração de poder. 17 geral, os povos estrangeiros destacando a superioridade grega. A partir de então, seu uso passou a ser mais diversificado e recorrente. Na Idade Média, bárbaro equivalia ao pagão como aquele que não havia convertido à fé cristã. A ideia do barbarismo, conforme demonstra Ronald Raminelli, atravessou o Oceano Atlântico e encontrou solo fértil nas narrativas de viagens acerca do continente americano. Bárbaros eram os índios de corpos nus, eram os “canibais” que devoravam a carne dos inimigos, os indivíduos que viviam em guerra (RAMINELLI, 1996). Figura 4: Canibais, século XVI Fonte: Theodor de Bry ([1596] 2015) O canibal também era uma figura que já permeava o imaginário europeu sem ter um ponto geográfico específico. Mas os Tupinambás, principais representantes desse canibalismo brasileiro, eram antropófagos e não canibais. Canibalismo apresenta-se a partir de uma noção bestial de indivíduos que consomem carne humana para saciar-se. É nesse sentido que o canibalismo se distancia da antropofagia, esta última mais praticada entre alguns grupos indígenas brasileiros como os Tupinambás à época da chegada dos europeus (não é mais uma prática ritual entre os povos atualmente). A antropofagia tinha um sentido mais social ritualístico. Ou seja, o ato de comer carne humana era realizado em cerimônias com diversos significados simbólicos a incluir vingança. 18 1.5.3 Luxuriosos e preguiçosos A sexualidade indígena também suscitou grande interesse. Por princípio cristão, os europeus defendiam a monogamia, ou seja, o casamento apenas entre um homem e uma mulher. Contudo, entre os povos indígenas, eram muito comum a poligamia e não possuíam, como os europeus, diversas regras matrimoniais e sexuais, o que fora visto como luxúria conforme ressalta o cronista português Gabriel Soares de Souza em 1597: São os Tupinambos, tão luxuriosos que não há pecado de luxúria que não cometam […] são muito afeiçoados ao pecado nefando, entre os quais se não têm por afronta; […] e nas suas aldeias pelo sertão há alguns que têm tenda pública a quantos os querem como mulheres públicas (SOUZA, 1971, p. 308). No caso das relações de trabalho, os povos indígenas foram associados à indolência e preguiça em função da recusa destas populações em serem escravizados. Outro detalhe importante é que a cultura indígena não valoriza a produção de excedentes para acúmulo, como as sociedades europeias. De uma maneira geral, a produção era/é para a subsistência para que sobrasse tempo para dedicar-se a outras atividadesconsideradas importantes como rituais, cuidado com o corpo, convívio com a família e o lazer. Assim sendo, a difusão desses, e diversos outros, estereótipos constituiu uma forma de absorver a diversidade cultural encontrada no Novo Mundo tendo sempre Para saber mais, leia o artigo “Antropofagia ritual e identidade cultural entre os Tupinambás” de Adone Agnoli. Disponível em: https://bit.ly/34weCQH. Acesso em: 27 set. 2020. Um dos poucos relatos da antropofagia indígena no Brasil é o do mercenário alemão Hans Staden, que foi aprisionado pelos Tupinambás e a partir dessa experiência escreveu um relato. Baseado na descrição de Stade, na década de 1970 foi lançado o filme “Como era gostoso o meu francês”. A iconografia do filme foi baseada nos trabalhos do gravurista Theodore de Bry. 19 como parâmetro a própria cultura europeia. Ou seja, não houve uma preocupação em compreender as culturas nativas pela sua própria organização. Os perfis traçados envolvendo guerra, canibalismo, nudez, hábitos alimentares distintos, habitação, suposta ausência de uma legislação e de poder centralizado compunham as representações dos índios como seres inferiores, legitimando, assim, a guerra justa, a necessidade urgente de conversão. 20 FIXANDO CONTEÚDO 1. Professor de História / SEDUC-MT (adaptada) Leia atentamente o trecho a seguir: “Os grupos do Brasil central, desde os princípios da colonização, foram enquadrados na categoria genéricas de tapuias (os de língua travada, que não falam o tupi – Guarani). Entre eles os Jê – que englobam uma grande parte das etnias nos cerrados do Centro-Oeste brasileiro...”. Considerando o trecho acima e seus conhecimentos sobre as culturas indígenas no Brasil assinale a alternativa correta. a) Podemos perceber que o Indígena no Brasil era e é pouco reconhecido de maneira geral, considerando que foram e são tratados por termos genéricos como “tapuias", sem muita preocupação em conhecer e perceber as diferenças culturais que cada etnia possui, e reflete de forma política na vida desses grupos. b) O indígena no Brasil há muito foi incorporado na sociedade branca, além das terras que lhes foram dadas, muitos fazem uso de tecnologias e da cultura ocidental, como internet, celulares, contas bancarias. c) Não se pode dizer que no Brasil ainda há indígenas, pois se no início da colonização os portugueses foram responsáveis pelo assassinato em massa desses grupos, posteriormente o império pouco ajudou aqueles que ainda viviam. A consequência disso é a não presença indígena na sociedade brasileira atual. d) A situação do indígena no Brasil se resolveu logo após o fim do período colonial, pois os europeus se preocuparam logo em compreender a realidade local e as necessidades específicas desses povos. e) Os indígenas brasileiros só sofreram grandes perdas demográficas com a chegada dos europeus porque não gostavam de trabalhar e resistiram violentamente a qualquer tipo de trabalho. 2. (Professor de História / IF-MT - adaptada) Por aqui lhe urdem os portugueses muitas brigas com que se desavêm umas nações com as outras, com o qual ardil os entramos e desbaratamos, que todos juntos ninguém pudera com eles [...] WEHLING, A.; WEHLING, M. J. Formação do Brasil Colonial. 2ª ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1999.) 21 O trecho do documento acima faz referência a uma estratégia largamente utilizada pelos portugueses na conquista da América, tanto para a incorporação de terras como para a escravização dos indígenas. Assinale a alternativa que apresenta essa estratégia. a) Estímulo às rivalidades existentes entre grupos indígenas. b) Massacre sistemática das populações nativas. c) Aldeamento dos índios pelos jesuítas. d) Aliança política com as elites indígenas. e) Aliança econômica com outras nações europeias. 3. (INEP/História do Brasil) “Dali avistamos homens que andavam pela praia, obra de sete ou oito. Eram pardos, todos nus. Nas mãos traziam arcos com suas setas. Não fazem o menor caso de encobrir ou de mostrar suas vergonhas; e nisso têm tanta inocência como em mostrar o rosto. Ambos traziam os beiços de baixo furados e metidos neles seus ossos brancos e verdadeiros. Os cabelos seus são corredios. CAMINHA, P. V. Carta. RIBEIRO, D. et al. Viagem pela história do Brasil: documentos. São Paulo: Companhia das Letras, 1997 (adaptado). O texto é parte da famosa Carta de Pero Vaz de Caminha, documento fundamental para a formação da identidade brasileira. Tratando da relação que, desde esse primeiro contato, se estabeleceu entre portugueses e indígenas, esse trecho da carta revela a a) preocupação em garantir a integridade do colonizador diante da resistência dos índios à ocupação da terra. b) postura etnocêntrica do europeu diante das características físicas e práticas culturais do indígena. c) orientação da política da Coroa Portuguesa quanto à utilização dos nativos como mão de obra para colonizar a nova terra. d) oposição de interesses entre portugueses e índios, que dificultava o trabalho catequético e exigia amplos recursos para a defesa da posse da nova terra. e) abundância da terra descoberta, o que possibilitou a sua incorporação aos interesses mercantis portugueses, por meio da exploração econômica dos índios. 22 4. (TJ-SC adaptada.) “ [...] Eles não lavram nem criam. Nem há aqui boi ou vaca, cabra, ovelha ou galinha, ou qualquer outro animal que esteja acostumado ao viver do homem. E não comem senão deste inhame, de que aqui há muito, e dessas sementes e frutos que a terra e as árvores de si deitam. E com isto andam tais e tão rijos e tão nédios que o não somos nós tanto, com quanto trigo e legumes comemos.” O trecho acima, retirado da Carta que Pero Vaz de Caminha redigiu ao Rei D. Manuel, é um exemplo do deslumbramento do europeu diante do Novo Mundo e das pessoas que por aqui eles encontraram. Quanto às sociedades indígenas do Brasil, leia as alternativas abaixo e marque Verdadeiro e Falso. (X) A antropofagia entre os indígenas tinha caráter ritual. Para alguns grupos a alimentação de carne humana era parte dos cultos religiosos e das tradições tribais. (X) As grandes nações indígenas estavam distribuídas por, praticamente, toda a extensão do território brasileiro. Os Tupis estavam espalhados pelo litoral e foram os primeiros a ter contato com os brancos. (X) Atualmente, estudos comprovam que a origem dos primeiros habitantes do Brasil é proveniente, unicamente, da corrente migratória asiática. (X) Diferentemente das demais sociedades indígenas americanas, os povos que viviam no território brasileiro possuíam uma característica homogeneidade cultural e linguística. (X) A chegada dos europeus não causou grandes impactos nas sociedades nativas do território americano. A sequência correta é a) F, F, V, F, V. b) V, V, F, F, F. c) F, V, F, V, V. d) V, V, F, V, F. e) V, F, V, V, F. 23 5. (Enade) Documento I E, segundo que a mim e a todos pareceu, esta gente não lhes falece outra coisa para ser toda cristã, senão entender-nos, porque assim tomavam aquilo que nos viam fazer, como nós mesmos, por onde nos pareceu a todos que nenhuma idolatria, nem adoração têm. E bem creio que, se Vossa Alteza aqui mandar quem entre eles mais devagar ande, que todos serão tornados ao desejo de Vossa Alteza. E por isso, se alguém vier, não deixe logo de vir clérigo para os batizar, porque já então terão mais conhecimento de nossa fé, pelos dois degredados, que aqui entre eles ficam, os quais, ambos, hoje também comungaram. Carta de Pero Vaz de Caminha. In: PEREIRA, PauloRoberto (org). Os três únicos testemunhos do Descobrimento do Brasil. 2. ed. Rio de Janeiro: Lacerda, 1999. p. 54;57. Documento II [...] nenhuma fé têm, nem adoram a algum deus; nenhuma lei guardam ou preceitos, nem têm rei que lha dê e a quem obedeçam, senão é um capitão, mais pera a guerra que pera a paz. SALVADOR, Frei Vicente do. História do Brasil (1500-1627). 6 ed. São Paulo: Edic ̧ões Melhoramentos, 1975. A partir da análise desses documentos conclui-se que, no período compreendido entre a produção do primeiro e do segundo a) a administração portuguesa no Brasil orientou-se pelas observações dos autores dos documentos e optou pelo isolamento das populações indígenas por considerar que eram inúteis ao processo de colonização. b) a Coroa deixou integralmente a cargo da Igreja Católica a responsabilidade pela integração das populações indígenas ao modo de vida europeu, conforme as sugestões dos autores dos documentos. c) a predominância das ações de natureza religiosa, por meio da catequese junto às populações indígenas, preservou sua cultura e impediu que elas fossem escravizadas. d) o entendimento dos portugueses acerca das populações indígenas e de seus 24 costumes favoreceu o seu processo de integração pela religião, finalizado no século XVII. e) os colonizadores empenharam-se em transplantar para o interior das comunidades indígenas as formas de organização da sociedade portuguesa, usando a religião e a presença de europeus entre eles. 25 POLÍTICA INDIGENISTA NO BRASIL INDEPENDENTE 2.1 INTRODUÇÃO Os povos indígenas que aqui se encontravam anteriormente a chegada dos europeus e que lutaram para manter seu território e sua existência gozam, hoje, de privilégios aos olhos de grande parte da população brasileira e não de direitos. Direitos estes conquistados historicamente e à custa de muita luta e pouco reconhecimento. Neste capítulo, portanto, entenderemos melhor o caminho historicamente percorrido para a aquisição dos direitos pelos povos indígenas, respaldado, atualmente, pela Constituição Federal de 1988, carta maior do país. 2.1.1 Primitivismo e romantismo Para começar, vamos dar continuidade a uma análise iniciada no capítulo anterior acerca de alguns estereótipos que se incorporaram à imagem do índio desde o período colonial. No século XIX, passaram a circular na Europa imagens dos povos indígenas criadas por viajantes (dentre as quais podemos citar Spix e Martius, Rugendas, Debret dentre outros) que integravam missões científicas na América. Essas missões científicas tinham como intuito observar, descrever e ilustrar as viagens de modo a registrar a natureza local do território. Esses relatos, por sua vez, contribuíram para divulgar informações acerca do continente para o público leigo e ainda serviu como fonte de pesquisa para muitos cientistas de então. A partir dessas observações, os índios acabaram sendo enquadrados em “estágios de desenvolvimento” correspondentes à ideia evolucionista que se impunha no século XIX. Nesse ínterim, as discussões acerca das raças e a classificação dos grupos em termos hierárquicos e evolutivos ganharam maiores contornos e consequências. Algumas sociedades, nesse discurso, acabaram sendo alocadas no início do processo evolutivo. Por não conceberem a ideia de Estado centralizado tal como a Europa (que se tinha como modelo ideal), elas foram concebidas como sociedade “primitivas”. UNIDADE 26 Nessa vertente, alguns cientistas como Carl von Martius e Francisco Adolfo Varnhagen postularam a decadência dos povos da América. Varnhagen, ao se fundamentar em uma posição etnocêntrica, chegara a defender as guerras como forma de controlar os “vícios” indígenas, que, na sua concepção, seriam proveniente do nomadismo. Para ele, somente o sedentarismo poderia promover a civilização (OLIVEIRA; FREIRE, 2006). Na contramão dessa visão, contudo, outras também surgiram no período. Políticos como José Bonifácio de Andrada e Silva, por exemplo, entraram em defesa da humanidade dos povos nativos influenciando, inclusive, a legislação indigenista do Brasil Imperial. Apesar do índio, no seu cotidiano, ser discriminado pela população de maneira geral e pela legislação imperial, muitos dirigentes políticos apropriaram-se da imagem do “bom selvagem” difundida pela Romantismo europeu no século XVIII com filósofos iluministas como Jean-Jacques Rousseau. A ideia do “bom selvagem”, por sua vez, encontrará expressão máxima no “indianismo” literário brasileiro. Na literatura brasileira, romancistas como José de Alencar (1829-1877) e Gonçalves Ledo (1823-1864) irão construir obras baseadas no imaginário romântico sobre os índios, distanciado da realidade. A natureza será valorizada pela sua intocabilidade e o índio eleito o herói nacional, nativo brasileiro legítimo que lutou No século XIX, circularam teorias que buscavam classificar os seres humanos. O darwinismo social (uma releitura da teoria de Charles Darwin) considerava, por exemplo, que os seres humanos eram desiguais por natureza e, portanto, alguns seriam superiores e outros inferiores. Nesse mesmo contexto, o racismo científico se funda dividindo os seres humanos em raças superiores (arianos) e inferiores (judeus, negros, indígenas, etc.). Para compreender melhor acerca dessas (e outras) teorias sociais que contribuíram para a circulação do conceito de raça e classificação dos seres humanos em escala evolutiva, leia: https://bit.ly/3goWzhr. Acesso em: 02 out. 2020. Vídeo explicando o que é Etnocentrismo: Acesso em: 02 out. 2020. 27 heroicamente contra os colonizadores (OLIVEIRA; FREIRE, 2006). 2.2 SOB A TUTELA DO ESTADO Tendo em vista todo esse repertório das teorias darwinistas que se criou acerca dos povos nativos, passou-se a instituir uma nova forma, política e social, de se lidar com os povos indígenas. O Código Civil de 1916, nesse sentido, vai instituir oficialmente o regime de tutela a partir do Estado (como estudado no capítulo anterior, a tutela ficava à cargo dos juízes de órfãos). No Código em questão fica expresso a intenção do Estado em promover a incorporação dos povos nativos à sociedade comum. A tutela, nesse sentido, se tornou um instrumento da missão civilizadora. Assim sendo, até que fossem civilizados e inseridos na sociedade, deveriam ser protegidos, conforme Oliveira (2001, p. 224): As terras ocupadas por indígenas, bem como o seu próprio ritmo de vida, as formas admitidas de sociabilidade, os mecanismos de representac ̧ão política e as suas relac ̧ões com os não-índios passam a ser administradas por funcionários estatais; estabelece-se um regime tutelar do que resulta o reconhecimento pelos próprios sujeitos de uma ‘indianidade’ genérica, condic ̧ão que passam a partilhar com outros índios, igualmente objeto da mesma relac ̧ão tutelar. De acordo com o Código Civil, até que fossem totalmente incorporados à sociedade, os povos indígenas ficavam sob os desígnios do Serviço de Proteção ao Índio (SPI). O SPI, criado em 1910, surgira como a primeira agência leiga do Estado brasileiro destinada à gerenciar os povos indígenas. Interessante observar que apesar de anunciarem uma proposta mais laica, na prática se assemelhou muito à administração colonial gerida pelas missões jesuítas. Assim, apesar de propor a proteção da cultura indígena, agia na prática transferindo índios, liberando territórios para ocupação e reprimindo práticas tradicionais o que foi chamado pelo antropólogo João Pacheco Oliveira de “paradoxo da tutela” (1987). Tanto o Código quanto o SPI, por sua vez, partiam de uma noção genérica de índio e não Para compreender mais sobre a construção da imagem doíndio na literatura, leia o artigo: https://bit.ly/2QqVeMO. Acesso em: 02 out. 2020. 28 davam conta da diversidade dos povos nativos brasileiros. Vale ressaltar que muito das técnicas de aproximação adotadas pela SPI e pelos órgãos seguintes basearam-se nas condutas da Comissão do Marechal Rondon (1865-1958) que, inclusive, foi o primeiro presidente do órgão. Sua prática indigenista originou-se de sua atuação na Comissão de Linhas Telegráficas (1907-1915), na qual pode experimentar diversas técnicas de aproximação com os povos indígenas. Na sequência, já no período do Estado Novo (1935-1945), foi criado o Conselho Nacional de Proteção Indígena (CNPI) ainda sob a gerência e fama do General Rondon, mas que contava a atuação de antropólogos importantes como Heloísa Alberto Torres e Darcy Ribeiro. A participação dos cientistas sociais buscava levar às ações do SPI premissas antropológicas da época. As discussões propostas traziam debates internacionais realizados pela Organização das Nações Unidas (ONU) que, em 1977, havia promulgado a Organização Internacional do Trabalho (OIT) dispondo sobre a proteção e integração das populações indígenas do mundo. Foi também no âmbito desse Conselho que foram gestados os planos para uma nova política indigenista que superasse os impasses do SPI. Essa política seria, então, uma tópica da Fundação Nacional do Índio (FUNAI) a partir de 1968. Na década de 1960, escândalos de corrupção, ineficiência administrativa e acusações de genocídio acabaram levando o SPI e CNPI à extinção. Assim, para continuar o programa de tutela foi, então, criada a FUNAI, que assim como o órgão anterior, contava com recursos escassos. A maior parte do corpo de funcionários do SPI foi transferido para a FUNAI, o que contribuiu para que a FUNAI continuasse muitas das práticas já desenvolvidas pelo SPI, inclusive, as indesejadas e altamente criticadas como o clientelismo, paternalismo, dentre outras. Durante a Ditadura Militar, inclusive, a ação da FUNAI foi fortemente marcada pela perspectiva assimilacionista, dado o interesse do regime em Acesso em: 02 out. 2020. Acesso em: 02 out. 2020. Acesso em: 02 out. 2020. Acesso em: 02 out. 2020. 29 promover a expansão pelo interior do país, em especial, pela região amazônica. E durante boa parte da sua existência, a FUNAI foi criticada especialmente pela ineficiência. A FUNAI também se viu envolta por polêmicas relativas a alta mortandade indígena, especialmente dos povos mais “isolados”. A tragédia dos Kren Akarore ou Krenakore (1974) é um caso emblemático, no qual mais da metade dos índios morreu em decorrência dos primeiros contatos. Em 2000, eles inclusive ganharam nos tribunais, contra a União e a FUNAI, uma ação indenizatória pelos danos materiais e morais causados. Em 2009, a FUNAI foi reformulada por um decreto do então Presidente Luiz Inácio “Lula” da Silva, no que se propôs oferecer maior capacidade de atuação técnica. Buscou-se regionalizar mais a administração e capacitar seus técnicos para estabelecer ações participativas em parceria com os índios. Contudo, diversos grupos indígenas constantemente reascendem debates chamando a atenção para a importância da sua participação nas tomadas de decisão do poder Executivo mesmo em relação ao órgão. 2.3 QUESTÃO DAS TERRAS INDÍGENAS Apesar de muito se debater acerca das “terras indígenas”, o termo jurídico em si é desconhecido entre a maior parte da população brasileira. Os debates acalorados do senso comum atualmente ignoram os significados históricos que carrega e não contribuem para uma solução dos conflitos gerados em torno das demandas por reconhecimento e demarcação de terras. Terras indígenas, nesse sentido, é um conceito jurídico brasileiro com origem na definição de direitos territoriais indígenas. Estes direitos, por sua vez, foram reconhecidos, conforme ressalta a antropóloga Manuela Carneiro da Cunha, ao longo da história pelo Estado brasileiro por meio de diversos dispositivos legais, ao mesmo tempo que se busca burlar ilegalmente tais reconhecimentos. 30 Voltemos no tempo, em 1609, a Carta Régia já garantia os direitos indígenas às suas terras. Contudo, poderosos mecanismos desenvolveram-se para burlar tal demanda. Um importante instrumento utilizado foi o discurso negando a identidade ao índio. Ora, se não há índio, não há porque resguarda-lhes direitos, não é mesmo? As imagens negativas aqui analisadas, nesse sentido, de povos preguiçosos, primitivos, viciosos, violentos que permeou o imaginário acerca dos povos indígena foi um importante instrumento para negar-lhes uma identidade e garantir os direitos. No período imperial, mais precisamente no século XIX, o interesse pela questão de terras aumentou consideravelmente especialmente pelo interesse do então Império em expandir suas fronteiras. As políticas, nesse sentido, vão se estabelecendo no sentido de restringir o acesso à propriedade fundiária e converter os povos indígenas em assalariados. Sim, a política de terras não necessariamente é independente de uma política de trabalho (CUNHA, 2012). Já existia, em contrapartida, claramente expresso o reconhecimento da primazia dos índios sobres suas terras. Assim, na própria Lei de Terras de 1850 fica claro que as terras dos O significado da terra para as culturas indígenas é complexo e diverso. Além disso, a cultura indígena não é o “lugar de fala” da autora desse material para que a apre- sentação seja completa. Portanto, para compreender melhor os significados culturais em questão, se torna muito importante compreendê-los pela ótica dos próprios agen- tes culturais, no caso, os povos indígenas. Sendo assim, para compreender a impor- tância da terra veja o relato do Povo Baniwa e Koripako (lembrando que há aqui uma seleção do grupo apresentado, podendo, dessa forma, haver distinção quando comparado com outras etnias): https://bit.ly/3aVcWBt. Acesso em: 02 out. 2020. Lugar de falar é um conceito bastante importante nos debates acerca das minorias sociais. Basicamente, refere-se a autoridade que pessoa possui para falar sobre algo enquanto pertencente a um grupo minoritário (minorias não em termos numéricos, mas por estarem em desvantagem social, cultural, política, religiosa, etc.), seja ele ét- nico, de gênero, religioso, político e etc. Apesar de pessoas diferentes da realidade social estudas poderem analisar e teorizar sobre situações sociais de grupo do qual não pertence, quem possui argumentos de autoridade sobre essas situações são os grupos que possuem a experiência. Para compreender melhor, veja o vídeo da filóso- fa Djalma Ribeiro: https://bit.ly/3aZuwEw. Acesso em: 02 out. 2020. 31 índios não poderiam ser devolutas, uma vez que o título dos índios sobres suas terras era um título originário, ou seja, decorre do simples fato de serem índios. A Lei de Terras também dispunha sobre as terras de aldeias extintas que, a rigor, deveriam ser dadas em plena propriedade aos índios. Contudo, esse entendimento será rapidamente esquecido e acabaram sendo distribuídos, quando muito, lotes aos índios. Tal situação será, por sua vez, ratificada na Constituição de 1891 já no período republicano. As terras das aldeias indígenas extintas poderiam, enfim, ser devolutas e o processo de espoliação torna-se mais transparente. No Brasil independente, desde a Constituição de 1934, todas as demais leis a seguiram no tema tratado, assegurando um direito dos povos indígenas à terra, mas não garantia a inalienabilidade da mesma – o que favorecia, na prática, diversas manobras para tentar favorecer terceiros. Contudo, mesmo assim havia ressalvas. Nas Constituições de 1934, 1937 e 1946, por exemplo, garantia-se aos povos silvícolaso seu direito às terras que nela habitarem de maneira permanente. Entretanto, por viverem da agricultura, caça e pesca, muitos grupos circulavam pelo território de modo a buscar a melhor região para se estabelecer em dada época, essa necessidade de deslocamento foi utilizada, por sua vez, para destituir os índios de qualquer relação com a terra. O argumento, então, foi: se eles não se apegavam ao território, não haveria a necessidade de possuí-lo. Foi somente com a Constituição de 1967 que foi garantido a posse e o usufruto exclusivo das riquezas e a inalienabilidade das terras, dando algumas bases para a construção do conceito jurídico acima ressaltado, o de “terra indígena”. (CAVALCANTE, 2016). O conceito de “terra indígena” irá, por sua vez, aparecer pela primeira no Estatuto do Índio de 1973. Vale ressaltar, contudo, que apesar disso, o Estado brasileiro como um todo reconhecia somente àquelas terras já demarcadas pelo aparato estatal (as reservas indígenas) e ignorou os artigos constitucionais. 32 Foi somente com a Constituição de 1988, vigente hoje no Brasil, que irá se romper com a tradição assimilacionista trazendo mudanças fundamentais no ordenamento jurídico no que diz respeito ao conceito de índio e à posse de suas terras. Para começar, a Constituição Cidadã como é conhecida rompe com a herança tutelar estudada anteriormente mudando o status do índio, permitindo que individualmente ou através de suas organizações ingressem em juízo para defender direitos e interesses. No que tange o conceito de “terra indígena”, ele foi consideravelmente ampliado. No texto da Constituição se entende que terras indígenas se referem à toda terra necessária para a reprodução física, cultural e social do povo. Dessa forma, ao se realizar a identificada e a delimitação de uma terra indígena, o grupo técnico não deve se limitar a levantar os espaços para a habitação e reprodução econômica de um povo, mas também incluir a importância do local para sua cultura, religião e organização social. (CAVALCANTE, 2016, p. 23). A partir desse entendimento, não se fala mais em criação de terras indígenas, apenas de reconhecimento por parte da União da sua existência e demarcação. No Estatuto do Índio já três tipos de “terras indígenas”: 1) terras ocupadas ou habitadas por silvícolas (sem necessidade de demarcação e/ou reconhecimento prévio pelo Estado) 2) áreas reservadas (as chamadas reservas indígenas criadas e demarcadas pelo Esta- do) 3) terras de domínio das comunidades indígenas ou de silvícolas (CAVALCANTE, 2016) No artigo “No Brasil, todo mundo é índio, exceto quem não é” o antropólogo brasileiro Eduardo Viveiros de Casto analisa uma das principais questões levantadas acerca da identidade indígena: quem é índio? Disponível em: https://bit.ly/3hvyYNn. Acesso em: 03 out. 2020. Tendo em vista a principal temática do artigo, como o antropólogo entende a identidade indígena? 33 A demarcação de terras, entretanto, continua a ser extremamente importante, pois sem ela dificilmente os povos indígenas conseguiriam ter a plena posse de suas terras. Ainda se verificam, por exemplo, inúmeras dificuldades para a instalação de serviços públicos em áreas não homologadas como terras indígenas, deixando os povos indígenas sem a proteção do Estado (ou seja, sem acesso a saúde pública, educação, obras públicas, dentre outros). Além disso, o agronegócio e empresas de mineração tentam barrar os processos de demarcação de novas terras indígenas (especialmente diminuindo o poder da Funai). A maior parte das terras indígenas encontra-se na chamada Amazônia Legal (área de nove estados brasileiros – Acre, Amapá, Amazonas, Mato Grosso, Pará, Rondônia, Roraima e Tocantins - pertencentes à bacia Amazônica). Acesse o mapa com a localização e extensão das terras indígenas produzido pela ISA Disponível em: https://bit.ly/3koXGje. Acesso em: 03 out. 2020. 34 FIXANDO CONTEÚDO 1. (FUNAI – Indigenista) A demarcação de uma terra indígena é determinada a) pelo fato de serem terras utilizadas para suas atividade produtivas, e para os interesses de empresas que pretendem desenvolver economicamente as terras para o benefício dos índios. b) pelas 19 condicionantes do Supremo Tribunal Federal para a Terra Indígena Raposa Serra do Sol, no estado de Roraima, em 2009, que servem como uma orientação geral. c) pela tese do “marco temporal”, apresentada pelo Supremo Tribunal Federal, que sustenta que os indígenas só teriam direito às terras efetivamente ocupadas em 5 de outubro de 1988, na data da promulgação da Constituição. d) pelo fato de serem terras tradicionalmente ocupadas pelos índios, as por eles habitadas em caráter permanente, as utilizadas para suas atividades produtivas, as imprescindíveis à preservação dos recursos ambientais necessários a seu bem- estar e as necessárias à sua reprodução física e cultural, segundo seus usos, costumes e tradições. e) por uma negociação entre o Estado representado pela Fundação Nacional do Índio, as empresas que pretendem desenvolver projetos de desenvolvimento nas terras dos índios pagando indenizações e royalties aos indígenas e a anuência das comunidades indígenas. 2. (ENADE) Os atuais índios do estado de São Paulo não representam um elemento de trabalho e de progresso. Como também nos outros estados do Brasil, não se pode esperar trabalho sério e continuado dos índios civilizados e como os Caingangs selvagens são um empecilho para a colonização das regiões do sertão que habitam, parece que não há outro meio, de que se possa lançar mão, senão o seu extermínio. IHERING, H. A anthropologia do estado de São Paulo. Revista do Museu Paulista, VII. São Paulo: Typ. Cardozo, Filho & Cia, 1907. Opinião como essa, expressa em 1907, por um importante cientista teuto- brasileiro, inspirava-se, segundo Darcy Ribeiro, em uma atitude secular presente em qualquer área onde sobrevivam grupos indígenas no Brasil. 35 Sobre a reação a essa “atitude secular”, no início do século XX, avalie as afirmações a seguir. I. Desenvolveu-se um ideal catequizador, responsável pelo aldeamento dos indígenas e pela entrada em cena do evangelismo protestante, bem como uma preocupação oficial com a saúde e proteção material das propriedades dos indígenas. II. Organizou-se o aldeamento dos indígenas em reservas criadas com a finalidade precípua de preservar a cultura das diversas etnias e possibilitar o aumento da população indígena, a fim de que esses povos conseguissem competir em igualdade com os imigrantes europeus. III. Surgiu uma ideologia inspirada no positivismo, caracterizada pela assistência leiga e pela crença de que bastava o Estado proteger os indígenas de ataques externos e assisti-los socialmente para que progredissem rumo à civilização. IV. Criaram-se instituições de proteção e defesa dos indígenas, destacando-se o Serviço de Proteção aos Índios (SPI), criado em 1910 a partir de ações oficiais lideradas pelo Marechal Cândido Rondon. É correto apenas o que se afirma em a) I e II. b) I e IV. c) III e IV. d) I, II e III. e) II, III e IV. 3. (Professor/ Prefeitura de São Luis – MA) Canção do Tamoio 36 (Natalícia) I Não chores, meu filho; Não chores, que a vida É luta renhida: Viver é lutar. A vida é combate, Que os fracos abate, Que os fortes, os bravos Só pode exaltar. Um dia vivemos! O homem que é forte Não teme da morte; Só teme fugir; No arco que entesa Tem certa uma presa, Quer seja tapuia, Condor ou tapir. O forte, o cobarde Seus feitos inveja De o ver na peleja Garboso e feroz; E os tímidosvelhos Nos graves concelhos, Curvadas as frontes, Escutam-lhe a voz! Domina, se vive; Se morre, descansa Dos seus na lembrança, Na voz do porvir. Não cures da vida! Sê bravo, sê forte! Não fujas da morte, Que a morte há de vir! E pois que és meu filho, Meus brios reveste; Tamoio nasceste, Valente serás. Sê duro guerreiro, Robusto, fragueiro, Brasão dos tamoios Na guerra e na paz. Teu grito de guerra Retumbe aos ouvidos D'imigos transidos Por vil comoção; E tremam d'ouvi-lo Pior que o sibilo Das setas ligeiras, Pior que o trovão. E a mão nessas tabas, Querendo calados Os filhos criados Na lei do terror; Teu nome lhes diga, Que a gente inimiga Talvez não escute Sem pranto, sem dor! Porém se a fortuna, Traindo teus passos, Te arroja nos laços Do inimigo falaz! Na última hora Teus feitos memora, Tranqüilo nos gestos, Impávido, audaz. E cai como o tronco Do raio tocado, Partido, rojado Por larga extensão; Assim morre o forte! No passo da morte Triunfa, conquista Mais alto brasão. As armas ensaia, Penetra na vida: Pesada ou querida, Viver é lutar. Se o duro combate Os fracos abate, Aos fortes, aos bravos, Só pode exaltar. Gonçalves Dias. Canção do Tamoio. Internet: <www.dominiopublico.gov.br> (com adaptações). Na Canção do Tamoio, de Gonçalves Dias, apresenta-se o perfil literário do indígena construído pela poesia romântica com forte motivação nacionalista. Nessa fase da poesia romântica, o índio foi escolhido como o símbolo ideal do nacionalismo porque a) o negro e o português, vindos de outros continentes, não mantinham com as terras brasileiras o mesmo vínculo de identidade que os indígenas. b) a influência dos indígenas na formação da cultura nacional foi muito mais significativa que a exercida pelo negro e pelo branco colonizador. c) o negro e o português estavam mais distantes da realidade social imediata que o indígena, bem mais presente no cotidiano da vida nacional. 37 d) os indígenas, ao contrário dos negros, se adaptaram com maior facilidade aos costumes impostos pelo branco colonizador. e) os indígenas estiveram fortemente engajados na luta pela independência do Brasil, diferentemente do negro e do branco colonizador. 4. (USP) O índio, em alguns romances de José de Alencar, como Iracema e Ubirajara, é a) retratado com objetividade, numa perspectiva rigorosa e científica. b) idealizado sobre o pano de fundo da natureza, da qual é o herói épico. c) pretexto episódico para descrição da natureza. d) visto com o desprezo do branco preconceituoso, que o considera inferior. e) representado como um primitivo feroz e de maus instintos. 5. (UFRR adaptado) O processo de demarcação de terras indígenas no Estado brasileiro é marcado por lutas, conflitos e mortes. Nos territórios indígenas, a compreensão sobre a utilização dos recursos da terra, para os diversos povos indígenas, inclusive, em Roraima, não é a mesma, que predomina no sistema capitalista atual. Isso se comprova na fala do líder Xucuru, assassinado em 1998, no agreste pernambucano. "A gente tem a terra como nossa mãe. Então, se ela é nossa mãe, é ela quem nos dá todo fruto de sobrevivência, e deve ser zelada e preservada, a partir das pedras, das águas e das matas”. Fonte: (CIMI, Revista Coleção Fraternidade viva N.° 08. São Paulo, 2001. Pág. 21. In.: VIEIRA, J. G. Missionários, fazendeiros e índios em Roraima: a disputa pela terra – 1777 a 1980. Boa Vista: Editora UFRR, 2007). Com base nessas informações, analise as assertivas a seguir: I. Para os povos indígenas, a terra é seu território, espaço necessário e essencial à vida. Ou seja, isso significa que a terra vai além da própria vida, a memória dos seus antepassados, como também o futuro da sua gente. II. Ao afirmar que a “terra é nossa mãe”, o líder Xucuru entende que a terra é uma fonte de vida e não de capital financeiro. III. Se a terra, para o Líder Xucuru, “é sua mãe”, então, ela deve ser preservada 38 como fonte de vida para as diversas populações indígenas que se utilizarão delas futuramente. IV. O líder Xucuru atribui valor de preservação para as pedras, águas, matas, que estão em sua terra, entretanto, o que preocupa e interessa ao indígena, é o valor monetário da terra para sua comunidade. V. O índio Xurucu, ao explicar o significado do uso da terra, este demonstra que a sobrevivência do seu povo não depende da terra, mas a considerada um ente sagrado e importante. Estão corretas a) III e V, apenas. b) I, II e III. c) I e II, apenas. d) I, II, IV. e) I, III e V. 39 DIREITOS INDÍGENAS E A CONSTITUIÇÃO DE 1988 3.1 INTRODUÇÃO A Constituição de 1988 trouxe uma série de direitos indígenas reconhecendo a sua diversidade e importância para a formação identitária e cultural do Brasil. Sua promulgação foi um marco e contribuiu para organização de movimentos, de novas abordagens e novas demandas por políticas públicas específicas para as comunidades indígenas. Contudo, apesar de todos os avanços, ainda vemos resquícios das velhas políticas imperando na prática. Nesse capítulo, veremos mais sobre esses avanços e dificuldades que ainda vivenciam as comunidades indígenas. 3.2 MOVIMENTO E RESISTÊNCIA INDÍGENA Como vimos no capítulo anterior, o direito indígena à terra foi reconhecido pela Constituição de 1988 como um direito originário, ou seja, anterior ao próprio processo de formação do Estado brasileiro. Contudo, mesmo após a promulgação da Constituição, esse direito vive constantemente sob ameaça dos interesses do agronegócio, do garimpo, da grilagem e madeireiros. Ameaças estas muitas vezes desembocadas em grandes e violentos conflitos em decorrência da carência de políticas destinadas à efetiva demarcação e fiscalização das terras. Para dificultar ainda mais o processo já lento de demarcação, muitos projetos de emendas constitucionais (PEC) e normas federais foram elaboradas. Dentre vários, podemos citar a tentativa de flexibilização do Código Florestal, que delimita as áreas que devem ser preservadas e quais podem receber diferentes tipos de produção rural. Após a votação do código, parlamentares ligados à bancada ruralista (vinculados diretamente aos interesses de latifundiários, empresas e confederações do agronegócio), tem preparado projetos de lei que buscam extinguir direitos adquiridos e dificultar o processo de reconhecimento das terras indígenas – uma vez que o reconhecimento impossibilita a exploração da área para fins econômicos particulares. UNIDADE 40 Diante desse cenário histórico de exploração e espoliação, os povos indígenas foram se organizando de modo a assumir cada vez mais novos espaços, além daqueles tradicionais. A partir da década de 1970 é possível encontrar associações e organizações indígenas em várias regiões brasileiras por influência da atuação do Conselho Indigenista Missionário que promoveu assembleias indígenas, onde se desenhou os primeiros contornos da luta. A partir delas, as lideranças passaram a lidar com o mundo institucional nacional e internacional tratando das suas demandas territoriais, assistenciais e comerciais. Na década seguinte, por sua vez, é eleito o primeiro deputado indígena e na sequência os indígenas passaram a fazer-se presente no Congresso Nacional e na política de maneira geral. Os povos indígenas, inclusive, se fizeram muito presente na Assembleia Constituinte de 1987- 1988 com a finalidade de levantar suas demandas para que fossem incorporadas na Constituição de 1988. A unificação do movimento indígena se deu em 2002 com a criação da APIB (Articulação dos Povos Indígenas do Brasil) que tem importantes representantescomo a Sônia Guajajara do povo Guajajara do Maranhão. Sônia é muito conhecida por sua atividade em prol das demandas indígenas, tendo atuado em eventos internacionais como Conferência do Clima em Paris e no Conselho dos Direitos Humanos da ONU. Nas eleições de 2018, ela chegou, inclusive, a concorrer A Amazônia é um solo com um número quase incalculável de riquezas minerais e naturais. Uma dessas riquezas é o ouro. Sobre o garimpo na Amazônia e com este afeta as comunidades indígenas, sugerimos as seguintes materiais: “Por dentro de um garimpo ilegal na Amazônia” é uma matéria da National Geographic que trata um pouco mais a fundo o garimpo ilegal na Amazônia. Disponivel em: https://bit.ly/3gwHr1w. Acesso em: 10 out. 2020. Leia também sobre a denúncia de invasão das terras dos Yanomami e Yekwana por garimpeiros em 2019 “Povos Yanomami e Ye’kwana se unem e exigem: ‘Fora, garimpo!’”. plublicada pela ISA. Disponível em: https://bit.ly/35oVOCK. Acesso em: 10 out. 2020. Assista o vídeo “Serra Pelada | A História de Um Massacre” e entenda um pouco mais sobre o caso mais emblemático do grampimpo nacional. Disponíve em: https://bit.ly/3lrWVaD. Acesso em: 10 out. 2020. 41 como vice-presidente do Brasil. Também sobre a visibilidade internacional das questões indígenas e da preservação da floresta podemos citar o Cacique Raoni. No âmbito acadêmico, os povos nativos têm ocupado cada vez mais espaços de modo a congregar forças e conhecimentos que possam retornar em qualidade para seus grupos de origens. Muitos indígenas têm buscado formações acadêmicas para atuarem na melhoria da saúde e educação, principalmente, de suas tribos. Além de se tornarem representantes e porta-vozes da cultura e luta do povo indígena, como é o caso de Cristine Takuá, Renata Machado Tupinambá, Daiara Tukano, Célia Xakriabá, Ailton Krenak dentre diversos outros. 3.3 POR UMA EDUCAÇÃO INDÍGENA Com a Constituição de 1988, entra em pauta diversas questões relacionados aos direitos indígenas, como direito a saúde e educação. Para fins didáticos e práticos, tendo em vista a especificidade do curso em questão, abordaremos a questão do direito indígena à escola e a processos educacionais diferenciados. Até então, o acesso dos nativos à escola se dava no modelo tradicional quando muito, cuja proposta educacional voltavam-se à integração e ao ensino monolíngue em português. Assim como a própria relação do Estado com os grupos indígenas, a educação tinha o propósito de integrá-los. Contudo, na passagem para a década de 1990, já sob a égide da Constituição, diversos grupos indígenas começaram a se organizar de modo a exigir uma reformulação desse modelo de modo a centrar-se em professores indígenas, valorizando as identidades indígenas bem como o ensino bilíngue. Nesse momento, irá formar-se as primeiras organizações de professores indígenas, haverá também o reconhecimento da educação alternativa, promulgação de leis e normas visando normatizar e reorganizar uma política específica para a educação escolar indígena (GRUPIONI, 2008). Em contraposic ̧ão a uma escola que se constituía pela imposic ̧ão do ensino da língua portuguesa, pelo acesso à cultura nacional e pela perspectiva da integrac ̧ão é que se molda um outro modelo de como deveria ser a nova escola indígena, caracterizada como uma escola comunitária (na qual a comunidade indígena deveria ter papel preponderante), diferenciada (das demais escolas brasileiras), específica (própria a cada grupo indígena onde fosse instalada), intercultural (no estabelecimento de um diálogo entre conhecimentos ditos universais e indígenas) e bilíngüe (com a 42 conseqüente valorizac ̧ão das línguas maternas e não só de acesso à língua nacional) (GRUPIONI, 2008, p. 37). Um dos principais princípios norteadores passou a ser o reconhecimento do direito indígena à educação. Dessa forma, o acesso à escola deveria ser tratado não como assistência e sim como um direito adquirido. A consequência dessa determinação retoma o mencionado anteriormente, passava-se a reconhecer a escola como um espaço que reforçasse a identidade étnica local. Do Estado, portanto, passou a ser exigido mecanismos garantidores desse direito. Também foi discutido a questão da laicidade desse ensino diferenciado. De maneira geral, a Constituição já reforçava o caráter laico que deveria ter a educação básica no país, contudo, o modelo de educação historicamente constituído especialmente no que tange às comunidades indígenas esteve associada ao proselitismo religioso. Lembrando que as populações indígenas possuem uma diversidade de crenças e religiões, a premissa se tornava fundamental para que a educação indígena não fosse encarada como catequese ou evangelização (GRUPIONI, 2008). Para efetivar todo esse processo por parte do governo, as políticas públicas de educação escolar indígena passaram a ser conduzidas no âmbito dos Ministérios da Educação e da Cultura que levando sempre em consideração a valorização e respeito à língua e à cultura indígena, bem como a formação de índios para a docência, na escola indígena. Dessa forma, efetivamente foi transferida da FUNAI para o MEC a coordenação das ações de educação indígena. Tal transferência contribuiu especialmente para a aceitação, por parte do Estado brasileiro, de uma nova ideologia quanto aos objetivos da educação a ser oferecida aos povos indígenas (GRUPIONI, 2008). A legitimação do MEC como operador das políticas públicas somada a articulação de um conjunto de atores (como professores indígenas, antropólogos, linguístas, educadores e indigenistas ligados à ONGs e universidades) que esforçaram-se por construir um novo papel para a escola indígena nos anos de 1990. Em 1993 foi criado o Comitê de Educação Escolar Indígena que ficou com a tarefa de elaborar uma política nacional de educação indígena. O documento oficializado teve efeito importante no rompimento com o modelo de educação que até então vinha sendo operacionalizado pelo Estado. Diversos seminários foram 43 promovidos para debater as estratégias que seriam implementadas visando o novo modelo de educação. Outro documento importante nesse processo, desenvolvido com base nos seminários, foi o Referencial Curricular Nacional para as Escolas Indígenas (RCNEI), lançado em 1998, cuja coordenação também ficara a cargo do Comitê. Dessa forma, a elaboração de documentos referenciais e de diretrizes constituiu uma importante atuação do MEC como coordenador do processos. Obviamente, a constituição de políticas públicas não se promove com documentos norteadores apenas, são necessários programas de investimentos de recursos públicos. O aumento de recursos financeiros para o apoio para a formação de professores indígenas, produção de materiais didáticos diferenciados foi visto ao longos dos anos. Contudo, não disponibilizaram recursos específicos ou suplementares para tanto, devendo os sistemas de ensino ficarem responsáveis pelas demandas, o que demonstra a baixa a institucionalidade dessas políticas públicas. Além disso, a prática de toda a discussão se demonstrou diferente das propostas apresentadas fazendo muitos questionarem se a nova escola diferenciada não seria apenas mais uma nova modelagem para a velha e conhecida escola civilizadora (GRUPIONI, 2008). Além disso, dada a diversidade brasileira, a realidade da educação indígena no Brasil é diversa e varia de região para região. No âmbito do ensino regular, em todo o país, a demanda por valorização e reconhecimento da diversidade indígena para a formação nacional que rompa com a visão romântica e primitiva anterior também foi uma das demandas de movimentos sociais indígenas seguindo na luta juntamente ao movimento negro. Com o intuito de reparar os danos
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