Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
HESPANHA, António M. “A Ordem”. In: Imbecillitas. As bem-aventuranças da inferioridade nas sociedades de Antigo Regime. São Paulo: Annablume, 2010. Cosmos. A ordem – uma categoria do político na época moderna: ● Em uma sociedade cristã, a narrativa da Criação possui um papel estruturante e inspirou a fundamentação das hierarquias sociais, sendo justificadas pois Deus não criou todos os animais iguais, colocando virtudes e diferenças entre eles. ● A filosofia grega e romana compartilha desse pensamento, para Aristóteles, as coisas continham uma inscrição própria que definiria o seu lugar no mundo e o seu desenvolvimento, assim, definindo seu papel político na sociedade. ● Entre a polêmica dos “realistas” com os “nominalistas”, o que os primeiros falam é que não há no mundo indivíduos isolados, mas que todos eles são ligados uns aos outros por um laço social do meio que vivem, como sujeitos políticos. ● “Honestidade, honra e verdade, palavras centrais na linguagem política e jurídica da época, remetiam para esta ideia corrente de que o comportamento justo era o que guardava a proporção, o equilíbrio, o modo (moderação) ou a verdade do mundo, das pessoas, das coisas” p. 28 – as aparências e comportamentos diante da sociedade, seguindo a ordem comum e natural do mundo era importantíssimo, assim, o nobre não deveria se comportar como plebeu se quisesse manter sua honra, a mulher deveria ser honesta, etc. ● Assim, a fim de manter a ordem das coisas, foram criados títulos e tratamentos, trajes específicos, hierarquia de lugares, etiqueta cortesã e outras características célebres do reino Ibérico. ● “Como as coisas deviam parecer o que eram, todo o intento de mascarar ou introduzir artificialismos na ordem do mundo era condenável” p. 28. – era condenada toda forma de falsidade como a falsificação de moedas, documentos e pedras preciosas, usar nomes ou títulos alheios, travestir-se de outro sexo, simular a gravidez ou inventar uma nova ordem de governo. “No Portugal nostálgico do início do século XVII, lamentavam-se ainda as novidades suspeitas das modas de corte importadas de Madrid, como os cabelos compridos dos homens ou a profusão de rendas nos seus trajos, ambas contrárias ao que se designava como ‘o estilo severo português antigo’, a capa e o chapeirão negros.” p. 29. ● “Como existe uma ordem entre as criaturas que cria dívidas recíprocas entre elas, pode dizer-se que as relações estabelecidas nessa ordem constituem deveres... É devido a cada coisa criada que se lhe atribua o que lhe foi ordenado... e assim Deus faz justiça quando dá a cada um o que lhe é devido segundo a razão de sua natureza e condição” p. 30. Consequências institucionais: ● “Esta pré-compreensão da sociedade como um todo ordenada de partes autônomas e desiguais constitui a moldura explicativa do modo de ser das estruturas institucionais modernas, tanto metropolitanas como coloniais.” p. 30. Fichamento galera da sala: ● Cosmos. A Ordem – uma categoria do político na era moderna. Ideia de ordem em uma sociedade cristã, Deus dando ordem às coisas – central na imaginação política e jurídica moderna ● Honestidade, honra e verdade – palavras centrais na linguagem política e jurídica. Honestidade é a ideia de que o comportamento justo era o que guardava a proporção, o equilíbrio; viver honestamente: aderir a ordem natural do mundo. ● As coisas deveriam parecer o que eram – artificialismos na ordem do mundo era condenável (qualquer forma de falsificação; reinventar uma nova ordem para o governo do mundo) – o governo ordinário deve constituir a norma, inovações devem ser usadas em último caso. ● Outro aspecto da ordem: estabelecer vínculos tão necessários entre as coisas que se pode dizer que os comportamentos equivalentes a estes vínculos se tornavam comportamentos exigidos por uma espécie de direito da natureza – como existe uma ordem recíproca entre as criaturas, elas criam deveres e a ordem institui um direito natural. Ordem e estado: ● Ideia de ordem na sociedade tradicional – mundo = reino da diversidade, conjunto de coisas infinitamente diferentes, hierarquizadas – a ordem consiste na desigualdade das coisas. ● Perfeição da criação – heterogeneidade e como ela traçava uma participação harmônica – a diversidade modelava a natureza de cada um, o modo de ser correspondente à sua função natural. ● Designação do “estado” – ideia de estabilidade, equilíbrio (lugar na ordem) Perfeição e diferença: ● Na ordem hierarquizada, a diferença não significava imperfeições, mas sim uma diferente inserção funcional – subordinação não representava menor dignidade, mas apenas um lugar específico na ordem do mundo. ● A diferença não deveria ser reduzida – constituía na desigualdade política – essa combinação entre a perfeição do homem e a existência de desigualdades e de hierarquias políticas criou um aparente paradoxo (Deus criou a desigualdade?) ● Ideia de que todos os seus se integram, com igual dignidade, na ordem divina, apesar das hierarquias existentes explica a especial relação entre humildade – dignidade, que domina o pensamento social e político da Europa. ● Humildade – humilde na posição subordinada, sua insignificância esconde uma dignidade, a discriminação no plano social vem com solicitude no espiritual. Diferença e hierarquia. Estados, pessoas e indivíduos: ● Criação – um corpo em que cada órgão tinha uma função hierarquizada de acordo com a sua importância para a subsistência do todo. – visão diferente da criação que legitima uma distinção das coisas e pessoas em termos de hierarquias e dignidade. ● As criaturas não eram apenas diferentes, mas também dignas de acordo com a dignidade do ofício que exerciam. ● Deus sendo o modelo de perfeição na Criação – modelo que não se refletia igualmente (mulheres) ● Plano do direito: diferenças traduzidas pelas noções de “estado” e “privilégio”, ou direito particular ● Ofícios sociais da sociedade tradicional europeia: milícia, religião e lavrança. ● Essa classificação dos ofícios podia ser mais diversificada e menos rígida, fórmula de representar a diversidade dos estatutos jurídicos e políticos das pessoas – nos diferentes planos de direito, se criam estatutos pessoais ou estados, correspondente aos grupos com um mesmo estatuto jurídico (privilégios) ● A noção do universo dos titulares de direitos como um universo de “estados” (status), leva à “personificação” dos estados. – multiplicidade de estados – a materialidade física e psicológica dos homens desaparece, o homem deixa de responder a uma estrutura física. ● Homem que não tenha estado não é pessoa, não tem status, logo, carece de personalidade (ex: escravos, vistos não como pessoa, mas como coisa) ● Sociedade de estados – característica do Antigo Regime; antecede a atual sociedade de indivíduos. Uma ordem universal de criaturas: ● Situações de privilégio existem tanto em relações a pessoas como coisas. ● O universo de titulares de direito não era um universo de pessoas, mas sim de “status’ ● Deus criou a ordem – unidade simbiótica – na qual uns dependem dos outros, e todos têm direitos e deveres em relação aos outros (de acordo com o status) ● Pessoas da política não eram constituídas de “indivíduos”, mas sim por status – dupla consequência ● Não permite distinção entre sujeitos (racional) e objetos de direito (não racional) – esse caráter de ordem universal e ideia de que tudo tem direito sobre tudo – compreensão da maneira medieval e moderna de ver o mundo e se comportar nele. ● Legitima várias situações frequentes na sociedade do Antigo Regime, em que direitos e obrigações acabam por caber a entidades que não eram homens (ex: Deus, santos e anjos, almas e animais) – até objetos inanimados podiam ser titulares de direitos.
Compartilhar