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BIOLOGIA CELULAR E GENÉTICA GRASIELA DIAS DE CAMPOS SEVERI-AGUIAR 1 UNIDADE 8 ORGANELAS CITOPLAMÁTICAS E MECANISMOS DE TRANSPORTE VOCÊ SABIA? Que existem doenças causadas pela disfunção de organelas citoplasmáticas, acarre- tando diversos problemas aos seus portadores? É o que acontece na doença de Tay- -Sachs. O portador da doença de Tay-Sachs apresenta uma mutação no gene HEXA, localizado no cromossomo 15. Esse gene codifica uma enzima chamada Hexosami- nidase-A (Hex-A), que fica dentro do lisossomo, organela responsável pela digestão intracelular, nesse caso, de uma substância lipídica chamada GM2-gangliosídio. Essa molécula existe normalmente em pequenas quantidades nos neurônios, porém, quando ela não é digerida pela falta de Hex-A, essa substância acumula nas células nervosas, provocando danos nessas células e culminando na sua morte. Um dos primeiros sintomas da doença, uma mancha vermelha-cereja no fundo do olho, foi descrita pelo oftalmologista Warren Tay em 1883 (Figura 1). Em 1887, o neurologista Bernard Sachs descreveu os sintomas neurológicos da doença, batizada com os seus próprios sobrenomes. A doença é caracterizada por deterioração progressiva cognitiva e motora, o que leva a convulsões, retardo mental, paralisia e morte do indivíduo. Recentemente, duas crianças receberam terapia gênica buscando minimizar os efeitos dessa doença. Por meio de vetores virais, foram entregues às células cerebrais instruções para que seu DNA produza a enzima Hex-A, diminuindo o acúmulo de GM2-gangliosídio. Há perspec- tivas de que essa metodologia melhore a qualidade de vida dos portadores de Tay-Sachs. Figura 01. Comparação entre a condição normal (acima) e alterada (abaixo) do gene HEXA Doença de Tay-Sachs Gene normal Nível normal de Hex-A Neurônios normais Retina do olho saudável Gene HEXA mutado Deficiência de Hex-A e acúmulo de GM2-gangliosídio Neurônios inchados com inclusões lamelares mostrando degradação neuronal Mancha vermelho-cereja na mácula ocular com estreitamento de vasos sanguíneos Fo nt e: w w w .m bt m ag .c om /b es t-p ra ct ic es /n ew s/ 22 05 60 63 /2 - ki ds -g et -fi rs t-g en e- th er ap y- fo r-t ay sa ch s- di se as e. https://www.mbtmag.com/best-practices/news/22056063/2-kids-get-first-gene-therapy-for-taysachs-disease https://www.mbtmag.com/best-practices/news/22056063/2-kids-get-first-gene-therapy-for-taysachs-disease 2 Biologia Celular e Genética U8 Organelas Citoplamáticas e Mecanismos de Transporte SA IB A M A IS Nessa unidade será possível entender o papel dos lisossomos, assim como de outras organelas envoltas por membrana, na manutenção do equilíbrio e da saúde da célula e dos organismos. SOBRE A DOENÇA DE TAY-SACHS... Acesse o link: www.youtube.com/watch?v=e-4bmTEBj2M. 1. ORGANELAS CITOPLASMÁTICAS E MECANISMOS DE TRANSPORTE Previamente, conhecemos a origem da vida no planeta e a origem das primeiras células, as procarióticas. Estudamos também que com o transcorrer do tempo geológico, algu- mas células se modificaram e passaram a apresentar o envoltório nuclear, característico das células eucarióticas. Compreendemos que estas últimas, apresentam um sistema de endomembranas que delimitam organelas intracelulares e que, inclusive, internalizaram pequenas células que acabaram dando origem às mitocôndrias e aos cloroplastos. O fato que iremos focar nesta unidade é que essas estruturas internas da célula, deli- mitadas por membrana, circunscrevem ambientes citoplasmáticos específicos, em que existem determinadas moléculas responsáveis por reações químicas específicas, que caracterizam microambientes funcionais no interior da célula. Nesses “nichos citoplas- máticos” acontecem atividades bioquímicas ou moleculares que permitem a síntese e a secreção de diferentes moléculas, a degradação de outras tantas e, ainda, a conversão de um tipo em outro. Podemos dizer que essas atividades acontecem em compar- timentos celulares (Figura 2) ou que a célula é compartimentalizada. Além disso, muitas moléculas são transportadas de um compartimento para outro por meio de vesí- culas envoltas por membrana. Dessa forma, são mantidos o trabalho e a homeostasia celular, garantindo que cada célula desempenhe a função necessária para que cada tecido, órgão e sistema trabalhe adequadamente. Entenderemos, então, a estrutura e a função desses compartimentos das células animais: dos retículos endoplasmáticos, do complexo de Golgi, das mitocôndrias, dos lisossomos e dos peroxissomos. https://www.youtube.com/watch?v=e-4bmTEBj2M U8 3Biologia Celular e Genética Organelas Citoplamáticas e Mecanismos de Transporte Figura 02. Compartimentos intracelulares da célula animal Fonte: Alberts et al. Biologia molecular da célula. Porto Alegre: Artmed, 2017. p. 642. 1.1. ORGANELAS MEMBRANOSAS: ESTRUTURA, COMPOSIÇÃO QUÍMICA E FUNÇÃO Serão elencados a seguir cada um dos compartimentos celulares da célula animal, apresentando uma visão geral da sua estrutura e suas principais funções. Retículo endoplasmático Como o próprio nome diz, o retículo endoplasmático é uma rede microscópica de tubos mui- to finos e sáculos achatados que ocupa grande parte do citoplasma da célula. Esses tubos e sáculos são delimitados por membrana lipoproteica e no seu interior há uma cavidade, chamada de luz ou lúmen, de constituição variável, dependendo da região funcional que representa. A membrana do retículo endoplasmático é contínua à membrana externa do envoltório nuclear, daí a proximidade que o retículo apresenta em relação ao núcleo. Essa rede pode apresentar regiões distintas dependendo de sua atividade metabólica. Quando uma determinada porção do retículo tem aderido à sua membrana ribosso- mos, porque naquele momento ele está realizando a síntese de proteínas, essa região é chamada de Retículo Endoplasmático Granular ou Rugoso (REG ou RER). Toda- via, quando a porção do retículo realiza outras funções, como veremos a seguir, que não a de síntese de proteínas, essa região é chamada de Retículo Endoplasmático Agranular ou Liso (REA ou REL) (Figura 3). Podemos observar aí a dinâmica celular, evidenciando que a estrutura da célula varia conforme a função desempenhada. Endossomo Lisossomo Citosol Peroxissomo Ribossomos livres Membrana plasmática Retículo endoplasmático com polirribossomos ligados à membrana Aparelho de Golgi Mitocôndria 15 µm Núcleo 4 Biologia Celular e Genética U8 Organelas Citoplamáticas e Mecanismos de Transporte Legenda: (RER acima em azul mais escuro e com os ribossomos aderidos, e REL abaixo, em azul mais claro). Porém, quando analisamos uma eletromicrografia, que ilustra um momento da vida da cé- lula, o que observamos é a célula como algo estático, paralisado (Figura 04). Por isso, no- tamos o RER e o REL como regiões estanques, determinadas. Interessante comentar aqui que na imagem que obtemos ao microscópio eletrônico em que observamos os RER com seus ribossomos, estes estão ligados aos RNAm, que não são identificados nesse grau de resolução microscópica, mas eles estão ali, com certeza, sendo traduzidos em proteínas. Figura 03. Ilustração do retículo endoplasmático rugoso (RER) e liso (REL) Fo nt e: 1 23 R F Figura 04. Eletromicrografia Fonte: Alberts et. al. Biologia molecular da célula. Porto Alegre: Artmed, 2017. p. 644. Além de ser sede da síntese proteica, o RER também é responsável pela adição de monossa- carídeos (pequenos açúcares) a estas proteínas, formando as glicoproteínas, componentes importantes na química celular. Células secretoras de proteínas, como as células glandulares, o hepatócito, os neurônios, apresentam grande quantidade de RER em seu citoplasma. Retículo endoplasmático rugoso Núcleo Mitocôndria Peroxissomo 5µm Lisossomos U8 5Biologia Celular e Genética Organelas Citoplamáticas e Mecanismos de Transporte Com relação ao retículo endoplasmático liso, suas principais funções estão relaciona- das com a síntese de lipídios,e com modificações químicas intracelulares de várias substâncias presentes nas células ou introduzidas nos organismos. Este mecanismo de alterações químicas é utilizado com frequência para destoxificar substâncias tóxicas introduzidas no organismo, como drogas e agroquímicos. No lúmen do REL ocorrem re- ações químicas que tornam essas moléculas solúveis, permitindo que sejam eliminadas pela urina, evitando, assim, efeitos nocivos aos organismos. Sendo assim, os hepató- citos, por exemplo, que têm a função de metabolizar os produtos oriundos da digestão, apresentam abundante REL. Além das funções de síntese e modificação de lipídios, e destoxificação, essa organela participa, junto com as mitocôndrias, da síntese de hor- mônios esteroides, possui a capacidade de armazenar íons Ca+2, sendo uma organela bastante desenvolvida em células musculares estriadas e participa do metabolismo de carboidratos, realizando por meio de suas enzimas a glicogenólise, degradando o glico- gênio e liberando monômeros (unidades) de glicose para serem utilizados como fonte de energia para as células, em especial os neurônios. Complexo ou Aparelho de Golgi ou complexo golgiense O complexo de Golgi (CG) apresenta o aspecto de uma série de vesículas achatadas e curvadas para dentro, chamadas de cisternas (Figura 05). Figura 05. Esquema ilustrativo do Complexo de Golgi (A) e uma eletromicrografia (B) mostrando as vesículas em suas faces cis e trans Rede cis de Golgi (CGN) Rede trans de Golgi (TGN) (A) (B) Envelope nuclear Vesícula secretora Vesícula de Golgi FACE trans FACE cis 1 µm Agrupamentos tubulares de vesículas RE rugoso Cisterna cis Cisterna média Cisterna trans Fonte: Alberts et al. 2017. Biologia molecular da célula. Porto Alegre: Artmed, 2017. p. 715. 6 Biologia Celular e Genética U8 Organelas Citoplamáticas e Mecanismos de Transporte O material glicoproteico sintetizado no RER é empacotado em microvesículas e levado ao complexo de Golgi, chegando a essa organela pela face Cis, ocorrendo a fusão de suas membranas, formando novas microvesículas. Por meio dessas microvesículas, o material vindo do RER vai passando, sucessivamente, pelos compartimentos do Golgi, nos quais ele vai sendo gradualmente modificado, sofrendo adição de resíduos de carboidratos (gli- cosilação), fosforilação e sulfatação gerando glicoproteínas que vão constituir, por exem- plo, o produto de secreção das glândulas, as enzimas lisossômicas, as glicoproteínas que farão parte da membrana plasmática, entre outras. Quando pronta, a vesícula contendo as glicoproteínas, é formada na face Trans do Golgi e liberada no citoplasma. A membrana tem um papel fundamental na formação e no trânsito das vesículas. No caso das vesículas que partem do RER e chegam ao CG, por exemplo, elas se formam por brotamento a partir do RER e se unem por fusão à membrana do CG (Figura 06). Figura 06. A membrana e os processos de brotamento e fusão de vesículas Moléculas-carga CITOSOL LÚMEN BROTAMENTO FUSÃO COMPARTIMENTO- ALVO COMPARTIMENTO- DOADOR Fonte: Alberts et al. Biologia molecular da célula. Porto Alegre: Artmed, 2017. p. 696. No complexo de Golgi os lipídios provenientes do REL também sofrem modificações para que possam desempenhar corretamente suas funções. 1.2. VIA BIOSSINTÉTICA SECRETORA Muitas células do nosso corpo têm atividade secretora. Elas sintetizam (produzem) mo- léculas que são liberadas numa cavidade ou no sangue. Daí o nome de secretoras. É o caso das células glandulares de várias regiões do organismo, dos neurônios, entre outras. Para que uma proteína sintetizada pela célula seja exportada ou secretada, é preciso que haja uma via metabólica conhecida como via biossintética secretora. Nessa via, a proteína é obrigatoriamente fabricada no RER, passa pelo complexo de Golgi e, depois é colocada em vesículas que atravessarão o citoplasma e que sofre- rão exocitose. Se a proteína for sintetizada pelos polissomos livres no citoplasma, ela poderá ficar no próprio citoplasma da célula e, nesse caso, tornar-se uma proteína de citoesqueleto, por exemplo, não passando pela via secretora. Nessa via, então, tanto o RER como o CG são primordiais para o destino correto da proteína. U8 7Biologia Celular e Genética Organelas Citoplamáticas e Mecanismos de Transporte Assim que o RNAm é transcrito e sai do núcleo, tem início a tradução no citoplasma. Se a cadeia polipeptídica nascente apresentar uma sequência sinal de endereçamento ao RE (sequência específica de aminoácidos), ela deve ser endereçada para essa organe- la. Para que isso ocorra, uma partícula de reconhecimento do sinal, proteica, reconhece a sequência de aminoácidos da cadeia polipeptídica nascente, se liga à essa sequência e ao ribossomo, bloqueia temporiamente a síntese e direciona esse complexo para a membrana do RE, onde ocorrerá a ligação do ribossomo a um receptor (proteína de membrana) e formação de um translocador (um poro) que permitirá que a síntese da cadeia polipeptídica seja direcionada para o lúmen da organela (Figura 07). Figura 07. Direcionamento do RNAm para o REG Fonte: Alberts et al. Biologia molecular da célula. Porto Alegre: Artmed, 2017. p. 673. Algumas proteínas que são endereçadas ao RER farão parte da membrana, forman- do as proteínas intrínsecas da membrana. Veja o vídeo a seguir para conhecer como isso ocorre. Outras, no entanto, são modificadas e direcionadas ao complexo de Golgi. Logo, no complexo de Golgi chegam vesículas provenientes do RE, que se fundem e formam a rede Cis do Golgi. Dessa região brotam vesículas contendo moléculas que percorrem as cisternas Cis, Médias e Trans do Golgi, onde sofrem modificações e de- pendendo da modificação sofrida e do tipo de molécula, esta terá um destino específico. A partir da rede Trans Golgi as vesículas seguem sendo endereçadas para a membrana plasmática, para sofrerem exocitose ou são direcionadas para endossomos tardios que sofrerão maturação e darão origem aos lisossomos (Figura 08). Subunidades ribossômicas livres Peptídeo-sinal clivado 3′ 5′ Sequência-sinal da cadeia peptídica crescente Cadeia polipeptídica madura Translocador fechado CLIVAGEM DO PEPTÍDEO-SINAL Peptidase- sinal COOH NH2NH2 mRNA CITOSOL LÚMEN DO RE 8 Biologia Celular e Genética U8 Organelas Citoplamáticas e Mecanismos de Transporte SA IB A M A IS SA IB A M A IS SOBRE AS PROTEÍNAS SINTETIZADAS NO REG... Acesse o link: www.youtube.com/watch?v=Kkgt-TOF4pY. Figura 08. Trânsito de vesículas no interior da célula, seguindo a rota biossintética secretora e endocítica Fonte: Alberts et al. Biologia molecular da célula. Porto Alegre: Artmed, 2017. p. 696. RETÍCULO ENDOPLASMÁTICO GOLGI ENDOSSOMO TARDIO VESÍCULAS SECRETORAS LISOSSOMO ENDOSSOMO PRIMÁRIO ENDOSSOMO DE RECICAGEM EXTERIOR DA CÉLULA (A) (B) Membrana plasmática Cisternas Aparelho de Golgi Vesícula secretora Endossomo de reciclagem Endossomo primário Membrana plasmática Vesícula endocítica Endossomo tardio Lisossomo CITOSOL ESPAÇO EXTRACELULAR Envelope nuclear Retículo endoplasmático CITOSOL SOBRE O TRÂNSITO DE VESÍCULAS... Acesse o link: www.youtube.com/watch?v=N7WutbMim1E. Como mencionado, as vesículas que partem do CG podem ter vários destinos: a) po- dem conter glicoproteínas que serão exocitadas; b) podem conter glicoproteínas de membrana que serão incorporadas à membrana plasmática; c) podem ter proteínas que vão compor os lisossomos. Muitas vesículas também se formam para reciclar com- ponentes e manter o tamanho constante da membrana plasmática, após o evento de exocitose. Além disso, algumas moléculas residentes do RE necessitam ser resgatadas e trazidas de volta à essa organela quando eventualmente escapam do seu local de atuação. Esse transporte também é mediado por vesículas. As vesículas de secreção podem liberar o seu conteúdo por vias distintas. Em uma delas a secreção é denominada constitutiva, ou seja, tão logo a vesículaseja formada é transportada em direção à membrana onde sofre fusão e libera o seu conteúdo na membrana ou no meio extracelular. Um exemplo desse tipo de secreção é da albumina produzida pelos hepatócitos. A outra via de secreção, denominada regulada, depende de uma sinalização extracelular para que ocorra uma resposta intracelular que conduza https://www.youtube.com/watch?v=Kkgt-TOF4pY https://www.youtube.com/watch?v=N7WutbMim1E U8 9Biologia Celular e Genética Organelas Citoplamáticas e Mecanismos de Transporte SA IB A M A IS as vesículas de secreção que permanecem retidas no citoplasma a seguirem em direção à membrana plasmática e liberarem o seu conteúdo no meio extracelular. Um exemplo de secreção regulada é a liberação de insulina, pelas células ß do pâncreas, após a ingestão de uma dieta rica em carboidratos. A elevação da taxa de glicose na circulação é sinal para que as células ß do pâncreas liberem as vesículas contendo insulina (Figura 09). Figura 09. Eletromicrografia de uma célula acinosa do pâncreas Legenda: À esquerda, uma vesícula de secreção prestes a se fundir com a membrana e à direita, fusão de uma vesícula com a membrana plasmática e liberação do seu conteúdo. Fonte: Alberts et al. Biologia molecular da célula. Porto Alegre: Artmed, 2017. p. 744. (com modificação) 0,2 µm SOBRE A SECREÇÃO DE PROTEÍNAS... Acesse o link: www.youtube.com/watch?v=Tvmv3ZiNVW8. 1.3. SISTEMA ENDOSSÔMICO-LISOSSÔMICO Lisossomos São organelas arredondadas, envoltas por membrana, com conteúdo de aspecto muito variável. Os lisossomos contêm várias enzimas hidrolíticas, que foram sintetizadas no RER, glicosiladas e direcionadas ao complexo de Golgi, onde receberam uma “marca” que as direciona ao local de atuação, o lisossomo. A “marca” característica das hidrola- ses lisossomais é uma fosforilação no carbono 6 de um resíduo de manose. Logo, toda proteína que apresentar essa “marca”, manose-6-fosfato (M-6-P), será encaminhada, por meio de uma vesícula, a um endossomo tardio, que se transformará em um lisos- somo, capaz de realizar a atividade de degradação de substratos, ou seja, a digestão intracelular (Figura 10). https://www.youtube.com/watch?v=Tvmv3ZiNVW8 10 Biologia Celular e Genética U8 Organelas Citoplamáticas e Mecanismos de Transporte Fonte: Alberts et al. Biologia molecular da célula. Porto Alegre: Artmed, 2017. p. 723. As enzimas encontradas no interior dos lisossomos, as hidrolases, são responsáveis pela quebra de ligações químicas das moléculas, realizando, assim, a digestão intra- celular, em pH ácido. A célula se utiliza desse processo para digerir moléculas e micror- ganismos que entram na célula, assim como, para realizar a reciclagem de organelas que já não funcionam como deveriam. Eles também digerem moléculas que não devem ficar armazenadas na célula, como o GM2-gangliosídio citado no início dessa unidade, cujo acúmulo é responsável pelos sintomas da síndrome de Tay-Sachs. O processo de digestão intracelular foi bem estudado nas células macrófagos e neu- trófilos que se especializaram na digestão intracelular (Figura 11). No interior dessas células os lisossomos realizam a digestão do material captado pela célula, seja via endossomo ou fagossomo, como veremos a seguir, e o produto desta digestão, em eta- pa seguinte, difunde para o citoplasma. Quando um componente celular envelhece, e torna-se necessária sua substituição, como no caso de uma mitocôndria, este é envolto por membranas formando um autofagossomo que será direcionado ao lisossomo para ser digerido. Esse processo é conhecido como autofagia. Em ambos os casos, os pro- dutos da digestão nos lisossomos são reaproveitados para o metabolismo normal das células. Trata-se, portanto, de um processo de reciclagem desenvolvido pela natureza há milhões anos. Figura 10. Lisossomos e as enzimas em seu interior 0,2-0,5 µm CITOSOL pH~7,2 pH~5,0 HIDROLASES ÁCIDAS: Nucleases Proteases Glicosidades Lipases Fosfatases Sulfatases Fosfolipases Bomba de H+ H+ ATP ADP Pi U8 11Biologia Celular e Genética Organelas Citoplamáticas e Mecanismos de Transporte Fonte: Alberts et al. Biologia molecular da célula. Porto Alegre: Artmed, 2017. p. 725. As células internalizam moléculas e células em vesículas envoltas por membrana que se formam por um processo chamado de endocitose e liberam seus produtos para o meio externo por meio de exocitose (Figura 12). Figura 11. Vias de degradação nos lisossomos LÍQUIDO EXTRACELULAR CITOSOL Bactéria Endossomo primário ENDOSSOMO TARDIO LISOSSOMO Endocitose Fagocitose Autofagia Mitocôndria Macropinocitose Fagossomo Membrana plasmatica Autofagossomo Figura 12. Diagrama comparativo entre a endocitose e a exocitose Fonte: Alberts et al. Biologia molecular da célula. Porto Alegre: Artmed, 2017. p. 695. Como o próprio nome indica, a endocitose representa a forma como a membrana inter- naliza algum material que chega na sua superfície. Ela pode ocorrer por pinocitose ou fagocitose, dependendo do tamanho e da característica desse material. Já a exocitose, é o modo como a célula exterioriza seus produtos ou material que ela não necessita, que podem ser sobras do que usou, da reciclagem de organelas, etc. Vamos entender como tudo isso acontece. Membrana plasmática CITOSOL CITOSOL Exocitose(A) (B) Endocitose 12 Biologia Celular e Genética U8 Organelas Citoplamáticas e Mecanismos de Transporte Endocitar significa trazer para dentro, internalizar. É a forma como a célula interioriza partículas e células. Nesse processo, o material endocitado é obrigatoriamente envolto por membrana formando uma vesícula, o endossomo. Observe a figura 13. Figura 13. Endocitose de partículas e a formação de vesículas FORA DA CÉLULA Membrana celular CITOPLASMA Vesícula Legenda: (Endocitose → 1. as partículas causam um afundamento da membrana plasmática em direção ao citosol (invaginação); 2. a membrana envolve as partículas; 3. depois de completamente envolvidas pela membrana, as partículas ficam dentro de uma vesícula no citoplasma e a membrana se funde, restabelecendo sua integridade.) O tipo de endocitose mostrado na Figura 13 pode ser chamado de pinocitose. Nesse tipo de endocitose as moléculas ou partículas pequenas a serem endocitadas são re- conhecidas por proteínas receptoras específicas para elas presentes na membrana. As proteínas receptoras reconhecem a carga (molécula) que deve ser internalizada. Para formar a vesícula endocítica, proteínas de cobertura vesicular se associam às proteínas receptoras, que por sua vez estão ligadas com a carga a ser internalizada. As proteínas de cobertura vesicular auxiliam a curvatura da membrana e a formação da vesícula. Um exemplo de proteína de cobertura vesicular é a clatrina (Figura 14). A clatrina, as- sim como outras proteínas de cobertura vesicular auxiliam no brotamento vesicular das organelas membranosas que participam da via biossintética secretora. No evento de pinocitose, a vesícula resultante da pinocitose recebe o nome de pinossomo. Fonte: 123RF Figura 14. Endocitose media por receptor Membrana doadora Receptor de carga Proteína adaptadora Moléculas-carga Proteínas de curvatura da membrana e de fissão Triscele de clatrina Membrana de vesícula revestida Proteína adaptadora Vesícula de transporte nua CITOSOL PERDA DO REVESTIMENTO FORMAÇÃO DA VESÍCULA FORMAÇÃO DO BROTO MONTAGEM DO REVESTIMENTO E SELEÇÃO DE CARGA Fo nt e: A lb er ts e t a l. B io lo gi a m ol ec ul ar d a cé lu la . P or to A le gr e: A rtm ed , 2 01 7. p . 7 00 . U8 13Biologia Celular e Genética Organelas Citoplamáticas e Mecanismos de Transporte Um outro tipo de endocitose é a fagocitose, que ocorre quando células inteiras ou partículas de tamanho grande são englobadas por outra célula. Isso pode acontecer como um mecanismo de defesa, ou para obtenção de alimento, ou para reciclar células que morrem como acontece no fígado. Na fagocitose,a célula ejeta ou evagina sua membrana plasmática em direção à célula a ser endocitada, formando pseudópodes, ou falsos pés, para trazer a célula para o seu interior (Figura 15). A vesícula resultante da fagocitose recebe o nome de fagossomo. Figura 15. Fagocitose de uma partícula por uma célula Após ser fagocitada, a partícula ou a célula internalizada fica dentro da vesícula ou fagossomo. Quando os endossomos tardios se fundem à vesícula, forma-se o lisosso- mo. No interior do lisossomo, suas enzimas promovem a digestão da partícula. Esse processo é chamado de digestão intracelular. O material resultante da digestão pode ser utilizado pela célula que realizou a fagocitose e aquilo que ela não vai utilizar deverá sair da célula, através da exocitose. Exocitose é o nome dado ao processo de saída de partículas ou moléculas da célula. Ele acontece para eliminação de resíduos da célula e, também, para a secreção ou liberação de moléculas que a célula sintetizou. Restos de material fagocitado, resíduos resultantes da reciclagem de organelas assim como vesículas contendo produtos da célula, são liberados para o meio extracelular por exocitose. A figura a seguir ilustra a exocitose de material resultante da digestão celular (Figura 16). Fo nt e: 1 23 R F Membrana plasmáticaNúcleo Citoplasma Partícula de alimento Lisossomo Formação do vacúolo digestivo Fusão com lisossomos Vacúolo digestivo Entrada na célula Digestão 14 Biologia Celular e Genética U8 Organelas Citoplamáticas e Mecanismos de Transporte Figura 16. Endocitose e exocitose realizada por uma célula Fo nt e: 1 23 R F Legenda: (A célula endocita algumas partículas que são envolvidas por membrana, formando o endossomo. Os lisossomos liberam suas enzimas, ocorre a digestão intracelular e o produto da digestão, que não é útil à célula, é exocitado). Para ocorrer a exocitose, a vesícula é levada até a periferia da célula, com participação do citoesqueleto, funde-se com a membrana plasmática e ocorre a liberação de seu conteúdo. As células que secretam proteínas, como a célula β do pâncreas que secreta insulina, se utilizam da exocitose para liberar o produto de secreção (Figura 17). No caso específico dessa célula a liberação de insulina é feita diretamente no sangue. Vesícula Membrana celular Endocitose Exocitose Figura 17. Exocitose para secreção de produtos da célula Aparelho de Golgi Vesícula de transporte Vesículas secretórias Membrana celular Proteínas secretadas Fo nt e: 1 23 R F Fo nt e: 1 23 R F U8 15Biologia Celular e Genética Organelas Citoplamáticas e Mecanismos de Transporte Legenda: O hormônio insulina, na sua forma inativa, é produzido no retículo endoplasmático rugoso. É trans- portado no interior de vesículas que chegam ao complexo de Golgi, onde passa por um processamento. Partem do complexo de Golgi vesículas secretórias com a insulina pronta para ser liberada. Essas vesículas chegam à superfície da membrana plasmática, se fundem com ela e liberam o hormônio no meio extracelular, no caso a circulação sanguínea. SA IB A M A IS SOBRE O A SECREÇÃO DE INSULINA... Acesse o link: www.youtube.com/watch?v=QyBRh8kUoQs. Mitocôndrias São organelas constituídas por duas membranas limitando um espaço interno, a matriz mitocondrial. A membrana externa é lisa e a interna se dobra, enviando para o interior alguns prolongamentos – as cristas mitocondriais (Figura 18). Figura 18. Estrutura da mitocôndria Legenda: Em (A) uma eletromicrografia de uma mitocôndria e em (B) um esquema evidenciando os principais constituintes da organela. Fonte: Alberts et al. Biologia molecular da célula. Porto Alegre: Artmed, 2017. p. 757. (com modificações) As mitocôndrias apresentam ribossomos e DNA próprio, o DNA mitocondrial, e se du- plicam de maneira independente das células, o que reforça a ideia a favor da teoria endossimbiótica para a sua origem. A principal função das mitocôndrias é a de produção de energia (E) na forma de ATP (Adenosina-Tri-Fosfato). Vamos entender o que isso significa. Quando nos alimentamos, ingerimos na dieta, alimentos altamente energéticos como pão, macarrão, batata, entre outros. Eles são ricos em polímeros chamados carboidratos, Membrana externa Espaço intermembranas Membrana externa Membrana da crista Espaço da crista(B) (A) 200 nm Junção da crista Membrana de limite interno Espaço da crista Espaço intermembranas Membrana de limite interno Cristas Cristas Matriz Junção da crista Matriz https://www.youtube.com/watch?v=QyBRh8kUoQs 16 Biologia Celular e Genética U8 Organelas Citoplamáticas e Mecanismos de Transporte compostos de pequenas unidades, os monômeros, como a glicose. No nosso sistema digestório, esses polímeros são quebrados ou digeridos e, durante a absorção no intestino, as moléculas de glicose resultantes desse processo, são transferidas das células intestinais para os vasos sanguíneos, sendo distribuídas pelo corpo. A glicose circulante entra nas células e, embora ela seja uma molécula altamente ener- gética, as células não conseguem utilizar a energia nela contida para realizar suas funções. Então, a glicose é quebrada para entrar na mitocôndria, onde sofre uma série de reações químicas que constituem o processo de respiração celular, sendo que, a partir de uma molécula de glicose são formados ATPs, água e gás carbônico. Essas moléculas de ATP é que são utilizadas pela célula como energia para as suas funções. Por isso, dizemos que alguns eventos ou reações celulares, como o transporte ativo, gastam ATP, ou seja, precisam gastar energia da célula para acontecer. Essa transformação em energia ocorre em duas etapas: o ciclo do ácido cítrico ou ciclo de Krebs, que se processa na matriz mitocondrial, e o sistema transportador de elétrons ou ca- deia transportadora de elétrons que ocorre na membrana interna da mitocôndria (Figura 19). Figura 19. Resumo da conversão de energia que acontece na mitocôndria Fonte: Alberts et al. Biologia molecular da célula. Porto Alegre: Artmed, 2017. p. 759. MOLÉCULAS DE ALIMENTOS DO CITOSOL Ácidos graxos Ácidos graxos Ciclo do ácido citrico Acetil-CoA CO2 CO2 O2 O2 H2O ATP-sintase NADH ADP ADP ATP ATP H+ H+ H+ H+ NAD+ e- Matriz ESPAÇO DA CRISTA PARA FORA PARA FORA PARA DENTRO PARA DENTRO Piruvato Piruvato ESPAÇO INTERMEMBRANAS Membrana mitocondrial interna Membrana mitocondrial externa U8 17Biologia Celular e Genética Organelas Citoplamáticas e Mecanismos de Transporte Nas células do tecido adiposo pardo ou marrom, encontrado em grande quantidade nos animais que hibernam, como o urso polar, a cadeia transportadora de elétrons produz energia que é convertida em calor, devido à presença de uma enzima chamada termogenina. O sangue dos animais é aquecido, aquecendo seu corpo e provocando o despertar do período de hibernação. Peroxissomos São organelas citoplasmáticas envoltas por membrana, que apresentam formato esférico ou ovoide, e que contêm enzimas responsáveis pela oxidação de ácidos graxos e, também, responsáveis pela degradação de peróxido de hidrogênio (H2O2), por enzimas oxidases e catatases. O peróxido de hidrogênio é um metabólito prejudicial à célula e, por ação dessas enzimas é convertido em oxigênio e água, minimizando seus efeitos nocivos às células. Frente ao exposto nessa unidade, podemos concluir que os compartimentos celulares membranosos realizam funções diferentes, mas em conjunto, garantem a manutenção das funções celulares, permitindo que a célula sobreviva e possibilite a vida dos organismos. 2. ATIVIDADES PROPOSTAS Atividade 1. Enunciado A figura a seguir ilustra uma célula caliciforme, localizada na superfície da traqueia e do in- testino delgado. Essa célula secreta um muco que lubrifica a luz desses tubos. O muco é rico em glicoproteínas. Célula caliciforme secretora de muco Fonte: Junqueira, L. C.; Carneiro, J. Histologia básica - Texto e Atlas. 13. ed. 2017. p. 84.Extrusão Acúmulo dos grânulos de secreção contendo glicoproteínas Golgi Síntese de polissacarídios REG Síntese de proteínas Aminoácidos Monossacarídeos e sulfato Se gu nd os + 30 m in ut os Lâminas basais ± 60 m in ut os 18 Biologia Celular e Genética U8 Organelas Citoplamáticas e Mecanismos de Transporte Com base nas informações da figura e nas informações obtidas nesta unidade, elabore um mapa conceitual explicando os processos que ocorrem desde a entrada dos aminoácidos na célula, até a saída do muco na superfície dela. U8 19Biologia Celular e Genética Organelas Citoplamáticas e Mecanismos de Transporte REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ALBERTS, B.; JOHNSON, A.; LEWIS, J.; MORGAN, D.; RAFF, M.; ROBERTS, K.; WALTER, P.; WILSON, J.; HUNT, T. Biologia molecular da célula. 6. ed. Porto Alegre: Artmed, 2017. p. 642, 644, 673, 695, 696, 700, 715, 723, 725, 744, 757. CARVALHO, Hernandes F.; PIMENTEL, Shirlei M.R. A célula. 4. ed. Barueri: Manole, 2019. p. 327, 406. JUNQUEIRA, L.C.; CARNEIRO, J. Histologia básica. 13. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2017. p. 34-41, 86. POLLARD, Thomas D.; EARNSHAW, William C. Biologia celular. 2. ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2006. p. 159-164; 309-367. EDUCANDO PARA A PAZ
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