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Faculdade de Direito da Universidade Federal da Bahia Discente: Mayara Ferreira Coutinho Medeiros Ovídio Docente: Sara da Nova Quadros Côrtes Disciplina: Metodologia da Pesquisa em Direito Data: 11/05/2023 QUEIROZ, Marcos Vinícius Lustosa. Introdução e História e giro pós-colonial: uma perpectiva a partir do Atlântico Negro. In: QUEIROZ, Marcos Vinícius Lustosa. Constitucionalismo brasileiro e o Atlântico Negro: A experiência constitucional de 1823 diante da Revolução Haitiana. 2017. Dissertação (Mestrado em Direito, Estado e Constituição) - Faculdade de Direito, Universidade de Brasília, Brasília, 2017. f. 11-62 Sobre o autor: Marcos Vinicius Lustosa Queiroz é Doutor em Direito pela Universidade Federal de Brasília, onde também concluiu sua graduação e mestrado. Além disso, Marcos realizou seu doutorado no formato sanduíche nos Estados Unidos e na Colômbia. Atualmente é professor no Instituto Brasileiro de Ensino, Desenvolvimento e Pesquisa, além de ser membro do Centro de Estudos de Desigualdade e Descriminação e um eterno defensor de uma democracia mais verdadeira, pautada na educação e na saúde pública. Resumo: A dissertação de Marcos Vinícius Lustosa analisa a influência da diáspora africana nas dinâmicas políticas e no constitucionalismo brasileiro, além de ressaltar a categoria do “Atlântico Negro”, desenvolvida pelo sociólogo Paul Gilroy como uma ferramento para refletir sobre a realidade geopolítica e cultura das trajetórias negras desde o colonialismo até a modernidade. Fichamento: [..] A percepção do apagamento da Revolução Haitiana no centro da dialética do senhor e do escravo hegeliana não só permitia um deslocamento das principais questões colocadas pela filosofia moderna, pois também possibilitava novas formas de compreender os fluxos e dinâmicas em torno do ideário revolucionário que ensejou o desenvolvimento da teoria e da prática constitucional. [...]” (p. 13) {Nesse trecho, o autor menciona o texto de Susan Buck-Morss como uma possibilidade de mudança de perspectiva, destacando o apagamento da Revolução Haitiana no centro da dialética do senhor e do escravo hegeliana, o que permite uma reavaliação das principais questões levantadas pela filosofia moderna. Isso também possibilita novas formas de compreender os fluxos e dinâmicas em torno do ideal revolucionário que impulsionou o desenvolvimento da teoria e da prática constitucional.} “Neste contexto e como apontam, por exemplo, W.E.B. Du Bois15, Guerreiro Ramos e Neusa Santos Souza, o racismo passa pela naturalização e essencialização de locais desubalternidade para negros e negras a partir de signos produzidos pelas experiências da escravidão e do colonialismo, mas que são cotidianamente reatualizados e reconfigurados a partir de novas dinâmicas. Assim, as lutas da diáspora africana são, sobretudo, lutas para se ser reconhecido como humano e sujeito de direitos para além das marcas raciais que imobilizam a percepção do ser a partir de ideias racializadas” (p. 17) {O trecho mencionado estabelece uma relação com o conceito de Neurose Cultural Brasileira proposto por Lélia Gonzalez. Assim, é mencionado que o racismo se manifesta por meio da naturalização e especialização de espaços subalternos para negros e negras, resultantes das experiências da escravidão e do colonialismo. Essa ideia está alinhada com a noção de Neurose Cultural Brasileira, pois aponta para a existência de padrões culturais enraizados que marginalizam e desumanizam os indivíduos negros.} “[...] A partir dessas considerações iniciais, é apresentada a categoria do “Atlântico Negro” como articulação conceitual para a compreensão dos fenômenos políticos, culturais e sociais gerados pela diáspora africana no mundo moderno. Defende-se que este conceito possibilita novas perspectivas ainda pouco exploradas para se pensar os fluxos, apropriações, negações, silenciamentos e elementos constitutivos da população negra em diáspora diante do constitucionalismo.” (p. 20) {Ao trazer à tona essas experiências cotidianas e fragmentadas, a perspectiva do Atlântico Negro desafia narrativas históricas dominantes que negligenciaram ou subvalorizaram essas vivências. Ela busca oferecer uma compreensão mais abrangente e inclusiva da história, permitindo uma análise mais profunda dos efeitos duradouros da diáspora africana e suas implicações nas trajetórias individuais e nas dinâmicas culturais do mundo atlântico.} {Ao reconhecer a importância dessas histórias e experiências subalternizadas, a perspectiva do Atlântico Negro busca reconfigurar a narrativa histórica, a fim de revelar as complexidades, as resistências e as lutas de um espaço geopolítico e cultural profundamente afetado pelo legado da escravidão e do colonialismo.} “Mas mais do que escritos de grandes líderes, retomar a dimensão cotidiana da resistência e das trajetórias fragmentadas, viajantes e flutuantes do mundo atlântico exigiu uma transformação na história, tornando-a apta a lidar com experiências apagadas de um espaço político e cultural no qual o deslocamento em massa, o exílio, a opressão e a resistência foram elementos constitutivos de processos transnacionais de longa duração, como a escravidão e o colonialismo.” (p. 24) {Ao correlacionar esse trecho com o prejuízo do apagamento das trajetórias de resistência dos negros no fenômeno do colonialismo, podemos concluir que a falta de reconhecimento e valorização dessas trajetórias dificulta a compreensão da verdadeira extensão do impacto do colonialismo nas vidas dos povos africanos e afrodescendentes. Para uma análise mais abrangente e justa do colonialismo, é necessário dar voz às histórias de resistência e resiliência dos indivíduos negros, que lutaram contra a opressão e deixaram um legado significativo.} “[...] Como a historiografia vem fazendo nas últimas décadas, retomar essas pequenas agências de atores locais, muitas vezes em situação de pouca liberdade e de difícil recuperação das fontes, tornou-se um problema central e muitas vezes insolúvel para a história, mas que nem por isso não deva ser enfrentado.” (p. 28) {Ao afirmar que esse problema "nem por isso não deva ser enfrentado", o trecho indica a necessidade de superar o epistemicídio na historiografia. Isso implica em buscar formas de recuperar e valorizar as fontes históricas alternativas, como tradições orais, memórias coletivas, arte e outras expressões culturais, que podem oferecer perspectivas importantes para a compreensão das experiências e agências dos grupos marginalizados.} “Assim, nas trajetórias políticas e culturais da diáspora africana no Atlântico Negro, são estabelecidas relações entre dor, desterritorialização e a produção da verdade – há um poder redentor e de validação oriundo do sofrimento e do exílio. E dessa experiência comum é possível perceber a formação de uma comunidade, muitas vezes fragmentada e não organizada, que constitui uma agenda ética visando mobilizar toda a sociedade. Ou seja, forma-se uma rede de identidades transnacionais que cruzaram e cruzam o Atlântico, na qual a narrativa sobre o terror e a violação dos direitos humanos tem papel político central, transcendendo qualquer fronteira étnica ou nacional específica (p. 42)” {O sofrimento, nesse contexto, pode ser entendido como uma experiência comum que ultrapassa fronteiras geográficas e étnicas específicas. A diáspora africana, caracterizada pelo deslocamento forçado de pessoas africanas para diferentes regiões do Atlântico durante a escravidão, gerou um senso de desterritorialização e perda de identidade e pertencimento.} “O giro pretendido por Paul Gilroy enxerga, no entanto, o fenômeno colonial como um evento de significação universal, de caráter deslocado e diferenciado, que não pode ser compreendido apenas através das relações verticais entre colonizadores e colonizados, tendo em vista que essas relações foram recortadas e transversalizadas por outras mais, rompendo as fronteiras dos estados-nações eos interrelacionamentos global-local. Em um aspecto mais profundo, o “pós-colonial” objetiva reconstituir e criticar os campos epistêmicos do poder-saber que constituem a colonialidade.” (p. 46) “Articulando o reconhecimento de uma violência original do colono como “aparecimento”, as diversas formas de lutas das populações do Atlântico Negro enfocaram a ideia de que “o homem colonizado se liberta na e pela violência”, pois é por meio dela que o subalternizado age enquanto positividade formadora. Como elemento de mediação, a violência direciona meios e fins para uma causa e história coletivas, gerando reconhecimento e antevisão de um futuro comum.” (p. 50) {É importante destacar que a relação entre a violência e as relações coloniais é complexa e multifacetada. Embora a violência tenha sido uma resposta à opressão colonial, ela também foi usada como ferramenta de controle e repressão pelos colonizadores. A violência do colono não apenas causou danos físicos e psicológicos às populações negras, mas também buscou desumanizá-las e perpetuar o sistema de exploração e subordinação.} {A violência colonial moldou as dinâmicas sociais, econômicas e culturais que afetam as comunidades negras até os dias atuais. Ela resultou em desigualdades estruturais, marginalização e discriminação, limitando o acesso a recursos, oportunidades e direitos para as populações negras. Além disso, a violência histórica deixou um legado de trauma intergeracional, perpetuando ciclos de desigualdade e injustiça.} “Como será colocado mais adiante, a própria história da liberdade na modernidade – e suas consequências para a nossa compreensão de sociedade civil e Estado constitucional; indivíduo e cidadão – é enraizada no tráfico atlântico de africanos e na escravidão racial moderna. Por meio de um processo histórico de afirmações, negações e silenciamentos, a liberdade será delimitada mais como um direito de propriedade inalienável, fundamentando na elaboração da diferença perante o outro, do que como um princípio de realização universal da experiência humana” (p. 53) {O direito de propriedade inalienável, como mencionado no texto, desempenhou um papel fundamental na perpetuação da escravidão durante o período colonial. Ao considerar os escravizados como propriedade, a instituição da escravidão foi legitimada dentro do sistema jurídico e social. Os escravizados eram tratados como objetos ou mercadorias, sujeitos aos direitos de propriedade de seus senhores. Essa concepção de liberdade baseada no direito de propriedade inalienável permitiu que os colonizadores considerassem os escravizados como bens que podiam ser comprados, vendidos, trocados e explorados economicamente. Ao negar a humanidade dos escravizados e reduzi-los à condição de propriedade, o sistema escravista se sustentava e se justificava como parte da ordem social e econômica da época.} “Outro elemento tematizado pela categoria Atlântico Negro é o de dar dimensão histórica e sentido a experiências, sentimentos, processos e fluxos costumeiramente não pensados ou articulados nas narrativas hegemônicas. Neste sentido, ganha relevo a importância do “medo” como fundamento essencial às relações da modernidade e do colonialismo.” (p. 57) {Ambos os textos sugerem que o medo desempenhou um papel significativo na manutenção do status quo e na perpetuação das desigualdades raciais. O medo branco, como discutido por Azevedo, era uma resposta à ascensão social e política dos negros libertos, sendo usado como justificativa para a exclusão e marginalização desses indivíduos. No contexto do Atlântico Negro, o medo também estava presente nas relações entre colonizadores e escravizados. Os colonizadores temiam a possibilidade de revoltas e insurreições por parte dos escravizados, levando a estratégias de controle e opressão mais intensas. Esse medo influenciou as relações de poder e contribuiu para a manutenção da escravidão.} {Tanto Marcos quanto Célia destacam a necessidade de incluir o medo como uma dimensão importante na compreensão das experiências históricas e contemporâneas das populações negras. Ao trazer à tona essas narrativas e emoções muitas vezes silenciadas, busca-se uma compreensão mais completa e crítica dos processos sociais, bem como a desconstrução das estruturas de poder que perpetuam o medo e a desigualdade racial.} “Por todo o exposto, evidenciam-se como características do marco analítico do Atlântico Negro os seguintes aspectos: a) a transcendência às estruturas elaboradas pelos estados-nação modernos; b) a percepção de articulações, ponte políticas e trajetórias que se encontram, ao mesmo tempo, dentro e fora da modernidade; c) a tentativa de uma outra periodização histórica a partir de um referencial pós-colonial; d) a compreensão do mundo atlântico como canal de aprendizado tanto das elites coloniais como das classes subalternizadas; e) a análise da violência como elemento constituinte e constitutivo das relações modernas coloniais; f) o entendimento da importância do discurso filosófico artístico dos povos da diáspora africana como elemento de mediação normativa e utópica; g) a tematização de sentimentos ocultos à historiografia contemporânea, como o medo.” (P. 61) Referência: GONZALES, Lélia. Racismo e sexismo na cultura brasileira. Revista Ciências Sociais Hoje, Rio de Janeiro, p. 223-244, 1984. Disponível em: https://ava.ufba.br/pluginfile.php/3699273/mod_resource/content/0/06%20-%20GONZALES %2C%20L%C3%A9lia%20-%20Racismo_e_Sexismo_na_Cultura_Brasileira%20%281%29. pdf. Acesso em: 07 de abril de 2023. Azevedo, Célia Maria Marinho de. Onda Negra, Medo Branco: 0 Negro no Imaginário das Elites - Século XIX. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1987. 267 p. https://ava.ufba.br/pluginfile.php/3699273/mod_resource/content/0/06%20-%20GONZALES%2C%20L%C3%A9lia%20-%20Racismo_e_Sexismo_na_Cultura_Brasileira%20%281%29.pdf https://ava.ufba.br/pluginfile.php/3699273/mod_resource/content/0/06%20-%20GONZALES%2C%20L%C3%A9lia%20-%20Racismo_e_Sexismo_na_Cultura_Brasileira%20%281%29.pdf https://ava.ufba.br/pluginfile.php/3699273/mod_resource/content/0/06%20-%20GONZALES%2C%20L%C3%A9lia%20-%20Racismo_e_Sexismo_na_Cultura_Brasileira%20%281%29.pdf
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