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Autoras Ana Carina Stelko-Pereira Sabrina Martins Barroso Organizadoras Rita Maria Lino Tarcia Sílvia Helena Mendonça de Moraes Débora Dupas Gonçalves do Nascimento ESCOLA E REDES SOCIAIS NAS ADOLESCÊNCIAS E JUVENTUDES CURSO DE APERFEIÇOAMENTO EM SAÚDE MENTAL E ATENÇÃO PSICOSSOCIAL DE ADOLESCENTES E JOVENS Autoras Ana Carina Stelko-Pereira Sabrina Martins Barroso Organizadoras Rita Maria Lino Tarcia Sílvia Helena Mendonça de Moraes Débora Dupas Gonçalves do Nascimento ESCOLA E REDES SOCIAIS NAS ADOLESCÊNCIAS E JUVENTUDES 23-144557 CDD-362.21 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) (Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil) Stelko-Pereira, Ana Carina Escola e redes sociais nas adolescências e juventudes [livro eletrônico] / Ana Carina Stelko-Pereira, Sabrina Martins Barroso ; organização Rita Maria Lino Tarcia, Sílvia Helena Mendonça de Moraes, Débora Dupas Gonçalves do Nascimento. -- Campo Grande, MS : Fiocruz Pantanal, 2023. PDF Bibliografia. ISBN 978-85-66909-43-2 1. Adolescência 2. Bullying nas escolas 3. Educação - Finalidade e objetivos 4. Jovens - Aspectos sociais 5. Redes sociais 6. Violência na escola I. Barroso, Sabrina Martins. II. Tarcia, Rita Maria Lino. III. Moraes, Sílvia Helena Mendonça de. IV. Nascimento, Débora Dupas Gonçalves do. V. Título. Índices para catálogo sistemático: 1. Adolescentes : Política de saúde mental : Bem-estar social 362.21 Eliane de Freitas Leite - Bibliotecária - CRB 8/8415 © 2022. Fundo das Nações Unidas para a Infância – UNICEF. Fundação Oswaldo Cruz Mato Grosso do Sul. Alguns direitos reservados. É permitida a reprodução, disseminação e utilização dessa obra, em parte ou em sua totalidade, nos Termos de uso do ARES. Deve ser citada a fonte e é vedada sua utilização comercial. UNICEF Representante Interina Paola Babos Coordenação do Programa de Desenvolvimento e Participação de Adolescentes Mário Volpi Coordenador Programa de Desenvolvimento e Participação de Adolescentes Gabriela Mora Joana Fontoura Luiza Leitão Rayanne França Oficiais do Programa Daniela Costa Higor Cunha Marina Oliveira Thaís Santos Consultores do Programa Fundação Oswaldo Cruz - Fiocruz Mario Santos Moreira Presidente em exercício Fundação Oswaldo Cruz Mato Grosso do Sul – Fiocruz MS Jislaine de Fátima Guilhermino Coordenadora Coordenação de Educação da Fiocruz MS Débora Dupas Gonçalves do Nascimento Vice- coordenadora de Educação Secretaria-Executiva da Universidade Aberta do SUS – UNA-SUS Maria Fabiana Damásio Passos Secretária-executiva Fundação Oswaldo Cruz Mato Grosso do Sul (Fiocruz MS) Rua Gabriel Abrão, 92 – Jardim das Nações, Campo Grande/MS CEP 79081-746 Telefone: (67) 3346-7220 E-mail: educacao.ms@fiocruz.br Site: www.matogrossodosul.fiocruz.br CRÉDITOS Coordenação Geral Débora Dupas Gonçalves do Nascimento Sílvia Helena Mendonça de Moraes Coordenadora Acadêmica Geral Léia Conche da Cunha Coordenadora Pedagógica Geral Rita Maria Lino Tarcia Coordenador Acadêmico do Módulo Alberto Mesaque Martins Coordenadora Pedagógica do Módulo Eliane Maria da Silva Anunciação Autoras Sabrina Martins Barroso Ana Carina Stelko Pereira Revisora Técnico-científica Alessandra Silva Xavier Apoio técnico-administrativo Antonio Luiz Dal Bello Gasparoto Adriana Carvalho dos Santos Coordenador de Produção Marcos Paulo dos Santos de Souza Designer Instrucional Felipe Vieira Pacheco Webdesigner Stephanie Oliveira Moraes Silva Designers Gráficos Hélder Rafael Regina Nunes Dias Renato Silva Garcia Desenvolvedor David Carlos Pereira da Cunha Desenvolvedores AVA MOODLE Luiz Gustavo de Costa Vinicius Vicente Soares Editor de Audiovisual Adilson Santério da Silva lustrador Kelvin Rodrigues de Oliveira Revisor Davi Bagnatori Tavares Apresentação do módulo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . A ESCOLA COMO ESPAÇO DE POSSIBILIDADES . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . MAS QUANTAS PESSOAS ESTÃO NA FOTO DA VIOLÊNCIA? . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . E QUAIS SÃO AS CONSEQUÊNCIAS DE TODA ESSA VIOLÊNCIA? . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . TANTA DOR, TANTA TRISTEZA . . . O QUE GERA TUDO ISSO? . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . INFLUÊNCIAS PARA ESTAR VÍTIMA . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . INFLUÊNCIAS PARA ESTAR AUTOR . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . AS SITUAÇÕES PODEM MUDAR SE TODOS NOS ENVOLVERMOS . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . Encerramento do módulo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . Referências . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . Minicurrículo das autoras . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . Material de apoio . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 6 8 19 21 25 27 31 36 42 43 48 50 SUMÁRIO Curso de Aperfeiçoamento em Saúde Mental e Atenção Psicossocial de Adolescentes e Jovens Módulo: Escola e redes sociais nas adolescências e juventudes 6 apresentação do módulo Todos sonhamos com um país em que a educação seja valorizada; com um mundo em que todos os jovens pos- sam desenvolver espírito curioso e relacionamentos felizes e respeitosos, que os preparem para vidas plenas e significati- vas; com um país em que não precisemos nos preocupar com qualquer tipo de violência . No Brasil, isso parece utópico, e, talvez, seja mesmo . Apenas para ilustrar, em 2021, 10,8% dos jovens entre 15 e 17 anos estavam fora das escolas (INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA, 2022a). Ao verificar a violência em nosso contexto, apenas em 2019 houve 45 .503 homicídios no território nacional (INSTITUTO DE PESQUISA ECONÔMICA APLICADA; FÓRUM BRASILEIRO DE SEGURANÇAPÚBLICA; INSTITUTO JONES DOS SANTOS NEVES, 2021), e essa não é a única forma de violência que enfrentamos todos os dias . Há realmente muita violência no mundo e podemos ter a percepção de que novas formas de maldade surgem a cada dia . Com o avanço da tecnologia, passamos a ter medo tam- bém de que nossos cartões de crédito sejam clonados, que nossa intimidade seja vazada na internet ou que alguém que amamos seja vítima de cyberbullying . Esses dados nos afastam da nossa visão utópica, cer- to? Mas o que será do mundo sem os sonhadores? É por isso que, neste módulo, convidamos você a dar uma chance ao “talvez” e a pensar no que podemos fazer para que um raio de esperança se mantenha, mesmo quando a violência e a escu- ridão se aproximam de nós . O “talvez”, aqui, terá a função de nos lembrar de que temos amigos ou de que podemos usar as redes sociais para ficar próximos de pessoas de quem gostamos; será como aquele bilhete que um professor recebe com notícias de um ex-aluno agradecendo o incentivo que recebeu enquanto es- tudava e contando o impacto que isso teve em sua vida . Esses são exemplos de momentos em que a mágica acontece! Proposição De qual momento você se recorda em que a mágica da pos- sibilidade aconteceu? Feedback positivo: Estamos certas de que houve diversos momentos em sua atuação profissional em que você viu sentido, pela reação das pessoas, no esforço que você fez. Essa reação pode ter sido um bilhete de agradecimento, um elogio espontâneo e até mesmo um sorriso largo. Esses momentos são importan- tes, tanto para quem os oferta quanto para quem os recebe. Eles podem ser compartilhados com todos e em qualquer lugar, como na família, no trabalho, na comunidade ou em qualquer local de sua convivência. ? Curso de Aperfeiçoamento em Saúde Mental e Atenção Psicossocial de Adolescentes e Jovens Módulo: Escola e redes sociais nas adolescências e juventudes 7 Sim, vamos conversar sobre vários temas, mas a escola será um dos assuntos centrais, porque, para termos uma chan- ce de chegar à nossa utopia, a escola terá um papel funda- mental . Por isso, este é nosso convite a você: falarmos sobre a realidade das escolas brasileiras e sua influência nesse perí- odo especial que é a adolescência . Vamos apresentar poten- cialidades e dificuldades relacionadas ao contexto escolar e o impacto das redes sociais e do bullying nos jovens e em sua saúde mental . No entanto, também falaremos sobre alternati- vas . E, “talvez”, ao abordar esses assuntos, poderemos cami- nhar alguns passos rumo à utopia em que algum dia quere- mos viver . Para dar mais sentido a esse caminho, traremos um caso que, embora ilustrativo, poderia estar no cotidiano de muitos de nós . Pretendemos, em especial, mostrar que a esco- la pode ser um imenso “talvez” para esse assunto, um espaço criativo e potente não apenas para o aprendizado formal, mas, também, para a saúde mental dos jovens . A escola pode aju- dar a mediar a relação dos adolescentes com as redes sociais e com alguns de seus medos e dúvidas . Pode ser um espaço acolhedor, que contribui para que os jovens entendam seus direitos e deveres e aprendam sobre respeito e a buscar ajuda, passando a ser outros fomentadores da utopia, novos adeptos do “talvez” . Feedback orientador: É muito importante colecionar os momentos de pequenos sucessos em nossa profissão. Se puder, pause um pouqui- nho a leitura e faça agora um registro, em um caderno ou em um documento on-line, de seus diversos pequenos suces- sos. Se preferir, coloque uma música de sua preferência, fe- che os olhos e recorde alguns desses momentos. Estamos certas de que, ao recordar, se sentirá bem e confiante. Quan- do houver um desafio maior a ser vencido na sua ocupação, resgate esse registro. Curso de Aperfeiçoamento em Saúde Mental e Atenção Psicossocial de Adolescentes e Jovens Módulo: Escola e redes sociais nas adolescências e juventudes 8 A escola como espaço de possibilidades O primeiro passo para qualquer ação é ter uma boa fo- tografia do contexto. Nos módulos 1 e 2, você conheceu mais sobre os adolescentes, como os aspectos de sua saúde mental e as violências a que estão mais sujeitos . Neste módulo, nossa conversa abordará vivências nas escolas, as relações dos ado- lescentes com as redes sociais e alternativas envolvendo a esco- la, a família e os próprios adolescentes para melhorar a convivên- cia dentro e fora do mundo das telas . A escola ocupa papel central na formação dos cidadãos e na ampliação das possibilidades profissionais das pessoas. In- divíduos com Ensino Superior completo, no Brasil, ganham, em média, 2,4 vezes mais do que quem terminou apenas o Ensino Médio (ORGANIZAÇÃO PARA A COOPERAÇÃO E DESENVOLVI- MENTO ECONÔMICO, 2018) . No entanto, a escola é bem mais do que um trampolim profissional. Ela é uma das memórias afeti- vas mais importantes na vida de muitos de nós . A escola pode ser parte do problema ou uma das forças mais ricas que temos para o nosso “talvez” . Se nossa experiência foi boa, podemos lembrar para sempre dos colegas de infância, do gosto do lanche que era servido na sexta-feira, da professora que nos ensinou a ler, da primeira pessoa que quisemos namo- rar e de vários outros momentos especiais em nossas vidas que ocorreram na escola . Por outro lado, se tivemos a tristeza de fre- quentar uma escola pouco afetiva, que não tinha condições de atender às nossas necessidades ou em que o bullying era prática constante, a história muda . No lugar de lembranças felizes, pode- mos carregar traumas e cicatrizes que também ficarão conosco por toda a nossa vida . Proposição Como você se recorda da escola? Como eram suas relações com colegas e docentes? Será que o modo como você vi- venciou o período escolar influencia na sua atuação profis- sional? Feedback positivo: Esperamos que você tenha tido lindas recordações das es- colas em que estudou. No caso do bullying, as suas vivên- cias enquanto aluno podem impactar a forma como atua. Em uma pesquisa com docentes, percebeu-se que aqueles que eram autores de bullying tendiam a acreditar que esse é um fenômeno pouco grave e que não gera importantes conse- quências negativas. Já os docentes que sofreram bullying quando crianças ou adolescentes se mostraram mais empá- ticos às vítimas e mais conscientes da importância de enfren- tar o problema (LUNA et al., no prelo). ? Feedback orientador: Enquanto profissional, é importante refletir sobre suas expe- riências infantojuvenis, verificando se elas estão influencian- do a sua ação quando nota agressões entre estudantes. Fi- Curso de Aperfeiçoamento em Saúde Mental e Atenção Psicossocial de Adolescentes e Jovens Módulo: Escola e redes sociais nas adolescências e juventudes 9 O objetivo explícito das escolas envolve ensinar conteú- dos acadêmicos, mas todos podemos ver que seu alcance vai muito além disso . Na escola, aprendemos regras sociais e a ne- gociar fora de nossas famílias; convivemos com pessoas com hábitos e culturas distintas da nossa, o que nos permite desen- volver identidade e tolerância; mesclamos obrigações e lazer, aprendendo a valorizar responsabilidade e descanso; e, se nos- sa escola for cuidadosa, ainda temos a chance de desenvolver nossas competências emocionais, como aprender a reconhecer como nos sentimos, a identificar como as pessoas à nossa vol- ta se sentem e que devemos avaliar nossas ações para evitar as consequências de agir sem pensar . O impacto positivo de cuidar do bem-estar e das competências emocionais dos estudantes tem sido visto em diversos aspectos da vida deles, incluindo em sua capacidade de aprender (DIAS-VIANA; NORONHA, 2022) . A importância do desenvolvimento de competências so- cioemocionais tem sido considerada tão relevante que Secretarias Estaduais da Educação têm incluído o tema em suas pautas. Para citar apenas algumas: Secretaria do Estado de São Paulo (2019), Se- cretaria do Estado da Educação e do Desporto do Amazonas (2020) e Secretaria do Estado do Mato Grosso (2021) discutiram esse tema ao longo dos últimos anos, como pode ser avaliado verificando as pautas debatidas em seus sites oficiais. Ensinar os adolescentes a respeitarem a si próprios e aos colegas está ainda mais complexo . A escola precisa ajudá-los a lidar com uma vida híbrida – metade ao vivo e metade on-line – e a combater a violência entre pares que ocorre nesses ambientes . Saiba mais Quer entender mais sobre competências socioemocionais? Convidamos você a ler sobre o tema no site do Instituto Ayrton Senna. clique e acesse que em alerta caso se perceba dizendo frases como: “Essas brigas são normais entre os alunos”, “Quem nunca entrou em uma luta na escola?”, “Aprender a brigar ajuda a ser mais forte no futuro”. Conversas com os estudantes e com cole- gas de profissão, assim como fazer cursos sobre o tema da convivência, podem ajudar a perceber se estamos tratando do tema das relações interpessoais estudantis com a serie- dade necessária. Proposição Sempre ouvimos falar dos riscos da tecnologia. Convidamos você a pensar nos principais pontos sobre os quais os ado- lescentes precisam ser orientados no que se refere ao uso da internet e das redes sociais. ? Feedback positivo: Os educadores (e adultos em geral) sabem que precisam orientar os adolescentes sobre o uso da tecnologia, mas, por vezes, não sabem exatamente quais riscos esse uso oferece. O interesse em ajudar é ótimo e poderá ser potencializado se pensarmos em pontos-chave para essa conversa. https://institutoayrtonsenna.org.br/o-que-defendemos/socioemocional-estudantes/?gclid=Cj0KCQiA-oqdBhDfARIsAO0TrGEwW1xQtTWJr-RZz9njxRsjuDvOwCa9P6lyEt1P3wCG4GWdi-Xy0LoaAstgEALw_wcB https://institutoayrtonsenna.org.br/o-que-defendemos/socioemocional-estudantes/?gclid=Cj0KCQiA-oqdBhDfARIsAO0TrGEwW1xQtTWJr-RZz9njxRsjuDvOwCa9P6lyEt1P3wCG4GWdi-Xy0LoaAstgEALw_wcB https://institutoayrtonsenna.org.br/o-que-defendemos/socioemocional-estudantes/?gclid=Cj0KCQiA-oqdBhDfARIsAO0TrGEwW1xQtTWJr-RZz9njxRsjuDvOwCa9P6lyEt1P3wCG4GWdi-Xy0LoaAstgEALw_wcB Curso de Aperfeiçoamento em Saúde Mental e Atenção Psicossocial de Adolescentes e Jovens Módulo: Escola e redes sociais nas adolescências e juventudes 10 Nunca devemos esquecer: 1 . A sociedade incorporou rapidamente tecnologias e redes so- ciais à educação e a várias outras áreas das nossas vidas, mas não temos experiência social com essa forma de viver . A mes- ma ferramenta que nos ajuda a manter contato com pessoas fi- sicamente distantes ou nos permite trabalhar com mais conforto pode gerar problemas por excesso de uso ou superexposição de nossas vidas; 2 . Não são apenas as agressões físicas que devem ser motivo de preocupação . Todo tipo de violência deve ser combatido, seja qual for: uma exclusão proposital de uma brincadeira ou evento, ignorar a pessoa, xingá-la, ameaçá-la diretamente ou esconder seus pertences, produzir rumores sobre ela, destruir seus perten- ces, colocar comentários inadequados nas redes sociais, entre muitos outros . Todas as agressões acarretam importantes preju- ízos; 3 . Todos os tipos de violência podem provocar prejuízos emo- cionais (tristeza, ansiedade, desesperança, aumento da agressi- vidade, entre outros), físicos (doenças psicossomáticas, cansa- ço, insônia, entre outros) e perdas sociais e educacionais (evasão escolar, falta de motivação, perda de desempenho acadêmico, entre outras) . E o bullying tem se tornado um tipo de violência frequente no ambiente escolar; 4 . O bullying é um tipo de violência entre pessoas de mesmo status social (entre colegas de escola, por exemplo) que envolve a perse- guição de outra pessoa, sem que a vítima tenha feito qualquer tipo de provocação (OLWEUS, 1993) . Se a violência for entre pessoas de diferentes status sociais, recebe outra nomenclatura . Feedback orientador: É importante orientar os adolescentes sobre permissões ocultas solicitadas por aplicativos e jogos que instalamos, pois podemos estar autorizando o uso de nossas informa- ções, localização e fotos para fins que não conhecemos. Pergunte-se por que um aplicativo ou jogo precisa acessar as fotos do seu aparelho e seus documentos. Se achar que estão pedindo mais do que o necessário, não instale o apli- cativo ou jogo. Em especial, precisamos ficar atentos a se os aplicativos e jogos serão ou foram instalados em aparelhos de telefone com acesso a aplicativos de banco ou cartão de crédito, pois podem ser usados para roubar nossas senhas e dinheiro. É igualmente importante alertar para a exposição excessiva de nossa vida, mostrando o risco de postar fotos com uni- formes escolares e fotos íntimas ou de compartilhar nossa localização. Esses dados podem ser usados por pessoas mal-intencionadas. Quando pensamos especialmente nos adolescentes, precisamos mostrar que as informações e fo- tos publicadas na internet podem ser alteradas ou parciais, sendo perigoso, portanto, tomá-las como representações da verdade e parâmetros para definir nossa beleza, valor ou autoestima. Quanto ao cyberbullying, é necessário mostrar as formas que ele pode assumir e o que fazer para não nos tornarmos vítimas. Curso de Aperfeiçoamento em Saúde Mental e Atenção Psicossocial de Adolescentes e Jovens Módulo: Escola e redes sociais nas adolescências e juventudes 11 5 . Quando as redes sociais ou outras tecnologias da informação e comunicação (celular, computador, tablet) são usadas para fa- zer bullying, dá-se o nome de cyberbullying (JENARO; FLORES; FRÍAS, 2018) . Esse tipo de bullying tem crescido nos últimos anos porque os adolescentes têm usado bastante as redes so- ciais para se expressar e nem sempre o fazem de uma forma po- sitiva (veja a caixa “Saiba mais sobre cyberbullying” mais adiante neste módulo) . Seguindo com nossa fotografia, pode ser importante en- tender alguns pontos sobre a educação e os atuais adolescentes brasileiros . O direito à educação gratuita e de qualidade é um di- reito da população brasileira previsto no artigo 60 da Constitui- ção Federal (BRASIL, 1988) e reafirmado no Estatuto da Criança e do Adolescente (BRASIL, 1990) . No entanto, prometemos a você sinceridade neste texto, por isso vamos assumir que nem sempre esse direito é respeitado . Temos um número alto de crianças e adolescentes sem acesso à educação, e um número ainda maior de jovens que fre- quentam escolas, mas que recebem um ensino que não atende às suas necessidades, o que leva às altas taxas de defasagem idade-série (para saber mais sobre a exclusão escolar no Brasil, ver relatório da Organização das Nações Unidas para a Educa- ção, a Ciência e a Cultura [UNESCO], 2021) . Do outro lado des- sa moeda, há escolas no Brasil que se mantêm abertas quase sem recursos, sustentadas no amor dos profissionais que as compõem e em sua percepção sobre o impacto que a educação pode ter na vida das pessoas. Vemos, por exemplo, profissionais que, mesmo ganhando menos do que merecem, compram itens para usar no trabalho, porque acreditam no poder transformador do que fazem. E os desafios não param por aí. O contexto social do Brasil é diverso, o que já torna um desafio pensar a educação no país em termos nacionais. Dois novos dilemas surgiram com a ampliação da importância das tec- nologias: 1 . O aumento da discrepância social dentro do sistema de ensino, devido ao acesso desigual à internet; e 2 . A poderosa influência das redes sociais sobre a autoimagem, a convivência entre adolescentes e a saúde mental dos jovens . Como muitas das novas propostas educacionais ba- seiam-se no acesso às Tecnologias de Informação e Comuni- cação (TICs), que dependem do contato com computadores, smartphones ou outra fonte que permita o acesso à internet,algumas diferenças sociais no Brasil tornaram-se ainda mais gri- tantes . Há os que não têm acesso ou têm acesso reduzido às TICs e à internet, como apenas em bibliotecas, lan houses, em- prestando de colegas ou familiares, e mesmo redes municipais de ensino precisam de adequações para o acesso à internet nas escolas (UNICEF, 2021) . Esse quadro se agravou durante a pan- demia de Covid-19, quando a alternativa para manter as aulas foi ministrá-las no formato virtual . Quem não tinha um equipamento eletrônico ou internet ficou privado da escola, ainda que por um tempo . Proposição Você sabe qual é a realidade de acesso à internet dos ado- lescentes com quem convive? Qual é a frequência, horários e dias que mais utilizam? Com quais finalidades? ? Curso de Aperfeiçoamento em Saúde Mental e Atenção Psicossocial de Adolescentes e Jovens Módulo: Escola e redes sociais nas adolescências e juventudes 12 Entretanto, como seres criativos que somos, buscamos alternativas, e muitas redes de solidariedade se criaram . Depois, o ensino presencial foi retomado, mas as tecnologias não foram (e nem serão) abandonadas, até porque os adolescentes não es- tão dispostos a abrir mão dessa forma de comunicação . O uso da internet é um fenômeno global em rápida ex- pansão. No Brasil, um estudo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) mostrou que: Pensando nos adolescentes, sabe-se que os principais usos que eles fazem da internet são os de interagir em redes so- ciais e jogar . Redes sociais é o nome dado a locais virtuais que ofere- cem espaço para compartilhamento de fotos, vídeos, comentá- rios e informações . São exemplos de redes sociais os blogs, Twit- ter, Instagram, TikTok, Facebook, Wattpad e Be Real (ROSA et al ., 2021) . O brasileiro utiliza bastante esse tipo de tecnologia . Em 2020, éramos o quarto maior usuário do Facebook no mundo (ROSA et al ., 2021) . Nossos jovens fazem uso intenso dessas redes sociais, dedicando muitas horas do dia a elas . 82% da população tinha acesso à internet em casa (IBGE, 2021). 2021 17% da população que tinha acesso à internet em casa (IBGE, 2021). Em 5 anos aumento de 65% da população que tinha acesso à internet em casa. 2016 Feedback positivo: Sem dúvida a internet tornou as vidas de quem tem acesso a ela muito mais fáceis. Podemos, em poucos segundos, pa- gar uma conta, responder a uma dúvida, encontrar um vídeo de uma receita culinária, descobrir o caminho para ir a um local, comprar e obter um bilhete de ônibus interestadual, assistir a uma aula que ocorre em outro estado brasileiro ou mesmo em outro país, conversar olhando no olho de um amigo distante, assistir a filmes e reportagens, entre outros. Feedback orientador: Caso o adolescente com quem convive não tenha acesso à internet, busque maneiras de ele utilizá-la. Por vezes, há computadores disponíveis para empréstimo em bibliotecas, ONGs e na instituição educacional. Por outro lado, se notar que a utilização está excessiva, comprometendo a realização de atividades físicas, a participação em momentos de lazer com amigos ou familiares e a conclusão das atividades aca- dêmicas, é importante elaborar, em parceria com o adoles- cente, estratégias de autocontrole. Algumas estratégias po- dem ser: desligar o celular e o computador após um horário fixo, cronometrar o tempo de uso e nunca fazer as refeições diante de telas. Proposição Você utiliza alguma rede social? Se sim, há adolescentes que te seguem e que você os segue? ? Curso de Aperfeiçoamento em Saúde Mental e Atenção Psicossocial de Adolescentes e Jovens Módulo: Escola e redes sociais nas adolescências e juventudes 13 Embora pareça fora de contexto explicar isso aqui, essa é uma informação muito importante para as escolas e para qual- quer outro profissional que trabalhe com adolescentes. Sabe por quê? Porque os estudos sobre redes sociais mostram um poten- cial imenso dessas redes, tanto para auxiliar no bem-estar e auto- estima de quem as utiliza, quanto para prejudicar enormemente a saúde mental de seus usuários (ANDREASSEN; PALLESEN; GRIF- FITHS, 2017; ROSA et al ., 2021) . Durante a adolescência, quando a construção da identidade está sendo testada, o potencial ne- gativo das redes, pode ser intensificado, devido aos excessivos comportamentos de se exibir, à necessidade de buscar perten- cimento e ao fato de a opinião alheia ter um peso diferenciado nessa fase da vida . Na história que compartilhamos com você (Um amigo a qualquer custo: a história de Vitor), a personagem Gabriela ilustra como as redes sociais são importantes: o peso de ter seguidores, a importância de receber likes e comentários ou a forma como podemos nos sentir quando alguém usa essas redes para nos provocar ou humilhar . Feedback orientador: Como não sabemos exatamente quem terá acesso ao que postamos, comentamos e curtimos nas redes sociais, é muito, mas muito relevante que cuidemos dos nossos atos digitais, assim como cuidaríamos presencialmente. Se acei- tamos ter adolescentes nos seguindo nas redes sociais, nos- sa responsabilidade terá que ser redobrada. Pense sobre o exemplo que você está dando ao adolescente ao realizar suas postagens. Feedback positivo: As redes sociais se tornaram uma maneira de nos relacionar com quase todas as pessoas, desde as mais próximas e ínti- mas até as mais distantes e desconhecidas. A quem encon- tramos diariamente, por vezes, enviamos imagens e textos que nos chamaram a atenção e que queremos compartilhar. Quando comentamos uma publicação de um amigo, cria- mos a oportunidade de que todos os amigos desse amigo se conectem conosco por meio do comentário. Curso de Aperfeiçoamento em Saúde Mental e Atenção Psicossocial de Adolescentes e Jovens Módulo: Escola e redes sociais nas adolescências e juventudes 14 Outro motivo para que os profissionais que trabalham com adolescentes saibam sobre uso de tecnologia e internet é que, com esse conhecimento, podem perceber o risco de uso problemático da internet . Esse termo (uso problemático) é adota- do quando o tempo que a pessoa passa na internet ou o tipo de atividade que realiza (jogar, fazer compras) afeta a vida da pes- soa fora da rede, contribuindo para que tenha problemas psico- lógicos, sociais, escolares ou no trabalho (LEMOS, 2019) . Nem sempre o uso é problemático por ser excessivo, em- bora isso seja o mais comum. Algumas vezes, ele é classificado assim porque a pessoa: gasta dinheiro na internet a ponto de comprometer seu orçamento ou sem a autorização de seus pais; deixa compromissos reais de lado porque permanece envolvi- do em algo na internet; ou ainda porque começa alguma prática arriscada em sua vida seguindo orientações da internet, como uma dieta que restringe demais o que a pessoa pode comer ou que orienta o jovem a ficar dias inteiros sem se alimentar. Espe- cialmente nos jovens, as pesquisas mostram que o uso proble- mático da internet piora a autoestima, o sentimento de solidão, o bem-estar psicológico e o rendimento acadêmico (KORMAS et al ., 2011; MORETTA; BUODO, 2020; WIDYANTO; GRIFFITHS, 2011); além, é claro, de aumentar o risco de o adolescente ser Feedback positivo: Não podemos ser injustos e sabemos que as pessoas podem mentir, por isso procurar provas de que alguém foi realmente vítima de uma violência faz sentido. No entanto, quando sa- bemos que vários tipos de bullying não deixam provas con- cretas, precisamos nos conscientizar sobre como investigar o assunto sem agredir e machucar ainda mais as vítimas. Feedback orientador: Ouvir todos os envolvidos em um episódio de violência é muito importante, mas isso deve ser feito separadamente para que a vítima não seja intimidada, o que pode fazê-la se calar ou inventar uma história. Outro cuidado que precisa- mos ter é o de não desacreditar a história, mesmo quetenha- mos identificado lacunas ou contradições. Todas as versões são peças do quebra-cabeça que estamos montando sobre o que está acontecendo. Evitar expressões contendo julga- mentos morais que menosprezem a vítima, como “Mas você ficou desse jeito por causa de uma besteira dessas?”, “O que você fez para provocar?”, “E por que você não revidou?”, Proposição Há vários tipos de manifestação de bullying, sendo o verbal e o psicológico os mais praticados nas escolas. Convidamos você a pensar sobre como nossas dúvidas sobre as vítimas podem contribuir para esses tipos de violência. ? e adotar expressões que mostrem compreensão, como “O que você sentiu quando escutou isso?”, “Como podemos te auxiliar?” ou “Tente relatar a situação da maneira como con- seguir”, pode ajudar a vítima a se sentir compreendida e falar mais francamente sobre o que ocorreu. Curso de Aperfeiçoamento em Saúde Mental e Atenção Psicossocial de Adolescentes e Jovens Módulo: Escola e redes sociais nas adolescências e juventudes 15 vítima de bullying pela internet, o que caracteriza cyberbullying . Antes de abordar esse tipo específico de violência, pode ser interessante entender que os estudos sobre a violência na escola ganharam destaque a partir da década de 1970, tendo sido o professor Dan Olweus, da Universidade de Bergen (que fica na Noruega, um dos países com o melhor sistema educacio- nal do mundo), um dos primeiros pesquisadores a publicar sobre o tema. O professor Olweus já havia identificado, por exemplo, que os alvos não precisam ter feito nada para se tornarem vítimas da violência . Sua simples presença no ambiente escolar basta para que os agressores impliquem com algo em sua aparência, orientação sexual, história de vida ou classe social e passem a agredi-los (OLWEUS, 1978) . A partir da década de 1990, o termo bullying passou a ser muito conhecido, sendo usado para retratar um tipo de vio- lência intencional e repetitiva que ocorre entre pares (crianças contra crianças, adolescentes contra adolescentes) . Sua mani- festação pode envolver qualquer tipo de violência e acontecer tanto presencialmente quanto de forma on-line . Infelizmente, é um tipo de violência comum nas escolas . Os tipos mais frequentes de bullying no contexto esco- lar são o verbal e o psicológico . Retomando a história de Vitor, pode-se identificar nela violência física, verbal, psicológica, além do cyberbullying . É interessante que, apesar de não ser a forma de violência mais frequente, a violência física é a que mais preo- cupa os pais dos estudantes (GALUCH, 2020) . No entanto, a que mais cresce é o cyberbullying . Uma das possíveis explicações para isso é que, embora o sofrimento emocional causado por violências seja geralmente mais intenso, ele não deixa marcas vi- síveis como a violência física . Por isso, é importante lembrar que a violência na escola pode acontecer de forma bem visível, dei- xando marcas e provas fáceis de identificar, mas também pode ocorrer de forma sutil ou camuflada, parecendo até brincadeira, o que exige que a atenção à sua existência seja ininterrupta . Algumas brincadeiras são violentas e usadas para aco- bertar o bullying, merecendo atenção dos educadores para evi- tá-las no ambiente escolar . Brincadeiras como “rasteira”, “mon- tinho”, “hoje não” e “quartel” são todas baseadas em realizar uma agressão física contra um colega que deixa de fazer uma saudação ou ação específica (rasteira, hoje não e quartel), ou sal- tar sobre os colegas, derrubando-os no chão, sob o pretexto de comemorar algo . SAIBA MAIS SOBRE A VIOLÊNCIA VIRTUAL: Você co- nhece os tipos de violência virtual que ocorrem por meio de redes sociais, aplicativos de mensagens ou e-mail? Conforme Peled (2019), são estes: - Mensagens ofensivas de uma pessoa ou de um grupo para a vítima: insultos, uso de apelidos, criação de boa- tos ou envio de mensagens depreciativas . - Fraping: acessar as contas da rede social ou e-mail da vítima e se passar por ela para realizar comentários e pos- tagens agressivas ou degradantes, afetando a identida- de, a reputação e as relações interpessoais da vítima . - Grooming: um adulto contata uma criança ou adoles- Curso de Aperfeiçoamento em Saúde Mental e Atenção Psicossocial de Adolescentes e Jovens Módulo: Escola e redes sociais nas adolescências e juventudes 16 cente pela internet e ganha sua confiança e sua amizade para abusar dela sexualmente . Esse abuso pode ocorrer estabelecendo uma conversa de natureza sexual, pedin- do envio de fotos, vídeos ou mesmo realizando práticas sexuais virtuais ou presenciais . - Stalking ou cyberstalking ou perseguição: o autor da violência tem um comportamento obsessivo em relação à vítima, monitorando o que ela faz na internet, tentando atrair sua atenção, por vezes de forma excessiva ou inco- mum (curtindo imediatamente todas as fotos que posta nas redes sociais e elogiando ou criticando todas as pos- tagens que faz, o que ocasiona apreensão e medo na ví- tima) . O autor pode ou não conhecer a vítima presencial- mente, assim como pode ou não saber quem é a vítima, pois podem usar perfis falsos e escolher o alvo de forma aleatória . - Sexting: o autor consegue fotos ou vídeos íntimos da vítima e os divulga sem consentimento . Essa divulgação pode ocorrer publicamente ou para contatos próximos da vítima, mas sempre tem a finalidade de prejudicá-la e constrangê-la . Quando o autor busca conseguir dinheiro por meio de ameaça de uso indevido dessas imagens, o ato se chama sextortion ou sextorsão . - Flaming: intimidações e ameaças realizadas por um cur- to período . - Denigration: difamar o alvo nas redes sociais ou em si- tes de comunicação da internet (Wikipédia, por exemplo), espalhando boatos e/ou informações falsas com o intuito de causar danos à vítima . - Masquerading: fingir ser outra pessoa, acessando ou até mesmo roubando a conta do alvo para compartilhar informações nocivas, roubar pessoas se passando pela vítima ou prejudicá-la de alguma forma . - Trickery e outing: induzir a vítima a fornecer informa- ções pessoais e delicadas . Essa prática deixa a vítima em uma posição de risco, pois suas informações podem ser usadas para prejudicá-la . - Exclusão: deixar a vítima fora do grupo, propositalmen- te, de modo que se sinta indesejada . É comum que ocor- ra em atividades sociais, tarefas escolares em grupo e em grupos ou chats virtuais . - Trolling: é insultar um indivíduo em ambiente on-line para provocá-lo até que se obtenha uma resposta ou re- ação . - Catfishing: o autor da violência rouba a identidade on- -line de alguém para recriar perfis de redes sociais para fins enganosos, como se inscrever em serviços em nome da vítima para que a vítima receba e-mails ou ofertas de coisas potencialmente embaraçosas, como boletins so- bre tratamento de incontinência, doenças sexualmente transmissíveis ou encontros sexuais . Curso de Aperfeiçoamento em Saúde Mental e Atenção Psicossocial de Adolescentes e Jovens Módulo: Escola e redes sociais nas adolescências e juventudes 17 Saber o papel das redes sociais e que o tipo de bullying que mais cresce entre adolescentes é o cyberbullying faz com que entendamos a importância de conversar sobre esses assun- tos . No entanto, quem são esses personagens envolvidos nas situações de bullying escolar e cyberbullying? Há o autor (ou autores) que está praticando os atos violentos com a intenção de causar mal ou dano (IMUTA et al ., 2022) . Aqui existe uma subdivisão, pois os autores podem ser: autor líder, que é aquele que inicia e planeja as agressões; ou autor seguidor ou incentivador, que adiciona elementos às agressões, auxilia em sua realização, impede que a vítima rece- ba ajuda e/ou valoriza o que o autor líder executa (IMUTA et al ., 2022) . Quem nunca presenciou uma confusão na escola ou na porta dela,com vários alunos rindo, assistindo, filmando e até in- centivando uma violência? “Briga, briga, briga!” Nesses casos, é importante entender que as pessoas que estão à volta são auto- res incentivadores e precisam ser acompanhados tanto quanto os autores líderes . A vítima ou alvo é quem recebe a violência . Pode ter sido escolhido por ser mais fraco fisicamente ou menos popular, por ter mais dificuldade para aprender, por ter habilidades so- cioemocionais menos desenvolvidas, por ter menor habilidade para o uso de tecnologias da informação ou por qualquer outra característica que o faça “diferente” ou “inferior” . No relato, Vitor recebeu um apelido ofensivo (Majin Boo) porque era gordo, mas poderia ter sido por qualquer motivo que os autores das agres- sões identificassem como alguma fragilidade dele. As testemunhas podem observar diretamente os atos violentos ou apenas saber que eles ocorrem com seus colegas por virem as marcas físicas ou consequências emocionais des- ses atos, como tristeza e choro . Há testemunhas que podem parecer indiferentes e outras que tentam confortar a vítima . Em uma situação de bullying na escola, é comum que os estudantes riam das vítimas ou apenas observem a violência sendo cometi- da . Pode até parecer que estão apenas assistindo, mas cada vez Fonte: Pixabay - Phishing: é uma tática que envolve enganar, persuadir ou manipular o alvo para que revele informações pesso- ais e/ou financeiras de si mesmo e/ou de seus entes que- ridos para tirar vantagens disso . Curso de Aperfeiçoamento em Saúde Mental e Atenção Psicossocial de Adolescentes e Jovens Módulo: Escola e redes sociais nas adolescências e juventudes 18 mais vemos que esses eventos também comprometem a saúde mental das testemunhas, que, geralmente, imaginam: “E se eu for o próximo?” Uma situação frequente e muito complicada é quando uma pessoa é vítima e autora de bullying . É possível que uma pessoa tenha pouco controle emocional e inicie disputas que não conseguirá vencer, seja hostil e desconfiada. Nessas situ- ações, a pessoa inicia os conflitos, mas acaba por ser a vítima. Pode acontecer, ainda, de a pessoa ser a vítima em um contexto e autora em outro . Na história de Vitor, ele ocupou os papéis de vítima, autor e testemunha de bullying . O garoto viveu agressões físicas e verbais, mas confessa que também praticou violência física contra outros colegas . Quanto à Gabriela, ao acompanhar o que aconteceu com ela, fica evidente que a adolescente foi testemunha de um tipo diferente de violência, o cyberbullying . Ao pensarmos sobre suas ações, vemos que não foram motiva- das por uma “índole ruim”, mas por fatores diversos e complexos, sobre os quais conversaremos mais adiante . Se é possível ocupar mais de um papel, e até mudar de papel, você já deve ter entendido que as situações de violência na escola não são como em filmes de heróis, em que temos um vilão e um herói . Esse é o ponto em que reside nossa esperança! As pessoas estão vítimas, autores ou testemunhas da violência, não são tais papéis . Por isso, “talvez”, se mudarmos a forma como lidamos com as agressões, aprendendo mais sobre o tema e criando alternativas para incentivar comportamentos acolhe- dores e colaborativos, todos os envolvidos deixem de estar em suas posições atuais . Talvez eles possam assumir o papel de es- tudantes, em escolas seguras física e emocionalmente, focados em aprender e se tornar cidadãos melhores para o nosso Brasil . Agora que você já conhece o “básico do básico” sobre o papel da escola, o que são redes sociais e o principal tipo de vio- lência que ocorre nas escolas, podemos conversar sobre alguns outros assuntos . Saiba mais Se estiver curioso para saber mais detalhes sobre violência escolar, leia o artigo que as professoras Ana Carina Stelko-Pereira e Lúcia Cavalcanti de Albuquerque Williams escreveram sobre esse tema. clique e acesse http://pepsic.bvsalud.org/pdf/tp/v18n1/v18n1a05.pdf http://pepsic.bvsalud.org/pdf/tp/v18n1/v18n1a05.pdf Curso de Aperfeiçoamento em Saúde Mental e Atenção Psicossocial de Adolescentes e Jovens Módulo: Escola e redes sociais nas adolescências e juventudes 19 Mas quantas pessoas estão na foto da violência? Curso de Aperfeiçoamento em Saúde Mental e Atenção Psicossocial de Adolescentes e Jovens Módulo: Escola e redes sociais nas adolescências e juventudes 20 Saiba mais Você mora em uma capital do Brasil e quer conferir como estão os índices de bullying na sua cidade? É possível ver as últimas estatísticas do IBGE clicando aqui e indo na página 45 do documento. INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA, 2022a). clique e acesse https://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/livros/liv101955.pdf https://biblioteca.ibge.gov.br/visualizacao/livros/liv101955.pdf Curso de Aperfeiçoamento em Saúde Mental e Atenção Psicossocial de Adolescentes e Jovens Módulo: Escola e redes sociais nas adolescências e juventudes 21 E quais são as consequências de toda essa violência? Em algum momento da sua vida você já sofreu alguma violência . Você pode ter tido um celular roubado, ter recebido um xingamento ou passado por uma humilhação . Se puxar pela memória, verá que não é difícil lembrar de ter sentido emoções negativas, como tristeza, raiva, frustração e desejo de reparação ou vingança . Sabemos que é pouco provável ser vítima de uma violência e não ser afetado por ela, por isso é até fácil compreen- der o que os alvos do bullying sofrem . A vítima de bullying e cyberbullying, constantemente, vive esses sentimentos negativos, pela violência em si e por não conseguir se defender ou evitar que as agressões se repitam . As pesquisas feitas na área têm nos ajudado a conhecer algumas das consequências mais comuns e a identificar algumas menos óbvias e que só surgem muito tempo depois . O aumento da tris- teza, a piora da autoestima e sentimentos de isolamento social e de solidão têm sido observados em praticamente todas as inves- tigações sobre o tema (BISWAS et al ., 2020; FORLIM; STELKO- -PEREIRA; WILLIAMS, 2014; RIZZOTTO; FRANÇA, 2020) . Outras consequências que vêm sendo muito observadas são a vonta- de de esquecer a situação, dificuldade de dormir ou manter o sono, pesadelos sobre a escola e medo de sofrer novas violên- cias, dificuldades para comer, pensamentos recorrentes sobre as agressões sofridas, ansiedade sobre qual será a violência se- guinte e aumento no consumo de bebidas alcoólicas e/ou outras drogas (ATHANASIOU et al ., 2018; FORLIM; STELKO-PEREIRA; WILLIAMS, 2014; LEREYA et al ., 2015) . Outros problemas observados nas vítimas de bullying são: comprometimento do rendimento acadêmico, esquecimento de coisas já aprendidas, vontade de abandonar a escola ou realmente de parar de estudar (VALLE et al ., 2018) . Além disso, existe o risco de as interações sociais fora da escola ficarem mais restritas ou terem pior qualidade, sendo comum os relatos de brigas com a família, comportamento agressivo com outras pessoas e, até mesmo, pensamentos e tentativas de automutilação e suicídio (BISWAS et al ., 2020) . Algumas vezes, as pessoas que sofrem bullying tentam outras reações . Elas podem se infantilizar, voltando a ter compor- tamentos comuns em crianças mais jovens e que já não tinham mais, como fazer xixi na cama ou chorar quando os pais saem para trabalhar; podem, ainda, tentar fazer de tudo para que os colegas gostem delas, em uma tentativa para que as agressões parem . Isso pode gerar determinados comportamentos, como dar para os colegas todo o seu material escolar, oferecer-se para fazer as tarefas de casa de outros estudantes ou tentar muito agradar os professores . Esses comportamentos são chamados de regressivos, quando a criança busca parecer mais jovem, ou hipercompensatórios, quando a criança tenta agradar a qual- quer custo (GALUCH etal ., 2020) . Lembrando do Caso Complexo, o personagem central de nossa história, Vitor, sentiu na pele algumas das consequên- cias que listamos . Ele teve problemas para dormir, sentiu dor fí- sica por ter sido agredido e teve sentimentos negativos (tristeza, medo etc .), assim como pensamentos e sensações de rejeição e Curso de Aperfeiçoamento em Saúde Mental e Atenção Psicossocial de Adolescentes e Jovens Módulo: Escola e redes sociais nas adolescências e juventudes 22 de inferioridade . Vitor perdeu a motivação e a vontade de estar na escola, mesmo o prédio físico em que estudava sendo bonito e sua família tendo sonhos e desejos que envolviam o que a es- cola possibilitaria para ele no futuro . A violência afetou seu ren- dimento a ponto de os professores notarem . Ele também tentou se isolar dos colegas e hipercompensar, ficando o tempo todo perto dos professores. Por fim, tentou imitar os agressores, na tentativa de ser aceito em seu grupo e parar de sofrer bullying . Sua colega Gabriela demonstrou consequências um pouco diferentes da violência que sofreu, embora igualmente ruins. Ela ficou muito triste, faltou à escola, chorou muito e preci- sou ser acolhida . Que bom que alguns colegas ajudaram nesse acolhimento e que, de alguma forma, ela podia contar com sua família, mesmo que a família não tenha pensado na melhor so- lução para resolver o problema, mas nem sempre o adolescen- te recebe esse apoio . Esses exemplos apenas ilustram que não há uma reação única à violência e que precisamos estar atentos para reconhecer o sofrimento . Proposição Quais estratégias você utiliza para compreender os senti- mentos dos adolescentes com quem atua? Feedback positivo: Tentar entender os sentimentos, pensamentos e ações dos adolescentes é essencial para criar possibilidades de auxílio e desenvolvimento social, moral e acadêmico. Utilizamos o diálogo como principal estratégia para conhecer os adoles- centes, porém nem sempre alcançamos bons resultados por essa via. ? Feedback orientador: As expressões faciais e corporais dos adolescentes podem ser importantes pistas de como se sentem e do que estão Curso de Aperfeiçoamento em Saúde Mental e Atenção Psicossocial de Adolescentes e Jovens Módulo: Escola e redes sociais nas adolescências e juventudes 23 A vítima sofre . Isso é fácil de reconhecer . Entretanto, você pode pensar que nada de ruim acontece com os autores do bullying e do cyberbullying, o que não é verdade . Como os agres- sores costumam conseguir vantagens em curto prazo por terem um comportamento truculento, esse comportamento se fortalece neles, o que faz com que reduzam ou não desenvolvam habilida- des para negociar, não precisem pedir desculpas nem ser gentis, o que os fará ser excluídos de grupos que valorizam essa forma de se comportar (MENDOZA-GONZÁLEZ; DELGADO NIETO; MANDUJA- NO, 2020; RETTEW; PAWLOWSKI, 2016) . Isso faz com que tenham a tendência a conviver com pessoas que praticam a violência como eles, e eles não serão os mais fortes em todos os contextos . Por isso, os autores têm mais chances de consumir e abusar de álcool e de drogas ilícitas, fumar tabaco, envolver-se em furtos e roubos, assim como de vivenciar a violência entre parceiros amorosos (ALVES et al ., 2021; PRADO; PILLON; STELKO-PEREIRA, 2019; TTOFI et al ., 2016), mas também têm mais chances de se tornarem vítimas de violência . É recorrente, ainda, que os agressores acabem por se de- sinteressar pelos estudos e tenham muitas dificuldades para manter o rendimento acadêmico . Se relembrarmos a história de Vitor, o próprio garoto se questionou se andar com Augusto e tornar-se um agressor não teria sido o caminho que Pedro construiu para ser aceito e não ser outra vítima . Se pensarmos em suas características (negro, alto, forte, com dificuldades de aprendizagem, que já havia re- petido de ano duas vezes), talvez encontremos elementos que deem força para essa interpretação . O fato de ele não chorar, como Gabriela, está longe de ser uma indicação de que ele não sofre e que não está sendo prejudicado pela violência no contex- to escolar . As consequências para os autores que também são víti- mas geralmente são piores do que para aqueles que são só au- tores ou só vítimas, porque, além de tudo o que dissemos antes, por praticarem também violência, acabam gerando menos em- patia por parte dos adultos e de testemunhas (MATOS; STELKO- -PEREIRA; LOURINHO, 2020) . Esse contexto faz com que as pes- soas os tratem de forma menos acolhedora . Por fim, as testemunhas também são afetadas, tanto aquelas que acolhem as vítimas e podem sentir medo de se- rem as próximas a sofrer algum tipo de violência em retaliação ou sentem culpa por não conseguirem parar as agressões efeti- vamente (JENARO; FLORES; FRÍAS, 2018), como as que tentam não se envolver, que podem passar a embotar seus sentimentos como forma de evitar o sofrimento, começar a evitar a escola ou situações sociais com colegas ou mesmo se arrepender de não terem feito nada para impedir as agressões . Há estudos que mostram que as consequências da vio- lência no contexto escolar podem perdurar por toda a vida . As pensando. Criar situações fictícias para os adolescentes in- dicarem o que pensam sobre os personagens e sobre como eles deveriam se comportar também dá indicativos da opi- nião e sentimentos deles sobre o tema. Frases para serem completadas pelos adolescentes também podem ser úteis, como “Se eu fosse professor da minha escola, faria...”, “Se eu tivesse um super poder, este seria...”, “Um momento top da escola foi...” e “O pior momento na escola até agora foi...”. Curso de Aperfeiçoamento em Saúde Mental e Atenção Psicossocial de Adolescentes e Jovens Módulo: Escola e redes sociais nas adolescências e juventudes 24 investigações sobre o tema têm mostrado que as pessoas que estiveram envolvidas em bullying durante a infância e adoles- cência, em especial ocupando o papel de vítimas, têm maior ris- co de desenvolver transtornos mentais na vida adulta (GARCIA; SOUZA, 2022; MATOS et al ., 2020) . Se há consequências para todos os envolvidos: escutar e dar auxílio é urgente e necessário! Curso de Aperfeiçoamento em Saúde Mental e Atenção Psicossocial de Adolescentes e Jovens Módulo: Escola e redes sociais nas adolescências e juventudes 25 Tanta dor, tanta tristeza... o que gera tudo isso? Sabemos que os números sobre a violência escolar são pre- ocupantes e suas consequências são muitas e duradouras . Toda essa situação pode fazer você se esquecer de nosso convite para pensar no “talvez”, mas não é hora de perder a esperança . Toda situação tem seus pontos fortes; sim, sempre, toda situação, ainda que em um primeiro momento não consigamos ver ou admitir! Pense por este lado: o primeiro passo para mudar uma situação de que não gostamos é saber que ela existe e quão importante ela é . Agora sabemos quantas pessoas são afetadas pela violência e não gostamos de ver que são muitas, mas temos a chance de usar esse conhecimento para entender melhor o que causa o bullying e o que podemos fazer para combatê-lo . Desde que existe escola, pode-se dizer que existe bullying escolar . No entanto, da mesma forma que evoluímos como sociedade em termos tecnológicos (carros, aviões, inter- net, celulares, computadores, medicamentos etc .), precisamos avançar na qualidade das relações entre as pessoas . Sabemos que as pesquisas sobre a violência escolar começaram na dé- cada de 1970, que as discussões sobre bullying começaram a ganhar força nos anos de 1980 e que a importância do tema foi reconhecida no Brasil em 2015, passando a existir uma lei (Lei n0 13 .185) destinada aos programas de combate ao bullying no país (BRASIL, 2015) . Já em 2016, foi promulgada outra lei (Lei n0 13.277), que definiu o dia 7 de abril de cada ano como “Dia Na-cional de Combate ao Bullying e à Violência na Escola” (BRA- SIL, 2016). Por fim, em 2018, a Lei n0 13 .663 incluiu a promoção da conscientização e a prevenção e combate a todos os tipos de violência entre os compromissos das instituições de ensino do país (BRASIL, 2018) . As pesquisas sobre bullying têm indicado os fatores que vão se somando e interagindo entre si para que alguém se envolva ou deixe de se envolver em situações de bullying (ES- PELAGE, 2014; SCHULTZ et al ., 2012) . Note que falamos em fa- tores, no plural, porque é sempre um conjunto deles; não se tra- ta, portanto, de uma relação de causa e efeito . É como fazer um bolo . Há vários ingredientes que precisam ser misturados, cada um em uma quantidade específica. Não se faz um bolo com um único ingrediente e, se você errar na quantidade dos ingredien- tes, esquecer algum ou até mesmo não considerar a temperatura ambiente, o resultado não sairá como o esperado . Portanto, tome cuidado! Às vezes, podemos cometer o deslize de afirmar que alguém é autor ou vítima de bullying por- que é “assim ou assado”, reduzindo inadequadamente a comple- xidade do fenômeno . Quem nunca escutou algo como: “Fulano é muito agressivo, mas, também, com aquela mãe . . .”? Podemos, considerando a história de Vitor, achar, equivocadamente, que alguém que agisse igual a ele não seria vítima de bullying se fos- Saiba mais Quer saber o que está previsto na lei de combate ao bullying? Leia o texto integral da Lei n013.185 clicando aqui. clique e acesse http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13185.htm http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2015/lei/l13185.htm Curso de Aperfeiçoamento em Saúde Mental e Atenção Psicossocial de Adolescentes e Jovens Módulo: Escola e redes sociais nas adolescências e juventudes 26 se magra e rica. Ou, ainda, podemos simplificar o problema, des- crevendo os estudantes como heróis ou vilões, achando que a solução para tudo é expulsar os autores de bullying . Existem diversos níveis de influência para envolver-se com bullying e cyberbullying . Há características da pessoa (ida- de, sexo, aparência física, raça etc .); dos contextos em que intera- ge (entre amigos, familiar, escolar, clubes recreativos e/ou grupos religiosos etc .); das relações entre esses contextos; e questões sócio-históricas que perpassam por tudo . Puxa, é tanto aspecto a ser levado em consideração, que talvez você até esteja confuso . Então, vamos por partes. Primeiro, vamos conhecer as influên- cias para ocupar o papel de vítima e depois para agir como autor . Feedback positivo: A tentativa de analisar uma situação de violência e dar conse- quências justas e que promovam a aprendizagem dos envol- vidos é importante. Nessa tentativa, por força do hábito de enxergar o mundo de maneira binária, do tipo sim ou não, podemos cometer o erro de classificar as pessoas, colocan- do-as nas categorias de boas ou más. Feedback orientador: Não existem pessoas inteiramente boas ou inteiramente más. É importante entender os comportamentos dos ado- lescentes dentro dos contextos em que ocorrem para tentar encontrar os fatores que motivaram tanto as ações positivas quanto as negativas. Conhecendo-se esses fatores, eles po- dem ser aumentados ou diminuídos, sendo esta uma pers- pectiva muito mais útil do que buscar culpados ou qualificar as pessoas. Proposição Você já reparou como a maioria das histórias dos filmes e li- vros classifica os personagens em “bons” e “maus”? Na sua opinião, essas histórias traduzem a vida real? ? Curso de Aperfeiçoamento em Saúde Mental e Atenção Psicossocial de Adolescentes e Jovens Módulo: Escola e redes sociais nas adolescências e juventudes 27 Influências para estar vítima Veja os cards a seguir e verifique as afirmações falsas e as verdadeiras sobre alguns dos fatores relacionados a estar vítima de bullying . Verdadeiro Verdadeiro Falso Negros, pardos, migrantes e imigrantes têm maiores chances de serem vítimas de bullying (ESPELAGE, 2014) Os estudantes vítimas geralmente têm poucas habilidades sociais para iniciar e manter amizades, expressar opinião e es- tabelecer limites nos relacionamentos . Temos o direito de expressar o que pensa- mos sobre se é errado ser homossexual, travesti, entre outros (LGBTQIA+) . Expres- sar-se contra alguém por essa pessoa ser LGBTQIA+ não é bullying . O racismo e a xenofobia, principalmente em relação a nordestinos, haitianos e venezuela- nos, estão presentes em nossa sociedade e adentram a escola . Para enfrentar o bullying, uma importante estratégia é criar oportunidades para que os estudantes vítimas estabeleçam amizades e desenvolvam habilidades sociais (KENDRI- CK; JUTENGREN; STATTIN, 2012) . A Declaração Universal dos Direitos Hu- manos é para todos (ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS, 1948) . Infelizmente, a cultura e algumas interpretações religiosas fomentam o desrespeito às pessoas que não seguem a heteronormatividade, tentan- do impor uma única maneira de expressar a sexualidade . Assim, pessoas LGBTQIA+ têm maiores chances de serem vítimas de bullying . Cerca de 54% o são, segundo estu- do da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura em parce- ria com a International Lesbian, Gay, Bisexu- al, Transgender, Queer & Intersex Youth And Student Organization (2021) . Curso de Aperfeiçoamento em Saúde Mental e Atenção Psicossocial de Adolescentes e Jovens Módulo: Escola e redes sociais nas adolescências e juventudes 28 Além das características que você conheceu nos cards, há aspectos da família, dos amigos, da escola e da sociedade que também são importantes . Citaremos alguns dos aspectos considerados muito relevantes depois de mais de 40 anos de es- tudos sobre bullying: Quanto à família: cuidadores autoritários, agressivos e negli- gentes podem fazer com que o indivíduo se sinta amedrontado diante das situações da vida ou podem fazê-lo acreditar que seja merecedor das agressões na escola, uma vez que seus próprios cuidadores já o tratam mal . Famílias que não supervisionam as redes sociais e o uso da internet pelas crianças e adolescentes Falso Falso Falso Estudantes obesos, por aparentarem for- ça física, não têm chances aumentadas de sofrer bullying . Quanto mais um estudante usa a internet, mais terá condições de se proteger e se defender do bullying e cyberbullying Pessoas autistas não se importam com xingamentos e exclusões propositais na escola, pois pouco compreendem as emoções . Há forte pressão social para se seguir um único padrão corporal, de modo que os estu- dantes que destoam desse padrão têm chan- ces aumentadas de serem vítimas . Assim, pessoas muito baixas, muito altas ou com alguma característica distintiva (mancha, ta- manho de orelha, nariz, entre outros) podem se tornar alvos (SCHULTZ et al ., 2012) . Quanto mais um estudante usa a internet, mais se expõe a contatos interpessoais virtu- ais e ao mundo virtual, portanto convive me- nos presencialmente com outras pessoas, faz menos amizades, interage menos com a natureza e faz menos exercícios físicos . Além disso, pode afastar-se de pessoas de seu entorno, inclusive familiares . Com isso, habilidades importantes de convívio e nego- ciação deixam de ser treinadas, uma vez que no mundo virtual é mais fácil cortar relações . Falso: Ninguém gosta de ser ofendido . O fato de alguém ter o diagnóstico de Transtorno do Espectro Autista não autoriza desrespeito e exclusão . Infelizmente, ser autista ou ter de- ficiência é fator de risco para sofrer bullying (FALCÃO; STELKO-PEREIRA; ALVES, 2021) . Curso de Aperfeiçoamento em Saúde Mental e Atenção Psicossocial de Adolescentes e Jovens Módulo: Escola e redes sociais nas adolescências e juventudes 29 também os colocam em risco, pois o comportamento na inter- net não é natural e precisaser aprendido com exemplos e regras, como os demais comportamentos sociais . Quanto aos amigos: os estudantes que fazem poucas amizades têm maiores chances de estar na posição de alvos da violência . Outra situação que caracteriza risco aumentado de sofrer violên- cia é ter amigos que supervalorizam as redes sociais e as ativida- des on-line, em comparação com os momentos presenciais . A vida on-line é superficial e editável, podendo passar a impressão de uma realidade que não existe, mas que pode afetar a autoes- tima e o desenvolvimento das pessoas . Quanto à escola: quando há, na escola, um número elevado de alunos por funcionário, pouca supervisão estudantil e currículo que não engloba o ensino de habilidades sociais, de convivên- cia ética e de princípios morais, há maior risco de violência . O mesmo ocorre quando não se fala sobre esse tema ou quando a formação sobre bullying e cyberbullying é insuficiente. Escolas que não têm estratégias inclusivas para pessoas com transtornos de aprendizagem e deficiências, ou aquelas nas quais o aluno que aprende mais lentamente as disciplinas formais é percebido como inferior, também vivenciam mais casos de violência . Quanto à sociedade: incentivar perspectivas machistas, de acordo com as quais meninos precisam parecer fortes e pessoas não podem expressar medo e tristeza, favorece reações agressi- vas . Manter práticas que não valorizam as diferenças e que dão importância a uma pessoa pelo que ela tem ou aparenta reforça concepções de que algumas pessoas têm o direito de vitimizar outras porque são superiores, o que incentiva o bullying . Quanto à relação família e escola: quando escola e família não Feedback positivo: Amigos são muito importantes, pois com eles podemos aprender novas informações e habilidades e desfrutar da na- tureza, de momentos de brincadeira e lazer. Em momentos de desafios, dificuldades, frustrações e lutos, as palavras de ânimo, a atenção e o colo dos amigos são essenciais. Feedback orientador: Apesar de as amizades serem fundamentais, não é fácil esta- belecê-las nem mantê-las. Habilidades diversas são neces- sárias para isso, como de iniciar e manter conversas, con- vidar para atividades, parabenizar nos aniversários, apoiar nos momentos difíceis, permitir intimidade, entre outras. O profissional que atua com adolescentes e as escolas devem oferecer espaços para que as amizades floresçam, por exem- Proposição Ah, você deve conhecer aquela música Canção da América do Milton Nascimento, que tem o trecho “Amigo é coisa para se guardar, de baixo de sete chaves, dentro do coração...”. ? plo: privilegiar trabalhos em grupo, permitir momentos de interações livres de objetivos acadêmicos e instruir sobre habilidades sociais. Curso de Aperfeiçoamento em Saúde Mental e Atenção Psicossocial de Adolescentes e Jovens Módulo: Escola e redes sociais nas adolescências e juventudes 30 constroem relações de parceria, de modo a compartilhar infor- mações, inquietações, potencialidades e dificuldades sobre as crianças e adolescentes, há mais chances de a violência escolar existir e ninguém saber nada a respeito . Caso um estudante es- teja sendo vítima de violência e a família busque a escola para relatar o que sabe, se a escola desacreditar a família, minimizar o que pode ter ocorrido, não aplicar medidas preventivas e de acompanhamento e se preocupar mais em se eximir da culpa do que em ser parte da solução para a situação, a chance de o estudante continuar a estar vítima aumenta . Por outro lado, se a família ignorar os pedidos de diálogo da escola ou tiver o mesmo comportamento de desacreditar, minimizar ou tentar encontrar um culpado externo, a vítima seguirá sem apoio e proteção . Curso de Aperfeiçoamento em Saúde Mental e Atenção Psicossocial de Adolescentes e Jovens Módulo: Escola e redes sociais nas adolescências e juventudes 31 Influências para estar autor Veja os cards a seguir e confira as afirmações falsas e verdadeiras sobre alguns dos fatores relacionados a estar autor de bullying . Falso Verdadeiro Alunos autores nasceram agressivos, são maldosos e precisam sentir na “própria pele” quanto é ruim sofrer violência para aprender a conviver socialmente . Autores de bullying e cyberbullying po- dem ter sofrido violência ao longo da vida, seja em suas próprias famílias, seja na es- cola, seja ainda em outros contextos . Há um conjunto de fatores que nos leva a ser agressivo . Estar autor de bullying e/ou cyber- bullying não é uma característica como a cor dos olhos . Você mesmo pode reconhecer que, em algum momento da sua vida, pode ter agido de um modo que não se orgulha, como ter xingado ou ofendido alguém . Ser violento com alguém que é autor de bullying o fará pensar que atos violentos são real- mente uma possibilidade nas relações hu- manas . Deve-se aproveitar a oportunidade para exemplificar como resolver conflitos de modo pacífico e baseado na justiça restaura- tiva . Quando alguém sofre violência, pode passar a manifestar comportamentos violentos com outras pessoas ou até contra si mesmo . As- sim, é importante desenvolver diálogo com os que estão autores para tentar entendê-los e auxiliá-los a elaborar as suas vivências . Isso não quer dizer que viver uma história difícil justifica a violência. É importante estabele- cer limites com afeto e focar em ações para desenvolver princípios morais de igualdade, justiça, honestidade e compaixão . Curso de Aperfeiçoamento em Saúde Mental e Atenção Psicossocial de Adolescentes e Jovens Módulo: Escola e redes sociais nas adolescências e juventudes 32 Agora que você já conhece os fatores relacionados a es- tar autor de bullying apresentados nos cards, que tal explorar- mos um pouco mais as influências para ocupar o papel de autor de uma violência? Como fizemos com a vítima, vamos apresentar os principais achados dos estudos sobre os aspectos da famí- lia, amigos, escola e sociedade importantes para estar autor de bullying e cyberbullying ou autor e vítima ao mesmo tempo . Quanto à família: cuidadores que valorizam e “resolvem” seus problemas por meio da violência e que transmitem valores de competição exacerbada e de que se deve tirar proveito de pes- soas mais frágeis ou de ganhar mesmo em situações injustas aumentam as chances de que os jovens sob seus cuidados se envolvam em bullying e cyberbullying . O comportamento nem sempre é claro, mas essa valorização e incentivo aparecem em frases como: “O mundo é dos espertos”, “É a lei da selva, só os mais fortes sobrevivem” ou “Deixa ele tentar, sou mais forte, que- bro todos os dentes daquela boca” . Quando há prática de vio- lência entre os membros da família, principalmente genitores, há maiores possibilidades de os integrantes da família praticarem Falso Falso Autores de bullying e cyberbullying têm autoestima elevada e consideram-se poderosos . Autores de cyberbullying sabem todo o mal que irão causar e verdadeiramente não se importam . Os estudos são controversos no que diz res- peito a como os autores de bullying e cyber- bullying se percebem e a quanto se sentem importantes . Independentemente dessa in- consistência, envolver os adolescentes em estratégias para desenvolver autoestima é essencial . Por exemplo, é importante promo- ver debates que abordem a pressão exercida pela sociedade para que as pessoas sigam um único padrão corporal e tenham os mes- mos interesses e objetivos, assim como de- bates que reflitam sobre as implicações des- sa pressão na felicidade/infelicidade . Em alguns casos, o ato agressivo on-line ocorre por impulsividade . É difícil avaliar quanto a postagem se espalhará pelas redes sociais e por quanto tempo permanecerá cir- culando e revitimizando a pessoa . Assim, é essencial discutir com os jovens sobre a im- portância de desenvolver autocontrole para evitarque, em um momento de raiva, utilizem as redes sociais para extravasar e, então, se arrependam por causar sofrimento a outra pessoa . Curso de Aperfeiçoamento em Saúde Mental e Atenção Psicossocial de Adolescentes e Jovens Módulo: Escola e redes sociais nas adolescências e juventudes 33 bullying . Quando há muita permissividade, também, como ocor- re quando a família não se importa com a rotina de suas crianças e adolescentes e são eles, os filhos, que decidem quanto e como irão usar as redes sociais, também há maior risco de envolvimen- to em situações de violência . Quanto aos amigos: o ditado “Diga-me com quem andas e eu te direi quem tu és” é de certo modo verdadeiro com relação ao bullying e cyberbullying . Comumente, os autores formam grupos de amizades que incentivam práticas violentas, que fornecem recursos e auxiliam nas situações agressivas e que valorizam a quebra de limites e regras sociais, inclusive com relação ao uso e abuso do consumo de bebidas alcoólicas e substâncias ilegais . Muitas vezes, o autor de bullying e cyberbullying ganha um sta- tus social que não saberia alcançar de modo não agressivo . Quanto à escola: docentes que consideram que a função da escola se resume ao ensino de habilidades acadêmicas, des- considerando estratégias que promovam habilidades sociais, o exercício da democracia e o desenvolvimento, podem favorecer o surgimento do bullying . Essas estratégias nem sempre são sis- temáticas . Vale aquela conversa “olho no olho” em que dizemos que nos importamos, escutamos o que o jovem tem a dizer e le- vantamos juntos alternativas para ser uma pessoa melhor . Vale também aquele momento em que há um conflito entre adoles- centes e optamos por parar o que estamos fazendo para ensi- ná-los a negociar e escutar um ao outro . Também é importante pensarmos duas vezes antes de dar uma resposta malcriada a alguém que nos ofendeu, porque sabemos que somos exemplo ou que buscamos juntos uma solução construtiva e não punitiva para uma situação-problema . Feedback positivo: As situações de violência no contexto escolar são comple- xas, em especial pelo importantíssimo papel das escolas na formação dos jovens. A vontade de “se ver livre do proble- ma” é grande, portanto não é difícil entender por que assu- mir uma atitude rápida e drástica é muitas vezes a primeira opção. No entanto, o bullying é uma situação complexa e, se apenas punir os diretamente envolvidos resolvesse, esse tipo de problema não teria crescido tanto. Feedback orientador: Quando a opção da escola é a de usar sempre medidas pu- nitivas quando alguém se envolve em casos de bullying, é frequente que a situação se torne um ciclo. Um caso é des- coberto, alguém é punido, as violências se tornam mais es- condidas e chegamos a acreditar que pararam e que essa so- lução funcionou. Contudo, na verdade, os autores só estão mais cuidadosos para não serem pegos, e as vítimas estão mais assustadas. Em pouco tempo, outro caso surge e o ci- clo recomeça. Quando a escola investe em conscientização, Proposição O texto indica a necessidade de combater o bullying, mas se posiciona contra medidas punitivas como primeira e princi- pal estratégia. Convidamos você a pensar nos motivos desse posicionamento. ? Curso de Aperfeiçoamento em Saúde Mental e Atenção Psicossocial de Adolescentes e Jovens Módulo: Escola e redes sociais nas adolescências e juventudes 34 Quanto à sociedade: crenças e práticas sociais que não pro- movem a paz e os Direitos Humanos contribuem para a prática de bullying . Desde pequenos, somos estimulados a acreditar que “o ataque é a melhor defesa”, que precisamos “dar o troco” perante uma ofensa ou que “não podemos levar desaforo para casa” . No Brasil, somos extremamente permissivos diante da violência, especialmente quando praticada contra grupos mino- ritários por pessoas com prestígio público ou cargos de poder . Programas televisivos policiais frequentemente apresentam si- tuações de violência quase sugerindo que a vítima mereceu o ato e que aquela foi uma forma de “dar uma lição” para que ela aprendesse a comportar-se bem . Esses programas, muitas ve- zes, desrespeitam o que a Constituição preconiza sobre o direito à defesa, sobre presunção de inocência, entre outros aspectos . Esse contexto incentiva atos violentos . Quanto à relação família-escola: deve haver harmonia e parceria entre família e escola, de modo que ambas consigam se apoiar na busca de caminhos e alternativas para que as crianças e adoles- centes deixem de ser autores de violência . Se a família é advertida pela escola de que o adolescente comete bullying e cyberbullying e nada faz a respeito, assumindo uma postura de negar o envolvi- mento, culpabilizar a escola ou mesmo ir para o outro extremo e ser violenta com o jovem, a situação tende a piorar . A história de Vitor pode ser mais uma vez retomada aqui . A condição social de sua família, o fato de ser um migrante, o mo- mento em que ingressou na escola, seu peso e sua cor podem sim ter contribuído para que Vitor ocupasse uma posição de víti- ma, mas esses fatores sozinhos não explicam a violência, como bem lembrou Enzo, na história . Ele, Enzo, tinha algumas dessas características, mas não todas e sofreu violência relacional . Gabriela não se encaixava no estereótipo de negra e pobre, mas sofreu cyberbullying . O contexto social e o contexto da instituição, assim como a pró- pria família do garoto, não podem ser ignorados ao tentarmos entender por que a violência ocorreu . A diretora da escola mos- trou-se acolhedora, mas dentro da mesma escola havia pesso- as que sustentavam uma posição puramente punitiva, como se dar uma suspensão aos dois estudantes que se envolveram em uma agressão física fosse impedir que aquele tipo de violência voltasse a ocorrer . Houve, ainda, um comportamento que preci- saria ser mais bem compreendido . A professora suspeitou que a história de Vitor sobre ter se machucado ajudando o pai poderia não representar o que realmente havia acontecido e ofereceu informações sobre o Conselho Tutelar, o que é importante . No entanto, a história não fala sobre outro importante papel da esco- la, que é o de estar mais atenta quando há suspeita de violência . Uma ligação para a família poderia ter esclarecido que as versões desenvolvimento moral, ensino de habilidades sociais e na promoção de relações mais saudáveis, o fim da violência é gradual, mas depois duradouro. Isso quer dizer que os ca- sos começam a ser menos graves antes de realmente di- minuírem de frequência, mas, com o tempo e manutenção do trabalho em competências sociais, respeito e empatia, o bullying deixa de fazer sentido. Os próprios estudantes aler- tam e barram tentativas de novas violências e todos ganham cidadãos mais conscientes e respeitosos. Curso de Aperfeiçoamento em Saúde Mental e Atenção Psicossocial de Adolescentes e Jovens Módulo: Escola e redes sociais nas adolescências e juventudes 35 de Vitor sobre o incidente não eram iguais e ter servido de luz vermelha tanto para a escola quanto para a família de que algu- ma coisa errada estava acontecendo com o jovem . A família de Vitor também poderia ter tido uma atitude mais assertiva e sensível . Acreditar que o garoto caiu por ser de- sastrado e que teve a “sorte” de ficar com uma marca similar a um soco no olho pode indicar inocência ou desinteresse . Não estamos incentivando um clima de desconfiança entre familia- res, mas omitir, esconder e criar desculpas são comportamentos comuns de adolescentes, uma vez que suas habilidades sociais e de responsabilizar-se pelo que fazem ainda estão em desen- volvimento . Cabe aos adultos, que já passaram dessa etapa e, em tese, desenvolveram mais habilidades, supervisionar o que acontece com os jovens . Não estamos tentando fazer uma fila e distribuir culpas; apenas alertar
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