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Meio ambiente

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TUTELA CIVIL DO MEIO AMBIENTE
Prof. Rafael Tocantins Maltez
INTRODUÇÃO
A responsabilidade ambiental do poluidor, em decorrência de um único dano ambiental, pode se dar nas esferas civil, penal e administrativa, as quais possuem objetos diferentes de tutela, sendo elas autônomas e independentes, não havendo necessidade da preexistência de qualquer uma para a superveniência das demais. É a tríplice responsabilidade em matéria ambiental (art. 225, §3º, da CF).
A Constituição Federal também previu a responsabilidade daquele que exerce a atividade minerária, destacando que “aquele que explorar recursos minerais fica obrigado a recuperar o meio ambiente degradado, de acordo com solução técnica exigida pelo órgão público competente, na forma da lei” (art. 225, §2º).
POLUIDOR E POLUIÇÃO
Quem causa o dano ambiental é o poluidor. 
Poluidor: “a pessoa física ou jurídica, de direito público ou privado, responsável, direta ou indiretamente, por atividade causadora de degradação ambiental” (art. 3º, IV, da Lei n. 6.938/1981). 
Degradação da qualidade ambiental: a alteração adversa das características do meio ambiente (art. 3º, II, da Lei n. 6.938/1981).
Poluição: a degradação da qualidade ambiental resultante de atividades que direta ou indiretamente (art. 3º, IV, da Lei. n. 6.938/1981):
prejudiquem a saúde, a segurança e o bem-estar da população;
criem condições adversas às atividades sociais e econômicas;
afetem desfavoravelmente a biota;
afetem as condições estéticas ou sanitárias do meio ambiente;
lancem matérias ou energia em desacordo com os padrões ambientais estabelecidos.
A degradação da qualidade do meio ambiente pode ser causada por fato que não tenha participação do ser humano (ex. erupção de vulcão). Quando a degradação da qualidade do meio ambiente for resultante de atividades que direta ou indiretamente sejam atribuídas a um ser humano, haverá poluição e poluidor. Degradação ambiental é expressão com acepção mais ampla que poluição. 
Mesmo que se lance matéria ou energia dentro dos padrões ambientais, pode existir poluição e dever de indenizar. Isso porque determinado nível de emissão de substância impactante, mesmo que permitida e dentro dos padrões ambientais estabelecidos, pode degradar o meio ambiente.
Mesmo que exista poluição a partir de uma atividade que tenha licença ambiental, não há exclusão da responsablidade civil do poluidor, se ocorrer dano ambiental. Se a atividade foi realizada em regular licenciamento ambiental, poderia haver a exclusão da responsabilidade administrativa, mas não a civil, pois esta é reparatória, e não essencialmente sancionatária.
 
DANO AMBIENTAL
Conceito: é qualquer lesão causada por condutas ou atividades de pessoa física ou jurídica, culposa ou não, direta ou indiretamente, a um bem jurídico ambiental. 
Representa ofensa, prejuízo ao meio ambiente, acarretando desequilíbrio ecológico e degradando a sadia qualidade de vida. 
Não é fácil delimitar a extensão de um dano ao meio ambiente. Eles são permanentes e continuativos, perpetuando-se no tempo e no espaço. É dificil estabelecer o nexo causal, pois amiúde o prejuízo ao meio ambiente só se manifesta depois de muitos anos, e normalmente após o efeito cumulativo da poluição (sinergia), não raro com origem em mais de uma fonte emissora. Por isso, a reparação deve ser a mais ampla (reparação integral) e rápida possível. 
Classificação:
a)Quanto à reparabilidade e ao interesse envolvido: 
a.1) Dano ambiental de reparabilidade direta: atinge os indivíduos lesados diretamente; o causador do dano deve indenizar diretamente as pessoas interessadas.
a.2) Dano ambiental de reparabilidade indireta: tutela-se o interesse da coletividade, os direitos difusos e coletivos; refere-se à proteção do meio ambiente como bem difuso; a reparabilidade é feita ao bem ambiental e não objetiva ressarcir interesses individuais; o meio ambiente é reparado indiretamente no que concerne à sua capacidade funcional ecológica e à capacidade de aproveitamento humano.
b) Quanto à sua extensão: 
b.1) Dano patrimonial ambiental: perda material do bem ambiental; prejuízo tangível; é possível a raparação, a restauração, a recuperação da degradação.
b.2) Dano extrapatrimonial ou moral ambiental objetivo: o interesse ambiental atingido é o difuso; os danos extrapatrimoniais caracterizam-se pela violação a direito cuja integridade é de interesse comum e indispensável ao respeito à dignidade. Caracteriza-se pela lesão a valor imaterial coletivo, pelo prejuízo proporcionado a patrimônio ideal da coletividade, afetando o equilíbrio ecológico e a qualidade de vida. Desrespeito ou perda de valores da coletividade, humana ou não; é aquele que reduz o bem-estar dos seres vivos ou atingem valor intrínseco. O STJ tem reconhecido a existência de dano moral coletivo, alterando posição contrária que vigorou até 2010 (REsp 1.180.078/MG, rel. Min. Herman Benjamin, 2ª Turma, julgado em 2-12-2010, DJe 28-2-2012). “O dano moral coletivo ambiental atinge direitos de personalidade do grupo massificado, sendo desnecessária a demonstração de que a coletividade sinta a dor, a repulsa, a indignação, tal qual fosse um indivíduo isolado” (Resp 1.269.494, de 24.09.2013). 
b.3) Dano ambiental extrapatrimonial subjetivo ou reflexo: o interesse ambiental atingido relaciona-se a um interesse individual; a lesão ao meio ambiente reflete negativamente em bens individuais de natureza imaterial, provocando sofrimento; dano extrapatrimonial de caráter individual.
Existe a possibilidade de cumulação de restauração/recuperação do meio ambiente degradado e indenização por danos patrimoniais e morais, individuais ou coletivos.
Quanto à amplitude do bem protegido: 
c.1) dano ambiental stricto sensu (ecológico puro): atinge exclusivamente os ecossistemas ou alguns se seus componentes essenciais, os próprios bens da natureza, restringindo-se ao meio ambiente natural.
c.2) Dano ambiental lato sensu: é o que afeta o meio ambiente em uma concepção ampla (meio ambiente natural, cultural, artificial, do trabalho), os interesses difusos da coletividade.
c.3) Dano individual ambiental ou reflexo: é o dano individual, que afeta interesses de pessoas individualmente consideradas, e somente de forma indireta ou reflexa protege o meio ambiente. Nessa hipótese, o bem ambiental de interesse coletivo está indiretamente, ou de modo reflexo, tutelado. Ex. danos à saúde; danos aos pescadores por poluiçao do rio.
d) Quanto ao fator tempo
d.1) Dano interino ou intermediário: dano que existe entre a sua ocorrência e o pleno restabelecimento do meio ambiente afetado.
d.2) Dano residual: degradação ambiental que subsiste, não obstante todos os esforços de reparação.
	 
A valoração do dano ambiental deve considerar a gravidade da lesão ao meio ambiente e à coletividade, o tempo que o ecossistema levará para se recompor (quando possível), a afetação da saúde dos seres afetados. 
 
NEXO DE CAUSALIDADE
Nexo de causalidade é o vínculo que une a conduta ao resultado lesivo. Em regra, é necessária a comprovação do “dano” e do “nexo causal” para haver a responsabilidade civil ambiental. 
Na hipótese de conduta omissiva, não há propriamente um nexo causal, pois o poluidor não teve conduta positiva, não agiu positivamente, sendo responsabilizado por ter o dever de impedir a poluição e não o fez, sendo mais adequado referir-se a essa ligação jurídica como vínculo de não impedimento. 
Contudo, em algumas situações, o STJ admite exceção à regra, dispensado-se a comprovação do “nexo causal” e entende a obrigação de reparação dos danos ambientais como propter rem, cabendo ao novo proprietário manter a integridade do ecossistema protegido, sendo responsável pela recuperação, mesmo que não tenha contribuído para a degradação ambiental, cabendo o direito de regresso.
Súmula 623 da Primeira Seção do STJ: “As obrigações ambientais possuem natureza propter rem, sendo admissível cobrá-las do proprietário ou possuidor atual e/ou dos anteriores, à escolha do credor”.Súmula 618 do STJ: “A inversão do ônus da prova aplica-se às ações de degradação ambiental”. 
Súmula 629 da Primeira Seção do STJ: “Quanto ao dano ambiental, é admitida a condenação do réu à obrigação de fazer ou à de não fazer cumulada com a de indenizar”.
RESPONSABILIDADE CIVIL AMBIENTAL 
Art. 4º, VII, da Lei n. 6.938/1981: “imposição, ao poluidor e ao predador, da obrigação de recuperar e/ou indenizar os danos causados”.
A responsabilidade civil ambiental independe de ilicitude da conduta (ex. quando há atuação dentro dos limites da licença de operação e há dano ambiental). 
Aplica-se o Princípio da Reparação Integral do dano ambiental (Resp 625.249). 
Possibilidades de reparação do dano ambiental, que devem necessariemente ser adotadas na seguinte ordem: 
a) Tutela preventiva e precaução
b) Reparação in natura
Restauração/recuperação. 
Sempre que possível, a reparação de ser específica in situ e o mais brevemente possível. A restauração/recuperação engloba as funções e os serviços desses dos ecossistemas.
c) Indenização/compensação
RESPONSABILIDADE OBJETIVA 
Foi na Lei n. 6.938/1981 que se estabeleceu de forma geral a responsabilidade objetiva aos danos de ordem ambiental, conforme art, 14, § 1º: “Sem obstar a aplicação das penalidades previstas neste artigo, é o poluidor obrigado, independentemente da existência de culpa, a indenizar ou reparar os danos causados ao meio ambiente e a terceiros, afetados por sua atividade...”.
Exige-se somente: 
o dano ambiental; e 
o nexo de causalidade entre a conduta (fato – fonte poluidora) do agente e o dano. 
A teoria objetiva foi adotada para possibilitar e facilitar a reparação do dano ambiental e é fundada no risco da atividade. 
Existem duas teorias da responsabilidade objetiva:
a) Teoria do risco criado 
Admite excludentes como a força maior, o caso fortuito e a culpa de terceiros. 
b) Teoria do risco integral
É uma responsabilidade objetiva que não admite excludentes ou atenuantes. 
É posição majoritária na jurisprudência e na doutrina em matéria ambiental. 
A conduta do poluidor poderá ser comissiva ou omissiva. No caso de conduta omissiva, em relação a qual também é dispensada a prova de culpa, é necessário que o agente tenha o dever de atuar para evitar o dano ambiental, em decorrência de previsão legal, contratual ou por um comportamento anterior que tenha criado ou majorado um risco de dano ambiental. 
RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA
Além de objetiva, fundada no risco integral, a responsabilidade civil por dano ambiental é solidária entre todos os poluidores diretos e o todos os poluidores indiretos.
Dessa forma, os poluidores diretos e indiretos são responsáveis pelos danos causados ao meio ambiente e responderão pelo dano ambiental. Pode ser difícil, ou mesmo impossível, apurar-se todas as fontes poluidoras que tenham causado o dano ambiental, podendo a integralidade da obrigação ser exigida de um, alguns ou todos os poluidores. Visa-se a facilitação e agilização da reparação do dano ambiental. Não é obrigatória a formação de litisconsórcio. Cabe ação regressiva.
A proporcionalidade do dano causado pelas fontes poluidoras só é importante para futura e eventual ação regressiva daquele(s) que foi(ram) condenado(s) pelo dano ambiental contra os demais causadores não condenados. 
IMPRESCRITIBILIDADE DA REPARAÇÃO DO DANO AMBIENTAL
As ações para a reparação do dano ambiental são imprescritíveis. 
  
DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA
Art. 4º da Lei n. 9.605/1998: “Poderá ser desconsiderada a pessoa jurídica sempre que sua personalidade for obstáculo ao ressarcimento de prejuízos causados à qualidade do meio ambiente”.
Aplica-se a Teoria Menor, pois não se exige o abuso da personalidade jurídica, desvio de finalidade, confusão patrimonial, bastando que a personalidade seja obstáculo ao ressarcimento de prejuízos causados à qualidade do meio ambiente, como por exemplo, prova de insolvência da pessoa jurídica para o pagamento de suas obrigações.
DIREITO ADQUIRIDO DE POLUIR?
Não há direito adquirido de poluir ou degradar o meio ambiente. Conforme já entendeu o STJ, “o tempo é incapaz de curar ilegalidades ambientais de natureza permanente, pois parte dos sujeitos tutelados – as gerações futuras – carece de voz e de representantes que falem ou se omitam em seu nome. Décadas de uso ilícito da pripriedade rural não dão salvo-conduto ao proprietário ou posseiro para a continuidade de atos proibidos ou tornam legais práticas vedadas pelo legislador, sobretudo no âmbito de direitos indisponíveis, que a todos aproveita, inclusive às futuras gerações, como é o caso da proteção do meio ambiente. As APPs e a Reserva Legal justificam-se onde há vegetação nativa remanescente, mas com maior razão onde, em consequência de desmatamento ilegal, a flora local já não existe, embora devesse existir” (gn) (Resp. 948.921, de 23.10.2007).
O STJ não acolheu, no REsp 1.394.025, de 08.10.2013, a teoria do fato consumado: “em tema de direito ambiental, não se cogita em direito adquirido à devastação, nem se admite a incidência da teoria do fato consumado”. 
Um ato ilegal praticado contra o meio ambiente não se convalida pelo decurso do tempo, devendo sempre ser combatido, mesmo que gere uma situação consolidada. 
A Teoria do Fato Consumado não se aplica ao Direito Ambiental. Súmula 613 do STJ

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