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DIREITO INTERNACIONAL Este capítulo trata sobre a parte introdutória de Direito Internacional, nos auxiliando numa delimitação da temática regida por esta disciplina. Trazendo conceitos básicos deste ramo do direito e algumas das principais discussões iniciais que permeiam a disciplina. Trataremos sobre a sociedade internacional, incluindo seu surgimento, seus objetivos e como os países e seu respectivo povo se inserem nesta dinâmica. Iniciaremos, também, a discussão sobre a responsabilidade no âmbito internacional e como esta afeta o Estado, incluindo compromissos assumidos internacionalmente e no que isto acarreta para o direito interno. Por fim, abordaremos sobre as fontes de Direito Internacional e como estas são utilizadas pela sociedade internacional. 1. Introdução ao Direito Internacional 1.1 Aspectos gerais A história do Direito Internacional remonta aos primórdios da história da humanidade a partir do momento em que os homens se organizam em grupos sociais independentes disciplinados por uma ordem interna, como cidades, cidades-estados. Uma vez estabelecida essa divisão, havendo um soberano, que por sua vez, estabelece contato com outros soberanos, surgem costumes e, em seguida, o direito costumeiro, que visava regular tais relações, o que já carregava um caráter internacional. As relações entre os Estados, durante séculos, foram marcadas por contatos pontuais entre estes, contudo o surgimento do direito internacional como um ramo autônomo do direito possui como marco o sistema de Vestfália em 1648, após o fim da Guerra dos Trinta Anos, que dá início ao novo capítulo da história política da Europa e da respectiva regulação pelo direito internacional. A evolução das relações internacionais revela um cenário que caminha cada vez mais na direção oposta ao antigo “cada um por si”. O surgimento da cooperação e integração internacional em busca de objetivos em comum, bem como a necessidade de imposição de limites aos Estados revela como estamos inevitavelmente interligados com o mundo inteiro e as fronteiras estão a cada dia mais difíceis de visualizar. Já pensou como acontecimentos internacionais afetam nosso dia a dia? A recente eleição conturbada dos Estados Unidos é um ótimo exemplo de como a política interna de um país não é mais afetada somente pelo que ocorre dentro de seu território, assim como a política interna influencia toda a dinâmica do cenário internacional. Saber quem estará à frente de uma das maiores potências mundiais não é apenas uma curiosidade, mas sim um interesse baseado no impacto que aquilo terá para o comportamento do cenário mundial. Alguns aspectos serão essenciais para que você compreenda o conteúdo não apenas deste capítulo, mas dos que se seguem, reforçando para que você atente para como a soberania de cada Estado é protegida e relativizada em meio a este contexto internacional de constante mudança. Evoluímos de contatos ocasionais para relações que ocorrem não apenas diariamente, mas a cada segundo que vivemos. Merece especial atenção a dinâmica de cooperação entre os Estados em busca de objetivos em comum, em que, a partir da soberania e autonomia de cada um, permite que se unam esforços para a concretização de determinado propósito, permeando desde a regulação da convivência até reunião de esforços para, por exemplo, proteger a camada de ozônio. Num outro diapasão, fruto deste esforço conjunto, cria-se a responsabilidade no plano internacional, como discutiremos em espaço próprio, que abre um capítulo importante na limitação da liberdade dos Estados tanto em suas relações com demais Estados quanto com os seus “súditos”. Diante disso, reforçamos a importância de se atentar para essas características gerais, pois apesar de não terem sido cobrados em provas até o momento, são essenciais para a compreensão de todos os demais temas que virão neste material. Diante disso, o Direito Internacional se divide em duas áreas de estudo: público e privado, cuja diferenciação será tratada também em tópico próprio, mas a princípio, para que você não se confunda durante o estudo, podemos afirmar que o direito internacional público, constituído pelas normas jurídicas internacionais – incluindo costumes e princípios – regula a sociedade internacional; enquanto que o direito internacional privado se volta para as relações entre particulares. Mas não se preocupe com esta diferenciação ainda, haverá um espaço específico em que essas diferenças poderão ser melhor exploradas. Para este primeiro momento, fixe que o direito internacional público se preocupa em regular as relações entre Estados ou entre Estados e outros atores internacionais. 1.2 A sociedade internacional Mas então, quem são esses atores internacionais? Primeiro trataremos sobre a sociedade internacional, atualmente formada pelos atores de Direito Internacional Público, bem como pelos vínculos que os unem. Sua dinâmica é pautada por diversos fatores associados, por exemplo, à política, economia, cultura e os gerais interesses humanos, como já tratamos. Os atores internacionais são um grupo mais amplo no qual estão inseridos os sujeitos (capítulo 2 deste material) e demais indivíduos que, apesar de não possuírem personalidade jurídica internacional, também integram a sociedade internacional. Não confunda a sociedade internacional com “comunidade internacional”. Tal diferenciação nos auxilia a compreender porque utilizaremos sempre o termo de sociedade e porque estes termos não devem ser utilizados como sinônimos. Não podemos falar em comunidade internacional, pois esta iria pressupor a existência de um laço entre os atores internacionais, algo espontâneo e subjetivo. Basta pensar no termo sendo utilizado em nosso contexto mais próximo em relação aos grupos sociais dentro de uma escola ou universidade, por exemplo. Estes participam de um grupo sem expressar que querem integrá-los, mas porque algum aspecto de sua personalidade os fazem integrar aquela comunidade. Já no cenário internacional, em respeito à soberania dos Estados, não se pode conceber a participação sem que haja uma vontade expressa por parte do ente estatal. A sociedade, por fim, parte de um equilíbrio entre a manifestação de vontade e o respeito à soberania dos Estados. Ela é integrada, principalmente, pelos seguintes sujeitos: Estados, organizações internacionais intergovernamentais e os próprios indivíduos, porém, não se restringe a eles; a exemplo das organizações não governamentais e das empresas transnacionais, que são atores, mas não sujeitos de direito internacional. O Direito Internacional Público disciplina e rege a atuação e a conduta da sociedade internacional, visando alcançar as metas comuns da humanidade, consubstanciando-se em um conjunto de princípios e regras jurídicas que disciplinam as relações jurídicas internacionais. Isso porque nenhum Estado é autossuficiente; as relações internacionais são necessárias para que se possa atingir os objetivos comuns da humanidade. Este ramo do direito é responsável por criar uma nova concepção de soberania, não mais algo absoluto, mas sujeito a limites juridicamente estabelecidos. Mas cabe aqui uma reflexão: como falar de uma regulação das relações internacionais, se não há uma ordem central que estabeleça e imponha o cumprimento de tais normas? Há algumas características que auxiliam na formulação desta resposta: A primeira delas é a suportabilidade: relação que os Estados devem ter entre si, sem uso da força, sendo regulada pelo Direito Internacional e suas regras. Característica que remete à necessidade de convivência em um mundo tão globalizado. Desvencilhando-se das visões romantizadas de que os países se associam em busca da construção de um mundo melhor, tal aspecto nos lembra que no cenário internacional, o que impera é uma regulação e conciliação de interesses individuais (dos Estados ou de certos atores,a exemplo de empresas multinacionais). Por isso a expressão de “suportar” muito se alia ao conceito de sociedade, no lugar de comunidade internacional. No entanto, destaca-se que os Estados ainda são soberanos, tendo determinadas competências exclusivas no âmbito do território sob sua jurisdição. No plano internacional, isso pode ser demonstrado através do exercício da vontade de cada nação, por exemplo, em celebrar ou não tratados, bem como em aceitar submeter-se à jurisdição de órgãos internacionais, a exemplo do Sistema Interamericano de Direitos Humanos ou o Sistema de Solução de Controvérsias do Mercosul, ambos aos quais o Brasil faz parte. Em tais casos, o Estado Brasileiro manifesta expressamente, por meio de seus representantes, a vontade de se submeter a tal jurisdição, oriundo de um compromisso assumido de respeito aos termos do documento em questão, como a Convenção Americana de Direitos Humanos que cria o sistema supramencionado. Alguns dos temas que esta disciplina trata são: as relações internacionais entre Estados; entre Estados e órgãos internacionais; documentos internacionais, como tratados e convenções que regem inclusive aspectos internos; a questão da nacionalidade; a Lei de Migração brasileira; as organizações internacionais, dentre outros. A ordem jurídica da sociedade internacional é formada por preceitos voltados a regular seus membros e também o tratamento de temas de interesse global. Em comparação com a ordem jurídica interna, a internacional possui algumas características específicas, apesar de ambas serem obrigatórias e, muitas vezes, preverem a possibilidade de sanções no caso de seu descumprimento. A sociedade internacional é, portanto: a) Descentralizada: cada Estado é soberano, independente e autônomo, não existindo um órgão ou poder central que impõe suas decisões aos Estados. Cada Estado pode abdicar de parte de sua soberania em prol da suportabilidade, a exemplo da jurisdição de Cortes Internacionais cuja competência é atribuída a partir do momento de reconhecimento desta por parte do Estado. Em regra, sem tal consentimento, não há que se falar em responsabilidade internacional. As organizações internacionais funcionam para congregar alguns temas, criando um espaço de discussão e posteriormente de assumir um compromisso conjunto quanto a determinado tema. Não há um poder central internacional ou um governo mundial, mas sim vários centros de poder (Estados e organizações), que não estão subordinados a qualquer outra autoridade superior. Além disso, há também a descentralização quanto a produção normativa internacional, que ocorre em vários âmbitos de negociações.2 Há alegações, inclusive, quanto ao perigo de uma inflação de documentos internacionais, que versam sobre tantos temas diversos e específicos sem que haja uma proporcional recepção por parte dos Estados. Destaca- se que a União Europeia é o único organismo internacional com poder supranacional. b) Horizontalidade: ninguém manda em ninguém, ou seja, todos os Estados são soberanos, independentes e autônomos da mesma forma. Em consonância com o aspecto anterior da descentralização do poder, significa que os sujeitos de Direito Internacional Público participam das convenções e tratados por livre e espontânea vontade, não sendo obrigados a tal. Oriundo do início do século XVII, com os tratados de Vestfália, em que se reconheceu pela primeira vez o princípio da igualdade formal dos Estados europeus e a exclusão de qualquer outro poder superior a estes, tem-se que não há um Estado superior a outro. Não obstante, não existe hierarquia também entre as normas de direito internacional, sendo eventuais conflitos resolvidos caso a caso, porém, assim como no âmbito interno, há normas cujo conteúdo carrega um peso maior em relação às demais, são as chamadas normas de jus cogens, as quais não cabem derrogação a não ser por outra posterior de mesma natureza.3 Podemos afirmar então que há uma hierarquia material, mas não formal, pelos motivos acima expostos e que serão tratados em tópico posterior. Se assemelham às cláusulas pétreas em nossa Constituição, posto que tratam de questões tão essenciais à sobrevivência do ser humano e da preservação do Estado e da sociedade internacional que não podem ser relativizadas ou ser facultativas. c) Coordenação: diferentemente do que ocorre no âmbito do direito interno, a relação entre os Estados é de coordenação, não de subordinação ou de obrigação, a fim de se alcançarem os objetivos comuns da humanidade, além da definição de regras que regulam a convivência dos sujeitos internacionais. Há vontade e consentimento, apesar de existir um sistema de sanções. Já que não existe um poder central, cabe aos Estados e demais sujeitos internacionais articularem-se para construir e desenvolver o ordenamento jurídico internacional. Ademais, a cooperação internacional influi também no combate aos problemas mundiais e no auxílio do desenvolvimento econômico e social dos Estados ou regiões. Exemplo disso repousa na atuação das Nações Unidas. Tal organização, fruto das articulações no período pós Segunda Guerra Mundial, subdivide-se em alguns órgãos, mas o mais expressivo é o Conselho de Segurança, que tem poder de intervenção, inclusive militar, em casos em que se julgue necessário, a exemplo de situações de violações de normas de jus cogens. Contudo, tal organização internacional não possui uma estrutura de intervenção autônoma, dependendo assim dos recursos disponibilizados pelos Estados. Por isso, falamos em um sistema de cooperação entre os Estados em busca de objetivos em comum, reforçando inclusive um esforço de tentar reparar a realidade deixada em países do hemisfério sul após as invasões de viés colonizador no século passado. d) Proibição do uso da força: o uso da força deve ser evitado ao máximo, fruto da memória de episódios marcantes dos últimos 100 anos, em que a humanidade foi alvo de expressões brutais de violência. Podemos citar não somente as Primeira e Segunda Guerras, mas também episódios sangrentos dos últimos 30 anos como o Genocídio de Ruanda em 1994. Tendo sido perpetrado, na maioria dos casos, pelos próprios Estados, seja contra sua população ou contra outros Estados, o esforço atual é para que a força seja o último recurso a ser utilizado, apenas sendo admitido em situações bem específicas, como é o caso da legítima defesa, no intuito de reestabelecimento de um estado de paz. e) Humanização do Direito Internacional: os tratados internacionais têm o ser humano como centro de proteção, especialmente após o fim da Segunda Guerra Mundial, que culminou na criação da ONU e dos sistemas de proteção dos Direitos Humanos, tanto regionais quanto internacionais, dando origem ao Direito Internacional dos Direitos Humanos. Podemos mencionar também uma regulação das condutas em guerra, no intuito de minimizar os efeitos caso esta venha a eclodir. Este é o intitulado Direito Humanitário, evolução do direito de guerra fruto do costume internacional, que prevê quais atos e meios que os Estados não podem se valer caso se insiram em um contexto de guerra, exigindo, por exemplo, um treinamento das forças armadas nesse sentido, para que haja a proteção da população que se vê no fogo cruzado. Lembre-se que quando falamos em compromissos assumidos livremente pelos Estados no âmbito internacional, estes também implicam em mudanças no cenário interno, ou seja, uma proteção pelos direitos interno e externo. f) Heterogênea (diversidade de atores e de normas): o Estado, apesar de ser o principal sujeito do Direito Internacional, não é o único, especialmente no contexto atual de globalização. Neste cenário de interligação de políticas, economias e tantos outros aspectos, vários são aqueles que influenciam e atuam no âmbito internacional. Por exemplo, no Sistema Interamericano de Direitos Humanos, vinculado à Organização dos EstadosAmericanos (OEA), há a possibilidade de, em caso de descumprimento de uma sentença da Corte Interamericana (CIDH), que tal inobservância seja levada à Assembleia Geral da OEA, o que causa um constrangimento do Estado condenado. Perceba que diante da liberalidade dos Estados quanto aos compromissos assumidos (que geram responsabilidade internacional), uma vez que estes se submetem, esse sistema internacional cada vez mais interligado cria novas formas de “coerção”. Nesse caso, a vergonha internacional, amplamente divulgada e discutida pode levar, por exemplo, a manchar a imagem do país, deixando de atrair investimentos internacionais, já que determinada empresa poderá não querer associar sua imagem à de um país que não respeita os direitos humanos. Note que a dinâmica internacional a ser regulada pelo Direito Internacional é muito mais ampla e complexa. Quanto às normas, há variedade nas matérias disciplinadas e nas condições em que elas são elaboradas, como o Direito Internacional Médico ou o Direito Internacional da Criança, este último que discutiremos em capítulo próprio, entre outros. Apesar das características supramencionadas, existem também órgãos internacionais responsáveis por apaziguar controvérsias, aplicando suas normas aos casos concretos, exercendo, portanto, jurisdição internacional. Esses entes são normalmente criados por tratados, nos quais são definidas suas competências e regras de funcionamento; ou seja, as normativas são estabelecidas pelo consenso de seus próprios destinatários, os sujeitos internacionais, a exemplo do Tribunal Penal Internacional, criado pelo Estatuto de Roma em 1998, contudo tendo atingido o número mínimo de 60 ratificações apenas em 2002, momento que passa a entrar em vigor. Esses mecanismos de jurisdição internacional podem ter amplo escopo de atuação (tanto com relação geográfica – global – ou quanto ao conteúdo – não há restrições) ou mais reduzida (regional ou apenas trata sobre determinado assunto). O Sistema Global Direitos Humanos é o exemplo mais clássico, principalmente por ser o primeiro, nascendo no período pós Segunda Guerra. Apesar de algumas deficiências, é o sistema que abrange o maior número de países atualmente, trazendo a articulação e a preocupação de temas como a proteção de direitos humanos e a progressividade destes, em direção à garantia de direitos civis e políticos ao redor do mundo para uma discussão mais central. Cabe um destaque também quanto à criação dos Sistemas regionais de proteção de direitos humanos, como o já citado Sistema Interamericano, podendo-se mencionar também os Sistema Europeu e o recém-criado Sistema Africano de Proteção de Direitos Humanos. Essa dinâmica de proteção e tentativa de fiscalização num âmbito mais regional tem como vantagens a maior proximidade entre os Estados, diminuindo essa distância também em relação aos indivíduos que são o centro desta proteção. Já pensou, de forma prática, sobre a possibilidade de acionamento destes sistemas? Não adianta que haja uma estrutura enorme e robusta centralizada em algum lugar do mundo, como a ONU em Nova Iorque, sem que haja um esforço de proximidade com os indivíduos objeto de proteção. Para que você compreenda melhor o surgimento desses sistemas de proteção internacional, que guardam relação direta com a responsabilidade internacional, podemos mencionar alguns marcos que geram tal evolução. O primeiro deles é a criação da Declaração Universal de Direitos Humanos de 1948, que surge criando uma espécie de código de ética universal de direitos humanos, criando o terreno para o surgimento de grandes pactos e convenções internacionais, de documentos e de textos especializados das Nações Unidas e de suas agências especializadas. O segundo marco se inicia com a Convenção Europeia de Direitos Humanos em 1950, seguida pela Convenção Americana sobre Direitos Humanos que consagram um direito de queixa, ou de petição dos cidadãos contra seu próprio Estado perante instâncias internacionais. Trazemos estes dados para que você não perca uma perspectiva geral sobre esse cenário internacional sobre o qual estamos estudando, mas esses sistemas, de acordo com a recorrência de cobrança em provas, será tratado em capítulo específico. A priori, tais órgãos submetem à sua competência e jurisdição apenas os Estados que os criaram por meio de tratados e/ou que ratificarem o mesmo. Sendo assim, a título de exemplo, o Brasil signatário da Convenção Interamericana de Direitos Humanos em 1992, momento em que assume o compromisso de empregar esforços no âmbito interno para respeitar os direitos previstos na Convenção, apenas aceita a competência da Corte para julgar possíveis violações à Convenção em 1998. Observe aqui a limitação de competência de uma corte internacional mediante a manifestação da vontade do Estado em se submeter a esta, não podendo assim a Corte julgar quaisquer casos anteriores a 1998, como por exemplo, as violações ocorridas no período ditatorial pós 1964. Ademais, apesar do atual movimento de ampliação do rol de sujeitos internacionais, destaca- se que a maioria dos órgãos internacionais de jurisdição ainda só permite a participação de Estados e organismos internacionais em seus procedimentos. Algumas exceções a isso são os seguintes entes, que permitem a participação de indivíduos (pessoas naturais) como peticionários ou como acusados: Corte Europeia de Direitos Humanos, Tribunal Penal Internacional (caso peculiar de Direito Internacional, que atribui responsabilidade internacional individual, podendo aplicar penas privativas de liberdade a pessoas naturais) e a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (que, dentro do Sistema Interamericano de Direitos Humanos pode levar os casos para apreciação da Corte; embora não haja a possibilidade de que uma pessoa natural acione diretamente a Corte, esta pode acionar o Sistema por meio da Comissão, que por sua vez, entendendo como necessário, levará a situação para julgamento na Corte). Vale ressaltar que, embora haja tribunais internacionais sobre diversas temáticas, mais da metade da atividade destas cortes está atualmente relacionada a violações de direitos humanos, motivo pelo qual se faz mister tratar sobre estes sistemas. 1.3 Conceito de Direito Internacional Público A partir da construção doutrinária, antes trazer um conceito para a disciplina, é importante que você conheça alguns critérios que já estão ultrapassados se utilizados sozinhos, inclusive para não cair em alguma pegadinha de prova, no momento de definir o Direito Internacional Público. Atente para o fato de que esses critérios, quando analisados de forma isolada devem ser utilizados com prudência, pois a disciplina vem evoluindo conforme a dinâmica de articulação no cenário internacional se transforma. São eles: a) sujeitos: o Direito Internacional Público é o ramo do Direito que estuda as normas que regulam as relações entre os sujeitos de direito internacional. Tal critério deve ser utilizado com cautela e nunca isoladamente, como já afirmamos, posto que é o Direito Internacional que define quem são os sujeitos que o compõem. Podemos dizer, em conjunto com os demais critérios, que a disciplina rege a atuação e conduta da sociedade internacional, cuja formação envolve Estados, organizações internacionais intergovernamentais e também os indivíduos, embora estes últimos possuam status diferente, o que será tratado no próximo capítulo. b) matérias reguladas: como já vimos, apesar deste ser integrado por normas, princípios e costumes oriundos do âmbito internacional, o Direito Internacional Público evoluiu daquele primeiro momento da humanidade em que os Estados não admitiam qualquer interferência em seu âmbito interno. Muitos dos Tratados e Convenções são compromissos externos assumidos em prol da mudança de condutas no âmbito interno, como um caso bem emblemático aqui no Brasilque levou à criação da Lei 11.340/06, conhecida como Lei Maria da Penha, depois que o caso de morosidade e ineficácia de proteção da mulher vítima e violência doméstica foi parar na Comissão Interamericana de Direitos Humanos. Portanto, seria insuficiente, se utilizado de forma isolada, dizer que o Direito Internacional Público regula apenas matérias da alçada externa do Estado numa posição de contraposição com o Direito Interno. Pode-se afirmar, contudo, que este visa alcançar as metas comuns da humanidade, quer impliquem em normas que afetam as relações no âmbito externo ou interno dos Estados. c) fontes: critério formal que afirma que fazem parte do Direito Internacional Público normas oriundas das fontes normativas internacionais. Contudo esta ciência abrange também os costumes e princípios gerais de direito;4 ressaltando até a possibilidade de que atos domésticos, como atos unilaterais dos Estados, possam ser considerados fontes. Sendo assim, afirmamos que as fontes normativas de direito internacional, que integram seu conceito, consistem num conjunto de princípios e regras jurídicas, costumeiras e convencionais. Mais à frente, trataremos de forma mais detalhada sobre as fontes. Existem várias possíveis definições para o que viria ser “Direito Internacional Público”, levando-se em consideração tanto um viés mais clássico quanto um mais moderno, que leva em consideração os mais recentes sujeitos da sociedade internacional. No entanto, alguns elementos permanecem constantes nos diversos conceitos: Conjunto de regras internacionais que regulam os comportamentos dos Estados (viés clássico) e dos demais atores internacionais (viés moderno); Regulamentação das relações dos Estados; Sistema de normas para disciplinar as atividades da sociedade, podendo ser de ordem interna ou externa; Direito aplicado à sociedade internacional, dentre outros. Desse modo, tem-se que o Direito Internacional Público consiste nas relações entre os atores/sujeitos, as quais se regem através de um conjunto de vários princípios, costumes, convenções, tratados etc., no âmbito internacional, tutelando seus interesses. O Direito Internacional Público, conhecido também como “direito das gentes” (jus gentium do Direito Romano), é o sistema de normas jurídicas (incluindo-se também os princípios e costumes) que visa disciplinar e regulamentar a atuação e a conduta da a sociedade internacional, cujo conceito muda com o surgimento de novos sujeitos nas relações internacionais. O Direito Internacional Público é o ramo da ciência jurídica que regula as complexas relações internacionais, a fim de mediar e conciliar a convivência dos membros da sociedade internacional (não apenas seus atores ou sujeitos), com o objetivo principal de alcançar os fins precípuos da humanidade em dado momento histórico. Mas não se limitando a questões de ordem externa, como já explicado. Tenha sempre cuidado com a associação de direito internacional a questões ligadas unicamente ao contexto internacional, lembre-se dos exemplos já citados e como eles impactaram no nosso direito interno. 1.4 Fundamentos do Direito Internacional Público Os fundamentos do Direito Internacional Público são fatos ou motivos que lhe atribuem sua legitimidade e obrigatoriedade. Tais fatos remetem ao que estamos discutindo desde o início, inclusive quando buscamos conceituar o Direito Internacional Público, no dilema quanto a autonomia do Estado versus a limitação material de sua soberania. Neste tópico apresenta-se, assim, os fatos que atribuem a esta disciplina obrigatoriedade no mundo jurídico e consequentemente responsabilidade internacional para os sujeitos desta área. A discussão aqui repousa na seguinte pergunta: o que justifica a submissão de vontade dos Estados e a limitação de sua liberdade em prol de um imperativo jurídico internacional que irá lhe preceituar ordens e condutas? Há diversas teorias que tentam explicar, como a do direito estatal externo, dos direitos fundamentais dos Estados, da vontade coletiva, entre outros. Mas, de forma mais didática, estas podem ser agrupadas em duas doutrinas, que seguem: Teoria voluntarista (positivista ou subjetivista): eminentemente positivista, o Direito Internacional seria fundamentado apenas nas decisões, na aceitação, na expressa manifestação de vontade dos Estados, da parte subjetiva. Os sujeitos de direito internacional seguem suas regras porque expressaram sua concordância em fazê-lo. Está baseado no consentimento e na vontade comum dos Estados, de modo expresso (tratados) ou tácito (costumes). Portanto, a obrigatoriedade e eficácia do Direito Internacional depende exclusivamente do consentimento dos Estados para existir. A supramencionada teoria é seguida no Brasil por Francisco Rezek, que faz uma distinção entre o consentimento criativo e o consentimento perceptivo. Para Rezek, o consentimento perceptivo6 diz respeito ao reconhecimento de normas sem as quais a vida em sociedade internacional seria impossível. Todavia, o consentimento criativo diz respeito a normas que poderiam ser dispensáveis no panorama internacional – na medida em que decorrem da criatividade dos Estados. Tais normas somente existem porque os Estados as criaram expressamente. Tal doutrina é criticada, pois condiciona toda a regulamentação internacional apenas à vontade dos Estados. Ademais, não explica como um novo Estado será obrigado por norma internacional de cuja formação não participou. Se este não pôde manifestar sua vontade na formulação, então como iria se submeter a este? Não obstante, existe também a possibilidade de insegurança jurídica, considerando que a existência da norma depende do consentimento, então a retirada dessa manifestação de vontade de um Estado acarretaria numa quebra deste consenso e a consequente retirada da obrigatoriedade e eficácia do Direito Internacional. Em meio a doutrina voluntarista, há suas variantes, a qual merece especial destaque a teoria da autolimitação, desenvolvida por Jellinek, que consiste na afirmação de que o direito internacional tem fundamento na vontade metafísica dos Estados, pois este, por vontade própria impõe limites ao seu poder absoluto. Sendo este o autor desta limitação, o Estado se submete a sua própria vontade. No Brasil esta teoria contou com a aceitação de Beviláqua, contudo, tem sido criticada por motivos semelhantes aos expostos acima: o problema da insegurança jurídica, pois em respeito a essa vontade, o Estado poderia de forma unilateral modificar sua posição sempre que quisesse, sem se falar em responsabilidade internacional. Teoria objetivista: De forma contrária à teoria subjetivista, esta doutrina parte do pressuposto de que a disciplina se fundamenta na obrigatoriedade de normas internacionais independente da vontade dos Estados. Advém de princípios e normas superiores àqueles presentes no direito interno, tendo prevalência sobre estas. Ou seja, depende não da vontade dos Estados, mas sim da necessidade advinda de fatores sociais e da realidade fática, sendo responsável pela existência da sociedade internacional e também pelo seu desenvolvimento. Para esta doutrina, aqueles interesses individuais dos Estados que mencionamos anteriormente ou opções políticas do Estado ficariam totalmente sujeitas ao Direito Internacional. Se assim o fosse, teríamos um cenário totalmente diferente do atual. Colocando a sociedade internacional como principal protagonista dos interesses desta mesma sociedade, imagine um cenário em que, por exemplo, haveria reunião de esforços de grandes potências, à medida de suas capacidades em prol da garantia de acesso à saúde de populações de países em desenvolvimento, mesmo que isso significasse o deslocamento de recursos de um Estado que visava a construção de um novo campo tecnológico para a indústria de cosméticos. Contudo, isso representaria um desrespeito aliberalidade do Estado, fundada em sua soberania de apenas empreender recursos para a sociedade internacional quando lhe for possível e conveniente e, consequentemente, tiver expressado sua vontade de fazê-lo. Essa doutrina é alvo de críticas, pois desconsidera totalmente o consentimento dos Estados, que são sujeitos de Direito Internacional Público e que têm um importante papel a ser desempenhado. Ao minimizar a vontade dos atores internacionais na criação das normas internacionais, acaba por causar uma situação de insegurança, proporcionando situações que não correspondem à vontade dos sujeitos, como o cenário hipotético citado acima. Contrapondo as duas teorias acima mencionadas, há também uma posição em um ponto de equilíbrio, denominada: Teoria objetivista temperada (pacta sunt servanda): teoria mais moderna, que inclusive se encontra positivada, prevê que a obrigatoriedade e eficácia repousa na existência de princípios jurídicos superiores à vontade dos Estado, mas guarda um respeito à manifestação de vontade dos mesmos, que impondo assim o dever de cumprir com a obrigação que foi acordada com consentimento e vontade, sem coerção, de boa-fé. Tendo em vista a extremidade das doutrinas majoritárias, o que ocorre, na prática, é um misto de ambas, na forma de pacta sunt servanda, que se encontra positivada de forma definitiva na Convenção de Viena sobre os Direitos dos Tratados em 1969, em seu artigo 26. Sendo assim, a obrigação no âmbito internacional deriva da expressa vontade de se submeter a este conjunto de normas. Conclui-se na prática, que o fundamento do Direito Internacional Público contém elementos das supramencionadas teorias, havendo a obrigação de os atores internacionais em cumprir com as normas livremente acordadas. Porém, o exercício da vontade estatal não pode violar normas de jus cogens (preceitos imperativos que regulam o exercício estatal), nos termos do art. 53 da Convenção de Viena. Tais normas, as quais já mencionamos antes, têm o poder de derrogar, em regra, tratados ou quaisquer outros documentos internacionais que a elas não respeite.9 Assim o são pois versam sobre a proteção de direitos individuais dos Estados. 1.5 Objetos do Direito Internacional Público O objeto inicial do Direito Internacional Público foi a redução da anarquia na sociedade internacional (no contexto pós Segunda Guerra Mundial), bem como a delimitação das competências dos órgãos e sujeitos de direito internacionais. Em decorrência da expansão do número de sujeitos ou atores de Direito Internacional Público, seu rol de objetos também aumentou. Ele passou a regular, para além dos vínculos estabelecidos entre Estado e organização internacional, ou entre dois ou mais Estados, também outras questões de interesse dos demais atores da sociedade internacional. Tradicionalmente, o objeto do Direito Internacional Público restringia-se a delimitar as competências de seus sujeitos, ou seja, os Estados e as organizações internacionais, de modo a regulamentar sua convivência em âmbito internacional através de normas de conduta, frente à falta de um “poder central” que limitasse seus poderes, tendo em vista, contudo, a característica da coordenação (em oposição à subordinação) e a consequente cooperação internacional. No entanto, com o advento de outros sujeitos de Direito Internacional Público (como as organizações não governamentais, as empresas e até mesmo os indivíduos), o objeto desta matéria ampliou-se a ponto de incluir também a cooperação internacional a fim de se atingir os objetivos comuns da sociedade internacional, disciplinando, para isso, os comportamentos de todos os sujeitos nela inclusos. Também é possível incluir no rol de objetos a tutela adicional a bens jurídicos aos quais a sociedade internacional decidiu atribuir importância, como os direitos humanos e o meio ambiente. 1.6 Direito Internacional Público e direito interno A sociedade internacional e a ordem jurídica interna não estão separadas, e sim trabalham em conjunto. Muitos dos atos de Direito Internacional dependem, primeiramente, de regras do direito interno (por exemplo, a competência para celebrar tratados) ou da ação de autoridades estatais. Do mesmo modo, muitas regras de Direito Internacional precisam ser incorporadas no âmbito do direito interno para garantir sua eficaz aplicação. Contudo, considerando a relação entre essas duas normas, é possível que ocorram conflitos entre as normas de Direito Internacional e de direito interno sobre assuntos congêneres, havendo a necessidade de estabelecer qual preceito prevalecerá em detrimento do outro. Em geral, sobre o assunto, existem duas teorias, a monista e a dualista. Geralmente, a Constituição de cada Estado estabelece a relação entre o Direito Internacional e o direito interno, optando por uma dessas teorias. A tendência do constitucionalismo moderno é de que, cada vez mais, o direito interno incorpore normas internacionais e as aplique sem a necessidade de que um procedimento legislativo interno as incorpore ao ordenamento jurídico daquele Estado. Tal esforço reflete a atual barreira de e, muitas vezes, manifesto desinteresse, em tornar as normas internacionais aplicáveis. A despeito disso, ressalta-se que a Constituição Federal brasileira não disciplinou acerca do reconhecimento do direito internacional pelo direito interno de forma automática. Abaixo, veremos as duas principais teorias e suas subdivisões, considerando tanto o problema teórico de hierarquia entre normas, quando o problema prático sobre qual norma deve ser aplicada no caso concreto. Dualista: as duas ordens (interna e externa) não se misturam, visto que o Direito Internacional Público e o direito interno apresentam diversidade de fontes, sujeitos e objetos, sendo dois ordenamentos jurídicos independentes e distintos, embora igualmente válidos. Como não se comunicam, jamais poderia haver confronto entre suas normas. A eficácia de uma norma internacional não dependeria de sua compatibilidade com a norma interna, nem o direito interno precisaria se conformar com os preceitos internacionais. Se um Estado quiser aplicar uma norma internacional como algo mais que uma fonte para o direito interno, deve primeiro transformá-la em norma de direito interno (“teoria da incorporação” ou “teoria da transformação de mediatização”). Com esse processo de incorporação, eventuais conflitos seria de normas internas entre si, e não mais entre uma interna e uma internacional. Em caso de eventual contradição entre normas, prevalecerá a norma interna (mesmo que equivocada), até que se faça a conversão da internacional no âmbito interno. Portanto, nesta teoria, há uma recusa à aplicação imediata do Direito Internacional no âmbito interno. Esta concepção de total separação entre as normas de ordem interna e as normas internacionais são fruto do entendimento, já ultrapassado como vimos, de que o Direito Internacional apenas versa sobre questões de relações externas ao Estado, sem qualquer interferência no direito interno deste. Haveria assim dois sistemas rigidamente separados: o internacional e o interno, não podendo um interferir no outro pelo motivo que seja. Também se origina do argumento que tratamos anteriormente sobre a manifestação de vontade criar a obrigação para aquele que a expressa. Imagine que há um grupo de pessoas discutindo sobre o compartilhamento de um carro que lhes pertence conjuntamente. Considerando que todos são dotados de razão e podem, livremente, manifestar sua vontade sobre como querem usufruir do carro, os termos oriundos desse consenso devem obrigar todos os envolvidos pois eles participaram livremente da respectiva deliberação. Não podendo nenhum deles, portanto, se recusar a entregar o carro no dia atribuído a outra pessoa, pois anteriormente concordou em fazê-lo. Neste mesmo contexto, se alguém que também tem direitoa fazer uso do carro, não é incluído na negociação, este não pode ser submetido aos termos acordados, pois não teve oportunidade de manifestar sua vontade. Pois bem, sempre que falarmos de manifestação de vontade e a obrigação oriunda desta, lembre-se que a responsabilidade é fruto da expressão de vontade livre de se submeter a esta. Dessa forma, o dualismo entende que as normas de direito internacional são fruto de deliberação entre Estados, devendo portanto, se limitar a criar obrigações no âmbito de relação entre Estados. Há um desdobramento desta teoria chamada de dualismo moderado, que relativiza o dualismo acima definido, prevendo a aplicação do Direito Internacional, em certos casos, mesmo sem que haja a recepção desta norma pelo direito interno. No Brasil, não se exige tal conversão, mas exige um processo legislativo de incorporação de uma regra internacional no país, que ocorre após a aprovação do tratado pelo Congresso Nacional e sua ratificação e promulgação por meio de um decreto executivo. As ordens do processo são diferentes, mas haverá um procedimento específico para a norma internacional adentrar na ordem interna, bastando apenas a incorporação dos tratados ao ordenamento jurídico nacional, sem a necessidade de uma transformação desta num novo diploma legal. Assim se caracteriza o dualismo moderado, posição aplicada pelo Supremo Tribunal Federal, que exige um ato formal de internalização da norma internacional, contudo não exige a criação de uma norma de direito interno que traga este mesmo texto. Considerando a importância e a recorrência de cobrança em provas sobre o processo de incorporação de tratados, este será tratado posteriormente, em capítulo próprio. Contudo, cabe uma reflexão ao dualismo como um todo, que o faz ser alvo de críticas. Observe que os compromissos assumidos internacionalmente geram obrigações para os Estados. Ainda não chegamos no espaço para discutir isso, mas a priori, saiba que os Tratados e Convenções, ao serem assinados pelos Estados representam um compromisso. Utilizemos, por exemplo, o Tribunal Penal Internacional, criado pelo Estatuto de Roma e ratificado pelo Brasil em 2002. No ato de depósito de seu instrumento de ratificação, o Brasil assume o compromisso, conforme o preâmbulo deste tratado de punir os crimes que são de competência do respectivo tribunal. Observe que, em consonância com a horizontalidade característica do Direito Internacional, não se cria, com os Tribunais internacionais uma instância superior à ordem interna dos países, mas sim um recurso a ser utilizado em caso de descumprimento da obrigação anteriormente assumida. No caso do Estatuto de Roma, assume-se o compromisso de punir, por exemplo, o crime de genocídio. Portanto, depois da ratificação e de assumir – pacta sunt servanda – a obrigação internacional de punir tal crime, caso o país não crie este tipo penal, estará incorrendo em um ilícito internacional. Dessa forma, uma das críticas ao dualismo é justamente o fato de não oferecer resposta a essa possibilidade que cria um ilícito penal. Monista: diametralmente oposto à teoria anterior, o monismo prevê uma unicidade das normas, interdependentes entre si. Os direitos internacional e interno fazem parte do mesmo sistema jurídico, baseado na identidade dos sujeitos e das fontes. Uma norma internacional aceita por um Estado está apta a ser aplicada internamente, não sendo necessário ser transformada em direito interno, pois estes integram o mesmo sistema jurídico. Os compromissos assumidos internacionalmente passam a ter aplicação imediata no ordenamento jurídico interno. No entanto, pensando de forma prática, num cenário em que normas internacionais possuem aplicação imediata no ordenamento jurídico interno, voltamos à discussão quanto a qual norma aplicar no caso de conflito diante da inexistência de hierarquia entre estas. Para solucionar este conflito, a teoria se subdivide, como veremos abaixo: a) Monismo nacionalista: nesta corrente, a norma interna se sobrepõe à norma internacional em caso de conflito, com base no princípio da supremacia da Constituição: o direito internacional só é obrigatório no Estado porque o direito interno permitiu. Essa corrente nega o fundamento de validade do direito internacional, baseando-se no valor superior da soberania estatal absoluta. Os Estados só se vinculariam às normas com as quais consentissem, nos termos estabelecidos por seus ordenamentos jurídicos. Contudo, não livre de críticas, assumir tal entendimento significaria uma negação da própria validade do Direito Internacional, desconsiderando a necessidade de estabelecer limites aos Estados; ignora-se ainda o fato de que nenhum Estado está isolado, mas sim interligado aos demais na sociedade internacional, fazendo-se necessário que este atue em conformidade com as normas e costumes desta sociedade. b) Monismo internacionalista: nesta outra corrente, a norma internacional se sobrepõe à norma interna em caso de conflito, pois entende que o direito interno deriva do internacional, sendo esta uma norma jurídica hierarquicamente superior à primeira. A corrente parte do pressuposto da existência de uma norma fundamental, conforme a pirâmide de Kelsen, onde se encontra o Direito Internacional, de onde derivam todas as outras normas, incluindo o direito interno dos Estados. Esta norma fundamental, localizada no topo da pirâmide refletindo sua condição de superioridade tem seu respaldo no princípio pacta sunt servanda (dever de cumprir com o acordado), norma mais elevada da ordem jurídica mundial. Neste caso, diante de um conflito de aplicação de norma interna ou internacional, um ato internacional prevalece sobre uma norma interna que lhe contradiz, devendo ser esta declarada última inválida. Deste pensamento é que deriva a responsabilidade internacional, visto que a norma internacional prevê mudanças na ordem jurídica interna, conforme os compromissos assumidos no ato de ratificação do documento internacional. É a forma encontrada pelo Direito Internacional de manter o predomínio em relação ao direito interno. Esta visão mais radical da primazia do Direito Internacional, fruto das reflexões de Kelsen, recebeu uma versão mais branda, intitulada de monismo internacionalista moderado, que não invalida a norma interna quando em conflito com a norma internacional. Neste caso, embora a norma interna não perca a validade, a contradição representa uma infração podendo o Estado lesado em meio ao conflito exigir a respectiva derrogação ou inaplicabilidade. c) Monismo internacionalista dialógico: mais moderado que a anterior, prevê um diálogo entre as fontes de proteção internacional e interna; a avaliação de qual norma será aplicada depende do caso, mas a tendência é de se aplicar a regra mais favorável ao ser humano, especialmente quando a matéria da norma for de direitos humanos. Lembre-se que mesmo que não vivamos em uma comunidade internacional, a sociedade surgida no contexto pós Segunda Guerra coloca o ser humano no centro da proteção internacional. Dessa forma, diante do conflito, será aplicada a “melhor norma”, que pode ser a internacional ou a de direito interno. Portanto, se a norma interna for considerada a melhor norma para o caso concreto e vier a ser aplicada, será em decorrência de concessão pela norma internacional, preservando assim a primazia da norma internacional, característica do monismo internacionalista, com base na hierarquia de valores (transdialogismo). Não obstante, ambas as teorias ensejam controvérsia na doutrina, muitas vezes ofuscando o principal: o valor que as normas pretendem salvaguardar. Neste caso, o Direito Internacional dos Direitos Humanos consagrou o princípio da primazia da norma mais favorável ao indivíduo, devendo prevalecer, em caso de conflito, aquela que melhor promova a dignidade humana, objetivando a proteção da pessoa humana, comoexplicamos acima. De acordo com o art. 27 da Convenção de Viena, nenhum sujeito internacional pode invocar as disposições de seu ordenamento jurídico interno para se esquivar de cumprir o que foi internacionalmente acordado. Para a doutrina, este artigo consagra o monismo internacionalista, no entanto, muitos Estados acabam adotando entendimentos próprios sobre o tema dos conflitos, diferentemente do que estabeleceu a Convenção. 2. Fontes de Direito Internacional Público 2.1 Conceito: fontes materiais e fontes formais Definir o que viria a ser “fontes” do Direito é uma dificuldade para toda a doutrina desta ciência jurídica. Contudo, a doutrina internacionalista conceitua “fontes do Direito Internacional Público”, dentre outras definições, como: Instrumentos pelos quais fazem surgir ou possibilitam identificar a norma; Razões que determinam a produção e a demonstração da norma; Motivos que acarretam no surgimento da norma e sua aplicação; Elementos básicos do ordenamento jurídico internacional. As fontes estão em constante interação, não sendo homogêneas ou centralizadas, havendo um movimento atual de “descentralização das fontes”. Já que não existe uma autoridade superior no Direito Internacional que possa defini-las e estabelecer uma hierarquia, as fontes ganham validade dependendo da forma pela qual ela foi elaborada, e também pela forma como ela se tornará obrigatória e coercitiva. A doutrina divide as fontes do Direito Internacional Público em duas categorias: materiais e formais. As fontes materiais são responsáveis por fazer surgir a norma jurídica, juntamente com seu conteúdo, determinando sua elaboração. Referem-se à avaliação de todos os fatores sociológicos, econômicos, culturais etc., pertencendo não à Ciência do Direito, mas sim à Política do Direito. Como exemplo de fonte material, pode-se destacar o novo panorama surgido após o marco na história da humanidade no período pós Segunda Guerra Mundial, que gerou uma mobilização internacional em prol da necessidade de salvaguardar a dignidade da pessoa humana, impulsionando o início do Direito Internacional Público nos moldes que estamos estudando atualmente. São, portanto, as bases teóricas, os valores e ideais que servem de inspiração para elaboração das normas jurídicas internacionais, bem como de sua interpretação, sentido e alcance, determinando o conteúdo ou a matéria do preceito jurídico. As fontes formais, por sua vez, são os métodos ou processos de criação das normas jurídicas, que vinculam os sujeitos para os quais as mesmas são dirigidas. São considerados o modo de exteriorização da norma e dos valores que ela tutela. Seu aparecimento geralmente está relacionado ao surgimento das fontes materiais, uma levando à elaboração jurídica da outra. As fontes formais indicam as formas pelas quais o Direito pode desenvolver-se a fim de impor suas normas para disciplinar as relações da sociedade internacional. Por este motivo, é escopo do Direito Internacional Público o estudo das fontes formais, que são o modo como as fontes materiais (conteúdo) dispõem-se na sociedade internacional. Assim, o respeito ao seu procedimento implica na validade da norma de Direito Internacional. As fontes (formais) foram inicialmente consolidadas no art. 38 do Estatuto da Corte Internacional de Justiça (do ano de 1945), também conhecida como “Corte de Haia”, que estabelece um rol não taxativo das fontes de Direito Internacional Público. Atente para o fato de que o art. 8 não tem o propósito de exaurir as fontes, mas de trazer um rol mínimo de normas aplicáveis no Direito Internacional. Não obstante, é necessário mencionar que parte da doutrina confere supremacia ao tratado em detrimento das demais fontes, por ter a forma escrita, o que conferiria maior clareza e precisão. Contudo, ressalta-se que, apesar de suas diferenças, não existe hierarquia entre as fontes, não sendo a ordem de disposição um ranking de importância, especialmente quando se considera a íntima relação que as fontes apresentam entre si no momento da aplicação de uma norma jurídica internacional. Destaca-se que “hierarquia das fontes” não deve ser confundida com “hierarquia das normas”. Enquanto as fontes são modos de manifestação das disposições jurídicas, normas são os instrumentos responsáveis por exteriorizar as próprias regras de conduta. Assim, é possível que normas, advindas da mesma fonte, ocupem níveis hierárquicos diferentes dentro do ordenamento jurídico internacional. Há exceções quanto à hierarquia entre as fontes. A primeira é relativa ao art. 103 da Carta das Nações Unidas, que atribui primazia à Carta sobre todos os demais compromissos internacionais realizados por quaisquer de seus membros. A segunda é com relação às normas jus cogens (norma interpretativa geral), que prevalecem sobre as demais obrigações internacionais, como será visto. Além disso, na prática, nos tribunais internacionais estão prevalecendo as disposições específicas dos tratados internacionais em detrimento dos costumes, não porque os tratados seriam hierarquicamente superiores aos costumes, mas sim em decorrência do caráter obrigatório daqueles, bem como por trazerem maior segurança e estabilidade jurídicas às relações internacionais. De acordo com o Estatuto da Corte Internacional de Justiça, são as fontes: a) as convenções internacionais, gerais ou especiais, que estabeleçam regras expressamente reconhecidas pelos Estados litigantes; b) costumes internacionais, que são práticas gerais aceitas como se fossem direito; c) princípios gerais do direito, reconhecidos pelas nações; d) decisões judiciárias e a doutrina qualificada como meios auxiliares para determinação das regras de direito. O Estatuto da Corte Internacional de Justiça utilizou “convenção” para referir-se ao “tratado”. No entanto, apesar de serem empregados como sinônimos, destaca-se que, na verdade, a convenção é apenas uma espécie de tratado, como será posteriormente visto. Não obstante o caráter meramente exemplificativo do dispositivo acima referido, à época de sua confecção, foi de suma importância, pois conferiu uniformização dentro do Direito Internacional Público. Isso porque quase todos os Estados comprometeram-se a observar suas disposições, reconhecendo, desse modo, as fontes elencadas como modo de disciplinar as relações na sociedade internacional. Ainda, de acordo com o critério da “vontade das partes”, tem-se as fontes convencionais, as quais levam em consideração a vontade das partes, o consentimento e a anuência – o grande exemplo que temos são os tratados -, e as fontes não convencionais, que são aquelas que independem da anuência das partes (basicamente todas as demais fontes são não convencionais, pois elas não se baseiam em acordo de vontades). Para fins didáticos, as fontes podem ser também divididas em primárias, ou principais, e secundárias, ou novas fontes, ou meios auxiliares. As primárias seriam as clássicas, as tradicionais, as mais antigas, efetivamente estabelecendo qual o direito aplicável no caso concreto. Não obstante, as secundárias seriam as fontes mais recentes, relativas às transformações ocorridas na sociedade internacional com o acréscimo de novos sujeitos nas relações internacionais, bem como de novos meios de produção (ou seja, fontes formais) de normas jurídicas internacionais, contribuindo para elucidar o conteúdo da norma jurídica a ser aplicada. É o que será visto a seguir. 3. Fontes Primárias 3.1 Tratados Os tratados consistem na fonte considerada do Direito Internacional Público, sendo normas convencionais formais e escritas. Os tratados são o meio através do qual os sujeitos do Direito Internacional Público (Estados e organizações internacionais) têm de acomodar seus interesses contrastantes e cooperar na satisfação das necessidades comuns, consubstanciado em suas vontades livres e conjugadas.Possuem a força normativa para regular diversas matérias relevantes para a sociedade internacional. A despeito de existirem desde a Antiguidade, só atingiram seu atual nível de importância com a Paz de Vestfália (uma série de tratados que, a partir de 1648, encerraram a Guerra dos Trinta Anos, dentre outras matérias), desde onde começou a substituir o costume como a “principal” fonte do Direito Internacional Público. Visto que o Direito dos Tratados possui especificações que as demais fontes de Direito Internacional Público não têm, este será tratado com mais profundidade em capítulo próprio. 3.2 Costumes internacionais O costume internacional, como o próprio nome já adianta traduzem práticas que se tornaram costumeiras nas relações fonte formal mais antiga do Direito Internacional Público é também considerada a fonte-base deste ramo do direito. Os costumes, internacionais, sendo assim, devem ser seguidas por todos os sujeitos de direito internacional. Aí repousa um de seus aspectos mais importantes, que fazem os costumes permanecerem no rol de fontes de Direito Internacional. Estes vêm sendo codificados e consolidados, no período moderno, mas mesmo quando o são, ainda reservam uma importante característica: a da universalidade. Como dito, os costumes estabelecem um corpo de regras válidos para todos os atores de direito internacional. Enquanto que os tratados se apoiam numa imperatividade oriunda da ratificação, os costumes carregam a universalidade fruto do consenso da sociedade internacional pela prática reiterada de determinada conduta. Assim, mesmo após a ratificação de um tratado que positive um costume internacional, este último permanece válido no Direito Internacional, vigorando inclusive para aqueles que não concordem expressamente com o referido tratado. É o caso do chamado direito de guerra, atualmente intitulado e positivado como Direito Humanitário, que versa sobre as práticas e limites de meios que os Estados podem se valer em um contexto de guerra. Não há, na atualidade um tratado que tenha atingido a totalidade de adesão no mundo, ressaltando assim, a importância dos costumes internacionais como fontes de Direito Internacional. Em busca da conceituação do que se compreende como costume internacional, podemos defini- lo como: Uma prática geral, uniforme, reiterada e consistente a ponto de ser aceita como direito, entendida como obrigação legal, válida e juridicamente exigível; O conjunto de atos de consenso, em contexto universal, regional ou local (não há limites máximos ou mínimos na geografia dos costumes); A prova de uma prática geral (como previsto no Estatuto da Corte Internacional de Justiça), mas também o seu resultado: o costume resulta da prática geral, consistente, contínua e uniforme dos Estados; A união de elemento objetivo ou material (a prática generalizada, reiterada, uniforme e constante de um ato) e subjetivo ou psicológico (a aceitação da prática que se entende ser obrigatória). Esse tema será aprofundado. “Prática generalizada” não significa o mesmo que “unânime” ou “universal”. Basta que ela seja compreendida como regra obrigatória por um grupo amplo e representativo, não precisando também ser universal, podendo se tratar de uma prática regional ou local. Além disso, a “prática generalizada” pode significar um comportamento comissivo (ação) ou um comportamento omissivo (omissão). Outro aspecto que revela a importância dos costumes decorre do fato de não existir um “centro integrado” de produção de normas de Direito Internacional, sendo mais amplamente difundido. É, portanto, a fonte responsável por estabelecer um grupo de normas universalmente aplicáveis no âmbito internacional, além de permitir a criação de preceitos gerais de direito, mais facilmente aplicáveis ao caso concreto.11 Ademais, apresenta também um caráter “residual”, no sentido de poder regular as diversas matérias que os tratados ainda não disciplinaram, contribuindo também para interpretação e aplicação do conteúdo que se encontra nos tratados. Com relação ao procedimento de internalização de um costume internacional, no Brasil, não é necessário passar por um processo para entrar em vigor no plano interno. Os costumes são aplicados independentemente de qualquer manifestação do Congresso Nacional e/ou do Presidente da República, diferentemente do que ocorre com os tratados internacionais. A extinção do costume pode se dar por sua codificação ou normatização (ou seja, quando é transformado em tratado, o que ocorreu com muitos costumes), quando é substituído por um novo costume ou quando simplesmente deixa de ser aplicado. A positivação dos costumes em tratados não extingue completamente o costume, que continua a ser considerado como tal para os sujeitos internacionais que não são partes deste eventual tratado, e também para aqueles que vierem a se retirar do mesmo. A positivação de um costume é meramente um modo de facilitar a verificação da concretude do costume. Discussões doutrinárias Existe uma polêmica na doutrina quanto à maneira de aceitação de um costume. Para alguns, ele poderia ser aceito de maneira expressa ou tácita. Para aqueles adeptos à teoria voluntarista, o costume seria decorrência de um acordo tácito entre sujeitos internacionais (o tratado seria um acordo expresso), então, ele valeria apenas para os atores que concordassem com a prática. Para os filiados à teoria objetivista, o costume teria eficácia erga omnes, vinculando todos os Estados, até os que não concordaram com a prática. Não obstante essa discussão doutrinária, em caso de eventual litígio, a parte que alega o costume deve provar sua existência e aplicação, podendo ser diretamente aplicável tanto na ordem interna quanto na internacional. Geralmente, os costumes são “provados” através da jurisprudência internacional ou pela confirmação da doutrina internacional. Nesse sentido, é importante mencionar que a corrente voluntarista formulou a teoria do objetor persistente, na qual caso um Estado nunca tenha concordado com um costume, expressa ou tacitamente, este não o vinculará. Essa teoria, assim, apresenta o caso de um Estado não estar obrigado a um costume internacionalmente aceito como sendo o direito, quando o Estado estabelecer um comportamento permanente de discordância e não aceitação do referido costume, não sendo vinculado a ele. Ressalta-se, porém, que os costumes aos quais se aplicariam essa teoria são somente aqueles que surgem posteriormente aos Estados. Contudo, para a corrente objetivista, esta teoria apresenta uma ideia equivocada e superada, pois o costume já formado haveria de valor igualmente para todos os sujeitos de Direito Internacional Público. Ademais, caso surja um novo Estado, o efeito em relação aos costumes também é objeto de discussão doutrinária. Para a corrente objetivista, o Estado estará obrigado aos costumes já aceitos independentemente de sua vontade; para a subjetivista, a vinculação apenas existirá pela concordância expressa ou tácita por parte do Estado. Elementos formadores dos costumes a) Elemento objetivo ou material: é a repetição generalizada, reiterada e uniforme de atos praticados pelos sujeitos internacionais frente a um quadro fático. Nos termos do Estatuto da Corte Internacional de Justiça, é a “prova de uma prática” adotada como decorrência da repetição dos precedentes costumeiros que objetivam a afirmação de um princípio jurídico internacional. Não é possível estabelecer um rol de critérios exaustivos de condutas que podem virar costumes, dependendo das circunstâncias do caso específico e da natureza da referida prática. b) Elemento subjetivo ou psicológico: além da prática geral, deve existir também, para se formar um costume, a convicção e a crença de que aquilo que está sendo praticado possui uma coercibilidade jurídica, sendo “aceito como sendo direito”,podendo também ser chamada de opinio juris (convicção do direito). Sem esse elemento, o ato reiterado não passará de um simples uso, sem qualquer obrigatoriedade. Processos de formação de costumes Uma vez estabelecido o costume, ele valerá igualmente para todos os sujeitos de Direito Internacional Público, independente de o ator ter se oposto a ele, ou ter deixado de participar de sua elaboração. Existem métodos clássicos e contemporâneos de formação de costumes, que atualmente coexistem, serão vistos a seguir: a) Método clássico: quando surge uma nova relação ou algo ainda não disciplinado entre os Estados esta relação passa a ser regulada através dos princípios gerais de direito ou de acordo com o sentimento vigente à época. esta forma de disciplina repercute positivamente no ordenamento jurídico internacional, sendo repetida. a prática passa a ser aceita como se fosse direito. formação de um novo costume. b) Método contemporâneo: ocorre no âmbito das organizações internacionais, através de práticas normativas que são o início da formação de um costume, sendo formado por atos de consenso dentro desses novos atores internacionais. 3.3 Princípios gerais de direito O conceito de “princípios gerais de direito”13 significa que eles são aceitos por todos os ordenamentos jurídicos, são as normas de caráter mais genérico e abstrato, que incorporam valores responsáveis por fundamentar diversos ordenamentos jurídicos internos. Eles conferem coerência ao ordenamento jurídico internacional, auxiliando na elaboração e aplicação das normas de Direito Internacional e as ações dos sujeitos internacionais. Essa fonte está relacionada ao reconhecimento de tais princípios, pelos sujeitos internacionais, como formas legítimas de expressão do Direito Internacional Público. Não obstante não existir hierarquia entre as fontes de Direito Internacional Público, sua aplicação possui um caráter supletivo, devendo ser empregado para suprir lacunas nas regras codificadas (tratados) ou nos costumes, ou ainda para interpretar tais regras de maneira mais coerente com o caso concreto e o momento histórico em que ele ocorreu. Ressalta-se que a expressão “princípios gerais de direito” não se refere aos princípios do direito internacional, mas sim aos princípios reconhecidos e aceitos por vários dos sistemas jurídicos nacionais ou estatais. Isso porque eles provêm da ordem estatal e ascendem para a ordem internacional, geralmente através de sua aplicação por uma corte internacional em um caso concreto, ganhando notoriedade regional ou até universal. Aqui vale uma ressalva para que você não confunda os princípios gerias do direito internacional com os princípios gerais de direito interno, que podem variar de um sistema jurídico para outro, não tendo, desse modo, a generalidade necessária para serem aplicados em âmbito internacional. Assim como acontece com os costumes, muitos dos princípios gerais de direito foram codificados em tratados internacionais, mas também existem aqueles que se tornaram em direito costumeiro. Como exemplos, pode-se citar os princípios da boa-fé, da soberania nacional, da proteção da dignidade da pessoa humana, da prevalência dos direitos humanos, da não-intervenção, do respeito à coisa julgada, do direito adquirido, da responsabilidade do Estado, do pacta sunt servanda, dentre muitos outros. Os princípios também são responsáveis pela orientação, elaboração, interpretação e aplicação dos preceitos do direito nas relações sociais, podendo até mesmo decorrer da ordem estatal e ascender à ordem internacional. Os princípios possuem papel supletivo na interpretação das normas, segundo o caso concreto e o momento histórico. Os princípios são citados como fontes no já mencionado art. 38 do Estatuto da Corte Internacional de Justiça. Porém, há o acréscimo de que eles são “reconhecidos pelas nações civilizadas”; essa expressão é alvo de críticas por seu viés etnocêntrico, colonialista e discriminatório, não sendo mais a interpretação dada ao dispositivo. Atualmente, os princípios gerais abrangem todas as normas estáveis que incorporem valores amplamente reconhecidos pelo mundo como um todo. 4. Meios auxiliares e novas fontes (secundárias) As fontes secundárias, mencionadas no art. 38 do Estatuto da Corte Internacional de Justiça, como “meios auxiliares para a determinação das regras de direito”, são: as decisões judiciárias (jurisprudência) e a doutrina internacional. São assim denominadas, pois delas necessariamente não nasce o direito, mas atuam como instrumentos acessórios para que se determine corretamente o direito alegado no caso concreto. Relembre que o Estatuto da Corte, como já dito, não teve por intenção esgotar as fontes de direito internacional, em seu art. 38. Porém, existem também as novas fontes, advindas da evolução do Direito Internacional e do acréscimo de novos atores na sociedade internacional, que são: a analogia, a equidade, os atos unilaterais e as decisões das organizações internacionais. Todos os meios auxiliares e as fontes supramencionadas serão vistos a seguir. 4.1 Jurisprudência A jurisprudência (assim como no direito interno) consiste no conjunto de decisões reiteradas, no mesmo sentido, em assuntos semelhantes, mas que, no caso do Direito Internacional Público, são proferidas por órgãos internacionais de solução de controvérsias. No âmbito internacional, a jurisprudência contribui meramente como meio auxiliar do Direito Internacional, atuando no auxílio da aplicação das normas jurídicas e favorecendo a criação de novos direitos e novas regras costumeiras internacionais. Sua importância reside justamente nesta função: a jurisprudência é responsável por interpretar direitos, costumes e até princípios gerais, de modo que eles possam continuar consistentes em diversos momentos históricos. As decisões judiciárias referidas no art. 38 do Estatuto da Corte Internacional de Justiça são aquelas proferidas pela própria Corte Internacional de Justiça, como se conclui do disposto no art. 94 da Carta da ONU, onde se tem que os membros da Organização aceitarão as decisões da Corte nos casos em que forem partes. Além disso, essa fonte também pode incluir decisões de outras cortes internacionais, das quais se pode citar: o Tribunal Penal Internacional (TPI) e a Corte Interamericana de Direitos Humanos (CIDH), bem como é possível incluir as decisões de tribunais ad hoc ou de outros órgãos além dessas cortes, como os tribunais arbitrais e as comissões encarregadas de executar tratados, por exemplo. Também integram a jurisprudência internacional os pareceres emitidos por esses tribunais, quando do exercício de sua competência consultiva. Ressalta-se que o art. 59 do Estatuto da Corte Internacional de Justiça dispõe que, apesar de as decisões judiciais também serem responsáveis por criar direito, o que for decidido só será obrigatório para as partes litigantes, apenas quanto ao caso concreto que está sendo discutido judicialmente. Esse dispositivo não só confere às decisões da Corte a autoridade de res judicata, mas também afasta a hipótese de um sistema de precedentes obrigatórios, vinculando a decisão apenas para as partes em conflito. Não obstante, ainda que uma decisão jurídica internacional só atinja as partes litigantes a respeito daquele caso concreto, não há óbice para que o tribunal faça uso de sua própria jurisprudência como modo de reafirmar um posicionamento seu. Ademais, a jurisprudência internacional também pode apresentar efeitos no âmbito do direito interno, influenciando a jurisprudência interna, visto que pode fundamentar pretensões no Poder Judiciário dos Estados, que, por sua vez, criará jurisprudência interna com inspiração nos preceitos do Direito Internacional. Por fim, ressalta-se que a jurisprudência não é fonte do direito, pois dela não nasce o direito, mas tão somentesua interpretação. Sendo ela uma interpretação de um direito preexistente, esta não tem como ser fonte de direito. Considerando a redação do art. 38 do Estatuto da Corte, vale destacar que a jurisprudência que se refere como meio auxiliar são aquelas de natureza internacional, não incluindo aquelas decisões em foro doméstico, até porque seria ilógico aplicar decisões de direito interno no âmbito internacional. 4.2 Doutrina A doutrina (“dos juristas mais qualificados das diferentes nações”, como dispõe o art. 38 do Estatuto da Corte Internacional de Justiça) é o conjunto de estudos, interpretações, teses, entendimentos, dissertações etc., daqueles que estudam o Direito Internacional Público, compiladas em trabalhos acadêmicos, e também o material proveniente de instituições especializadas na pesquisa de Direito Internacional (por exemplo, a Comissão de Direito Internacional das Nações Unidas e a Academia de Direito Internacional de Haia). Relevante acrescentar também nesta lista a produção doutrinária das secretarias das organizações internacionais. Foi uma das fontes responsáveis pela efetiva criação do Direito Internacional que se tem atualmente, mas, agora, sua principal função é a de contribuir na interpretação e na aplicação da norma internacional. Desempenha um papel essencial para o ramo do Direito Internacional Público, não gerando modelos jurídicos (ou seja, não possui o caráter vinculante ou obrigatório), mas sim modelos dogmáticos ou hermenêuticos de direito. Além disso, também tem como máxima importância a formulação de novos princípios e novas normas, de modo a contribuir no desenvolvimento deste ramo da ciência jurídica em consonância com os novos anseios, interesses e necessidades da sociedade internacional, bem como os valores a serem salvaguardados. A doutrina faz isso ao esclarecer os significados dos modelos jurídicos através do tempo, além de propor novas formas de interpretação correspondentes aos valores e momentos históricos supervenientes. Por fim, apesar de não ser propriamente uma “fonte”, mas um “meio auxiliar” de Direito Internacional Público, a doutrina também é um meio de consulta para que os diversos tribunais internacionais possam solucionar os litígios de modo mais condizente com o entendimento geral da sociedade internacional. 4.3 Analogia A analogia consiste na aplicação, à determinada situação concreta, de fato de uma norma jurídica feita para ser aplicada a caso semelhante ou parecido, no caso da falta ou inutilidade de preceito para regular este determinado caso concreto. É uma forma de regular as relações jurídicas que, apesar de não serem o objeto exato de uma norma jurídica expressa, podem ser a ela empregada, em decorrência de serem casos similares. Ressalta-se que parte da doutrina não acredita que a analogia seja uma fonte do Direito Internacional Público, mas meramente um meio de integração do ordenamento jurídico. Ademais, em decorrência da falta de previsão desse instituto no art. 38 do Estatuto da Corte Internacional de Justiça, geralmente é pouco aplicada no Direito internacional, principalmente nos casos que envolvam questões de soberania dos Estados ou nos casos relativos à restrição de direitos humanos (como a liberdade). Tanto a analogia quanto a equidade (que será vista a seguir) objetivam encontrar soluções eficientes para enfrentar a questão da falta de uma norma jurídica regulamentadora para uma situação concreta, a fim de poder solucionar um conflito de interesses do modo mais justo possível, dada a lacuna normativa. 4.4 Equidade A equidade significa aplicar considerações tidas como justas a uma relação jurídica, quando não há norma ou preceito cabível para regular e/ou solucionar tal situação de conflito, ou quando ela existe, mas é ineficaz para soluciona-la com justiça e razoabilidade. A equidade não vai preencher a falta de previsão legal num determinado caso concreto, pois ela é o método a ser utilizado, e não a norma jurídica propriamente dita. Por isso, parte da doutrina não acredita que ela seja uma fonte do Direito Internacional Público, pois seria meramente uma forma de aplicação do direito pelas cortes internacionais. Além de ser considerada um princípio geral do direito, a equidade é tida também como meio de solução de controvérsias internacionais, a partir da anuência das partes conflitantes, como disposto no art. 38 do Estatuto da Corte Internacional de Justiça, requisito que contribui, na prática, para o pouco uso que os tribunais internacionais fazem desse instrumento na solução de conflitos. 4.5 Atos unilaterais dos Estados Para a doutrina voluntarista, os atos unilaterais dos entes estatais não poderiam ser considerados fontes do Direito Internacional Público, em decorrência da premissa do consentimento dos sujeitos internacionais. No entanto, apesar de não estar previsto no rol (exemplificativo) do já citado art. 38 do Estatuto da Corte Internacional de Justiça, a atual dinâmica das relações internacionais ocasiona em situações em que atos unilaterais acabam por influenciar e produzir consequências jurídicas para outros atores internacionais, independente do consentimento ou envolvimento destes, portanto, deve ser considerado como uma das novas fontes de Direito Internacional Público. Tanto os atos unilaterais dos Estados quanto as decisões das organizações internacionais (tema que será tratado a seguir), por serem expressão da vontade de um sujeito internacional, são, portanto, considerados como modos de formação voluntários de Direito Internacional Público, passíveis de produzir efeitos jurídicos, sejam eles erga omnes ou inter partes, capazes de criar direitos e/ou obrigações. Desse modo, os atos unilaterais podem criar precedentes de Direito Internacional. Ato unilateral estatal seria a manifestação expressa de vontade formulada por uma autoridade competente, a fim de produzir efeitos jurídicos numa relação jurídica internacional (seja entre Estados ou entre um Estado e uma organização internacional), independente do consentimento expresso da outra parte afetada. Portanto, são emanados de um único sujeito de Direito Internacional Público, sem a participação de outras partes (mesmo que possa existir o conhecimento da existência do ato). Os atos unilaterais dos Estados têm de ser, obrigatoriamente, internacionais, ou seja, seu valor coercitivo é determinado pela ordem jurídica internacional, e não a interna. Além disso, havendo a intenção expressa de produzir efeitos jurídicos, responsabilizando o Estado por esta manifestação de vontade, que deve ser pública e notória, já se pode considerar que o ato unilateral estatal é válido e está apto a produzir efeitos jurídicos. Assim, está provada a imputabilidade do ato ao Estado. Portanto, preenchendo tais requisitos da validade do ato supramencionadas, falamos então em uma fonte de responsabilidade internacional, visto que a expressão de vontade de um Estado, ainda que de forma unilateral, gera uma obrigação jurídico-internacional de garantir o que ali foi proclamado, na mesma proporção que um tratado. Dessa a forma, sendo o ato válido, este deve ser analisado a partir dos direitos e deveres tanto para o Estado autor do ato, quanto para Estados que dele sejam beneficiários. Além do caso de vício de forma (onde o ato será nulo), a forma de expressar um ato unilateral do Estado não tem muita importância, só sendo preciso que suas manifestações sejam claras. Funciona o princípio do acta sunt servanda, onde todo ato unilateral em vigor obriga o Estado que o formulou, devendo ser cumprido de boa-fé. Os atos unilaterais dos Estados podem ser classificados em: expressos (seja na forma de declaração escrita ou oral, mas sendo uma declaração formal) e tácitos (de modo implícito, pelo silencio ou pela prática de ações compatíveis com o objeto do ato). Quanto aos seus efeitos jurídicos, os