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resuminho - preservaçãodebensculturaisemâmbitonacional

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Desde as primeiras realizações voltadas à preservação de bens culturais em âmbito nacional até a controle e administração de instrumentos jurídicos específicos para este fim – com a criação do instrumento do ‘tombamento’ –, o debate sobre quais bens deveriam ser indicados e preservados pelo Estado derrubou idealidades, influências políticas e recortes historiográficos fundamentais, lançando luzes sobre uma gama bem determinada de concepções artísticas e arquitetônicas.
O perspectiva oposta do ato, porém, o quebra desta mesma proteção, ou o ‘destombamento’, ainda aguarda estudos críticos que explorem as termos e os agentes que o motivam e quais as problemáticas que concede, ao passo que torna sem efeito o instrumento legal mais operado no Brasil para a preservação de bens culturais.
No Brasil, o delineamento do ideia de patrimônio cultural remonta às primeiras décadas do século XX.
A ameaça de extinção ou destruição de registros materiais de nosso passado, sobretudo referentes ao período colonial, cedeu o panorama para debates profícuos entre intelectuais e estudiosos que buscavam atentar para a arte então considerada tradicionalmente brasileira e para os bens que deveriam compor o patrimônio nacional .
Esse debate culminaria na criação do órgão federal de proteção do patrimônio cultural, apoiado pelo governo de Getúlio Vargas.
Segundo Márcia Chuva, esse modelo de política de preservação, que tem o Estado como o centralizador das ações de proteção, advém do modelo francês, que predominou nos países europeus e repercutiu em alguns países da América Latina durante as primeiras décadas do século XX, como o Brasil e a Argentina (CHUVA, 2009, p.62)3.
Segundo Sant’Anna (1995, p.78), ao instituir a “função social da propriedade como princípio constitucional, [a carta magna de 1934] proporcionou o desenvolvimento, no Brasil, de todos os ramos do direito vinculados à codificação da interferência do Estado na propriedade privada”.6 Diversas propostas anteriores voltadas à organização federal da tutela de bens culturais, elaboradas entre 1917 e 19347, não lograram êxito justamente por esbarrar em questões relacionadas à limitação do direito de propriedade.
Desse modo, o texto do Decreto-lei-25, elaborado por Rodrigo Melo Franco de Andrade, buscou viabilizar “os meios legais que garantiriam a atuação do órgão federal de preservação, principalmente no sentido de depurar as questões envolvidas com o direito de propriedade, assim como desonerar o Estado na tutela do patrimônio histórico, seja desvinculando o tombamento da desapropriação do bem, seja atribuindo ao proprietário a responsabilidade pela sua conservação” (RUFINONI, 2013, p.169-170).
Além de definir o que constitui o patrimônio histórico e artístico nacional, instituir os quatro Livros do Tombo8 e organizar os procedimentos envolvidos no ato de tombamento, o capítulo III do Decreto-lei, intitulado “dos efeitos do tombamento”, esclarece quais serão as limitações impostas ao bem protegido, seja público ou privado, como as condições de transferência de propriedade e de deslocamento, bem como a atenção à conservação de seus aspectos materiais, incluindo a caracterização do entorno, para o caso de arquiteturas: Devemos destacar, contudo, que o próprio Decreto lei 25/37 já abre margem para o cancelamento do tombamento, caso o proprietário manifeste impedimento financeiro para a conservação do bem e o Estado não possa interceder em seu auxílio.
Com relação ao contexto histórico e político em que ocorreu a promulgação do citado Decreto-lei, os pesquisadores José Eduardo Rodrigues e Marcos Miranda (2012) e Márcia Chuva (2009) argumentam que as reformas urbanas em curso na cidade do Rio de Janeiro, então capital federal, teriam sido o motivo para a flexibilização do tombamento, permitindo a demolição de bens protegidos que se encontravam no trajeto da nova avenida Presidente Vargas, não por acaso nomeada em homenagem ao presidente.
Rodrigues e Miranda (2012, p.61-62) afirmam que o destombamento de que trata o Decreto-lei de 1941 é um “deplorável resquício do autoritarismo centralizador do Estado Novo [...]”, que “teve origem espúria e casuística, eis que criado especialmente para facilitar a construção da Avenida Presidente Vargas no Rio de Janeiro”, provocando a destruição de “pelo menos duas valiosas igrejas, a de São Pedro dos Clérigos e a do Bom Jesus do Calvário, além de parte dos jardins da Praça da República.” Apoiando o mesmo argumento, Chuva comenta: Telles, Costa e Sales (2014), contudo, relativizam essa afirmação, já que as duas igrejas acima citadas foram destombadas dois anos depois da promulgação do Decreto-lei, em 1949.
Além de abrir caminho para revisões de processos de tombamento – sobretudo em casos polêmicos, nos quais estão envolvidos fortes interesses econômicos –, a existência da figura do destombamento pode descortinar questões mais complexas, relativas aos reais alcances das políticas de preservação, aos critérios para atribuição de valores e ao envolvimento da sociedade na prática de tutela.
Numa época em que observamos uma significativa expansão tipológica e cronológica do conceito de bem cultural (CHOAY, 2001, p.207) – processo iniciado, sobretudo, na década de 1960, com repercussões evidentes na política de preservação brasileira –, tem se intensificado o tombamento de espaços e arquiteturas com base na identificação de outros valores.
passaram a ser tombados diversos bens representativos de outras histórias e memórias: espaços voltados à prática de religiões africanas, arquiteturas industriais e espaços do trabalho, locais associados à memória da ditadura militar etc.
Acreditamos que a recorrência ao destombamento – que deveria ser uma exceção, mas que tem crescido significativamente a partir da década de 1990 – pode ser a repercussão, no campo normativo, das incertezas e conflitos contemporâneos na prática de preservação, agravados pela pressão de interesses econômicos.
Em cada caso são diversos os moventes do destombamento: justificativas relacionadas à necessidade de ceder espaço ao crescimento urbano, descaracterização excessiva do bem devido à má conservação ou ruína, perda de “valores excepcionais” etc.
Logo, a indefinição do real papel do Estado e da sociedade nas práticas de salvaguarda, assim como as transformações na atribuição de valores a esses bens e inversão de prioridades na aplicação do conceito de utilidade pública, são apenas alguns dos elementos envolvidos nessa problemática. É o caso do estudo desenvolvido por Favreto (2015), que discute o cancelamento do tombamento das Corredeiras de Bem Querer, em Roraima11, impulsionado pela construção de uma hidrelétrica; O caso é particularmente interessante, pois, em tempos recentes, o IPHAN tem estudado a possibilidade de tombar novamente as ruínas da antiga fortificação.12 Voltando ao Rio de Janeiro, Radun e Coelho (2015) evidenciam as questões jurídicas envolvidas no cancelamento do tombamento com base em dois exemplos: o conjunto patrimonial da cidade de São João Marcos e a Igreja de São Pedro dos Clérigos, tema também abordado por Márcia Chuva (2009, p.147-148). Seis meses após o tombamento de um conjunto de bens na cidade de São João Marcos, o projeto para construção de uma barragem foi o argumento para o cancelamento da tutela a partir do Decreto-lei nº 2.269/1940, que então promoveu a “suspensão dos efeitos” do Decreto-lei nº 25/1937 para aquele caso.
Com relação aos casos levantados até o momento no Estado de São Paulo, notamos que os motivos predominantes para a anulação do tombamento recaem naqueles expostos por Telles, Costa e Sales (2014, p.10): “a) perecimento da coisa tombada;
No entanto, geralmente tais motivos são obscuramente provocados, como no caso da negligência na conservação que leva ao arruinamento ou à descaracterização;
O edifício foi destombado na década de 1950 com base na afirmação de perda de valor artístico, já que o Sphan o considerou “desfigurado”. Casos mais recentes e de grande interesse para discussão foram o destombamento do Sítio Piraquara,em São Paulo, e os debates referentes à Fazenda Tenente Carrito16, em Itapetininga, ambos os bens já desaparecidos. Apesar de deliberarem pelo destombamento, alguns conselheiros manifestaram-se contrários a esta medida quando “a ruína do bem tombado é decorrente de negligência por parte do proprietário”, solicitando o encaminhamento dos autos à autoridade competente para investigação das responsabilidades relativas à conservação do bem, assim como a realização de prospecções arqueológicas para buscar possíveis remanescentes do edifício. O Egrégio Colegiado do Condephaat deliberou por recusar o destombamento da Fazenda Tenente Carrito, “mantendo o tombamento do imóvel mesmo com o desaparecimento de sua cota positiva”, possivelmente uma resposta à sequência de destombamentos que poderiam ocorrer com base no “desaparecimento” do bem, considerando que a ruína, muitas vezes, é intencional, ou provocada pela negligência nas ações de conservação. O destombamento em nível municipal da Igreja de São Sebastião, ocorrido em 199319, demonstra a citada fragilidade na aplicação da legislação de tutela em âmbito local, já que a anulação do tombamento foi sancionada pela Câmara Municipal mesmo sem a anuência do órgão local de preservação, já desmobilizado e em desativação, àquela época (Idem, p.53). Neste caso em particular, o fato de ser um edifício industrial – tipologia arquitetônica cujo reconhecimento como bem cultural é recente, além de ocupar extensas áreas urbanas com grandeinteresse imobiliário –, certamente contribuiu para pressionar pelo destombamento. Um claro exemplo das ingerências envolvidas no tratamento de bens culturais, já que o Poder Judiciário não deveria atrair para si quaisquer decisões acerca da importância histórica e dos valores atribuídos aos bens culturais20. A lei municipal que tombou o edifício foi revogada pela Câmara Municipal, seguindo a solicitação de um vereador.2 Para concluir, outro caso importante para os recortes desta pesquisa é o destombamento e a demolição do Casarão Saraceni, em Guarulhos. Na década de 1990, com a construção de um shopping nas imediações do casarão, o edifício acabou envolvido pelo empreendimento, mantendo-se isolado no interior de seu estacionamento. Como justificativa, alegou-se que o casarão não possuía valores históricos e artísticos excepcionais, afirmação que ecoa conflitos e ambiguidades nos critérios para atribuição de valores e na difícil contemporização entre os interesses coletivos e de particulares. Com base em levantamento preliminar dos destombamentos no Estado de São Paulo, intentamos selecionar estudos de caso a partir dos quais investigaremos criticamente as principais causas, discussões e repercussões associadas ao destombamento do patrimônio arquitetônico. Ao longo desta seleção e análise, buscaremos atentar para os dizeres de Telles, Costa e Salles (2014), sobretudo no que diz respeito à excepcionalidade do destombamento, à relativização negativa que o ato confere aos valores atribuídos ao bem, aos conflitos envolvidos em sua discussão e às formas de participação da sociedade neste debate. No entanto, se sabemos que a participação da sociedade civil nas ações preservacionistas também ganhou força nas últimas décadas, é imprescindível que coloquemos em discussão como estender essa mesma participação também ao debate sobre o destombamento.

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