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1 Direito e Atenção à Saúde da Pessoa Idosa O envelhecimento no contexto das crises sanitárias e o direito à saúde 1 2 Enap Escola Nacional de Administração Pública Enap, 2021 SAIS - Área 2-A -70610-900 - Brasília, DF Conteudista: Paulo Adão de Medeiros (Conteudista, 2021). Diretoria de Desenvolvimento Profissional. 3 Sumário Unidade 1 – Epidemiologia do envelhecimento e crises sanitárias ....................................4 1.1 Transição demográfica e epidemiológica ...................................................................................................4 1.2 Crises sanitárias e a população idosa como grupo de risco no Brasil ..............................................9 1.3 Os serviços de atendimento à pessoa idosa e as perspectivas em cenários pós crises sanitárias............10 Referências ..................................................................................................................................................................13 Unidade 2 – O modelo de atendimento vigente no Brasil e seus limites ..........................17 2.1 A pessoa idosa na perspectiva dos Direitos Humanos .........................................................................17 2.2 A pessoa idosa como um sujeito de direitos .............................................................................................17 2.3 O direito à saúde no Brasil ..............................................................................................................................18 Referências ..................................................................................................................................................................21 4 O envelhecimento no contexto das crises sanitárias e o direito à saúdeMÓ D U LO 1 Unidade 1 – Epidemiologia do envelhecimento e crises sanitárias 1.1 Transição demográfica e epidemiológica Quem já não ouviu falar que o mundo todo está envelhecendo? A mídia, um olhar mais atento pelos locais que frequentamos, as nossas conversas informais e mesmo o contexto profissional mostram essa realidade todos os dias. Talvez um dos motivos de você buscar esse curso seja justamente para compreender melhor esse fenômeno, pois percebeu que essa é uma tendência que veio para ficar e que vai exigir preparação. Para iniciar os estudos vamos trabalhar alguns conceitos muito importantes que nos explicam os motivos da população estar envelhecendo, bem como alguns padrões de doenças e mortalidade que acometem as pessoas atualmente. Avatar do Professor João. Fonte: br.freepik.com A palavra demografia refere-se à ciência que estuda a dinâmica populacional humana e, nesse sentido, entende-se por transição demográfica a “oscilação das taxas de crescimento e variações populacionais”. Esse conceito foi elaborado no ano de 1929 por Warren Thompson (1887-1973) para contestar matematicamente a Teoria Demográfica Malthusiana, a qual definia que não há um crescimento acelerado e contínuo da população, mas sim oscilações periódicas, que alternam crescimentos e desacelerações demográficas, podendo envolver, inclusive, estágios de estabilidade. 5 Portanto, a alta fecundidade do passado (principalmente após a Segunda Guerra Mundial) aliada à redução da mortalidade em todas as idades, resultou em um grande crescimento populacional. Atualmente a manutenção crescente da expectativa de vida aliada à redução das taxas de fecundidade (menor número de crianças e jovens) acarreta em aumento na proporção de pessoas idosas na sociedade, que atingem idades cada vez mais avançadas (longevidade). Para demonstrar o que esse envelhecimento populacional significa em termos demográficos a tabela abaixo apresenta alguns dados e projeções da Organização das Nações Unidas (ONU) a nível mundial. População absoluta e relativa de 60 anos e mais; 65 anos e mais; e 80 anos e mais no mundo, nos anos selecionados, entre 1950 e 2100. Fonte: Organização das Nações Unidas apud Alves (2019). Assim, você pode perceber que o número de idosos de 60 anos e mais era de 202 milhões (8% da população) em 1950, passou para 1,1 bilhão (13,5% da população) em 2020 e deve alcançar 3,1 bilhões (28,2%) em 2100, o que representa um crescimento absoluto de 15,2 vezes. 1.1.2 Envelhecimento populacional em números Portanto, quando falamos em transição demográfica estamos nos referindo à ocorrência de uma mudança na proporção dos diversos grupos etários que compõem o total da população. Atualmente, essa alteração corresponde ao aumento percentual dos idosos na população e a consequente diminuição dos demais grupos etários, principalmente crianças e jovens. Essa transição acontece em estágios que ocorrem em determinada população. No desenvolvimento das so- ciedades modernas alguns fatores foram responsáveis pela queda nas taxas de mortalidade e fecundidade: Diminuição da mortalidade: melhoria das condições sanitárias (saneamento básico); avanços científicos e tecnológicos (saúde); tecnologia na produção de alimentos; e desenvolvimento industrial, econômico e social. Diminuição da fecundidade: aumento da escolaridade e inserção da mulher no mercado de trabalho; difusão dos métodos contraceptivos; aumento dos custos e acelerado ritmo de vida. 1.1.1 Quais são as causas dessa transição? 6 Como você pode verificar, esses dados são impressionantes e demonstram que atingir a idade avançada deixou de ser privilégio de poucos e se tornou uma expectativa realista nas várias regiões do mundo. De acordo com as projeções do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) nos próximos 30 anos (em 2050) as pessoas com 60 anos ou mais representarão praticamente 30% da população brasileira. Esse fato contribui para uma inversão da pirâmide etária em que a base (representando os mais jovens) vem estreitando e o topo (representando os mais idosos) vem alargando. Gráfico representando a pirâmide etária brasileira no ano de 2050. Fonte: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (2016). Você sabia? A cada segundo, duas pessoas no mundo celebram 60 anos de vida. Hoje existem mais pessoas com mais de 60 anos do que crianças com menos de cinco anos. Até 2050 a faixa etária de mais de 60 anos constituirá 30% da população em 64 países. A maioria dos países desenvolvidos estarão nessa lista, mas também a maior parte da América Latina, do Caribe e grande parte da Ásia, incluindo a China. A essa altura os indivíduos com mais de 60 anos formarão um bloco mundial de mais de dois bilhões de pessoas que superará em número os menores de 15 anos de idade O número de centenários irá crescer dez vezes no mundo, passando de 300.000 em 2011 para 3,2 milhões até 2050. Fonte: UNFPA (2012) e UN/DESA (2013). 7 Outro indicador interessante a ser observado para ilustrar o envelhecimento populacional é a expectativa de vida. De acordo com o IBGE, uma pessoa nascida no Brasil em 1940 tinha a expectativa de viver, em média, apenas 45,5 anos. Já no ano de 2019 esse indicador foi de 76,6 anos, em média, demonstrando que a esperança de vida aumentou 31,1 anos. E a longevidade feminina é, em média, sete anos acima da dos homens, conforme você pode observar no gráfico abaixo: Gráfico representando a evolução da expectativa de vida ao nascer da população brasileira do ano de 1940 a 2019. Fonte: Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Gráfico representando a comparação do tempo em anos que alguns países levaram para passar de 10% para 20% da população idosa. Adaptado de: Revista Pesquisa FAPESP nº254, a partir de dados da OMS. 1850 1995 1940 2015 2010 2035 1881 1970 1970 1995 2020 2055 2000 2025 FRANÇA SUÉCIA EUA ÍNDIA JAPÃO BRASIL CHINA 25 anos25 anos25 anos 35 anos 75 anos 89 anos 145 anos O RÁPIDO AVANÇO DOS IDOSOS As barras abaixo indicam o tempo que levou para a proporção de idosos passar de 10% para 20% da população FONTE ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE Veja a comparação do aumento da longevidadeentre os países A cada ano 1 milhão de idosos são incorporados à estrutura etária brasileira e em 2050 o Brasil será a 6ª nação com maior número de idosos. Portanto, o aumento da população idosa vem ocorrendo muito rapidamente em comparação aos outros países, que tiveram mais tempo de se organizar para receber esse grande contingente de idosos em suas sociedades. Por exemplo, a França levou 145 anos para passar de 10% para 20% da proporção de idosos na população e o Brasil levará apenas 25 anos, exigindo medidas urgentes da gestão pública, conforme gráfico. 8 Ainda, a expectativa de vida saudável, a qual se configura nos anos em que as pessoas podem esperar viver a mais com boa saúde, também aumentou no âmbito mundial. No entanto, devido ao fato de o aumento da expectativa de vida saudável ser menor do que o da expectativa de vida em geral, muitas pessoas também vão experimentar um período mais longo de incapacidade. Nesse sentido se torna um desafio para as políticas públicas fazer com que esses anos adicionais sejam vividos com qualidade. Portanto, ocorrem em conjunto transformações na composição etária e no modo como a população adoece e morre. Este processo acontece em 3 mudanças básicas: i) substituição das doenças transmissíveis por doenças não transmissíveis e causas externas; ii) maior carga de morbimortalidade dos grupos etários mais jovens aos grupos mais idosos; iii) transformação de uma situação em que predomina a mortalidade para outra em que a morbidade é dominante. Nas últimas décadas, os óbitos deixaram de ser principalmente uma questão infantil e passaram a ser uma questão gerontológica. Essa situação demonstra avanços das condições sociais e sanitárias, ou seja, é algo positivo, pois as pessoas estão adoecendo e morrendo menos em idades precoces, e progressivamente, atingindo idades mais avançadas. As principais causas de mortalidade entre os idosos são as doenças crônicas não transmissíveis com destaque para as doenças do aparelho circulatório (incluindo as cardíacas e cerebrovasculares) e neoplasias. E com o crescimento acentuado do grupo de idosos octogenários, o país vai se deparar cada vez mais com o elevado número de casos de demência, fratura proximal do fêmur e sequelas de acidente vascular cerebral. No entanto, cabe ressaltar que existem diferenças nos padrões de morbimortalidade entre as cinco regiões geográficas e que o Brasil não vem apresentando uma transição epidemiológica clássica, pois novos e velhos problemas em saúde estão coexistindo, com destaque para as doenças crônico- degenerativas, embora as doenças transmissíveis ainda desempenhem um papel importante no perfil da população. Conforme indica a Política do Envelhecimento Ativo, o processo de transição demográfica coincide com outras tendências globais convergentes e interdependentes que estão moldando nosso futuro. Assim, todos os países terão que encontrar estratégias para responder a essas questões de maneira inclusiva, sem criar desigualdade entre gerações, grupos sociais e nações. São tendências tais como: Urbanização; Globalização; Revolução Tecnológica; Migração; Mudanças Ambientais e Climáticas; Desigualdades Sociais etc. Para sintetizar o que foi apresentado, indicamos que você assista um vídeo curto do Dr. Alexandre Kalache, grande estudioso da área. Segundo ele, todas essas modificações caracterizam a Revolução da Longevidade: Até 2050, o Brasil terá mais de 30% de idosos Entende-se por transição epidemiológica as modificações ocorridas no tempo nos padrões de morbidades, invalidez e morte que caracterizam uma população específica e que geralmente ocorrem em conjunto com outras transformações demográficas, sociais e econômicas. Agora que você já aprendeu sobre o processo de transição demográfica, é importante conhecer outro conceito com o qual este possui estreita ligação, que é a transição epidemiológica. 1.1.3 Transição Epidemiológica https://www.youtube.com/watch?v=MI43UyFfaOI&t=131s https://www.youtube.com/watch?v=MI43UyFfaOI&t=131s http://repositorio.ipea.gov.br/bitstream/11058/10074/1/NT_73_Disoc_Estimativa da populacao em situacao de rua no Brasil.pdf 9 Nesse tópico você aprendeu que a transição demográfica trouxe uma mudança no perfil etário e epidemiológico da população. O envelhecimento populacional não é só uma responsabilidade individual, e suas implicações atingem toda a sociedade. Um prognóstico comum entre os geron- tólogos é de um declínio continuado de mortes prematuras, levando a um padrão de morte natural ao fim de um perío- do natural de vida, ou seja, espera-se uma continuação nos ganhos da esperança de vida. Essa Revolução da Longe- vidade demanda que repensemos radicalmente o curso de vida e que questionemos premissas há muito estabelecidas sobre estereótipos ligados ao envelhecimento, incluindo as definições de aposentadoria e de cuidados na velhice. 1.2 Crises sanitárias e a população idosa como grupo de risco no Brasil Podemos considerará-las emergências em saúde pública que se agudizam acarretando doenças e mortes à grande parcela da população em todo o mundo com repercussões sociais e econômicas. Nesse aspecto duas terminologias tornam-se importantes elucidar: De acordo com o epidemiologista Roberto Medronho, a Epidemia é a elevação brusca, inesperada e temporária da incidência de determinada doença, ultrapassando os valores esperados para a população no período em questão. Já a Pandemia é a ocorrência epidêmica caracterizada por uma larga distribuição espacial, atingindo várias nações. 1.2.1 Você sabe o que se considera como crises sanitárias? As pessoas idosas fazem parte do grupo mais acometido por complicações, a exemplo do coronavírus. Altas taxas de mortalidade têm sido associadas a pacientes idosos devido à presença de comorbidades e maiores déficits no sistema imunológico,os quais causam um aumento da vulnerabilidade às doenças infectocontagiosas, e consequentemente, acarretam prognósticos desfavoráveis. Nesse sentido, os mais velhos são impactados por vários aspectos: por serem mais vulneráveis aos efeitos, como gravidade da doença e mortalidade; emocionalmente, pelo medo da doença, mas também pelas outras consequências psicológicas; socialmente, já que como público mais suscetível, as medidas restritivas e de precaução, como por exemplo o isolamento social, são mais intensas. 1.2.2 Você sabe o motivo pelo qual a população idosa é grupo de risco? 10 As crises pandêmicas acarretam sem dúvida, em grande impacto para as pessoas idosas e seus familiares. Porém, também ao colocar o envelhecimento em pauta na nossa sociedade, torna-se uma excelente oportunidade para a mobilização, a conscientização e a ação coletiva em defesa dos seus direitos, e para a promoção da melhoria das suas condições de saúde e de suporte psicossocial. 1.3 Os serviços de atendimento à pessoa idosa e as perspectivas em ce- nários pós crises sanitárias As crises sanitárias que atingem proporções globais trazem enormes desafios para a Saúde Pública, que vão além da fase crítica da doença e hospitalização, incluindo lidar com as sequelas físicas e emocionais e as repercussões sociais e econômicas que permanecem. Os impactos trazem mudanças em todas as áreas e assim buscamos mostrar alguns pontos que merecem destaque nesse processo de reconstrução. No entanto, muitos aspectos permanecem incertos e precisam ser vivenciados e resolvidos conforme as peculiaridades de cada situação e contexto. Neste sentido, surgem algumas tendências de ampliação e continuidade, como: Infográfico representando algumas tendências de ampliação e continuidade após as crises sanitárias. Fonte: Elaborado por Paulo Medeiros em 2021 com base na literatura das referências utilizando imagem do br.freepik.com 11 • Programas e serviços com o uso de tecnologias em saúde O isolamento social trouxe grandes desafios para o trabalho das equipes de saúde no modelo tradicional presencial. Assim, o uso das tecnologias da comunicaçãoe da informação na saúde, mais conhecida como Telessaúde ou Telemedicina, tornou-se importante ferramenta para o tratamento dos pacientes, inclusive após altas hospitalares. A Organização Mundial da Saúde (OMS) enfatiza essa modalidade de tratamento nas suas diretrizes para reabilitação pós infecção. Estudos apontam que a reabilitação remota se mostrou uma alternativa eficiente e segura para o tratamento das sequelas da doença. O uso de diferentes tecnologias e ferramentas de Telemedicina permitem, por exemplo, a realização de grupos virtuais de educação, exercícios a distância, utilização de vídeos educacionais, manuais de instrução ou atendimento remoto. Portanto, a continuidade do uso da tecnologia na saúde deve permanecer e se ampliar com a devida regulamentação e fiscalização sobre os aspectos legais e éticos desta prática. O atendimento online tem suas restrições, mas com certeza facilita o acesso de pacientes em áreas distantes e com dificuldade de mobilidade. Serão necessários maiores investimentos na estruturação de redes de Internet com alta qualidade e o avanço progressivo de programas de acesso da população a equipamentos e à própria Internet. Um exemplo interessante do uso da tecnologia em benefício dos pacientes são as vídeo chamadas nos hospitais, principalmente em setores de isolamento e terapia intensiva, permitindo o contato com familiares e amigos e humanizando o atendimento. • Programas e serviços de capacitação profissional As crises sanitárias trazem a necessidade de maior qualificação profissional com a busca de capacitação para entender os novos cenários e as novas demandas que se apresentam, sendo importante ressignificar as ações de atenção às pessoas idosas, respeitando a heterogeneidade deste grupo populacional. Com isso, diversos ambientes virtuais de aprendizagem foram desenvolvidos e/ou disponibilizados, com variados conteúdos e linguagem. A valorização oportuna, com destaque ao ensino geriátrico e gerontológico na formação profissional, deve ser item obrigatório na matriz curricular das profissões, principalmente da saúde. Evolução tecnológica para educação em saúde. • Programas e serviços de reabilitação As sequelas das infecções são comuns entre os idosos que se recuperam, sendo que os estudos demonstram que quanto mais avançada a idade e debilitado o organismo, maior a propensão de sequelas. Os principais impactos envolvem sobretudo as funções respiratória e motora, e possuem maior potencial de gravidade entre aqueles que já apresentavam comorbidades, estando mais propensos à fragilidade. Além disso, após grande período de isolamento; redução das atividades físicas e sociais; e interrupção nos cuidados de saúde de várias doenças crônicas, a maioria da população idosa possivelmente apresenta prejuízos em sua capacidade funcional. Portanto existe a necessidade de serviços especializados de reabilitação por meio de ambulatórios com equipe multiprofissional. Telemedicina/Telessaúde Para a Organização Mundial da Saúde, a Telemedicina pode ser definida como a prestação de serviços de saúde por profissionais da área, onde a distância é um fator crítico, usando Tecnologias de Informação e Comunicação (TICs) para o intercâmbio de informações válidas para o diagnóstico, o tratamento e a prevenção das doenças e lesões; pesquisa e avaliação; e para a educação continuada dos profissionais de saúde, tudo no interesse de promover a saúde dos indivíduos e suas comunidades. No sentido de auxiliar na resolução das demandas trazidas pelas crises sanitárias surge a necessidade da estruturação de vários programas ou serviços conforme as explicações que seguem: 12 • Fortalecimento da Atenção Primária A Atenção Primária é o primeiro ponto de contato do paciente com o sistema de saúde e nesse sentido a OMS ressalta que os serviços de reabilitação localizados onde os pacientes residem são sempre os melhores locais para tratamentos de longo prazo. Nessa perspectiva cabe aos gestores prepararem os serviços comunitários de saúde e atenção psicossocial para o aumento da demanda das necessidades dos pacientes após uma crise sanitária, especialmente da população idosa. Ao analisar esta recomendação sob a ótica da organização do Sistema Único de Saúde (SUS), fica evidente a necessidade do fortalecimento da Atenção Primária de Saúde (APS) no Brasil, com recursos humanos e materiais para o cuidado adequado das sequelas da doença. As equipes da APS ocupam lugar privilegiado ao operarem na lógica do cuidado no território, que é centrada no usuário, e por constituírem uma rede de serviços de saúde altamente distribuída no país. • Programas e serviços com foco na saúde mental As experiências traumáticas e sequelas associadas à doença ou morte de pessoas próximas, o estresse induzido pela mudança na rotina devida às medidas de distanciamento social seja pelas consequências econômicas ou pelas relações afetivas, além da interrupção dos tratamentos de saúde, acarretam o aumento do sofrimento psicológico, dos sintomas psíquicos e dos transtornos mentais provocados diretamente pela doença ou por seus desdobramentos secundários. Ainda, o convívio prolongado dentro de casa também aumentou o risco de desajustes da dinâmica familiar. Além disso, as mortes de entes queridos em um curto espaço de tempo, juntamente à dificuldade para realizar os rituais de despedida, podem dificultar a experiência de luto, impedindo a adequada ressignificação das perdas e aumentando o estresse. Assim, com o aumento de depressão, ansiedade e estresse pós-traumático na população idosa, torna-se necessário a estruturação de serviços e programas de saúde mental. • Programas e serviços de inclusão digital O isolamento social e a solidão têm sido associados ao aumento de doenças e mortalidade prematura. Além disso, sabe-se que a exclusão social está associada a maiores riscos de comprometimento cognitivo, depressão e incapacidade funcional. Nesse sentido a resiliência é muito importante como adaptação às adversidades, e muitos idosos, com a maior autonomia e independência funcional, têm buscado a ressignificação da velhice, adaptando-se aos desafios no uso de novas tecnologias para se aproximar das pessoas, resolver problemas, receber cuidados de saúde e lidar com a solidão. Logo serão necessários mais serviços e programas de inclusão digital das pessoas idosas para acompanhar as inovações tecnológicas, buscando promover a participação na comunidade. • Programas e serviços de assistência social A crise trouxe destaque para esse grupo populacional que merece atenção e prudência, deixando como aprendizado, para os períodos de crise e projeção para cenários futuros, o cuidado e atenção com os idosos mediante estratégias de apoio e alerta para sinais e sintomas. Aqueles que residem sozinhos precisam contar com pessoas de referência para reportar suas necessidades, sentimentos ou relatos de saúde e doença. Além disso, as reduções econômicas e o desemprego pioram ainda mais a tensão sobre as famílias. Portanto, torna-se necessário maior suporte aos familiares e cuidadores, em adição a políticas públicas eficazes para a assistência social dos idosos, tanto na comunidade quanto em instituições de longa permanência. • Conheça os 5 R’s da Recuperação Uma crise sanitária de proporções gigantescas como uma pandemia também representa uma iminente reestruturação da ordem econômica global. A crise revela não apenas vulnerabilidades, mas oportunidades para melhorar o trabalho das empresas e serviços. Autores internacionais voltados à gestão dos serviços de saúde apontam que a superação de crises deve focar em 5 R’s: Resolução, Resiliência, Retorno, Reimaginação e Reforma. Caso deseje saber mais, veja no Link: Além do coronavírus: o caminho para o próximo normal. https://www.mckinsey.com/industries/healthcare-systems-and-services/our-insights/beyond-coronavirus-the-path-to-the-next-normal/pt-br https://www.mckinsey.com/industries/healthcare-systems-and-services/our-insights/beyond-coronavirus-the-path-to-the-next-normal/pt-br13 2° DIA - I Fórum Nacional da Pessoa Idosa: Envelhecimento e seus Desafios no Brasil. Brasília, Df: Mulher, Família e Direitos Humanos, 2021. (220 min.), son., color. Disponível em: https://www.youtube. com/watch?v=ybZn1qb55ZQ&ab_channel=Mulher%2CFam%C3%ADliaeDireitosHumanos. Acesso em: 27 jun. 2022. ABEL, T.M. The COVID-19 pandemic calls for spatial distancing and social closeness: not for social distancing! Int J Public Health., v. 65, n. 3, p. 231, 2020. ALVES, J. E. D. A revisão 2019 da ONU para as projeções populacionais do Brasil. 2019. EcoDebate. 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De acordo com a Organização das Nações Unidas (ONU) “São direitos inerentes a todos os seres humanos, independentemente da sua raça, sexo, nacionalidade, etnia, idioma, religião ou qualquer outra condição. Incluem o direito à vida e à liberdade, liberdade de opinião e expressão, ao trabalho, educação, entre outros. Todos têm direito a estes direitos, sem discriminação”. Agora que você já conhece o conceito, vamos estudar de que maneira as pessoas idosas estão reconhecidas na perspectiva desses direitos fundamentais. A compreensão e a aplicação dos Direitos Humanos fundamentais evoluem à medida que as sociedades mudam. Desta forma, houve grande evolução ao longo do último século, mas ainda há muito a ser feito. A presença cada vez mais visível dos idosos, uma melhor compreensão do potencial humano de longevidade e o reconhecimento da existência de preconceito etário têm direcionado o foco para a população idosa como grupo que requer especificidade legal a fim de proteger e promover direitos de maneira abrangente. O Brasil, como signatário dos instrumentos internacionais de Direitos Humanos, passou a incorporar a temática da pessoa idosa de forma mais assertiva na sua agenda política, coincidindo com o período de redemocratização do País (final da década de 80), havendo a incorporação do tema no capítulo referente às questões sociais da Constituição da República Federativa do Brasil (CF/1988), posteriormente destacando-se: a Lei Federal nº 8.842, de 04 de janeiro de 1994 – Política Nacional do Idoso (BRASIL, 1994), regulamentada pelo Decreto Federal nº 1.948, de 03 de julho de 1996 (BRASIL, 1996), – e a Lei Federal nº 10.741, de 1º de outubro de 2003 – Estatuto do Idoso (BRASIL, 2003). 2.1 A Pessoa Idosa na perspectiva dos Direitos Humanos A busca pelo Envelhecimento Ativo é uma abordagem baseada em direitos, e não em necessidades, que reconhece o direito das pessoas à igualdade de oportunidades e tratamento em todos os aspectos da vida à medida que se desenvolvem, amadurecem e envelhecem. Respeita a diversidade e cumpre todas as convenções, princípios e acordos 2.2 A Pessoa idosa como um sujeito de direitos de Direitos Humanos promulgados pelas Nações Unidas, com foco particular sobre os direitos das pessoas sujeitas à desigualdade e à exclusão ao longo da vida. Reconhece especialmente os Direitos Humanos da população idosa, e os Princípios das Nações Unidas para o Idoso: independência, participação, dignidade, cuidado e autorrealização. Tá na Lei! O Estatuto do Idoso, Lei nº 10.741, de 1º de outubro de 2003, estabelece que “o idoso goza de todos os direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, sem prejuízo da proteção integral de que trata esta Lei, assegurando-se-lhe, por lei ou por outros meios, todas as oportunidades e facilidades, para preservação de sua saúde física e mental e seu aperfeiçoamento moral, intelectual, espiritual e social, em condições de liberdade e dignidade” (BRASIL, 2003). 18 Além das determinações constitucionais quanto aos direitos e garantias fundamentais que abrangem todos os cidadãos, o Estatuto do Idoso, sendo o principal instrumento legal para a proteção específica desse segmento da população, determina que desde a atenção da família até a implantação de políticas públicas, a defesa dos direitos do idoso é dever de todos, cada parte com sua parcela e obrigações. Vamos refletir, o direito é do idoso e o dever é de quem? De acor- do com o art. 3º do Estatuto do Idoso, “é obrigação da família, da comunidade, da sociedade e do Poder Público assegurar ao idoso, com absoluta prioridade, a efetivação do direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, à cultura, ao esporte, ao lazer, ao trabalho, à cidadania, à liberdade, à dignidade, ao respeito e à convivência familiar e comunitária” (BRASIL, 2003). Você percebeu que a pessoa idosa é um sujeito de direitos garantidos em várias legislações. Entretanto, deve ser vista como protagonista na luta pelo cumprimento destes direitos. Para tanto é necessário capacitar as pessoas idosas fazendo com que conheçam os seus direitos e participem da construção da sociedade em que estão inseridas. O protagonismo faz parte do envelhecimento ativo estando intimamente ligado com a participação em qualquer causa social, cívica, recreativa, cultural, intelectual ou espiritual que dê significado à vida e promova sentimento de realização e pertencimento. Isso traz uma nova maneira de compreender o cidadão idoso na abordagem baseada em direitos, não mais como sujeito passivo (apenas receptor de cuidados), mas como agente das ações a ele direcionadas. Portanto, um cidadão capaz, que deseja e tem potenciais para participar da vida em comunidade nos seus diferentes âmbitos. Para tanto é preciso estimular esse movimento emancipatório das pessoas idosas com estratégias de desenvolvimento pessoal visando sua autonomia enquanto gestores da própria vida, incluindo: autoconhecimento; acesso à informação, educação e capacitação; solidariedade intergeracional; divulgação dos mecanismos de participação e controle social; estímulo à organização sociopolítica; apoio para desmistificação de crenças e encorajamento de habilidades e capacidades. 2.3 O Direito à Saúde no Brasil Você pode observar que os idosos devem ser resguardados na igualdade de oportunidades e tratamento em todos os aspectos da vida, bem como protegidos em suas especificidades. Embora a legislação brasileira seja bastante avançada na positivação dos direitos aos idosos, existem muitas dificuldadesna sua efetivação, entre as quais o desconhecimento da população em relação ao amplo conjunto de seus direitos e mecanismos de acesso. Desse modo, é muito importante que todos os segmentos da sociedade, operadores jurídicos e, principalmente, os próprios idosos conheçam seus direitos para exercê-los e reivindicá-los. 19 Tá na Lei! Estatuto do Idoso - art. 9º "É obrigação do Estado, garantir à pessoa idosa a proteção à vida e à saúde, mediante efetivação de políticas sociais públicas que permitam um envelhecimento saudável e em condições de dignidade" (BRASIL, 2003). art. 15 "É assegurada a atenção integral à saúde do idoso, por intermédio do Sistema Único de Saúde – SUS, garantindo-lhe o acesso universal e igualitário, em conjunto articulado e contínuo das ações e serviços, para a prevenção, promoção, proteção e recuperação da saúde, incluindo a atenção especial às doenças que afetam preferencialmente os idosos" (BRASIL, 2003). A saúde é um direito universal no Brasil, atingindo a todos os cidadãos. Assim, independentemente de A saúde é um direito universal no Brasil, atingindo a todos os cidadãos. Assim, independentemente de classe socioeconômica, a pessoa idosa pode buscar atendimento integral à saúde pelo Sistema Único de Saúde (SUS), o que pressupõe ações de prevenção, promoção, proteção e recuperação da saúde. Dentre outras medidas, inclui o direito a consultas gerais; à vacinação; ao atendimento fisioterápico e ao odontológico; e à participação em grupos especiais de hipertensos e diabéticos, bem como em grupos de terapias complementares para a promoção da saúde, incluindo programas de atividades físicas. No entanto, o Estatuto do Idoso garantiu a implementação de alguns direitos especiais aos idosos no âmbito do SUS. Entre os quais: o atendimento domiciliar quando estiver impossibilitado de se locomover (incluindo os idosos residentes em ILPIs), bem como o atendimento preferencial ao idoso (diferenciado e imediato) em relação aos demais, logo após a classificação de emergência e urgência (necessidade de intervenção imediata, dado o risco iminente ou potencial de morte ou de lesões irreparáveis) utilizada nos ambientes que cuidam da saúde. Cabe ressaltar que a Lei nº 13.466, de 12 de julho de 2017, alterou os arts. 3º, § 2º do Estatuto do Idoso, a fim de estabelecer a prioridade especial das pessoas maiores de oitenta anos (BRASIL, 2017). Com isso, em todo atendimento de saúde os maiores de oitenta anos terão preferência especial sobre os demais idosos, exceto em caso de emergência. Ainda, a pessoa idosa que necessita de medicamentos de uso continuado tem o direito de recebê-los gratuitamente no posto de saúde ou em outro setor da área de saúde do seu município. O infográfico abaixo resume as principais especificidades: Infográfico representando direitos especiais da população idosa no âmbito do SUS Fonte: Construído por Paulo Medeiros com base no Estatuto do Idoso. Atendimento domiciliar (incluindo idosos em ILPIs) Diversos medicamentos gratuitos Atendimento preferencial (diferenciado e imediato) *exceto em situações de maior gravidade de outros usuários Proibido exigir comparecimento do idoso enfermo em orgãos públicos Proibida discriminação dos planos de saúde em função da idade realizar em casos de violência Acompanhante em internações hospitalares Decidir pelo tratamento mais favorável Próteses, órteses e outros recursos de reabilitação 20 Apesar da legislação brasileira referente aos cuidados da população idosa ser bastante avançada, na prática ainda há muito o que se fazer para que o Sistema Único de Saúde dê respostas efetivas às demandas de saúde da população idosa brasileira. Dessa maneira, é de fundamental importância a formulação de estratégias de ação capazes de dar conta da heterogeneidade desse grupo e garantir a saúde das pessoas idosas. Em relação à população idosa esse conceito abrangente de saúde reforça essa perspectiva, pois a maioria das pessoas com 60 anos ou mais possuem algumas comorbidades. Entretanto, não necessariamente devem ser consideradas como não saudáveis, pois o importante é controlar suas doenças e manter a sua capacidade funcional, ou seja, as habilidades físicas e mentais necessárias para realização de atividades básicas e instrumentais da vida diária. Pensando assim, para promover saúde, todas as políticas públicas voltadas às pessoas idosas precisam ser ampliadas, envolvendo questões relativas à educação, assistência social, cultura, esporte e lazer. E, apesar de todas as esferas de governo possuírem suas responsabilidades quanto à efetivação dessas políticas, é no âmbito municipal que o idoso vive. Com isso, o Poder Público Municipal é o primeiro e o mais próximo promotor de direitos, portanto sua estrutura deve prever um conjunto integrado e multissetorial de ações que atendam às necessidades e às características da população idosa local. Mas qual o conceito de saúde? Pode parecer óbvio dizer que uma pessoa está saudável quando não está doente, mas o conceito de saúde é mais amplo, principalmente, levando em consideração os fatores que podem provocar o surgimento das doenças. Nesse sentido, a Organização Mundial da Saúde (OMS) definiu “saúde” como um estado de completo bem-estar físico, mental e social, e não apenas como a ausência de doença ou enfermidade. Além disso, a Lei orgânica da saúde (n.º 8.080), acrescenta que “a saúde tem como fatores determinantes e condicionantes, entre outros, a alimentação, a moradia, o saneamento básico, o meio ambiente, o trabalho, a renda, a educação, o transporte, o lazer e o acesso aos bens e serviços essenciais” (BRASIL, 1990). 21 BRASIL. 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