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1 UNIVERSIDADE PAULISTA - UNIP CURSO DE PSICOLOGIA Aluno: Isabella Nazaré Silva R.A.: N586923 Semestre: 8º Semestre Professor: Patricia Shalana Albertuni Texto: CYTRYNOWICZ, M. B. Criança e infância: fundamentos existenciais Clínica e Orientações Capítulo III – A criança no mundo. Editora Chiado, São Paulo, 2018. O presente fichamento trata-se da leitura e análise do capítulo III do livro "Criança e Infância: Fundamentos Existenciais Clínica e Orientações," da autora M.B Cytrynowicz. Neste capítulo, a autora elabora sua compreensão do mundo da criança e sua relação intrínseca com o ambiente circundante. Primeiramente, através da exploração do conceito de "ser-no-mundo” para Heidegger, a autora nos leva a questionar a premissa de que tal característica se manifesta posteriormente ao nascimento do ser humano. Contrapondo essa ideia, Cytrynowicz aponta que "ser-no-mundo" é inato à existência humana, constantemente enraizada em uma relação profunda com o mundo, por conseguinte, a autora desafia a noção de que essa característica se desenvolve progressivamente, sublinhando que ela é imanente à própria essência do ser humano desde o nascimento. A influência do pensamento de Heidegger, presente em sua obra "Ser e Tempo", é um ponto chave para entender essa perspectiva. Segundo a autora, ser criança não é uma essência isolada, mas um aspecto do existir humano que merece ser explorado nos mesmos fundamentos que regem as fases posteriores da vida. A morte, que faz parte da condição humana, também é aplicável à criança desde o início de sua existência. O entendimento da criança como um ser completo e envolto em sua própria vivência é crucial. Cytrynowicz ressalta que a criança percebe o mundo de maneira afetiva, e a compreensão desse mundo não se baseia apenas em conhecimento intelectual, mas também na significação e afetividade. Ela enfatiza que a dificuldade em entender a criança não a coloca em uma posição inferior, mas decorre da falta de compreensão entre adultos e crianças. A partir dessa perspectiva, a autora ressalta a familiarização como o modo mais autêntico de apreensão do mundo, ela sugere que a compreensão do mundo pela criança é enraizada em um processo contínuo de familiaridade desde o nascimento, quando a existência é essencialmente restrita à condição do recém-nascido. Convidando o leitor a entender que esta relação não se assemelha à 2 abordagem de concepções tradicionais dos sujeitos que transcenderam para compreender a realidade objetiva. Ao contrário, enfatizando que "ser junto" é uma qualidade inerente que constantemente apreende o mundo, distinguindo-se das coisas construídas ou naturais. Sendo assim, Cytrynowicz expande sua análise para o âmbito do mundo existencial. Este, como a autora destaca, não é objetivamente determinado por elementos internos ou externos, escapando a categorizações naturais ou classificações predefinidas. O "mundo circundante," conforme descrito pela autora, é percebido a partir do contexto imediato e dos acontecimentos factuais que moldam a jornada de cada indivíduo, sua natureza mutável e histórica, reforçando assim a compreensão desse mundo é um processo contínuo, sugerindo que a relação com o mundo não é meramente intelectual e ressaltando que a descoberta do mundo acontece através da imersão no cuidado cotidiano, onde as necessidades e as complexidades individuais são inextricavelmente entrelaçadas. Sendo assim, a autora argumenta que conhecer a criança como "ser-no-mundo" requer uma compreensão profunda do mundo familiar que ela experimenta em sua vida cotidiana. A relação de cuidado entre adultos e crianças, floresce nesse ambiente, proporcionando um entendimento autêntico das necessidades da criança, destacando como, por exemplo, os bebês se comunicam de maneira única desde os primeiros momentos, por meio de seus choros e manifestações de agrado ou desagrado, transmitindo algo essencial sobre si mesmos e sua existência singular, entretanto, conforme as crianças crescem, elas descobrem gradualmente novas formas de expressar seus sentimentos e compreender o mundo ao seu redor. Nesse processo, a autora enfatiza que o entendimento de si mesmo e o cuidado com o próprio ser não são simples conquistas intelectuais decorrentes do crescimento, mas sim partes intrínsecas de sua jornada existencial. Para melhor abordar essa lacuna de entendimento, Cytrynowicz propõe uma abordagem que se concentra em aproximar a criança desde o início em seus modos distintos de existir. Isso implica em descrever apenas o que é manifestado pela criança, explorando as peculiaridades de suas experiências vividas. Essa abordagem busca capturar a essência do existir infantil, em vez de enquadrar as crianças apenas dentro de processos naturais ou comportamentais que as moldaram em adultos futuros. Uma abordagem interessante apresentada no capítulo é a observação de como as crianças desafiam as limitações impostas. Em momentos de impaciência, elas questionam por que não podem realizar certas ações ou por que têm que seguir ordens, revelando um desejo de "serem grandes" e, assim, manifestando um desejo profundo de compreenderem a si mesmas e suas próprias existências. Essas expressões desafiadoras não devem ser simplificadas como meras reclamações, pois são indícios do entendimento singular de cada criança sobre si mesma. Do ponto de vista fenomenológico-existencial, a autora destaca a necessidade de um entendimento prévio da infância para se questionar ou responder sobre ela. Nesse sentido, a lembrança da própria infância se torna uma ferramenta poderosa para ampliar a compreensão da própria vida e identidade, ressaltando que o questionamento sobre "ser criança" não pode ser separado 3 da experiência vivida, já que cada adulto que questiona essa condição já foi uma criança. Essa conexão entre o passado e o presente se torna essencial para um entendimento mais profundo de si mesmo, por consequência, argumenta também contra a visão de que as crianças são seres distintos e isolados, enfatizando a ideia da continuidade histórica da condição humana, rejeitando a ideia de categorizar as crianças em padrões predefinidos e destaca a importância de entender a infância como um estágio crucial da vida que contribui para a compreensão do ser, ao relembrar a própria infância, tanto os momentos de intensidade quanto as experiências esquecidas, os adultos podem alcançar uma visão mais completa de si mesmos e, por extensão, das crianças que eles são ou foram. Utilizando-se do poema Infância de autoria de Miguel Perosa, psicólogo, professor e poeta brasileiro, Cytrynowicz exemplifica uma forma de como a vivência na infância pode ser retratada como sendo plenamente completa e integral. O poema revela como as brincadeiras, os esforços e todas as emoções são experimentados de forma total durante a fase da infância, descrevendo um cotidiano e fenômenos que não costumam aparecer nas teorias científicas quando o assunto é a infância. Levantando assim a questão de como, nós adultos, podemos então compreender a infância e os seus fenômenos? Quando nos referimos a modos de vida na infância, estamos compreendendo possibilidades que também pertencem à vida adulta. Nesse contexto, as perspectivas que antes nos foram próximas e agora permanecem como experiências mais distantes ganham relevância. A autora apresenta a ideia de que uma melhor compreensão da infância amplia a compreensão da vida adulta, isso ocorre porque somos moldados não apenas pelo imediato, mas também pelo que só podemos perceber com o passar do tempo, quando nosso entendimento engloba um leque mais amplo de possibilidades para além das descobertas iniciais na infância, que eram mais limitadas e próximas. Nessa linha de pensamento, a amplitude da compreensão inclui descobertas que ocorrem em momentos distantes e que podem ser trazidas à tona de modos diversos, conforme aponta Cytrynowicz. Essas descobertas podem ser relembradas por meio de lembrançasou vivenciadas ao compartilhar momentos com uma criança, seja nos cuidados familiares ou profissionais, elementos que constituem uma realidade constante ou intensa, como colocado pela autora. Entretanto, as descobertas das crianças nem sempre estão prontamente acessíveis e compreensíveis. De acordo com a autora, quanto menor é a criança, mais o seu mundo e suas formas de expressão permanecem ocultos. Por isso, quanto mais jovem a criança, mais crucial se torna a influência das relações próximas para decifrar suas expressões e comunicações, sendo assim, destaca-se o fato de que é nas relações de maior proximidade que as pessoas estão em melhor posição para interpretar o que está ocorrendo. Cytrynowicz enfatiza que é na proximidade que a criança pode ser não somente compreendida, mas também protegida. Apesar do objetivo proposto de esclarecer como ser criança não é essencialmente diferente de ser adulto ou ser adolescente, não podemos passar por cima da constatação que se evidencia em certas expressões de uso comum: “Quando eu era criança”, “Eu não sou mais criança” ou “Estou como uma criança”. Nessas expressões que apontam possibilidades 4 anteriores não mais vividas já está evidente uma diferença de ser das crianças, como aponta Cytrynowicz. No entanto, essa diferença não é uma discrepância essencial na existência, o que podemos perceber são diferenças nos modos mais característicos da tarefa de ser ou de como a criança existe. Em conclusão, a análise do capítulo III do livro "Criança e Infância: Fundamentos Existenciais Clínica e Orientações" de M.B Cytrynowicz oferece uma visão profunda e fenomenológica sobre a natureza intrínseca da infância e sua relação com o mundo circundante. A autora desafia a noção tradicional de que o "ser-no-mundo" se desenvolve gradualmente após o nascimento, argumentando que essa característica é inerente à existência humana desde o começo. Ao incorporar a filosofia de Heidegger, a autora explora a ideia de que a infância não é uma essência isolada, mas um aspecto contínuo do existir humano que merece exploração nos mesmos fundamentos que regem as fases posteriores da vida. Por fim, a autora destaca que a compreensão da infância é uma chave para uma compreensão mais ampla da existência humana. Ao adotar uma abordagem fenomenológica, ela convida os leitores a explorar as experiências vividas das crianças, em vez de enquadrá-las em categorizações predefinidas. Através de sua análise, Cytrynowicz ilumina a profundidade e a riqueza da infância como um estágio essencial no contínuo processo de se tornar um ser humano, desafiando a divisão tradicional entre a infância e a vida adulta e convidando à contemplação sobre o ser humano como um todo em sua jornada existencial.