Baixe o app para aproveitar ainda mais
Prévia do material em texto
CONSTITUCIONALISMO Constitucionalismo é o movimento social, político e jurídico, cujo principal objetivo é limitar o poder do estado por meio de uma Constituição, através do reconhecimento dos direitos fundamentais. 1. Constitucionalismo antigo (de 4000 a.C a 476 d.C) • Constitucionalismo hebreu As primeiras demonstrações do constitucionalismo podem ser encontradas na antiguidade, primeiramente junto ao povo hebreu, máxime na conduta dos profetas, responsáveis por verificar se os atos do poder público eram compatíveis com o texto sagrado. Utilizando-se da teocracia, os detentores do poder na terra são meramente agentes ou representantes do poder Divino. O dominador, em vez de ostentar um poder absoluto e arbitrário, estava limitado pela lei do Senhor, que submetia igualmente a governantes e governados. Os profetas surgiram como vozes reconhecidas da consciência pública, e predicaram contra os dominadores injustos e carentes de sabedoria que haviam se separado do caminho da lei, constituindo-se na primeira oposição legítima na história da humanidade contra o poder estatal estabelecido. Na cultura hebraica, os governantes também estavam subordinados às leis sagradas. Havendo qualquer transgressão, os profetas apontavam-na. Por exemplo, João Batista (2 a.C – 27 d.C) Foi um dos maiores críticos do rei Herodes Antipas. O rei, após abandonar sua esposa, casou-se com Herodias, que havia sido esposa do seu irmão Filipe. João Batista repreendeu-o, com base no texto sagrado: “se um homem tomar a mulher de seu irmão, é uma impureza; ofendeu a honra de seu irmão: não terão filhos” (Levítico 20:21). Essa repreensão o levou à morte. Há grande semelhança entre a conduta do profeta (na antiguidade), que criticava publicamente o ato do governante, reputando-o como violador das escrituras e a conduta do magistrado (na atualidade) que invalida o ato do poder executivo, por exemplo, que viola a Constituição. Portanto, o constitucionalismo tem origem na antiguidade, na conduta dos profetas do povo hebreu. • Constitucionalismo grego A civilização grega teve origem em Creta, no século XX a.C. Na antiguidade, podemos apontar demonstrações iniciais de constitucionalismo na Grécia antiga, berço cultural da humanidade e local de nascimento e desenvolvimento da democracia. Vigoravam nas cidades-estados gregas um conjunto de costumes, tradições, estatutos, que, reunidos, formavam o que os gregos entendiam como Constituição. Com o passar da história, diante da necessidade de atualização e modernização desse conjunto de normas, eram chamados sábios para realizar tal tarefa. Atenas é a cidade-estado mais relevante para nossa análise, historicamente identificada como grande precedente de limitação do poder político e participação dos cidadãos nos assuntos públicos. A democracia ateniense decorre da abertura do parlamento aos cidadãos detentores de direitos políticos (mulheres, escravos e estrangeiros não possuíam esses direitos). As leis eram públicas e talhadas nos muros da cidade ou dos tribunais respectivos. A legislação e a fiscalização do dinheiro público previam o controle rígido sobre as contas de cada funcionário responsável, submetendo-se à fiscalização ao final de sua gestão. Recusando-se a prestar contas, poderia ser ajuizada contra ele a ação graphé alogiou. Nesta época, e também surgiu a famosa graphé paranomon (Contra o que propôs um decreto ilegal), considerada por muitos como antecedente mais remoto do controle de constitucionalidade. Nas palavras de Karl Loewenstein, “Todas as instituições políticas dos gregos refletem sua profunda aversão a todo tipo de poder concentrado e arbitrário... As diferentes funções estatais foram amplamente distribuídas entre diversos detentores de cargos, órgãos ou magistrados. • Constitucionalismo Romano Na primeira fase, é conhecida como Realeza, os costumes eram a principal fonte do direito e a jurisprudência era monopolizada pelos pontífices. Como disse José Carlos Moreira Alves: “todos os povos primitivos começam a reger-se pelo costume - complexo de usos praticados pelos antepassados e transmitidos a gerações pela tradição -, pois é ele espontâneo, independente portanto, da existência de órgãos que o elabore”. Roma não fugiu a essa regra. Na fase da República, os cônsules ganharam prestígio, com cargos vitalícios em várias atribuições. A sociedade romana possuía uma clara divisão de classes: Os patrícios (aristocracia, possuidora das melhores propriedades e que mantinha o controle sobre os demais membros da tribo), os plebeus (livres, mas não possuíam riqueza, submetendo-se a classe dominante), os clientes (classe intermediária entre as duas anteriores, vinculavam se jurídica e economicamente aos patrícios, fidelizando-se em troca de proteção) e os escravos (não possuíam uma classe social em Roma, sendo apenas coisa – res). Essa sociedade desigual gerou uma série de tensões, principalmente entre os plebeus e patrícios. O principal pleito dos primeiros é que fossem positivadas as normas jurídicas, já que prevalecia, naquele tempo, o direito consuetudinário, que acabava por privilegiar os patrícios. A edição da lei das XII Tábuas é considerada etapa importante do constitucionalismo Romano. Como diz Luís Roberto Barroso, “o ideal constitucionalista de limitação do poder foi compartilhado por Roma onde a República se implantou em 529 a.C., ao fim da monarquia etrusca, com a lei das XII Tábuas”. Embora trate ela, em sua maior parte, de instituições de direito privado, verifica se que a tábua nona é reservada ao direito público. Em seu primeiro item, traz a regra: “que não se estabeleça um privilégio sem lei (ou que não se façam leis contra indivíduos). No item 2, traz um direito fundamental: “aqueles que foram presos por dívidas e as pagarem, gozarão dos mesmos direitos como se não tivessem sido presos”. No baixo Império ou Dominato, o imperador passa a ter poder absoluto e divinizado. Como disse Luís Roberto Barroso: “o que terminou, na véspera do início da era cristã, foram a experiência e o ideal constitucionalista, que vinham dos gregos e haviam sido retomados pelos romanos. A partir dali, o constitucionalismo desapareceria do mundo ocidental por bem mais de mil anos, Até o final da idade média. No mesmo sentido, nas palavras de Uadi Lammêgo Bulos: “na República romana, o constitucionalismo se desintegrou com as guerras civis dos primeiros séculos antes de Cristo, acabando com o domínio de César e o seu imperialismo despótico”. • Constitucionalismo no antigo Oriente a) Constitucionalismo na mesopotâmia Na mesopotâmia o rei era um representante de Deus na Terra. Embora, como no Egito, o governo fosse baseado na obediência religiosa, o rei não podia falar como um Deus, mas em nome dele. Não obstante, embora não tenha sido a primeira, ganhou maior projeção histórica a legislação feita pelo rei Hammurabi (1792 a 1750 a.C): o Código de Hammurabi encontra-se gravado em uma estela (pedra erguida) de diorito escuro, de mais de 2 m de altura e com circunferência de 1,90 m, no qual se leem com facilidade 282 artigos. Foi encontrado na cidade de Susa, capital Elão, em expedição arqueológica de 1901 e hoje se encontra no museu do Louvre, em Paris. Segundo Alexandre de Moraes: “o Código de Hammurabi talvez seja a primeira codificação a consagrar um rol de direitos comuns a todos os homens, tais como a vida, a propriedade, a honra, a dignidade, a família, prevendo igualmente, a supremacia das leis em relação aos governantes”. O Código de Hammurabi contém artigos que tutelam uma série de direitos fundamentais: Honra: se alguém enganar a outrem, difamando esta pessoa, e este outrem não puder provar, então aquele que enganou deve ser condenado à morte. Propriedade: se alguém estiver cometendo um roubo e for pego em flagrante, então ele deverá ser condenado à morte.Liberdade: se alguém roubar o filho menor de outrem este alguém deve ser condenado à morte. Inviolabilidade do domicílio: se alguém arrombar uma casa, ele deverá ser condenado à morte na frente do local do arrombamento e ser enterrado. Incolumidade física: se um filho bater em seu pai, ele terá suas mãos cortadas. Ainda que de forma incipiente, vê-se a tentativa, baseada em argumentos religiosos, de limitar os poderes dos reis ao texto legal. O principal motivo que levou esses reis a proclamar e publicar seus códigos legais foi, sem dúvida, a intenção de apresentar o monarca como um rei justo, o garante da justiça no país. 2. Constitucionalismo medieval (476 a 1453 d.C) • Magna Carta de 1215 Um dos documentos mais marcantes do constitucionalismo medieval é a Magna Carta Libertatum, de 1215, outorgada pelo rei inglês João I (1199-1216), conhecido como João sem Terra e que, em cerca de 60 cláusulas escritas em latim medieval, estabeleceu uma nova aliança entre o rei e seus súditos. João, nascido em 24/12/1166, foi rei da Inglaterra de 06/04/1199 até a sua morte, em 1216. O maior legado de seu reinado deu-se ao final, em decorrência da revolta dos barões: a Magna Carta, documento considerado como o principal marco do constitucionalismo na idade média. João era o mais jovem de 5 filhos do rei Henrique II e Leonor da Aquitânia, não tendo esperanças iniciais de herdar terras significativas (daí o motivo de seu apelido). Não obstante, após a revolta mal sucedida de seus irmãos mais velhos, tornou-se o preferido do rei, sendo nomeado Lorde da Irlanda em 1177, recebendo algumas terras na Inglaterra. Três irmãos mais velhos morreram jovens, assim, tornou-se rei da Inglaterra o irmão de João: Ricardo I, conhecido como Ricardo Coração de Leão, em 1189. Com a morte de Ricardo, em 1199, João foi proclamado rei, celebrando a paz com a França, o que durou pouco tempo. Reiniciada guerra com Inglaterra, em 1202 João conseguiu vitórias iniciais, mas a falta de recursos militares ensejou a queda de seu Império no norte da França em 1204. Passou grande parte da década tentando reconquistar essas terras, levantando enormes receitas. Por essa razão, é conhecido como um dos reis que mais tributaram na Inglaterra. Foi definitivamente derrotado pela França, na Batalha de Bouvines, em 27/07/1214. Regressando à Inglaterra, João enfrentou uma rebelião de muitos de seus barões, descontentes com as políticas fiscais e o tratamento dado a muitos dos mais poderosos nobres ingleses. Os barões ingleses levantaram-se para demandar o que eles denominavam como suas liberdades. A derrota contra a França ofereceu àqueles homens uma oportunidade que há tempos eles esperavam. Quanto à igreja, embora alguns bispos tivessem aderido à rebelião, o papa ficou do lado do rei João. Negociações foram iniciadas para a elaboração de uma legislação, sendo que em janeiro de 1215 um conselho foi criado em Londres para facilitar as tratativas. Baseando-se em tradições anteriores, o documento foi escrito em latim e selado no dia 15/06/1215. De todas as cláusulas da Magna Carta, a mais conhecida é a cláusula 39: “nenhum homem livre será preso, aprisionado ou privado de sua propriedade, ou tomado fora da lei, ou exilado, ou de maneira alguma destruído, nem agiremos contra ele ou mandaremos alguém contra ele, a não ser por julgamento legal dos seus pares, ou pela lei da Terra”. A expressão lei da Terra é o antecedente do devido processo legal, repetido nas legislações contemporâneas. É inegável a importância da Magna Carta de 1215, já que podemos considerá-la como sendo a fonte normativa de vários direitos fundamentais largamente reconhecidos pelas legislações dos povos. Por exemplo, podemos afirmar ser ela a origem remota do habeas corpus, como afirma Pontes de Miranda. De fato, não previa a Magna Carta expressamente a essa ação, mas o direito à liberdade de locomoção, por ela tutelado. Também podemos mencionar a origem normativa clara e expressa do devido processo legal, embora utilizando-se de uma expressão diversa (lei da Terra). Por essa razão, a doutrina afirma que a carta de 1215 foi a pedra inicial do novo estado de coisas, para a Inglaterra, para as nações filhas e para o homem. Embora sua importância histórica, é imperioso ressaltar que o rei João não tinha intenção de cumprir o conteúdo da Magna Carta. E de fato não cumpriu. Por ter se aproximado do papado, João I teve um grande aliado na inexecução da Magna Carta: o papa Inocêncio III denunciou em Roma o documento, declarando-o um documento rebelde. A bula papal de anulação da Magna Carta foi emitida pelo papa em 24/08/1215. Dentre outras afirmações, escreveu o papa que a Magna Carta era “ilegal, injusta, prejudicial aos direitos reais e vergonhosa para o povo inglês”. Diante do descumprimento pelo rei João, os rebeldes barões novamente se reuniram, entendendo que, se o monarca não podia ser contido, deveria ser substituído. Assim, uma assembleia rebelde formalmente o depôs no outono de 1215, oferecendo o trono à Luís, o filho mais velho do rei Philip Augustus da França. Este entrou, sem oposição, com um grande exército francês em Londres. Rei João resistiu, mas faleceu de grave disenteria, em 18 ou 19/10/1216. Segundo a doutrina especialista, “a morte de João foi o que salvou a Magna Carta”. Isso porque seu herdeiro (Henrique III), de 9 anos de idade, assumiu o trono. Ele aceitou o que João havia rejeitado e em 12/11/1216 emitiu, em seu nome, uma nova versão do documento. 3. Constitucionalismo na idade Moderna (1453 a 1789) No início da idade Moderna leis foram feitas com o intuito de limitar o poder do governante. Porém, somente no final da idade Moderna é que nasce aquilo que a doutrina denomina de constitucionalismo moderno: um movimento jurídico cujo objetivo é limitar o poder do estado através de uma Constituição. • Constituição norte-americana, de 1787 A partir do século XVII, a costa leste norte-americana foi povoada por colonos ingleses. As colônias eram leais à coroa britânica, até meados do século XVIII. Não obstante, imposições tributárias cada vez maiores e restrições às atividades econômicas e comerciais romperam a paz entre a metrópole e a colônia. Destacam se historicamente o Stamp Act, de 1756, e o Boston Tea Party (Festa do Chá de Boston), de 1773. Esses atos dos colonos motivaram uma resposta do governo britânico: as leis intoleráveis de 1774: o Porto de Boston foi interditado, foi requerida indenização para a companhia britânica das Índias orientais, proibida toda e qualquer manifestação pública contra a metrópole, os colonos estavam obrigados a proporcionar alojamento e estada de soldados britânicos etc. Em 1774 foi convocado o primeiro Congresso continental, dando início a uma reação organizada contra a coroa britânica. Em 1775, o parlamento britânico declarou Massachusetts em estado de rebelião. Iniciou-se a guerra. Nesse mesmo ano, foi convocado segundo Congresso continental, deliberando sobre a criação de um exército organizado, cujo comando foi entregue ao general George Washington. A guerra durou até 1783, findando com o tratado de Paris, de 03/09/1783, na qual o governo britânico aceitou a Independência das colônias norte-americanas. Designou se uma comissão para elaboração da declaração de Independência, cujo redator foi Thomas Jefferson. A declaração foi assinada em 4/07/1776. Nesse instante, surgiu uma Confederação entre as 13 colônias, recém declaradas independentes. A união das 13 colônias mostrou-se frágil e incapaz de resolver problemas como o comércio entre elas. Foi convocada uma nova convenção na Filadélfia, sob a liderança de George Washington, Benjamin Franklin, Alexander Hamilton e James Madison, O texto constitucional foi aprovado em 17/09/1787, iniciando-se um processo de ratificação dos estados, que durou cerca de 1 ano. No texto originário, aConstituição norte-americana não previa direitos e garantias fundamentais, que foram acrescidas posteriormente, em 1791, por meio de 10 emendas constitucionais. Uma das grandes características da Constituição norte-americana foi a introdução da noção de supremacia formal da Constituição sobre os demais atos normativos. O controle constitucional foi colocado em prática pela primeira vez em 1803, quando declarou-se inválida uma lei por ser contrária à Constituição. A Constituição norte-americana é rígida. Rígida porque possui um processo de alteração mais rigoroso que o destinado às outras leis. As emendas à Constituição são aprovadas por 2/3 dos membros das 2 câmaras e ratificados por 3/4 dos estados. • Constituição francesa, de 1791 A França do século XVIII era constituída por uma monarquia absolutista, tendo o rei a palavra final sobre a justiça, economia, diplomacia, guerra e paz, o que se passou a denominar antigo regime. A sociedade mantinha a divisão em 3 ordens ou estados: o clero (primeiro estado), a nobreza (segundo estado) e o povo (o terceiro estado), este último sempre prejudicado quando da elaboração das leis. O absolutismo se consolida durante o reinado de Luís XIII, vindo a ter sua expressão simbólica mais emblemática na frase de Luís XIV: o estado sou eu. Além do absolutismo, havia grupos muito privilegiados: o primeiro estado, que corresponde a apenas 0,5% da população, e o segundo estado, composta de cerca de 1,5% dos habitantes. O terceiro estado, formado pela burguesia (banqueiros, comerciantes, profissionais liberais e proprietários), por trabalhadores e camponeses, rebelou-se, inspirado nas ideias do padre Emmanuel Joseph Sièyes, autor da obra O que é o Terceiro Estado, e se proclamou a Assembleia Nacional Constituinte, em 09/07/1789. Escreveu o padre: “o que é o terceiro estado? Tudo. O que tem sido até agora na ordem política? Nada. O que ele pede? Tornar-se alguma coisa”. A Assembleia Nacional Constituinte iniciou uma série de reformas legislativas, dentre elas a abolição do sistema feudal e a promulgação da declaração dos direitos do homem e do cidadão, de 1789, que foi o primeiro passo para elaboração da primeira Constituição francesa. Como uma Clara oposição ao absolutismo, amparou se no direito natural ao afirmar no artigo 1º: “os homens nascem e são livres e iguais em direitos. As distinções sociais só podem fundamentar-se na utilidade comum”. Em 1790 foi aprovada a Constituição civil do clero, separando a igreja e o estado, ordenando a obediência dos clérigos franceses ao estado francês, transformando-os em funcionários públicos e eclesiásticos, bem como previu a eleição dos bispos, pelo voto popular, o que contou com veemente oposição papal. Em setembro de 1791 foi promulgada a primeira Constituição francesa. Não se opôs à monarquia, mas ao absolutismo e aos privilégios da nobreza e do clero. Em seu preâmbulo, destaca se: “não há mais nobreza, nem distinções hereditárias, nem regime feudal, nem qualquer dos títulos, denominações e prerrogativas que dele derivavam, nem qualquer ordem de cavalaria, de corporações ou condecorações para as quais se exigiram provas de nobreza, ou que suponham distinções de nascença”. O fim do absolutismo já aparece no artigo 1º, do título III (“a soberania é una, indivisível, inalienável imprescritível. Ela pertence à nação em nenhuma parte do povo nem indivíduo algum pode atribuir-se o exercício”) e principalmente no artigo 3º do capítulo II (“não existe na França autoridade superior à da lei. O rei reina por ela e não pode exigir a obediência se não em nome da lei”). Um grande diferencial pode ser apontado entre o constitucionalismo francês e o norte-americano: a supremacia formal da Constituição sobre as demais leis e a atuação do poder judiciário na análise da validade destas últimas. Tal fenômeno, existente no constitucionalismo norte-americano desde o princípio, somente agora passa a ser adotado na França. 4. Constitucionalismo contemporâneo (neoconstitucionalismo) Nasce uma nova etapa do constitucionalismo após a segunda grande guerra: o chamado neoconstitucionalismo. Esse movimento não tem o escopo de contestar as conquistas do constitucionalismo moderno (a limitação do poder do estado), mas Visa aperfeiçoar novas práticas, estabelecer novos paradigmas. Neoconstitucionalismo é um movimento social, político e jurídico surgido após a Segunda Guerra Mundial, tendo origem nas constituições italiana (1947) e alemã (1949), fruto do pós positivismo, tendo como Marco teórico o princípio da força normativa da Constituição e como principal objetivo garantir a eficácia das normas constitucionais, principalmente dos direitos fundamentais. Para fins didáticos, podemos dividir o estudo do tema através dos seguintes marcos: a) marco histórico, b) marco filosófico, c) marco teórico, d) consequências. a) Marco histórico Após a Segunda Guerra Mundial, chegou se a conclusão do quão perigoso e nocivo foi o positivismo. Os tiranos perceberam que a melhor maneira de executar a barbárie era inseri-la na legislação. Como disse José Carlos Francisco, “dentre os fatos que motivaram o surgimento do neoconstitucionalismo está, primeiramente, a preservação de direitos humanos e humanitários e proteção contra a arbitrariedade das leis. Ainda que em muitos momentos da história da humanidade tem ocorrido graves violações a direitos, as proporções alcançadas na Segunda Guerra Mundial foram devastadoras[...]”. Um dos exemplos mais tristes da história dos riscos do positivismo jurídico foi a edição das leis de Nuremberg, de 1935, na Alemanha. O governo nazista buscou criar um critério objetivo de definição de quem seria judeu e quem teria sangue puro alemão. Para isso estabeleceu critérios relativos aos quatro avós de um indivíduo (seria alemão apenas se nenhum dos avós fosse judeu). Com base nisso, foram colocados na lei critérios de segregação racial, considerando ilícitas relações sexuais entre judeus e alemães, vedando o exercício do comércio por parte dos judeus etc. A lei fundamental de Bonn foi o gérmen do neoconstitucionalismo, servindo de paradigma de um novo estado de direito: um estado constitucional de direito. Destacam se na mencionada Constituição: a) importância dada aos princípios e valores como elementares do sistema jurídico; b) ponderação como método de interpretação e a aplicação dos princípios e de resolução dos conflitos de valores e bens constitucionais; c) a compreensão da Constituição como norma que irradia efeitos por todo o ordenamento jurídico, condicionando toda atividade jurídica e política dos poderes do estado e até mesmo dos particulares nas relações privadas. d) protagonismo dos juízes em relação ao legislador na tarefa de interpretar a Constituição; e) aceitação de conexão entre direito e moral. Como assinala Jorge Miranda, “a Constituição de Bona faz uma clara profissão de fé na dignidade da pessoa humana e admite, implícita ou explicitamente, que o direito natural limita o poder do Estado”. b) Marco filosófico o Marco filosófico do neoconstitucionalismo é o declínio do positivismo jurídico, dando ensejo ao chamado pós positivismo. As consequências do positivismo foram trágicas. Milhões de pessoas foram mortas sob o pálio da lei. Resume bem o cenário Luís Roberto Barroso: “em busca de objetividade científica, o positivismo equiparou o direito à lei, afastou-se da filosofia e de discussões com legitimidade e justiça e dominou o pensamento jurídico da primeira metade do século XX. Sua decadência é emblematicamente associada à derrota do fascismo na Itália e do nazismo na Alemanha, regimes que promoveram a barbárie sob a proteção da legalidade. Ao fim da segunda guerra, a ética e os valores começam a retornar ao direito”. c) Marco teórico o principal marco teórico do neoconstitucionalismo é o reconhecimento da força normativada Constituição. Essa foi uma importantíssima mudança de paradigma. A Constituição deixou de ser um documento essencialmente político, com normas apenas programáticas, e passou a ter força normativa, caráter vinculativo e obrigatório. Como afirmou Luís Roberto Barroso, “as normas constitucionais são dotadas de imperatividade, que é atributo de todas as normas jurídicas, e sua inobservância há de deflagrar os mecanismos próprios de coação, de descumprimento forçado”. Segundo o Konrad Hesse, para ter força normativa, além de incorporar a realidade social, política e histórica do país, a Constituição deve incorporar o estado espiritual de seu tempo. Por essa razão, sugere que a Constituição deve se limitar a estabelecer os poucos princípios fundamentais, de modo que seja estável ao longo de anos. d) consequências Muitas são as consequências do movimento neoconstitucionalista, a primeira delas é o maior reconhecimento da eficácia dos princípios constitucionais, ainda que não escrito. São exemplos de princípios constitucionais expressos a dignidade da pessoa humana, o direito à vida, direito à propriedade, a busca do pleno emprego etc. Os princípios constitucionais passam a ser considerados normas constitucionais, cujo parâmetro de aplicação foi bem delineado por Robert Alexy: “o ponto decisivo na distinção entre regras e princípios é que os princípios são normas que ordenam que algo seja realizado na maior medida possível dentro das possibilidades jurídicas e fáticas existentes. Os princípios são, por conseguinte mandamentos de otimização, que são caracterizados por poderem ser satisfeitos em graus variados e pelo fato de que a medida devida de sua satisfação não depende somente das possibilidades fáticas, mas também das possibilidades jurídicas. O âmbito das possibilidades jurídicas é determinado pelos princípios e regras colidentes. A força normativa dos princípios é tamanha e pode até mesmo se sobrepujar sobre as regras, ainda que constitucionais. Outra consequência marcante do neoconstitucionalismo é a expansão da jurisdição constitucional. Como sintetizado por Luís Roberto Barroso: “antes de 1945, vigorava na maior parte da Europa um modelo de supremacia do poder legislativo. A partir do final da década de 40, todavia, a onda constitucional trouxe não apenas novas constituições, mas também o novo modelo, inspirado pela experiência Americana: o da supremacia da Constituição”. Outra consequência do neoconstitucionalismo é o surgimento de uma nova hermenêutica jurídica: o surgimento de uma hermenêutica constitucional. Chegou-se à conclusão de que interpretar a Constituição é diferente de interpretar as outras leis, embora haja pontos de contato. Na interpretação constitucional existem métodos próprios e princípios próprios. Também decorre do neoconstitucionalismo uma maior eficácia das normas constitucionais, sobretudo dos direitos fundamentais. Isso pode ser verificado na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal. Houve, por exemplo, uma mudança significativa na jurisprudência da Suprema corte no tocante a ação constitucional do mandado de injunção (art. 5º, LXXI), criada pelo texto originário em 1988. Nos primeiros anos, o STF entendia que tal ação não produziria efeitos concretos e, em caso de julgamento procedente, caberia ao judiciário apenas comunicar o legislativo sobre a existência da omissão normativa. Era a chamada posição não concretista do mandado de injunção. Porém, em 2007, a partir do julgamento dos mandados de injunção 670, 708 e 712, o STF passou a adotar uma posição concretista. A partir de então, o mandado de injunção passou a produzir efeitos concretos, tutelando o direito pleiteado pela parte. Tal posição foi positivada na lei do mandado de injunção (lei 13.300 de 2016). Não obstante, os direitos sociais são aqueles que receberam, graças ao neoconstitucionalismo, a maior mudança paradigmática quanto a sua aplicabilidade. Se no passado eram vistos como meras normas programáticas de reduzidíssima eficácia jurídica, os direitos sociais possuem atualmente carga normativa e, segundo o STF, deve o estado cumprir imediatamente um mínimo existencial desses direitos. Por último, outra consequência marcante do neoconstitucionalismo é um maior protagonismo do poder judiciário, e exigindo a implantação de políticas públicas e o cumprimento das normas constitucionais. A consequência é realmente lógica: se a Constituição é a norma mais importante do ordenamento jurídico e vincula todos os poderes do estado, sendo o judiciário o guardião da Constituição, é natural que exija o cumprimento das normas constitucionais. A esse maior protagonismo do poder judiciário vem sendo dado o nome de ativismo judicial. A ideia de ativismo judicial está associada a uma participação mais ampla e intensa do judiciário na concretização dos valores e fins constitucionais, com maior interferência no espaço de atuação dos outros dois poderes. A postura ativa se manifesta por meio de diferentes condutas, que incluem (i) a aplicação direta da Constituição a situações não expressamente contempladas em seu texto e independentemente de manifestação do legislador ordinário; (ii) a declaração de inconstitucionalidade de atos normativos emanados do legislador; (iii) a imposição de condutas ou de abstenções ao poder público, notadamente em matéria de políticas públicas”.
Compartilhar