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NARRATIVAS SAGRADAS

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NARRATIVAS SAGRADAS: 
INDÍGENAS E AFRICANAS 
 Ma. Lilian Bairros 
GUIA DA 
DISCIPLINA 
 
 
 
1 Narrativas Sagradas: Indígenas e Africanas 
Universidade Santa Cecília - Educação a Distância 
1. UMA BREVE INTRODUÇÃO SOBRE NARRATIVA E A CULTURA 
POPULAR E RELIGIOSA 
 
Objetivo 
Compreender sobre a construção da importância da narrativa na identidade religiosa 
e cultural. 
 
Introdução 
É na busca constante pelo sentido da vida que está o poder e a capacidade das 
narrativas e linguagem e que vão moldando diferentes identidades religiosas e 
socioculturais, tanto no coletivo como no individual. 
 
Assim, os conceitos antropológicos combinam-se com as teorias da linguagem para 
se tornarem documentos metodológicos de importância decisiva para o estudo da narrativa, 
do discurso e da linguagem e, de modo particular, especificamente sobre a linguagem 
religiosa, em que o texto pode ser interpretado e compreendidas com diferentes significados 
e também a partir de diferentes pontos de vista individuais e coletivos, ou seja, portanto, a 
linguagem auxilia como ferramenta na construção da memória. Para melhor compreensão, 
segue a citação: 
 
Ao nos referirmos aos conceitos de cultura, religião e identidade no plano das 
relações e interações étnicas, sociais e culturais, estamos considerando essa 
realidade como uma construção sociocultural e criações de sentido religioso, que 
acontecem por meio dos discursos, das narrativas e da linguagem, quando ativados 
pelo exercício da memória dos diferentes grupos sociais, étnicos e religiosos e que 
irão definindo suas identidades e recriando consciências. Tais conceitos compõem 
uma das pautas do debate no contexto das narrativas religiosas de tradição judaico 
cristãs e no horizonte hermenêutico do sagrado na contemporaneidade. 
Estabelecem-se, assim, grandes desafios para a revisão dos paradigmas 
conceituais, incluindo o conceito de história, como também as realidades objetivas, 
empíricas e as certezas dos fatos que limitam a polissemia dos textos e das 
narrativas. (IZIDORO, 2016, p.166) 
 
As narrativas sagradas referem-se a histórias, mitos ou relatos considerados 
sagrados ou divinamente inspirados por uma determinada tradição religiosa ou espiritual. 
Estas narrativas são muitas vezes transmitidas oralmente ou através de textos religiosos e 
 
 
2 Narrativas Sagradas: Indígenas e Africanas 
Universidade Santa Cecília - Educação a Distância 
desempenham um papel central na formação da identidade religiosa, crenças, valores e 
práticas de uma comunidade de crentes. 
 
Os temas propostos são por exemplo, a criação do universo, a natureza dos deuses, 
a relação entre humanos e seres divinos, o propósito e significado da vida, o bem e o mal, 
moralidade, salvação, ou seja, são aspectos da cosmovisão religiosa. Essas narrativas são 
consideradas sagradas, pois são valorizadas como revelação ou ensinamentos espirituais 
que fornecem orientação moral, sabedoria e conexão com o divino e o sagrado. 
 
1.1. A importância dos contos populares na construção das narrativas 
socioculturais 
Uma parte considerável dos “contos populares” parece provir de mitos arcaicos. 
Como sabemos, os mitos são, em princípio, histórias sagradas que relatam fatos que teriam 
ocorrido em um tempo ou mundo anterior ao nosso e que, em geral, tentam explicar a 
origem e a existência das coisas, como por exemplo, a origem do mundo, das pessoas, 
costumes, leis, animais, plantas, fenômenos naturais, entre outros. Em outras palavras, ao 
longo da história, as culturas criaram mitos com o objetivo de tornar compreensível e 
interpretável a existência humana e tudo o que existe. 
 
Portanto, a associação entre histórias míticas e contos populares são bastante 
utilizadas para tentar explicar tais fenômenos supracitados. Vale ressaltar que, o "conto 
popular" é sinônimo de "conto de fadas", "conto maravilhoso" ou "conto encantador", contos 
que no nordeste do Brasil também são conhecidos como o nome de "histórias de trancoso". 
 
Em linhas gerais, é possível colocar a questão nos seguintes termos: acredita-se que 
muitas histórias míticas, das mais diversas culturas, teriam passado por um processo de 
dessacralização, ou seja, com o passar do tempo, deixaram de ser interpretada com fé 
religiosa. Algumas delas, por serem muito bonitas, continuaram a ser contadas e, de boca 
em boca, sofrendo naturalmente toda sorte de alterações e influências - "quem conta uma 
história ganha um ponto" - tornaram-se o que hoje chamamos de contos populares. 
 
Esses contos, vale lembrar, são expressões típicas das culturas orais, ou seja, 
culturas que não dispõem de recursos para fixar a informação. De narrador para 
narrador, mantidos ao longo dos séculos na plasticidade da memória e da voz, têm 
percorrido todo o mundo espalhando-se de boca em boca. Nesse processo, 
 
 
3 Narrativas Sagradas: Indígenas e Africanas 
Universidade Santa Cecília - Educação a Distância 
sofreram todo tipo de modificações: fusões, acréscimos, cortes, substituições e 
influências. Em tese, numa simplificação, de um mesmo mito europeu, por exemplo, 
poderiam surgir infinitas e variadas histórias, marcadas pelas diferentes culturas que 
cruzaram e recriadas por um número incalculável de contadores de histórias. 
(AZEVEDO, 2007, p.2) 
 
Na maioria das vezes, os contos populares, ou contos de encantar, não obedecem 
a um princípio moral. Em teoria, a moralidade corresponde a um conjunto de normas 
comportamentais destinadas a regular as relações entre os indivíduos. 
 
Ressaltando que os contos populares têm seu caráter eminentemente narrativo. Ou 
seja, para entender esse ponto, é preciso abordar, ainda que brevemente, um assunto 
relevante e muito amplo, embora nem sempre levado em conta: a oralidade, suas 
características e suas implicações. 
 
Sabemos que os contos populares, a princípio, nascem nas culturas orais, ou seja, 
são histórias criadas, recriadas e preservadas ao longo do tempo – sempre com 
modificações – por meio da narração e da memória, recursos típicos de culturas que não 
possuem ferramentas de comunicação. fixação como a escrita. 
 
Mesmo nas versões escritas contemporâneas, o conto popular mantém-se marcado 
pela narrativa oral, uma vez que tende a conservar certas características do discurso falado 
e assume sempre uma voz narradora e um ouvinte. Mais especificamente entende-se a um 
escritor que, de certa forma, escreve como se estivesse falando e a um leitor que lê como 
se estivesse ouvindo. 
 
A história é, portanto, em princípio, essencialmente dialógica e tem como substrato, 
paradigma e hipótese básica, na maioria das vezes sempre uma comunicação entre 
pessoas realizada face a face, enfim, a partir de um eu que se dirige a um outro situado. 
 
Porém, há textos marcados sobretudo pela cultura escrita. Isso significa, em suma, 
que são fixados e preservados pelo texto, o que garante sua permanência e a possibilidade 
de serem lidos e interpretados em qualquer lugar, época ou contexto histórico. Um escritor 
sabe que, mesmo depois de morto, sua obra pode ser lida. 
 
 
 
4 Narrativas Sagradas: Indígenas e Africanas 
Universidade Santa Cecília - Educação a Distância 
Há textos escritos marcados pela cultura escrita e textos escritos marcados pela 
cultura oral. Estes últimos sempre tentam encontrar a situação do orador diante de uma 
audiência, a palavra falada face a face. Textos assim, claros, diretos, concisos e 
dependentes do público, são exatamente os utilizados pelo escritor de histórias populares. 
Além da busca pela comunicação imediata, linguagem pública e direta, concisão e temas 
identificáveis e compartilháveis, um de seus muitos recursos é a narratividade. 
 
Claro, o termo "narrativa" é amplo e implica a possibilidade de diferentes 
abordagens. Vale lembrar que a história é um recurso humano vital e fundamental. 
Pesquisa-se e reescrevesobre nossas experiências diárias, nosso dia de trabalho, 
acontecimentos, memórias, sonhos, planos e desejos. Contamos a nós mesmos, mesmo 
de forma solitária, em pensamento, episódios que aconteceram e que, de uma forma ou de 
outra, não ficaram claros. Para além de um recurso literário, a narrativa pode ser 
considerada um dos procedimentos através dos quais tornamos a vida e o mundo 
interpretáveis. Na verdade, a narrativa sempre foi: 
 
 
 
Uma tendência definidora do ser humano: da escrita rupestre entremeada de 
sons guturais à elaboração da linguagem narrativa, observamos que o homem 
conta a história de si mesmo e do mundo. A necessidade dos ancestrais de 
reunirem-se à volta do fogo para se guarnecerem do frio e das feras está 
acompanhada do pressentimento de que algo poderia ser revelado na fala do 
sacerdote. E, na atualidade, não é com outro pressentimento que o homem 
rodeia o aparelho de televisão, à espera de um sacerdote dessacralizado da 
mídia: todos aguardamos notícias, revelações, reconstruções de eventos, 
através das narrativas1. (GOMES; PEREIRA, 1992, p. 112, apud, AZEVEDO, 2007, 
p.6) 
 
 
Existem textos narrativos e textos não narrativos, textos marcados pela cultura 
escrita e textos marcados pela cultura oral, ambos são de suma importância no processo 
de compreensão sociocultural religiosos ou profano. Ao contrário do que se pensa, o fato 
 
1 GOMES, Núbia P.M. & PEREIRA, Edimi lson P. Mundo encaixado – Signi f icação 
da cul tura popular . Belo Hor izonte, Mazza Edições, 1992. p. 112. 
 
 
5 Narrativas Sagradas: Indígenas e Africanas 
Universidade Santa Cecília - Educação a Distância 
de serem fictícios e poderem conter elementos de magia e talismã não desmerece os 
contos populares por sua extraordinária capacidade de lidar com a vida concreta e até de 
especular sobre ela. 
 
 
 
Inumeráveis são as narrativas do mundo. Há em primeiro lugar uma variedade 
prodigiosa de gêneros, distribuídos entre substâncias diferentes como se toda 
matéria fosse boa para que o homem lhe confiasse suas narrativas: a narrativa 
pode ser sustentada pela linguagem articulada, oral ou escrita, pela imagem 
fixa ou móvel, pelo gesto ou pela mistura ordenada de todas estas substâncias; 
está presente no mito, na lenda, na fábula, no conto, na novela, na epopeia, 
na história, na tragédia, no drama, na comédia, na pantomima, na pintura, no 
vitral, no cinema, nas histórias em quadrinhos, no fait divers, na conversação. 
Além disto, sob estas formas quase infinitas, a narrativa está presente em 
todos os tempos, em todos os lugares, em todas as sociedades; a narrativa 
começa com a própria história; não há, não há em parte alguma, povo algum 
sem narrativa; todas as classes, todos os grupos têm suas narrativas. 
(BARTHES, 1976, p. 19-20). 
 
 
Por meio dos contos existe a oportunidade de entrar em contato com temas 
relacionados à condição humana vital e concreta, suas buscas, conflitos, paradoxos, 
transgressões e incertezas, ou seja, os contos populares, independentemente de rótulos 
como "cultura popular", "folclore" e outros, podem ser considerados uma excelente 
introdução à literatura porque apresentam imagens e temas recorrentes na trama, na ficção 
e na poesia de forma acessível e compartilhável com o leitor. 
 
 
As narrativas, em geral, são elementos significativos da memória coletiva e 
unidades constituintes das redes de conhecimento que fornecem sentidos e 
servem, dentre outras funções básicas, para acumulação, armazenamento e 
transmissão de conhecimentos. Elas são mídias portadoras de experiências e 
se manifestam por meio da tradição oral, que é alimentada pela troca verbal 
de informações: “fala-se da boca para o ouvido diretamente” (MENGHI, p. 83), 
ou por meio da tradição escrita, que é alimentada por documentos e que 
exigem a capacidade de leitura do código utilizado. Normalmente organizamos 
nossa experiência e nossa memória através da narrativa, é ela que contribui 
para a estruturação de nossa experiência humana. (FUMAGALLI, THOMÉ, 
PORTO, 2014, p. 159). 
 
 
6 Narrativas Sagradas: Indígenas e Africanas 
Universidade Santa Cecília - Educação a Distância 
 
 
 
IZIDORO, José Luiz. Linguagem e narrativas sagradas e as novas abordagens 
epistemológicas para as identidades religiosas. Disponível: Vol. 14, No. 42, 
Abr./Jun. 2016 - Dossiê: Narrativas Sagradas e Linguagens Religiosas 
https://revistas.ufrj.br/index.php/ph/article/view/22039. Acesso 15 Julho 
2023. 
Publicado em Revista Releitura. Publicação da Biblioteca 
Pública Infantil e Juvenil de Belo Horizonte. Abril, nº 21, 2007. ISSN 1980-3354. 
BARTHES, Roland. Análise estrutural da narrativa. 4.ed. Rio de Janeiro: Vozes, 
1976. 
DIAS VERDI FUMAGALLI, R. de C.; THOMÉ, C. M.; TEIXEIRA PORTO, L. 
NARRATIVA ORAL E ESCRITA: ENCONTROS E CONTRAPONTOS SOBRE O MITO 
“A ORIGEM DOS POVOS INDÍGENAS” NA PERSPECTIVA DE ÍNDIOS E BRANCOS. 
DOI: 10.5212/MuitasVozes.v.3i1.0009. Muitas Vozes, [S. l.], v. 3, n. 1, p. 153–
169, 2014. Disponível em: 
https://revistas.uepg.br/index.php/muitasvozes/article/view/6495. Acesso 
em: 16 jul. 2023. 
 
 
 
 
 
 
7 Narrativas Sagradas: Indígenas e Africanas 
Universidade Santa Cecília - Educação a Distância 
2. ENTRE O MITO E A ORALIDADE DOS POVOS INDÍGENAS 
 
Objetivo 
Depreender sobre a importância da oralidade na construção da História dos povos 
originários. 
 
Introdução 
As relações entre escrita e oralidade são complexas e amplas, por isso foge ao nosso 
escopo discuti-las aqui em profundidade. Desde as origens até os dias atuais, o homem 
sempre esteve ao lado de suas histórias, ao redor do fogo, através da escrita rupestre 
intercalada com sons guturais até a elaboração da linguagem. Contando a sua própria 
história e a do mundo, o homem usa a história como um recurso vital e fundamental. Sem 
ela, a sociabilidade e até a consciência de quem somos sãos seria possível. 
 
Ao contarmos as nossas histórias, satisfazemos a necessidade que temos de 
comunicar com os outros em todas as nossas atividades quotidianas, bem como de 
exteriorizar o nosso mundo interior, os nossos sentimentos e as nossas emoções, e para 
isso utilizamos a palavra ou a escrita como forma estética, valor artístico. 
 
Histórias escritas e orais não são fontes mutuamente exclusivas, mas se 
complementam, cada uma contendo características e funções específicas, bem como a 
exigência de exigir instrumentos próprios de interpretação. 
 
As fontes orais não são meros acessórios das formas escritas tradicionais, elas são 
diferentes em sua constituição interna e utilidade inerente, embora muitas fontes escritas 
sejam baseadas em fontes orais, assim como muitas fontes orais modernas estão 
saturadas de escrita. 
 
Já, as fontes escritas permitem a transmissão de determinados conteúdos, enquanto 
as fontes orais se caracterizam pela transmissão de conteúdo. 
 
2.1. O mito e a construção da memória através da oralidade 
Em relação a História dos povos indígenas, ao escrever e publicar seus mitos, os 
indígenas materializam o universo de sua cultura, de seus costumes, de suas crenças. O 
 
 
8 Narrativas Sagradas: Indígenas e Africanas 
Universidade Santa Cecília - Educação a Distância 
que está acontecendo hoje não é um simples processo editorial e literário, mas sim a 
apropriação de uma nova posição na história e na literatura, ou seja, uma posição mais 
ativa, coletiva e até política. Através da escrita de seus mitos, os povos originários se 
apresentam como verdadeiros autores de sua História. 
 
 
 
Pensando nas narrativas orais como transmissão de conteúdo, enfatizamos as 
narrativas indígenas que há muito tempo são passadas de geração a geração, 
não apenas como uma prática cotidiana, mas como um ofício comum, do qual 
muitos mitos se encarregaram de passar e repassar ensinamentos e lições de 
vida. Para os indígenas, as narrativas oraisconstituem-se mais do que relatos 
de um fato, em que aparecem personagens enigmáticos, seres que habitam 
lugares comuns como os rios e as matas, são narrativas da vida, e são também 
histórias de vida. São tesouros semeados na mente de quem um dia as ouviu 
e continua ouvindo. São relatos, memória e poesia contados e cantados pelas 
vozes poéticas de homens e mulheres (FUMAGALLI, THOMÉ, PORTO, 2014, p. 
159). 
 
 
Assim, contar o mito é lutar pela sobrevivência do próprio povo. Superior à História, 
o significado do mito existe no uso repetitivo por grupos sociais que encontraram sua 
unidade através de ritos que reproduzem, de forma intangível, o evento original. 
 
Os mitos são frequentemente caracterizados por histórias de um passado muito 
distante, ao mesmo tempo que dão sentido à vida no presente, pois explicam como o 
mundo, os seres e as coisas surgiram. Os mitos estão relacionados com a vida social, 
rituais, história e modo de vida, a forma de pensar de cada sociedade deve representar 
diferentes visões da vida, da morte, do mundo, dos seres sencientes, do tempo, do espaço 
e do espaço. parte da tradição. de um povo, mas essa tradição está sempre mudando. Isso 
acontece porque toda vez que um mito é contado, ele pode ser recriado por quem o conta. 
Para melhor compreensão sobre a importância do mito, segue a citação: 
 
A representação concreta da concepção do mundo de comunidades humanas. 
Dessa forma, a tradição mítica de cada povo constitui um esforço no sentido da 
representação de si próprio, do que é, do que faz, de como vive, e do 
estabelecimento de toda uma moral, um ritual, uma mentalidade, baseando-se 
nessa mitologia. A função social do mito, porém, não exclui a sua função poética ou 
 
 
9 Narrativas Sagradas: Indígenas e Africanas 
Universidade Santa Cecília - Educação a Distância 
recreativa (ALMEIDA; QUEIROZ, 2004, p. 233, apud, FUMAGALLI, THOMÉ, 
PORTO, 2014, p. 161). 
 
As vivências e acontecimentos considerados importantes no momento da narrativa 
podem influenciar o narrador, alterando a história. Por esta razão, os mitos estão sempre 
mudando. E é por isso que existem muitas versões de um mesmo mito, ou seja, existem 
diferentes formas de contar a mesma história. Portanto, o mito é considerado como uma 
forma de realizar pensamentos e expressar ideias. 
 
Alimentando seus mitos, “as sociedades indígenas conseguem apresentar 
conhecimentos essenciais, reflexões e verdades em uma linguagem já acessível às 
crianças. Vale ressaltar que no passado, quando não existia a interferência do homem 
branco, os indígenas tinham os métodos próprios de ensinarem a seus filhos, por exemplo: 
As comunidades tinham como referência as pessoas mais velhas, ou seja, os filhos 
acompanhavam desde pequenos seus pais que lhe passavam seus saberes relacionados 
à cultura. (FUMAGALLI, THOMÉ, PORTO, 2014, p. 161). 
 
Assim, a mitologia mantém uma relação de troca com a história, registra 
acontecimentos, interpreta, ora reduz a novidade do conhecido ou vice-versa, deixando-se 
arrebatar pelos acontecimentos, reescrevendo, porém, sem deixar de perder a essência. 
 
Quando se trata de explicar a origem das coisas, cada grupo indígena tem suas 
próprias crenças, histórias e formas de contar. Geralmente os anciãos ensinam que a 
cultura é de suma importância para preservar a identidade indígena. 
 
Cabe mencionar que as culturas indígenas em todo o mundo têm suas próprias 
narrativas sagradas que desempenham um papel importante em suas tradições culturais e 
cosmovisões. Essas narrativas são transmitidas oralmente de geração em geração e são 
consideradas sagradas, pois demonstram ensinamentos espirituais, morais e filosóficos 
específicos para cada comunidade indígena. 
 
As narrativas sagradas indígenas variam amplamente de acordo com as diferentes 
etnias e regiões, mas, defendem alguns temas comuns como por exemplo: histórias sobre 
a criação do mundo, os ensinamentos dos deuses e espíritos e a importância da harmonia 
e equilíbrio na relação entre os seres humanos e a natureza. 
 
 
10 Narrativas Sagradas: Indígenas e Africanas 
Universidade Santa Cecília - Educação a Distância 
2.2. Um pequeno estudo de caso: o mito da criação dos povos pela narrativa 
indígena. 
A valorização da família e respeito ao clã ao qual cada indígena pertence pode ser 
evidenciada na narrativa oral de um indígena da comunidade Guarita, no município de 
Tenente Portela. A narrativa recolhida refere-se à origem dos povos originários. Segundo 
a mensagem do informante, os primeiros desta etnia vêm da terra e por isso têm esta cor. 
Segue o depoimento: 
 
Como surgiu o povo... Os povos indígenas Kaingáng né? Quando se fala em povos 
não é só Kaingáng. Para nós que tamos estudando, entendemos assim dos povos 
né? Que cada um tem a sua cultura diferente a sua fala diferente. Então pra nós 
Kaingáng como surgiu o povo indígena foi em dois grupos, né? Um grupo surgiu da 
terra os dois grupos surgiram da terra. Tupã que é o Pai criador coloco no alto de 
uma montanha bem alta bem alta né? Dois irmãos então eles ficaram ali 
descansando né? Tavam esperando as ordens do Tupã até que um dia Tupã disse 
que eles eram para acordar, né? Daí eles começaram a cavar a montanha porque 
queriam sair né? Só que cada um foi para um lado o primeiro deles encontrou muita 
terra então cavou e cavou e conseguiu sai primeiro né? Ele não tinha nenhum 
machucadinho nada né? Esse primeiro surgiu quando o sol nasceu clareou o dia 
apareceu o sol né? Então surgiu o primeiro grupo que foi dado o nome de Kamé [...] 
Por isso hoje nós temos a Organização Social das raças que tem dois. Esse que 
nasceu esses que saíram da terra quando o sol nasceu, que apareceu o sol, foi 
dado o nome do grupo Kamé. Então por isso eles são Kamé o outro irmão Kaingáng 
encontrou só pedra no caminho enquanto ele tava cavando daí se machuco muito 
e saiu da montanha com muito machucado na mão ele só saiu da terra à noite no 
amanhecer daí ele surgiu da terra a noite e foi chamado de Kañerú, então eles 
pegaram a lua, né? Que é a marca da lua. Hoje eu sou Kañerú, então o meu grupo 
surgiu de noite, né? No amanhecer. Então por isso que hoje tem dois, dois clãs, né? 
Que se chamam, que são as marcas. E aí são dois grupos, né? E aí o grupo que 
nasceu que saiu primeiro era o Kamé eles subiram pra os morros pra cima, nos 
lugares altos. E o grupo de Kañerú vieram pra baixo, para os lugares baixo. Então 
o que eles disseram como, como eles eram parentes, o grupo que subiu lá encima, 
o Kamé eram todos parentes, né? Aí não podia se casar com os mesmos de lá, 
porque eram do mesmo sangue, do mesmo grupo. Então o que eles disseram – não 
nós temos que nos reunir com os outros! Então desceram para se reunir com os 
que estavam nos lugares mais baixos então foi aí que surgiu a família indígena. 
 
Podemos ver através do depoimento supracitado da nativa, que a origem mitológica 
do primeiro deste povo saiu da terra, um grupo saiu durante a noite por isso se chamavam 
 
 
11 Narrativas Sagradas: Indígenas e Africanas 
Universidade Santa Cecília - Educação a Distância 
Kañerú, o outro grupo saiu ao amanhecer, quando o sol estava forte, daí seu nome Kamé. 
É possível perceber que os indígenas ainda acreditam e transmitem a lenda fundadora da 
nação às crianças e jovens da comunidade. Esses signos são respeitados na comunidade, 
por isso não é permitido o casamento entre grupos de mesma origem. Porém, cabe 
ressaltar que esse mito de origem é a versão desse grupo étnico, o que não corresponde a 
outros mitos fundadores de outros grupos indígenas. 
 
O mito fundador está ligado à questão da natureza e a partir dos indígenas se 
originaram outros povos sobre a terra. A vivência é um reflexo do cotidiano, ou seja, está 
intrínseco no ser humano e em relação as etnias indígenas, essa experiência é coletiva. É 
importante lembrar que existeuma incontável diversidade indígena espalhadas pelo mundo 
e que etnia possui suas próprias tradições e culturas, ou seja, buscam manter viva a sua 
religião através da arte, de seus costumes e de sua forma própria de cultuar o Sagrado. 
 
Cabe ressaltar que as vivências e a história dos povos originários foram silenciados 
ou negligenciados pela visão eurocêntrica e pela historiografia. Por séculos a história 
indígena foi contada pelo homem branco e europeu, muitas vivências foram perdidas ao 
longo do tempo pelo extermínio dos povos originários, história inteiras foram enterradas 
com essas etnias. Atualmente, com os novos olhares historiográficos algumas dessas 
experiências estão sendo resgatas por meio da oralidade, tradição e artefatos históricos, 
um excelente exemplo dessas novas perspectivas e registros são os livros, palestras, 
discursos do indígena Ailton Krenak. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
12 Narrativas Sagradas: Indígenas e Africanas 
Universidade Santa Cecília - Educação a Distância 
 
 
 
IZIDORO, José Luiz. Linguagem e narrativas sagradas e as novas abordagens 
epistemológicas para as identidades religiosas. Disponível: Vol. 14, No. 42, 
Abr./Jun. 2016 - Dossiê: Narrativas Sagradas e Linguagens Religiosas 
https://revistas.ufrj.br/index.php/ph/article/view/22039. Acesso 15 Julho 
2023. Publicado em Revista Releitura. Publicação da Biblioteca. Pública Infantil 
e Juvenil de Belo Horizonte. Abril, nº 21, 2007. ISSN 1980-3354. 
BARTHES, Roland. Análise estrutural da narrativa. 4.ed. Rio de Janeiro: Vozes, 
1976. 
DIAS VERDI FUMAGALLI, R. de C.; THOMÉ, C. M.; TEIXEIRA PORTO, L. 
NARRATIVA ORAL E ESCRITA: ENCONTROS E CONTRAPONTOS SOBRE O MITO 
“A ORIGEM DOS POVOS INDÍGENAS” NA PERSPECTIVA DE ÍNDIOS E BRANCOS. 
DOI: 10.5212/MuitasVozes.v.3i1.0009. Muitas Vozes, [S. l.], v. 3, n. 1, p. 153–
169, 2014. Disponível em: 
https://revistas.uepg.br/index.php/muitasvozes/article/view/6495. Acesso 
em: 16 jul. 2023. 
 
 
 
 
 
 
13 Narrativas Sagradas: Indígenas e Africanas 
Universidade Santa Cecília - Educação a Distância 
3. A COSMOVISÃO DOS KRENAKS 
 
Objetivo 
Conhecer como os povos originários se reestruturam com a religião e a natureza. 
 
Introdução 
Como já foi explicado anteriormente, os povos indígenas, como outras sociedades, 
também transmite seus conhecimentos e experiências por meio de mitos. Por se tratar de 
populações que até recentemente não registravam seus conhecimentos na forma de textos 
escritos, o principal meio de transmissão do conhecimento era a oralidade. 
 
Ressaltando que os mitos transmitem os pensamentos de um povo sobre vários 
assuntos. Porém, quando não se conhece bem essas pessoas, seus valores e sua cultura, 
muitos detalhes presentes nas histórias são mal compreendidos. Para decifrar os mitos é 
preciso estudar, conhecer os modos de viver e pensar das pessoas que os criaram, para 
isso, é necessário reaprender a ter alteridade. 
 
Para melhor compreensão das narrativas e da importância dos povos originários, o 
um líder indígena brasileiro e escritor Ailton Krenak é um referencial teórico conceituado 
que tem desempenhado um papel importante na defesa dos direitos indígenas e na 
promoção de uma visão de mundo mais sustentável e equilibrado, angariando ideais e 
valores relação à espiritualidade e à conexão com a natureza, sobretudo, enfatiza a 
necessidade de respeito mútuo entre o ser humano e o meio ambiente. 
 
Ailton Alves Lacerda Krenak nasceu na década de 50, na região do Médio Rio Doce 
(MG), onde fica localizada a Terra Indígena Krenak. Mudou-se aos 17 anos para o 
Paraná com sua família e lá foi alfabetizado e tornou-se produtor gráfico e jornalista. 
Nos anos 80, passou a dedicar-se exclusivamente ao movimento indígena. Em 1985 
fundou a ONG Núcleo de Cultura Indígena. Dois anos depois, durante a Assembleia 
Constituinte, protagonizou uma das cenas mais marcantes da redemocratização. 
Como forma de protesto ao retrocesso na luta pelos direitos indígenas, Krenak 
pintou sua face com tinta preta do jenipapo durante seu discurso na tribuna. Para o 
seu povo, o produto é usado em situações de luto. Em 88, participou da fundação 
da União dos Povos Indígenas. A organização buscava representar os interesses 
dos povos no cenário nacional. No ano seguinte, participou da Aliança dos Povos 
da Floresta, movimento que desejava a demarcação de reservadas naturais da 
Amazônia onde fosse possível a subsistência econômica através do extrativismo. 
 
 
14 Narrativas Sagradas: Indígenas e Africanas 
Universidade Santa Cecília - Educação a Distância 
Em 2005, co-escreveu a proposta da Unesco que criou a Reserva da Biofera da 
Serra do Espinhaço, que até hoje é membro do comitê gestor. Em 2017, sua 
trajetória foi tema do documentário “Ailton Krenak e o sonho de pedra”, do diretor 
Marco Altberg. Passados os anos, sua voz continuou sempre relevante e ecoante. 
Em 2019 escreveu o livro Ideias para Adiar o fim do mundo e nos anos seguintes 
as obras O amanhã não está à venda e A vida não é útil. 
Disponível: https://www.politize.com.br/ailton-krenak/, acesso 15 Julho 2023. 
 
Krenak também levanta questões sobre como a sociedade moderna evoluiu a partir 
dessa espiritualidade intrínseca e destaca a importância de preservar e preservar os 
saberes ancestrais e os rituais das comunidades indígenas como forma de se reconectar 
com a espiritualidade da terra. Ele acredita que a espiritualidade é um elemento central na 
busca por um mundo mais justo, equilibrado e sustentável 
 
Vale lembrar que os povos indígenas têm os mesmos mitos e narrativas sagradas 
diferentes, ou seja, um mito com a mesma temática pode ter várias versões. Sobretudo, 
porque existem temas comuns nos mitos dos nativos americanos, porque por milhares de 
anos eles viveram juntos, trocaram, compartilharam experiências e ideias e assim criaram 
um conjunto de características comuns. 
 
O Brasil é um país com grande diversidade de povos indígenas, e cada etnia tem 
suas próprias histórias sagradas. Essas histórias ensinam a importância da harmonia com 
a natureza e a preservação das tradições culturais. 
 
Cada grupo étnico possui uma rica tradição oral e cultural, com suas próprias 
histórias, mitos e ensinamentos espirituais que são fundamentais para sua identidade, visão 
de mundo e práticas tradicionais. É de suma importância respeitar e proteger a diversidade 
e o significado dessas histórias indígenas sagradas. 
 
3.1. A espiritualidade dos indígenas Krenak 
 “Quando os índios falam que a Terra é nossa mãe, dizem ‘Eles são tão poéticos, 
que imagem mais bonita’. Isso não é poesia, é a nossa vida. Estamos colados no 
corpo da Terra. Somos terminal nervoso dela. Quando alguém fura, machuca ou 
arranha a Terra, desorganiza o nosso mundo” 
Ailton Krenak 
 
 
 
15 Narrativas Sagradas: Indígenas e Africanas 
Universidade Santa Cecília - Educação a Distância 
Os Krenak são os últimos Botocudos do Leste, vítimas de constantes massacres 
decretados como "guerras justas" pelo governo colonial. Hoje, vivem numa área reduzida 
reconquistada com grandes dificuldades. Os Krenák pertencem ao grupo linguístico Macro-
Jê, falando uma língua denominada Borun. Apenas mulheres com mais de quarenta anos 
são bilíngues, enquanto homens, jovens e crianças de ambos os sexos falam português. 
Nos últimos anos, esforços foram feitos para que as crianças falassem Borun novamente. 
 
Os Krenák ou Borun constituem-se nos últimos Botocudos do Leste, nome atribuído 
pelos portugueses no final do século XVIII aos grupos que usavam botoques 
auriculares e labiais. São conhecidos também por Aimorés, nominação dada pelos 
Tupí, e por Grén ou Krén, sua autodenominação. O nome Krenák é o do líder do 
grupo que comandou a cisão dos Gutkrák do rio Pancas, no Espírito Santo, no início 
do século XX. Disponivel: https://www.pib.socioambiental.org/pt/Povo:Krenak,acesso 16 Julho 2023. 
 
Até o primeiro contato, início do século XX, eram predominantemente caçadores-
coletores seminômades, com uma organização social caracterizada pela constante divisão 
do grupo, divisão do trabalho por sexo e idade, e um sistema religioso centrado na figura 
dos Maréts e os espíritos encantados de seus mortos. 
 
 
 
O Nanitiong, responsável por engravidar mulheres humanas e emitir avisos de 
morte. Os Maréts, habitantes das esferas superiores, foram os grandes 
organizadores dos fenômenos da natureza, e entre eles se destacou o Marét-
khamaknian, considerado o grande criador. 
Outras entidades do panteão religioso dos Botocudos eram os espíritos da 
natureza - os tokón -, responsáveis por escolher seus intermediários na terra, 
os xamãs, com quem mantinham contato durante os rituais e que, quase 
sempre, acumulavam o cargo de lideranças políticas. 
Havia também almas, espíritos que viviam nos corpos dos humanos, 
adquiridos a partir dos quatro anos de idade, quando foram implantados os 
primeiros tampões labiais e auriculares. Eles eram invisíveis para os membros 
da comunidade presentes na cerimônia. Depois de alguns anos, espíritos 
benevolentes da esfera superior vieram procurá-los em seu espaço, de onde 
nunca mais voltaram. 
 
 
https://www.pib.socioambiental.org/pt/Povo:Krenak
 
 
16 Narrativas Sagradas: Indígenas e Africanas 
Universidade Santa Cecília - Educação a Distância 
Das ossadas dos cadáveres emergiram espíritos que viveriam no submundo, onde 
o sol brilhava durante a noite terrena. Eram grandes espíritos negros e malignos que 
percorriam a aldeia atacando os vivos, principalmente as mulheres, desenterrando os 
mortos, chutando o chão, matando os animais por espancamento. 
 
Atualmente, as tradições religiosas ainda fazem parte do cotidiano dos povos 
indígenas do krenak, o que é importante destacar que os povos indígenas, cultuam o 
sagrado em intersecção com a terra e a natureza. O maior desafio de Ailton Krenak é 
exatamente esse contraponto, a resiliência em manter a cultura dos povos originários, o 
que fica muito claro nesse depoimento do ativista: 
 
“Vocês não imaginam como é difícil para as nossas lideranças continuarem firmes 
ensinando isso paras as novas gerações. Diante de tantas dificuldades, ainda são 
capazes de se conectar com essa memória da tradição, não como uma 
representação, mas como uma forma verdadeira de estar vivo aqui na terra. 
Tradição é aquilo que nos liga com a memória iluminada da nossa presença aqui 
na terra, no meio de nossos outros irmãos, independente de qual povo que seja. 
Todos nós ganhamos o presente de estar aqui vivendo nessa terra maravilhosa, 
podendo compartilhar essa riqueza que a terra propicia para a gente e diminuir a 
nossa carência, a nossa ânsia interior de ter coisas externas, porque tudo que nós 
precisamos nós já temos. 
Acredito que a presença dos vários povos indígenas é como uma semente, uma 
bênção para este lugar que é o Brasil. Muitas famílias continuam insistindo numa 
maneira de viver com simplicidade, porque enquanto tiver essa memória, nós vamos 
continuar vivos.” 
 
A religião dos povos indígenas pela visão do ativista é totalmente voltada aos 
cuidados com a natureza, em vários depoimentos e palestras fica claro que a ganância 
colonial ainda permite que tratem os povos originários com a mesma visão mercantilista. O 
que intenciona-se é compreender que a religião e a espiritualidade tem uma forte ligação 
com a terra e com o criador, o que fica mais evidente nesse depoimento: 
 
“O nosso vínculo com toda a cosmogonia e a cosmovisão do mundo é quando Deus 
criou o mundo e o entregou para nós como seus filhos. Quando nossos parentes 
Guarani cantam para Nhanderú, estão cantando para o criador. Quando os Krenak 
cantam para Marét-khamaknian eles estão agradecendo ao criador — pela nossa 
vida, pelo nosso hálito da terra. 
 
 
17 Narrativas Sagradas: Indígenas e Africanas 
Universidade Santa Cecília - Educação a Distância 
Cada povo, na sua tradição, se remete a uma origem que é a criação desse grande 
movimento que nós vivemos aqui na terra, que é a fonte da nossa própria existência 
em profunda comunhão com o criador. Temos que ficar com o nosso espírito e 
coração confiantes que nós estamos pisando na nossa terra, a terra que nos 
alimenta, nos guarda e protege.” 
 
Ailton Krenak e seus descendentes são profundamente religiosos, relata que pratica 
a religião, porém, não precisa ir à igreja ou à missa. Têm uma relação com o Criador, com 
a natureza e com os fundamentos da tradição do meu povo. Numa outra entrevista afirma: 
 
“Os Krenak acham que nós somos parte da natureza, as árvores são as nossas 
irmãs, as montanhas pensam e sentem. Isso faz parte de nossa sabedoria, da 
memória da criação do mundo”. Aqui emerge a mesma experiência de São 
Francisco de Assis e nos remete à encíclica sobre a ecologia integral do Papa 
Francisco. Com coragem, contra o profanismo de nossa modernidade, defende o 
sagrado que está em todas as coisas . 
 
A principal luta de Ailton é a preservação das diversas identidades dos indígenas, 
seja em seus territórios ou nas áreas urbanas. Infelizmente a sociedade ainda comete os 
mesmos erros de tentar aculturá-los, para “integrá-los na sociedade, do modo que foi 
chamado “civilizado”, sem perceber a imensa sabedoria que os antepassados carregam e 
a profunda comunhão que vivenciam com a natureza e o universo. 
 
BOFF, Leonardo Este é o cara, o homem-burum: Ailton Krenak.2017. 
Disponível: https://franciscanos.org.br/vidacrista/este-e-o-cara-o-homem-burum-
ailton-krenak/#gsc.tab=0 acesso 16 Julho 2023. 
 
 
 
DIAS VERDI FUMAGALLI, R. de C.; THOMÉ, C. M.; TEIXEIRA PORTO, L. 
NARRATIVA ORAL E ESCRITA: ENCONTROS E CONTRAPONTOS SOBRE O MITO 
“A ORIGEM DOS POVOS INDÍGENAS” NA PERSPECTIVA DE ÍNDIOS E BRANCOS. 
DOI: 10.5212/MuitasVozes.v.3i1.0009. Muitas Vozes, [S. l.], v. 3, n. 1, p. 153–
169, 2014. Disponível em: 
https://revistas.uepg.br/index.php/muitasvozes/article/view/6495. Acesso 
em: 16 jul. 2023. 
BOFF, Leonardo Este é o cara, o homem-burum: Ailton Krenak.2017. 
Disponível: https://franciscanos.org.br/vidacrista/este-e-o-cara-o-homem-
burum-ailton-krenak/#gsc.tab=0 acesso 16 Julho 2023. 
 
 
 
18 Narrativas Sagradas: Indígenas e Africanas 
Universidade Santa Cecília - Educação a Distância 
4. PAJELANÇA MARAJOARA 
 
Objetivo 
Depreender sobre a história e a importância da pajelança marajoara e o trabalho da 
pajé Zeneida Lima e do Instituto Caruanas. 
 
Introdução 
A pajelança marajoara é uma prática espiritual tradicional encontrada na região do 
Arquipélago de Marajó, no estado brasileiro do Pará. É administrado por povos indígenas 
e comunidades tradicionais que vivem na área, como os Marajoaras e outras etnias. Ou 
seja, é um sistema de crenças e práticas xamânicas que inclui comunicação com espíritos, 
busca de cura, orientação espiritual e harmonia com a natureza. Os pajés, que são xamãs 
ou curandeiros, são figuras centrais nessa prática. Eles têm conhecimento e habilidades 
espirituais para se conectar com seres espirituais, realizar rituais, cantar, dançar, usar ervas 
e outros elementos para realizar curas físicas e espirituais. Nas palavras da pajé Zeneida 
(1992): 
 
A Pajelança é um culto à encantaria, que herdamos da cultura indígena em nossa 
civilização. Ao incorporar a cultura civilizada sofreu influências das outras culturas 
colonizadoras e africanas. Perdeu sua pureza de origem. Contudo, eu permaneço fiel aos 
ensinamentos do pajé que me preparou, mestre Mundico de Maroacá. 
 
Os rituais de pajelança marajoara são realizados em ocasiões específicas, como 
cerimônias de cura, ritos de passagem, celebrações da natureza e outros eventos 
importantes para a comunidade. Durante esses rituais, os xamãs podem entrar em transe 
tentando se comunicar diretamente com espíritos ou seres espirituais,como animais de 
poder ou ancestrais. 
 
É uma prática cultural e espiritual profundamente enraizada nas tradições das 
comunidades do Arquipélago do Marajó. Além de preservar a identidade e a espiritualidade 
dessas comunidades, desempenha importante papel na busca do equilíbrio, da saúde e do 
bem-estar individual e coletivo. É uma expressão da rica variedade de práticas xamânicas 
encontradas nas culturas indígenas brasileiras. 
 
 
 
19 Narrativas Sagradas: Indígenas e Africanas 
Universidade Santa Cecília - Educação a Distância 
4.1. A história da pajelança marajoara 
As origens históricas da pajelança marajoara remontam a séculos atrás, quando os 
povos indígenas habitavam a região do Arquipélago do Marajó. Através de relatos algumas 
valiosas descrições de práticas xamânicas e rituais são descritos entre os povos indígenas 
da região. Porém, antes de entender a origens da pajelança marajoara, é primordial 
conhecer sobre a mitologia amazônica. Segundo o historiador Luiz Antônio Simas, na 
Amazônia Marajoara, segundo um mito gerador: 
 
Conta-se que no início só existia a água. O mundo era isso: uma grande bola 
inabitada, cujo fundo jamais poderia ser tocado, sob pena de desarmonizar tudo. 
Um dia, um ser transparente chamado Auí recebeu a incumbência de criar e liderar 
um povo. Nas profundezas das aguas, só havia barro e lama, até que apareceu o 
Girador. Ele tinha uma missão: construir sete cidades sobre as aguas para que o 
povo de Auí vivesse. O Girador fez o seu trabalho, enquanto o povo de Auí saía das 
águas para habitar as sete cidades. Um dia Auí, extremamente curioso, tocou o 
fundo das águas do mundo, coisa que era terminantemente proibida. Ao encostar 
no barro e na lama, Auí gerou a desarmonia e o desiquilíbrio na Terra, 
imediatamente, o Girador e o povo de Auí foram transformados em Caruanas e 
foram morar no fundo das águas, no Encante. 
 
Por causa da desordem de Auí, as águas subiram e causaram dois acontecimentos: 
o primeiro foi de libertar de Anhanga, causadora de males diversos à natureza. A 
segunda foi a subida das partes sólidas 
do fundo, criando os continentes atuais. Das setes cidades criadas, seis 
sucumbiram as águas. Elas formam o mundo místico dos Caruanas, o Patu-Anu. 
De lá, os Caruanas auxiliam os seres humanos e se preparam para encarnar os 
corpos dos pajés [...]. Das setes cidades criadas pelo Girador, uma continua entre 
nós: a Ilha de Marajó[...] (SIMAS, 2022, pp.58-59). 
 
O mito relatado conta como surgiu a essência da pajelança marajoara, também 
conhecida de pajelança cabocla. As origens históricas remontam a séculos atrás, quando 
os povos indígenas habitavam a região do Arquipélago do Marajó. 
 
Além das influências amazônicas, é importante destacar as contribuições culturais 
locais para a formação da pajelança marajoara, com diversos grupos étnicos, além dos 
Marajoaras, também os Tapajós e Tupinambás, habitaram a região e deixaram sua marca 
nas práticas espirituais. Essas culturas contribuíram com suas próprias crenças, rituais e 
conhecimentos espirituais, que se fundiram com o xamanismo amazônico. 
 
 
20 Narrativas Sagradas: Indígenas e Africanas 
Universidade Santa Cecília - Educação a Distância 
A pajelança marajoara é uma forma de xamanismo encontrada no Arquipélago do 
Marajó, conhecida por seus rituais de cura em consonância com o mundo espiritual. A 
pajelança da Ilha do Marajó é um culto herdado dos indígenas que habitavam essa região. 
Os mistérios deste culto são transmitidos oralmente de um pajé para outro. Somente um 
pajé pode identificar o dom em outra pessoa, através de sinais enviados pela própria 
natureza, que são chamados de Encantados ou Caruanas. 
 
 
 
As Caruanas ou Encantados são as energias vivas das águas. Essas Entidades 
Encantadas têm missões que só podem ser cumpridas por meio de um Pajé. O 
Pajé também tem uma missão que é ser a ponte, o elo com o Mundo dos 
Encantados. É por meio do Pajé no ritual da Pajelança que os Caruanas 
conhecem as necessidades dos vivos. É por meio dele que os Encantados 
produzem curas no corpo físico, equilibram os desvios da mente e cuidam do 
nosso interior, do nosso princípio vital, o espírito. Por fim, após cumprirem as 
tarefas impostas pela Natureza, os Caruanas descem uma encantada Escadaria 
de Corais, onde são gradualmente submetidos a uma transformação 
decrescente. 
 
Ao longo dos séculos, a pajelança marajoara evoluiu e se adaptou às transformações 
sociais e culturais. Mudanças na demografia, contato com missionários e processos de 
assimilação cultural influenciaram a prática. No entanto, a pajelança marajoara continua 
sendo uma parte essencial da identidade cultural e espiritual das comunidades do 
Arquipélago do Marajó, demonstrando sua resiliência e continuidade ao longo do tempo. 
 
Os relatos históricos indicam a presença de práticas xamânicas na região 
amazônica, elementos como a comunicação com os espíritos, o uso de plantas medicinais 
e os rituais de cura são encontrados tanto na pajelança marajoara quanto em outras 
tradições xamânicas amazônicas. Essa conexão sugere uma influência do xamanismo 
amazônico na formação da pajelança marajoara. 
 
4.2. A Pajé Zeneida e o Instituto Caruanas. 
Zeneida Lima (Soure, 21 de julho de 1934), é uma pajé, ambientalista e escritora 
brasileira. Criou a organização não governamental Instituição Caruanas do Marajó 
(ICMCE), com o objetivo de defender o meio ambiente e levar educação às crianças 
da Ilha de Marajó. Em 2021, recebeu o título de Doutora Honoris Causa pela 
 
 
21 Narrativas Sagradas: Indígenas e Africanas 
Universidade Santa Cecília - Educação a Distância 
Universidade do Estado do Pará. Escreveu os livros, "O Mundo Místico dos 
Caruanas e a Revolta de Sua Ave", editado em 1992 (com prefácio da escritora 
Rachel de Queiroz) e relançado em 2002 como "O Mundo Místico dos Caruanas da 
Ilha do Marajó", onde relatou seu aprendizado místico, sua trajetória de vida e as 
práticas aprendidas em sua formação como pajé. Em 1999, no Rio de Janeiro, 
conjuntamente com a amiga Rachel de Queiroz, Zeneida Lima fundou a ONG 
Instituição Caruanas do Marajó. O cantor Neguinho da Beija-Flor foi testemunha e 
também assinou o documento. A pajé retornou então a Marajó, e no ano seguinte 
começou a estruturar a instituição. Também gravou mais de 150 músicas, tanto de 
pajelança quanto laicas, cujos registros foram guardados pelo músico Egberto 
Gismonti, com a condição de não serem utilizadas comercialmente e só serem 
divulgadas após a morte da pajé.Em 2017, foi lançado um filme de Tizuka Yamasaki, 
"Encantados", sobre a vida de Zeneida Lima. Disponível: 
https://pt.wikipedia.org/wiki/Zeneida_Lima#:~:text=Zeneida%20Lima%20(Soure%2
C%2021%20de,crian%C3%A7as%20da%20Ilha%20de%20Maraj%C3%B3. 
Acesso 20 Julho 2023. 
 
A iniciação de Zeneida Lima no Pajéismo foi dada pelo Pajé Mestre Mundico de 
Maruacá, no município de Salvaterra, na Ilha de Marajó, e durou um ano e 17 dias para que 
todos os antigos rituais e preceitos fossem cumpridos. Ela descobriu o mundo encantado e 
seus mistérios, como as sete cidades encantadas que existem no fundo do mar e onde 
vivem os Caruanas. Mestre Mundico disse a ela que essas cidades são feitas de elementos 
mágicos que só os xamãs podem conhecer. Ele explicou que Zeneida seria levada a este 
mundo pelos Sete Peixes Alados Coloridos. 
 
Terminada a preparação para se tornar pajé e cumprir sua missão, Zeneida iniciou 
sua luta diária contra a discriminação e pela preservação do culto. Apesar de exercer seu 
dom e cumprir sua missão, ela nunca buscou seguidores para seu culto. 
 
Foi nomeada a última Pajé Cabocla de Marajó. Não que não existam mais Pajés. 
Entretanto, hoje, o culto na Ilha passa por um processo gradual de assimilação de outras 
práticas e crenças, o que vem gerando mudanças nos tradicionais ensinamentos do 
Pajeísmo. 
 
https://pt.wikipedia.org/wiki/Zeneida_Lima#:~:text=Zeneida%20Lima%20(Soure%2C%2021%20de,crian%C3%A7as%20da%20Ilha%20de%20Maraj%C3%B3https://pt.wikipedia.org/wiki/Zeneida_Lima#:~:text=Zeneida%20Lima%20(Soure%2C%2021%20de,crian%C3%A7as%20da%20Ilha%20de%20Maraj%C3%B3
 
 
22 Narrativas Sagradas: Indígenas e Africanas 
Universidade Santa Cecília - Educação a Distância 
 
Fotos de Zeneida, Disponível: http://www.caruanasdomarajo.com.br/novo/pagina/sec/198/sel/gp acesso 19 
Julho 2023. 
 
O Pajeísmo, segundo Zeneida, é o encontro do homem com as energias da 
Natureza, os Encantados ou Caruanas. O Pajé nada mais é do que um instrumento para a 
manifestação dos Caruanas, energias vivas sob as águas. É ele quem facilita a chegada 
dos Encantados à Terra para socorrer os vivos em suas doenças ou dificuldades. 
 
Cabe ressaltar que tudo é feito em nome da caridade, os Pajés não podem, por 
exemplo, cobrar qualquer tipo de pagamento pelo auxílio aos viventes, conforme aprendeu 
Zeneida de seus mestres. Não há como pedir dinheiro para curar um doente, diz, pois tudo 
que o Pajé necessita para cumprir sua missão lhe é dado pela natureza. Não há como se 
pagar pelo ar, pela terra, pelas florestas e pelos animais. De igual modo, também não se 
paga pelo fato de ver-se curado. 
 
A Instituição Beneficente Cultural Caruanas do Marajó foi então criada com o objetivo 
principal à preocupação é a busca pela preservação da natureza na Ilha de Marajó e a 
valorização do conhecimento produzido localmente visando estabelecer uma relação 
respeitosa entre o homem e o meio ambiente. 
 
 
 
23 Narrativas Sagradas: Indígenas e Africanas 
Universidade Santa Cecília - Educação a Distância 
 
Disponível: http://www.caruanasdomarajo.com.br/novo/pagina/sec/198/sel/gp acesso 19 Julho 2023. 
 
A Associação cresceu, tomou forma e, com importantes projetos sociais, disseminou 
informações úteis para o desenvolvimento sustentável da ilha, preservando as culturas 
tradicionais do Marajó e realizando projetos sociais com crianças carentes da região. 
 
Um convênio firmado com a Secretaria Estadual de Educação possibilita o acesso à 
educação para 260 crianças de comunidades carentes do Marajó, dando-lhes uma nova 
perspectiva de futuro, tirando-as de situações de risco e criando um convívio íntimo e 
amigável com a natureza. A instituição também firmou convênios com entidades paraenses, 
como a Fundação Carlos Gomes, que trouxe o projeto de musicalização para o Marajó, e 
o Detran/PA, que implantou o projeto Pacto Cidadão Pela Vida no Trânsito. Com o apoio 
de instituições universitárias do Pará e do Rio de Janeiro, a ONG desenvolve oficinas e 
palestras que levam a comunidade a discutir temas relevantes e propor soluções para os 
problemas da população de Marajó. 
 
http://www.caruanasdomarajo.com.br/novo/pagina/sec/198/sel/gp%20acesso%2019%20Julho%202023
 
 
24 Narrativas Sagradas: Indígenas e Africanas 
Universidade Santa Cecília - Educação a Distância 
Figura 1: primeira imagem mostra a oficina de libras e a segunda a oficina de grafitti. 
Disponível: http://www.caruanasdomarajo.com.br/novo/pagina/sec/198/sel/gp acesso 19 Julho 2023. 
 
Todos os cursos e palestras são realizados no ambiente da escola Zeneida Lima de 
Araújo, que conta com uma estrutura de 13 salas totalmente disponíveis para o evento, 
além de todos os recursos de áudio, vídeo e materiais para o desenvolvimento das 
atividades oferecidas pelos profissionais. 
 
A Instituição Caruanas do Marajó, Cultura e Ecologia tem proporcionado pelos seus 
profissionais, um legado que transformaram a visão de mundo de centenas de crianças, 
jovens e adultos que tiveram a oportunidade e o interesse de dedicar um tempo para alterar 
sua realidade. 
 
 
 
 
SIMAS, Luiz Antônio. Umbandas: uma história do Brasil. 5ª Edição- Rio de 
Janeiro: Civilização Brasileira, 2022. 
 
 
 
 
 
 
25 Narrativas Sagradas: Indígenas e Africanas 
Universidade Santa Cecília - Educação a Distância 
5. A ORIGEM DO CULTO AOS ORIXÁS AFRICANOS 
 
Objetivo 
Depreender sobre a origem ao culto dos orixás africanos no Brasil. 
 
Introdução 
Os orixás são divindades ou entidades espirituais veneradas em diversas religiões 
de matriz africana, como o Candomblé, a Umbanda e algumas vertentes do Batuque. Eles 
são parte fundamental das crenças religiosas de várias comunidades afrodescendentes no 
Brasil e em outras partes do mundo. 
 
 
 
Designamos como orixás divindades cultuadas na África pelo povo iorubá, que 
vive principalmente em regiões da Nigéria e Benin. Grandes ancestrais 
fundadores de clãs familiares, intermediários entre a divindade suprema e 
inalcançável – Olodumare – e a humanidade, os orixás têm suas histórias 
exemplares relatadas em longos poemas da criação que compõe o Ifá, um 
conjunto de sabedorias reveladas de forma oracular. (SIMAS, 2022, p.161) 
 
A origem histórica dos orixás remonta aos povos da África Ocidental, particularmente 
às regiões onde hoje se encontram a Nigéria e Benin. Consideradas divindades cultuadas 
pelo povo iorubá. Esses povos possuíam crenças espirituais complexas e cultuavam uma 
variedade de divindades, conhecidas por diferentes nomes em suas línguas e culturas. 
 
Com a diáspora forçada do tráfico de escravos entre os séculos XVI e XIX, milhões 
de africanos foram levados para as Américas, incluindo o Brasil. Os africanos escravizados 
trouxeram consigo suas crenças religiosas, mitologias e tradições culturais, incluindo o culto 
aos orixás. Esse processo de sincretismo cultural e religioso deu origem às religiões de 
matriz africana no Novo Mundo, como o Candomblé no Brasil e a Santeria em Cuba, por 
exemplo. 
 
Para a cosmogonia Iorubá, Olodumaré é o deus supremo, universal, antigo e 
poderoso, o que está em tudo, presente em cada centelha de vida, no ar, na água, 
na terra, e no fogo. De acordo com Coleman (2021, p. 387) é “o deus do destino e 
da misericórdia pelos Iorubás, ele conhece o destino de todos os humanos e pode 
 
 
26 Narrativas Sagradas: Indígenas e Africanas 
Universidade Santa Cecília - Educação a Distância 
falar com eles em todas as línguas através dos oráculos”. (MARIRO, Blue Mariro, 
2021, p.2) 
 
As práticas religiosas dos orixás foram adaptadas e preservadas por meio de 
tradições orais, rituais, cânticos, danças e outras formas de expressão cultural transmitidas 
pelas gerações subsequentes. As religiões afro-brasileiras, como o Candomblé e a 
Umbanda, são resultado dessa mistura de crenças africanas, indígenas e europeias, 
formando religiões sincréticas únicas que têm suas raízes na tradição dos orixás. 
 
Os orixás são considerados intermediários entre os seres humanos e o divino, sendo 
vistos como forças da natureza, ancestrais divinizados ou arquétipos que representam 
diferentes aspectos da vida, da natureza humana e das energias do universo. Os orixás 
têm características específicas, atribuições e simbolismos únicos. 
 
Cada orixá possui sua própria história e atributos, com paralelos nas religiões 
africanas de origem, mas também com adaptações e interpretações que refletem a 
realidade das comunidades afrodescendentes no contexto das Américas. 
 
Assim, a origem histórica dos orixás está profundamente conectada às culturas e 
experiências dos povos africanos e seus descendentes, que trouxeram consigo essas 
tradições espirituais, e que, ao longo do tempo, as mantiveram vivas e enraizadas em suas 
identidades culturais e espirituais. 
 
 
 
Na África ocidental, a religiosidade desenvolveu -se ao longo dos séculos 
incluindo os cultos de orixás. São incontáveis as variações locais e temporais 
que coexistem nestes sistemas de mitos, cultos, ritos e suas relações com a 
sociedade desta região. O orixá de maneira geral, seria um ancestral divinizado 
que representa as forças que explicam a natureza e organizam a vida humana. 
O orixá é um ancestral humano que realizou feitos excepcionais e foi assim 
transformado num ser divinizado por Oludimaré (ou Olorum), o ser superior. 
Por seus feitosno mundo, este ancestral especial, tornou-se digno de poderes 
de controle sobre forças da natureza (como trovão, vento, águas doces ou 
salgadas) ou de domínio de habilidades humanas (caça, trabalho com metais, 
cura com folhas). O poder (axé) de cada orixá se manifestaria em seus “filhos” 
em transes de possessão para ajudar a resolver os problemas das comunidades 
e das pessoas 
 
 
27 Narrativas Sagradas: Indígenas e Africanas 
Universidade Santa Cecília - Educação a Distância 
5.1 A origem das religiões afro-brasileiras 
O catolicismo tem sido historicamente a religião majoritária no Brasil, com outras 
religiões substituindo as religiões minoritárias. Nesse segundo grupo estão as 
chamadas religiões afro-brasileiras, que até a década de 1930 podiam ser incluídas na 
categoria de religiões étnicas, religiões que preservam a herança cultural dos ex-
escravos africanos e seus descendentes. Essas religiões se originaram em diferentes 
regiões do Brasil com diferentes cerimônias e nomes locais derivados de diferentes 
tradições africanas: Candomblé na Bahia, Xangô em Pernambuco e Alagoas, Tambor 
de Mina no Maranhão e Pará, Batuque no Rio Grande do Sul e Macumba no Rio de 
Janeiro. 
 
O mundo no período final da escravidão se estabeleceu principalmente em 
cidades e ocupações urbanas, os africanos desse período puderam viver no Brasil em 
maior contato mútuo, tanto físico quanto social, com maior mobilidade e, de certa forma, 
liberdade de movimento, em um processo de interação que ainda não conheciam. Esse 
fato proporcionou condições sociais favoráveis à sobrevivência de algumas religiões 
africanas, com o surgimento de grupos de culto organizados. 
 
Chegando no Brasil escravizados, sobretudo a partir do século XIX, os 
iorubás trouxeram para cá o culto aos orixás, redefinidos em terras 
brasileiras a partir da criação do candomblé. Podemos, em linhas 
gerais, estabelecer que existem três linhas marcantes do candomblé 
brasileiro, ainda que a de raízes iorubás seja a mais difundida e que 
entre elas haja bastante interação, inclusive em termos de 
procedimentos litúrgicos: Ketu, de tradição iorubá, dos povos nagôs; 
caracterizado pelo culto aos orixás. Jeje, de tradição fon, dos povos 
jeje; caracterizado pelo culto aos voduns. Angola, de tradição bacongo; 
caracterizado pelo culto aos inquices. (SIMAS, 2022, p. 162). 
 
Por outro lado, algumas denominações protestantes europeias e norte-
americanas foram introduzidas no país no final do século passado. O cenário religioso 
no Brasil hoje é caracterizado por um complexo e dinâmico processo de conversão, com 
a incorporação e até criação de algumas novas religiões, às vezes com os convertidos 
passando por diferentes opções de adesão. 
 
Os grupos religiosos mais importantes em termos de número de seguidores hoje 
são: o catolicismo nas versões tradicional e renovada da religião; os evangélicos 
 
 
28 Narrativas Sagradas: Indígenas e Africanas 
Universidade Santa Cecília - Educação a Distância 
“tradicionais e nova versão, neopentecostal; Espiritistas kardecistas e por último um 
conjunto diversificado de religiões afro-brasileiras. 
 
O Movimento de Renovação Carismática, movimentos que se opõem 
doutrinariamente: as CEBs são mais políticas e preocupadas com questões de justiça 
social, os carismáticos são mais preocupados com o indivíduo e rejeitam 
conservadoramente questões de consciência social. 
 
Dessas religiões, a Umbanda tem sido reiteradamente identificada como a 
religião brasileira por excelência, pois nasceu no Brasil e é resultado do encontro de 
tradições africanas, espíritas e católicas. A umbanda absorveu do kardecismo um pouco 
de seu apego às virtudes da caridade e do altruísmo, tornando-a mais ocidentalizada do 
que outras religiões do espectro afro-brasileiro, mas nunca completou esse processo de 
ocidentalização. Segundo o historiador Simas, 
 
Processo marcado por nuances complexas, o sincretismo tanto pode 
ser visto como estratégia afrodiaspórica para cultuar as divindades, 
como pode ser encarado como parte de um processo de conexões 
ligadas ao acúmulo de forças vitais, em uma encruzilhada sutil entre a 
africanização de procedimentos católicos e a cristianização de 
ritualísticas negras e indígenas. Algumas umbandas, que reivindicam 
uma construção da religião a partir da religião africanas e indígenas e 
menos com as influências europeias, hoje elaboram reflexões sobre o 
sincretismo de maneiras mais críticas e contundentes. (SIMAS, 2022, 
pp. 162-163) 
 
Desde o início, as religiões afro-brasileiras se formaram em sincretismo com o 
catolicismo e, em menor escala, com as religiões indígenas. O culto católico aos santos 
na dimensão popular politeísta encaixou como uma luva no culto dos panteões 
africanos. [...] o culto aos orixás, apresenta-se em diversas umbandas – em maior ou 
menor escala – articulado também a conexões estabelecidas entre eles e as santas e 
santos do catolicismo (SIMAS, 2022, p. 162). 
 
Com a Umbanda, somaram-se ao lado africano as contribuições do kardecismo 
francês, principalmente a ideia de se comunicar com os espíritos dos mortos através do 
transe, a fim de praticar a caridade entre os dois mundos, já que os mortos devem ajudar 
os vivos, sobretudo, os sofredores, como os vivos, devem, segundo a doutrina de 
 
 
29 Narrativas Sagradas: Indígenas e Africanas 
Universidade Santa Cecília - Educação a Distância 
Kardec, ajudar os mortos a encontrar o caminho para a paz eterna, sempre pela prática 
do amor. 
O candomblé começou a penetrar no território umbandista bem estabelecido, e 
os antigos umbandistas começaram a assumir o candomblé, muitos deles deixando os 
ritos umbandistas para se estabelecerem como pais e mães de santo em formas mais 
tradicionais, como por exemplo, o culto aos orixás. 
 
Nesse movimento, a Umbanda é remetida ao Candomblé, suas antigas e 
"verdadeiras" raízes originais, que os novos adeptos consideram mais misteriosa, mais 
forte e mais poderosa que sua descendente moderna e caiada. Além disso, nesse 
período, importantes movimentos da classe média buscavam o que poderia ser 
considerado as raízes originárias da cultura brasileira. Intelectuais, poetas, estudantes, 
escritores e artistas participaram desse esforço, que tantas vezes bateram nas portas 
dos antigos terreiros baianos. 
 
O candomblé encontrou condições sociais, econômicas e culturais muito 
favoráveis para seu renascimento em um novo território onde até então não se verificava 
a presença de instituições de origem negra. O termo candomblé refere-se a vários rituais 
com diferentes ênfases culturais, que os adeptos chamam de "nações". Mas essas 
origens estão, na verdade, entrelaçadas nas raízes brasileira e africana. 
 
Sua linguagem ritual é derivada do iorubá, mas o significado das palavras se 
perdeu em grande parte com o tempo, e hoje é muito difícil traduzir os versos das 
cantigas sagradas e é impossível manter uma conversa na língua do candomblé. A 
"nação" angolana de origem bantu adotou o panteão dos orixás iorubás e também 
incorporou muitas das práticas iniciáticas. O culto aos caboclos, que são os espíritos 
dos índios, que os antigos africanos consideravam os verdadeiros ancestrais brasileiros, 
ou seja, aqueles dignos de culto no novo território onde foram aprisionados. O 
candomblé de caboclo é uma forma de angola focada em um culto ancestral indígena 
exclusivo. 
 
Possivelmente foi o Candomblé e o Caboclo angolano que deram origem à 
Umbanda. Existem outras nações menores de origem bantu, como Kongo e Cambinda, 
hoje quase totalmente absorvidas pela nação angolana. Os povos Jeje-Mahin, da Bahia, 
e os Jeje-Mina, do Maranhão, derivaram suas tradições e linguagem ritual dos Ewê-Fon, 
 
 
30 Narrativas Sagradas: Indígenas e Africanas 
Universidade Santa Cecília - Educação a Distância 
ou jejes, como chamavam os nagôs, e têm como entidades centrais osvoduns. As 
tradições rituais jejes foram muito importantes na formação dos candomblés com 
predominância iorubá (PRANDI, 1995, p. 16). 
 
5.2. Os Orixás 
A história dos orixás virou algo que inteira especulação popular, pode-se 
encontrar listas de orixás com seus tipos psicológicos são frequentemente encontradas 
em jornais, revistas, sites. Porém, a prevalência dos Orixás não significa a diminuição 
do preconceito e, em geral, não leva em consideração as tradições religiosas de matriz 
africana, vivenciadas por inúmeros iniciados, seguidores e fortemente pesquisadas no 
meio acadêmico. 
 
É impossível abranger todo o universo de experiências e pesquisas sobre os 
Orixás. "Os Orixás são intermediários entre Olodumaré e o povo e receberam parte de 
sua autoridade por delegação." É assim que os babalawos de Ifá lêem. 
 
Na África Ocidental, a religiosidade floresceu ao longo dos séculos, inclusive os 
cultos aos orixás. Este ancestral particular, por suas ações na terra, tornou-se digno de 
controle sobre as forças da natureza ou domínio das habilidades humanas. O poder de 
cada orixá se manifestava em seus "filhos" em transes possessivos para ajudar a 
resolver os problemas das comunidades e das pessoas. Como os Babalawos colocam, 
Oludumare é "o deus supremo distante, inacessível e indiferente às orações e ao destino 
das pessoas. Ele não está preocupado em lidar com assuntos humanos delegados aos 
orixás, mas com conflitos entre orixás. Oludamare para cuidar do equilíbrio do universo. 
Também é para eles rezar e cultuá-los. Ao contrário dos santos católicos, os orixás não 
têm aparência humana. 
 
Em seu culto, elas voltam a estar entre os homens, dançam entre seus 
seguidores, integrando o sagrado e o mundano. Na África, os orixás seriam os 
ancestrais de uma cidade ou de um país inteiro. Existem muitas variações locais nos 
cultos de Orixá. "A localização de todos esses orixás depende muito da história da 
cidade em que aparecem como guardiões". 
 
Os Orixás migraram dentro da África, conduzidos em várias direções por seus 
seguidores. O comércio de escravos para a América devastou cidades, vilas e famílias. 
 
 
31 Narrativas Sagradas: Indígenas e Africanas 
Universidade Santa Cecília - Educação a Distância 
Assim, os orixás deixaram de ser guardiões coletivos, assumindo um caráter individual. 
No Candomblé no Brasil, cada casa reúne muitos orixás pessoais centrados no orixá do 
terreiro. 
 
Ainda hoje, a palavra "orixá" é lida nos dicionários como se viesse da língua 
iorubá. Ajayi Crowter é a generalização deste termo para outros povos da região. Ele 
escreveu seu próprio idioma, o "Dicionário Yoruba", em 1852. A Bíblia foi traduzida para 
o iorubá como a principal ferramenta para o evangelismo missionário. 
 
No entanto, a língua "iorubá" não representava uma unidade étnica ou 
sociopolítica. Existiam na região vários povos com línguas semelhantes, mas 
competindo politicamente entre si. A opressão cultural nigeriana, cristã e britânica tornou 
caótica a situação da população local. Esta unidade fictícia incluía a língua Yoruba e 
seus "dialetos", uma origem comum em Ile Ife, um herói ancestral, Odudua. 
 
A palavra orixá é definida como "Yoruba", uma palavra da língua e uma tradição 
imaginária. Mas ainda prevalece tanto no discurso dos locais quanto em pesquisas 
relevantes e literatura popular. 
 
O complexo sistema religioso dos Orixás tem sido estudado por pesquisadores 
de todo o mundo pela riqueza de suas implicações históricas, sociais, políticas, 
teológicas, artísticas e até pragmáticas. 
 
Os mitos dos orixás tentam estabelecer princípios para regular o caos natural e 
humano: ensinam o que comer, o que vestir, com quem se casar, como respeitar os 
deuses, como ter ajuda divina para conquistar poderes, como governar outros reinos, 
como garantir a continuidade da comunidade e também quais cuidados rituais são 
necessários para garantir o equilíbrio da vida. 
 
A generosidade dos deuses, que distribuíram muitos presentes como céu, 
estrelas, nuvens, arco-íris, terra, água, fogo, ferro, peixes, animais de caça e vegetais 
que nutrem e curam, é aprendida por meio desses contos. As lendas explicam que os 
deuses doaram a agricultura para acabar com a fome; o ferro e sua conversão em 
ferramentas para lavrar a terra e assim produzir mais grãos e fazer armas de guerra 
mais eficazes e como construir casas e palácios. Os mitos também incluem estratégias 
 
 
32 Narrativas Sagradas: Indígenas e Africanas 
Universidade Santa Cecília - Educação a Distância 
para equilibrar a comunidade, como expandir o território e como lidar com conflitos entre 
reinos vizinhos ou distantes. 
 
 
 
Por fim, as narrativas sobre os orixás mostram a vida familiar dos deuses sem 
negar suas dificuldades: constroem famílias, trocam de parceiros, tem filhos e 
descendência. E são protagonistas de dramas amorosos em que não faltam 
traições, trapaças, intrigas, seduções, quebras de tabus. [...] Como todas as 
culturas, deuses criam os seres da natureza e os mitos mostram o 
encantamento dos humanos diante de seres do universo assim como seus 
perigos. (ALBUQUERQUE, 2017, pp. 8-9). 
 
 
 
 
 
SIMAS, Luiz Antônio. Umbandas: uma história do Brasil. 5ª Edição- Rio de 
Janeiro: Civilização Brasileira, 2022. 
PRANDI, Reginaldo. Deuses africanos no Brasil contemporâneo. Horizontes 
antropológicos, p. 10-30, 1995. 
MARIRO, Blue. OLODUMARÉ, EXU E IYÁMI OXORONGÁ. Semana Nacional de 
Teologia, Filosofia e Estudos de Religião e Colóquio Filosófico . Vol. 3 2021 ISSN 
2763-7433. 
ALBUQUERQUE. Cleidi Marília Caivano Pedroso de. Os Orixás. 2017. 
Disponível: https://repositorio.ufsc.br/xmlui/handle/123456789/176340 
acesso: 20 Jul 2023. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
33 Narrativas Sagradas: Indígenas e Africanas 
Universidade Santa Cecília - Educação a Distância 
6. A HISTÓRIA DOS ORIXÁS: OXALÁ E NANÃ 
 
Objetivo 
Depreender sobre as narrativas que relatam a origem dos orixás de origem africana 
Oxalá e Nanã Buruquê. 
 
Introdução 
Oxalá é uma divindade venerada nas religiões de matriz africana, como o Candomblé 
e a Umbanda. Na mitologia, é o orixá da paz, sabedoria e criação. Caracterizado como um 
ancião sábio e pacífico, é frequentemente associado ao branco, simbolizando pureza. 
 
Segundo mitos, Oxalá moldou a Terra e os seres humanos . Suas histórias narram 
sua busca por conhecimento e aprendizado. Nas religiões afro-brasileiras, Oxalá é cultuado 
em rituais de purificação e iniciação. Sua presença inspira os seguidores a buscar a paz 
interior, equilíbrio emocional e harmonia com a natureza. 
 
A representatividade de Oxalá fortalece a conexão com raízes ancestrais e 
identidade cultural, transmitindo valores como a paz, sabedoria e respeito à natureza. O 
estudo dessa divindade enriquece a compreensão da diversidade religiosa e cultural 
brasileira e destaca a relevância das tradições espirituais e folclóricas na construção da 
identidade nacional. 
 
A orixá Nanã Buruquê é uma divindade venerada nas religiões de matriz africana, 
como o Candomblé e a Umbanda. Sua origem remonta aos povos da África Ocidental, 
especialmente às regiões onde hoje se encontram a Nigéria e o Benin. 
 
Nanã é considerada uma orixá anciã, representando a matriarca ancestral, a 
sabedoria e a ancestralidade. Ela é frequentemente associada a águas estagnadas, lama 
e pântanos, simbolizando a fertilidade e a vida que surge da lama primordial. 
 
De acordo com as tradições, Nanã Buruquê foi a primeira esposa de Oxalá, o orixá 
supremo, e juntos eles tiveram muitos filhos, incluindo Xangô e Iansã. Por ser a mais antiga 
das esposas, ela é considerada a avó de muitos orixás, sendo respeitada como uma 
divindade com grande conhecimento e experiência. 
 
 
34 Narrativas Sagradas: Indígenas e Africanas 
Universidade Santa Cecília - Educação a Distância 
A origem históricade Nanã Buruquê pode ser rastreada nos mitos e narrativas dos 
povos africanos que cultuavam essa divindade. Com a diáspora africana e o tráfico de 
escravos para as Américas, as crenças e práticas religiosas dos povos africanos foram 
levadas para o Brasil, onde se desenvolveram e evoluíram nas religiões de matriz africana. 
 
6.1. Oxalá 
Oxalá é uma figura central e muito reverenciada nas religiões de matriz africana, 
como o Candomblé e a Umbanda, mas também é cultuado em outras tradições 
espiritualistas e esotéricas. 
 
Representado como um ancião, vestindo roupas brancas que simbolizam a paz, a 
pureza e a luz. Ele carrega um cajado de prata ou um opaxorô (bastão ornamentado), que 
representa sua autoridade e sabedoria. 
 
 
Representação de Oxalá africano com opaxorô. Disponível: 
https://umbandaead.blog.br/2016/12/25/meu-pai-oxala-e-o-rei-venha-me-valer/, acesso 20 Julho 2023. 
 
Devido ao processo de sincretismo religioso no Brasil, Oxalá também é associado a 
outras figuras religiosas, porém vale lembrar que não são todas as casas “sagradas” que 
seguem o sincretismo. Na religião católica, é sincretizado com Jesus Cristo, e seu dia é 
comemorado em 25 de dezembro, o mesmo do Natal cristão. Esse sincretismo permitiu a 
 
 
35 Narrativas Sagradas: Indígenas e Africanas 
Universidade Santa Cecília - Educação a Distância 
continuidade da adoração de Oxalá durante o período da escravidão, quando os africanos 
foram forçados a esconder suas crenças por meio da associação com santos católicos. 
 
No Candomblé, segundo as pesquisas do sociólogo Reginaldo Prandi, Oxalá é 
considerado o orixá primordial, associado à criação do mundo e da humanidade. É 
considerado o pai de todos os orixás e, como tal, é reverenciado como uma figura de grande 
respeito e poder. Segue um dos contos de Oxalá, sobre a origem do mundo: 
 
Orixanlá cria a Terra 
No começo, o mundo era todo pantanoso e cheio d’água, um lugar inóspito, sem 
nenhuma serventia. Acima dele havia o Céu, onde viviam Olorum e todos os orixás, 
que às vezes desciam para brincar nos pântanos insalubres. Desciam por teias de 
aranha penduradas no vazio. Ainda não havia terra firme, nem o homem existia. Um 
dia Olorum chamou à sua presença Orixanlá, o Grande Orixá. Disse-lhe que queria 
criar terra firme lá embaixo e pediu-lhe que realizasse tal tarefa. Para a missão, deu-
lhe uma concha marinha com terra, uma pomba e uma galinha com pés de cinco 
dedos. Orixanlá desceu ao pântano e depositou a terra da concha. Sobre a terra 
pôs a pomba e a galinha e ambas começaram a ciscar. Foram assim espalhando a 
terra que viera na concha 
até que terra firme se formou por toda parte. Orixanlá voltou a Olorum e relatou-lhe 
o sucedido. Olorum enviou um camaleão para inspecionar a obra de Oxalá e ele 
não pôde andar sobre o solo que ainda não era firme. O camaleão voltou dizendo 
que a Terra era ampla, mas ainda não suficientemente seca. Numa segunda viagem 
o camaleão trouxe a notícia de que a Terra era ampla e suficientemente sólida, 
podendo-se agora viver em sua superfície. O lugar mais tarde foi chamado Ifé, que 
quer dizer ampla morada. Depois Olorum mandou Orixanlá de volta à Terra para 
plantar árvores e dar alimentos e riquezas ao homem. E veio a chuva para regar as 
árvores. Foi assim que tudo começou. Foi ali, em Ifé, durante uma semana de quatro 
dias, que Orixá Nlá criou o mundo e tudo o que existe nele.(PRANDI, p. 503) 
 
Nas casas de Candomblé, as festividades em homenagem a Oxalá são realizadas 
com grande devoção e cuidado. Na Umbanda, Oxalá é uma entidade de luz e sabedoria, 
um guia espiritual e protetor, associado à paz e à harmonia. Sua figura é invocada para 
purificação, cura e busca por equilíbrio e tranquilidade interior. Segue a imagem das duas 
representações de Oxalá. 
 
 
 
 
36 Narrativas Sagradas: Indígenas e Africanas 
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Disponível em: https://meuorixa.wordpress.com/2012/05/01/66/ acesso 20 Julho 2023 
 
Uma característica interessante de Oxalá é a dualidade presente em suas 
representações, “costuma ser cultuado nos candomblés brasileiros ou em sua forma mais 
jovem, como um guerreiro (Oxaguian), ou como sábio ancião (Oxalufan). Suas vestes são 
brancas e suas filhas e filhos evitam alimentos de dendê e sal” (SIMAS, 2022, p.171). 
Segue o mito do Sal 
 
Oxalá é proibido de consumir sal. 
Oxalá foi consultar Ifá. para saber como melhor tocar a vida. Os adivinhos 
recomendaram que fizesse ebó, que oferecesse aos deuses uma cabaça de sal e 
um pano branco. Assim Oxalá não passaria por transtornos e não sofreria desonras 
e outras ofensas morais na Terra. Dando de ombros ao conselho, Oxalá foi dormir 
sem cumprir o recomendado. De noite Exu entrou na casa de Oxalá. Ele trazia uma 
cabaça cheia de sal e a amarrou nas costas de Oxalá. Na manhã seguinte Oxalá 
despertou corcunda. Desde então tornou-se protetor dos corcundas, dos albinos e 
toda sorte de aleijados. Mas foi para sempre proibido de consumir sal. (PRANDI, 
2001, p. 512) 
 
O culto a Oxalá desempenha um papel fundamental na cultura afro-brasileira, com 
grande importância cultural e espiritual para as comunidades afrodescendentes no Brasil e 
além. Seu culto reflete valores de paz, equilíbrio e respeito à natureza, transmitindo 
ensinamentos espirituais profundos e fortalecendo a conexão com as raízes ancestrais. A 
figura de Oxalá representa uma das muitas riquezas da diversidade religiosa e cultural 
 
 
37 Narrativas Sagradas: Indígenas e Africanas 
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brasileira, destacando a importância das tradições espirituais na construção da identidade 
nacional. 
 
6.2. Nanã Buruquê 
A orixá Nanã é cultuada entre os africanos a partir do antigo reino do Daomé, entre 
os chamados povos jejes, como uma entidade primordial da Terra. Nas umbandas mais 
sincréticas, costuma ser aproximada de Sant’Ana, mãe da Virgem Maria e avó de Jesus, 
certamente por conta da senioridade. (SIMAS, 2022, p. 169). 
 
Nana Buruquê, Buruku, ou Buluku é considerada a orixá da Criação, destemida, 
muitas vezes intransigente e austera, é respeitada como a mais velha das Yabás. De 
temperamento brando, ela acolhe e orienta seus filhos, como um grande modelo de grande 
sabedoria. Representa a velhice, a experiência de vida e o aprendizado mais profundo. Ele 
usou seu ibiri para tirar a lama do fundo do lago para criar os homens. Segue a mitologia 
sobre a origem do homem: 
 
Nanã fornece a lama para a modelagem do homem. Dizem que quando Olorum 
encarregou Oxalá de fazer o mundo e modelar o ser humano, o orixá tentou vários 
caminhos. Tentou fazer o homem de ar, como ele. Não deu certo, pois o homem 
logo se desvaneceu. Tentou fazer de pau, mas a criatura ficou dura. De pedra ainda 
a tentativa foi pior. Fez de fogo e o homem se consumiu. Tentou azeite, água e até 
vinho-de-palma, e nada. Foi então que Nanã Burucu veio em seu socorro. Apontou 
para o fundo do lago com seu ibiri, seu cetro e arma, e de lá retirou uma porção de 
lama. Nanã deu a porção de lama a Oxalá, o barro do fundo da lagoa onde morava 
ela, a lama sob as águas, que é Nanã. Oxalá criou o homem, o modelou no barro. 
Com o sopro de Olorum ele caminhou. Com a ajuda dos orixás povoou a Terra. Mas 
tem um dia que o homem morre e seu corpo tem que retornar à terra, voltar à 
natureza de Nanã Burucu. Nanã deu a matéria no começo mas quer de volta no 
final tudo o que é seu. (PRANDI, 2001, p. 196) 
 
Seu território de atuação são lagos, pântanos, lama e onde os rios encontram o mar. 
Ela teve dois filhos, Oxumarê, uma criança linda, e Omulu, uma criança feia. Segue o mito 
sobre essa passagem: 
 
 
 
 
 
38 Narrativas Sagradas: Indígenas e Africanas 
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NANÃ ESCONDE O FILHO FEIO E EXIBE O FILHO BELO 
Conta-se que Nanã teve dois filhos. Oxumarê era

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