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LIVRO-TEXTO_-_Processo Administrativo e Disciplinar -completo

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INTRODUÇÃO
A Constituição da República (CR) promulgada em 1988 introduziu definitivamente a ideia de processualidade administrativa no âmbito das relações jurídico-administrativas.
A Constituição, ao estabelecer a processualidade, estabelece uma limitação da administração pública frente aos direitos do cidadão, em especial ao estabelecer que ações que possam ofender a esfera juridicamente protegida do indivíduo, depende do contraditório e da ampla defesa. Então, numa rápida interpretação, observa-se que a processualidade tem um viés que privilegia, mesmo que indiretamente, a cidadania e os direitos humanos. Pressupõe-se, portanto, que se a administração pública tem o dever legal de satisfazer o interesse público, deverá fazê-lo sempre respeitando os direitos do cidadão. Assim, verificamos que os fundamentos do direito processual administrativo estão na Constituição da República.
Para termos uma visão social do direito processual administrativo, há necessidade de olharmos os princípios fundamentais da República (Título I – artigos 1° a 4°) e os direitos e garantias fundamentais do cidadão (Título II – artigos 5° a 17), como normas de respeito obrigatório pelo poder público e, especificamente, pela administração.
Igualmente é necessário mencionar que o inciso LV do art. 5º da CR coloca ao lado do processo judicial, o processo administrativo. Se antes da promulgação da CR era comum se referir à processualidade administrativa como procedimento, a partir de 1988 altera-se a nomenclatura a ser utilizada e, com isso, ficam mais salientes os conflitos de entendimento acerca de tal tema.
Para que se perceba a importância deste conteúdo é necessário frisar que ele limita a atuação administrativa. A Constituição da República, por exemplo, nunca
poderá deixar de lado quando se estuda conteúdos específicos do direito administrativo, pois ela é o fundamento último de todo ordenamento jurídico.
Quando se aborda a organização do Estado (Título III – artigos 18 a 43 da CR) encontramos as diretrizes de toda a estruturação estatal:
a) a organização político-administrativa (artigos 18 e 19), onde são estabelecidas as várias órbitas governamentais;
b) as competências comuns da União, Estados, Distrito Federal e dos municípios (artigo 23);
c) a organização político-administrativa dos municípios (artigo 29 a 31);
d) normas referentes à administração pública e servidores (artigos 37 a 41).
Disso decorre que toda atividade estatal, por necessidade de respeitar os preceitos constitucionais, sofre esta limitação. Os agentes públicos passam a ter limites nas relações jurídicas ao, por exemplo, darem voz a seus interlocutores. Isso é decorrência dos princípios democráticos que balizam a ordem constitucional e faz com que toda a legislação dela derivada obedeça tais preceitos.
Nesse espírito democrático forjado pela CR ganha força o processo como instrumento de ampliação da participação popular e também para a transparência da atuação estatal, principalmente administrativa. Com este pensamento tenta englobar mecanismos jurídicos de participação popular, seja na formulação da ordem legal e/ou nas decisões administrativas. Esta perspectiva possibilita vislumbrar um horizonte de mudanças estruturais e políticas, pelo menos no sentido da instituição concreta de políticas públicas. E nesse passo, como em toda a estruturação administrativa citada, o processo administrativo passa a ser um importante instrumento de tomada de decisões.
Isso ocorre nas diferentes órbitas político-governamentais estabelecidas no art. 18 da CR e da pluralidade de competências estabelecidas. Com isso se afirma que o ordenamento jurídico-constitucional fixa as diretrizes básicas que serão observadas por cada um dos entes políticos visando a satisfação dos interesses e necessidades de cada esfera político-administrativa, com o que se atenderia com maior eficácia às competências de cada ente. E dentro dessas diretrizes básicas está a do processo administrativo.
A CR não esgota o tema, apenas estabelece diretrizes a serem observadas e regulamentadas por leis infraconstitucionais. É o que ocorre no ordenamento jurídico brasileiro. Neste ponto, se verifica que temos em âmbito federal uma lei específica que regulamenta o processo administrativo em âmbito federal, a Lei nº 9.784, de 29 de
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janeiro de 1999. Mas existem inúmeras leis especiais que regulamentam processos administrativos específicos, como é o caso dos disciplinares e das sindicâncias. Cada estatuto de servidores estabelece o tratamento dado ao seu processo disciplinar e sua sindicância, como é o caso da Lei nº 8.112, de 11 de dezembro de 1990.
É a partir dessas concepções iniciais que vai ser desenvolvida a ideia de processo administrativo.6
1 A PROCESSUALIDADE NO DIREITO ADMINISTRATIVO
O Direito tem evoluído a cada dia, fruto das inquietações provenientes do pensamento humano. O Direito, diferentemente da realidade vivida, é uma ficção, uma criação humana que deve ter a finalidade última de sociabilizar os comportamentos para que seja possível a vida na comunidade. O Estado de Direito é a aposta na submissão do Estado ao Direito para ter garantia da existência de segurança; surgiu a segurança jurídica. Para assegurar a segurança jurídica, o todo foi submetido ao Judiciário, o qual passou a dizer o Direito de forma definitiva. O ser humano, entretanto, convencido de que o Estado moderno tem se burocratizado e que as relações jurídicas têm se confundido com a própria finalidade de sua utilização ao invés de serem apenas os instrumentos para a sociabilidade, busca novas formas de sociabilidade para garantir a paz social. Assim, surgem novas formas para encontrar o caminho da justiça e do bem- estar, principalmente em razão de que já não são aceitas passivamente as formas utilizadas até então para que fossem tomadas as decisões estatais.
É necessário considerar que embora o Estado normalmente tenha como competência o interesse público e, por isso, seja dotado de prerrogativas e sujeições, já ocorreu, de forma equivocada, o entendimento de que a Administração Pública possa desempenhar seu poder intimidando o cidadão, de forma que sua atuação normal consiste numa verdadeira possibilidade de opressão. Tal entendimento é equivocado, assinala Bandeira de Mello (2016), já que o poder é legítimo apenas quando necessário a resguardar o interesse público. Assim, para limitar o uso do poder pela Administração, surge o processo administrativo e a obrigatoriedade de respeito aos princípios estabelecidos na ordem constitucional. Isso indica que a razão de existir do Estado e de sua Administração é a obrigação de concretização do interesse público, entendido este como o interesse da sociedade, do conjunto de cidadãos.
Se considerarmos, por outro lado, que a ordem constitucional tem garantido como princípios fundamentais a cidadania e a dignidade da pessoa humana e, neste contexto, dos direitos humanos, como uma agenda de reivindicações acerca da melhor qualidade de vida dos cidadãos, será necessário considerarmos que o processo administrativo tenha, efetivamente, o papel fundamental de garantir a instrumentalidade necessária às decisões administrativas, já que consideramos inadequado deixar no âmbito do pensamento do gestor a liberdade ilimitada para a tomada de decisões que afetem os interesses dos cidadãos. O processo administrativo, assim, passa a ser um importante instrumento de tomada de decisões. Alguns desses aspectos são abordados logo a seguir.
Os processos estatais
A processualidade é um instrumento utilizado para chegar a um determinado fim. Nas atividades estatais, o processo é utilizado como uma sequência de atos coordenados à realização de seus fins. Pode-se dizer que é um fenômeno em desenvolvimento pelo qual alguém pretende juntar indícios e dados visando a uma decisão. No Direito como um todo e dentro da atividade estatal especificamente, o processo pode ser descrito como legislativo, judicial e administrativo. Pelo processo legislativo o Estado elabora seu ordenamento jurídico. Pelos processosjudicial e administrativo, de uma forma simplificada, podemos afirmar que ocorre a interpretação da lei, sempre fazendo uma ressalva para que ambos não sejam confundidos, pois pelo processo judicial o Estado interpreta visando resolver litígios existentes na sociedade, enquanto que no caso do processo administrativo, que é o que nos interessa nesta exposição, ocorre a interpretação da lei para que a Administração Pública possa concretizar as atividades que são reconhecidas como necessidades da coletividade, as quais estarão, de uma forma ou outra, relacionadas à concretização do interesse público e visando atender à coletividade.
Estes processos têm seu fundamento de validade na lei fundamental, a Constituição da República (BRASIL, 2018a). É a Constituição que estabelece as regras fundamentais do Estado, estabelecendo sua organização política e administrativa, definindo suas atribuições, atribuindo-lhes prerrogativas, estabelecendo sujeições, forma e competência. São estas regras que vão assegurar, por um lado, a independência,
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equilíbrio e harmonia no exercício das funções institucionais do Estado e, por outro, que no exercício destas funções sejam garantidos os direitos constitucionais do cidadão. É claro que a pura e simples garantia dos direitos do cidadão não é o suficiente e, talvez por isso, ganha cada vez maior importância o processo no âmbito estatal.
No que se refere ao processo administrativo e ao judicial, como afirmado anteriormente, é necessário salientar que existem muitas diferenças. O processo administrativo cuja tramitação acontece no âmbito administrativo, é instaurado mediante provocação do cidadão ou por iniciativa da própria Administração Pública, estabelecendo-se uma relação bilateral, na qual a Administração participa como parte e juíza ao mesmo tempo. É uma relação na qual não está garantida a neutralidade e a imparcialidade na decisão tomada. Da posição da Administração Pública decorre a gratuidade do processo e, consequentemente, o fato de não fazer coisa julgada formal e material ou, fazer apenas coisa julgada administrativa, quando se chegar à decisão final no âmbito administrativo não sendo mais possível recurso por ter sido objeto de análise pela autoridade administrativa máxima, competente para conhecer do recurso. Já o processo judicial pode ser instaurado mediante provocação de qualquer das partes, a Administração ou o cidadão, sempre que ocuparem a posição de autor. Difere da relação anterior pelo fato de que aqui existe uma relação trilateral na qual ambos são partes e aparece a figura de um terceiro, o juiz, que vai intermediar o litígio. Neste caso afirma- se que é chamado o Estado, através do Judiciário, que vai intermediar o litígio entre as partes. Este processo, por ser trilateral, apresenta a garantia da imparcialidade já que o Estado é alheio ao litígio e, por isso, pode decidir o litígio com definitividade. Também em decorrência disso, o processo vai ser oneroso, já que o Estado é chamado a intermediar a lide e, em consequência, vai fazer coisa julgada entre as partes.
Embora tenhamos afirmado que os processos estatais se diferenciam entre si, inclusive se fundando em princípios distintos em razão de suas peculiaridades, toda processualidade apresenta seu desdobramento através de elementos similares. Assim, o processo se desdobra através de uma evolução de atos praticados pelos envolvidos sendo os atos obrigatoriamente desencadeados sucessivamente: os posteriores são impulsionados pelos anteriores, da mesma forma que a invalidade dos anteriores transmitem aos posteriores vícios que possam existir. Embora o processo se constitua de diversos atos, seu conjunto é distinto do ato em si, embora ambos guardem uma correlação já que o processo evidencia a instrumentalidade pela qual se chega à decisão enquanto que o ato é apenas uma pequena parcela sua. Dessa forma, todos os atos do
processo, de modo mediato ou imediato, são vinculados ao ato final pois os atos existem em razão da decisão final, o que não elimina a relevância dos atos parciais, sobretudo no tocante à garantia de direitos e ao seu papel processual de oferecer condições para uma decisão correta através do resultado final. Embora o processo possa ter a participação de diversas pessoas físicas, representantes ou não do Poder Público que emite o ato final através da autoridade competente, a decisão processual será imputada ao ente estatal que a emitiu. Estas são as peculiaridades processuais mais salientes embora outras possam existir.
Processo e procedimento administrativo
Tema da maior relevância e que normalmente gera muitas controvérsias é a diferenciação entre o processo e o procedimento. Inúmeros doutrinadores abordam simplesmente o procedimento administrativo sem dar a devida atenção ao processo, principalmente por utilizarem o termo procedimento para designar o processo. Embora exista controvérsia na doutrina, a diferenciação é nítida, já que a Constituição da República, em 1988, utilizou o termo processo para referir-se a ambos, tanto o administrativo como o judicial. É o que dispõe o inciso LV do art. 5º da Constituição da República: “aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes” (BRASIL, 2018a). Não resta dúvida, portanto, de que um dos instrumentos para as decisões administrativas passa a ser denominado de processo administrativo com a promulgação da Constituição em 1988.
O processo administrativo pode ser entendido como instrumento muitas vezes indispensável ao exercício da função administrativa, consistente numa série de atos coordenados, sejam materiais ou jurídicos, visando instruir, preparar e fundamentar decisões no âmbito administrativo. Estes atos materiais ou jurídicos são os estudos, pareceres, laudos, informações e audiências necessários para elucidar fatos e possibilitar uma decisão final que tenha em vista a concretização das competências constitucionais e legais da Administração Pública, mais precisamente do interesse público, que poderá ser materializada em última instância com a execução de uma obra, a celebração de um contrato, a edição de um regulamento para concretizar a vontade e necessidade da
população ou qualquer outra decisão complexa que deva ser tomada em nível administrativo.
O procedimento administrativo, por outro lado, é o conjunto de formalidades desenvolvidas dentro do processo administrativo e que visa a prática de determinado ato. É rito processual ou forma de proceder na qual são estabelecidas legalmente e que deverão ser observadas durante o andamento do processo. Em outras palavras consiste na sucessão de atos preparatórios que devem obrigatoriamente preceder a prática do ato final. Este procedimento será obrigatório e deverá estar estabelecido em lei sempre que a decisão decorrente do processo vier a atingir direitos do cidadão.
Em sentido semelhante, Odete Medauar (2015) afirma que substancialmente procedimento e processo se distinguem em razão de que o primeiro basicamente significa a sucessão encadeada de atos, enquanto que o segundo, além do vínculo entre atos, pressupõe vínculos jurídicos contraditórios entre os sujeitos para a defesa de direitos e deveres na relação processual mediante o uso de poderes e faculdades. Evidente que é muito questionável a existência do contraditório em todos os processos administrativos já que em uma licitação, aparentemente, não existem litigantes. Porém fica clara a contraposição existente entre os direitos e deveres de seus participantes frente à Administração Pública.
Os princípios do processo administrativo
A doutrina em geral diverge quanto ao rol de princípios aplicáveis ao direito administrativo e, também, ao processo administrativo. Se é difícil até mesmo produzir um acordo semântico acerca do processo e do procedimento, o que poderíamos dizer de seus princípios? A Constituição da República prevê, como princípios do processo administrativo o contraditório e a ampla defesa.A legislação específica que ordena determinados assuntos estabelece os princípios que regem um determinado instituto processual ou determinada área específica, embora seja possível afirmar que existe um núcleo comum de princípios aplicáveis aos diversos processos administrativos. A Lei nº 9.784/1999, por exemplo, que regula o processo administrativo no âmbito federal, prevê os princípios da legalidade, finalidade, motivação, razoabilidade, proporcionalidade, moralidade, ampla defesa, contraditório, segurança jurídica, interesse público e
eficiência. Para além disso, salienta-se que no processo administrativo são observados todos os princípios do direito administrativo.
É necessário considerar que a diretriz da atuação da administração pública no Brasil está na Constituição da República sendo reproduzida na Constituição dos Estados e regulamentada na legislação infraconstitucional. É desta diretriz que devemos partir para qualquer interpretação do processo administrativo. Como menciona Carlos Ari Sundfeld,
A Constituição brasileira, em matéria de normas sobre a Administração Pública, além de tratar de questões técnicas, tem um discurso retórico, para influir concretamente sobre sua aplicação. Nessa linha, o “caput” do art. 37 é fundamental: “A Administração Pública Direta e Indireta, de qualquer dos poderes, obedecerá aos princípios de legalidade, moralidade, impessoalidade, publicidade” e, mais recentemente, “eficiência”. O que dizer da inclusão do princípio da eficiência em uma norma constitucional? No bojo da reforma administrativa, da Emenda Constitucional 19, o que se quis, ao incluí- lo, foi produzir retórica. Quis-se introduzir nos discursos uma nova ideia, ausente na Administração Pública até então, mas forte nas preocupações de muitos administradores públicos e da ciência da Administração Pública.
No entanto, no próprio texto original da Constituição de 1988, houve já a preocupação de dizer que a Administração Pública se rege pela impessoalidade. O que é isso senão a afirmação constitucional de que existe um conjunto de ideias acoplado àquelas normas técnicas? (SUNDFELD, 2003, s.p.).
A partir desta compreensão deve-se considerar que qualquer interpretação da atuação da administração pública deve observar os princípios norteadores da administração pública que estão expressos no art. 37 da Constituição da República: a legalidade, a impessoalidade, a moralidade, a publicidade e a eficiência. Rapidamente são abordados aqui tais princípios como princípios ordenadores da administração pública.
O Estado de direito tem como característica o princípio da legalidade, o qual informa a atuação da administração pública. A concepção originária deste princípio pode ser relacionada à separação de poderes, demarcando o conjunto de ideias que historicamente significaram oposição às práticas do período absolutista. Se na sua origem traduzia a supremacia do Poder Legislativo em relação ao Executivo, no âmbito das atuações demonstrava a supremacia da lei sobre os atos e medidas administrativas. “Mediante a submissão da Administração à lei, o poder tornava-se objetivado; obedecer à Administração era o mesmo que obedecer à lei e não à vontade instável da autoridade”
(MEDAUAR, 2015, p. 149). Este o sentido de garantia, de certeza jurídica e limitação do poder.
Esta legalidade, porém, não pode ser desvirtuada para uma legalidade simplesmente formal na qual as leis passam a ser vistas como justas independentemente de seus conteúdos ou visando um excessivo formalismo. Operacionalmente, este princípio traduz-se no entendimento de que “a administração deve sujeitar-se às normas legais”.
Este princípio nasce com o Estado de direito e constitui um dos seus sustentáculos, uma das principais garantias de respeito ao direito do cidadão, pois a lei estabelece e define os limites da atuação administrativa a medida que a administração pública só pode fazer o que a lei permite. Distingue-se, o direito administrativo do direito privado, pois nas relações entre particulares, o princípio aplicável é o da auto- nomia da vontade, que lhes permite fazer tudo o que a lei não proíbe.
Afirma Celso Antonio Bandeira de Mello que
[...] enquanto o princípio da supremacia do interesse público sobre o interesse privado é da essência de qualquer Estado, de qualquer sociedade juridicamente organizada com fins políticos, o da legalidade é especificamente do Estado de Direito, é justamente aquele que o qualifica e que lhe dá a identidade própria. Por isso mesmo é o princípio basilar do regime jurídico-administrativo, já que o Direito Administrativo. É o fruto da submissão do Estado à lei. É, em suma: a consagração da ideia de que a Administração Pública só pode ser exercida na conformidade da lei e que, de conseguinte, a atividade administrativa é atividade sublegal, infralegal, consistente na expedição de comandos complementares à lei. (BANDEIRA DE MELLO, 2016, p. 102-103, grifos do autor).
A administração é, portanto, atividade vinculada à lei. Alguns atos, por sua vez, poderão conter alguma discricionariedade, possibilitando uma certa margem de liberdade à atuação do administrador. Porém, a própria discricionariedade é exercida dentro dos limites legais.
O princípio da impessoalidade expressa a ideia de que a atividade administrativa deve ser destinada aos administrados em geral, sem determinação de pessoa ou discriminação de qualquer natureza. A atividade administrativa não pode visar uma pessoa determinada, com o intuito de beneficiá-la ou prejudicá-la. Este princípio visa justamente estabelecer que as atuações administrativas sejam desconectadas de razões pessoais eis que visam o interesse maior que é da coletividade. Visa frear a atuação em razão da pessoa, de modo que prevaleça a ideia de que a autoridade é utilizada em prol da coletividade e não em razão de interesses pessoais.
Uma segunda interpretação possível do princípio consiste naquela expressa pela teoria do órgão, segundo a qual as atividades administrativas são imputadas ao ente em nome de quem foram produzidos e não à autoridade ou servidor responsável. Sobre a teoria do órgão Gierke (apud Masagão, s/d, p. 74, grifos do autor) afirma que seu alicerce “é o de que o Direito Constitucional estabelece os requisitos mediante os quais um ato de vontade de certos indivíduos vale como manifestação da vida da pessoa jurídica de direito público. Esses indivíduos operam como órgãos, não no sentido biológico, mas no jurídico, de instrumento”. Considerando a impessoalidade sob este aspecto e atentando ao princípio da presunção de legitimidade e veracidade, verifica-se que os atos praticados por servidor irregularmente investido no cargo ou função, sob fundamento de que os atos são do órgão e não do agente público deverão ser considerados válidos, pelo menos, quando o administrado estiver agindo de boa-fé. Este entendimento é referendado mais tarde por José Afonso da Silva (apud Medauar, 2015, p. 151) que afirma que “os atos e provimentos administrativos são imputáveis não ao funcionário que os pratica, mas ao órgão ou entidade administrativa em nome do qual age o funcionário... Por conseguinte, o administrado não se confronta com o funcionário ‘x’ ou ‘y’ que expediu o ato, mas com a entidade cuja vontade foi manifestada por ele”.
Pelo princípio da moralidade entende-se que a Administração e seus agentes devem atuar na conformidade de princípios éticos. A medida que a Administração Pública atuar com conduta contrária a estes princípios éticos haverá violação ao próprio Direito, configurando ilicitude que torna a conduta viciada inválida e sujeita a invalidação. O referido princípio compreende em seu âmbito, os chamados princípios da lealdade e boa-fé, sendo que segundo estes, a Administração deverá proceder em relação aos administrados com sinceridade, sendo-lhe vedado qualquer comportamento que coloque em dúvida a obediência a este princípio, seja por configurar-se em ato carregado de astúcia ou malícia, ou editado visando confundir, dificultar ou minimizar o exercício de direitospor parte do cidadão.
Para Maria Sylvia Zanella Di Pietro (2016, p. 110), “sempre que em matéria administrativa se verificar que o comportamento da Administração ou do administrado que com ela se relaciona juridicamente, embora em consonância com a lei, ofende a moral, os bons costumes, as regras de boa administração, os princípios de justiça e de equidade, a ideia comum de honestidade, estará havendo ofensa ao princípio da moralidade administrativa”.
Hely Lopes Meirelles (1999, p. 84) cita Manoel Oliveira Franco Sobrinho para afirmar que a moralidade administrativa está intimamente ligada ao conceito de “bom administrador”, como sendo aquele que, usando de sua competência legal, se determina não só pelos preceitos vigentes, mas também pela moral comum, devendo conhecer as fronteiras do lícito e do ilícito, do justo e do injusto aos seus efeitos. Afirma ainda que a boa administração, refere-se subjetivamente a critérios morais que, de uma maneira ou de outra, dão valor jurídico à vontade psicológica do administrador.
O princípio da publicidade explicita a obrigatoriedade da transparência dos atos da Administração direta ou indireta, para conhecimento, controle e início de seus efeitos, pois sendo a atividade administrativa considerada como decorrência de um mandato da coletividade, nada mais justo que todos possam ter conhecimento de suas manifestações. É evidente que se configurando no desempenho de uma atividade buscando o interesse público, deve a Administração Pública manter a plena transparência em seus comportamentos, pois está estabelecido na Constituição da República, em seu art. 1°, parágrafo único, que o poder reside no povo, de forma que a Administração Pública deverá agir com toda a transparência, não podendo ocultar dos administrados os assuntos que lhes dizem respeito, ainda mais quando afetados por alguma medida dos administradores públicos.
O princípio da publicidade, está contemplado no art. 37 da Constituição, que exige a ampla divulgação dos atos praticados pela Administração Pública, ressalvadas as hipóteses de sigilo previstas em lei, como por exemplo, os relacionados à segurança nacional (art. 5º, XXXIII, da CF).
Finalmente, o princípio da eficiência é um dos deveres da Administração Pública, sendo inclusive, guindado à condição de preceito constitucional, eis que, não dispondo dos interesses públicos deve o agente público realizar suas atribuições com presteza, perfeição e rendimento funcional. Além disso, com rapidez e buscando satisfazer o administrado. Segundo este princípio, não pode o agente público agir apenas observando a legalidade, mas deve agir buscando a satisfação do administrado. Corresponde ao dever de boa administração salientado pela doutrina italiana, e que já se acha consagrado, segundo Bandeira de Mello (2016), pela Reforma Administrativa Federal do Dec.-lei 200/1967, quando submete toda atividade do Executivo ao controle de resultado (arts. 13 e 25, V), fortalece o sistema de mérito (art. 25, VIII), sujeita a Administração indireta a supervisão ministerial quanto à eficiência administrativa (art.
26, III) e recomenda a demissão ou dispensa do servidor comprovadamente ineficiente ou desidioso (art. 100).
O princípio da eficiência impõe ao agente público um modo de atuar que produza resultados favoráveis à consecução dos fins que cabem ao Estado alcançar. Importa acrescentar, que os serviços públicos devem ser rápidos e conduzidos com seriedade administrativa, visando a atender o interesse da coletividade.
Assim, os princípios constitucionais do art. 37 da constituição da República estabelecem as diretrizes de ação administrativa do Estado e são os norteadores em qualquer esfera de ação. Dessa forma, orientarão obrigatoriamente a ação administrativa e são também fundamentos a serem observados no processo administrativo.
A partir de tal núcleo, pode-se abordar rapidamente aquilo que consideramos o núcleo comum dos princípios aplicáveis ao processo administrativo. São os seguintes princípios: da oficialidade, do formalismo moderado, da pluralidade de instâncias, do contraditório e da ampla defesa, da verdade material e da motivação.
O princípio da oficialidade ou do impulso oficial estabelece o dever de instauração de processo administrativo por iniciativa da própria Administração Pública, independentemente de provocação pelo cidadão. Esta possibilidade impõe também o dever legal de impulsionar o andamento do processo, tomando todas as medidas necessárias para que se chegue sem delongas à decisão final.
Embora a Administração seja responsável pelo andamento regular e contínuo do processo independentemente de provocação pelo cidadão ou do servidor, não pode elidir o contraditório e a ampla defesa.
Este princípio dá um caráter abrangente à atuação da Administração Pública no processo, o qual não se limita aos aspectos suscitados pelos sujeitos, em razão do que a própria Administração, tendo conhecimento de algum documento relativo aos fatos, poderá relacioná-lo ao processo, de modo que a juntada de provas e documentos para esclarecimento de fatos e situações não está restrito ao pedido das partes envolvidas e pode ser efetuada de ofício. Diante da inércia dos sujeitos envolvidos (particulares, servidores e órgãos públicos interessados) não ocorre a paralisação do processo, de modo que em caso de providências pedidas e que dependam da juntada de documentos pelo particular a Administração Pública deverá conceder prazo para sua juntada, cuja inobservância implicará no arquivamento do processo.
O princípio do formalismo moderado indica que o processo administrativo, embora tenha alguma formalidade estabelecida em lei, não há tanta rigidez quanto no
processo judicial, já que o que se busca aqui é a melhor decisão da Administração Pública. Assim, embora normalmente se aponte como uma das principais características do processo administrativo o informalismo, também não é adequado entendê-lo de forma absoluta. A formalidade é um meio termo no processo administrativo. O processo administrativo não segue a forma rígida do processo judicial, mas nem por isso se pode ignorar a necessidade de respeito às formalidades sempre que necessárias para resguardar o interesse público ou os direitos do cidadão ou do servidor. Partindo da premissa de que o processo administrativo elenca os elementos e fatos que levem ao convencimento da autoridade administrativa para que tenha mais elementos para chegar a uma determinada decisão, é necessário salientar a necessidade de observação da formalidade por menor que seja, razão pela qual pode-se adotar o entendimento de Odete Medauar (2015) e denominá-lo de princípio do formalismo moderado.
Assim, embora a doutrina o aborde normalmente como princípio do informalismo, ele não significa a ausência de forma, mas formalmente reduzido no sentido de que, primeiramente, deve ser reduzido a escrito e ser documentado, eis que o processo é que vai fundamentar a decisão administrativa. Será informal apenas no sentido de que não está sujeito a formas rígidas, quando a lei não estabelecer sua observância. Quando a lei determinar a observância de um determinado procedimento, sua inobservância conduzirá à nulidade do processo, de modo que o formalismo será obrigatório sempre que a decisão decorrente do processo puder atingir os direitos do cidadão, do servidor ou quando tiver relação direta com a concretização do interesse público.
O princípio do formalismo moderado consiste, na previsão de ritos e formas simples visando garantir um grau de certeza, de segurança, de respeito aos direitos dos sujeitos, ao contraditório e à ampla defesa e na exigência de interpretação flexível e razoável quanto às formas, evitando que estas sejam vistas como o fim em si mesmas, desligadas das verdadeiras finalidades do processo (Medauar, 2015).
Evidente que todas as exigências processuais que têm por finalidade garantir o Direito do cidadão ou do servidor devem ser observadas, sob pena de nulidade. Este princípio vai impedir que minúcias e pormenores não essenciais afastema verdadeira finalidade do processo como é o caso do formalismo exagerado que se observa quando, em uma licitação ocorre a inabilitação ou desclassificação de participantes em decorrência de peculiaridades não essenciais, passíveis de serem supridos ou esclarecidos em diligências. Neste caso a verdadeira finalidade do processo, que é o
confronto do maior número possível de propostas com o fim de aumentar a possibilidade de celebrar contrato adequado ao interesse público, fica em segundo plano, diante da preocupação exagerada com o formalismo processual.
O princípio da pluralidade de instâncias, decorre de previsão constitucional expressa no art. 5°, LV e garante ao cidadão a necessidade de revisão das decisões no âmbito do processo administrativo. Em razão disso, está garantida a possibilidade de recurso administrativo em decorrência de decisão que cause lesão ou ameaça a direito. Este princípio está relacionado ao princípio da autotutela, pelo qual a autoridade competente deve fiscalizar a atuação do agente público em razão do mérito e da legalidade.
Embora alguns doutrinadores separem o contraditório da ampla defesa, preferimos mantê-los unificados em razão de que um é a contraface do outro. O contraditório e a ampla defesa consistem na faculdade de manifestação no processo, argumentando e apresentando provas diante de fatos, documentos ou ponto de vista apresentados por outrem.
Diante das pretensões adversárias, a parte pode reagir diante da possibilidade de realizar todo o tipo de prova que, dentro da legalidade, venha a satisfazer os anseios daquele que está sofrendo algum tipo de acusação.
Como desdobramentos do contraditório, podemos citar a garantia de informação geral e a audiência das partes. Pela garantia de informação geral diz-se que é garantido ao cidadão e à própria Administração Pública, o conhecimento dos fatos que ocasionaram a formação do processo, bem como dos demais documentos e provas produzidos durante o desenrolar do mesmo. Disso decorre o dever da Administração Pública de comunicar aos envolvidos todos os momentos do processo. Decorre, igualmente, o direito de acesso pelo envolvido aos documentos que o compõem. Em razão do contraditório, é vedada a invocação de elementos que não constam do expediente formal, em razão de seu desconhecimento pelos envolvidos e consequente cerceamento de defesa, cuja inobservância gera a nulidade do processo.
Este princípio possibilita, aos interessados, o Direito à vista do processo e à obtenção de certidões ou fotocópias dos dados e documentos que integram o processo, para permitir a ampla defesa. Na audiência das partes, se concretiza a possibilidade de manifestação do ponto de vista dos envolvidos sobre os fatos, documentos e depoimentos juntados ao processo por todos os envolvidos, bem como a oportunidade de realização de provas e manifestações orais ou escritas a serem contrapostas.
Já como desdobramentos da ampla defesa aparece em caráter prévio da defesa, o Direito de interpor recurso administrativo, a defesa técnica, o direito de ser notificado e o direito a produzir provas. A defesa tem caráter prévio em razão da anterioridade da defesa em relação à decisão final, principalmente nos processos administrativos punitivos que podem culminar em sanções impostas ao implicado. O Direito de interpor recurso administrativo tem respaldo no direito de petição previsto constitucionalmente no art. 5°, XXXIV, a, além de ser uma decorrência da própria ampla defesa. O direito a defesa técnica visa garantir o equilíbrio entre os sujeitos ou paridade de meios de defesa, vinculado à plenitude do contraditório; o conhecimento especializado do advogado contribui para a tomada de decisão com respaldo na legalidade e justiça; a presença do advogado evita que o sujeito se deixe guiar por emoções de momento. Fica garantido também o direito a ser notificado do início do processo bem como dos fatos e bases, bem como de todos os atos do processo e ter acesso a eles (vista, cópia ou certidão, por exemplo) visa dar a devida publicidade ao interessado. Integra a ampla defesa o direito de solicitar a produção de provas e vê-las realizadas e consideradas.
O princípio da verdade material está diretamente relacionado à busca da melhor decisão para o caso concreto. Vinculado ao principio da oficialidade, a Administração Pública deve tomar suas decisões com base nos fatos tais como se apresentam na realidade, não se satisfazendo com a versão oferecida pelos sujeitos (Medauar, 2015). Para isso, a Administração tem o dever de trazer de ofício para o processo todos os dados, informações e documentos a respeito da matéria tratada, sem estar presa aos aspectos suscitados pelos sujeitos. Acrescente-se a isso que o surgimento de fatos novos ou circunstâncias relevantes suscetíveis de justificar a inadequação da sanção aplicada, implicará na revisão da decisão.
O princípio da motivação indica que a decisão deve vir fundamentada nos motivos de fato e de Direito que a lastreiam. A motivação, portanto, visa assegurar que a autoridade competente efetivamente tome conhecimento dos fatos e documentos produzidos, analisando-os e aponte aqueles que a levaram a tomar determinada decisão. Além disso, a motivação visa assegurar sua transparência. Garante, ainda, o respeito à legalidade e a garantia de controle posterior sobre a decisão tomada; uma vez motivada, a decisão fica vinculada aos motivos expostos, tal como indica a teoria dos motivos determinantes.
Além dos princípios nominados acima, é possível dizer que outros deverão ser observados. Trata-se de princípios que estão implícitos na Constituição da República e que decorrem do próprio Estado de Direito.
As finalidades do processo administrativo
Os objetivos de observância dos princípios da legalidade do ato administrativo e da garantia de respeito dos direitos dos indivíduos ampliaram-se à medida que modificaram as atribuições do Estado e da Administração Pública, as relações entre o Estado e a sociedade e as próprias concepções do Direito Administrativo. O exercício do poder pelo Estado passa a ser relativizado à medida que entende-se que o poder é desempenhado em prol do interesse das coletividades de pessoas pelo ente estatal. Isso pressupõe a ideia de interesse público a ser satisfeito pelo exercício do poder, o qual se justifica na medida em que atende a esse pressuposto e não como finalidade em si mesmo. A partir da ideia de direitos humanos assegurados em uma Constituição, compreende-se que o poder somente é legitimado se atender ao interesse maior da sociedade. O processo administrativo, portanto, não visa somente a legalidade dos atos administrativos, mas a garantia de respeito aos direitos dos indivíduos. Assim, embora se diga inicialmente que a finalidade do processo administrativo seja a busca da melhor decisão administrativa, é possível considerar que ela se desdobra em distintas finalidades. São as seguintes, segundo Odete Medauar (2015): garantia jurídica do cidadão, melhor conteúdo das decisões, legitimação do poder, correto desempenho da função, justiça na Administração, aproximação entre Administração e cidadãos, sistematização de atuações administrativas e facilitação do controle da Administração.
A garantia jurídica do cidadão ocorre na medida em que o processo administrativo antecede a decisão administrativa possibilitando o diálogo entre o interessado e a Administração, tutelando direitos que a decisão a ser tomada pela Administração pode afetar. A atuação administrativa deve observar determinadas diretrizes estabelecidas em lei, além de observar os princípios constitucionais da Administração Pública. Em outras palavras, significa que os direitos fundamentais do cidadão estabelecidos na Constituição da República são regulamentados em lei e geram a garantia de que a Administração Pública não poderá agir arbitrariamente, de forma negligente ou de má-fé eis que garantidos o direito de contraditório e ampla defesa. Assim, qualquer atuação administrativa tem no processo administrativo, por um lado, uma garantiado cidadão; por outro, limites que a Administração Pública deve respeitar para que a decisão seja legítima.
O melhor conteúdo das decisões é alcançado pois o processo administrativo possibilita que os interessados manifestem-se acerca dos fatos, sejam ouvidos e apresentem argumentos, provas, dados técnicos entre outros aspectos visando esclarecer a situação averiguada no processo para a tomada de decisão. Isso garante maior lisura no desempenho da própria função administrativa de modo que a decisão vem amparada por informações e dados objetivos. Dessa forma, a manifestação unilateral da Administração Pública, com o processo administrativo, cede espaço ao diálogo para que o administrado participe do processo de decisão e esta tenha amparo na legalidade. Assim, o processo administrativo instaura uma nova compreensão da atuação administrativa, de modo que abre-se mão da concepção de uma Administração cuja atuação tem preponderância opressiva e autoritária, estabelecendo uma sujeição da Administração Pública ao possibilitar o necessário procedimento para a posterior decisão.
Ocorre a legitimação do exercício do poder em razão de que ao possibilitar voz à outra parte nas relações jurídicas, as decisões administrativas perdem seu aspecto autoritário. Se ao analisarmos o ato administrativo afirmamos que ele é expressão do poder do Estado e suas características a expressam através da presunção de legalidade, imperatividade, exigibilidade e autoexecutoriedade, podemos relativizar tais características quando mencionamos o processo administrativo. Com o processo administrativo as decisões deixam de ser unilaterais e opressivas, ganham contornos justificáveis a partir das ponderações dos participantes e maior garantia de imparcialidade. “Daí a importância dos momentos de formação da decisão como legitimação do poder em concreto, pois os dados do problema que emergem no processo permitem saber se a solução é correta ou aceitável e se o poder foi exercido de acordo com as finalidades para as quais foi atribuído” (MEDAUAR, 2015, p. 201).
O correto desempenho da função administrativa é alcançado através do debate possibilitado pelo processo administrativo, quando se possibilita, segundo Medauar (2015), a ponderação dos vários interesses, posições jurídicas, argumentos, provas, dados técnicos, para considera-los em cada situação. O processo, portanto, ao gerar a confluência dos interessados ao debate permite que se esclareçam as pretensões da administração pública e se tragam e sistematizem os fundamentos para a própria decisão, de modo que a administração agira com maior certeza e seus agentes estarão desempenhando a função administrativa com maior rigor frente à legislação.
O processo administrativo possibilita maior justiça na administração. Segundo Odete Medauar (2015, p 201), “Há um pensamento que associa justiça exclusivamente ao Poder Judiciário. De modo diverso coloca-se uma postura que atribui também à Administração uma tarefa de justiça. Tal postura importa em mudança das condutas administrativas inertes ou negligentes, movidas por má-fé ou não, no atendimento de direitos de cidadãos ou servidores.” Se considerarmos que à Administração Pública compete a concretização de políticas públicas e que é seu papel concretizar materialmente as competências administrativas do Estado, pode-se dizer que a ela compete fazer justiça. Quando a constituição da República estabelece o dever de garantir cidadania e dignidade da pessoa humana, combater as desigualdades, garantir a saúde e a educação, por exemplo, pode-se afirmar que compete fazer justiça social. Neste viés, o processo administrativo será utilizado para possibilitar a participação social ante a tomada de decisões pela Administração.
A partir deste entendimento pode-se afirmar que o Estado deve primar pela justiça já em sua esfera administrativa, sendo descabido agir com ilegalidade ou abuso de poder para que posteriormente se busque a reforma de suas decisões no Judiciário. Como afirma Medauar (2015), a função administrativa não pode ficar alheia a direitos dos indivíduos, de modo que o processo administrativo pode ser considerado mecanismo que direciona-se à realização da justiça não só pelo contraditório e ampla defesa, vistos do ângulo do indivíduo, mas também por propiciar o sopesamento dos vários interesses envolvidos numa situação.
Por outro lado, o processo administrativo realiza a aproximação entre a Administração Pública e o cidadão à medida que possibilita que este último, individual ou coletivamente, participe do processo de decisão, contribuindo, assim, para a satisfação do interesse público. “Rompe-se, com isso, a ideia de Administração contraposta à sociedade; muda a perspectiva do cidadão visto em contínua posição de defesa contra o poder público. O processo administrativo instrumentaliza as exigências pluralistas do contexto sociopolítico do fim do século XX e início do século XXI e a demanda de democracia na atuação administrativa” (MEDAUAR, 2015, p. 202).
Até recentemente a relação entre administração pública e administrado era uma relação de generosidade, na qual o Estado prestava favores ao cidadão, como demonstra claramente Victor Nunes Leal (2012). “O administrador público, no Estado patrimonial, só ouve alguém para efeitos simbólicos, para mostrar generosidade. Na tradição do coronelismo brasileiro, o coronel, antes de decidir, apenas dirige uma palavra de atenção e carinho àquele que, em seguida, será trucidado sem dó. Ele não ouve, apenas mostra um pouco de condescendência paterna” (SUNDFELD, 2003, s.p.).
O processo administrativo no âmbito da administração possibilita a participação, faz com que os interessados possam dialogar aberta e integralmente, o que ocorre se for assegurado esse direito. É fundamental compreender que o processo administrativo obriga a administração a dialogar no momento em que lhe estabelece tal sujeição: não se trata de uma faculdade da administração, senão um dever, de modo que não é o administrador quem se decide a dialogar com a parte, tal demanda decorre da lei. O processo administrativo abre a possibilidade de um diálogo com os argumentos para que posteriormente a autoridade possa decidir após dialogar com tudo que se passou no processo.
Por sistematização das atuações administrativas pode-se entender a criação de uma memória para a tomada de decisões. Se no passado as políticas públicas não tinham planejamento e decorriam do pensamento individual de alguns administradores, de modo que sequer existem registros das decisões, na atualidade o processo permite que se faça o planejamento, se realize o debate com os interessados e, somente depois, se decide de forma fundamentada. Esse processo permite que se registrem os fatos e as decisões e se tenha claro todo o movimento que desencadeou uma tomada de decisão administrativa, inclusive para que posteriormente se faça o controle e o aprimoramento da atuação administrativa.
Finalmente, o processo administrativo facilita o controle da Administração à medida que, possibilita a adequada motivação da sua decisão com os elementos levantados. Na medida que a Administração Pública indica os fundamentos que alicerçam a decisão possibilitados pela participação conjunta dos administrados, estará facilitado tanto o controle interno como o externo da decisão.
O processo administrativo possibilita maior transparência na administração pública.Vimos que um dos princípios norteadores da ação administrativa é o da publicidade. Ao mesmo tempo que se exige a publicidade dos atos, se quer transparência da atuação administrativa. Tal transparência é concretizada, finalmente, através do processo administrativo quando se possibilita a a participação e se analisam os argumentos que são trazidos a lume. Em uma democracia o exercício do poder não pode ser secreto, deve ser aberto e conhecido do público, critério fundamental para distinguir o Estado constitucional do Estado absoluto.
Um Estado democrático exerce sua função administrativa sob o viés da transparência ou visibilidade, garantindoa publicidade da atuação administrativa. Neste sentido se garantem os direitos dos cidadãos e, em nível mais geral, são asseguradas as condições de legalidade objetiva porque atribui à população o direito de conhecer o modo como a Administração atua e toma suas decisões, possibilitando o controle permanente sobre suas atividades.
O processo administrativo possibilita a decisão que melhor satisfação ao interesse público. A melhor decisão, portanto, vem amparada em um rol de finalidades conjuntas que geram ou possibilitam uma melhor atividade administrativa para atender aos anseios da coletividade, anseios esses que decorrem do próprio bem-estar compreendido nas funções estatais e que são de competência da Administração Pública.
A ideia de processo administrativo nos dá a compreensão de que não se concebe uma administração pública que detenha apenas poder sobre seus administrados. Esse diferencial que nasce com o Estado de direito é uma construção histórica que se fortalece e enfraquece de acordo com os movimentos que a cidadania faz para concretizar seus direitos. Em outras palavras, a ficção legal estabelecida é capaz de dar a esperança de direitos a serem respeitados pelo Estado, ao mesmo tempo em que o jurídico, uma vez enfraquecido, pode deixar de assegurar tais aspectos.
Na atualidade o processo administrativo termina limitando o poder da administração nas suas relações com o cidadão, seja ele um particular, seja ele o próprio servidor público. O fato é que o processo é um instrumento. Como instrumento e considerando sua finalidade de condução às melhores decisões administrativas, ele gera a possibilidade de confiança do administrado nas relações jurídicas administrativas.
Todavia, deve-se considerar que o processo administrativo tem sentido como instrumento administrativo unicamente se ele tiver a capacidade de conduzir a administração às melhores decisões possíveis, sempre resguardando os interesses dos administrados. Não se justifica o processo administrativo se ele for utilizado sem a observância dos princípios fundamentais estabelecidos na Constituição da República, e desprezando os princípios relativos ao direito administrativo. Neste caso, ele pode ser considerado um obstáculo à concretização da cidadania e termina retirando o exercício da função administrativa do papel a ela estabelecido na Constituição da República. Desta forma, deve o processo administrativo ser conduzido de forma a garantir que o exercício da função administrativa tenha como fim último a concretização da cidadania eis que trata-se de uma sujeição da administração pública na concretização do interesse público e satisfação dos interesses da sociedade.
Tipologia do processo administrativo
Os tipos de processo administrativo, considerando o art. 5°, LV da Constituição República, podem ser classificados em processos administrativos em que há controvérsias e processos administrativos em que há acusados segundo Odete Medauar (MEIRELLES; FERREIRA; FONTES apud MEDAUAR, 2015). Os processos
administrativos em que há controvérsias ou conflitos de interesses, subdividem-se em: (a) processos administrativos de gestão: são processos que visam a organização administrativa e a concretização de suas atividades. É o caso das licitações e dos concursos públicos; (b) processos administrativos de outorga: são processos dos quais decorre ao cidadão, a faculdade de exercer alguma atividade material. É o caso do licenciamento de atividade e exercício de direitos, do licenciamento ambiental e do registro de marcas e patentes; (c) processos administrativos de verificação ou determinação: são aqueles que visam à verificação da legalidade ou mérito de determinada atuação administrativa. É o caso da prestação de contas; e (d) processo administrativo de revisão: são processos nos quais o cidadão busca a revisão ou controle de uma decisão administrativa. É o caso dos recursos administrativos e da reclamação de lançamento.
Os processos administrativos em que há acusados, também denominados processos sancionadores ou punitivos, subdividem-se em (a) internos: são os processos disciplinares que ocorrem no âmbito interno da organização administrativa. É o caso dos processos disciplinares nos quais são indiciados servidores ou alunos de escolas públicas; e (b) externos: que visam apurar infrações, desatendimento de normas e a aplicar sanções sobre cidadão que não integra a organização administrativa. Em outras palavras, a decisão do processo tem como parte passiva, terceiro alheio a Administração Pública. É o caso das infrações decorrentes do exercício do poder de polícia, infrações relativas à administração fiscal, aplicação de penalidades a particulares que celebram contratos com a Administração, inclusive concessionários, permissionários e autorizatários e da apuração de infrações contra a ordem econômica.
As fases do processo administrativo
Finalmente, a ideia de processo administrativo nos dá a compreensão de que não existe a possibilidade de tomada imediata de decisão em razão de ele consiste em instrumento para documentar e possibilitar a melhor decisão. Assim, é razoável indicar que ele seja composto por distintas fases, cuja denominação tem variado entre os doutrinadores. De modo bem suscinto são três as fases: a introdutória, a instrutória e a decisória.
A fase introdutória ou inicial, também denominada instauração, é a propulsora inicial do processo e ocorre mediante a nomeação da comissão processante, normalmente por portaria, pela autoridade competente. Embora o processo administrativo possa iniciar de ofício ou por iniciativa de interessados (particulares, individualmente ou em grupo e servidores para pleitear direitos, por exemplo), a petição de terceiros apenas provoca a Administração, a qual deverá instaurar o processo através da nomeação.
A fase instrutória ou preparatória é a fase na qual se colhem todos os elementos de fato e de direito para averiguação e comprovação dos acontecimentos necessários à tomada de decisão pela autoridade competente e na qual são realizadas provas, perícias, exames, formulação de pareceres jurídicos e técnicos, oitiva dos interessados e de testemunhas (se houver) e audiências públicas (se for assunto de interesse geral), quando o interessado poderá juntar documentos e pareceres, requerer diligências e perícias bem como produzir alegações referentes à matéria. É nesta fase que se possibilita o contraditório e a ampla defesa, quando cabível no processo.
A fase decisória é o momento em que a autoridade competente decide o processo com base nos fatos apurados pela comissão processante. Por autoridade competente deve-se entender a autoridade com competência para nomear a comissão.
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2 O PROCESSO ADMINISTRATIVO NO CONTEXTO DA DEMOCRACIA
A sociedade contemporânea vem sofrendo mutações que se deslocam de um Estado de viés mais autoritário para outro no qual são privilegiadas as liberdades individuais e coletivas e no qual o Estado passa a exercer competências mais preocupadas com os indivíduos e, por isso, deve satisfazer os interesses da sociedade. Disso decorrem mudanças nos quadros político-institucionais e científicos de modo que o direito administrativo passa a regular de forma distinta seus institutos. Tais transformações proporcionam o surgimento de novos institutos e interpretações acerca do direito e põem em relevo entendimentos até então pouco estudados.
Por outro lado, a atuação da própria Administração Pública passa a ser repensada para que seja compreendida sob novas balizas, de forma que a própria relação de administração passa a ser entendida de forma distinta ao pensamento tradicional. Na atual reflexão científica, cultural e política sobre problemas da Administração, um dos fulcros da atenção situa-se nas relações entre Administração e administrados.
Deve-se ter clareza de que embora a relação de administração seja uma relação de desigualdade na qual a Administração Pública esteja em posição de superioridade, tal desigualdade não é absoluta e se justifica tão somente para a satisfação dointeresse público. Desta forma, tal desigualdade vem amparada em uma relação na qual estão asseguradas prerrogativas e determinadas sujeições à Administração. Trata-se, portanto, de relação jurídica do indivíduo com a Administração no qual o comportamento geral da Administração em relação a indivíduos ou grupos da sociedade somente é possível, legalmente, para o atendimento do interesse público. Não é possível considerar, portanto, que o direito administrativo seja concebido como um direito autoritário, mas de um direito que visa resguardar os direitos do cidadão frente ao poder do Estado/Administração. O processo administrativo, em consequência, é o instrumento administrativo destinado a amenizar esta face autoritária atribuída a ele.
Nesse contexto se justifica o interesse pelas relações entre Administração e administrados, para não compreendê-las numa tradição de comportamento fechado e refratário de um poder autoritário, mas voltada à cidadania, aos serviços que a Administração deve concretizar aos destinatários da atividade administrativa, destinatários estes que não podem ser concebidos como súditos, mas que devem ser compreendidos como cidadãos. Neste viés partimos da ideia de que a atuação da Administração Pública está pautada no contexto da Constituição da República e deve levar em conta as competências constitucionais estabelecidas para o Estado e seus agentes (BERWIG, 2016), de forma a concretizar os princípios fundamentais da República.
Nesta perspectiva pode-se defender a ideia de que não se aceita mais o uso da arbitrariedade nas relações entre Administração e administrados, de modo que passa a ter foco fundamental o tema da democracia administrativa com preponderância do entendimento de que tais relações devem ser pautadas pelo entendimento. É neste contexto que as decisões administrativas, cada vez mais, passam a depender de instrumentos que garantam a impessoalidade das decisões.
A relação Administração-administrado, a cidadania e a participação
A modernidade marca a distinção nas relações entre o Estado absoluto e seus súditos. Com o Estado de Direito ocorrem mudanças na forma de compreender as relações e o súdito passa à condição de cidadão. Nesse contexto as relações passam a ser denominadas relações de administração nas quais têm espaço a Administração e o administrado, mas deve ser levada em consideração a democracia. O administrado é o cidadão, que passa gradativamente a ter direitos assegurados na ordem constitucional de cada país, os quais passam a ter cada vez maior prestígio diante do poder do Estado. É o caso, por exemplo, da ordem constitucional brasileira, que estabelece os direitos fundamentais do cidadão já no art. 1º, quando estabelece como princípios fundamentais a cidadania e a dignidade da pessoa humana, como nos artigos seguintes da Constituição da República. A presença dos cidadãos nas formações sociais e de seus interesses coletivos na sociedade geram para a Administração o dever de atuar e o direito de participação, que assegurados constituem-se uma das tendências atuais a serem fortalecidas.
A este novo modo de compreender as relações alia-se a compreensão de que a Administração não detém um poder absoluto e deve conduzir suas ações em prol do interesse público, já que, como estabelecido na Constituição da República, todo o poder emana do povo. É nesse contexto que ao direito de participação ganha força em um novo modo de compreender o Estado contemporâneo, refletindo em uma nova forma de exercício da função administrativa. A cidadania gera o direito de participação de forma que há um crescente direito de conhecer as ações estatais e, mais que isso, ter o direito de receber uma prestação de contas sobre as ações desempenhadas pelo Estado e seus agentes, já que o uso do poder justifica-se unicamente para a satisfação do interesse público. Significa que há maior proximidade entre a Administração e o administrado ao mesmo tempo em que surgem novos instrumentos que possibilitam a satisfação dos interesses públicos.
Falar em cidadania e participação repercute na esfera das relações de administração à medida que se fortalece a ideia de interesse público de modo compartilhado com a população, se relativiza o poder da Administração e sua discricionariedade, relativizando a unilateraridade dos atos administrativos e gerando a consensualidade das decisões e a conciliação de interesses.
Sob esse enfoque ganha força a participação dos cidadãos, compreendidos como as pessoas não vinculadas à estrutura administrativa, de modo que se leva em conta a realidade associativa e os interesses coletivos e difusos, estes por vezes assumidos por entes da sociedade. Acima de tudo pode-se dizer que passa a existir um controle social sobre a atuação administrativa, aspecto que passa a ser positivo do ponto de vista do exercício da cidadania.
Processo administrativo, políticas públicas e cidadania
Tradicionalmente se aborda o direito administrativo a partir da relação entre Administração e administrado. Essa é uma leitura que pode ser feita a partir de autores clássicos, mas que demonstra uma mudança de perspectiva do Estado de direito em relação ao Estado absoluto. Esse aspecto não pode ser desconsiderado. Outro aspecto que merece atenção é a evolução da sociedade a partir dessa distinção que coloca o Estado na perspectiva da legalidade e determina sua submissão e de seus agentes ao Direito.
Como afirma Ruy Cirne Lima (2007, p. 106) “Na administração, o dever e a finalidade são predominantes”. “No domínio, a vontade é predominante”. “A relação de administração somente se nos depara, no plano das relações jurídicas, quando a finalidade, que a atividade da administração se propõe, nos aparece defendida e protegida, pela ordem jurídica, contra o próprio agente e contra terceiros.”
Partimos da ideia de que a administração pública deve atuar observando a legalidade e buscando, portanto, a finalidade legal. A administração não satisfaz os interesses do administrador, mas sim os interesses dos destinatários da atuação administrativa, o povo. Esse é o primeiro pressuposto. Para esta concretização há a necessidade de ação impessoal, como oportunamente será exposto e foi abordado ao se mencionar os princípios da administração pública.
Para atender a tais pressupostos ganha força a ideia de processo administrativo como método de acertamento das ações. Uma análise de todo o desenvolvimento administrativo, desde o absolutismo, passando pelo Estado de direito e chegando à democracia participativa, nos mostra que os instrumentos administrativos vão sendo ampliados e aperfeiçoados. A Constituição da República, em 1988, removia velhos traços autoritários que sustentavam a administração tradicional e lançavam fundamentos para a administração democrática. Neste compasso, é que foram lançados os novos institutos que vêm se fortalecendo e ganhando força para a construção de uma sociedade que, nos termos do art. 3º da Constituição da República, tem por objetivos fundamentais da República I) construir uma sociedade livre, justa e solidária; II) garantir o desenvolvimento nacional; III) erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais; e IV) promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação. (BRASIL, 2018a). Tais objetivos se fazem concretos a partir de políticas públicas e observando a cidadania e a dignidade da pessoa humana que estão estabelecidos como fundamentos do Estado Democrático de Direito no seu art. 1º (BRASIL, 2018a). Compreende-se, portanto, que não mais se trata de uma administração estatal que outorgue benesses a seu povo, mas que a ordem constitucional possibilita a participação efetiva do povo na condução de seu destino.
Essa condução impessoal e participativa no destino da nação requer instrumentos que possibilitem a participação popular e que, de certa forma, informem a atuação administrativa para atender os anseios da população. É por esta razão que se pode falar em processoadministrativo aliado a políticas públicas e cidadania. A Constituição da República firma este entendimento ao colocar seus fundamentos e possibilita a construção de caminhos para sua concretização. À atuação administrativa, finalmente, compete concretizar os instrumentos para que se concretizem as finalidades. Assim, pode-se afirmar que o processo administrativo consiste no caminho para a tomada de decisões que atendam aos anseios da coletividade, sem nunca confundí-lo com o processo judicial.
Parte-se, assim, da ideia que na democracia participativa é relevante ouvir as partes envolvidas. O processo administrativo é instrumento da Administração Pública democrática e de criação de políticas públicas. A partir dele reconhece-se que a Administração deve fazer processos para formular as mais adequadas decisões a respeito do interesse público deixando de lado seu viés autoritário.
O processo administrativo apresenta inúmeras vantagens na tomada de decisões. Inicialmente, pode-se afirmar que ele conduz à decisão mais adequada em determinado contexto e sua fundamentação. Em segundo lugar, pode-se mencionar que ele possibilita a documentação e o conhecimento das deliberações que conduziram a implantação de determinadas políticas públicas e decisões da administração, de forma que delimita historicamente o surgimento e a implantação de políticas públicas.
Esse aspecto de oitiva das partes, entretanto, é ampliado na medida que o processo administrativo possibilita a ampliação do espaço de deliberação ao incluir a possibilidade de participação mais ampla dos interessados no assunto em debate: a audiência pública e a consulta pública. Tais aspectos repercutem nos processos decisórios por possibilitarem a manifestação participativa fortalecendo a impessoalidade da administração. Tal modelo, que está atualmente previsto na Lei nº 9.784/1999, no âmbito da administração federal, é reproduzido em vários processos previstos em leis específicas e amplia, assim, a participação popular nas decisões administrativas.
O poder político em mãos da burocracia
O processo administrativo traz implícita a ideia de organização e planejamento da atuação administrativa. A Administração Pública deve atuar para concretizar competências que levem à satisfação dos interesses públicos. Neste sentido, nem sempre poderá tomar imediatamente as decisões, devendo primeiro instruir com informações para posteriormente decidir. Significa que desde as decisões complexas ou mesmo para realizar as tarefas do dia-a-dia, é relevante que se fale em processo e procedimento administrativo.
Uma visão histórica de Estado demonstra que a Administração Pública vem evoluindo e transformando suas relações com os administrados. A Administração contemporânea, baseada no conceito de burocracia, representa uma evolução na disposição dos poderes conferidos ao Estado, em especial pela segurança constitucional que dá aos cidadãos.
A Administração burocrática se opõe ao modelo anterior, o da Administração patrimonial, isto é, aquela na qual os negócios públicos estão ligados à propriedade ou patrimônio. O Brasil do início do século XIX claramente nos mostra tal concepção de administração. Os municípios, em especial, revelam a grande ligação principalmente entre os latifúndios rurais e o exercício do poder político: há uma verdadeira confusão entre poder político e propriedade, aspecto que pode ser analisado na obra Coronelismo, enxada e voto, de Victor Nunes Leal (2012). Quem exercia o poder político concretamente detinha o poder econômico, isto é, a propriedade.
Além destes, outros grupos de “status”, sem serem proprietários, também exerciam o poder a título permanente sem vinculação com as várias camadas sociais. A ideia de Administração Pública profissional, como corpo de burocratas, é recente. Nesta, o exercício do poder é compreendido como função pública e, por consequência é exercício por conta de outrem em razão do que deve ocorrer a prestação de contas à coletividade. É neste sentido que se compreende que a atividade administrativa é espécie da função pública, a função administrativa, transparecendo o burocrata como a figura de alguém obrigado a exercer o poder impessoalmente, que maneja uma competência que não lhe pertence, que não é sua propriedade, mas a decorrência de uma atribuição social que está estabelecida na legislação.
Este conceito de Administração Pública é possível com o nascimento do Estado de Direito, ou seja, a partir das revoluções do século XIX. Em termos práticos, no Brasil, nasce tardiamente. Pode-se dizer que o Brasil inaugura uma administração burocrática apenas com o Estado Novo, de Getúlio Vargas, em 1930
A processualidade a serviço da concretização dos interesses públicos
Na atualidade a Administração Pública assume compromissos com a ideia ainda não totalmente aceita no Brasil de que recebe constitucionalmente poderes e deveres para a satisfação do interesse público que, em última instância, é o interesse dos cidadãos na coletividade. Existe a certeza de que a estrutura estatal não pode ser utilizada para a satisfação de interesses privados dos detentores do poder, de forma que quem administra desempenha função visando satisfazer os interesses que não são seus, mas da sociedade como um todo. É por esta razão que o administrador deve agir dentro de uma ética administrativa e conduzir-se por preceitos visando atender aos anseios dos cidadãos, já que o administrador não é proprietário da coisa pública. Por esta razão pode-se afirmar que ao administrador compete administrar os interesses gerais da coletividade, os quais não são seus próprios interesses patrimoniais privados, mas interesses de uma sociedade.
No século XX verificamos que a Administração Pública brasileira passa de um perfil patrimonialista para o burocrático e, ao final do século, tende a uma nova investida para uma feição gerencial. Todavia continua a Administração Pública na sua feição burocrática, a qual tem na formalidade a forma de atuação e controle de suas ações.
No contexto de uma Administração Pública que tem a incumbência de agir para concretizar o interesse público e tomar as melhores decisões administrativas, ganha força o processo administrativo. Ele é fundamental quando se quer decisões que sejam lastreadas por fundamentos que as fortaleçam. Trata-se de
[...] um instituto criado em decorrência da noção de Administração Pública burocrática, cuja atuação é independente da vida privada de cada um dos burocratas, que cuidam de interesses que não são os seus pessoais. Quem atua assim, quem é burocrata neste sentido Weberiano, precisa de um método de ação que evite a contaminação, que impeça os interesses privados de contaminarem os atos praticados no exercício do poder burocrático. Essa é a grande razão da existência do mecanismo sofisticado a que damos o nome de processo administrativo (SUNDFELD, 2003, s.p.).
Nesse contexto fica clara a distinção entre a estrutura estatal e o interesse privado dos ocupantes de cargos públicos. Na atuação administrativa, fica evidente a necessidade de observância dos princípios norteadores da Administração Pública elencados no art. 37 da Constituição da República e anteriormente mencionados. Sendo o agente público apenas o exercente de uma função, deve ele agir tendo por norte, entre
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outros, o princípio da impessoalidade. Isso porque o agente público exerce função pública e, neste contexto, tem a incumbência de exercer suas atividades com impessoalidade e visando atender aos interesses da coletividade, aos quais já denominamos interesse público. É, como afirma Sundfeld, uma
[...] tentativa de impedir que os agentes administrativos, colocados no corpo do Estado para realizar interesses impessoais, desvirtuem sua ação e misturem os atos públicos com seus interesses pessoais ou com sua visão privada. Deseja-se que o agente público seja instrumento da realização de interesses que transcendem a ele e, para viabilizá-lo, imaginou-se trazer da vida judicial este mecanismo: o processo (SUNDFELD, 2003, s.p.).
O princípioda impessoalidade ganha relevância no processo administrativo em razão de que ele termina despersonalizando as relações entre Administração e administrado. Ele despersonaliza quem decide e transforma o processo em instrumento apto a concretizar os interesses mais elevados, os interesses públicos, impedindo que a decisão política seja contaminada por interesses pessoais. É por isso que se pode falar em caráter meramente instrumental do processo administrativo, já que ele é apenas um instrumento posto à disposição da Administração Pública para que ela atue de acordo com os preceitos constitucionais e legais a que se submete.
Em tese, o processo termina possibilitando que as decisões sejam tomadas com cautela e observando fundamentos de observância obrigatória para a Administração. Os interesses privados são vedados dentro da esfera estatal e como reflexo da processualidade deixam de serem perseguidos para que se concretize efetivamente o interesse público.
A perspectiva jurídica que estabelece a processualidade no âmbito das decisões da Administração Pública termina por construir o instrumento de decisão, como acima foi mencionado. A questão difícil de ser entendida normalmente refere-se à distinção entre interesse público e interesse privado. Deve-se levar em consideração a ideia de múnus público que é assumido por aquele que ingressa no âmbito da Administração. A ordem jurídica, claramente dispõe que o agente público está a serviço da coletividade e assim deve agir. É neste contexto que devemos entender que o ordenamento jurídico estabelece um conjunto de instrumentos para que o administrador tenha a possibilidade de que suas condutas se guiem pelos princípios estabelecidos para que concretize as competências funcionais da Administração e, observando a impessoalidade juntamente com outros preceitos, concretize o interesse público.
Processo: entre a legalidade e a democracia
Vimos que temos dois aspectos que devem ser analisados para a compreensão do processo administrativo. Por um lado, é necessário considerar o Estado de direito como o Estado que se submete à ordem jurídica. O Estado é composto de uma estrutura que deve atender aos conclamos da sociedade. Por outro, deve-se considerar que além de se submeter ao Direito, o Estado deve satisfazer aos interesses da sociedade atendendo e garantindo a participação dos integrantes do corpo social. É por esta razão que podemos falar em legalidade e democracia.
A partir desse entendimento e considerando que o administrador público é gestor de interesses do público, ou seja, interesses que transcendem a seu âmbito privado, surge o dever de atuar para que suas decisões tenham por objetivo realizá-los.
É nessa perspectiva que a Constituição da República deve ser sempre considerada cabendo ao administrador saber como implementar tais intenções. A Constituição da República cria o Estado Democrático de Direito e configura as diretrizes para sua realização, seja estabelecendo a distribuição de competências estruturais, seja garantindo a instituição legal de instrumentos para a sua concretização. Pode-se dizer que a resposta constitucional ao desafio de concretização deste Estado, na face administrativa, é o uso de processos administrativos, principalmente para que se garanta a participação nas decisões administrativas. Assim pode-se considerar o processo administrativo o mecanismo para a realização da Administração Pública impessoal.
Para o Direito Administrativo, o processo também é um meio técnico de realização concreta das opções abstratas das leis. Se a lei tributária, com grande objetividade, criou uma hipótese de incidência, uma base impunível e uma alíquota, isto é, disciplinou completamente tudo o que interessa para a tributação, é evidentemente necessário que, nos casos concretos, a Administração Pública verifique se se deu ou não a situação descrita abstratamente pela norma. Para isso, ela precisa agir de acordo com algum método, representado pelo processo. O processo tributário é o método por meio do qual a Administração Pública realiza a identificação, no mundo fenomênico, das abstrações que estão na lei. Nesses casos, o processo tributário é método para identificar concretamente coisas que preexistem, porque neles o administrador público tem poder vinculado e o processo simplesmente permite a aplicação da lei. (SUNDFELD, 2003, s.p.).
Essa é uma das aplicações do processo administrativo, mas não se resume a isso. O processo administrativo, como já se mencionou, está distribuído na Administração pública, sendo veículo para a materialização das competências através da produção de decisões que não estão antecipadamente dadas.
O devido processo legal e a validade dos atos administrativos
Salientamos desde o início que a atuação administrativa do Estado deve estar balizada pelos princípios estatuídos no art. 37 da constituição da República. Considerando que a manifestação da Administração ocorre através de atos jurídicos e ações materiais, é possível afirmar que tais condutas deverão sempre estar referendadas pela legalidade da ação administrativa. Significa dizer que toda e qualquer ação administrativa no Estado de direito estará condicionada à revisão de legalidade e somente poderão perdurar aquelas que forem válidas. Esse entendimento é decorrência do princípio do devido processo legal.
A Constituição da República, no inciso LV do art. 5º, já foi mencionado no início da exposição, assegurou que “aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e a ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes”. Trata-se do princípio do devido processo legal, pelo qual os atos da Administração Pública dependerão de processo administrativo sendo assegurado o contraditório e a ampla defesa. Nesse contexto, verifica-se que o processo administrativo passa a ser uma necessidade da Administração Pública ao mesmo tempo que pode ser entendido como uma exigência do ordenamento jurídico brasileiro, já que diante da inapropriação dos interesses públicos deve agir com impessoalidade. Deve-se, portanto, ter clareza de que as decisões administrativas que repercutem na esfera social não podem ser tomadas ao livre arbítrio dos agentes públicos mas devem vir acompanhadas dos fundamentos que alicerçam tais decisões. Para que isso seja possível nada melhor do que a processualidade como o instrumento para fundamentar adequadamente tais decisões.
Não é recente o entendimento do Supremo Tribunal Federal sobre o poder que tem a Administração Pública de anular seus próprios atos. Trata-se da Súmula nº 473, segundo a qual, “a Administração pode anular seus próprios atos, quando eivados de vícios que os tornam ilegais, porque deles não se originam direitos; ou revogá-los, por motivo de conveniência ou oportunidade, respeitados os direitos adquiridos, e ressalvada, em todos os casos, a apreciação judicial”. Depois da Constituição de 1988, entretanto, deve-se entender que tal poder será exercido desde que observados os princípios constitucionais que já mencionamos e, portanto, deve ser observado o devido processo legal. Significa que permenece o poder-dever de anular os atos administrativos inválidos, mas sempre observando que deverá se adotar o devido processo legal com os recursos a ele inerentes: é o espaço do processo administrativo.
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3 O PROCESSO ADMINISTRATIVO NA LEI Nº 9.784/1999
A Lei nº 9.784/1999, no âmbito federal, estabelece normas básicas sobre o processo administrativo no âmbito da Administração federal direta e indireta e dos órgãos dos poderes Legislativo e Judiciário da União, quando no desempenho de função administrativa, visando, em especial, à proteção dos direitos dos administrados e ao melhor cumprimento dos fins da Administração. Para os fins desta lei, considera-se: órgão, a unidade de atuação integrante da estrutura da Administração direta e da estrutura da Administração indireta; entidade, a unidade de atuação dotada de personalidade jurídica; e, autoridade - o servidor ou agente público dotado

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