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1 TRANSTORNOS DA INFÂNCIA E DA ADOLESCÊNCIA 2 NOSSA HISTÓRIA A nossa história inicia com a realização do sonho de um grupo de empresários, em atender à crescente demanda de alunos para cursos de Graduação e Pós-Graduação. Com isso foi criado a nossa instituição, como entidade oferecendo serviços educacionais em nível superior. A instituição tem por objetivo formar diplomados nas diferentes áreas de conhecimento, aptos para a inserção em setores profissionais e para a participação no desenvolvimento da sociedade brasileira, e colaborar na sua formação contínua. Além de promover a divulgação de conhecimentos culturais, científicos e técnicos que constituem patrimônio da humanidade e comunicar o saber através do ensino, de publicação ou outras normas de comunicação. A nossa missão é oferecer qualidade em conhecimento e cultura de forma confiável e eficiente para que o aluno tenha oportunidade de construir uma base profissional e ética. Dessa forma, conquistando o espaço de uma das instituições modelo no país na oferta de cursos, primando sempre pela inovação tecnológica, excelência no atendimento e valor do serviço oferecido. 3 Sumário ............................................................................................................... 1 TRANSTORNOS DA INFÂNCIA E DA ADOLESCÊNCIA ....................... 1 NOSSA HISTÓRIA ................................................................................. 2 Transtornos de humor na infância e na adolescência ............................. 4 Transtorno depressivo ........................................................................ 4 Transtorno bipolar ............................................................................... 8 Transtornos de Ansiedade (TA) ........................................................ 12 Transtorno de Déficit de Atenção/Hiperatividade (TDAH) ................. 14 Crianças e adolescentes com deficiência mental e/ou transtorno mental .................................................................................................................... 16 Dimensionando a deficiência mental e/ou o transtorno mental em crianças e adolescentes .............................................................................. 17 REFERÊNCIAS .................................................................................... 26 file://192.168.0.2/E$/Pedagogico/Controle%20-%20Cursos/POSTAGEM/SAÚDE%20E%20BEM-ESTAR/SAUDE%20MENTAL/TRANSTORNOS%20DA%20INFÂNCIA%20E%20DA%20ADOLESCÊNCIA/TRANSTORNOS%20DA%20INFÂNCIA%20E%20DA%20ADOLESCÊNCIA.docx%23_Toc63345665 4 Transtornos de humor na infância e na adolescência O reconhecimento de que os transtornos mentais resultam de interações entre aspectos biológicos e ambientais que ocorrem ao longo do desenvolvimento baliza a relevância das apresentações clínicas durante a infância e adolescência. A prevalência de transtornos mentais na infância é em torno de 10% e hoje sabe-se que mais da metade dos transtornos mentais em adultos iniciam na infância ou na adolescência. Apesar disso, grande parte das crianças e adolescentes com alterações comportamentais permanece não diagnosticada. A não identificação dos transtornos mentais na infância e adolescência acarreta a perda de preciosa oportunidade terapêutica nas fases precoces do processo psicopatológico. O presente artigo tem por objetivo prover uma atualização em transtornos de humor em crianças e adolescentes. Para tanto, abordaremos aspectos específicos de desenvolvimento nos transtornos de humor enfatizando como a identificação precoce e a terapêutica adequada podem potencialmente modificar alterações a longo prazo. Deteremo-nos na abordagem do transtorno depressivo e do transtorno de humor bipolar na infância e na adolescência. Os transtornos de humor são frequentemente associados ao aumento da morbidade psicossocial e da mortalidade. Sua identificação precoce e seu efetivo tratamento tendem a reduzir seu impacto no ambiente familiar, social e acadêmico das crianças e dos adolescentes, além de reduzir o risco de suicídio, do uso de substâncias e da persistência do transtorno durante a vida adulta. Transtorno depressivo O transtorno depressivo acomete 5% das crianças em idade escolar, sem diferenças significativas entre os gêneros. A prevalência aumenta para 4-9% durante a adolescência, na pós-puberdade, com progressiva predominância do sexo feminino. Ainda sem completo esclarecimento, o aumento do acometimento no sexo feminino ao final da puberdade (2:1) pode estar relacionado às 5 modificações hormonais características desse período, o que aumentaria a sensibilidade aos estressores ambientais6. Nas meninas a puberdade ocorre acompanhada de aumento de peso e de gordura corporal, o que modifica abruptamente a imagem corporal, deixando-as mais vulneráveis em um período que coincide com aumento da demanda social. Assim, a formação da imagem corporal que emerge após a puberdade parece contribuir para elevadas taxas de depressão em meninas pós-púberes. Evidências sugerindo que a puberdade precoce aumenta o risco para sintomas depressivos validam a hipótese de que modificações sociais, biológicas e psicológicas que ocorrem durante a maturação sexual estão envolvidas na etiologia e no aumento da prevalência de depressão durante a adolescência9.Por exemplo, durante a adolescência, o risco cumulativo para ocorrência de depressão aumenta entre 5 e 20%. A apresentação clínica do transtorno depressivo durante a infância e adolescência é variada, o que torna o processo diagnóstico complexo. Para que seja aventada a hipótese de transtorno depressivo maior, a criança ou o adolescente deve apresentar pelo menos duas semanas de alterações persistentes no humor, manifestadas por humor deprimido e/ou irritável ou perda de interesse. Sintomas associados incluem: sentimentos de desvalia, aumento ou redução do apetite ou do peso, insônia ou hipersonia, decréscimo da atividade, diminuição da concentração e da energia, pensamentos recorrentes de morte ou ideação suicida. Crianças tendem a ter menos sintomas melancólicos, desilusões e tentativas de suicídios que adultos deprimidos, mas são mais propensas a sintomas somáticos. Além disso, a irritabilidade, o mau humor e as reações intempestivas de agressividade fazem comumente parte do quadro clínico nessa faixa etária. Importante lembrar que o transtorno depressivo maior é uma síndrome e por isso inclui, além da mudança do humor (deprimido), sintomas associados que, juntos, formam o quadro clínico. Em crianças e adolescentes é importante que se investigue se os sintomas descritos são de intensidade suficiente para causar prejuízo em casa, na escola ou com os amigos. Os sintomas depressivos podem se apresentar com redução abrupta do rendimento escolar, na atenção, além de prejuízos nas relações sociais. Logo, a presença de uma alteração no padrão de funcionamento da criança é um parâmetro sugestivo de um quadro depressivo. Não é incomum o relato de 6 alterações do comportamento apenas no ambiente familiar, mas sem prejuízo na escola ou no padrão de amizades. Nessas situações, faz-se necessária a mensuração da intensidade dos sintomas e principalmente a busca ativa de aspectos familiares que possam estar influenciando especificamente no aparecimento dos sintomas. No intuito de auxiliar no diagnóstico, além de uma detalhada anamnese, contamos com instrumentos psicométricos reconhecidos internacionalmente e validados no Brasil que auxiliam e norteiam o processo diagnóstico. Alguns exemplos: Children´s Depression Rating Scale (CDRS), Children´s Depression Inventory (CDI) e Kutcher Adolescent Depression Scale (KADS). O uso de escalas para mensuração dos sintomas tem se tornado cada vez mais recorrente e tem por objetivo tornar a avaliação clínica mais objetiva. Entretanto, o processo diagnóstico não deve ser baseado em escores de escalas diagnósticas. Pelo contrário, as escalas complementam o pensamento diagnóstico, que deve compreender, além do checklist de sintomas, o entendimento do padrão de funcionamento basal do indivíduo e como os sintomas interferem nesse funcionamento. Não obstante, a avaliação clínica criteriosa inclui o entendimento da história familiar, incluindo a presença de transtornos de humor nos pais que, além da óbvia contribuição genética, potencialmente alterem o ambiente e a interação familiar, predispondo o desenvolvimento de sintomas nos filhos. É fundamental o esclarecimento de sintomas de humor, tanto nos pais quanto nos filhos, sua duração e o significado desses sintomas naquela determinada família. Uma vez realizado o diagnóstico, deve-se estar atento às possíveis comorbidades associadas. A presença de transtornos associados (comorbidades) é a regra em psiquiatria da infância e da adolescência. Aproximadamente 40 a 90% dos jovens com transtorno depressivo podem ter outros transtornos, e mais de 50% têm duas ou mais comorbidades diagnósticas. As comorbidades mais comuns ao transtorno depressivo são os transtornos de ansiedade, transtornos disruptivos (Transtorno de Oposição e Desafio e Transtorno de Conduta), Transtorno de Déficit de Atenção e de Hiperatividade (TDAH) e, nos adolescentes, transtornos de uso de substâncias. A avaliação detalhada do desenvolvimento pré-mórbido auxilia no entendimento dos transtornos associados, pois geralmente as comorbidades precedem o início dos sintomas depressivos, sendo a ansiedade o mais comum deles3. Por exemplo, 7 crianças com história de ansiedade de separação apresentam risco aumentado para o desenvolvimento de sintomas depressivos na adolescência. Em relação ao TDAH, existe uma história de sintomas, frequentemente desde a pré-escola, de hiperatividade, de desatenção e de impulsividade, e os sintomas depressivos podem intensificar sintomas preexistentes. É importante que o plano terapêutico inclua as comorbidades, pois a interação entre eles pode impossibilitar a melhora do quadro depressivo. No processo diagnóstico para transtornos depressivos, além da avaliação criteriosa dos sintomas depressivos e dos transtornos associados na criança, a investigação da presença de depressão nos pais/cuidadores é fundamental. As taxas de diagnóstico de depressão e de ansiedade em filhos de pais depressivos aumentam marcadamente (para avaliação de episódio depressivo bipolar, vide próxima seção). Depressão parental pode se manifestar como dificuldade em estabelecer rotinas para a criança na alimentação, no sono e na colocação de limites, visitas frequentes a médicos, pouca estimulação motora, além da indisponibilidade afetiva. Mães deprimidas tendem a observar de forma aumentada os sintomas nos filhos, o que pode estar associado à sintomatologia da mãe, e não propriamente à da criança. Frente à ampla gama de sintomas e de repercussões a serem observados não só nas crianças e nos adolescentes, como também nos pais/cuidadores, o plano terapêutico precisa abranger intervenções amplas e complementares. Psicoeducação, suporte familiar, contato com a escola, além das intervenções diretamente instituídas aos pacientes devem fazer parte do tratamento. Mesmo que não envolva terapia familiar, dificilmente o sucesso do tratamento de uma criança ou um adolescente é atingido sem o envolvimento intenso de seus pais/cuidadores. O adequado manejo das mães com depressão também é considerado um dos pilares do tratamento, pois está associado a uma menor incidência de diagnósticos psiquiátricos e melhor resposta ao tratamento com TCC em crianças, reforçando a necessidade de intervenções diretas aos cuidadores. Em jovens com quadro depressivo leve ou moderado, com moderada redução psicossocial e ausência de psicose ou de risco de suicídio clinicamente significante, pode-se iniciar o tratamento com psicoeducação, suporte e manejo dos estressores ambientais na família e na escola. Faz-se necessário observar 8 a resposta desse tipo de manejo após 4 a 6 semanas para avaliar êxito ou necessidade de outro tipo de intervenção. Naqueles com episódios depressivos mais severos, frequentemente é necessário tratamento medicamentoso associado a psicoterapia. As técnicas psicoterapêuticas que mais têm evidência de eficácia em crianças e adolescentes são a TCC (terapia cognitivo-comportamental) e a TIP (terapia interpessoal). A TCC parece prevenir novos episódios, com uma redução de 6 vezes no risco de recorrência nos primeiros 6 meses. A psicoterapia psicodinâmica também tem sido empregada, apesar da ausência de pesquisas empíricas avaliando esse tipo de intervenção. As únicas drogas aprovadas pelo Federal Drug Administration (FDA) para o tratamento de depressão em crianças são a Fluoxetina (a partir de 8 anos de idade) e o Escitalopram (após os 12 anos). Importante lembrar que, apesar do uso frequente na prática clínica, a Sertralina só é aprovada pelo FDA para TOC (Transtorno Obsessivo-Compulsivo) em crianças e adolescentes. OTADS (Treatmentof Adolescent Depression Study) demonstrou que a combinação TCC + Fluoxetina parece ser a melhor combinação em comparação com outras intervenções quando avaliadas redução da ideação suicida, recuperação funcional e proporção de remissões. Mesmo com a avaliação diagnóstica e tratamentos adequados, os transtornos depressivos em crianças e adolescentes tendem a ser recorrentes. A probabilidade de recorrência alcança 20 a 60% após 1-2 anos da remissão dos sintomas e pode chegar a 70% após 5 anos. Transtorno bipolar O transtorno bipolar em crianças e adolescentes tem sido foco de controvérsia tanto no meio acadêmico como no clínico. Embora a presença de transtorno bipolar na infância e principalmente na adolescência seja incontestável (cerca de 60% dos adultos com o diagnóstico iniciam sintomas antes dos 18 anos31), a forma de como o diagnóstico é feito em etapas iniciais do desenvolvimento segue sendo foco de discussão. Aumentos alarmantes nas taxas de prevalência do diagnóstico geraram incredulidade e questionamento 9 em relação aos critérios utilizados nessa faixa etária, principalmente em relação ao papel da irritabilidade. Nos últimos 20 anos, houve um aumento de 500% no diagnóstico da doença em crianças e adolescentes nos Estados Unidos. Um exame minucioso desses indivíduos revelou que, em grande parte deles, o diagnóstico de transtorno bipolar estava sendo baseado em dois aspectos: curso crônico dos sintomas e irritabilidade. De fato, acreditava-se que o transtorno bipolar em crianças e em adolescentes se apresentava principalmente com irritabilidade crônica. Entretanto, estudos evidenciaram que irritabilidade crônica e episódica seguem trajetórias distintas: sintomas episódicos estão associados com mania e com transtorno bipolar, enquanto aqueles crônicos estão associados com depressão unipolar e com ansiedade. A diferenciação entre irritabilidade crônica e episódica clarificou a controvérsia acerca da fenomenologia do transtorno bipolar em jovens; além disso, proporcionou o entendimento das altas taxas de diagnóstico, já que indivíduos com sintomatologia crônica vinham recebendo o diagnóstico. Um diagnóstico específico para irritabilidade crônica foi criado, o Disruptive Mood Dysregulation Disorder (DMDD), e hoje faz parte do manual diagnóstico DSM-535. Atualmente, entende-se que o transtorno bipolar em crianças e adolescentes apresenta-se clinicamente de forma semelhante aos adultos, ou seja, com episódios claros de alteração do humor (mania ou depressão) e de alteração do funcionamento basal. Os episódios de mania são caracterizados por humor eufórico, aceleração do pensamento, diminuição da necessidade de sono, aumento de energia, verborragia, distração, grandiosidade, hipersexualidade, aumento de atividades prazerosas e agitação psicomotora. São necessários 4 dias para o diagnóstico de hipomania e 7 dias para o diagnóstico de mania. Assim como nos transtornos depressivos, o episódio de mania abrange sintomas concomitantes à elevação do humor; dentre esses, a grandiosidade é o sintoma mais comumente encontrado em indivíduos menores de 18 anos. É importante salientar que os episódios de mania são extremamente raros na infância. Um estudo epidemiológico em crianças pré-púberes, conduzido nos EUA, encontrou uma prevalência estimada de 0,1% de hipomania e nenhum caso de mania em crianças entre 9 e 13 anos de idade. Em adolescentes a prevalência é de cerca de 1%. 10 Durante o processo de avaliação e de diagnóstico do transtorno bipolar, a história clínica fornecida por uma detalhada anamnese permanece como principal instrumento diagnóstico. É indispensável a investigação ativa acerca da episodicidade dos sintomas: “É possível determinar quando os sintomas começaram?” “Têm havido alterações comportamentais significantes relacionadas ao comportamento basal da criança?” “As alterações ocorreram em resposta a algum evento?” “É possível distinguir claramente um episódio de humor e seus sintomas associados?”. No caso de episodicidade confirmada, uma apropriada avaliação para transtorno bipolar deve ser realizada. Do contrário, se a irritabilidade é considerada crônica, a investigação clínica deve direcionar-se a diagnósticos baseados na desregulação emocional38, dentre eles DMDD. Além disso, a investigação da episodicidade dos sintomas da apresentação é útil na diferenciação entre transtorno bipolar e TDAH, já que o último tem curso crônico e aparecimento precoce. O diagnóstico diferencial com TDAH é fundamental, já que o tratamento varia. Lembrando que indivíduos com TDAH frequentemente apresentam irritabilidade e labilidade emocional como parte do quadro clínico, que não configura transtorno bipolar. Outro aspecto a ser considerado se refere à depressão como primeiro sintoma na manifestação do transtorno bipolar. Quanto mais cedo ocorre a depressão, maior a chance da ocorrência de episódios de mania subsequentes. Alguns autores acreditam que 20 a 30% dos casos de depressão de início precoce desenvolverão episódios de mania, e outros sugerem que grande parte das crianças deprimidas evolui para transtorno bipolar. Deve-se estar atento a alguns sinais depressivos que são considerados preditivos e de risco para subsequentes episódios de mania em crianças e adolescentes: início muito precoce (<13 anos), alternância de retardo psicomotor com agitação, presença de sintomas psicóticos e, principalmente, história familiar positiva de transtorno bipolar. Uma vez realizado o diagnóstico de transtorno bipolar, o tratamento farmacológico é mandatório na população pediátrica tanto para manejo da fase aguda quanto para a prevenção de recorrências. Em crianças e adolescentes, o FDA aprova o uso de Aripiprazol, Quetiapina, Risperidona e Lítio, enquanto Olanzapina é aprovada somente para adolescentes. Antipsicóticos atípicos tem melhor eficácia e tolerabilidade quando comparados com anticonvulsivantes e 11 com o Lítio (tamanho de efeito de antipsicóticos atípicos 0.65, CI 0.53 to 0.78 vs. anticonvulsivantes e Lítio 0.24, 95% CI 0.06 to 0.41). Não há drogas aprovadas pelo FDA para depressão bipolar em crianças e adolescentes. As usadas na depressão bipolar adulta são comumente usadas para essa faixa etária. Quetiapina parece ser uma boa alternativa para adolescentes. Lítio e Lamotrigina são alternativas, e o tratamento adjunto com Inibidores Seletivos da Recaptação de Serotonina (ISRS) pode ser considerado com cautela. Além do tratamento farmacológico, os estudos têm mostrado resultados positivos na terapia cognitivo-comportamental para redução dos sintomas na depressão bipolar. Outras intervenções eficazes se relacionam à psicoeducação para pais e crianças e à terapia de família. A ligação entre agressividade e dinâmica familiar negativa segue uma via bidirecional bem documentada. O relacionamento da família é afetado quando a criança exibe comportamentos agressivos, assim como a comunicação familiar empobrecida pode aumentar a sintomatologia da criança. Por essa razão, a participação da família no tratamento é importante ferramenta a ser considerada. O ambiente familiar de crianças e de adolescentes com transtorno bipolar é caracterizado por maior conflito e hostilidade, por menor cordialidade, coesão e adaptabilidade que o ambiente familiar de adolescentes saudáveis. A agressividade contribui para uma pior qualidade do funcionamento familiar; logo, a intervenção em comportamentos agressivos pode contribuir para a estabilização tanto dos pacientes quanto dos pais. Tem-se observado que os transtornos do humor na infância e na adolescência têm recebido maior atenção nas últimas décadas com o progressivo reconhecimento dos transtornos mentais como processos que ocorrem ao longo do desenvolvimento. O reconhecimento adequado de alterações do humor em etapas precoces do desenvolvimento beneficia não apenas os pacientes, mas também suas famílias, uma vez que o tratamento de crianças e adolescentes abrange aspectos escolares, sociais e familiares. Acreditamos, portanto, que a abordagem terapêutica ampla propicie uma melhor qualidade de vida a todos os envolvidos no processo, com redução dos prejuízos atuais e prevenção de danos posteriores. 12 Transtornos de Ansiedade (TA) O Manual Diagnóstico e Estatístico dos Transtornos Mentais, 4ª. Edição Revisada (Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders, Fourth Edition, Text Revision - DSM-IV-TR) classifica os transtornos primários de ansiedade em: Transtorno do Pânico, Fobias Específicas, Transtorno de Ansiedade Social ou Fobia Social, Transtorno de Ansiedade Generalizada (TAG), Transtorno Obsessivo Compulsivo (TOC), Transtorno de Estresse Pós-Traumático (TEPT) e Transtorno de Estresse Agudo. O Transtorno de Ansiedade de Separação, classificado dentro da seção de transtornos primariamente diagnosticados na infância, também faz parte do grupo dos transtornos de ansiedade. Embora o TOC e TEPT sejam classificados dentro do grupo de transtornos de ansiedade na classificação diagnóstica atual, alguns autores defendem outros agrupamentos, tendo em vista que tanto um como outro apresentam especificidades importantes no que se refere às bases biológicas e ao tratamento (Hollander et al., 2008, Resick and Miller, 2009). Poucos estudos se dedicaram a estudar diferenças dentre os transtornos de ansiedade. Embora uma boa parte dos pesquisadores acredite que esses transtornos compartilhem fatores etiológicos comuns, tanto genéticos quanto ambientais, é também consenso de que há diferenças do ponto de vista fisiopatológico entre eles. A elucidação dos mecanismos compartilhados e comuns entre os transtornos de ansiedade é também uma área de interesse para pesquisas futuras. Estudos prospectivos demonstraram que cerca de 90% dos casos de transtornos de ansiedade na idade adulta já preenchiam critérios na infância e adolescência (Kim-Cohen et al., 2003). Alguns autores associam características de inibição do comportamento já aos quatro meses de idade a sintomas de ansiedade na infância, indicando que as manifestações clínicas podem ser realmente muito precoces (Kagan et al., 1999). Há que se considerar ainda que tanto uma continuidade homotípica (p.ex., um transtorno ansioso na infância preceder um transtorno ansioso na vida adulta) quanto uma comorbidade sequencial (p.ex. um transtorno ansioso na infância preceder depressão ou 13 abuso de álcool na vida adulta) são frequentes nos casos de ansiedade na infância (Kim-Cohen et al., 2003). Sugere-se que as trajetórias de desenvolvimento anormais para os transtornos de ansiedade envolvam ações precoces de genes e ambiente resultando na desregulação de circuitos cerebrais que influenciam o processamento de estímulos aversivos. Embora alguns processos anormais estejam descritos, um deles merece uma maior atenção neste projeto: o viés atencional para ameaças e recompensas. O limiar para um indivíduo com transtorno de ansiedade para ter sua atenção capturada por estímulo moderadamente aversivos no ambiente é menor do que para indivíduos sem transtornos de ansiedade. Por essa razão, podemos dizer que a atenção de indivíduos com transtornos de ansiedade está enviesada para estímulos ameaçadores no ambiente. O paradigma que utilizamos para avaliação desse processo mental chama-se “dot-probe” (Mogg et al., 1997). Esse processo mental é um dos principais candidatos para avaliação dos seus componentes biológicos (com a investigação dos paradigmas com neuroimagem funcional e de genética). A importância deste paradigma está no fato de que estudos recentes mostraram que tarefas cognitivas com o intuito de modificar esses vieses (treinamento atencional), são capazes de melhorar sintomas de ansiedade, oportunizando uma nova forma de tratamento para transtornos de ansiedade na infância e adolescência. No entanto, os mecanismos biológicos e as indicações terapêuticas (isto é, quem pode se beneficiar do tratamento), ainda não estão claras (Hakamata et al., 2010). Estudos mostram que duas regiões cerebrais estão mais envolvidas nesse processo mental: a amígdala cerebral e o córtex pré-frontal, principalmente a expansão ventral. Especula-se que disfunções nesse circuito sejam responsáveis por reações anormais de ansiedade e caracterizem os transtornos de ansiedade na infância e adolescência (Monk et al., 2006). Estudos nessa área visam estudar fenômenos como o medo condicionado, isto é, um processo pelo qual uma associação é formada entre um estímulo neutro, como uma luz ou um som e um estímulo aversivo, como um choque elétrico (Pine, 2007). Estes estudos também apontam para um importante papel da amígdala e algumas regiões do córtex pré-frontal, assim como para o striatum e o cíngulo anterior (Pine, 2007). 14 Transtorno de Déficit de Atenção/Hiperatividade (TDAH) O Transtorno de Déficit de Atenção/Hiperatividade (TDAH) é atualmente classificado como um transtorno do neurodesenvolvimento. Ele é caracterizado pela presença de desatenção, hiperatividade e/ou impulsividade. Apresenta três subtipos principais: (1) Predominantemente Desatento; (2) Predominantemente Hiperativo/Impulsivo; (3) Subtipo Combinado. Assim como os TA e como qualquer outro transtorno psiquiátrico, o TDAH é resultado de interações complexas entre genes e ambiente. No entanto, como há uma concordância muito maior para os sintomas dos transtorno entre gêmeos monozigóticos do que em dizigóticos (estimativa de herdabilidade), estima-se que esse transtorno tem um componente genético bastante importante, sendo que cerca de 60% da variabilidade de sintomas desse transtorno pode ser explicada por fatores genéticos (Larsson et al., 2012). A prevalência do TDAH é bastante elevada, sendo um dos transtornos psiquiátricos mais prevalentes na infância e adolescência, com taxas de prevalência de aproximadamente 5% ao redor do mundo (Polanczyk et al., 2007). Além disso, uma boa parte dos pacientes persiste com sintomas mesmo na vida adulta. No que se refere à neuropsicologia, diversas teorias acerca dos processos mentais envolvidos no TDAH foram elaboradas. A teoria mais difundida é a de um déficit único no controle inibitório, isto é, pacientes com TDAH teriam dificuldade de inibir uma ação quando há uma forte tendência para executá-la (Barkley, 1997). No entanto, uma série de outros estudos encontraram déficits em outros domínios das funções mentais, como déficits motivacionais, representados pelo conceito de delay aversion (aversão à espera) (Sonuga-Barke, 2005) e até mesmo em outros processamentos básicos como o processamento temporal (Castellanos et al., 2006) e oscilação entre mecanismos neurais relacionados a funções ativas e estados de conectividade intrínseca (Castellanos and Proal, 2012, Castellanos et al., 2005, Sonuga-Barke and Castellanos, 2007). Outros modelos mais complexos, como o modelo 15 cognitivo-energético, são de especial importância (Sergeant, 2000), pois fornecem alternativas de integração de diversas dessas dimensões. Este modelo propõe que a eficiência do processamento de informações é determinada pela interação entre mecanismos computacionais da atenção, fatores de estado ou “pools” energéticos (“arousal”, ativação e “effort”) e um controle executivo. No entanto, uma série de questões ainda permanecem em aberto no TDAH, especialmente a especificidade desses achados e a relevância clínica da qualificação desses déficits. Do ponto de vista da neuroimagem, Shaw e colaboradores (2007) destacaram a importância do acompanhamento do desenvolvimento da doença para uma melhor compreensão do processo psicopatológico. Os autores conduziram um estudo longitudinal com ressonância magnética estrutural em crianças com transtorno de déficit de atenção com hiperatividade (TDAH) em comparação com controles normais. Eles utilizaram a espessura cortical como uma medida de maturação cerebral e descreveram que as crianças com TDAH atingiram o pico de sua espessura cortical, em média, três anos após os controles (Shaw et al., 2007). Mais do que isso, seus resultados evidenciaram que, ao invés de um desvio do desenvolvimento típico, o TDAH reflete um atraso em processos de maturação. Portanto, para descobrir a origem das doenças mentais, pesquisadores precisarão entender a inter-relação de fatores genéticos e ambientais em fases específicas do desenvolvimento, seu impacto no desenvolvimento cerebral e, por fim, a progressão fenotípica resultante desta complexa interação (Kieling et al., 2008). Vale ressaltar que a visão dos transtornos mentais como transtornos do desenvolvimento não se restringe àqueles transtornos que se manifestam claramente já a partir da infância e da adolescência. A justificativa para esta tese está no fato de que a maioria dos transtornos mentais tem rotas na infância e um curso crônico ao longo da vida. Por essa razão, o estudo da fisiopatologia dos transtornos mentais na infância é primordial. Este conhecimento pode representar um avanço importante para entender a complexa relação entre os diversos fatores de risco e psicopatologia. Desta forma, a combinação das neurociências à clínica psiquiátrica apresenta- se como uma alternativa promissora de avançar o conhecimento nessa área e, 16 em longo prazo, podem ser determinantes para o desenvolvimento de estratégias claras de prevenção de acordo com o modelo médico. Crianças e adolescentes com deficiência mental e/ou transtorno mental Desde que começamos a nos debruçar sobre a temática da infância e da adolescência com deficiência e/ou transtorno mental no que se refere à garantia do direito à convivência familiar, um grande desafio vem permeando nossos estudos: de caracterizar a população a qual nos referimos. Os diagnósticos clínicos, embora forneçam pistas valiosas, ao menos aos olhos mais treinados de técnicos, ainda assim não são suficientes para darem conta da complexidade envolvida nessa difícil, porém necessária tarefa de situarmos quem são as crianças e os adolescentes que se constituem enquanto foco de nosso estudo. O desafio, que em parte é teórico-conceitual e também clínico, reside (1.) no fato de que a conceituação do que vem a ser deficiência mental e/ou transtorno mental não é dada a priori, de modo que pode oscilar em função do alcance que se pretende ter e da intenção com a qual se pretende fazer uso de um ou outro termo e (2.) nas muitas maneiras pelas quais a deficiência mental e/ou o transtorno mental podem incidir sobre crianças e adolescentes e suas famílias e serem por estes apropriados e vivenciados. Independente da categoria na qual foram agrupados e da forma como eles próprios puderam lidar com o que lhes acometia, o fato é que crianças e adolescentes com deficiência mental e/ou transtorno mental permaneceram “invisíveis” ao longo do tempo. Deste modo, esquecidos em instituições de cunho asilar, comumente ligadas à perspectiva filantrópica, ou mesmo escondidos no seio de suas famílias, essas crianças e esses adolescentes ficaram inclusive fora do foco de preocupações das políticas públicas, o que também reforçou o desconhecimento que recai ainda hoje sobre eles. Quem e quantos são? Como vivem? Onde estão? O que se entende aqui por deficiência mental e/ou transtorno mental em crianças e adolescentes? Partimos do pressuposto de que a especificidade da deficiência mental e/ou do transtorno mental em crianças e adolescentes traz peculiaridades em 17 relação à garantia do direito à convivência familiar. Sendo assim, o presente capítulo reflete nosso esforço de aproximar o olhar sobre esse grupo, permitindo, com isso, que possamos apurar nossa visão em relação a essas crianças e esses adolescentes, para que, então, possamos discutir sobre as dificuldades em garantir que eles vivam com suas famílias. Dimensionando a deficiência mental e/ou o transtorno mental em crianças e adolescentes É fato que houve um avanço nos últimos anos no sentido de dimensionar a deficiência e/ou o transtorno mental em crianças e adolescentes. Apesar disso, os números que se têm ainda estão longe de poderem fornecer um panorama satisfatório a respeito dessa população. Isto porque, além de serem escassas e muito gerais, as informações produzidas por esses números parecem em parte ainda refletir e reproduzir as confusões inerentes à definição e à diferenciação conceitual de transtorno mental e deficiência mental, conforme veremos adiante. Segundo a Secretaria Nacional de Promoção dos Direitos da Pessoa com Deficiência26, as primeiras pesquisas demográficas que contemplaram a temática do que hoje nomeamos deficiência datam do ano de 1872 e nesta época restringiram-se a investigar um conjunto específico de defeitos corporais. Foi no Censo de 1920 que se incluiu a categoria deficiência mental como também foco de mensuração, assim permanecendo até o Censo de 1940. A partir de então os dados acerca da população com deficiência deixaram de ser coletados, o que se justificou pela grande dificuldade de se recolher informações precisas sobre a deficiência, na época chamada de idiotismo, cretinismo ou mesmo alienação mental. Foi a partir da década de 1980 que a deficiência voltou a ser incluída nas pesquisas domiciliares27 no Brasil, o que foi também motivado pelo aumento de movimentos organizados em prol da garantia dos direitos das pessoas com deficiência, dando visibilidade a este grupo e às questões por eles suscitadas. No âmbito das conquistas obtidas pelas lutas encampadas pelos movimentos organizados, vale mencionar a promulgação da Lei No. 7853, de 24 de outubro de 1989, a primeira legislação brasileira voltada especificamente para a temática 18 da deficiência. Dentre as várias normas gerais elencadas por esta lei visando à garantia dos direitos, assim como a efetiva integração social das pessoas com deficiência, é pertinente mencionarmos aqui o seu artigo 17. Nele ficou estabelecido que o censo de 199028, bem como os que se seguissem a ele, deveriam incluir questões referentes à problemática da pessoa com deficiência, no intuito de se obter um dimensionamento desta em âmbito nacional. É importante dizer, contudo, que o próprio texto da Lei 7853/89 não especifica o que se entende por pessoas com deficiência e nem delimita os tipos de deficiência existentes, o que só foi feito onze anos mais tarde, no Decreto No. 3298, de 20 de dezembro de 1999, o qual regulamenta a Lei 7853/89. Independente da clareza em relação ao público para o qual se destina, o fato da referida lei ter estabelecido a obrigatoriedade da inclusão em Censos nacionais de temáticas referentes às pessoas com deficiência, se constituiu enquanto um importante avanço, já que este tipo de informação é fundamental para subsidiar a formulação de políticas públicas voltadas a essa população específica. O Censo de 1991 apontou que a incidência da deficiência em geral na população brasileira era de 1,4%. Vale explicar que este Censo agrupou as deficiências pesquisadas em apenas dois tipos - mental e física. Os dados oficiais mais recentes de que dispomos29, relativos a um mapeamento global da população brasileira e que incluem a deficiência, são aqueles encontrados no Censo realizado no ano de 2000. Esta nova contagem populacional mostrou que dentro do universo de quase 170 milhões de pessoas mapeadas pelo Censo, 24,6 milhões apresentavam algum tipo de deficiência, o que representava 14,5% da população. O aumento de 13,1 pontos percentuais no número de pessoas com deficiência em comparação ao apontado pelo Censo de 1991 chama atenção e, na verdade, é explicado pelas mudanças ocorridas nos critérios de delimitação do que é ou não considerado deficiência. Desse modo, enquanto o Censo de 1991 tomou como base um conceito mais estreito de deficiência, o Censo de 2000 ampliou este conceito. Seguindo orientações internacionais, as questões formuladas pelo Censo 2000 para pesquisar sobre a deficiência privilegiaram, portanto, a avaliação das incapacidades para se definir, então, as deficiências de acordo com o quanto elas interferiam nas condições físicas e mentais das pessoas entrevistadas. Vale dizer que as questões incluídas no Censo foram definidas em parceria com a 19 então Corde30 – Coordenadoria Nacional para Integração da Pessoa Portadora de Deficiência, do Ministério da Justiça e estão afinadas com a Classificação Internacional de Funcionalidade, Incapacidade e Saúde, que integra a família de classificações desenvolvidas pela OMS, já mencionada no item 2.1 do presente estudo. (IBGE, 2003) É interessante depreendermos do texto que expõe os resultados do Censo 2000, que a proporção percentual de pessoas com deficiência varia muito de um país para outro, o que se dá justamente em função dos critérios escolhidos por cada região para definir o conceito de deficiência. Assim, é possível vermos que, por exemplo, enquanto no Brasil o Censo apontou para a existência de 14,5% da população como tendo algum tipo de deficiência no ano de 2000, no México o percentual encontrado para o mesmo ano foi de apenas 2,31% da população. Isso torna premente a adoção, por parte dos diversos países, de sistemas e critérios de classificação compatíveis, a fim de permitir a comparação dos dados. A temática da deficiência foi abordada no Censo de 2000 através de cinco questões, as quais englobavam cinco tipos de deficiência: mental, física, motora, auditiva e visual. Com exceção da deficiência mental, na qual se investigou apenas a existência de deficiência mental permanente, para os outros quatro tipos foi considerado também o grau de incapacidade provocado pela deficiência, o qual se dividiu em: incapaz; com grande dificuldade; com alguma dificuldade permanente; sem nenhuma dificuldade. Cabe esclarecer que, de acordo com os critérios adotados, as perguntas do Censo 2000 tinham maior interesse em saber da capacidade de determinado sujeito que apresenta uma alteração de uma estrutura ou função corporal, de realizar suas atividades e estabelece gradações para esta capacidade. Parte-se de uma compreensão social31 de que a deficiência seria fruto da interação entre o sujeito que apresenta determinado comprometimento de estrutura ou função do corpo e o meio, o qual estará ou não preparado para lidar com esta dificuldade. Assim, por exemplo, em relação à deficiência visual, a pergunta do Censo foi: “Como avalia a sua capacidade de enxergar?” (IBGE, 2003, anexo). Orientando o respondente de que ele deveria fazer sua avaliação considerando a correção através de óculos ou lentes de contato, o entrevistado 20 deveria avaliar se ele próprio se dizia “incapaz”; “com grande dificuldade”; “com alguma dificuldade” ou se apresentava “nenhuma dificuldade” de enxergar. Apenas se o entrevistado se considerou como possuindo “nenhuma dificuldade” de enxergar é que ele não foi incluído na contagem de pessoas que apresentavam uma deficiência visual, de modo que se ele respondeu qualquer uma das outras três respostas possíveis, ele passou a integrar este grupo de pessoas com deficiência visual no Censo. É importante observar que apenas para a deficiência mental as possibilidades de resposta não contemplaram tal gradação de dificuldade, o que nos parece se justificar no fato de que em relação à deficiência mental o respondente foi interrogado diretamente se havia alguma deficiência mental que limitasse suas atividades. A deficiência mental, a propósito, interesse maior do presente estudo, foi definida no Censo de 2000 como: retardamento mental resultante de lesão ou síndrome irreversível, que se caracteriza por dificuldades ou limitações intelectuais associadas a duas ou mais áreas de habilidades adaptativas, tais como: comunicação, cuidado pessoal, autodeterminação, cuidados com saúde e segurança, aprendizagem, lazer, trabalho, etc. (IBGE, 2003, p. 29, grifos nossos) Uma importante observação deve ser aqui acrescentada, a de que, segundo o IBGE, não foram consideradas como deficiência mental “as perturbações ou doenças mentais como autismo, neurose, esquizofrenia e psicose” (IBGE, 2003, p. 29; IBGE, 2000, p. 100), as quais, vale frisar, comumente são identificadas como transtorno mental. Dessa forma, para fins de investigação do Censo, a deficiência mental, ao menos nos critérios adotados, ficou reduzida ao que se denominou retardamento mental, conforme apontado inclusive na definição de deficiência mental considerada no Censo, acima transcrita, e exclui o transtorno mental a partir da explicitação dos diagnósticos desconsiderados. Esta informação suscita uma série de questionamentos em relação à confiabilidade dos números produzidos no que diz respeito à possibilidade de refletirem exclusivamente a realidade das pessoas com deficiência mental. Isto porque, para tal, seria necessário que o recenseador e/ou o informante do Censo, a nosso ver, pudessem distinguir com clareza a deficiência mental (no Censo tomada enquanto retardamento mental), das outras classificações 21 diagnósticas que não deveriam ser consideradas como deficiência mental (autismo, neurose, esquizofrenia, psicose), geralmente entendidas como transtorno mental. A fim de compreendermos de que maneira a delimitação da deficiência mental enquanto retardamento mental foi passada para os recenseadores e, portanto, contemplada na etapa de coleta de dados do Censo 2000, recorremos ao manual que orientou o treinamento dos profissionais que trabalharam nesta fase. Como já era de se esperar, o referido manual pouco ajuda na tarefa de desfazer as confusões conceituais. A pergunta do Censo que contemplou a temática da deficiência mental é: “Tem alguma deficiência mental permanente que limite as suas atividades habituais? (Como trabalhar, ir à escola, brincar, etc.)” (IBGE, 2003, p. 145) O manual orientou apenas que os recenseadores lessem para o entrevistado esta pergunta e as opções de resposta (sim ou não) e marcassem a quadrícula correspondente à resposta fornecida, sem nenhuma interpretação pessoal. Uma única nota parece tentar, de alguma forma, orientar a delimitação do que foi considerado deficiência mental. Ela diz assim: “Em geral, a deficiência mental se manifesta na infância ou até os dezoito anos de idade” (IBGE, 2000, p. 101). No entanto, este esclarecimento pouco contribui para a diferenciação entre o que vem a ser deficiência mental no Censo e os demais diagnósticos que ele orienta não considerar, já que muitos desses diagnósticos podem ter início, ou mesmo costumam ter início, na infância, como o autismo, por exemplo. Além disso, mesmo que o recenseador tivesse recebido capacitação suficiente para conseguir realizar esta distinção diagnóstica, ainda assim não poderia fazê-lo, já que devia, como já dissemos, apenas ler a pergunta e marcar a resposta dada pelo informante, sem fazer nenhuma interpretação. Desse modo, a distinção a qual estamos nos referindo ficou completamente a cargo do informante, o qual só teria condição de fazê-la caso possuísse conhecimentos teórico-clínicos para tal, o que corresponde à minoria da população. Contudo, vale mencionar que o questionário também não forneceu esclarecimento algum ao informante acerca do que estava considerando como deficiência mental. A própria pergunta do Censo, abrangente e vaga, parece, portanto, não permitir que o informante pudesse considerar as 22 distinções conceituais que o Censo diz terem sido consideradas, mesmo que o informante tivesse capacidade de fazê-lo. Ora, apesar do Censo afirmar que alguns diagnósticos não estavam incluídos na pergunta sobre deficiência mental, todas essas observações feitas acima nos permitem supor que muito provavelmente os números encontrados refletem uma realidade que não se reduz à perspectiva que toma a deficiência metal enquanto retardamento mental, mas englobam também vários outros diagnósticos, os quais, vale dizer, referem-se ao transtorno mental. O Censo é claro ao dizer que partiu da perspectiva que privilegia a incapacidade e a funcionalidade em detrimento da classificação diagnóstica, mas é contraditório ao afirmar que a deficiência mental foi pesquisada no Censo apenas como retardamento mental permanente, de modo que outros diagnósticos foram deixados de fora. Diante da metodologia adotada, que se baseou completamente na resposta dada pelo informante, sem nenhum juízo de valor por parte do recenseador, somado ao fato do informante não ter sido orientado em relação ao recorte que reduz deficiência a retardamento mental permanente, não nos parece possível que o Censo tenha condições de afirmar que tal recorte, de fato, se deu.32 Assim, parece-nos plausível supor que os números encontrados pelo Censo 2000 refletem uma população bem maior do que aquela que apresenta uma deficiência mental conforme definida pelo Censo, e que, portanto, muito provavelmente incluem também outros diagnósticos comumente identificados como transtorno mental. O que queremos dizer com isso é que, embora o Censo afirme que teve como foco exclusivo a deficiência mental desconsiderando o transtorno mental, a nosso ver, parece possível supormos que o transtorno mental também esteja de certa forma incluído nos dados divulgados, dada a forma frouxa com que as definições conceituais foram passadas aos respondentes do Censo. Contextualizada a discussão acerca dos parâmetros de definição da deficiência mental no Censo e dos problemas inerentes a isto identificados por nós, passemos finalmente aos números divulgados pelo Censo 2000, com um recorte específico para a deficiência mental na faixa etária que corresponde à infância e à adolescência, quando pertinente. Sempre que possível também apresentaremos informações referentes ao Estado do Rio de Janeiro, local onde 23 foram feitas as duas pesquisas do CIESPI que dialogam com a presente dissertação. Do total de 24,6 milhões de pessoas (14,5%) que apresentavam, em 2000, pelo menos uma das deficiências enumeradas (mental, física, visual, auditiva e motora), 2,8 milhões se declararam ou foram declaradas como tendo uma deficiência mental permanente, o que correspondia a 1,7% da população total. No âmbito do Estado do Rio de Janeiro, em 2000 contávamos com uma população composta por 14 milhões de habitantes, dos quais 2,1 milhões (14,8%) foram identificados como tendo pelo menos uma das deficiências enumeradas, de modo que a proporção guarda equivalência com aquela encontrada em âmbito nacional. Ainda no Rio de Janeiro, 254.445 pessoas foram declaradas ou se declararam como tendo uma deficiência mental permanente, o que representava 1,8% da população total do Estado, estando este número também proporcional com o encontrado para o Brasil. (IBGE, 2003) De um modo geral as informações fornecidas pelo IBGE pelas tabulações feitas sobre a deficiência, são muito amplas e, na grande maioria das vezes, não nos permitem observar como determinado item se apresenta especificamente para a deficiência mental ou mesmo para o recorte de idade da infância e da adolescência, que é o que nos interessa aqui. Em função disso, nos valeremos de um valioso trabalho realizado pelo CIESPI e publicado recentemente33, no qual foram feitas novas tabulações com foco na deficiência mental em crianças e adolescentes no Brasil, a partir das informações coletadas pelo Censo 2000. Em 2000, portanto, havia 617.880 crianças e adolescentes com deficiência mental34 no Brasil, o que correspondia a 1% da população total de crianças e adolescentes naquele ano. É interessante notar que a deficiência mental, dentre os outros tipos, era a que apresentava maior prevalência entre crianças e adolescentes, já que os outros tipos de incapacidade correspondiam a 0,6% do universo de crianças e adolescentes no Brasil, o que equivalia a 325.706 pessoas. É importante ver também como a incidência de deficiência mental em crianças e adolescentes aumentava proporcionalmente ao aumento da idade. Deste modo, enquanto que apenas 0,6% das crianças de 0 a 3 anos apresentavam deficiência mental, esse percentual mais que dobrava quando focamos na faixa etária de 15 a 17 anos, para a qual encontramos a incidência de deficiência mental em 1,3% dos adolescentes. Este aumento pode ser 24 explicado tanto pela dificuldade de se identificar a incidência de algum problema mental em crianças pequenas, como também pelo fato de que muitos destes problemas irrompem a partir da adolescência. (Rizzini e Menezes, 2010) Em relação à cor, não foram encontradas diferenças significativas entre crianças e adolescentes com ou sem deficiência mental, de modo que a proporção era equivalente. Já em relação ao sexo, observou-se que a deficiência mental era mais comum em meninos – 57,8% para aqueles que apresentavam apenas deficiência mental e 56,5 para os que tinham deficiência mental associada a outra deficiência – do que em meninas. (ibid.) Não sabemos exatamente o que justifica esta diferença entre sexos no que se refere aos números encontrados pelo Censo 2000. Contudo, estudos apontam que elas são frequentemente observadas. Em artigo35 publicado em 2004 pela Sociedade Brasileira de Pediatria sobre retardo mental, foi mencionado que é consenso de que o retardo mental é mais comum no sexo masculino do que no feminino, com proporções que variam de 1,3 a 1,9 para 1. Além disso, cabe ainda dizer que em outros transtornos mentais abarcados pela CID-10, que são mais comuns na infância e algumas vezes coexistem com o diagnóstico de retardo mental, também se observa esta diferença entre sexos. Um bom exemplo está no autismo, que, lembremos, integra o grupo dos Transtornos do Desenvolvimento Psicológico36 da CID-10. Segundo artigo37 publicado em 2009, a proporção de autismo em meninos e meninas pode chegar a até 4:1, respectivamente. No entanto, esta proporção tende a diminuir - embora continue existindo - em casos em que se compara meninos e meninas com comprometimentos intelectuais mais severos, ou seja, com retardo mental mais grave, de modo que nestas condições a proporção encontrada é de 1,3 casos de meninos para cada 1 caso de menina. Além de indicadores mais gerais, as tabulações feitas pelo CIESPI também nos oferecem informações sobre a escolarização de crianças e adolescentes com e sem deficiência. Chama atenção a grande diferença tanto no que diz respeito à frequência quanto ao acesso de crianças e adolescentes com deficiência em relação àqueles que não possuem algum tipo de dificuldade. Assim, vemos que, em relação à frequência à escola, tomando como base, por exemplo, a faixa etária de 7 a 14 anos, que corresponde ao ensino fundamental, 94,9% das crianças e dos adolescentes que não possuem deficiência 25 frequentavam a escola em 2000. Este percentual caia para 72,7% entre crianças e adolescentes que apresentam apenas deficiência mental. É quando focamos nas crianças e nos adolescentes que apresentavam uma deficiência mental associada a outra deficiência que essas diferenças se acirravam ainda mais, já que para a mesma faixa etária de 7 a 14 anos, registrava-se que apenas 31,2% destas crianças e destes adolescentes estavam inseridos no sistema formal de ensino. Cabe acrescentar ainda que, dentre as crianças e os adolescentes que, na época o Censo 2000, não frequentavam a escola, verificou-se que grande parte deles nunca havia frequentado, com percentuais que correspondiam a 71,6% para os que apresentam apenas deficiência mental e 92% para as crianças e os adolescentes que, além da deficiência mental, apresentavam outros comprometimentos. Todas essas informações acerca da (não) inserção no ambiente escolar chamam a atenção e podem ser explicadas tanto pela dificuldade das escolas em se adequarem para receber estas pessoas que apresentam demandas diferenciadas, como também das dificuldades da família em garantir o acesso continuado de seus filhos ao ambiente escolar. No que diz respeito mais especificamente ao recorte do transtorno mental propriamente dito, não encontramos estudos que apontem a prevalência deste no Brasil. Contudo, segundo a Organização Mundial de Saúde, pesquisas feitas em países desenvolvidos e em desenvolvimento apontaram para o fato de que, durante a vida, em torno de 25% das pessoas apresentam algum tipo de transtorno mental, levando em consideração todos aqueles tipos reunidos no capítulo V38 da CID-10. Em relação especificamente à prevalência de transtornos mentais em crianças e adolescentes a OMS (2001) apresenta cifras que variam entre 10 e 20%. No entanto, a OMS problematiza que estes percentuais tão elevados de morbidez em crianças e adolescentes devem ser relativizados. Isso porque, como a infância e a adolescência são períodos de desenvolvimento, pode ser difícil se estabelecer o limite entre o que diz respeito ao desenvolvimento normal e o que se refere propriamente a uma “anormalidade”. Em relação à prevalência geral de retardo mental - tomado aqui enquanto deficiência mental - o estudo divulgado pela OMS apontou que ela varia entre 1 e 3%, estando esta proporção de acordo com os números apontados pelo Censo 2000. Segundo a OMS, o retardo mental costuma ter 26 maior incidência em países em desenvolvimento, o que se justifica “devido a uma incidência maior de lesões e anóxia no recém-nascido e de infecções cerebrais na primeira infância”. (ibid., p. 34) REFERÊNCIAS Anselmi, L., Fleitlich-Bilyk, B., Menezes, A. M., Araujo, C. L. & Rohde, L. A. (2010). Prevalence of psychiatric disorders in a Brazilian birth cohort of 11- year-olds. Soc Psychiatry Psychiatr Epidemiol 45, 135-42. APA (1994). Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders - Text Revision. American Psychiatric Association: Washington. Babinski, L. M., Hartsough, C. S. & Lambert, N. M. (1999). 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