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População de Rua: políticas públicas, 
práticas e vivências
PATRICE SCHUCH
IVALDO GEHLEN
SIMONE RITTA DOS SANTOS
(ORGANIZADORES)
Copyright © Editora CirKula LTDA, 2017. 
1° edição - 2017
Revisão, Normatização e Edição: Mauro Meirelles
Diagramação e Projeto Gráfico: Mauro Meirelles
Revisão Ortográfica: Mônica Eliseu Duarte
Editor: Mauro Meirelles
Capa: Luciana Hoppe
Imagens da Capa: Gabriela Hoppe
Impressão: Copiart
Tiragem: 2000 exemplares.
Todos os direitos reservados a Editora CirKula LTDA. A reprodução não autorizada des-
ta publicação, no todo ou em parte, constitui violação de direitos autorais (Lei 9.610/98).
Editora CirKula
Avenida Osvaldo Aranha, 522 - Bomfim 
Porto Alegre - RS - CEP: 90035-190 
e-mail: editora@cirkula.com.br
Loja Virtual: www.cirkula.com.br
2017
População de Rua: políticas públicas, 
práticas e vivências
PATRICE SCHUCH
IVALDO GEHLEN
SIMONE RITTA DOS SANTOS
(ORGANIZADORES)
CONSELHO EDITORIAL
César Alessandro Sagrillo Figueiredo 
José Rogério Lopes
Jussara Reis Prá
Luciana Hoppe
Mauro Meirelles
CONSELHO CIENTÍFICO
Alejandro Frigerio (Argentina) - Doutor em Antropologia pela Universi-
dade da Califórnia, Pesquisador do CONICET e Professor da Universidade 
Católica Argentina.
André Corten (Canadá) - Doutor em Sciences Politiques et Sociales pela 
Universidade de Louvain e Professor de Ciência Política da Universidade de 
Quebec em Montreal (UQAM).
André Luiz da Silva (Brasil) - Doutorado em Ciências Sociais pela Pontifícia 
Universidade Católica de São Paulo e professor do Programa de Pós-Gradua-
ção em Desenvolvimento Humano da Universidade de Taubaté.
Antonio David Cattani (Brasil) - Doutor pela Universidade de Paris I - 
Panthéon-Sorbonne, Pós-Doutor pela Ecole de Hautes Etudes en Sciences 
Sociales e Professor Titular de Sociologia da UFRGS.
Arnaud Sales (Canadá) - Doutor d’État pela Universidade de Paris VII e Pro-
fessor Titular do Departamento de Sociologia da Universidade de Montreal. 
Cíntia Inês Boll (Brasil) - Doutora em Educação e professora no Departa-
mento de Estudos Especializados na Faculdade de Educação da UFRGS.
Daniel Gustavo Mocelin (Brasil) - Doutor em Sociologia e Professor Ad-
junto da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).
Dominique Maingueneau (França) - Doutor em Linguística e Professor na 
Universidade de Paris IV Paris-Sorbonne.
Estela Maris Giordani (Brasil) - Doutora em Educação, Professora Asso-
ciada da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM) e pesquisadora da 
Antonio Meneghetti Faculdade (AMF).
Hilario Wynarczyk (Argentina) - Doutor em Sociologia e Professor Titular 
da Universidade Nacional de San Martín (UNSAM).
José Rogério Lopes (Brasil) - Doutor em Ciências Sociais pela Pontifícia 
Universidade Católica de São Paulo e Professor Titular II do PPG em Ciên-
cias Sociais da Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos).
Ileizi Luciana Fiorelli Silva (Brasil) - Doutora em Sociologia pela FFLCH- 
USP e professora da Universidade Estadual de Londrina (UEL).
Leandro Raizer (Brasil) - Doutor em Sociologia e Professor da Faculdade de 
Educação da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).
Luís Fernando Santos Corrêa da Silva (Brasil) - Doutor em Sociologia pela 
Universidade Federal do Rio Grande do Sul e Professor do Programa de Pós-
Graduação Interdisciplinar Ciências Humanas da UFFS.
Lygia Costa (Brasil) - Pós-doutora pelo Instituto de Pesquisa e Planejamen-
to Urbano e Regional da Universidade Federal do Rio de Janeiro, IPPUR/
UFRJ e professora da Escola Brasileira de Administração Pública e de Em-
presas (EBAPE) da Fundação Getúlio Vargas (FGV).
Maria Regina Momesso (Brasil) - Doutora em Letras e Linguística e Pro-
fessora da Universidade do Estado de São Paulo (UNESP).
Marie Jane Soares Carvalho (Brasil) - Doutora em Educação, Pós-Doutora 
pela UNED/Madrid e Professora Associada da UFRGS.
Mauro Meirelles (Brasil) - Doutor em Antropologia Social e Pesquisador liga-
do ao Laboratório Virtual e Interativo de Ciências Sociais (LAVIECS/UFRGS).
Simone L. Sperhacke (Brasil) - Doutoranda em Design pela UFRGS. Mes-
tre em Design e Tecnologia e graduada em Desenho Industrial.
Silvio Roberto Taffarel (Brasil) - Doutor em Engenharia e professor do 
Programa de Pós-Graduação em Avaliação de Impactos Ambientais em Mi-
neração do Unilasalle.
Stefania Capone (França) – Doutora em Etnologia pela Universidade de 
Paris X- Nanterre e Professora da Universidade de Paris X-Nanterre.
Thiago Ingrassia Pereira (Brasil) - Doutor em Educação e Professor do 
Programa de Pós-Graduação Profissional em Educação da UFFS.
Wrana Panizzi (Brasil) - Doutora em Urbanisme et Amenagement pela Uni-
versite de Paris XII (Paris-Val-de-Marne) e em Science Sociale pela Univer-
sité Paris 1 (Panthéon-Sorbonne) e, também, Professora Titular da Universi-
dade Federal do Rio Grande do Sul. 
Zilá Bernd (Brasil) - Doutora em Letras e Professora do Mestrado em Me-
mória Social e Bens Culturais do Unilasalle.
Sumário
11 ApreSentAção
Marta Borba Silva
13 políticAS públicAS, práticAS e vivênciAS dAS populAçõeS 
 em SituAção de ruA em porto Alegre: umA introdução
pArte i - eStudoS
 
17 dinâmicAS, eStrAtégiAS e mundo dA populAção em 
 SituAção de ruA de porto Alegre
Ivaldo Gehlen, Patrice Schuch, Alexandre Silva Virgínio, 
Melissa de Mattos Pimenta, Mauro Meirelles
45 equipAmentoS, ServiçoS e viSõeS Sobre políticAS públicAS 
 pArA peSSoAS AdultAS em SituAção de ruA em porto Alegre: 
 entre o cuidAdo e A violênciA
 Patrice Schuch, Ivaldo Gehlen, Heloísa Helena Salvatti Paim, 
 Tiago Martinelli
77 populAção AdultA em SituAção de ruA em porto Alegre: 
umA SínteSe
Patrice Schuch, Ivaldo Gehlen, Alexandre Silva Virgínio, 
Melissa de Mattos Pimenta, Mauro Meirelles
91 deSAfioS metodológicoS Ao eStudAr A populAção em
 SituAção de ruA 
Ivaldo Gehlen, Mauro Meirelles, Patrice Schuch
pArte ii - políticAS e experiênciAS inStitucionAiS
109 peSquiSA e intervenção SociAl nA políticA de ASSiStênciA 
SociAl em porto Alegre: A SituAção de ruA como 
fenômeno A Ser problemAtizAdo
Aline Espindola Dornelles, Rejane Margarete Scherolt Pizzato, 
Simone Ritta dos Santos
131 A proteção integrAl no SuAS e Acolhimento 
inStitucionAl pArA fAmíliAS
Cleber Candido de Deus, Márcia Santos de Almeida Knorr, 
Rejane Margarete Scherolt Pizzato
143 experiênciAS dA Ação nA ruA: dA AbordAgem Ao encontro
Ana Letícia Fontanive, Aline Sardin Padilla de Oliveira, 
Charline Pereira dos Santos, Daiana Santos, 
Daniela Bianchi, Daniela Canabarro, Daniela Soares, 
Diogo Santos, Fernando Oliveira Júnior, Giane Silveira, 
Jorge Gomes de Oliveira, Kizzy Assunção, Lirene Finkler, 
Lisiane do Carmo, Marcos Cabral Borges, 
Maria Dornelles de Araújo Ribeiro, Mateus Freitas Cunda, 
Milena Cassal Pereira, Pablo Gonçalves, 
Roberta da Silva Gomes, Saulo Vieira
157 o retorno doS inviSíveiS A cenA públicA A pArtir dA 
 AtuAção do centro pop 1
Carlos André da Rosa Bittencourt 
169 um olhAr Sobre o Acolhimento inStitucionAl A populAção
em SituAção de ruA em porto Alegre
Lirene Finkler, Mateus Freitas Cunda,
Cleber Candido de Deus
pArte iii - lutAS políticAS
183 “A lutA é conStAnte”: do movimento AquArelA dA 
populAção de ruA Ao movimento nAcionAl dA populAção 
de ruA do rio grAnde do Sul
Richard de Campos, Edson de Campos, 
Carlos Henrique da Silva, José Luiz Straubichen,
Alexandre Portuguez, Cícero Adão Gomes, 
Veridiana Farias Machado, Margarete Vieira
199 “A gente mudou A hiStóriA”: experiênciAS e olhAreS 
 do JornAl bocA de ruA
 Por seus Integrantes e Colaboradores
pArte iv - perSpectivAS
213 violênciA contrA A populAção em SituAção de ruA em 
 porto Alegre: conSiderAçõeS Sobre AS formAS 
 inStitucionAiS e SimbólicAS de opreSSão cotidiAnA
Melissa de Mattos Pimenta, José Vicente Tavares dos Santos
229 populAção em SituAção de ruA e imAginário eScolAr: 
memóriAS dA AntieducAção 
Alexandre Silva Virgínio, Ivaldo Gehlen, 
Melissa de Mattos Pimenta, Patrice Schuch, Mauro Meirelles
261doS morAdoreS de ruA AoS Sem domicílio fixo: 
contrASteS brASil e frAnçA 
Claudia Turra-Magni
279 A legibilidAde como geStão e inScrição políticA de 
populAçõeS: notAS etnográficAS Sobre A políticA pArA 
peSSoAS em SituAção de ruA no brASil 
Patrice Schuch 
309 Sobre oS AutoreS
315 Sobre o Projeto e A PeSquiSA
11 
APRESENTAÇÃO
Pesquisar implica a busca constante da indagação e da descoberta 
da realidade. Significa realizar uma aproximação permanente a essa 
realidade, articulando a teoria e os dados empíricos a partir da inten-
cionalidade imprimida ao tema conforme o interesse da pesquisa e seus 
significados.
O tema população em situação de rua encontra visibilidade há 
vários anos nas pautas da política de assistência social em Porto Ale-
gre. Além de executar uma rede de serviços destinadas às pessoas em 
situação de rua, a Fundação de Assistência Social e Cidadania, órgão 
gestor da política de assistência social no município, também se apro-
xima dessa parcela de sujeitos por meio de estudos de pesquisa que 
revelam seus perfis.
Os estudos têm por objetivo identificar, por meio de censo, os 
perfis desse universo pesquisado (crianças, adolescentes e adultos em 
situação de rua) bem como o seu modo de vida. Entende-se que a pes-
quisa permite um avanço, significa ampliar as possibilidades de com-
preensão da práxis, no intuito de construir uma teoria social que ob-
jetive o compromisso com a transformação social. Tarefa fundamental 
no aperfeiçoamento e no significado da política pública comprometida 
com seus usuários na busca da efetividade de direitos sociais.
A FASC buscou essa parceria, por meio de Edital Público, e esta-
beleceu com a Universidade Federal do Rio Grande do Sul - Instituto 
de Filosofia e Ciências Humanas (Departamentos de Sociologia e de 
Antropologia) um contrato para a realização de dois estudos: estudo 
quantitativo (censo) da população adulta e de crianças e adolescentes; e, 
estudo qualitativo sobre a população adulta, serviços e trabalhadores, 
12 
com visitas etnográficas a serviços destinados à população adulta em 
situação de rua em POA. 
Os estudos foram executados pela Universidade e acompanha-
dos pela FASC, por meio da coordenação da Vigilância Socioassisten-
cial com a parceria das áreas técnica, de recursos humanos e jurídica. 
Compuseram também essa Comissão, representantes do Movimento 
Nacional da População em Situação de Rua e do Jornal Boca de Rua. 
Esse olhar conjunto enriquece o debate e aprofunda as questões que 
se apresentam no processo de pesquisa. O trabalho, por meio das di-
versas instâncias que nele se constituem (curso de extensão, pesquisa 
qualitativa com trabalhadores, pesquisa quantitativa e qualitativa com 
a população em situação de rua), sempre contou com a participação de 
diversos segmentos tanto da Universidade, da gestão e seus trabalha-
dores quanto da população usuária.
Os resultados obtidos nesse trabalho se traduzem no presente 
livro, o qual também conta em seus artigos a representatividade dessa 
bela relação interdisciplinar já apontada anteriormente.
Acredito que tais contribuições são essenciais no processo de re-
flexões, análises, proposições e aperfeiçoamentos necessários na conti-
nuidade da oferta da rede de serviços que se apresenta para as pessoas 
em situação de rua em Porto Alegre.
Consolidar o Sistema Único de Assistência Social, como políti-
ca pública garantidora de direitos, significa não somente proporcionar 
serviços e orçamento para efetivá-los, mas principalmente reconhecer 
seu público e suas demandas com a devida visibilidade que ele tem e 
com as diversas expressões que ele traz, por meio de sua própria voz. 
Aí sim a pesquisa encontra relevância para a política pública.
Marta Borba Silva
Diretora Técnica da FASC 
20 de Novembro de 2016
 
 
 
13 
POLÍTICAS PÚBLICAS, PRÁTICAS E VIVÊNCIAS 
DAS POPULAÇÕES EM SITUAÇÃO DE RUA EM 
PORTO ALEGRE: UMA INTRODUÇÃO
Num mundo cada vez mais desigual e individualista em que as 
pessoas somente se preocupam com o seus problemas e com aquilo 
que diretamente lhe diz respeito, sem com isso considerar o direito do 
outro, ganha destaque estudos que se ocupam de grupos e populações 
humanas tidas como marginais ou invisíveis socialmente. Contudo, di-
ferentemente dos antropólogos clássicos – que iam a terras distantes 
encontrar essas populações para realizar seus estudos – nós, aqui, não 
precisamos ir muito longe. Pois, parafraseando o que uma vez escreveu 
Muhammad Yunus em seu livro “O banqueiro dos pobres”, bastou que, 
para isso, olhássemos pela nossa janela, que saíssemos de casa e olhás-
semos para as ruas.
Pois, a população de rua, temática com a qual nos ocupamos aqui, 
não está longe de nós – e convivemos com ela diariamente no vai-e-
-vem das grandes, pequenas e médias cidades de nosso país. Cidades de 
um país marcado pela desigualdade, pela violência, pela vulnerabilida-
de social e pelos diferentes graus de acesso que as pessoas possuem a 
diferentes serviços e direitos básicos. Como é o caso do estudo aqui em 
voga que tem como objeto as populações que, hoje, vivem em situação 
de rua em Porto Alegre.
Contudo, a temática da população em situação de rua não é algo 
novo, mas seu estudo, sim, é recente e somente começou a ganhar visi-
bilidade há alguns anos atrás impulsionados pela necessidade de pro-
posição de políticas públicas para atendimento as suas demandas. 
Neste sentido, a Fundação de Assistência Social e Cidadania, ór-
gão gestor da política de assistência social no município através de 
parcerias estratégicas com universidades têm levado a cabo estudos e 
14 
pesquisas que buscam traçar uma perfil dessas populações que vivem 
em situação de rua. E, sim, nos referimos aqui a populações, no plural 
– e os dados mostram isso – por entender que existem entre as pessoas 
em situação de rua, trajetórias bastante diversas que implicam em di-
ferentes percepções acerca do Estado, das Políticas de Assistência, dos 
Serviços destinados a essa população etc. 
Mas não só, pois no decorrer do estudo também constatou-se 
que existe entre essas populações diferentes narrativas, histórias e mo-
tivações que os levaram a tomar a rua como seu território, como sua 
casa. As razões para isso são muitas e compreender essa realidade, seu 
modo de vida – e saber quem são, onde estão, o que fazem – torna-se 
fundamental para que se possa pensar e produzir políticas públicas a 
essas populações que cada vez mais ganham volume em nossas cidades. 
Ganhando assim, maior efetividade.
Desta feita, tem-se que compreender as características sociocul-
turais, os modos de inserção urbana e as relações com as políticas pú-
blicas das pessoas que se configuram como em “situação de rua” na 
cidade de Porto Alegre, ressaltando a diversidade de composição tor-
na-se um desafio imenso. 
Também não foi fácil reunir num mesmo grupo de trabalho aca-
dêmicos, militantes, sujeitos em situação de rua e profissionais traba-
lhadores da política frente à multiplicidade de olhares sobre o tema, 
coadunando os objetivos da pesquisa com os interesses e as informa-
ções que buscavam o Ministério do Desenvolvimento Social (MDS), a 
Fundação de Assistência Social e Cidadania (FASC) – financiadores 
da pesquisa – e a Universidade Federal do Rio Grande do Sul, através 
do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas – sob a coordenação dos 
professores Ivaldo Gehlen e Patrice Schuch – executores da pesquisa. 
Professores esses que, junto com a FASC, capitanearam a reali-
zação de três estudos diferentes que, entre si, encontram-se interco-
nectados, a saber: a) o censo e o estudo das características sociais e as 
relações com as políticas públicas das pessoas em situação de rua na 
cidade de Porto Alegre; b) a análise das estruturas e modos de fun-
cionamento de instituições de assistência social na cidade destinadas a 
esse público e, por fim, c) a pesquisa acerca dos desafios e expectativas 
15 
dos profissionais de atendimento acercade seu trabalho e das políticas 
na área, através do projeto intitulado “Pesquisa Quanti-Qualitativa da 
População adulta e de crianças e adolescentes em situação de rua da 
cidade de Porto Alegre”, levada a cabo durante o ano de 2016. 
Dito isto, tem-se que a coletânea de artigos que aqui reunimos 
tem como objetivo trazer ao grande público um conjunto de textos 
que exploram os dados da referida pesquisa e versam sobre um certo 
conjunto de temáticas relacionadas à população de rua que – nos dias 
atuais e tendo como pano de fundo o atual cenário nacional – importa 
considerar com vistas a se alargar os debates que, hoje, tem sido feitos 
acerca das populações em situação de rua em Porto Alegre. 
Porto Alegre, 5 de dezembro de 2017.
Mauro Meirelles
Editor
 
17 
DINÂMICAS, ESTRATÉGIAS E MUNDO DA 
POPULAÇÃO EM SITUAÇÃO DE RUA 
DE PORTO ALEGRE
ivAldo Gehlen
PAtrice Schuch
AlexAndre SilvA virGínio
MeliSSA de MAttoS PiMentA
MAuro MeirelleS
Contexto e razões do estudo
A população em situação de rua está presente na maioria das 
grandes e médias cidades do mundo, desde a séculos e em alguns luga-
res a milênio, sendo identificada por nomes que variam com o tempo e 
com as culturas. Nesta perspectiva a construção e as discussões sobre a 
sociedade na qual vivemos, em suas múltiplas facetas e nas dimensões 
da justiça social e dos direitos humanos necessariamente deve incor-
porar esse universo com toda sua complexidade e com seus desafios. 
Os diagnósticos recentes mostram que, no Brasil em geral, e em 
Porto Alegre, em particular, essa população está crescendo demografi-
camente e organizativamente, demonstrando crescente consciência de 
sua condição e de seus direitos. Certamente este crescimento multifa-
cetário tem correlação com a sociedade como um todo, suas dinâmicas 
e, no Brasil, apresenta correlação com o paradigma capitalista neoli-
beral, com as mudanças socioculturais decorrentes das transformações 
globais que atravessamos contemporaneamente e com mudanças de 
paradigmas nas políticas públicas e sociais que crescentemente se vol-
tam para universos sociais historicamente ignorados ou sequer reco-
nhecidos em sua existência. 
Em Porto Alegre, desde 1992 há preocupação do poder público 
municipal em formular políticas para essa população, através de suas 
Secretarias, coordenadas pela Fundação de Assistência Social e Cida-
18 
dania (FASC), a partir da qual, construiu-se uma rede de atendimento 
a partir da Iª Conferência Municipal de Assistência Social (1994) e da 
Nacional (1995). A partir de então são tomadas iniciativas para conhe-
cer de forma sistemática a população em situação de rua. Em 1995, a 
partir de uma parceria da FASC com Faculdade de Serviço Social da 
PUCRS, foi realizada a primeira contagem censitária dessa população 
na cidade de Porto Alegre. Na ocasião foi contabilizada uma população 
de 222 pessoas nessa condição.
Entre necessidades e percalços, houve vácuo na produção de co-
nhecimentos e de informações sobre este universo entranhado na so-
ciedade portoalegrense. Em 2004 realizou-se um Censo e amostra em 
profundidade, pelo Instituto de Filosofia e Ciência Humanas (IFCH) 
da UFRGS, com contrato com a FASC, através de entrevistas estrutu-
radas e semi-estruturadas com crianças e adolescentes em situação de 
rua em seis cidades da região Metropolitana: Viamão, Alvorada, Gra-
vataí, Cachoeirinha, Canoas e Porto Alegre. Foram contabilizados nes-
sas cidades, 825 crianças e adolescentes nessa situação dos quais, 637 
encontravam-se em Porto Alegre (ver Tabela I). O conceito usado foi 
o do ECA (Estatuto da Criança e Adolescente), ou seja, até 12 anos é 
criança e daí aos 18 é adolescente).
Em 2007/8 foram realizados quatro estudos de populações de 
Porto Alegre, na época denominadas de em situação de vulnerabilidade 
social: Censo das Crianças e Adolescentes em situação de rua; Censo e 
Mundo dos Adultos e situação de rua de Porto Alegre, Quilombolas de 
Porto Alegre e Indígenas de Porto Alegre. Resultou, além dos relatórios 
disponíveis na FASC, num livro intitulado: “Diversidade e Proteção So-
cial: Estudos quanti-qualitativos das populações de Porto Alegre”. 
Os resultados demográficos mostraram uma forte diminuição da 
população de crianças e adolescentes de modo que foram cadastradas 
383 crianças e adolescentes em situação de rua, pouco mais da metade 
do censo anterior. Em grande parte, isso resulta das políticas dos mu-
nicípios da GRANPAl e em parte de políticas específicas do Ministério 
de Desenvolvimento Social e da Assistência Social da Prefeitura de 
Porto Alegre. O Censo, pioneiro pela metodologia, contabilizou 1203 
adultos em situação de rua e entrevistou 382, em profundidade (ques-
19 
tionário com mais de 70 questões e mais de 200 informações de cada 
entrevistado), cerca de um terço. Em 2011 a FASC decidiu fazer um 
novo Censo da População Adulta, com o objetivo de se certificar de in-
formações necessárias para definição de políticas específicas para esta 
população. Foram cadastrados 1347 adultos, Pouco menos de 150 a 
mais do que menos de quatro anos antes.
Em 2015 a FASC decidiu realizar novo Censo e Mundo de crian-
ças e adolescentes e de adultos em situação de rua na cidade. O IFCH 
(UFRGS) foi selecionado para realizar estes dois estudos articulados 
com dois outros relativos às Instituições e aos Técnicos desse universo 
social. Estes estão em outro texto. 
As pesquisas foram realizadas em 2016, e o relatório final somen-
te foi finalizado em março de 2017. O longo percurso é uma amostra da 
complexidade deste tipo de estudo, pouco ou raramente praticado no 
Brasil. A grande maioria das cidades não possuem estudos, sequer de 
diagnóstico deste universo social. O próprio MDS discrimina por ta-
manho demográfico as cidades, revelando forte discriminação. Popula-
ção em situação de rua é diferente segundo população da cidade? Para 
o MDS é. Cidades com menos de 200 mil habitantes são discriminadas 
em relação a estas políticas. O resultado é a pressão local para emigrar 
os que vivem nessa situação para as cidades que recebem apoio federal. 
Concentração, sem solução.
O resultado de ambos os universos, foram bastante surpreenden-
tes demograficamente. O resultado dos adultos surpreendeu também 
pela territorialidade, pelas dinâmicas organizativas e pelas posições 
que assumem frente à sociedade portoalegrense em relação à eles.
Neste texto, apresentamos uma análise dos principais resultados. 
Os dados expressos em tabelas estão disponíveis no site da FASC. Essa 
população é considerada vulnerável ou em situação de risco, porém são 
conceitos a serem repensados, no sentido de que esta classificação basea-
da em pressupostos estabelecidos externamente à ela, emerge em sua 
origem carregada de preconceitos, que justificariam algumas políticas 
ou posturas. Pode remeter ao assistencialismo, mantenedor da condição.
Uma caracterização simplificada dessa população é composta por 
jovens e adultos, homens e mulheres, idosos, desempregados, pessoas 
20 
com sofrimento psíquico, migrantes, dependentes químicos, pessoas 
com deficiência, sem convivência familiar permanente ou com vínculos 
familiares fragilizados, famílias monoparentais e famílias ampliadas, 
sem residência fixa ou expulsas de suas comunidades pelo tráfico ou 
pela violência.
Crianças e adolescentes: um significativo resultado 
das políticas públicas
O conceito “crianças e adolescentes em situação de rua” passou 
a fazer parte do vocabulário público nos primeiros anos desse século 
21, representando a diversidade desse universo e as experiências que 
dão sentidos e usos do espaço que ocupam das e nas ruas. Até então 
muitos termos eram utilizados para identificar esse universo, conforme 
desenvolvido por Magni et Al. (2008). Conceito que se legitimou como 
identificação, quase identidade, para consubstanciar o pertencimento 
dessa população complexa que ocupa a rua de jeitos e formas variados 
em caráter também diverso pela situação transitóriaou intermitente-
mente ou permanente. 
Além disso, o termo expressa uma consideração de que as crianças 
e adolescentes em situação de rua não apenas moram ou sobrevi-
vem na rua, mas constituem formas de organização social e signifi-
cados particulares para seus atos, criativamente adquirindo conhe-
cimentos, novas formas de relacionamentos sociais e geração de 
renda. A potencial situacionalidade dessa experiência abre brechas 
para se pensar outras formas de vinculação social como família e 
comunidade, deslocando a centralidade do espaço social e simbóli-
co da “rua” para outras possibilidades de pertencimento, como por 
exemplo, familiares e comunitárias (GEHLEN et Al., 2016).
Essas formas de pertencimento ao universo rua, estão enfraque-
cidas, como resultado positivo de políticas públicas e sociais implemen-
tadas, sobretudo, a partir do início do século sob responsabilidade da 
administração pública local, representada pela FASC, confirmando a 
tese da eficácia da ação do Estado no resgate e garantias de direitos 
21 
humanos, em relação a estes universos de cidadãos de baixo reconheci-
mento social, e de forte visibilidade pelas características específicas de 
seu modo de vida.
A pesquisa consistiu no cadastramento censitário, cujo campo 
foi realizado entre os dias 8 de setembro de 2016 e 10 de outubro de 
2016. O estudo do modo de vida projetado, se inviabilizou em razão 
da baixa representatividade dessa população em Porto Alegre. Foram 
cadastradas 27 Crianças e adolescentes em situação de rua na cidade, 
no período investigado, utilizando-se a mesma metodologia de campo 
aplicada aos adultos, ou seja as equipes de entrevistadores abordavam 
concomitantemente adultos, crianças e adolescentes. Observando-se 
no decorrer da realização do campo, resultado aquém do previamente 
esperado, reforçou-se a preocupação, o monitoramento e a participação 
dos facilitadores (representantes da população adulta em situação de 
rua na pesquisa) para garantir o cadastramento da totalidade. 
A primeira tabela mostra a situação encontrada em 2004, in-
cluindo outros cinco municípios da Região Metropolitana, revelando-
-se a quase inexistência de referência local, no sentido do município de 
origem, em parte explicado por Porto Alegre e Canoas serem na época 
as duas cidades com políticas específicas. 
Em 2008 foram cadastradas 383. Diminuição em parte atribuída 
às políticas municipais, de organizar serviços de assistência social local 
para essas pessoas de modo que. neste ano, já se mostrava que as polí-
ticas estavam gerando impactos positivos.
Em 2016 foram cadastradas 27 crianças e adolescentes em situa-
ção de rua, em Porto Alegre. Dessas, 48,1% responderam as informa-
ções solicitadas e 51,9% foram respondidos por outras pessoas princi-
palmente pela pessoa que se apresentou como mãe ou por amigo. De 
uma maneira geral tem-se que, estes, tendem a se concentra no Centro 
Histórico de Porto Alegre (14 dos 27) e no bairro Floresta (com 6) nas 
proximidades da Estação Rodoviária. Os demais se dispersam. Predo-
mina entre estes, o gênero masculino com cerca de 60%. Lembrando 
que entre os adultos o gênero masculino representa quase 85%.
22 
TABELA I – Cidade de procedência e cidade onde passam maior 
parte do tempo.
Cidade Geral
De e estão em 
Porto Alegre
De e estão em
Freq % Freq % Freq %
Alvorada 58 7,1 47 7,4 11 5,9
Canoas 68 8,2 7 1,1 61 32,4
Cachoeirinha 21 2,5 6 ,9 15 8,0
Esteio 18 2,2 --- --- 18 9,6
Gravataí 21 2,5 5 0,8 16 8,5
Porto Alegre 502 60,9 499 78,3 3 1,6
Viamão 99 12,1 41 6,4 58 30,9
Outras 25 2,9 19 3,2 6 3,2
Não 
respondeu
13 1,6 13 2,0 --- ---
Total 825 100 637 100 188 100
Fonte: Perfil / mundo das crianças e adolescentes em situação de rua GRANPAL, 
agosto 2004.
TABELA II – Sexo das crianças e adolescentes censados, 2008 e 2016.
Sexo cadastrado Ano pesquisa
2007/8 2016
Freq % Freq %
Masculino 270 70,5 16 59,3
Feminino 113 29,5 11 40,7
Total 383 100 27 100
Fonte: Censo das crianças e adolescentes em Situação de Rua de Porto Alegre, 
2007/2008 e 2016.
Chama a atenção no que se refere à idade, a presença de cerca de 
53,8% de crianças de até 6 anos e de adolescentes de 13 a 17 anos, de 
38,6%. Mostrando haver concentração nos extremos do estrato. O lo-
cal de nascimento mostra concentração na cidade de Porto Alegre. Em 
23 
2004 cerca da metade desse universo não era de Porto Alegre, inclusive 
boa parte não tinha referência de pertencimento a Porto Alegre, mas à 
cidades vizinhas. Em 2008 esse perfil mudou muito e a grande maioria 
se sentia partícipe da cidadania de Porto Alegre, embora percentual 
significativo tivesse nascido em outras cidades. Em relação ao local de 
nascimento mantém-se alto o índice de nascidos em Porto Alegre ou 
região metropolitana e diminui-se o número de migrantes.
As crianças e adolescentes em idade escolar, ou seja maiores de 
seis anos, estão nas escolas. Porém as menores de seis, não frequentam 
instituições escolares ou creches, e correspondem à metade das que 
estão na rua.
Em relação à religião, os declarantes informaram que a maioria 
absoluta (68,2%) não tem religião, os demais se dispersam equitati-
vamente entre católicos e pentecostais e minoritariamente. alguns se 
definem como espíritas. Entre os adultos também verificou-se um cres-
cente não identificar-se com uma religião. Contudo, o não ter religião 
não quer dizer que não acreditem na existência de um ser que se iden-
tifique com Deus. 
O local onde passam a noite ou dormem confirma a tendência, 
verificada no estudo de 2008, de procurarem locais protegidos. Perce-
be-se que crianças e adolescentes que ainda permanecem na condição 
de “rua” vivem situações que contradizem o ECA e a intencionalidade 
das políticas. Sobre o lugar no qual passa o tempo de acordado, cerca da 
metade informou que passa em locais adequados ou estruturados para 
acolhê-los (Centro POP, EPA, Casas convivência), e a outra metade 
passa pelas ruas e/ou em locais não estruturados para acolhê-los.
Segundo informações da FASC, cabe destacar as mudanças ocor-
ridas na rede de atendimento da política de assistência social em Por-
to Alegre, a partir da aprovação da Política Nacional de Assistência 
Social em 2004, culminando com a implantação do Sistema Único de 
Assistência Social – SUAS. A FASC, gestora da política no município, 
buscando adequar-se as orientações da política reordenou sua rede de 
proteção social básica e especial e a estrutura de gestão. 
Na rede de proteção social básica houve a ampliação da cobertura 
do atendimento a população de crianças e adolescentes na faixa etária 
24 
dos 0 aos 17 anos por meio do Serviço de Convivência e Fortalecimen-
to de Vínculos – SCFV e do atendimento as famílias nos 22 CRAS e 37 
Serviços de Atendimento a Família – SAF. Na rede de Proteção Social 
Especial de Média Complexidade houve a implantação de 9 CREAS 
com a oferta do PAEFI, do Serviço de Acompanhamento de Medidas 
Socioeducativas e do Serviço de Abordagem Social para a população 
adulta e de crianças e adolescentes em situação de rua e suas famílias. 
A abordagem das crianças e adolescentes é realizada através de 
equipes contratadas por meio do convênio Ação Rua, assinado em mar-
ço de 2007. Na rede de Proteção Social Especial de Alta complexidade 
em 2006 houve o reordenamento da rede sócio-assistencial dos servi-
ços de acolhimento institucional para crianças e adolescentes através 
da abertura de novas vagas por meio da implantação de (05) cinco Ca-
sas Lares. Em 2008 implantou-se 12 Abrigos Residenciais Municipais 
dos quais, 02 Abrigos para adolescentes do sexo masculino, totalizando 
a abertura de 92 vagas na rede própria. 
A partir de 2010 foram abertas novas vagas até o primeiro semes-
tre de 2015. Embora a medida de acolhimento institucional de crian-
ças e adolescentes se constitua de caráter excepcional, priorizando-se 
sua permanência junto à família e comunidade, a existência de uma 
retaguarda de acolhimento é fundamental para garantia da proteçãointegral dos sujeitos. 
Diante desse conjunto de mudanças compreende-se a redução do 
número de crianças e adolescentes em situação de rua, tendo em vista 
que parte significativa dessa população se encontra inserida na rede de 
atendimento da política de assistência social municipal. 
Perfil. Cidadania e Identidade da População Adulta em situação 
de rua em Porto Alegre
A realização do estudo foi do Instituto de Filosofia e Ciências 
Humanas da UFRGS, através de contrato com a FASC (Fundação de 
Assistência Social e Cidadania) da prefeitura de Porto Alegre. Reali-
zou-se detalhada preparação com formação para os técnicos da pre-
feitura, para os estudantes que participaram do estudo e para repre-
25 
sentantes da população em situação de rua, principalmente lideranças 
do MNPR/RS (Movimento Nacional da População de Rua, seção RS) 
e pela organização Boca de Rua, que publica um jornal com o mesmo 
nome. A participação desses representantes foi fundamental para os 
resultados obtidos e também para validação social do estudo.
Através de reuniões conjuntas de todos os envolvidos, deta-
lhou-se as demandas e expectativas, construiu-se os instrumentos e 
realizou-se o mapeamento prévio à realização do campo (cadastros e 
entrevistas). Seis equipes de campo compostas por um facilitador (nes-
te caso, um representante da população de rua), um supervisor e três 
entrevistadores percorreram durante 30 dias os locais identificados ou 
informados, sendo que no Centro Histórico e nos bairros próximos 
(Floresta, Bom Fim e Cidade Baixa) foram feitos pelos menos três per-
cursos para cadastro e entrevistas em dias e horários diferentes em 
cada local. Em bairros como Menino Deus, Santana e Navegantes, pelo 
menos duas vezes. Nos demais bairros, uma ida ou duas, quando neces-
sário, de uma equipe.
Características gerais
O estudo censitário da população adulta de rua na cidade de Por-
to Alegre, realizado entre 8 de setembro e 10 de outubro de 2016, 
perfazendo rotinas de trabalho de campo que abarcaram percursos 
previamente mapeados pelas ruas em turnos manhã, tarde e noite. To-
dos os locais mapeados, ou seja, marcados como potencialmente sendo 
acolhedor de pessoas nessa condição, foram visitados por equipes de 
campo. Equipes constituídas de cinco pessoas, três entrevistadores, um 
supervisor e um facilitador. 
Foram identificadas 2.115 pessoas vivendo nessa condição em 
Porto Alegre, sendo 1758, com informações cadastrais censadas. Os 
demais 357 foram contabilizados, porque encontrados com registro de 
local, horário, e algumas características sempre que acessíveis. Através 
de métodos de controle informacional eliminou-se repetições e casos 
não comprovados de estarem na condição de rua. Inclui-se neste total 
os que se recusaram a dar entrevista e os que no momento da aborda-
26 
gem apresentavam condições alteradas e/ou não estavam em condição 
de responder a entrevista. 
Dos 1785 censados selecionou-se uma amostra de 467 – aproxi-
madamente 26% – para responderem uma entrevista em profundida-
de, a fim de se obter informações sobre hábitos cotidianos, identidades 
sociais e étnicas, condições socioeconômicos e culturais, estratégicas 
de sobrevivência, de trabalho e de renda, formas de sociabilidade, re-
presentações sociais, relações e avaliações das instituições e suas prin-
cipais demandas. Para esta amostragem, manteve-se na medida do pos-
sível a representatividade por gênero, por escolaridade e por idade. A 
alta amostra, garantiu confiabilidade das informações. 
Em relação ao total da população em situação de rua em Porto 
Alegre, verifica-se que ela significa ao redor de 0,14 % do total, dentro 
da margem de expectativa para as grandes cidades brasileiras (entre 
0,1% e 0,15%). Em comparação com o último censo realizado na cidade 
em 2011 (FASC, 2012), que abarcava a mesma metodologia de pesqui-
sa, esse número representa um acréscimo de 57%. Efetivamente houve 
crescimento real dessa população e, em pequena medida, um aperfei-
çoamento metodológico, de mapeamento. Este crescimento contribui 
com impacto na visibilidade e traz desafios importantes para as políti-
cas públicas e sociais. O crescimento está acompanhado de várias mu-
danças, sobretudo, territoriais e de comportamentais dessa população, 
identificados.
A distribuição ou ocupação territorial na cidade aponta para no-
vas tendências, em especial, de descentralização e de afirmação de sua 
presença em alguns bairros, mais distantes do Centro Histórico, como 
a Restinga e o Sarandi. Também se verifica aglomeramento em locais 
mais protegidos, ou seja, menor dispersão entre eles, talvez por razões 
ligadas à segurança, sobrevivência e estratégias de luta. Como espera-
do a forte concentração continua no Centro Histórico (40%) e bairros 
próximos ao Centro Histórico. Na sequência os bairros Floresta, Me-
nino Deus, Cidade Baixa e Navegantes, conforme mostra a tabela III. 
27 
TABELA III – Bairro onde foi realizada a entrevista.
Bairro 2007 2011 2016
Freq % Freq % freq %
Agronomia --- --- 4 0,3 3 0,2
Anchieta --- --- 4 0,3 --- ---
Azenha 71 5,9 47 3,5 83 4,7
Bela Vista /Boa Vista --- --- 2 0,2 --- ---
Bom Fim 49 4,1 59 4,4 34 1,9
Bom Jesus 47 3,9 45 3,3 25 1,4
Camaquã / Cavalhada --- --- 7 0,5 --- ---
Centro histórico 277 23,0 368 27,3 598 39,7
Floresta 70 5,8 --- --- 211 12,0
Chacara das Pedras --- --- 3 0,2 --- ----
Cidade Baixa 111 9,2 67 5,0 98 5,6
Cristo Redentor 4 0,3 12 0,9 6 0.3
Cristal --- --- 13 1,0 --- ---
Cruzeiro 5 0,4 13 1,0 --- ---
Farroupilha 40 3,3 10 0,7 34 1,9
Floresta 191 15,9 134 10,0 211 12,0
Glória --- --- --- --- 13 0.7
Higienópolis 2 0,2 1 0,1 --- ---
Hípica 1 0,1 1 0,1 --- ---
Humaitá --- --- --- --- 6 0,3
IAPI --- --- 4 0,3 -- ---
Independência 11 0,9 2 0,1 13 0.7
Intercap 2 0,2 6 0,4 --- ---
Ipanema 9 0,7 7 0,5 10 0,6
Jardim Botânico 22 1,8 11 0,8 8 0,5
Jardim Itu 2 0,2 6 0,4 --- ---
Jardim do Salso --- --- --- --- 3 0,2
28 
Jardim Ipiranga/ Sabará --- --- 2 0,1 3 0.2
Jardim Lindóia 4 0,3 5 0,3 17 1,0
Jardim Planalto 2 0,2 1 0,1 --- ---
Jardim Leopoldina --- --- 28 2,1 --- ---
Lami --- --- --- --- 1 0,1
Lomba do Pinheiro --- --- 1 0,1 6 0,3
Mário Quintana --- --- 1 0,1 --- ---
Medianeira --- --- 4 0,3 3 0,2
Menino Deus 141 11,7 104 7,7 131 7,5
Minuano --- --- 1 0,1 --- ---
Moinhos de Vento 1 0,1 21 1,6 --- ---
Navegantes 34 2,8 102 7,6 102 5,8
Nonoai --- --- 2 0,1 5 0,3
Parque dos Maias 4 0,3 --- --- --- ---
Partenon 2 0,2 18 1,3 14 0,8
Passo da Areia 6 0,5 10 0,7 21 1,2
Passo das Pedras --- --- 5 0,4 --- ---
Petrópolis / Alto Petrópolis 5 0,4 6 0,4 1 0,1
Porto Seco --- --- 2 0,1 --- ---
Praia de Belas 4 0,3 53 3,9 51 2,9
Protásio Alves --- --- 2 0,1 --- ---
Restinga 4 0,3 6 0,5 22 1,3
Rio Branco --- --- 14 1,0 4 0,2
Rubem Berta 2 0,2 6 0,4 20 1,1
Santa Cecília --- --- --- --- 4 0,2
29 
Santa Tereza --- --- 4 0,3 1 0,1
Santana 11 0,9 62 4,7 60 3,4
Santo Antônio --- --- 2 0,1 --- ---
São Geraldo 38 3,2 23 1,7 5 0,3
São João 6 0,5 3 0,2 4 0,2
São Sebastião --- --- 1 0,1 --- ---
São José 1 0,1 --- --- 4 0,2
Sarandi 2 0,2 11 0,8 5 0,3
Teresópolis 7 0,6 5 0,4 5 0,3
Três Figueiras --- --- 2 0,1 --- ---
Tristeza 6 0,5 6 0,4 2 0,1
Vila Ipiranga --- --- 2 0,1 6 0,3
Vila Jardim --- --- 3 0,2 --- ---
Vila Nova --- --- --- --- 10 0,6
Não informado 9 0,7 3 0,2
Total 1203 100 1347 100 1758 100
Fonte: Pesquisa Perfil e Mundo dos Adultos em Situação de Rua de Porto Alegre, 
2007 e Cadastro dos Adultos em Situação de Rua de Porto Alegre, 2011 E 2016.
O perfil populacional revelado pelos dados de campo, aponta que 
essa população na cidade de Porto Alegre é majoritariamente masculi-
na (85,5%). Na Comparação com o estudo anterior a expectativa de que 
a representatividade da população feminina, na época 18,2%, atualmen-
te 13,8%, não se concretizou. A redução no crescimento do percentual 
de mulheres mostrou também forte diminuição para 10,5% o aumento 
desse universo, enquanto o masculino cresceu 52,7%. Isto pode indicar 
bons resultado de políticasespecíficas para este segmento.
Os que nasceram em Porto Alegre ou na região metropolitana 
(59,1%), são maioria e seu crescimento de cerca de sete por cento, mostra 
que ela se reproduz crescentemente na cidade. Dos que não nasceram em 
Porto Alegre, aufere-se que a mobilidade territorial se realizou principal-
mente na direção do interior do Estado (32%) para capital. Há também um 
percentual imigrado de outros estados e alguns poucos de outros países. 
Leve-se em consideração que 51,1% vive na cidade há mais de 20 anos.
30 
O estudo mostrou também haver um envelhecimento da popula-
ção de rua nesses últimos anos, pelo aumento dos maiores de 35 anos 
(61,4%), eram menos de 50% em 2008 e, consequente, uma diminuição 
no número dos mais jovens. 
Em sua maioria, possuem o ensino fundamental incompleto 
(57,4%), porém no geral o perfil de escolaridade é semelhante ao das 
populações pobres da cidade, alguns possuem curso universitário. A 
identificação através da posse de documentos importantes, como Iden-
tidade (65,4%), CPF (61,4%) e Certidão de nascimento (61,3%) aumen-
tou nestes últimos anos. Pois, cada vez mais é necessário estar docu-
mentado para aceder a serviços e/ou a algum tipo de benefício social. 
O pertencimento étnico foi obtido por resposta aberta e a agre-
gação posterior mostrou que se autodeclararam negros (24,5%) e par-
dos, (12,4%), ou seja, 36,9% dessa população, ao passo que os autode-
clarados brancos são 34,3% do total. 
A participação em organizações e o conhecimento de representa-
ções da PopRua melhorou bastante, especialmente do Movimento Na-
cional de População de Rua e do Jornal Boca de Rua.
Trabalho, Renda e Formação Profissional
A população de rua de Porto Alegre majoritariamente exerce al-
guma atividade que lhe atribui legitimidade social de pertencimento à 
cidade. Entre as principais atividades, reconhecidas socialmente como 
trabalho, por eles citadas, estão: a reciclagem (23,9%), a jardinagem 
(14%) e a lavação, o cuidado de carros, a flanelinha (12,8). Essas ativi-
dades no geral correspondem à sua principal renda.
De modo geral, boa parte (42,5%) sustenta ter alguma forma-
ção profissional. Alguns afirmaram, possuir mais de uma qualificação. 
A maioria (57.5%), porém, afirmou não ter no seu currículo nenhuma 
qualificação específica, o que indica uma demanda a ser observada, aci-
ma de tudo se levarmos em conta sua relação com as oportunidades de 
trabalho e renda. 
31 
Tabela IV – Principal atividade ocupacional destinada à sobrevivência
Rendimento mensal* Freq %
Catador mats recicláveis/
reciclagem
106 23,9
Jardinagem 62 14,0
Lava/guarda carros/flanelinha 57 12,8
Pede/achaca 44 9,9
Faz programa/prostituição 39 8,8
Construção civil/pedreiro/pintor 28 6,3
Vendedor de rua 25 5,7
Bico/biscate 22 5,0
Limpeza/faxina 14 3,1
Nada 14 3,1
Distribui panfletos 12 2,7
Artesanato 5 1,1
Carga e descarga 5 1,1
Outro 11 2,5
Total 413 100
Fonte: Pesquisa Perfil e o Mundo dos Adultos em Situação de Rua de Porto Alegre, 
2016 (N=413).
Como resultante, quase todos possuem alguma renda, mesmo 
baixa para os indicadores da cidade de Porto Alegre, mas que ajuda a 
garantir soluções, alternativas e sobrevivências em geral na rua. Mais 
de um terço (38,2%) percebe até meio salário mínimo e cerca de um 
terço (31,6%), um salário mínimo, perfazendo um total de 69,8% que 
recebem até um salário mínimo. Alguns sustentam, como revela a tabe-
la, que alcançam renda superior a três salários mínimos. Considerando 
o bolsa família como referência, constata-se que a maioria da população 
desse universo possui renda superior à que serve de referência ao bolsa 
família, pois trata-se, neste caso, de renda individual, não familiar. Essa 
renda é gasta no cotidiano, quase não há poupança ou investimento 
patrimonial. 
32 
Tabela IV – Rendimento mensal em Salários Mínimos (SM).
Rendimento mensal* Freq %
Até 1/2 SM (Até R$ 440,00) 146 38,2
De mais de ½ a 01SM (De R$ 441,00 a R$ 880,00) 121 31,6
De mais de 01 a 1 ½ SM (De R$ 881,00 a R$1,320,00) 62 16,2
De mais de 1 ½ a 02 SM (De R$ 1.321,00 a R$ 1.760,00) 28 7,3
De mais de 02 a 03 SM ( De R$ 1.761,00 a R$ 2.640,00) 22 5,7
 De mais de 03 a 04 SM (De R$ 2.641,00 a R$ 3.520,00) 2 0,5
Mais de 04 SM (Mais de R$ 3.520,00) 2 0,5
Total 451 100
Fonte: Pesquisa Perfil e Mundo dos Adultos em Situação de Rua de Porto Alegre, 
2016 (N=451).
*Salário Mínimo considerado de R$ 880,00 em vigor no Brasil, em setembro de 2016.
A população se autorepresenta afirmativamente em relação à 
identificação com uma profissão, sendo 81,4% os que afirmam possuí-
rem profissão, embora somente cerca de 42% afirmam possuir quali-
ficação, como curso, treinamento etc. Este percentual não oscilou se 
considerarmos os percentuais da pesquisa de 2007/08.
Ida à rua e as relações familiares 
De um modo geral, um quarto (25,2%) da população investigada 
está há menos de 1 ano na rua. Por outro lado, agregando os dados 
daqueles que estão há mais de 5 anos na rua, temos quase a metade da 
população (47,8%), o que revela uma permanência na situação de rua 
de mais longo prazo. Comparando os dados de 2016 com as pesquisas 
anteriores, vê-se uma tendência de cronicidade da situação de rua, com 
crescimento dos percentuais de tempo em faixas temporais de mais de 
10 anos aumentando em cerca de 10% entre os que estão na rua a mais 
de 10 anos. 
33 
TABELA V – Tempo em que vivem em situação de rua, Porto Alegre. 
 2008, 2011 e 2016.
Tempo em que está na rua 2007-8 2011 2016
% % %
Há menos de 1 ano 29,3 22,5 25,3
De 1 a 5 anos 28,3 29,7 26,9
De 5 a 10 anos 18,4 17,8 18,6
De 10 a 20 anos 14,1 16,2 19,3
Mais de 20 anos 5,6 10,0 9,9
NS/NR 4,3 3,8 ---
Total 100 100 100
Fonte: Pesquisa Perfil e Mundo dos Adultos em situação de Rua de Porto Alegre, 
2007 (N=?), 2011 (N=1347) e 2016 (N=1516).
Os motivos para a ida para a rua são muitos diversos. Desde os 
relacionados à instabilidade afetiva e econômica, a violência familiar, 
ao uso de álcool/drogas (24%), e outras situações diversas, gerando 
impactos pessoais. Se considerarmos que as “separações e decepções 
amorosas”, os “maus tratos na família”, “não se sentir bem com a fa-
mília”, a “morte de algum familiar”, o “envolvimento da família com 
o tráfico de drogas” e o “uso de drogas ou o alcoolismo na família de 
origem” são situações que envolvem pessoas próximas e/ou do núcleo 
familiar de origem, verificamos que 32,5% das motivações explicitadas 
envolveram questões de conflitos de ordem familiar.
Neste sentido, a revelação do envolvimento com drogas e/ou ál-
cool e à decisão de preservar a família em relação aos danos e conflitos 
que a dependência aponta para a necessidade de pesquisas futuras para 
investigar de forma apropriada as correlações existentes entre variá-
veis tais como: instabilidade familiar, problemas com dependências e 
violência.
34 
TABELA VI – Motivações para terem ido para a rua 
Por que / como veio para a rua Freq %
Uso de drogas/ Alcoolismo próprio 112 24,9
Conflitos e/ou maus tratos na família (violência) 56 12,5
Separação/decepção amorosa 45 10,0
Desemprego 40 8,9
Por causa da morte de algum familiar 33 7,4
Não tem família / não se sente bem na família 26 5,8
Perda da moradia 23 5,1
Porque gosta / opção 23 5,1
Expulsão de casa 14 3,1
Uso de drogas/Alcoolismo na família de origem 13 2,9
Endividamento/falta de dinheiro 10 2,3
Sofre ameaças / jurado na comunidade 9 2,0
Saída do Sistema Penitenciário (Prisões) 7 1,6
Porque estava doente 5 1,1
Porque a família está envolvida com o tráfico 4 0,9
Saída da FASE/FEBEM 1 0,2
Outro 28 6,2
Total 449 100
Fonte: Pesquisa Perfil e o Mundo dos Adultos em Situação de Rua de Porto Alegre, 
2016. (N=449)
Mais de 75% informou não ter outro familiar na rua, revelando 
fraco vínculo familiar ou anterior ao estar na rua, entre eles. As rela-
ções com familiares, mostra-se cada vez mais tênue. Aumentou signi-
ficativamente o percentual (de 24,5% em 2008 para 39,9% em 2016) 
daqueles que não mantêm nenhum contatocom a família há mais de 
5 anos. Em relação ao relacionamento marital na rua, menos de um 
35 
quarto tem companheiro(a) fixo(a), percentual bastante semelhante ao 
estudo anterior. As mulheres assumem mais a vida do tipo conjugal, 
possivelmente por proteção. No que se refere à existência de prole, 76% 
declarou ter filhos, dos quais, menos de um terço nasceu quando estava 
na rua. Seus filhos não vivem na rua.
Condições de permanência na rua 
A maior parte da população estudada dorme cotidianamente e 
prioritariamente em lugares de risco e improvisados e com forte expo-
sição ao ambiente natural (52,1%). A opção por dormir em lugares ins-
titucionalizados variou pouco entre uma pesquisa e outra, mostrando a 
pouca eficácia dessa política. Os espaços institucionalizados para pernoi-
tar são usados por pouco mais de um terço (38,8%) dos entrevistados. 
Constata-se tendência pequena a aumentar o uso de serviços e 
equipamentos oferecidos a eles, permanecendo no entanto seu baixo 
uso. Não obstante, mais da metade (52,1%) ainda dorme cotidianamen-
te e prioritariamente em lugares de risco e improvisados e com forte 
exposição ao ambiente natural. É relevante o fato de que esses espaços 
desprotegidos também aparecem com frequência relativamente eleva-
da como segunda opção para dormir (28,1%). 
Disto, conclui-se que mais de 60% da população adulta de rua em 
Porto Alegre pode ser caracterizada como “moradora de rua”, já que este 
é um indicador central. As recentes estratégias que estão adotando como 
construção de barracas para abrigo noturno, aglomeração em locais me-
nos desprotegidos, entre outros, não indica mudança desta condição e 
pode, inclusive, estar apontando para uma busca de diminuição de riscos, 
tão somente. Isto porque o que mais chama atenção em relação às carac-
terísticas negativas da situação de rua, mais do que a discriminação e a 
estigmatização, é a sensação de estar vulnerável à violência.
Do cotidiano e uso das instituições
As companhias diárias na rua, mostram fraca constituição de 
vínculos entre eles. Menos da metade (44,1%) informou que passam o 
36 
tempo que não está trabalhando ou ocupado com atividades e obriga-
ções formais, com parceiros de rua, colegas de trabalho e amigos em 
geral. Inclui-se os cerca de 9,5% que passam em espaços institucionais, 
de acolhida. Os demais passam perambulando, em praças, casas ou ter-
renos desocupados. Quase por consequência, as necessidades íntimas 
e de higiene corresponde aos dados de locais que frequentam, para 
40,1%, essas necessidades são realizadas em instituições de acolhida, 
sejam albergues, abrigos, Centro Pop ou Caps. Banheiros e chuveiros 
públicos, são utilizados por cerca de 22%. 
A alimentação, de maneira geral, atende à demanda e mostrou 
crescimento do uso do Restaurante Popular (48,8%), e cerca de 40% 
afirmou alimentar-se em locais de distribuição de refeições, chamados 
de “sopão”. Demais locais como entidades filantrópicas, igrejas, centros 
espíritas, terreiros etc. são bastante frequentados por quase metade da 
PopRua. A mesma pessoa por vezes frequenta mais de um desses locais 
em dias ou turnos diferentes, por isso supera os cem por cento. Os de-
mais, cerca de um quarto dessa população se alimentam do que ganham 
em residências, estabelecimentos comerciais, especialmente restauran-
tes, ou compram. A compra não necessariamente é o principal acesso, 
no geral é complementar. Nota-se um aumento da importância e da 
confiança nos equipamentos e instituições que ofertam alimentação.
A saúde representa crescente preocupação e aumentam os relatos 
de doenças da população de rua de Porto Alegre, especialmente às as-
sociadas ao uso de álcool e de drogas. A melhoria da informação sobre 
adoecimento e/ou problemas de saúde fez com que se preocupem mais 
e se diagnostiquem melhor. A tipologia de doenças ou problemas em 
relação à saúde permanece mais ou menos inalterada, o que se alterou 
razoavelmente foi a percepção de incidências no sentido de um claro 
agravamento das condições de saúde. O agravamento maior por eles 
percebido refere-se à dependência química/álcool, que passou de 40,1% 
em 2008 para 49,6% em 2011 e 58,1% em 2016. O segundo maior pro-
blema de saúde ressaltado, se refere ao dentes ou saúde bucal (47,8%) 
apresentando pequena diminuição. Na sequência, aparece o que gene-
ricamente foi denominado de dores no corpo (43,7%), que manteve um 
percentual semelhante ao observado em 2011.
37 
A violência se constitui num dos mais graves problemas para a 
população de rua de Porto Alegre. Mais da metade (60,6%) respondeu 
já ter vivenciado situação de violência, incluindo os 47,5% que viven-
ciaram essa situação mais de uma vez. Considerando a violência sim-
bólica, cerca de 45% já foi expulso de algum lugar, desse percentual 
36,5% foi de locais ou órgãos públicos, como ruas, calçadas, praças, 
parques, marquises e até mesmo hospitais e postos de saúde. Em esta-
belecimentos comerciais, incluindo bancos, 21,1% afirma que já sofreu 
discriminação. 
No geral eles percebem que sua presença é indesejada e recebem 
tratamentos negativos como por exemplo, com desconfiança (82,4%) 
e com medo (80,7%) dos entrevistados. O preconceito foi apontado 
por 79,4%, mostrando que essa população tem perfeita consciência do 
ambiente social em que vivem, produzindo a falta de respeito, esta, 
apontada por mais da metade dos entrevistados como sendo uma con-
sequência do preconceito. Para eles, a pior consequência destas consta-
tações de negativização de suas vidas é a sensação de vulnerabilidade, 
sobretudo, frente à violência.
Os dados da pesquisa também apontam para uma maior percep-
ção de adoecimento e de problemas de saúde, em relação às anteriores 
em quase todas as categorias, à exceção das doenças de pele, que dimi-
nuíram pela metade e as cardíacas, que se mantiveram estáveis. O uso 
ou consumo de produtos que podem ser prejudiciais à saúde se mantém 
elevado, especialmente o cigarro consumido por 51,8% todos os dias, 
seguido por bebidas alcóolicas, consumidas diariamente por 24,6% e 
por 36,9% não cotidianamente. As drogas ilícitas mais consumidas são 
maconha e crack. O aumento na percepção de doenças, sugere a preo-
cupação e possivelmente inovações nas políticas públicas. 
Dinâmicas novas e políticas convencionais
Algumas especificidades da população de rua de Porto Alegre re-
metem à conclusões a respeito das dinâmicas recentes e questionadoras. 
Metade dessa população afirmou ter nascido em Porto Alegre, quase 
10% maior que em 2007. Houve diminuição do percentual de população 
38 
feminina de cerca de 20% para cerca de 14% em 2016. O tempo de mo-
radia em Porto Alegre aumentou, e o tempo que está na rua, também. 
O tempo de rua é muito importante para políticas de deman-
das, pois quanto maior este tempo, maior o vínculo que estabelecem no 
sentido de construírem condições e artimanhas de sobrevivência e de 
segurança. Em alguns anos, perde-se vínculos, sobretudo com seu meio 
de origem e mudam-se hábitos e vínculos. Com o tempo, aprendem as 
artimanhas desse modo de vida e se ajustam a elas, e passam a reivin-
dicar a partir dessa condição.
Os contatos com familiares ou com as pessoas de convivência no 
período anterior à rua se alongam Mais de um terço (37%), há mais de 
10 anos não tem nenhum contato dessa natureza. Não se pode transpor 
o conceito dominante, de origem cristã, de família. Em Porto Alegre, 
há algumas experiências de criação de vínculos societários entre eles, 
com compromisso, que chamam de comunidade. Incipientes ainda, mas 
podem estar apontando perspectivas interessantes.
Há situações de riscos que a situação de rua agrega ao cotidia-
no. Por estarem em condições de desabrigo corporal e sofrerem pre-
conceito social cotidianamente, os riscos e desafios que enfrentam são 
proporcionais. Afetam, por exemplo, de forma impactante a saúde tan-
to corporal quanto mental. A confissão generalizada de medo de não 
acordar ou de morrer como que do nada,de não poder utilizar deter-
minados espaços ou meios (transporte, praças, áreas de lazer), o alto 
índice de fumantes, de consumo de álcool ou de drogas, manifesta essas 
condições ou sensações de risco constante.
Refinando melhor a análise, constata-se que a opção por dormir 
em lugares institucionalizados ou protegidos variou pouco nos últimos 
oito anos. Os Albergues têm maior procura. É provável que o peque-
no incremento da utilização dos albergues como dormitório, possa ter 
relação com a diminuição do uso de abrigos. Não obstante, mais da 
metade ainda dorme cotidianamente e prioritariamente em lugares de 
risco e improvisados e com forte exposição ao ambiente natural. É rele-
vante o fato de que esses espaços desprotegidos também aparecem com 
frequência relativamente elevada como segunda opção. Deste modo, 
conclui-se que, à semelhança com os resultados de estudos anteriores, 
39 
cerca de 60% da população estudada pode ser caracterizada como “mo-
radora de rua”. Pois, a cidade de Porto Alegre possui atrativos para 
essa população, como recursos de sobrevivência e renda (classe média 
que usa seus serviços como segurança, guarda de carros, limpeza, cole-
ta de material reciclável etc.) que dá sustentabilidade e reprodução de 
boa parte dessa população
Encruzilhada e futuro complexos
O perfil etário da população de rua adulta de Porto Alegre apre-
senta tendência ao envelhecimento e se mostra bastante diversificada 
no que se refere a sua origem étnica e ao seu pertencimento religioso. 
Predomina o pertencimento católico e alto índice de ateus. No que se 
refere a escolaridade dessa população tem-se que 70% declara possuir 
Ensino Fundamental incompleto ou ser analfabeto, percentual esse, se-
melhante ao observado entre as populações de baixa renda da cidade. 
De uma amenizar geral, a maioria obtém algum rendimento pessoal 
(cerca de 70% até um Salário Mínimo) e cerca de um terço recebe be-
nefícios sociais públicos, como bolsa família, no caso remetido à filhos 
que não vivem na rua. 
Mais da metade dorme em lugar desprotegido (praças/parques, 
marquises, pontes etc.) de forma regular. Cerca de 10% também dorme 
nestes locais intermitentemente, o que significa que, para cerca de 60%, 
as políticas de acolhimento e proteção não surtem o efeito esperado. O 
local de dormida é fundamental para caracterizar a condição de estar 
na rua, pois caracterizaria o conceito de morador de rua, propriamente. 
Além da exposição aos riscos de segurança e para a saúde.
As políticas de alimentação e de vestuário, de maneira geral es-
tão atendendo às demandas, sendo estas, aparentemente as únicas que 
atendem de maneira satisfatória, na perspectiva desse população. Em 
relação às políticas que se referem a saúde e bem estar, à segurança, 
ocupação do tempo livre, o estudo mostrou situação crítica, inclusive 
de piora nos últimos anos, na percepção desses usuários. Atender a 
essas demandas permanece sendo um dos principais desafios para a 
sociedade e para a administração de Porto Alegre.
40 
Em linhas gerais tem-se que os dados apresentados mostram uma 
dinâmica de vida marcada pelo reconhecimento da situação de subalter-
nidade e de falta de reconhecimento social. Embora haja, de um lado, 
maior visibilidade política e numérica da população em situação de rua 
na cidade, o que se percebe através das percepções trazidas pelas pessoas 
estudadas é uma intensificação de estigmas e atribuições negativas. 
O uso de serviços oferecidos para esta população continua mar-
cando o cotidiano de escassa parte da população estudada, o que cons-
titui um desafio para as políticas públicas. E, neste sentido, reconhecer 
a existência social das pessoas em situação de rua pode ser admitir que 
o rumo das políticas talvez não seja aquele da simples tentativa de sua 
supressão através de políticas assistencialistas ou de controle social 
punitivo, mas atenção e, sobretudo, transformação dos complexos pro-
cessos sociais que as configuram, na sua dramaticidade e luta cotidiana.
É importante registrar que o sucesso obtido tanto nesta última 
pesquisa quanto nas anteriores deveu-se em boa medida por estarem 
pautadas em três princípios fundamentais, rigorosamente respeitados, 
a saber: a confiança, a responsabilidade e a idoneidade/honestidade. 
Confiança na equipe com quem se trabalha, o que exige postura 
vigilante de transparência, evitando constrangimentos, estimulando a 
liberdade e o engajamento de todos com os resultados e, portanto com 
o processo. Responsabilidade de todos os participantes no que se refere 
às tarefas e compromissos. Ser honestos e idôneos para com todos os 
envolvidos na pesquisa de modo que, inspire confiança e confiabilidade 
nos resultados convencendo o informante da importância da sua parti-
cipação, para si próprios.
A experiência da UFRGS nestes últimos 14 anos de parcerias 
e estudos desse universo social, para além do desafio metodológico – 
“coisa para louco”, se ouvia lá no começo –, é gratificante observar 
que seus resultados mobilizam boa parte da cidade, tanto os meios de 
comunicação, quanto as instituições e a população em geral. Apesar de 
numericamente pouco expressivo, cerca de 0,0012%, da população da 
cidade, esta, ocupa um lugar territorial físico e simbólico, importante. 
Não há quem não tenha vivido alguma experiência, contato, conversa, 
observação de soslaio ou em forma de desafio, observando seus cachor-
41 
ros bem cuidados e fiéis aos donos, trocado algo, parado diante do noti-
ciário para ouvir sobre eles, lido uma reportagem ou artigo acadêmico, 
lamentado a violência gratuita sobre algum deles etc. A presença diu-
turna de uma quase negação da existência provoca desacomodações e 
desperta na população sentimentos humanos.
Perceber e mostrar com dados e informações o grau e a profun-
didade do pertencimento deles à cidade, o compromisso com a preser-
vação ambiental que lhes dá abrigo e sombra, com a coleta dos resíduos 
recicláveis que produzimos, com a crescente consciência coletiva de 
uma identidade em construção e de um desafio cotidiano que se expres-
sam através de suas precárias condições, que os mantêm vivos, alguns 
por mais de 30 anos na rua, desafiando essa precariedade.
Disto decorre que, tais estudos estudos estão cada vez mais sen-
do utilizados por essa população que, através de suas organizações, de 
mediadores e/ou instituições que atuam junto à eles, por jornalistas, 
políticos e pessoas do direito institucional para posicionar-se e por ve-
zes proporem iniciativas e/ou questionamentos sobre esse tema.
É fato que as populações em situação de rua estão presentes em 
quase todas as sociedades, de forma generalizada na América Latina, 
nos Estados Unidos e em alguns países da Europa ocidental, dentre 
outros. Em muitos países como o Brasil, estão presentes em espaços 
não citadinos ou rurais, como os trecheiros, andarilhos e biscateiros. 
Contudo, há, no Brasil, uma tendência a se observar uma maior con-
centração destes nas regiões metropolitanas, onde há maior disponi-
bilidade de recursos garantidores de sobrevivência, de invisibilidade 
ou anonimato. No Brasil, o Ministério do Desenvolvimento Social e 
Agrário – MDS contempla com apoio a políticas para essa população 
às cidades com mais de 200 mil habitantes. Um arbítrio inexplicável, 
discriminatório, pois burla a isonomia de tratamento entre cidadãos 
que vivem as mesmas condições.
Todavia, a questão central que permanece reside em se oferecer 
políticas de bem-estar e compensatórias, para garantia de seus direitos 
de cidadania, sem impor, a estes, uma condição civilizatória. Valorizar 
as experiências e perscrutar suas demandas, por mais simples que se-
jam, como, por exemplo, banheiros abertos 24 horas, acesso fácil a água 
42 
potável, acesso fácil aos serviços de saúde, políticas de estímulo a ren-
da, entre muitas iniciativas que emergem no debate com eles mesmos, 
são apenas alguns dos caminhos a partir dos quais pode-se construir 
um novo paradigma em relaçãoa essas populações e as políticas a ela 
correlatas. Disto, conclui-se que: 
Reconhecer a existência social de crianças e adolescentes em 
situação de rua em Porto Alegre, por todos, como cidadãos que 
integram nosso cotidiano e devam usufruir dos direitos e das 
condições saudáveis de vida permanece como tarefa comum, de 
todos nós, além das responsabilidades das instituições. [Pois] 
A responsabilização não pode ficar adstrita aos órgãos públicos 
ou instituições que prestam serviços formalmente para essa 
população (FASC, 2016). 
 E, neste sentido, tem-se que a superação de políticas assistencia-
listas, objeto de esforços nas últimas três décadas em Porto Alegre, não 
pode esmorecer e ser substituída por métodos de controle social puni-
tivos ou restritivos, mas devem consolidar-se em cultura da cidade para 
acompanhar suas demandas e as transformações dos complexos proces-
sos sociais que as configuram, na sua dramaticidade e luta cotidiana.
43 
Referências
FASC. Relatório Final de Pesquisa: Cadastro de Adultos em Situa-
ção de Rua de Porto Alegre/RS. Porto Alegre: FASC, 2012.
FASC. Relatório Final de Pesquisa: Cadastro de Adultos em Situa-
ção de Rua de Porto Alegre/RS. Porto Alegre: FASC, 2012. In: http://
www2.portoalegre.rs.gov.br/fasc/default.php?pg=2&p_secao=120
UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL. Rela-
tório final da pesquisa: Cadastro de Adultos em Situação de Rua 
e Estudo do Mundo da População Adulta em Situação de Rua de 
Porto Alegre. Porto Alegre, 2008 (Mimeo).
GEHLEN, I.; SCHUCH, P.; PIMENTA, M. M.; VIRGÍNIO, A. S.; 
MEIRELLES, M. Relatório quanti qualitativo, contendo o Cadas-
tro censitário e o Modo de vida cotidiana da População Adulta em 
Situação de Rua de Porto Alegre. IFCH/UFRGS – FASC, 2016, In: 
http://www2.portoalegre.rs.gov.br/fasc/default.php?p_secao=120
GEHLEN, I.; SCHUCH, P.; PIMENTA, M. M.; VIRGÍNIO, A. S. Ca-
dastro de crianças e adolescentes em situação de rua de Porto 
Alegre. Relatório pesquisa UFRGS-FASC. Porto Alegre, 2016a (em: 
http://www2.portoalegre.rs.gov.br/fasc/default.php?p_secao=120b)
GEHLEN, I.; SILVA, S. R.; BORBA, M. (Orgs.). Diversidade e Proteção So-
cial: estudos quanti-qualitativos das populações de Porto Alegre: afro-
-brasileiros; crianças, adolescentes e adultos em situação de rua; coleti-
vos indígenas; remanescentes de quilombos. Porto Alegre, Century, 2008.
MAGNI, C. T.; SCHUCH, P.; GEHLEN, I.; DICKEL, I. K. Crianças 
e adolescentes em situação de rua em Porto Alegre. In: GEHLEN, I.; 
SILVA, M. B.; SANTOS, S. R. (Orgs.). Diversidade e Proteção So-
cial: Estudos quanti-qualitativos das populações de Porto Alegre. 
Porto Alegre: Century, 2008. Pp. 71-92.
45 
EQUIPAMENTOS, SERVIÇOS E VISÕES SOBRE 
POLÍTICAS PÚBLICAS PARA PESSOAS ADULTAS 
EM SITUAÇÃO DE RUA EM PORTO ALEGRE: 
ENTRE O CUIDADO E A VIOLÊNCIA
PAtrice Schuch
ivAldo Gehlen
heloíSA helenA SAlvAtti PAiM
tiAGo MArtinelli
Os que mais utilizam os albergues, agora, no momento, sem ser as 
pessoas que são velhas, e as pessoas que não são daqui de Porto Ale-
gre, e esse pessoal que trabalha na Cootravipa. Esses acessam bem 
mais, está entendendo? Não que quem está na rua não possa. Os que 
estão na rua eles não acessam as casas porque eles são, como o cara 
falou, humilhados. Por isso que eles estão na rua. E lá é horário para 
tudo. Tem que calar a boca, tem que tirar o boné, tem que fazer o que 
eles querem e na rua não. Se tu tiver parado numa fila para pegar 
uma fichinha para entrar no albergue já tem calar a boca, se tu falar 
tu é suspenso. Aí tu tem que ficar numa fila, aí de repente o cara tem 
o dia todo. Tu não pode sentar tem que ficar em pé esperando a tua 
ficha. Tem que ficar em pé na fila até subir para a hora do banho. 
Então o que acontece? Por que eu vou ir lá no albergue, ficar lá no 
albergue sendo que eu posso ficar aqui na Borges? Onde vão trazer a 
comida, ninguém vai me tirar o boné, ninguém vai pedir nada, eu vou 
no Harmonia tomar um banho.
(Pessoa em situação de rua, narrativa realizada 
em Grupo Focal)
A fala-epígrafe deste texto expõe críticas contundentes aos pro-
cedimentos de institucionalização em abrigos, segundo a perspectiva 
de uma pessoa em situação de rua em Porto Alegre, participante do 
Boca de Rua. A narrativa expõe um processo em voga que, segundo os 
usuários dos serviços, mas também segundo trabalhadores e gestores 
da área, se refere à transformação do perfil de usuários de abrigos e de 
46 
processos seletivos intensos para ingresso das pessoas nesses serviços. 
Também assinala a existência de regramentos para sua habitação e, 
em última instância, destaca a preferência pela vida na rua, frente às 
configurações do atendimento nos abrigos. 
A colocação em evidência dessa narrativa não tem a intenção de 
afirmar a ineficácia das estruturas de atendimento à população de rua, 
mas de instigar a curiosidade sobre como funcionam e se estruturam. 
Não é novidade a crítica aos regramentos institucionais, feitas pelas pes-
soas em situação de rua, às instituições de abrigo e albergue na cidade 
que é, inclusive, um dos principais motivos de sua não utilização. Entre-
tanto, pouco se sabe acerca dos serviços destinados à população de rua na 
cidade, para além dessas críticas. Também, a perspectiva dos trabalhado-
res e profissionais da área, seus desafios, estruturas de trabalho e visões 
sobre políticas públicas é algo invisível à discussão sobre a configuração 
dessas políticas, assim como também é a perspectiva das próprias pes-
soas atingidas, como se fossem elementos acessórios ou desimportantes, 
ao invés de constitutivos de seu modo de existência e funcionamento. 
Este texto irá apresentar alguns dados que colocam em evidência 
esses aspectos pouco visíveis dos modos de gestão da população de rua 
em Porto Alegre: de um lado, as “infraestruturas” dos serviços de abri-
go e de albergue destinados a esse público e, de outro lado, a perspec-
tiva das pessoas envolvidas, seja na condição de trabalhadores, seja na 
condição de usuários dos serviços, sobre as políticas públicas da área. 
Dito isto, tem-se que esse estudo faz parte dos resultados da pes-
quisa mais abrangente intitulada: “Pesquisa Quanti-Qualitativa da Po-
pulação adulta e de crianças e adolescentes em situação de rua da cidade 
de Porto Alegre” (UFRGS, 2016), realizado sob a coordenação dos pro-
fessores Ivaldo Gehlen e Patrice Schuch. O projeto maior foi composto 
também pela pesquisa quantitativa, responsável pelo censo e quantifica-
ção de dados acerca das características socioculturais da população em 
situação de rua, bem como pelos dados acerca dos modos de inserção 
urbana e das relações com as políticas públicas (UFRGS, 2016). 
A pesquisa qualitativa ora apresentada foi dividida três partes 
(UFRGS, 2017): a) estudo dos equipamentos, realizado através de “visitas 
etnográficas” nos abrigos e albergues para população adulta em situação 
47 
de rua em Porto Alegre, nos Centros Pop e nos CREAS e CRAS da região 
centro de Porto Alegre; b) estudo das percepções e expectativas de tra-
balhadores e público beneficiário, acerca das políticas públicas para popu-
lação de rua, realizado através de “grupos focais”; e, c) acompanhamento 
de eventos e fóruns de discussão sobre as políticas (reuniões, seminários 
e grupos de trabalho destinados à formação e execução das políticas para 
pessoas adultas em situação de rua na cidade de Porto Alegre). 
As atividades de pesquisa foram planejadas para alcançar um ob-
jetivo geral mais amplo: conhecer as estruturas e modos de funciona-
mento das principais instituições tipificadas como de assistência social 
de atendimento à população de rua adulta em Porto Alegre, bem como 
os desafios e as expectativas quanto ao atendimento na percepção de 
trabalhadores e público atendido, na interface com a formulação das 
políticas e seu modo de funcionamento. As ações da pesquisa qualitati-
va foram realizadas no período de março a novembro de 2016, por uma 
equipe de pesquisadores que conjugou pesquisadorese professores das 
áreas da Antropologia, Sociologia e Serviço Social, estudantes de pós-
-graduação em Antropologia e em Sociologia e estudantes de gradua-
ção em Ciências Sociais1. 
O estudo dos equipamentos realizado através das “visitas etno-
gráficas” ocorreu entre junho e novembro de 2016 e ao todo foram 
considerados 16 (dezesseis) equipamentos/serviços. Os serviços foram 
visitados em ao menos 2 (dois) turnos (com exceção de um equipa-
mento e do CREAS E CRAS) e, no geral, duas vezes, sendo que cada 
encontro teve duração em torno de 2 a 3 horas. A pesquisa das per-
cepções e vivências de trabalhadores e usuários dos serviços sobre as 
políticas na área foi realizado através de “grupos focais”, realizados nos 
1 A equipe da pesquisa qualitativa foi composta por Patrice Schuch (professora do De-
partamento de Antropologia), Alexandre Virgínio (professor do Departamento de So-
ciologia), Heloísa Helena Salvatti Paim (antropóloga contratada), Dayana Mezzonato 
Machado (mestranda em Desenvolvimento Rural na UFRGS) e Caroline Silveira Sar-
mento (graduanda em Ciências Sociais na UFRGS). As visitas etnográficas foram rea-
lizadas por duplas de pesquisadores que contaram com a supervisão de Patrice Schu-
ch e Heloísa Paim, com a participação dos pesquisadores: Caroline Silveira Sarmento, 
Dayana Mezzonato e Alexandre Virgínio. Os grupos focais foram desenvolvidos por 
Melissa Pimenta e Tiago Martinelli, sendo que a sua execução foi coordenada por Tia-
go Martinelli, com a participação de Bruno Guilhermano Fernandes (graduando em 
Ciências Sociais). O acompanhamento etnográfico dos eventos e fóruns de discussão 
sobre as políticas para população de rua foi realizado por Heloísa Salvatti Paim.
48 
dias 28, 29 e 30 de setembro e no dia 05 de outubro. Houve a realiza-
ção de 4 (quatro) grupos focais, que tiveram a seguinte composição: 1) 
Trabalhadores de abrigos, albergues e república; 2) Trabalhadores dos 
Centros POP, Consultório na Rua e EPA; 3) Trabalhadores do CRAS, 
CREAS e Ação Rua; e, 4) Pessoas em situação de rua que utilizam os 
serviços públicos destinados a esse público, em Porto Alegre. 
O trabalho de campo junto aos fóruns institucionais ocorreu en-
tre março e outubro de 2016. 
Notas sobre “Etnografia Pública”
A execução da pesquisa qualitativa foi realizada em um cenário 
que privilegiou os diálogos estabelecidos com trabalhadores da Fun-
dação de Assistência Social e Cidadania (FASC) e com integrantes do 
Movimento Nacional da População de Rua (MNPR), em diferentes 
momentos. A proposta da pesquisa respondeu a um edital lançado pela 
FASC, ainda em 2015. Após aprovação do projeto inicial, constituiu-se 
um coletivo responsável pelo acompanhamento interinstitucional da 
pesquisa, intitulado “grupo de acompanhamento da pesquisa”, compos-
to por pesquisadores da UFRGS (sociologia, antropologia e serviço 
social), por trabalhadores da FASC (de representantes de diferentes se-
tores: proteção básica, especial, recursos humanos, vigilância sócio-as-
sistencial, direção técnica, entre outros) e de representantes das pes-
soas em situação de rua (MNPR e Boca de Rua). A pesquisa, portanto, 
contou com a colaboração de um conjunto de debates no qual se faziam 
presentes pessoas que ocupam posições distintas em relação à proble-
mática geral da pesquisa, engajando e implicando muitas pessoas em 
seu processo de realização.
É neste sentido que a execução da pesquisa se inspirou na propos-
ta de uma “etnografia pública”, nos moldes descritos pelo antropólogo 
Didier Fassin (2013), mas que encontra eco importante nas colocações 
de João Biehl e sua insistência no potencial da antropologia de ser uma 
“força mobilizadora no mundo” (BIEHL, 2013: 371). Embora com di-
ferentes nuances que não cabe neste momento, Biehl e Fassin evocam a 
impossibilidade da etnografia sem a produção de um “público”. 
49 
Para Biehl (2013), a prática antropológica solicita um terceiro, um 
leitor, uma comunidade de algum tipo, que não é reduzida aos persona-
gens ou ao escritor, mas que manifestará e levará adiante, portanto, o pró-
prio potencial da antropologia em ser uma força mobilizadora no mundo. 
Para Fassin (2013), por sua vez, esse potencial deveria, inclusive, ser exer-
citado em maior potência a partir do que chama de “etnografia pública”: 
A expressão refere-se simplesmente ao princípio de trazer para 
vários públicos - além dos círculos acadêmicos – as conclusões 
de uma etnografia analisada à luz do pensamento crítico, de 
modo que estes resultados possam ser apreendidos, apropriados, 
debatidos, contestados e utilizados. Presume-se que tal conversa 
entre o etnógrafo e seus públicos gera uma circulação de co-
nhecimento, reflexão e ação suscetível de contribuir para uma 
transformação do modo como o mundo é representado e expe-
rienciado (FASSIN, 2013: 628).
Seria, portanto, na análise da etnografia analisada à luz do pensa-
mento crítico e na sua apreensão, contestação e utilização, bem como na 
circulação de conhecimento, reflexão e ação que evoca, a residência do 
potencial transformador da antropologia e de sua própria politização. 
Para Fassin (2013), a produção de uma “etnografia pública” implicaria 
dois processos: de “popularização”, que tem a ver com modos criativos 
e estilos de comunicação dirigidos a públicos variados (incluindo-se o 
acadêmico), e de “politização”, referente exatamente à proposição de 
mudança e com o potencial de impactar as políticas.
Entretanto, como já colocado em Schuch (2016; 2017), a expe-
riência dessa pesquisa e de outras realizadas na interface entre acadê-
micos, gestores de instituições governamentais e não governamentais 
e militantes sociais, faz pensar na necessidade de adicionarmos mais 
um sentido de “público”, que Fassin (2013) parece deixar intocável: o 
de realizar a pesquisa publicamente. Os dois elementos enfatizados da 
composição de etnografia pública – a publicação e a politização – pa-
recem ser sempre pensados mais como resultados da pesquisa antro-
pológica do que processos que a acompanham. Considerada apenas a 
partir do viés dos resultados, o sentido de uma pesquisa “pública” não 
50 
permite algo oxigenador e vital ao trabalho antropológico: seu próprio 
repensar no processo de sua realização, a interlocução – que pode ser 
bastante tensa, por vezes – com aqueles que estamos estudando.
No caso da pesquisa acerca das estruturas de atendimento à popu-
lação de rua e das visões e perspectivas dos trabalhadores e pessoas que 
usufruem desses serviços, houve debates bastante tensos acerca do estu-
do, uma vez que poucas vezes pessoas com tão distintas posições sociais 
se encontraram para configurar uma pesquisa. Tais debates permitiram 
a formação de “alianças provisórias” produtivas para a realização da pes-
quisa e para a configuração de relações mais transversais em um domínio 
de relações bastante hierarquizado na entidade contratante da pesquisa e 
fornecedora dos serviços de assistência social na cidade. 
Nas reuniões do “grupo de acompanhamento da pesquisa”, o estu-
do quantitativo assumiu centralidade nos debates, tendo em vista que as 
repercussões políticas desse tipo de estudo ganham maior visibilidade e 
repercussão na sociedade como um todo (ver SCHUCH, neste volume). 
Nesse espaço de interlocuções, os debates entre os participantes produ-
ziram o compromisso de que não haveria publicação de resultados de lo-
calização das pessoas em situação de rua para além das grandes regiões 
de diferenciação de locais provenientes do Orçamento Participativo, uma 
vez que foi reconhecido o perigo de apropriação de dados pelas forças 
repressivas do Estado. Esta foi uma importante conquista do movimen-
to social que, em acordo com os pesquisadores da UFRGS, assinalou a 
possibilidade de um uso repressivo dos dados do estudo. 
Já para a pesquisa qualitativa, esses diálogos contribuíram no 
delineamento de questões e identificação de espaços institucionais e 
pessoas a serem contatadas, além de ter permitido aproximaçõescom 
temas significativos como as formas de organização institucional e ló-
gicas especificas de trabalho. De forma geral, gestores, pesquisadores 
e pessoas relacionadas ao movimento social celebraram a possibilida-
de das próprias estruturas de atendimento de abrigo e albergue, bem 
como das formas de governo da população de rua, se tornarem mais 
visíveis publicamente através do estudo. 
Também, a visibilidade das perspectivas dos trabalhadores da 
área, conjugada com o refinamento das expectativas do próprio público 
51 
atendido, foram considerados avanços nas propostas de pesquisa, uma 
vez que deslocam a ênfase nos estudos censitários ou de constituição de 
perfil dos atendidos para abarcar também as mediações institucionais 
e as vivências das pessoas que constituem as políticas públicas. Essa 
é, certamente, uma das contribuições fundamentais da antropologia 
no estudo das políticas públicas: para saber como funcionam as políti-
cas, precisamos saber como são formuladas – muitas vezes de maneira 
ambígua e disputada –, recebidas e experimentadas pelas pessoas que 
são afetadas por essas, em conjugação com as técnicas, estratégias e 
procedimentos de governo que lhes dão vida (BIEHL, 2013; BIEHL e 
PETRYNA, 2013; GUPTA, 2012, SHORE, 2010). 
As “Infraestruturas” Cotidianas e as Vivências das Pessoas 
na Análise das Políticas Públicas
É nossa expectativa que a pesquisa ora apresentada possa pos-
sibilitar o avanço nos processos de visibilidade e produção de direitos 
para as pessoas em situação de rua na cidade de Porto Alegre. Para 
tanto, consideramos essencial o conhecimento das características so-
cioculturais das pessoas colocadas nessa situação social – que traba-
lhamos através do estudo quantitativo –, bem como da conformação de 
políticas e de práticas cotidianas para seu atendimento e da percepção 
de como tais práticas e políticas são percebidas pelas pessoas afetadas 
mais diretamente, os trabalhadores dos serviços de assistência e o pú-
blico atendido. 
Como já escrevemos anteriormente (SCHUCH et Al., 2008; 
SCHUCH e GEHLEN, 2012), perspectivas essencialistas dirigidas a 
esse grupo populacional ainda persistem, seja na subtração de direitos 
ora conquistados, seja nas ameaças que as pessoas em situação de rua 
sofrem exatamente por utilizarem as ruas como lugar de existência 
social. A presença de tais posturas justifica a ênfase no conhecimento 
e visibilidade das formas de existência social e de agência política das 
pessoas em situação de rua, assim como a possibilidade de fornecimen-
to de dados acerca dos serviços de assistência social que lhes são desti-
nados, para eventual aperfeiçoamento e transformação. 
52 
Em trabalho anterior (SCHUCH e GEHLEN 2012), nossa hi-
pótese foi de que certa tendência à essencialização da situação de rua 
como uma problemática social está associada a uma correlação entre di-
nâmicas que conjugam duas fortes perspectivas sobre o assunto: àquela 
pautada pela visão de que estar na rua é um problema que requer inter-
venções e práticas de governo determinadas a suprimir tal fenômeno 
a partir da simples retirada das pessoas da rua e àquela pautada num 
diagnóstico de causalidades macroestruturais, que subentende as pes-
soas em situação de rua como os sujeitos da “falta”. 
Embora trabalhem com perspectivas de causalidades diferencia-
das – a primeira através da individualização da questão e a segunda 
através de seu deslocamento para a esfera macroestrutural, ambas as 
abordagens retiram a complexidade da agência dos sujeitos, tornando 
a rua um espaço ontológico da exclusão por excelência e/ou entendido 
unicamente a partir da lógica das necessidades de sobrevivência. Como 
já argumentamos, uma visão complexa da situação de rua requer o di-
mensionamento tanto das multicausalidades que estão na origem desse 
fenômeno, entre as quais devem ser incluídas visões de mundo e práti-
cas de sujeitos realizadas na imersão em processos sociais e históricos, 
mas também tecnologias de governo específicas – meios destinados a 
consecução de determinados fins, tais como projetos de governo, téc-
nicas e formas de atendimento, expertises e modos de gestão (FOU-
CAULT, 1979 e FONSECA et Al., 2016).
Esse caráter relacional entre determinadas visões de mundo e 
práticas de sujeitos e modos de sua gestão muitas vezes fica encober-
to ou menosprezado nos esforços de intervenção sobre o assunto e 
mesmo nas pesquisas sobre o tema, cujo interesse principal tem sido a 
construção de perfis populacionais ou mesmo a busca por causalidades 
para a situação de rua. O que se enfatiza, nesses casos, são atributos 
individualizados e não as variadas mediações institucionais, históricas 
e políticas, que engendram a construção dessa população como uma 
problemática social (DE LUCCA, 2007). Ao reconhecimento de que a 
rua é também um espaço de produção de relações sociais e simbólicas, 
associa-se o nosso entendimento de que o estudo das técnicas e formas 
em que o governo da população de rua ganha vida é essencial para a 
53 
compreensão da complexidade da experiência da rua como forma de 
vida e como uma problemática para o engajamento de profissionais, 
militantes e pessoas atendidas nesta área das políticas públicas. 
Nesse sentido, nos adicionamos à perspectiva analítica que leva 
em conta as tecnologias de poder no estudo dos fenômenos sociais 
(FONSECA et Al., 2016) e que credita importância à análise dos pro-
cedimentos cotidianos e práticas burocráticas de governo, isto é, às 
suas “infraestruturas” (GUPTA, 2014). Ao mesmo tempo, conjugamos 
à análise a perspectiva que compreende as políticas públicas como ati-
vidades socioculturais profundamente imersas em processos históri-
cos, políticos e culturais; é nesse sentido que o seu estudo deve levar 
em conta as experiências das pessoas e suas interpretações acerca das 
políticas que por vezes estão em conflito e muitas vezes são bastante 
disputadas (SHORE, 2010). 
Sendo assim, acreditamos que a análise contígua das grandes 
narrativas soberanas de produção de direitos – em que a população de 
rua no Brasil aparece progressivamente como um agente de destaque 
e visibilidade nacional a partir da década de 2000 (PIZZATO, 2012 
e SCHUCH, neste volume) – com as operações práticas do governo 
diário das pessoas em situação de rua e com as vivências dos atores 
que estão implicados em sua conformação e recepção torna o cenário 
das políticas públicas para esse público bastante ambíguo, marcado por 
dinâmicas complexas e contíguas de proteção e violência.
Equipamentos de Assistência Social para População 
de Rua em Porto Alegre
Para fins de organização deste capítulo, apresentaremos as con-
tribuições das atividades que compuseram a pesquisa qualitativa se-
paradamente – visitas etnográficas e grupos focais – entendendo que 
a atividade de participação em eventos e fóruns de debates contribuiu 
transversalmente ao adensamento analítico dos dados recolhidos nas 
atividades de pesquisa. 
No que se refere ao estudo dos serviços de assistência social, o 
objetivo mais específico foi de compreender a estrutura heterogênea 
54 
e os modos de funcionamento das instituições tipificadas como de as-
sistência social na cidade de Porto Alegre. Neste caso, a metodolo-
gia privilegiou o que chamamos de “visitas etnográficas”, que tiveram 
como foco central os equipamentos de acolhimento (abrigos, albergues, 
república, casa lar) e alguns serviços, que prestam atendimentos diver-
sos a população adulta em situação de rua, desde aqueles em que há 
solicitação de documentação, benefícios assistenciais até os que possi-
bilitam atividades de higiene, alimentação, convivência, entre outros 
(Centros Pop, Serviço de Convivência e Fortalecimento de Vínculos 
– SCFV, CREAS e CRAS). Nesse segundo caso, priorizaram-se aqueles 
equipamentos situados na região central da cidade, por ser uma área 
reconhecida como de grande concentração das pessoas em situação de 
rua. Foram incluídos os equipamentos que estão soba responsabilidade 
da FASC, seja enquanto executora direta, seja pelos convênios. 
As visitas etnográficas consistiram na articulação de duas téc-
nicas de pesquisa: entrevistas e, em alguns casos, observações partici-
pantes. As visitas foram acompanhadas de um roteiro semiestruturado 
para a caracterização geral do equipamento (a quem se destina, crité-
rios de ingresso, exigências para permanência, atividades principais), 
recursos disponíveis (humanos, infraestrutura, financeiros e materiais), 
bem como aspectos da rotina institucional. As entrevistas foram rea-
lizadas com os coordenadores e/ou com pessoas indicadas por eles. 
Ao final, participaram das entrevistas pessoas que ocupam diferentes 
funções nas instituições, como diretores, técnicos (assistentes sociais, 
psicólogos, pedagogos, terapeutas ocupacionais, enfermeiros), moni-
tores e assistentes administrativos. A maior parte das entrevistas foi 
gravada, com autorização dos participantes, garantindo-se o uso da 
gravação apenas para a equipe de pesquisa. Além disso, os pesquisado-
res mantiveram diários de campo para registro das visitas. 
Já as situações a serem observadas foram combinadas entre os 
entrevistados e as pesquisadoras. Assim, conforme o equipamento, ob-
servaram-se as rotinas de entrada nos serviços, refeições, atividades 
coletivas e assembleias. Foram momentos profícuos para visualizar ro-
tinas institucionais, modos de atuação de trabalhadores, relações entre 
trabalhadores e usuários, relações entre os usuários.
55 
Após a primeira sistematização do material produzido através 
das visitas etnográficas, identificou-se que as informações relativas aos 
critérios de ingresso dos usuários eram pouco claras para os pesqui-
sados nos equipamentos, na medida em que seriam responsabilidade 
do Núcleo de Acolhimento da FASC. Diante disso, foram realizados 
dois encontros no Núcleo de Acolhimento, setor da FASC, responsável 
pelo gerenciamento dessas atividades, para conversar com trabalha-
dores que ali atuam. No projeto, foi proposto que, após a realização 
das visitas etnográficas, seriam selecionados um ou dois equipamentos 
para realização de observações mais sistemáticas nesses serviços. Em 
reunião da comissão de acompanhamento da pesquisa foi definido que 
essas seriam feitas junto à República e ao Albergue Municipal.
Quadro 1: Equipamentos Pesquisados e Datas das Visitas Etno-
gráficas
Nome do serviço Dias das Visitas
Abrigo Bom Jesus 21/06/16; 28/06/16
Abrigo Marlene 13/06/16; 11/07/16
Abrigo para Famílias 13/06 /16manhã; 13/06/16 tarde
Albergue Dias da Cruz 16/06/16; 29/06/16
Albergue Felipe Diel 29/06/16; 25/07/16
Albergue Municipal 22/06/16; 06/07/16; 14/07/16; 30/11/16
Casa Lilás 21/09/16 manhã; 21/09/16 tarde
Casal Lar do Idoso 21/11/16
Centro Pop 1 17/08/16; 05/09/16; 15/09/16
Centro Pop 2 18/08/16; 23/08/16; 28/08/16; 02/09/16
CRAS Centro 24/11/16
CREAS Centro 22/11/16
Lar Emanuel 24/06/16: 19/07/16
Núcleo de Acolhimento 27/09/16; 28/09/16
República Juntos 16/06/16; 18/06/16; 08/09/16; 10/09/16; 
13/09/16; 21/09/16; 25/09/16; 19/10/16
Serviço de Convivência e 
Fortalecimento de Vínculos
19/05/16; 01/07/16; 29/07/16
56 
Recursos Humanos, Tipos e Concepções dos Serviços
A rede dos principais equipamentos destinados à população adulta 
em situação de rua em Porto Alegre é muito heterogênea. Interessa sa-
lientar três características: a primeira se refere à coexistência de serviços 
governamentais e conveniados com diferentes entidades não governa-
mentais. A segunda concerne à descentralização dos serviços em diferen-
tes regiões do município, executadas por equipes vinculadas a distintas 
entidades. Por fim, a diferenciação dos serviços quanto as suas finalidades 
(abordagem, serviço de convivência, núcleo de acolhimento, serviços de 
abrigamento, serviço de albergamento). Com isso, destaca-se a heteroge-
neidade no modo de organização e execução das ações sócio-assistenciais 
na cidade, que legalmente estão sobre a responsabilidade da FASC, no que 
se refere à gestão, monitoramento, supervisão e avaliação. 
A pesquisa apontou que existem uma série de tensões em tor-
no das formas de atendimento realizadas, que vão desde um questio-
namento em torno da finalidade do trabalho – amparo ou proteção 
de direitos – até as próprias formas de contratação de funcionários, 
configurando um ambiente de trabalho em que interagem funcionários 
celetistas e terceirizados. Há, a percepção de um processo de precari-
zação funcional, marcada pelo crescente uso de serviços terceirizados 
que afetam o cotidiano de trabalho de várias formas: impossibilidade de 
seleção funcional com perfil específico para trabalho com população de 
rua, transitoriedade das equipes, heterogeneidade das empresas con-
tratadas convivendo em um mesmo espaço e ausência de qualificações 
profissionais destinadas aos funcionários terceirizados. De outro lado, 
há uma intensa percepção de mudanças institucionais relacionadas ao 
ingresso de pessoas adoecidas e idosas, que implica uma reconfigura-
ção das necessidades e modos de gestão da população nos abrigos. 
Amparo ou Proteção de Direitos?
O gestor de um albergue conveniado, por exemplo, explica com 
satisfação que há trabalhadores de muitos anos no albergue. Cita o 
caso de uma trabalhadora da cozinha que é ex-usuária do albergue e já 
57 
trabalha há 8 anos naquele. O gestor também refere, orgulhoso, a exis-
tência de muitos voluntários, o que é, inclusive, condição para o pleno 
funcionamento do albergue. Ao falar de sua satisfação em realizar a 
inserção profissional das pessoas albergadas, refere: 
O albergue não sustenta ladrão ou vagabundo, aqui é um lugar 
de amparo. O tempo máximo de permanência é 15 dias, 30 dias 
para quem está trabalhando. Aí depois tem que ficar 90 dias fora. 
Há parcerias com Opus, Zaffari, lugares de reciclagem. Estimo 
que retiramos umas 10 pessoas da rua por ano, através dessas 
colocações profissionais (Gestor de Albergue Conveniado).
Por outro lado, a gestora de um abrigo conveniado, ao falar do 
modo de seleção dos trabalhadores do serviço, afirma que não aceita 
voluntários, uma vez que aquele é um espaço de proteção de direitos e 
não de ajuda: 
Nem todos conseguem trabalhar aqui. Tem que ter perfil. Eu 
faço uma conversa com a pessoa, olho no olho, tenho feeling. O 
perfil que falo é de poder compreender que aqui é um espaço de 
proteção de direitos. Não trabalho com voluntários (Gestora de 
Abrigo Conveniado). 
Embora os dois equipamentos sejam parte da rede conveniada, 
são muito distintos quanto à forma de compreensão da vinculação das 
pessoas ao serviço, que podem ser relacionadas às diferenças de enten-
dimento do próprio objetivo do serviço: “amparo”, citado por gestor 
do albergue, e “proteção de direitos”, como destacado pela gestora do 
abrigo. Entretanto, há semelhanças, entre esses equipamentos, nas crí-
ticas dirigidas à FASC quanto à forma de entendimento do sentido de 
“convênio” e “parceria”, considerando a FASC rígida em suas conside-
rações de rubricas de gastos e interferências em visitas avaliativas do 
serviço. Sobre isso, explica a gestora do abrigo: 
Nós temos uma discussão com a FASC que é política. Nós temos 
uma posição política de que é pública e deveria ser provida pelo 
Estado. No momento em que o Estado não pode prover tudo, 
então precisa respeitar a parceria. Ai entra o tratamento conos-
co. Para convênios há muitas regras. Há muita diferença entre 
58 
quem está aqui e quem recebe a prestação de contas. Nós não 
podemos comprar uma medicação para um usuário. Mas quem 
compra? (Gestora de Abrigo).
A Terceirização das Atividades Funcionais e seus Reflexos
Outro tipo de diferenciação vivenciada, neste caso, nos equipa-
mentos próprios, diz respeito ao processo de terceirização das ativida-
des de trabalho desenvolvidas nos abrigos e albergues, o que faz com 
que convivam, em um mesmo serviço, profissionais com vinculações 
patronais distintas, remunerações diferenciadas até mesmo para a mes-ma atividade e processos de capacitação funcional bastante desiguais. 
Foi consenso entre os profissionais dos equipamentos da rede própria 
a referência às dificuldades de gestão de unidades com até mesmo 5 
(cinco) distintas empresas terceirizadas – como referido por dois abri-
gos da rede própria da FASC. A referência à constante rotatividade de 
trabalhadores e, fundamentalmente, a impossibilidade de seleção fun-
cional são configurações que são percebidas como dificuldades para a 
gestão institucional. Disse a gestora de um abrigo da rede própria: 
[...] a terceirização em si causa um processo instável de traba-
lho, volátil. A gente tem que fazer do limão uma limonada. Ao 
mesmo tempo em que tem este processo de oxigenação, temos 
funcionários de 21 anos de FASC” (...) Não tem como prever o 
que a empresa terceirizada vai enviar. Sei que eles pedem o ensi-
no médio. Às vezes chega pessoas aqui que não têm noção do que 
é um abrigo. Teve funcionário que fugiu... literalmente (Gestora 
de Abrigo da Rede Própria).
A profissional refere que, embora não possam selecionar os fun-
cionários, o abrigo pode negar a contratação de algum indicado. Im-
portante destacar que, na mesma lógica em que a utilização de pessoas 
voluntárias no atendimento dos serviços conduz aos sentidos mais am-
plos da compreensão do próprio papel institucional dos equipamentos, 
as narrativas sobre os processos de seleção de trabalhadores também 
revelam concepções interessantes acerca do público atendido. Reti-
59 
rando-se os equipamentos da rede própria para os quais a contratação 
de funcionários terceirizados é realizada sem qualquer referência ou 
capacitação funcional específica para o serviço, é possível perceber a 
constante referência às dificuldades em contratação de pessoal, as quais 
destacam certas características do público atendido e também nos dão 
pistas interessantes acerca das suas especificidades. 
A Reconfiguração de Público nos Equipamentos: saúde 
ou assistência social?
Importa considerar também certa recorrência na atribuição de 
um perfil de trabalhador que cada vez mais deveria ter qualificações 
próximas aos profissionais da saúde, justamente pelo perfil dos usuá-
rios atendidos. O exemplo de um abrigo conveniado é paradigmático: 
embora o cargo contratado seja de monitoria, é pré-requisito para a 
contratação neste cargo a formação em técnico em enfermagem. A ges-
tora de um abrigo da rede própria da FASC, por sua vez, relaciona as 
mudanças que o ingresso crescente de pessoas adoecidas na rede de 
abrigo e albergue ocasiona, tanto em termos de maior tempo de per-
manência, como na promoção de novas necessidades: 
Estamos recebendo usuários cada vez mais debilitados, por con-
ta da insuficiência do nosso serviço de saúde. Idealmente, as pes-
soas deveriam ficar no abrigo por 1, 2 anos. Mas temos usuários 
que ficam mais do que isso, tem usuários muito debilitados que 
precisam de mais tempo. Como delimitar isso? (Gestora de Abri-
go da Rede Própria da FASC). 
Para os interlocutores de outro abrigo da rede própria, a caracte-
rística principal da mudança percebida no seu próprio serviço refere-se 
justamente a presença de usuários com importantes problemas de saú-
de, tanto do ponto de vista “físico”, quanto “mental”, que exigem cui-
dados específicos no âmbito da saúde. Eles identificam modificações na 
metodologia de trabalho, nas regras internas em função das caracterís-
ticas atuais das pessoas que usam o serviço; entretanto, tais mudanças 
são vistas como contrariando os propósitos institucionais e sem uma 
60 
adequada reestruturação da instituição do ponto de vista das condições 
físicas e de capacitação dos recursos humanos. 
Em relação ao cotidiano de trabalho, contam que houve mudanças 
nas regras para se adaptar aos atuais abrigados. Por exemplo, uma pro-
fissional menciona que antes havia uma regra de que os quartos eram 
fechados as 8:30h da manhã, para que as pessoas não permanecessem ali. 
No entanto, tendo em vista as presenças de pessoas adoecidas e idosas 
essa norma foi abolida, uma vez que geraria conflitos administrar regu-
lações distintas. Um dos profissionais desse abrigo aponta que, diante do 
“perfil” dos atuais moradores dessa entidade, é preciso pensar o “desliga-
mento dos usuários” de outra forma. Em suas palavras:
Uma das coisas que eu quero falar é do desligamento... a falta do 
apoio de saúde, que é essa rede da saída para essas pessoas como 
que eu te falei [...]. Nós temos uma lista de pessoas para resi-
dencial terapêutico, mas elas continuam aqui. Diria que é sem 
propósito elas estarem aqui, porque a nossa parte já foi feita, mas 
só está na manutenção, está na espera quando tiver para onde ir. 
Esse é o estrangulamento da saúde com a assistência. Para nós 
é um nó, não vai abrir vaga, não tem onde colocar. A gente não 
tem varinha de condão (Profissional de Abrigo da Rede Própria). 
A identificação das novas demandas e as alterações decorrentes 
delas geram debates nos serviços e os trabalhadores se veem diante de 
dilemas de difícil solução. Isso pode ser visualizado em relação a ques-
tão da organização das camas. Tendo em vista que há beliches nos ser-
viços, as vagas nos serviços são diferenciadas entre “camas superiores” 
e “camas inferiores”. Essa distinção é feita em nome de evitar riscos aos 
usuários, isto é, considera-se que determinados usuários não podem 
ocupar as camas superiores em função de alguns critérios, por exemplo, 
aqueles que fazem uso de certas medicações, os que têm convulsões, os 
que fizeram uso de álcool ou outras drogas (caso de um albergue da 
rede própria) ou os idosos debilitados. 
Para além das modificações na própria tipologia das vagas, há 
também a identificação, pelos trabalhadores, de mudanças em relação 
ao tempo de permanência das pessoas nos equipamentos. Uma profis-
61 
sional de abrigo da rede própria da FASC há mais de 10 anos conta que, 
quando chegou à instituição, havia mais trânsito de pessoas, as razões 
para ingressar no albergue eram mais pontuais (por exemplo, diz a 
profissional: um alcoolista que estava tentando se manter afastado do 
uso de bebida, alguém que teve seus documentos perdidos e não que-
ria estar na rua sem eles). Hoje, a profissional salienta que o tempo de 
permanência nas instituições de abrigo é alto, pois, segundo ela, leva-se 
um tempo para conseguir ter acesso a rede de saúde, seja CAPS, seja 
CAIS Mental. Posteriormente, o tempo dos tratamentos para depen-
dência química e álcool não são curtos, fazendo com que a permanência 
se amplie. Também nos casos de solicitação dos benefícios assistenciais 
ou aposentadorias, refere a funcionária, o tempo não costuma ser curto. 
Modos de Acolhimento e Recepção das Pessoas
Outra dimensão analítica ressaltada durante as visitas etnográfi-
cas refere-se aos modos de acolhimento e recepção das pessoas. Diante 
do número limitado de vagas, são criados meios de organizar a entrada 
das pessoas nos serviços: 
1. categorias prioritárias de atendimento: mulheres, idosos e 
adoecidos têm prioridade nas filas de atendimento, para o in-
gresso nas instituições anterior às demais pessoas; 
2. reserva de vagas: casos considerados excepcionais, em que, 
fundamentalmente, pessoas trabalhadoras podem perma-
necer mais tempo em abrigos e albergues do que o tempo 
padrão definido para o acolhimento. Nesse caso, pode haver 
também flexibilidades nos horários de ingresso e saída das 
instituições, bem como nos horários de alimentação. Há tam-
bém os casos de atendimento de saúde, os quais flexibilizam 
os períodos e regimentos de cronogramas de atividades, den-
tro de abrigos e albergues; 
3. filas para entrada e distribuição de fichas; 
62 
4. rotatividade de ingresso: a qual se destina a regular o uso 
regular do mesmo serviço, fazendo que haja uma circulação 
de usuários pela rede de abrigos e albergues, visando apro-
veitamento das vagas por números maiores de usuários. Essa 
política evidencia uma aposta na transitoriedadeda situação 
de rua que, percebe-se, tem limites importantes para o acolhi-
mento de pessoas com longa permanência na situação de rua 
que, por outro lado, é uma parte importante da consideração 
do perfil da “população em situação de rua”; 
5. cadastramento e exigência de documentação de identificação 
oficial: essas exigências visam, de um lado, estimular a docu-
mentação dos usuários e, de outro lado, coibir a entrada de 
“desconhecidos” e de pessoas potencialmente “perigosas”; 
6. guarda volumes: os quais têm uma função de armazenamen-
to de objetos, mas também de evitação da entrada de objetos 
“perigosos” no cotidiano de abrigos e albergues, como facas e 
objetos de valor, que podem gerar roubos e conflitos internos; 
7. revista corporal: a qual, associada com outras práticas, como 
a colocação de porta anti-metais, também visa evitar a entra-
da de objetos perigosos nas instituições. 
Salienta-se que os modos de acolhimento e procedimentos para 
recepção de pessoas informam não apenas sobre a diferencial organi-
zação do atendimento de forma a permitir o maior aproveitamento das 
vagas, mas também acerca da percepção sobre as pessoas em situação 
de rua que é constituinte da organização dos serviços. Neste caso, duas 
conclusões são possíveis: a primeira, referente à forma de organiza-
ção dos equipamentos, que privilegia o foco no indivíduo em situação 
de rua, não em famílias ou outros coletivos possíveis. Há apenas um 
equipamento destinado às famílias e outro equipamento que permite 
o ingresso de mães com filhos. Nesses dois casos a centralidade não é 
da família, mas o determinante na entrada é a centralidade da criança. 
63 
Essa forma de organização é importante de ser refletida, uma vez que 
a orientação das políticas mais gerais de assistência social é de valori-
zar a família; nos serviços de abrigo e albergue, ao contrário, ela não é 
institucionalmente estimulada e, ao contrário, em algumas situações as 
instituições trabalham para o seu desfazer no cotidiano, uma vez que 
não dispõem de estruturas de acolhimento às famílias. 
Em segundo lugar, ressalta-se uma percepção sobre situação de 
rua que, muitas vezes, é construída de forma a se contrapor com outras 
problemáticas, como a da migração, da procura do trabalho e a situa-
ção de saúde. Há também distinção entre “população de rua”, que está 
associada à longa permanência na rua, e um público mais transitório 
que utiliza também os serviços disponíveis. Em todo o caso, há uma 
percepção de que a ausência de lar ou o fato de não estar domiciliado 
não constitui a “situação de rua”, muitas vezes constituída como uma 
situação de desvinculação de laços sociais, familiares e de trabalho. 
Regras e Modos de Funcionamento Coletivo 
dos Equipamentos
No que se refere às regras e modos de funcionamento coletivo 
nos equipamentos, percebe-se uma existência heterogênea de regula-
ções e regramentos, estabelecidos localmente pelas instituições e, in-
clusive, formalizadas de forma escrita em manuais de procedimentos. 
Tais regras são justificadas tanto em termos de uma garantia de boa 
organização coletiva do atendimento, quanto vistas como fundamen-
tais para o auto crescimento pessoal das pessoas atendidas. 
Nesse âmbito, chama atenção a existência de modos de disciplina 
em que a própria suspensão ao uso do serviço é a forma disciplinar. 
Essa dinâmica pode impedir que, na prática, haja o acesso aos serviços 
previstos legalmente no campo da assistência à população de rua.
Os discursos indubitavelmente recorrentes são os que enfatizam 
a importância do estabelecimento de regras que rompam com práticas 
e relações que são consideradas comuns ao “mundo da rua” para que os 
serviços possam cumprir suas atribuições em condições definidas como 
adequadas. Como afirma um trabalhador:
64 
E principalmente se há uma lei, alguma coisa em relação a lá 
fora, não digo de todos, mas de uma parte, que [...] é calcada na 
‘lei do mais forte’, que isso não entre pra cá. Isso tem que estar 
bem claro para eles. Esse espaço é um espaço de convívio. Pois 
se tu tiveres essas relações de poder, afeta e dai (Profissional de 
Albergue da Rede Própria). 
A partir da observação das relações cotidianas no espaço insti-
tucional, os entrevistados ficam atentos a situações nas quais algumas 
pessoas podem utilizar métodos intimidatórios para obter vantagens 
sobre outros, algo considerado comum nas experiências das pessoas 
em situação de rua. Diante disso, alguns serviços criam regras específi-
cas para tentar evitá-las. Em um albergue da rede própria da FASC, foi 
estabelecida que, durante as refeições, um usuário não pode entregar o 
seu alimento para outro e, no dormitório, cada pessoa tem direito a no 
máximo 3 cobertores, para evitar situações em que as pessoas possam 
ser coagidas a cederem seus cobertores. Em um abrigo da rede própria 
da FASC, não é possível a permanência de cartões financeiros ou obje-
tos de valor dentro dos quartos, para se evitar roubos e conflitos inter-
nos. A impossibilidade de entrar nas instituições como alimentos, pre-
sente em alguns serviços, também é justificada de tal forma a impedir 
atritos. Em suma, algumas regras visam impedir que relações de poder 
e hierarquias externas se atualizem no âmbito das instituições. Em al-
guma medida, essa precaução também se estende a impossibilidade de 
entrar com os objetos pessoais, que devem ficar no guarda-volumes. 
Em todos os serviços foi mencionada a proibição de agressões ver-
bais ou físicas como forma de resolução de conflitos no âmbito institucio-
nal, seja entre usuários, seja em relação aos trabalhadores, como indicado 
anteriormente pela preocupação da entrada de facas ou outros objetos 
cortantes. Quando há descumprimento dessas regras são previstas sus-
pensões, que giram em torno de 90 dias, na maioria dos serviços. Esse 
modo de regulação das condutas através do impedimento do próprio 
acesso aos serviços é muito significativo e recorrente nos equipamentos. 
Em várias instituições, há regras claras e procedimentos de dis-
ciplina estabelecidos e escritos em manuais dos serviços, os quais va-
riam de acordo com a natureza dos atos cometidos. Tais regras são 
65 
decididas localmente, com maior ou menor participação dos usuários, 
e existem para além de qualquer tipo de regulação em sua constituição 
e generalização, por parte da FASC ou mesmo de amparo nas próprias 
políticas mais amplas de oferecimento de serviços de assistência social 
de abrigo e de albergue, embora sejam justificadas, segundo os traba-
lhadores, em nome do coletivo. Como disse uma profissional vinculada 
a um abrigo conveniado trabalhadora, tais medidas: “não são punições, 
mas procedimentos disciplinares que visam possibilitar a convivência 
no coletivo” (profissional de um abrigo conveniado). 
Outro tema que é objeto de regulações se refere aos usuários 
estarem alcoolizados ou sobre efeitos de substâncias consideradas ilí-
citas para o ingresso nos serviços. Conforme as informações coletadas, 
nenhum serviço permite o uso de álcool e drogas ilícitas dentro dos 
equipamentos. Muitos serviços explicitamente não aceitam o ingresso 
de pessoas com sinais de terem feito uso dessas substâncias, embora 
haja um albergue municipal que é reconhecido por permitir o ingresso 
em tal situação. 
Diferentes dos albergues que funcionam à noite e tem como fun-
ção primordial garantir o alojamento, os Centros Pops são serviços 
diurnos nos quais são disponibilizados diferentes recursos que podem 
ser utilizados pelos usuários conforme seus interesses, como banho, 
lavagem de roupas e alimentação. Além das proibições de agressões, 
uso de drogas mencionadas antes, nos Centros Pops não é permitido 
dormir, tendo em vista que pretende propiciar o atendimento de neces-
sidades mínimas, mas também estimular processos de “autonomia” e 
“superação da situação de rua”. Segundo os entrevistados, as dificulda-
des e inseguranças de dormir na rua faz com que alguns vejam nesse 
local a possibilidadede descansar de forma mais protegida. Frente a 
isso, o cumprimento dessa regra exige muita atenção dos educadores. 
Observa-se, desta forma, a tentativa de marcar a presença de regras 
como algo generalizado em espaços coletivos. Entretanto, é importante 
frisar que as regras são pensadas, pelos trabalhadores, em sua dimensão 
pedagógica. As regras são vistas como importantes para o funcionamen-
to da instituição, mas também são percebidas como uma dimensão para a 
própria valorização do serviço e de sua finalidade; a existência de regras 
66 
relacionadas ao autocuidado, como os horários de banho e seu eventual 
caráter compulsório, bem como de regras relacionadas à limpeza de es-
paços utilizados pelos usuários, como quartos e banheiros, podem tam-
bém ser atribuídas a essa razão pedagógica das regras. Neste caso, há 
um encontro importante entre o autocuidado e crescimento pessoal e a 
colaboração para a gestão coletiva dos equipamentos.
Desafios Institucionais
No que diz respeito aos desafios institucionais, destacam-se àque-
les referentes à: a) configuração da própria rede de atendimento, tais 
como as demandas de assistência à saúde, à saúde mental, às políticas 
de habitação e qualificação profissional de usuários e trabalhadores; b) 
às estruturas internas dos equipamentos, como aquela referida pelas 
configurações de quadro de funcionários, horários de atendimento dos 
serviços, falta de equipamentos, inexistência de espaços para determi-
nados públicos (transexuais e pessoas com deficiência); e, c) às caracte-
rísticas do público atendimento (histórias familiares que se refletiriam 
em baixa autoestima, população adoecida e/ou idosos, com histórico de 
uso de crack e mais “arredia” aos serviços etc.).
Salienta-se que, se os profissionais foram profícuos para a colo-
cação de desafios institucionais, também há uma valorização do aten-
dimento prestado que se evidencia em respostas com valorações muito 
positivas quanto ao trabalho desenvolvido. Veja-se, por exemplo, as 
falas da gestora de um abrigo da rede própria da FASC: 
Aqui é um espaço de acolhimento, cuidado, afeto e reconstrução 
de vida. Isso funciona muito bem. Aqui é um espaço de afeto. Eu já 
trabalhei em espaços pouco receptivos onde tudo era novinho, mas 
as pessoas não ficavam. Os usuários pedem para vir para cá. Aqui 
as pessoas se olham, a nossa arquitetura permite que as pessoas se 
olhem, todos os dias. O afeto é maior, as relações de cuidado são2.
É possível destacar, neste âmbito, tanto as respostas que acionam 
valorizações de certos aspectos singulares das instituições – a preser-
2 Na citação, o nome do abrigo referido pela pesquisada foi substituída pela palavra 
“aqui”, para não identificação do serviço, como acordado durante a pesquisa. 
67 
vação da autonomia, a cozinha acolhedora, a “maternagem” etc. – quan-
to o próprio acolhimento institucional e o consequente oferecimento de 
comida, vestuário e local de pernoite já é visto como o cumprimento da 
missão do equipamento. Nesta direção, o ingresso e a permanência em 
instituições de abrigo e de albergue é contrastada com a realidade das 
ruas. A gestora de um abrigo da rede própria aponta as dificuldades da 
vida na rua, quando coloca que: “A maior questão é a da sobrevivência. 
Tem a questão de saúde e a questão de não terem as condições mínimas 
de dignidade humana”. Em razão dessa situação apontada, de despos-
sessão de dignidade, a oportunidade de receber comida, alimentos e um 
local temporário para dormir se reveste de grande importância. 
Percepções e Expectativas de Trabalhadores e Público Atendido
acerca das Políticas Públicas para População de Rua
Os desafios institucionais percebidos nas atividades das visitas et-
nográficas, foram consenso também entre os profissionais pesquisados 
através dos Grupos Focais, cuja realização teve como objetivo investigar 
as percepções dos profissionais sobre o perfil das pessoas em situação 
de rua e expectativas quanto à formulação e implementação de políticas 
públicas na área, assim como de um grupo de usuários das políticas. 
Foi definido, em conjunto com o “grupo de acompanhamento à 
pesquisa”, a realização de quatro grupos focais, de modo a contar com a 
heterogeneidade dos principais serviços que compõem a rede de atendi-
mento à população de rua em Porto Alegre. Os grupos tiveram a seguin-
te composição3: 1) Trabalhadores de abrigos, albergues e república, que 
contou com a participação de 08 integrantes dos serviços; 2) Trabalha-
dores dos Centros POP, Consultório na Rua e EPA, em que participaram 
08 integrantes dos serviços, dentre estes Assistentes Sociais, Médico, 
Psicólogos, Educador Social e Professor; 3) Trabalhadores do CRAS, 
CREAS e Ação Rua, grupo que foi realizado com 12 integrantes dos ser-
3 A cada início de atividade os participantes foram consultados sobre a gravação do 
grupo focal e então foi realizado o registro oral do Termo de Consentimento Livre e 
Esclarecido para Grupos Focais. Este registro compõe-se do nome, cargo ou função, 
onde trabalha e há quanto tempo trabalha. Foram utilizados roteiros semiestrutura-
dos durante a realização do grupo focal. 
68 
viços, dentre estes Assistentes Sociais, Psicólogos, Educadores Sociais; e, 
4) Pessoas em situação de rua que utilizam os serviços públicos destina-
dos a esse público, em Porto Alegre, grupo que teve 4 participantes liga-
dos ao Movimento da População em Situação de Rua e ao Boca de Rua.
A análise dos grupos focais evidencia que, com relação aos pro-
fissionais dos serviços de abrigo, albergue e república, nota-se a preo-
cupação com a precarização dos recursos humanos e a absorção de 
uma população com algum tipo de problema de saúde, destacando-se a 
questão da saúde mental e da saúde do idoso, que foram já destacados 
também nas visitas etnográficas. 
Os trabalhadores acentuaram as dificuldades de se trabalhar em 
equipamentos e serviços para população de rua que talvez estejam pro-
jetados atendendo uma imagem de população de rua como aquela ex-
clusivamente definida como “sem abrigo”, mas que, na prática, atendem 
populações que possuem heterogeneidades de situações de saúde e de 
idade que exigem um conjunto de especializações de estruturas e de 
funções por parte dos equipamentos, como camas e banheiros adequa-
dos, além de infraestrutura de recursos humanos e de redes de serviço. 
Como finalidades associadas ao desenvolvimento do trabalho, 
tem-se o estímulo à “autonomia” e à “organização”, de um lado, e a pró-
pria acolhida e os cuidados de saúde, de outro lado, sendo ressaltados 
por esses trabalhadores. Desta forma, em termos de concepção sobre 
o seu próprio papel, os trabalhadores de abrigos, albergues e república 
evidenciaram, sobretudo, duas principais atribuições: a) o estímulo aos 
processos de conquista da “organização” e da “autonomia”; e, b) a aco-
lhida e os cuidados de saúde. 
Para os trabalhadores de CRAS, CREAS e Ação Rua, há clareza 
dos papéis institucionais dos serviços, mas uma percepção de indefini-
ção de funções na prática, uma vez que há impossibilidades reais de que 
os serviços contem com a “retaguarda” necessária para sua boa efeti-
vação, isto é, uma rede de serviços para encaminhamentos na área de 
assistência social e políticas mais amplas. Foram acentuadas as críticas 
a uma ampliação das equipes de abordagem sem uma retaguarda insti-
tucional para tanto, bem como demandada uma maior descentralização 
de serviços em Porto Alegre. 
69 
Essa condição de trabalho em que se é obrigado a “abordar” e 
“orientar” pessoas para busca de seus direitos de acolhida institucional, 
de saúde e de documentação e cidadania, sem possibilidades de acesso 
a tais recursos pela população atendida, foi percebida como extrema-
mente frustrante pelos trabalhadores, impossibilitados de realizarem 
encaminhamentos para além do “abraço”, como expressaram. Há gene-
ralizada percepção de que apenas o “abraço” não basta e que é preciso 
contar com uma rede de proteção eficientePode-se salientar também o debate em torno das especificidades 
dos serviços de “ponta” e sua percebida invisibilidade institucional, o 
que de certa forma permite evocar certa equiparação entre precarie-
dades – dos serviços oferecidos à população de rua (percebida pelos 
trabalhadores) e precariedade das condições de trabalho para profissio-
nais que atendem tal população. Esta precarização apareceu, no grupo 
focal, nas manifestações de crítica a processos de burocratização que 
engessam o trabalho das equipes, mas, sobretudo, na falta de recursos 
de infraestrutura para o trabalho, como internet, salas e espaços apro-
priados de trabalho, carro e relações com outros âmbitos de proteção, 
como saúde, educação, habitação e inserção profissional, para além da-
quele relacionado à assistência social. 
Há, por fim, uma percepção dos trabalhadores acerca da condi-
ção de oferecimento de serviços que realizam que, de forma crítica, 
aproxima tal oferecimento de recursos e serviços como mecanismos de 
produção da violência estatal. Esta associação, relacionada às já referi-
das visões de frustração profissional pela falta de retaguarda, evidencia 
uma produção de sentidos sobre a sua própria atuação profissional bas-
tante singular, na medida em que oscila entre proteção e violação de 
direitos, dadas as condições estruturais em que o trabalho é realizado. 
Com relação aos trabalhadores do Consultório na Rua, EPA e 
Centros POP, foi mais uma vez acentuada a deficiência dos serviços 
de saúde, especialmente referentes à saúde mental, e também foi con-
sensual a maior necessidade de trabalho em redes de atendimento, vis-
tas como bastante precárias, atualmente. Como condições de trabalho 
marcantes para estes profissionais está a percepção de uma redução da 
problemática da população de rua à uma questão de assistência social 
70 
e, de outro lado, a crescente utilização das instituições de assistência 
social por populações que deveriam, na perspectiva dos trabalhadores, 
estar atendidas por serviços de saúde. Essa situação conduz a uma sen-
sação de acréscimo de demandas, sem um correspondente inter-rela-
cionamento com outros âmbitos da rede de proteção, como habitação, 
saúde e educação.
Apareceu também uma percepção de precarização dos serviços, 
dada não apenas pelas estruturas físicas e de recursos humanos defi-
cientes, mas, sobretudo, pela falta de opções de encaminhamento para 
políticas mais amplas que conduzam a uma problematização da situa-
ção de rua das pessoas atendidas. Essa redução de possibilidades de 
encaminhamento para opões de programas e políticas mais amplas do 
que aquelas da assistência social conduzem a percepção de um círculo 
de dependência do usuário em relação à assistência social que é per-
cebida como produzida pela própria estruturação dos serviços. Esta 
percepção é relevante, uma vez que conduz a problematizar a própria 
produção da dependência assistencial pelo Estado, através de sua for-
ma de estruturação em políticas e programas. 
Por fim, o grupo focal com pessoas em situação de rua apontou 
grande similaridade das temáticas abordadas tanto nas visitas etnográ-
ficas, quanto nos grupos focais com trabalhadores. Com relação às expe-
riências institucionais, as pessoas em situação de rua, participantes dos 
grupos focais, acentuaram a complexidade da existência de prioridades 
de atendimento a certas categorias, principalmente idosos e adoecidos e 
o quanto isso impede o acesso de outros públicos às instituições. 
Os pesquisados assinalaram que essas dificuldades de acesso aos ser-
viços produzem uma espécie de ciclo de dependência das instituições de 
assistência social, dadas por uma precarização das instituições em termos 
de formas de atendimento interno, mas também de capacidades de enca-
minhamentos a outras políticas, para além daquelas referentes à assistên-
cia social. Esta menção ao ciclo de dependência institucional foi marcante 
também nas falas daqueles que assinalaram a precarização dos serviços de 
assistência social na cidade, associada a uma espécie de “labirinto”. 
Como disse um participante do grupo focal: “Eles botam o cara, 
na real, num labirinto, porque só tem um final, que é procurar eles 
71 
novamente”. Isto porque tais instituições não conseguiriam constituir 
relações com outras políticas mais amplas para que fosse possível a 
constituição de laços de trabalho e geração de renda, de educação e de 
habitação que permitissem a não dependência da assistência social. 
De forma mais ampla, foram trazidos como importantes a visão 
reativa de moradores de Porto Alegre com relação às pessoas em situa-
ção de rua e, também, a falta de equipamentos públicos como banhei-
ros, que possibilitem melhorias nas condições de vida das pessoas em 
situação de rua. Políticas assistenciais de mais longo prazo também fo-
ram referidas, de forma a permitir a estabilização laboral e de moradia. 
Como demandas de melhorias no atendimento tem-se que essas 
poderiam ser distinguidas, a partir das falas dos usuários, em termos de:
 
1. ampliação e melhoria na rede de serviços e políticas para pes-
soas em situação de rua, em que se destacam as sugestões de 
criação de um espaço de “passagem” que permitisse o uso por 
pessoas em situação de rua que precisariam de um local para 
depositar roupas e outros pertences e que precisem de um 
local para higienização, sem necessariamente tornarem-se 
institucionalizados, ampliação de vagas de abrigo, albergue 
e Centros POP em outras regiões da cidade, que não aquelas 
mais centrais; e,
2. qualificação de funcionários, com melhoria na oferta de ser-
viços de saúde dentro das instituições e maior conhecimento 
das especificidades de vida da população de rua e da composi-
ção da rede de atendimento. 
É possível destacar, para concluir, que para o caso dos grupos fo-
cais realizados entre pessoas em situação de rua, uma grande similari-
dade entre as demandas das pessoas em situação de rua com as deman-
das dos funcionários participantes dos grupos focais, como também foi 
possível de se perceber nos relatos da própria configuração da rede de 
atendimento, como as peculiaridades dos ingressos via prioridades, a 
percepção de uma dificuldade de trabalho em redes e escassez de po-
72 
líticas mais amplas de educação, saúde, habitação e geração de renda. 
Trata-se de destacar o quanto, então, as problemáticas vivenciadas no 
cotidiano do atendimento afetam tanto os trabalhadores quanto usuá-
rios dos serviços. 
Considerações finais: as dinâmicas contíguas 
de proteção e violação de direitos
Como vimos, os dados da pesquisa mostram um cenário de pro-
fundas transformações nas instituições de abrigo e de albergue, as 
quais têm a ver com o crescimento da visibilidade da população de rua 
no contexto político e social e uma transformação no chamado “per-
fil” de atendidos. Essa modificação relaciona-se com um incremento de 
demandas pela institucionalização de pessoas com problemas de saúde 
e de pessoas idosas e migrantes, realizada em um cenário de terceiri-
zação progressiva dos serviços e sem uma efetiva transformação dos 
aparatos de atendimento e procedimentos técnicos de gestão dessa po-
pulação, nas instituições. 
Por outro lado, a vivência dos trabalhadores e dos beneficiários 
das políticas mostra a necessidade de seleção constante de acessos aos 
serviços, que é vivida e percebida, tanto por gestores e trabalhadores 
como pelo público atendido, como parte de um processo de isolamento 
das políticas de assistência social das demais políticas. 
Como se percebe, as pessoas afetadas – gestores, trabalhadores e 
público atendido – produzem práticas efetivas de luta por inclusão social 
e cidadania das pessoas em situação de rua, mas também experienciam 
mecanismos de gestão dessa população em que é marcante a seletividade 
do acesso aos serviços, a escassez de recursos, a existência de regramen-
tos institucionais formalizados, mas invisíveis ao controle externo e a 
aposta na provisoriedadee individualidade da situação de rua. 
Inseridos e participantes em tal cenário, as pessoas afetadas (ges-
tores, profissionais e público atendido) vivenciam tal processo como 
marcado por dinâmicas tensas que associam proteção e violação de di-
reitos, práticas simultâneas de cuidado e de violência. Trata-se isso, 
pois, de uma problemática vivenciada no cotidiano do atendimento que 
73 
afeta igualmente, embora de formas diferenciadas, tanto trabalhadores 
quanto usuários dos serviços, o que revela a importância de uma refle-
xão e atenção por parte do poder público. 
Ao associar as infraestruturas cotidianas do governo da popu-
lação de rua nos equipamentos de assistência social de Porto Alegre, 
com as visões, saberes, tensões e expectativas sobre as políticas públi-
cas nessa área de atores envolvidos em sua produção, implementação 
e utilização, essa pesquisa é um passo nessa direção, pois permitiu dar 
visibilidade a um cenário marcado por dinâmicas complexas e, mais do 
que isso, contíguas, de proteção e violência.
74 
Referências
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75 
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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL. Relató-
rio Final da Pesquisa Qualitativa. Porto Alegre, 2016 (Mimeo).
http://lattes.cnpq.br/1747539632586169
77 
 
POPULAÇÃO ADULTA EM SITUAÇÃO DE RUA EM 
PORTO ALEGRE: UMA SÍNTESE
PAtrice Schuch
ivAldo Gehlen
AlexAndre SilvA virGínio
MeliSSA de MAttoS PiMentA
MAuro MeirelleS
Apresentação
A pesquisa quali-quantitativa visou compreender as caracterís-
ticas socioculturais, os modos de inserção urbana e as relações com as 
políticas públicas das pessoas que se configuram como em “situação de 
rua” na cidade de Porto Alegre, a partir de uma pesquisa quantitativa. 
Tal pesquisa privilegiou um estudo de tipo censitário, que cadastrou os 
adultos em situação de rua na cidade entre os dias de 08 de setembro 
de 2016 e 10 de outubro de 2016. Foram encontrados 2115 adultos em 
situação de rua na cidade, no período investigado; desses, 1758 aceita-
ram participar da pesquisa e tiveram seus dados cadastrados. 
A diferença entre esses números refere-se às pessoas apenas con-
tadas para fins de contabilização da população, mas por diversos mo-
tivos – pela recusa de participação no estudo, pela impossibilidade de 
responder à pesquisa devido a alterações psicológicas e/ou comporta-
mentais ou pelo fato de estarem dormindo – não puderam responder 
ao cadastro. A pesquisa também trabalhou simultaneamente com uma 
amostra quantitativa da população investigada, que perfez o total de 
467 pessoas. A amostra possibilitou compreender em maior detalhe 
as condições de vida das pessoas em situação de rua, suas práticas co-
tidianas, seus modos de inserção urbana, suas condições de saúde, o 
modo como lidam com a violência, suas expectativas para o futuro e as 
relações destes com as políticas públicas. 
78 
O estudo amostral e censitário segue a metodologia de pesquisas 
anteriores realizadas sobre o assunto em Porto Alegre: a pesquisa de 
2007, que contou também com o estudo amostral sobre as característi-
cas de vida da população de rua na cidade (UFRGS, 2008) e a pesquisa 
de 2011, quando foi realizado somente o censo da população adulta em 
Porto Alegre (FASC, 2012). A pesquisa censitária e amostral de 2016 é 
parte de um estudo mais amplo, que abarcou também as características 
dos equipamentos de abrigo e albergue para a população adulta em si-
tuação de rua e as expectativas e desafios dos trabalhadores da rede de 
atendimento à população adulta em situação de rua em Porto Alegre, 
finalizado em março de 2017. 
O universo da pesquisa
Definiu-se como pessoas a serem pesquisadas durante o período 
do estudo, todos os adultos que se encontrassem em abrigos e alber-
gues destinados ao acolhimento e/ou ao abrigo temporário, intermi-
tente ou definitivamente, assim como aqueles que se encontrassem em 
atividades de perambulação/circulação pelas ruas e/ou que dissessem 
fazer da rua seu local de existência e habitação, mesmo que tempora-
riamente. Assim, o universo de pesquisa conjugou uma diversidade de 
fatores, entre os quais se destacam:
1. os modos de utilização do espaço da rua ou de territórios 
subvertidos em sua utilização (casas abandonadas, viadutos, 
parques etc.) – em habitação, perambulação, permanência ou 
outra forma de existência social, mesmo que situacional;
2. o uso dos serviços destinados ao acolhimento de pessoas que 
necessitem de abrigo temporário, intermitente ou definitiva-
mente; e,
3. a aparência e a cultura material dos pesquisados.
79 
Do método
Para realização da pesquisa em tela foram seguidos os seguintes 
procedimentos metodológicos: 
1. A constituição de “Grupo de Acompanhamento”, que acompa-
nhou a organização e execução da pesquisa e reuniu os pesqui-
sadores da UFRGS, profissionais da Prefeitura de Porto Ale-
gre, um representante do Movimento Nacional da População 
de Rua (MNPR) e um representante do Jornal Boca de Rua;
2. A constituição das equipes do trabalho de campo: participa-
ram da pesquisa de campo dois coordenadores do trabalho de 
campo, ambos professores do Departamento de Sociologiada 
UFRGS, 7 facilitadores de campo (seis pessoas em situação 
de rua e um profissional da intervenção social), 6 supervi-
sores das equipes de campo (estudantes de graduação e de 
pós-graduação da UFRGS) e 22 entrevistadores (estudantes 
de graduação e de pós-graduação da UFRGS);
3. A realização de curso de extensão intitulado “População em 
Situação de Rua: Lutas, Políticas e Desafios para as Políti-
cas Públicas”, realizado pelo Departamento de Sociologia e o 
Departamento de Antropologia da UFRGS, que reuniu estu-
dantes, pessoas em situação de rua e profissionais da Prefei-
tura de Porto Alegre; 
4. A elaboração dos instrumentos de pesquisa, que foram cons-
truídos tomando por base os instrumentos já elaborados, tes-
tados e utilizados nas pesquisas de 2007-8 e 2011 (UFRGS, 
2008 e FASC, 2012) e também com base nas discussões do 
“Grupo de Acompanhamento” e no curso de extensão. 
Especificamente, para realização da presente pesquisa foram uti-
lizados os seguintes instrumentos utilizados: 
80 
1. O Cadastro dos Adultos em Situação de Rua de Porto Ale-
gre: contemplando dados da entrevista (data e local da entre-
vista, horário, turno em que foi aplicado, bem como dados do 
entrevistador e do supervisor), dados do entrevistado (nome, 
apelido, data de nascimento, nome da mãe e idade) e 10 per-
guntas (informações demográficas e hábitos do cotidiano do 
entrevistado).
2. O Questionário Amostral: contemplando dados da entre-
vista (data e local da entrevista, horário, turno em que foi 
aplicado, bem como dados do entrevistador e do supervisor), 
dados do entrevistado (nome, apelido, data de nascimento, 
nome da mãe e idade) e 67 perguntas, nas quais foram incluí-
das: informações demográficas, hábitos do cotidiano, renda e 
trabalho, relações familiares, saúde, sexualidade, violência e 
relação com instituições, perspectivas de futuro. 
3. O Mapeamento do Campo: realizado a partir do mapea-
mento da distribuição da população em situação de rua pelo 
espaço urbano de Porto Alegre, e que foi objeto do Censo e 
Mundo, foi realizado com base no cruzamento de informa-
ções obtidas junto à FASC, aos facilitadores (representantes 
do universo social estudado), durante o trabalho de campo, e 
visitas de reconhecimento do campo realizadas pela equipe de 
pesquisa, particularmente nos bairros mais distantes do cen-
tro de Porto Alegre. As informações fornecidas pela FASC 
foram complementadas por registros dos estudos anteriores 
e atualizadas pelas equipes de abordagem social da popula-
ção adulta em situação de rua, durante reuniões previamente 
agendadas com as coordenações das equipes. 
Quanto aos procedimentos de trabalho, a equipe de pesquisa res-
ponsável pelo mapeamento elaborou cópias do mapa da planta urbana 
do município de Porto Alegre, divididas segundo as regiões do Orça-
mento Participativo e revisou, junto com os coordenadores e técnicos 
81 
de cada equipe de abordagem social da FASC, os locais onde pessoas 
em situação de rua organizaram estruturas de moradia, faziam uso do 
espaço público para pernoite, os locais utilizados para a realização de 
atividades de trabalho e de circulação, bem como locais de distribuição 
de alimentos, pesagem e de materiais recicláveis recolhidos e vendidos. 
Essas informações foram revistas e, como já referido, posterior-
mente, atualizadas pelos facilitadores, que orientaram as saídas a cam-
po, com base na sua experiência e conhecimento, bem como suas redes 
de sociabilidade. Também foram complementadas pelas próprias pes-
soas em situação de rua entrevistadas, que indicaram onde as equipes 
poderiam encontrar outras pessoas em situação de rua nas proximi-
dades. Finalmente, foram integradas ao mapeamento as informações 
fornecidas por moradores, comerciantes, lideranças locais, coordena-
dores de instituições conveniadas e outros prestadores de serviços que 
atuavam junto a essa população, obtidas durante as visitas de reconhe-
cimento nos bairros. 
A participação das Pessoas em Situação de Rua na Pesquisa
A participação das pessoas em situação de rua se deu através de 
diversas formas:
1. Como participantes do “Grupo de Acompanhamento” da pes-
quisa, que contou com a representação do Jornal Boca de Rua 
e do Movimento Nacional da População de Rua (MNPR);
2. Como facilitadores de campo, isto é, pessoas que acompanha-
vam as equipes de pesquisa nos locais de aplicação do ques-
tionário, para auxiliar no acesso aos entrevistados; e,
3. Como palestrantes e participantes no curso de extensão pro-
movido pelo Departamento de Sociologia e o Departamento 
de Antropologia da UFRGS, intitulado “População em Situ-
ação de Rua: Lutas, Políticas e Desafios para as Políticas Pú-
blicas”, cujo eixo central foi a discussão dos elementos antro-
82 
pológicos, políticos e históricos da problemática das pessoas 
em situação de rua. 
Cronograma das Aplicações
A realização do campo teve início no dia 8/09/2016, pelas ins-
tituições que acolhem parcela desta população em turnos agendados 
com as respectivas direções. Na sequência, durante duas semanas, as 
seis equipes percorreram as ruas da região central, previamente pro-
gramadas através de reunião conjunta entre supervisores de campo, fa-
cilitadores e equipe técnica da pesquisa. Os locais apontados como mais 
relevantes foram visitados pelo menos três vezes em horários diversos 
e geralmente por equipes diferentes. 
Nas duas semanas finais da pesquisa de campo (encerrada no dia 
10 de outubro de 2016), as equipes foram deslocadas para as demais 
regiões do OP, seguindo os roteiros de campo previamente construídos 
pela equipe técnica de pesquisa. Ao final do trabalho foi realizada uma 
reunião com a coordenação da pesquisa, com a equipe técnica, super-
visores de campo e entrevistadores, durante a qual foram definidos os 
locais que precisavam ser revisitados. 
A finalização do trabalho de campo se realizou no dia 10 de outu-
bro de 2016. Como previsto, a região de maior concentração de pessoas 
pesquisadas foi o Centro (39,7%), Floresta (12%), Menino Deus (7%), o 
que totaliza o percentual de 58,7% dos pesquisados. 
Caracterizações gerais da população estudada
O estudo censitário da população de rua na cidade de Porto Ale-
gre, realizado entre 08 de setembro e 10 de outubro de 2016, perfez 
rotinas de trabalho de campo que abarcaram turnos diversos de estudo 
(manhã, tarde e noite) e percorrendo toda a capital, apontou a existên-
cia de 2115 pessoas adultas em situação de rua. Em comparação com 
o último censo sobre o assunto realizado na cidade, datado de 2011 
(FASC, 2012), que abarcava a mesma metodologia de pesquisa, esse 
83 
número representa um acréscimo de 57% de pessoas. Este crescimento 
aponta para uma maior visibilidade dessas pessoas na cidade e traz 
desafios importantes para as políticas públicas de sua gestão. Foram 
dados importantes: 
Perfil demográfico
O perfil populacional possível de ser constituído pelos dados de 
campo aponta que a população de rua na cidade de Porto Alegre é 
majoritariamente masculina (85,5%), nasceu em Porto Alegre ou na 
região metropolitana da cidade (59,1%) e que, em geral, tem mais de 
35 anos (61,4%). Em sua maioria, estes, possuem o ensino fundamental 
incompleto (57,4%). 
Os autodeclarados negros (24,5%) e pardos (12,4%) consti-
tuem 36,9% da população, ao passo que os autodeclarados brancos 
são 34,3% dos casos. Das análises dos que não nasceram em Porto 
Alegre, é possível indicar a existência de mobilidade territorial re-
alizada principalmente na direção do interior do estado para capital 
e a consolidação da moradia em Porto Alegre entre grande parte da 
população adulta em situação de rua, na medida em que 51,1% vive na 
cidade há mais de 20 anos.
Trabalho, Renda e Formação profissional
As atividades de trabalho mais citadas entre os entrevistados 
foram a reciclagem (23,9%), jardinagem (14%) e lavação de carros/
flanelinha (12,8). Possuem renda até meio salário mínimo (38,2%) e um 
salário mínimo (31,6%), o que perfazum total acumulado de 69,8% da 
população estudada recebendo até um salário mínimo. 
De modo geral, uma boa parte da população (42,5%) sustenta 
ter alguma formação profissional. Alguns dos entrevistados afirma-
ram, inclusive, possuir mais de um curso de qualificação. Pelo contrá-
rio, 57,5% afirmou não ter frequentado nenhum curso de qualificação, 
o que indica uma demanda a ser observada, acima de tudo se levarmos 
em conta sua relação com as oportunidades de trabalho e renda. 
84 
No mais, tem-se que a população se auto-representa afirmativa-
mente em relação à identificação com uma profissão, sendo 81,4% os 
que afirmam possuírem profissão. Este percentual não oscilou se con-
siderarmos os percentuais da pesquisa de 2007.
Relações familiares
Mais de 70% (75,1%) destaca não ter outro familiar em situação de 
rua, embora relatem a presença de filhos em 75,9% dos casos. Aumen-
tou significativamente o percentual daqueles que não têm contato com 
a família há mais de 5 anos, passando de 24,5% em 2007-8 para 39,9% 
na atual pesquisa. Em 2016, aqueles que disseram ter companheiro(a) 
fixo(a) representam 22,4%, menos de 5 pontos percentuais em relação 
à pesquisa de 2007-8. Há uma diferenciação de gênero importante, pois 
59,5% do total de mulheres assumiu ter companheiro(a) fixo(a) na atua-
lidade. Do total de homens, somente 15,0% encontra-se nesta condição. 
No que se refere à existência de prole, em 2007-8, 29,1% afirma-
ram não ter filhos, enquanto 70,2% declararam tê-los. Em 2016 esta 
relação alterou-se em favor daqueles que manifestaram ter filhos. Eles 
são hoje 75,9% da população, contra 24,1% que sustentaram não ter 
filhos. Destes, apenas 27,3% nasceram quando o respondente se encon-
trava em situação de rua. 
Tempo e Motivo de ida para a rua 
De uma maneira geral, tem-se que 25,2% da população investiga-
da está há menos de 1 ano na rua. Por outro lado, agregando os dados 
daqueles que estão há mais de 5 anos na rua, temos quase a metade da 
população (47,8%), o que revela uma permanência na situação de rua 
de mais longo prazo. Comparando aos dados de 2016 com as pesquisas 
anteriores, vê-se uma tendência de cronicidade da situação de rua, com 
crescimento dos percentuais de tempo em faixas temporais de mais de 
10 anos de rua. Na pesquisa de 2007-8, o percentual de pessoas com 
mais de 10 anos de rua era de 19,1%; este percentual representa, hoje, 
29,2% da população investigada. 
85 
Os principais motivos para a ida para a rua foram aqueles relacio-
nados ao uso de álcool/drogas (24%), motivo mais citado, e situações 
diversas relacionadas à instabilidade familiar (32,5%). Se considerar-
mos que as “separações e decepções amorosas”, os “maus tratos na fa-
mília”, “não se sentir bem com a família”, a “morte de algum familiar”, o 
“envolvimento da família com o tráfico de drogas” e o “uso de drogas ou 
o alcoolismo na família de origem” são situações que envolvem pessoas 
próximas e/ou do núcleo familiar de origem, verificamos que 32,5% 
das motivações explicitadas pelos entrevistados para terem ido para a 
rua envolveram questões e conflitos familiares.
Pernoite
A maior parte da população estudada dorme cotidianamente e prio-
ritariamente em lugares de risco e improvisados e com forte exposição ao 
ambiente natural (52,1%). A opção por dormir em lugares institucionali-
zados variou pouco entre uma pesquisa e outra. Em 2007-8, os percentu-
ais foram de 35,8% em primeiro lugar e 16,9% em segundo lugar. Naquela 
oportunidade a paragem era preferencialmente em albergues (18,9% e 
6,7%), abrigos, hotéis ou pensões – em geral pagos pela prefeitura – (9,3% 
e 5,9%), casa própria ou de parentes e amigos (7,6% e 4,3%). 
Na atualidade, o uso dos espaços institucionalizados para pernoitar 
é a primeira opção para 38,8% dos entrevistados e segunda para 22,7%. 
Neste âmbito, os albergues foram objeto de maior procura pela popula-
ção, tanto na primeira quanto na segunda opção (23,7% e 10,3%). Existe 
uma tendência pequena à intensificação do uso de serviços, que também 
se verifica dentre os equipamentos de pernoite disponíveis à população, 
mantendo-se o padrão preferencial da maior parte da população que não 
os utiliza. Enquanto que, em 2007-8, 39,3 %, da amostragem afirmava 
frequentar albergues, este percentual chega a 49,0% em 2016. 
Entretanto, quando solicitados sobre o local onde dormem com 
mais frequência, apenas 23,3% apontaram os albergues, mesmo que 
este número seja superior aquele revelado pela pesquisa anterior, qual 
seja, 18,9%. Inversamente, os abrigos registraram uma queda em sua 
procura e utilização. No passado recente, 32,2 % dizia servir-se de abri-
86 
gos e agora somente 28,8% assume isto. Em acréscimo, enquanto que 
no final da década passada 6,1% indicavam os abrigos como primeira 
alternativa este percentual, na atualidade, corresponde somente à 4,0% 
dos entrevistados. 
Cotidiano e Uso de instituições
Grande parte dos que responderam ao questionário sobre com 
quem passam a maior parte do tempo na rua revelou que a maioria 
(44,1%) sustenta estar com parceiros de rua, colegas de trabalho e ami-
gos em geral. Ao se analisar onde passam a maior parte do tempo quan-
do estão acordados, os equipamentos institucionais foram apontados, em 
por apenas 9,5% dos entrevistados, como primeira opção. Saliente-se que 
esses equipamentos são espaços de acolhida e não de trabalho remune-
rado, o que contrasta com a resposta de 17,8% dos entrevistados que 
disseram trabalhar, pedir nas esquinas ou atividades afins, priorizando a 
atividade exercida em detrimento do local onde a exercem – o que indica 
também o caráter informal e itinerante dessas atividades. 
Dentre os serviços/locais de uso diurno, o Centro POP é buscado 
com frequência por 43,8% dos entrevistados, enquanto 56,2% não fa-
zem uso deste serviço. Menos da metade da população estudada (40,1%) 
afirma fazer a suas necessidades íntimas em instituições assistenciais 
previstas especialmente para a sua acolhida, sejam albergues, abrigos, 
Centro Pop ou Caps. Banheiros e chuveiros públicos previstos para essas 
finalidades, sem serem destinados exclusivamente para esse segmento 
da população, constituem a segunda resposta mais assinalada (22,5 %). 
Com relação ao uso de serviços, pode-se perceber um ligeiro 
crescimento no uso dos serviços, caso consideremos os dados coleta-
dos em 2007-8. É o caso do Restaurante Popular, que atendia 46,9 % do 
universo em questão e que os dados atuais apontam para 48,8%, ainda 
que mais da metade, 51,2%, afirme não frequentá-lo. Outro local de 
distribuição de comida é o Sopão Ramiro d’Ávila, usado por 30,4 % dos 
entrevistados na pesquisa anterior e agora por 39,8%, embora 60,2% 
siga não fazendo uso dessa entidade tradicional da cidade. Centros re-
ligiosos que prestam assistência à população em situação de rua, como 
87 
igrejas, centros espíritas e/ou terreiros, são buscados por 48,9% contra 
42,7% dos informantes em 2007, além do que, 51,1% do total disse não 
recorrer a seus préstimos na atualidade. Em consequência, nota-se um 
crescimento da importância destes estabelecimentos; não obstante, es-
ses diversos conjuntos de serviços permanecem como não sendo aces-
sados por grande parte da população adulta em situação de rua. 
Locais de alimentação: Os dados coletados na atualidade indicam 
que 52% dos informantes recorrem a alguma organização pública ou 
particular, leiga ou religiosa, destinada para a distribuição de comida 
junto a pessoas necessitadas. Em seguida, com 24,9% de incidência, é 
mencionada a comida que ganham das pessoas (pedido em residências, 
estabelecimentos comerciais ou cozinhas) como recurso principal para 
saciar a fome. O percentual de 16,2 % das respostas indica a compra de 
alimentos com seus próprios recursos e/ou em troca de trabalho. Doze 
pessoas (2,9 %) apresentaram outras formas de obter comida. Saliente-
-se que, em comparação com a pesquisa de 2007-8, houve um aumen-
to da procura pelo restaurante popular cujafrequência, que foi 13,1% 
naquele estudo, alcança 22,0% em 2016. Inversamente, o percentual 
de população que depende do resultado do que ganham das pessoas 
diminuiu. No intervalo entre uma pesquisa e outra este índice diminuiu 
dez pontos percentuais. Isto pode sinalizar, ademais, uma diminuição 
da solidariedade espontânea para como esta população.
Saúde: Apontou-se também na pesquisa um crescimento do relato de 
doenças e/ou problemas de saúde associadas ao uso de álcool e drogas 
e um crescimento da informação sobre adoecimento e/ou problemas 
de saúde que pode informar a necessidade de maior investimento pú-
blico nesta área. Em comparação com os resultados das pesquisas an-
teriores, destacamos que não houve diferença em relação à tipologia de 
doenças ou problemas que os entrevistados(as) disseram possuir, mas 
uma percepção de agravamento significativo no percentual da doen-
ça ou problema que atinge a grande maioria da população investiga-
da: a “dependência química/álcool”, que abrangeu em 2016 o total de 
58,1% de respostas positivas. Em 2007-8 esta variável recebeu 40,1% 
88 
das respostas positivas e em 2011 o percentual de 49,6% de respostas 
positivas. Em segundo lugar foi ressaltado o “problemas nos dentes”, 
com 47,8% de respostas “sim” e, em terceiro lugar, aparecem as “dores 
no corpo”, com 43,7%, que se mantiveram relativamente estáveis na 
comparação entre os dados de 2011 e 2016, mas que aumentaram tam-
bém em relação aos dados de 2007-8. Estes dados apontam para uma 
maior percepção de adoecimento e de posse de problemas de saúde, em 
relação às pesquisas anteriores. Esta interpretação é corroborada pelo 
aumento da percepção de doenças ou problemas de saúde em quase 
todas as categorias investigadas, à exceção das doenças de pele, que 
diminuíram percentualmente quase 50% em comparação com os dados 
de 2007-8 e de doenças cardíacas, que se mantiveram estáveis desde a 
pesquisa de 2007-8. 
Uso de produtos prejudiciais à saúde: Com relação à questão sobre 
o uso de produtos que podem ser prejudiciais à saúde, o produto mais 
utilizado foi o cigarro, consumido por 51,8% dos entrevistados todos 
os dias e 13,7% de vez em quando. Em seguida, as bebidas alcóolicas, 
consumidas todos os idas por 24,6% e de vez em quando por 36,9% dos 
entrevistados, respectivamente. Entre as drogas ilícitas mais consumi-
das estão a maconha e o crack.
 
Participação política: Mais de 60% da população estudada afirmam 
possuir documentos importantes como Carteira de Identidade (65,4%), 
CPF (61,4%) e Certidão de nascimento (61,3%). Há um crescimento na 
posse de documentação, provavelmente relacionada à maior inserção 
dessa população em benefícios sociais. 34,2% afirmar receber o Bolsa 
Família. A participação e conhecimento do Jornal Boca de Rua e do 
Movimento Nacional de População de Rua mostrou-se significativo.
Violência: Quando questionados se alguma vez foram vítimas de al-
gum tipo de violência, a grande maioria dos entrevistados (60,6%) res-
pondeu positivamente, sendo que 47,5% sofreu violência mais de uma 
vez em sua vida. Cerca de 45% dos entrevistados afirmaram já terem 
sido expulsos de algum lugar, sendo que 36,5% se referiam a locais e 
89 
órgãos públicos, como ruas, calçadas, praças, parques, marquises e até 
mesmo hospitais e postos de saúde. Em seguida, figuram os estabeleci-
mentos comerciais, incluindo bancos (21,1%). Com relação à percepção 
do modo de tratamento da população da cidade de Porto Alegre, os tra-
tamentos negativos foram consideravelmente mais frequentes que os 
tratamentos positivos. As categorias “com desconfiança” e “com medo” 
foram indicadas por 82,4% e 80,7%, respectivamente, dos entrevista-
dos. O preconceito em relação a essa população também é bastante 
elevado, aparecendo em 79,4% das respostas positivas. Mais da metade, 
51,8%, afirmou serem tratados “sem respeito”.
Considerações Finais
Os dados apresentados mostram uma dinâmica de vida marcada 
pelo reconhecimento da situação de subalternidade e de falta de reco-
nhecimento social. Embora haja, de um lado, maior visibilidade política 
e numérica da população em situação de rua na cidade, o que se percebe 
através das percepções trazidas pelas pessoas estudadas é uma inten-
sificação de estigmas e atribuições negativas. O uso de serviços ofere-
cidos para esta população continua marcando o cotidiano de escassa 
parte da população estudada, o que constitui um desafio para as políti-
cas públicas. Como escrevemos anteriormente, reconhecer a existência 
social das pessoas em situação de rua pode ser admitir que o rumo das 
políticas talvez não seja aquele da simples tentativa de sua supressão 
através de políticas assistencialistas ou de controle social punitivo, mas 
atenção e, sobretudo, transformação dos complexos processos sociais 
que as configuram, na sua dramaticidade e luta cotidiana.
90 
Referências
FASC. Relatório Final de Pesquisa: Cadastro de Adultos em Situa-
ção de Rua de Porto Alegre/RS. Porto Alegre: FASC, 2012 (Mimeo).
UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL, Rela-
tório final da pesquisa: Cadastro de Adultos em Situação de Rua 
e Estudo do Mundo da População Adulta em Situação de Rua de 
Porto Alegre. Porto Alegre, 2008 (Mimeo).
91 
DESAFIOS METODOLÓGICOS AO ESTUDAR 
A POPULAÇÃO EM SITUAÇÃO DE RUA
ivAldo Gehlen
MAuro MeirelleS
PAtrice Schuch
O presente texto tem como finalidade explorar e apontar algu-
mas particularidades metodológicas que envolvem o estudo da popu-
lação em situação de rua. População essa tida como particular e que 
guarda certa similitude com outros estudos na sociologia e na antro-
pologia de populações nômades, migrantes sazonais entre outras que, 
no geral, tem em comum um baixo reconhecimento de cidadania e, 
portanto, usufruem de forma limitada senão sofrida dos serviços e di-
reitos de cidadãos. 
Estas populações mantêm no território no qual se movem física 
e culturalmente, relações relativamente frágeis e dissonantes na inte-
ração com o outro em condições similares e relações de dependência 
ou de estranhamento com o outro que não compartilha seu território, 
seu “modus vivendi” (MARTINS, 1997). As reflexões aqui presentes se 
assentam, para além de estudos com outros segmentos sociais, sobre-
tudo, em experiências metodológicas através de estudos realizados nos 
últimos 15 anos com pessoas em situação de rua na cidade de Porto 
Alegre. O estudo realizado em 2016, denominado de “estudo quanti-
-qualitativo da população em situação de rua em Porto Alegre”, por 
demanda da FASC é a principal referência. Esse estudo incorpora ex-
periências anteriores, desde 2004, pelo IFCH (UFRGS), sempre em 
parceria com a FASC e, portanto, este artigo acumula toda essa traje-
tória metodológica.
Nesse sentido, tanto a construção do projeto de estudo e sua 
execução, quanto os procedimentos utilizados, se legitimaram ante-
riormente. A primeira delas constituída por cadastro tipo censitário 
e estudo do mundo das crianças e adolescentes em situação de Rua de 
92 
Porto Alegre e de outras seis cidades da Região Metropolitana, através 
de entrevistas estruturadas (questionário), em 2014, no contexto do 
Projeto GRANPAL. Estudo pioneiro, no que se refere à abrangência 
e profundidade e por consequência como experiência teórica e meto-
dológica. A segunda, no segundo semestre de 2007 e início de 2008, 
refez o cadastro de crianças e adolescentes de Porto Alegre e incluiu o 
cadastramento censitário e o mundo cotidiano da população adulta em 
situação de rua da cidade. Realizada pela mesma unidade da UFRGS 
e com repetição de alguns pesquisadores, apropriou-se tanto de ins-
trumentos quanto procedimentos empíricos já utilizados na pesquisa 
anterior da anterior. A terceira precursora foi o Censo da população 
adulta em dezembro de 2011, executado pela FASC com consultoria de 
professores do IFCH/UFRGS. 
Estas experiências proporcionaram a criação e testagem de me-
todologias e instrumentos que se procuram evidenciar neste texto. O 
aquidenominado de “mundo” dessa população corresponde ao modus 
vivendi expresso em práticas e experiências, permeado de mobilidades 
territoriais, onde inclui-se o social e o cultural, e também de rupturas, 
que no dia a dia marcam as vidas dos que vivem nessa condição. Esta 
condição de rua é resultado de processos históricos complexos, mul-
ticausais, incluindo subjetividades, seu início, muitas vezes, resulta de 
ruptura(s) nas dimensões afetiva, profissional, social, familiar e, outras 
vezes, é promovido por imponderáveis relativos à saúde ou à dependên-
cia de produtos diversos, como álcool, remédios ou drogas. 
Capturar esta realidade na sua importância quantitativa, diag-
nóstica, necessária para definir políticas específicas e na sua importân-
cia pessoal e existencial, que expresse qualidades, constitui muitas ve-
zes dilemas metodológicos. Além do caráter de nomadismo (MAGNI, 
2006), alguns apresentam características de hábitos cotidianos indivi-
dualizados e de vida solitária. Levando em conta tais características, 
optou-se por uma amostragem relativamente alta para os padrões de 
estudos acadêmicos, ou seja, ao invés de 30%, na pesquisa de 2016, 
utilizou-se uma amostragem de cerca de 25% compensada por um uni-
verso total maior em mais de 50% da população em relação a pesquisa 
anterior. A amostragem alta foi para compensar dificuldades pelo ca-
93 
ráter nômade, pela inviabilidade de alguns selecionados responderem 
as perguntas do questionário e pela indefinição do universo antes da 
ida à campo. Além disso a dispersão de respostas em algumas questões 
é bastante significativa de modo que, uma amostra maior acaba por 
compensar eventuais desvios.
A experiência de pesquisar um universo social marcado pela in-
visibilidade e vulnerabilidade na cidade de Porto Alegre vai além dos 
registros formais em banco de dados e relatórios. Significados e repre-
sentações são registrados nas experiências e narrativas de quem vive 
o processo em qualquer dos lados. A aproximação, desconstrução de 
preconceitos sociais e a ambivalência na relação entre sujeitos díspa-
res, até então distantes, embora muitas vezes vivendo próximos e se 
encontrando anonimamente nas perambulações pelas ruas, uns para 
ir e vir, outros porque essa é sua condição cotidiana, é resultado estra-
tégico para os pesquisadores e participantes da pesquisa. Do lado dos 
que fazem da rua sua “casa” e/ou nela circulam e habitam socialmente, 
estes, se sentem partícipes da cidadania que esse encontro desvela. Do 
lado daqueles que realizam a pesquisa, ao explicar as razões do estudo 
tem-se que, estes, ao irem de encontro a uma abertura e aceitação por 
parte do universo social estudado, informando-lhe por que está sendo 
entrevistado e a finalidade do estudo, acabam por viver um processo de 
estranhamento que lhe enseja um compromisso ético e pedagógico que 
inspira responsabilidade de modo que, tanto nós quanto eles não pas-
samos incólumes por essa vivência e experiência singular que a própria 
metodologia da pesquisa nos impõe. 
Contudo, a devolução, através da entrega/apresentação dos re-
sultados, tem se mostrado de suma importância na medida em que 
instrumentaliza tantos os geradores, quanto os executores, quanto os 
beneficiários de políticas e enseja a realização de estudos posteriores. 
Mas, também propicia o autoconhecimento, levando a que tanto a po-
pulação em situação de rua quanto os trabalhadores que atuam junto a 
eles e/ou ainda, os próprios pesquisadores, salientado nas avaliações, a 
se reconhecerem melhor no mundo e na sociedade em que vivem.
94 
A pesquisa/estudo das populações em situação de rua: 
uma breve digressão
É recente a incorporação do universo social da população em si-
tuação de rua nos estudos acadêmicos e mesmo nos diagnósticos para 
fins de formulação de políticas de atendimento e de inclusão social no 
Brasil. Já se observa resultados positivos desses estudos, na formulação 
de políticas e na criação e implementação de programas específicos, 
especialmente no que se refere ao universo infanto-juvenil, em Porto 
Alegre e no Brasil em geral, segundo relatos. As informações quanti-
tativas possibilitam avaliar e monitorar a abrangência e as mudanças 
provocadas pelas ações proativas. Já as informações qualitativas possi-
bilitam compreender melhor o seu modo de vida e, portanto, construir 
com eles estratégias de médio e longo prazo com vistas a que possamos 
qualificar cada vez mais a prática profissional daqueles que, direta ou 
indiretamente, atuam junto a esse segmento específico da população. 
Essas mudanças resultam de três “movimentos”, estreitamente 
vinculados ao processo de produção de conhecimento e à maneira ou 
metodologia para isto. 
Um, se origina do Estado enquanto ente público responsável 
primeiro pela superação das desigualdades e da discriminação social. 
Uma vez que, aos poucos é possível conhecer melhor o universo, mas 
também se apropriar de metodologias geradoras de informações, sis-
tematizações e análise, possibilitando o aperfeiçoamento e o monitora-
mento das políticas e iniciativas. Nos estudos que servem de referência 
aqui, houve forte preocupação de integrar os entes públicos envolvidos, 
através da inclusão de seus técnicos no processo de estudo e no próprio 
estudo em si. Contudo, até hoje a população em situação de rua não foi 
recenseada nacionalmente, embora essa tenha presença marcante nas 
cidades, esta, não “existe” demograficamente. E, neste sentido, Por-
to Alegre tem sido pioneira no estudo aprofundado da população em 
situação de rua de modo que, aos poucos, se produzem programas e 
projetos sintonizados com a realidade. Mas, ainda assim há um percur-
so significativo a ser desenvolvido neste âmbito, sobretudo a partir da 
produção de pesquisas mais atentas à heterogeneidade deste universo. 
95 
O segundo movimento é o dos próprios atores sociais (popula-
ção em situação de rua) que aos poucos se organizam e se mobilizam 
para produzirem e lutarem por reinvindicações específicas. Estão or-
ganizados inclusive nacionalmente e parte das políticas atuais resul-
ta dessa organização. Com apoio de técnicos e de organizações geram 
informações e as difundem, de forma relativamente sistemática. Em 
Porto Alegre, há várias experiências, as quais contam geralmente com 
a participação de instituições com qualificação de apoiá-los metodolo-
gicamente, dentre essas instituições citam-se os centros universitários.
O terceiro movimento é da sociedade civil, que informada e aler-
tada pelos resultados de estudos e de debates, aos poucos desconstrói 
olhares preconceituosos, quando não estigmatizados, e incorpora-os 
como cidadãos. Isto altera também o reconhecimento e o respeito a 
um “novo lugar” desse segmento social no uso dos recursos da cidade 
e no acesso aos serviços. O reconhecimento de pertencimento à mesma 
cidade que nós – no caso os outros em relação a eles – predispõe a que 
se passe a compatibilizar os recursos, a reconhecê-los como detentores 
de direitos humanos inalienáveis. Com isto, há a possibilidade de uma 
maior aceitação da população – e mesmo do poder público – da inver-
são de investimentos em estrutura, serviços e espaços físicos e simbóli-
cos que os dignifiquem, reconhecendo-se as inúmeras tarefas que estes 
desempenham no espaço urbano. 
Todos esses movimentos permitem aperfeiçoar a metodologia 
das pesquisas, com a constatação de mudanças bastante significativas 
da quantidade de pessoas em situação de rua. Entre os mais jovens, 
aparece uma forte diminuição em menos de uma década e entre os de 
mais idade aparece o contrário. No caso da população infanto-juvenil 
da População de Rua de Porto Alegre, a diminuição representou sua 
quase extinção. Foram encontradas 27 pessoas menores de 18 anos. 
Certamente deve-se aos três movimentos acima explicitados, sobretu-
do, às políticas de sucesso. A pesquisa foi o melhor instrumento para 
mostrar isto, conforme atestam os relatórios e depoimentos. O mesmo 
parece aplicar-separa os adultos-jovens, ou seja, menores de 30 anos, e 
para as mulheres em que a pesquisa mostrou com clareza a tendência 
à diminuição proporcional em relação aos homens na rua, no censo de 
96 
2016. Esta diminuição também é atribuída principalmente às políticas 
específicas. 
Entre os mais idosos há um acréscimo real, tanto em número 
quanto pela maior permanência na rua, nos estratos mais altos de ida-
de. E, neste sentido, sugere-se a realização de estudos continuados 
de modo a que se possa melhorar o atendimento a essa população e 
a compreender os motivos que os levam a continuar nessa condição? 
Certamente, também resultou em parte do aperfeiçoamento metodoló-
gico do mapeamento, realizado com informações mais precisas e abran-
gentes dos serviços da FASC e com informações da população através 
de reuniões e de técnicas aplicadas pelos entrevistadores. Certamente 
contribuiu o refinamento conceitual que disciplinou e orientou os olha-
res dos pesquisadores/entrevistadores, facilitando o encontro e a visi-
bilidade de uma parte que não era reconhecida ou não era conhecida.
Outro desafio para garantir rigor metodológico é identificar ou 
absorver a complexa mobilidade social, tanto de chegada ou ingresso e 
saída da condição “de rua”, quanto de construção de prestígio, status e 
identidades na rua, processos com os quais, os pesquisadores não estão 
familiarizados. Há, nesse caso, a necessidade de uma retroalimentação 
que induza mudanças de olhares e de comportamentos. A constatação 
da heterogeneidade desse universo gera como desafio a aprimoramen-
to das metodologias existentes e a utilização de outros métodos de co-
nhecê-los e também deles se reconhecerem. A constatação de melhora 
no auto e hetero reconhecimento por parte da População de Rua, os 
instrumentaliza para organizar suas pautas e suas demandas, inclusive 
com apoio nos resultados dos estudos. Os dados de identificação, mos-
tram claramente que o conjunto da População de Rua, mutatis mutantis, 
reproduz a sociedade geral na qual se insere.
No estudo realizado em 2004 teve-se uma preocupação bastante 
acentuada com os riscos de entronizar-se nesse universo, tanto do pon-
to de vista da possível ineficácia metodológica, pela não receptividade 
ou pela falsificação de informações, quanto do ponto de vista de pos-
síveis ameaças à integridade dos pesquisadores, pois, era experiência 
inédita no Brasil, sobretudo, no que tange a sua amplitude e profundi-
dade. Nas pesquisas subsequentes foi melhor trabalhado e maturado, 
97 
diminuindo ansiedade e insegurança. Em 2016 acresceu-se, porém, um 
ingrediente a complicar, no que se refere à sensação de segurança tanto 
dos pesquisadores, quanto dos pesquisados, decorrente do momento 
político de Porto Alegre e do País. Houve maior recusa em participar 
da pesquisa por conta do mal-estar em relação à mudanças políticas – 
período do impeachment e eleitoral municipal – e por conta da sensação 
de insegurança na cidade que obrigou o governo do Estado e demandar 
a presença da Força Nacional de Segurança. No entanto nenhum inci-
dente relevante aconteceu na relação com a População de Rua.
Tal atitude era parte de uma cultura de referência negativa que, 
sempre impregnou esse campo de estudo, mas que, a partir de um for-
te exercício de vigilância epistemológica, trabalhado cognitivamente, 
tanto na etapa de planejar e de organizar a pesquisa, sobretudo o cam-
po, quanto na fase de coletar dados através de entrevistas. Em que o 
contato é presencial. Constatou-se que tal postura foi fundamental para 
o êxito desta etapa, garantindo a receptividade, acolhimento e disponi-
bilidade para colaborar. 
Outra estratégia metodológica que se mostrou eficiente foi a 
criação de espaços e momentos de interação, através da participação de 
pessoas representativa da População de Rua em atividades e reuniões 
relacionadas aos estudos. Em 2016 a participação deu-se em todas as 
etapas da pesquisa, da adequação do Projeto, à elaboração dos instru-
mentos, da realização do campo, até o encerramento com a apresenta-
ção/devolução dos resultados. Foi decisivo para legitimação do proces-
so e dos resultados junto ao universo estudado. Para além de elogios 
pela identificação dos dados e análises com a realidade, passaram a uti-
lizar os resultados para fortificarem suas demandas e discussões no 
interior de suas formas associativas. 
Responsabilidade proativa do processo metodológico
O estudo se constitui em uma ação do Plano Municipal de En-
frentamento à Situação de Rua, para reconhecer a diversidade de situa-
ções podendo, com isso, atualizar e desmistificar os diferentes números 
circulantes na mídia de pessoas adultas nessa situação. Contudo, é im-
98 
portante lembrar que uma das principais dificuldades, neste processo, 
foi a própria definição conceitual daquilo que seria entendido e com-
preendido no decorrer do estudo como “pessoas em situação de rua”. 
Como foi possível notar a partir da análise de diversas pesquisas reali-
zadas no Brasil sobre essa problemática, não há unidade conceitual que 
embase os estudos. Isso impossibilita contagem precisas no país. Para 
evitar disparidade, em Porto Alegre, os estudos realizados desde 2004, 
utilizam basicamente a mesma definição conceitual. 
Assim, definiu-se que fariam parte do universo do estudo, todas 
as pessoas que se encontrassem em abrigos e albergues destinados ao 
acolhimento e/ou abrigo temporário, intermitente ou definitivamente, 
bem como aquelas que se encontrassem em atividades de perambula-
ção/circulação pelas ruas e/ou que dissessem fazer da rua seu local de 
existência e habitação, mesmo que temporariamente. Assim, o univer-
so de pesquisa conjugou uma diversidade de fatores, entre os quais se 
destacaram:
1. os modos de utilização do espaço da rua ou de territórios 
subvertidos em sua utilização (casas abandonadas, viadutos, 
parques, etc.) – habitação, perambulação, permanência ou ou-
tra forma de existência social, mesmo que situacional; 
2. o uso dos serviços destinados ao acolhimento de pessoas que 
necessitem de abrigo temporário, intermitente ou definitiva-
mente; e,
3. a aparência e cultura material dos pesquisados. 
Tendo em vista a procura de uma definição mais ampla das pes-
soas em “situação de rua” para além da utilização da rua como dormi-
tório – numa aproximação com o entendimento do habitar a rua como 
uma forma de inserção urbana – as pesquisas não se restringiram ao 
período noturno. Pois, isto poderia não se coadunar com as práticas co-
tidianas de muitas pessoas colocadas nessa situação social, isto é, com 
seu modo de ocupação do espaço e com o uso de concepções do tempo 
99 
(MAGNI, 1994; KASPER, 2006). A rua aparece, nesse sentido, como 
um espaço de relações sociais e simbólicas, as quais não se reduzem 
a um significado puramente pragmático de resposta a fins específicos 
(trabalho, dormitório etc.) e/ou respondem puramente a necessidades 
básicas de vida. 
Tal como apontado anteriormente (UFRGS, 2008), estudos de 
contagem e cadastramento de populações, quando não partem somente 
de uma auto-atribuição dos pesquisados, devem redobrar sua atenção 
no esclarecimento de tais aspectos, uma vez que trabalham com um 
conjunto de atributos que são construídos para a construção de uma 
“população” que, necessariamente, não se reconhece como tal. Nesse 
caso, as categorias de classificação que definem o grupo de pessoas a 
ser potencialmente estudado se reflete diretamente nos dados apre-
sentados ou perfil a ser construído sobre a população pesquisada. O 
mesmo é válido para a apresentação da metodologia de pesquisa utili-
zada, que se relaciona diretamente com o resultado a ser alcançado e, 
nos casos de contagem e/ou cadastro de populações – em que a super 
e/ou subestimativa pode ter graves efeitos políticos e sociais – requer 
cuidado esmerado. 
Metodologia da estruturação e execução da pesquisa
Vários aspectos precisam ser observados ao se planejar um estu-
do de populações e/outemas que não tão tradicionais na academia ou 
nas instituições geradoras e difusoras de conhecimento. Além da cla-
reza do foco e dos objetivos, é fundamental definir os conceitos que lhe 
dão suporte. Os conceitos definem a metodologia e as técnicas do estu-
do e orientam decisivamente as análises dos dados e informações. Esta 
etapa tem se constituído no momento mais importante do processo, 
tanto pela contribuição para o debate e para a formulação de políticas 
e programas quanto pela centralidade na definição do universo social e 
na operacionalização do estudo. Uma vez que, é a partir dos conceitos 
que se define também o que se chama unidade de análise, ou seja, qual 
a referência básica a ser considerada para interpretar os dados empíri-
cos. Por exemplo, no estudo de quilombolas, geralmente a unidade de 
100 
análise é a família, em relação à população de rua é o indivíduo, mesmo 
que se agregue a outras redes, essas, não tem co-referência na tomada 
de decisão cotidiana destes.
Outro aspecto importante reside também na definição de quem 
vai realizar a pesquisa, quem é responsável pelo que, definindo-se as-
sim certa hierarquia de reponsabilidades, com previsão do tempo ne-
cessário em horas/dias/semanas/meses para executar o todo e cada 
parte. Todos os participantes precisam ter claro as suas funções, ta-
refas e o cronograma. No caso de haver remuneração, essa, também 
precisa estar definida com clareza antes mesmo de qualificar para a 
função/tarefas aqueles que a cumprirão. Junto às equipes de execução 
atuam os monitores, os que avaliam se o estudo está andando conforme 
a demanda, em aspectos de mérito e técnicos.
O organograma segue modelo semelhante nos diversos estudos: 
coordenação geral por um ou dois profissionais com formação e ex-
periência em estudos empíricos de natureza semelhante, uma equipe 
técnica que acompanha a coordenação na maioria das decisões e é res-
ponsável pela concepção, planejamento e execução do estudo, inclu-
sive do mapeamento e do relatório final, os quais, têm também como 
atribuição a função de apoiar a divulgação dos resultados para fora das 
instituições específicas, no caso, além da Prefeitura, junto à mídia. Esta 
atividade de divulgação junto com a instituição demandante, no caso 
a FASC, é importante para esclarecer, tanto questões metodológicas 
quanto de análise e o significado dos dados e informações. Essa equipe 
técnica também identifica e engaja consultores, em geral um de apoio 
metodológico, no caso estatístico, um de apoio à discussão conceitual e 
um de apoio pedagógico.
A parte operativa da execução especialmente a realização do ma-
peamento, da coleta de dados, de informações e a sistematização dos 
dados, ficam à cargo de dois ou três profissionais denominados de apoio 
técnico. Para o mapeamento, são utilizadas informações escritas e orais 
da FASC e de outras fontes, dentre elas os estudos anteriores e os pro-
fissionais que têm atividades junto à esta população e as informações 
coletadas diretamente com a População de Rua. Uma equipe especial-
mente constituída faz a revisão crítica dos questionários após preen-
101 
chimento, e realiza a digitação sob a supervisão da Equipe Técnica e a 
de apoio técnico.
Uma equipe de seis supervisores de campo, um para cada equipe 
de três entrevistadores, constituiu o elo fundamental entre a coorde-
nação e População de Rua para a realização dos cadastros e das entre-
vistas, seguindo e fazendo cumprir rigorosamente as informações do 
manual e as orientações da coordenação. A maioria dos supervisores 
nesses estudos foram de estudantes, preferencialmente de pós-gradua-
ção da área de humanas. A maioria dos entrevistadores eram estudan-
tes de graduação.
O número de equipes depende do cronograma e do tipo de estudo. 
Se for cadastramento censitário, a produtividade por turno/entrevista-
dor é praticamente o dobro da que inclua entrevistas em profundidade 
ou amostral. Pode-se diminuir a duração do tempo, aumentando o nú-
mero de equipes. Estratégia adotada em 2016, em razão do calendário 
e que demorou o mesmo que em 2007-8, ou seja, um mês.
Os entrevistadores foram selecionados entre estudantes de gra-
duação e de pós-graduação da Universidade. Como já assinalado, for-
mam equipes de três com um Supervisor e atuam em conjunto. Desne-
cessário referir que o treinamento, com teste de campo e o manual são 
absolutamente essenciais para padronização da realização de coleta e 
para a qualidade dos dados e informações. 
Crescentemente se verificou a fundamental presença de pessoas 
que vivem a condição da rua e, por isso, conhecem bem esse universo 
da cidade. Participaram do Curso de Extensão que aconteceu no decor-
rer da pesquisa e seis deles foram selecionados para a função de facili-
tadores, ou seja. Apoiadores para o mapeamento e para acompanhar as 
equipes de campo facilitando o acesso às pessoas para cadastramento 
e entrevistas. Não participaram diretamente das entrevistas, mas loca-
lizaram locais e condições de chegada e de realização dos cadastros e 
das entrevistas.
Para se realizar o campo é necessário previamente construir os 
instrumentos, com maior participação possível: dos serviços públicos, 
dos técnicos que executam as políticas, dos estudantes que irão à campo, 
da equipe de pesquisadores e dos representantes da População de Rua. 
102 
Estas parcerias, garantem a qualidade dos instrumentos e, portanto, dos 
dados coletados para respondam aos objetivos e expectativas de saberes. 
Nesse sentido, no decorrer das quatro pesquisas realizadas, a experiên-
cia mostrou que quanto mais participativa esta etapa, mais ajustado e 
melhor será o atendimento dos interesses dos diversos grupos que com-
põem essa população pois, isto, implica em negociação, no aproveitamen-
to de experiências pessoais de indivíduos que a compõem e, também, de 
especialistas que têm seu labor ligado à referida população. 
Em relação ao monitoramento de todo o processo, foi constituído 
um grupo de trabalho gestor da pesquisa, composto por técnicos da 
FASC, coordenação por parte da UFRGS, às vezes toda a equipe técni-
ca participava e representantes da População de Rua. A FASC delegou 
uma profissional da entidade como representante junto à equipe técni-
ca, que acompanhou diuturnamente o processo e monitorou o cumpri-
mento do Projeto.
A pesquisa de 2016, portanto, se caracterizou como um estudo 
quali-quanti que seguiu os moldes da pesquisa realizada em 2007/2008 
uma vez que, buscou-se explorar alguns elementos fundamentais sobre 
as dinâmicas de vida dessa população e sua relação com o aparato téc-
nico-burocrático-institucional, ligado a FASC. Os dados quantitativos 
extraídos do instrumento foram agrupados em banco de dados espe-
cífico utilizando-se o software Statistics Package Social Science (SPSS), 
programa estatístico especial para a área de Ciências Sociais, através do 
qual também foram processados. 
As equipes de campo, incluindo-se supervisores, entrevistadores e 
facilitadores, foram treinadas a esclarecer os entrevistados dos objetivos 
e finalidades da pesquisa, se identificando através de crachás e, se neces-
sário, apresentar documento, instruindo a pessoa abordada do direito de 
participar voluntariamente da pesquisa. O Cadastro, porém, tinha ca-
ráter de compulsoriedade e, no caso de negativa ou incapacidade, eram 
contabilizados, com descrição sumária no instrumento de dados como 
local, sexo, turno e dia da semana. Sempre que possível o entrevistador 
obtinha as informações de alguém próximo ou amigo da pessoa. 
103 
Estratégias operativas do campo 
Conforme acima referido, a realização do campo contou com os 
pesquisadores, todos professores da UFRGS, com uma equipe de Secre-
taria sediada nas dependências da Universidade. A execução do campo, 
conforme descrito acima, foi realizada por seis equipes formadas cada 
uma delas por um supervisor de campo, que participou das reuniões de 
mapeamento e definições de roteiros diários, recebia e devolvia juntoà 
Secretaria os registros do campo e controlava as despesas de passagem 
e de alimentação. Ao supervisor cabia a responsabilidade pelo cumpri-
mento de metas e garantir percursos em todos os locais mapeados ou 
levantados durante os percursos. Também definia quem deveria ser 
entrevistado segundo critérios da amostragem. Coube também ao Su-
pervisor efetuar o registro dos turnos trabalhados por cada entrevista-
dor e facilitador. A remuneração de todos os que realizaram o campo, 
exceto a equipe de técnica, foi por turno trabalhado combinado com o 
cumprimento mínimo de metas. A intermediação por parte dos facili-
tadores foi fundamental para a presença das equipes nos territórios, 
especialmente aqueles controlados por grupos ou facções. 
Os percursos dos entrevistadores, foi regido por um cronograma 
diário, elaborado com antecedência, em reuniões semanais, com base 
nas informações da FASC, de estudos anteriores, e em informações da 
População de Rua através dos facilitadores e dos entrevistados. Os des-
locamentos das equipes até o roteiro previsto para o dia, foram realiza-
dos a pé, na região central, de ônibus, nos bairros próximos ao Centro 
da cidade e de automóvel, nos bairros mais distantes. 
As recusas em responder aos entrevistadores se deram especial-
mente por aqueles que estavam trabalhando no momento da abordagem, 
haviam consumido e estavam sob efeito de drogas ou álcool, por pessoas 
que não queriam se expor e também por alguns foragidos. Essas pessoas 
que se recusaram a responder, foram contadas, anotando-se o horário, o 
local, o sexo, a idade provável e a cor/raça da pessoa, sempre que possível. 
Isto para fins de controle de repetição de contagem. Essas informações 
não foram utilizadas para análise dos resultados, sem prejuízo para o es-
tudo, pois estatisticamente a probabilidade de indução a erro é remota. 
104 
Entretanto, os relatos trazidos durante o processo de planejamen-
to e também do trabalho de campo, pelos representantes da População 
de Rua, informaram um cenário bastante hostil na rua, difícil para a 
realização da pesquisa. Os facilitadores alertavam constantemente para 
os conflitos, perigos e violências na rua, ao que se somava a presença 
da Força de Segurança Nacional no policiamento de Porto Alegre, no 
período do estudo, como fatores de possível hostilidade da população 
de rua com as equipes de pesquisa. Estes relatos contribuíram para um 
ambiente de receios, por parte dos estudantes, principalmente antes do 
início do trabalho de campo. Felizmente estas expectativas não se veri-
ficaram no decorrer do campo, que ocorreu sem incidente que mereça 
registro. Normalmente os entrevistados manifestaram interesse pela 
pesquisa e respeito aos entrevistadores.
A realização do campo ou coleta de dados primários junto às 
populações “nômades” ou dispersas sobre às quais pouco se conhece 
em seus hábitos territoriais e de ocupação de espaço, exige um esforço 
particular de mapeamento prévio, identificando os principais pontos e 
turnos de concentração. Optou-se por realizar as entrevistas primeira-
mente com os albergados, públicos ou conveniados. Este contato serviu 
também para divulgar o estudo, seus objetivos e finalidades entre o 
universo social estudado.
As entrevistas nas ruas da cidade de Porto Alegre foram precedidas 
por levantamento que constatou forte concentração no centro da cidade e 
em ruas ou bairros adjacentes. A segunda maior concentração, nos eixos 
formados por avenidas que iniciam na região central e destinam-se ao Sul, 
Leste e Norte da cidade. Porto Alegre não tem Oeste habitado pois é o 
Rio Guaíba e o centro fica numa ponta de terra que avança pelo rio. Daí a 
decisão de realizar a tarefa na região central em primeiro lugar, utilizan-
do-se de todas as equipes aí, de forma coordenada e repetindo itinerários 
em dias, horários e equipes diferentes. A continuidade foi nos bairros pró-
ximos ao Centro e ao longo dos eixos correspondentes às principais ave-
nidas do centro para a periferia. Por último os bairros distantes do centro, 
em que se havia identificado presença dessa população. 
Diariamente registrava-se o nome dos entrevistados e das res-
pectivas mães para, de posse destas listas se evitar duplicidade. Mesmo 
105 
assim ocorreram muitos casos, especialmente entre os não cadastros, 
os quais, após análises comparativas, foram eliminados.
A última etapa do campo constitui-se um retorno a vários luga-
res considerados estratégicos, para verificar, numa espécie de monito-
ramento, se havia pessoas que não haviam sido entrevistadas. Reunião 
com os entrevistadores e supervisores, que livremente expressaram 
suas impressões e avaliações, encerrou esta fase de campo.
Sintetizando o processo de estudo relativo ao cadastro e mundo 
da População de Rua de Porto Alegre, saliente-se alguns procedimentos 
estratégicos utilizados e que garantiram o sucesso do estudo, são eles: 
1. A realização de um curso de extensão de 40h intitulado “Po-
pulação em Situação de Rua: Lutas, Políticas e Desafios para 
as Políticas Públicas”, no decorrer da pesquisa, com maior 
concentração antes de sua execução, sob responsabilidade da 
pela Equipe Técnica e do IFCH/UFRGS que reuniu estu-
dantes, pessoas em situação de rua e profissionais da Prefei-
tura de Porto Alegre, num total aproximado de 80 pessoas. 
2. A elaboração de um formulário de cadastro censitário e de um 
questionário para as entrevistas em profundidade, amostral, 
contemplando todos os indicadores apontados previamente 
como sendo importantes de se obter dados quantitativos e 
qualitativos, foi a principal tarefa preparatória ao campo pro-
priamente dito. 
3. A realização do mapeamento prévio da distribuição dessa po-
pulação na cidade. Para isto, a equipe responsável pelo ma-
peamento, utilizou um mapa da planta urbana do município 
de Porto Alegre, dividido segundo as regiões do Orçamento 
Participativo. Revisou com os coordenadores e técnicos das 
equipes de abordagem social da FASC, os locais onde pessoas 
em situação de rua organizaram estruturas de moradia, fa-
ziam uso do espaço público para pernoite, os locais utilizados 
para a realização de atividades de trabalho e de circulação, 
106 
bem como locais de distribuição de alimentos, pesagem e co-
letas para reciclagem, entre outras informações. Tais infor-
mações foram checadas e complementadas pelos facilitadores, 
com base na sua experiência, seu conhecimento e suas redes 
de sociabilidade. Também foram checadas e complementadas 
pelos entrevistadores, por informações que recebiam dos en-
trevistados. Finalmente, foram integradas ao mapeamento, 
informações fornecidas por moradores nos bairros, por co-
merciantes, lideranças locais, coordenadores de instituições 
conveniadas com a FASC e outros prestadores de serviços 
que atuavam junto a essa população, obtidas durante as visi-
tas de reconhecimento nos bairros. 
Da difusão e razões de sucesso do estudo
A difusão dos resultados é sempre esperada com alguma ansie-
dade pelas instituições, especialmente Secretarias e órgãos da Prefei-
tura Municipal e por parte de setores da mídia, pela População de Rua, 
dentre outros, de modo que, a difusão dos dados buscou ser sempre 
feita de modo objetivo, planejado e com bastante cuidado e acuidade. 
A responsabilidade da difusão é da demandante, no caso a FASC, com 
a participação dos pesquisadores da Universidade, especialmente dos 
membros da equipe técnica e consultorias. No período subsequente há 
sempre demanda de participação em debates, de entrevistas, de exposi-
ção dos resultados para entidades etc. Normalmente os pesquisadores 
da Universidade tem participado desses eventos, com o apoio da De-
mandante FASC.
Dificuldades encontradas ao estudar as populações 
que estão em situação de rua 
A pesquisa realizada visou compreender as características socio-
culturais, os modos de inserção urbana e as relações com as políticas 
públicas, das pessoas que se configuram como em situação de rua na 
cidade dePorto Alegre. No estudo da População de Rua de Porto Ale-
107 
gre, optou-se pelos conceitos do Estatuto do Idoso e pelo Estatuto da 
Criança e do Adolescente (ECA) para estabelecer faixas etárias, pelos 
conceitos relativos a esse universo social adotados pelo Ministério do 
Desenvolvimento Social e Agrário (MDS). Definiu-se como perten-
centes ao universo estudado, todos os adultos que se encontrassem em 
abrigos e albergues destinados ao acolhimento e/ou ao abrigo tempo-
rário, intermitente ou definitivamente, assim como aqueles que se en-
contrassem em atividades de perambulação/circulação pelas ruas e/ou 
que dissessem fazer da rua seu local de existência e habitação, mesmo 
que temporariamente.
Outros desafios metodológicos são: o mapeamento prévio à ida 
a campo, decisivo para precisão da abordagem e para eficiência dos re-
cursos humanos e financeiros; a qualificação e treinamento de todos 
os envolvidos; a difusão aos que serão entrevistados da pesquisa e sua 
finalidade; o controle para evitar repetições ou ausências e, por fim, 
cuidados na análise, os dados nem sempre podem ser tratados analiti-
camente da mesma forma que os relativos a outros universos sociais.
O aspecto mais importante para o sucesso em estudos de popula-
ção de natureza heterogênea, dispersa territorialmente, nômade e sem 
endereço, é construir um ambiente de confiança entre todos, deman-
dante, executante e beneficiários, com objetivos e metodologia claros 
para dar legitimidade aos procedimentos e aos resultados.
Concluindo, cabe lembrar que o uso de instrumentos metodológi-
cos adequados é sempre um fator decisivo para se alcançar os objetivos 
propostos em qualquer pesquisa e que, o rigor científico é a pedra basilar 
de qualquer estudo – seja esse acadêmico ou não – quando se necessita 
de dados para se projetar estratégias de mudanças e/ou a promoção de 
políticas voltadas a uma população específica que, no presente estudo, 
são aqueles que hoje vivem em situação de rua em Porto Alegre.
http://www.ihu.unisinos.br/521191-legislacao-social-limites-e-conquistas-para-a-sua-efetivacao
http://www.ihu.unisinos.br/169-noticias-2015/544855-estatuto-da-crianca-e-adolescente-25-anos-depois
http://www.ihu.unisinos.br/169-noticias-2015/544855-estatuto-da-crianca-e-adolescente-25-anos-depois
108 
Referências
FASC. Relatório Final de Pesquisa: Cadastro de Adultos em Situa-
ção de Rua de Porto Alegre/RS. Porto Alegre: FASC, 2012. [Mimeo].
KASPER, C. P. Habitar a Rua. [Tese de Doutorado]. UNICAMP, 2006. 
MAGNI, C. T. Nomadismo urbano: uma etnografia sobre mora-
dores de rua em Porto Alegre. Santa Cruz do Sul: EDUNISC, 2006.
MARTINS, J. S. Fronteira: a degradação do Outro nos confins do 
humanos. São Paulo, Hucitec, 1997
UFRGS. Relatório final da pesquisa: Cadastro de Adultos em Si-
tuação de Rua e Estudo do Mundo da População Adulta em Situ-
ação de Rua de Porto Alegre. Porto Alegre: FASC, 2008. [Mimeo].
109 
PESQUISA E INTERVENÇÃO SOCIAL NA POLÍTICA 
DE ASSISTÊNCIA SOCIAL EM PORTO ALEGRE: A 
SITUAÇÃO DE RUA COMO FENÔMENO 
A SER PROBLEMATIZADO
Aline eSPindolA dornelleS
rejAne MArGArete Scherolt PizzAto
SiMone rittA doS SAntoS
Introdução
As últimas três décadas foram marcadas por mudanças signifi-
cativas no campo da política pública de assistência social desde sua 
inclusão como política de seguridade social na Constituição Federal. A 
partir da década de noventa a política de assistência social passou por 
um intenso processo de regulação com a aprovação da Lei Orgânica de 
Assistência Social – LOAS (1993), da Política Nacional de Assistência 
Social – PNAS (2004), do Sistema Único de Assistência Social – SUAS 
(2005), da Tipificação dos Serviços Socioassistenciais e de um amplo 
conjunto de legislações – CNAS (2009)1 que tiveram papel importante 
na sua estruturação. O contexto atual, contudo, é de incerteza quanto 
a garantia das conquistas na cobertura da proteção social. Constata-se 
o avanço da ideologia neoliberal na retirada de direitos trabalhistas e 
previdenciários anunciando um cenário preocupante no campo da se-
guridade social para a população brasileira.
A implantação da Política de Assistência Social em Porto Ale-
gre iniciou em 1994, quando a Prefeitura Municipal por meio da Fun-
dação de Educação Social e Comunitária – FESC2 assumiu a gestão 
desta política na cidade. A implantação da política exigiu a realização 
1 Política da Criança e do Adolescente, da Pessoa com Deficiência, do Idoso, contra a 
violência de gênero, Política Nacional para a população em situação de rua. 
2 A Fundação passou a denominar-se FASC – Fundação de Assistência Social e 
Cidadania, através da Lei 8509, de junho de 2000.
110 
de concursos públicos, estruturação da gestão e dos serviços socioas-
sistenciais3. 
A implantação dos serviços ocorrida na década de noventa e início 
dos anos dois mil foi reordenada a partir de 2010, com a aprovação do 
SUAS em 2005, e da Tipificação Nacional dos Serviços Socioassisten-
ciais, em 2009. As demandas da população em situação de rua, organi-
zadas nacionalmente, a partir do Movimento Nacional da População em 
Situação de Rua, foram inseridas no Decreto nº 7053 de 23 de dezembro 
de 2009, que institui a Política Nacional para a População em Situação de 
Rua e o Comitê Intersetorial de Acompanhamento e Monitoramento da 
política em âmbito municipal e estadual. E, neste sentido,
O documento é considerado um avanço por acolher expressões e 
vontades de vários sujeitos que compartilham o mundo da rua, seja 
ele por sua inserção profissional ou mesmo protagonista dessas vi-
vências, portanto, momento sócio-histórico importante que demar-
ca a luta pela não violação de direitos (MACHADO, 2012, p. 70).
Concomitante ao processo de regulação instituíram-se mudan-
ças sociais, políticas e econômicas no país. A população em situação de 
3 Em relação ao acolhimento institucional, apresentamos o histórico de implantação 
da rede de serviços na década de 1990 até 2001. O Abrigo Municipal Bom Jesus foi 
implantado em 1987 como Albergue e administrado pela Secretaria Municipal da 
Saúde até 1993; em 1994 sua gestão passa para a FESC e em 1997 é reordenado e 
passa a funcionar como um Abrigo (AMBJ). O Albergue Municipal, criado em 2000, 
com a parceria do Governo do Estado, iniciou como Casa de Inverno oferecendo 
albergagem durante o período de inverno; em outubro de 2001 foi implantado em 
caráter permanente de atendimento. Nesta mesma década, foram estabelecidos 
convênios com o Albergue Felipe Diehl e Dias da Cruz. O Abrivivência, foi implantado 
em 1995, como abrigo e casa de convivência para a população adulta em situação de 
rua. Em 1996 é criado o Serviço de Abordagem Social, executado no mesmo espaço, o 
qual em 1997 é reordenado e passa a ser chamado de Atendimento Social de Rua. Em 
2001 o Abrivivência é reordenado em Abrigo Municipal Marlene e, em outro espaço, 
é aberta Casa de Convivência, executada junto com o ASR. Para o atendimento de 
criança e adolescente, cria-se a Casa de Passagem, em 1994, para crianças de 07 a 12 
anos vítimas de violência intrafamiliar; em 1995 é reordenado o Abrigo Municipal 
Ingá Britta, para atendimento a adolescentes em situação de rua, do sexo masculino, 
de 14 a 18 anos, com vínculos familiares rompidos; nessa década é constituído o 
serviço de educação social de rua, para abordagem de criança e adolescentes em 
situação de rua; em 2000 é implantada a Casa de Acolhimento para crianças de 07 a 
12 anos, e adolescentes de 14 a 18 anos do sexo feminino, em situação de rua; em 2001 
é implantada a Casa de Acolhimento Noturno, para adolescentes de 14 a 18 anos em 
situação de rua. Ao longo da primeira década dos anos 2000, alguns desses serviços 
passam a ser reordenados. 
111 
rua organizou-se politicamente, houve uma ampliação e diversificação 
dos trabalhadores no SUAS, ocorreram mudanças na gestão munici-
pal e federal. Nesse cenário complexo e multifacetado de formulação 
da política de atendimento observou-se uma preocupaçãopor parte da 
instituição, assim como dos trabalhadores, na realização de estudos e 
pesquisas sobre a situação de rua. A problematização desta questão 
surgia pela necessidade de refletir sobre os processos de intervenção e 
produção do conhecimento. A contratação das universidades objetiva-
va estabelecer um rigor conceitual e metodológico, tendo em vista os 
vários atores inseridos no contexto. Pois, como afirma Shore: 
A compreensão das políticas públicas implica estudá-las a partir 
das instituições, dos funcionários que as formulam, dos contex-
tos institucionais e socioculturais mais amplos, das regras do 
jogo que orientam a conduta dos formuladores de políticas, pois 
a maneira de entendê-las depende do próprio entendimento do 
que estamos propondo-nos a discutir (2010, p. 36). 
Havia por parte dos atores institucionais a preocupação que 
o processo de pesquisa de fato contribuísse para o conhecimento do 
tema, na medida em que se abriam serviços e definiam-se metodolo-
gias de atendimento. Esse entendimento, pautava-se na crença que a 
formulação das políticas públicas pode contribuir para ampliar o “co-
nhecimento sobre a intervenção e as lógicas culturais que impulsionam 
a ação dos sujeitos” (SHORE, 2010, p. 36), na medida em que a propo-
sição de uma política de atendimento incide na vida da população e dos 
trabalhadores que compõem a rede de serviços. 
Frente a este conjunto de questões o texto que se apresenta tem 
por objetivo analisar a política de atendimento à população em situa-
ção de rua na cidade de Porto Alegre, no período de 1994 a 2011. Está 
estruturado da seguinte maneira: em um primeiro momento, um le-
vantamento documental das pesquisas realizadas na instituição desde 
a década de 1990, seus objetivos e principais resultados, em seguida, o 
campo de intervenção dos serviços da Política de Assistência Social, na 
cidade; e, encerra-se com as considerações finais.
112 
A trajetória das pesquisas na Instituição
O levantamento de documentos mostra que a instituição desde a 
década de 1990 pautou-se pela organização e sistematização de infor-
mações sobre a população em situação de rua. Somente na década de 
1990, foram realizados três estudos (1994, 1995, 1996) executados ou 
contratados pela instituição, buscando identificar, quantificar e conhe-
cer o modo de vida da população em situação de rua da cidade, tanto de 
crianças e adolescentes como adultos e famílias. 
O primeiro estudo, realizado em 1994 pelos trabalhadores da 
instituição, identificou por meio de um levantamento 229 crianças e 
adolescentes pedintes nas sinaleiras, denominado: “Perfil dos meninos 
e meninas pedintes nas sinaleiras de Porto Alegre”. O estudo tinha 
por objetivo conhecer o perfil das crianças e adolescentes e quantificá-
-los de modo a estabelecer políticas de atendimento. O perfil do grupo 
estudado naquele período mostrava que as crianças e adolescentes se 
encontravam nas ruas, trabalhando junto com os pais. As mulheres e as 
crianças se localizavam nas sinaleiras em áreas de grande movimenta-
ção para pedir dinheiro e obter ganhos. Além desse trabalho, as crian-
ças intermediavam suas atividades de ajuda com a família por meio da 
lavação de carros e catação. As atividades eram exercidas, em sua maio-
ria, com a presença dos adultos da família, especialmente a mulher e 
outros adultos do bairro em que moravam, nas regiões mais pobres da 
cidade. O estudo iniciou o processo de descentralização do atendimen-
to à família na cidade, por meio da criação do Núcleo de Apoio Sócio 
Familiar – NASF, em 1996. O NASF era o programa responsável pelo 
atendimento social com transferência de renda às famílias com crianças 
e adolescentes em situação de rua, de forma descentralizada na cidade4.
Em 1995, a Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do 
Sul – PUCRS, através da Faculdade de Serviço Social, foi contrata-
4 O atendimento as famílias iniciou com o Projeto Sinal Verde, em 1994, que atendia 
famílias com crianças e/ou adolescentes em situação de mendicância. Em 1996, 
passou a denominar-se NASF – Núcleo de Apoio Sócio Familiar, cujas famílias 
atendidas, recebiam mensalmente uma cesta básica. Em 1997, o programa reordena 
novamente para Programa Família, Apoio e Proteção, que se caracterizava pela 
transferência de renda as famílias, por um período máximo de 18 meses. O programa 
era executado em nove centros regionais, 12 módulos descentralizados e 18 entidades 
não governamentais até o ano 2000. 
113 
da para realizar uma pesquisa quanti-qualitativa com a população em 
situação de rua da cidade, intitulada “A Realidade do morador de rua 
de Porto Alegre/RS5”, que identificou 222 indivíduos, na sua maioria 
homens (77%), com idade entre 36 a 45 anos (31,9%) e 29 a 35 anos 
(20,3%). A maioria da população se encontrava na região central da 
cidade, trabalhando como guardadores e/ou lavadores de carro, convi-
vendo o período na rua com o grupo de amigos e demais companhei-
ros de rua (55,4%) ou sozinho (28%). Os motivos para morar na rua 
como espaço de moradia foram problemas de relacionamento familiar 
(28,8%) e a dependência de álcool e drogas (22,5%). Com relação à 
avaliação da população sobre os serviços existentes na cidade, consta-
ta-se que 56,3% acessava os serviços, enquanto 43,7% não os acessava. 
O Albergue (40,1%) e o Sopão (37,8%) foram os serviços mais citados 
pela população. Dessa população usuária dos serviços, 40,1% os ava-
liavam como bom, 25,2% como ruim e 34,7% disseram não ter opinião 
(PUCRS, 1996)6. 
O período da pesquisa realizada pela PUCRS marca o início da 
construção de uma política direcionada à população adulta em situa-
ção de rua na cidade, por parte da gestão municipal. Fica explícito no 
relatório uma preocupação com o processo de abordagem social a esse 
segmento da população. Na ocasião, já aconteciam atendimentos pon-
tuais a pessoas que ocupavam o espaço da rua, a partir de solicitações 
de transeuntes ao poder público. A instituição FESC defendia que as 
abordagens fossem “realizadas por estudantes de serviço social, melhor 
qualificados para este fim e suas expectativas com relação ao estudo 
e encaminhamento de alternativas para subsídio de políticas sociais” 
(PUCRS, 1995, p. 17). Em 1996, inicia-se sistematicamente a aborda-
gem de rua com uma assistente social e estagiários do Serviço Social. 
Alguns encontros com a população adulta em situação de rua daquele 
período e o poder público aconteceram, e buscaram, pensar os serviços 
e a metodologia de atendimento. Em 1996, a Faculdade de Serviço So-
cial foi novamente contratada para realizar o estudo “Meninos e meni-
5 Cabe destacar que a pesquisa considerou como grupo etário pessoas com idade a 
partir de 14 anos.
6 Foi realizada uma pesquisa quantiqualitativa, porém a documentação existente na 
instituição conta apenas com um relatório com dados quantitativos. 
114 
nas em situação de rua – quem são? Qual seu modo de vida?”, que na 
época identificou 197 crianças e adolescentes. 
Em 1999, a pesquisa intitulada: “Condições Sociais e de Saúde 
Mental de Moradores de Rua Adultos”, realizada através do Núcleo de 
Estudos e Pesquisas Sobre População de Rua – NESPRUA do Hospital 
de Clínicas de Porto Alegre em parceria com a FASC, contabilizou 207 
pessoas em situação de rua, na cidade. 
A partir de 2000, foram realizados novos estudos e pesquisas 
(2002, 2004, 2008, 2011) com o mesmo tema. Em 2002, a instituição 
realizou um levantamento identificando 625 crianças e adolescentes7 
em situação de rua. 
Em 2004, a instituição contratou a Universidade Federal do Rio 
Grande do Sul – Laboratório de Observação Social/LABORS para rea-
lização de um estudo intitulado “Perfis e mundo das crianças e adoles-
centes em situação de rua na grande Porto Alegre”. O censo identificou 
um universo total de 825 crianças e adolescentes na capital e demais ci-
dades, sendo 637 crianças e adolescentes em situação de rua em POA e 
188 nas demais cidades da região metropolitana. O censomostrou um 
perfil com predominância de indivíduos do sexo masculino acima dos 
6 anos, estando a maioria (64,4%) na faixa dos 12 aos 18 anos (incom-
pletos). Dentre os principais motivos apontados pelo grupo pesquisado 
para ingressar na “vida da rua” são em ordem decrescente: ajudar a 
família (48%), porque gosta ou por opção (19,4%) e como fuga de maus 
tratos na família (6,9%). Quanto aos lugares para dormir, a casa ou fa-
mília (por eles identificada) é o mais usual para dormir (77,8%) seguido 
pelos mocós (11,7%) e abrigos (7,7%). O local de dormir revela uma 
7 “O termo ‘crianças e adolescentes em situação de rua’ tomou conta do vocabulário 
público nos anos 2000. Esse termo está, atualmente, legitimado como uma 
classificação instituída acerca de uma população plural que pode estar ocupando a rua 
de uma variedade de jeitos e formas, permanente, transitória ou intermitentemente. 
Além disso, o termo expressa uma consideração de que as crianças e adolescentes em 
situação de rua não apenas moram ou sobrevivem na rua, mas constituem formas de 
organização social e significados particulares para seus atos, criativamente adquirindo 
conhecimentos, novas formas de relacionamentos sociais e geração de renda. A 
potencial situacionalidade dessa experiência abre brechas para se pensar outras 
formas de vinculação social como família e comunidade, deslocando a centralidade 
do espaço social e simbólico da “rua” para outras possibilidades de pertencimento, 
como por exemplo, familiares e comunitárias. Essas formas de pertencimento podem 
estar circunstancialmente enfraquecidas, dando uma complexidade especial para a 
experiência de crianças e adolescentes em situação de rua” (UFRGS, 2008, p. 17). 
115 
vinculação com a família ou ambiente familiar percentualmente alto. 
Cerca de um quinto da população pesquisada participava de programas 
de atendimento, sendo maior em Porto Alegre (21,7%) e menos nas 
demais cidades (15,3%). Chama a atenção que 76,6% nunca participou 
de atividades socioeducativas. Os programas mais indicados pela popu-
lação pesquisada foram o Acolhimento Noturno/Lar Dom Bosco/Casa 
da Harmonia (21,7%) e o Programa de Atenção Integral a Criança e 
ao Adolescente em Situação de Rua – PAICA-RUA (10,9%) (UFRGS/
LABORS, 2004).
Em 2007/2008, a UFRGS foi novamente contratada para reali-
zação de pesquisa quanti-qualitativa: “Cadastro e Estudo do Mundo da 
População Adulta em Situação de Rua de Porto Alegre/RS” sobre a po-
pulação em situação de rua (crianças, adolescentes e adultos), incluin-
do, além deste, estudos sobre: grupos afro-brasileiros, comunidades 
quilombolas e povos indígenas. Foi realizado um Censo com a popu-
lação de crianças e adolescentes com o objetivo de recensear e mapear 
os locais de utilização por parte deste público na cidade e uma pesquisa 
com a população adulta que tinha como finalidade, além de realizar o 
censo, também conhecer as especificidades da formação antropológica 
desta população, identificando seus dados étnicos, socioeconômicos e 
culturais, estratégias de trabalho e geração de renda, formas de socia-
bilidade, identidade e representações sociais, formas de relação com 
instituições e demandas para as políticas públicas. 
Foram encontradas 383 crianças e adolescentes especialmente 
na região central da cidade, preponderantemente do sexo masculino 
(70,5%), entre os 12 e 17 anos (49,5%), uma prevalência de adolescen-
tes, procedentes das regiões Centro (20,4%), Centro Sul (12,6%), Lom-
ba do Pinheiro (12%) e Partenon (11,9%), alto percentual fora da escola 
(24,5%), a maioria (31,9%) encontrava-se junto com outros jovens e 
crianças em situação de rua, enquanto 26% estavam junto com outros 
adultos, jovens e crianças em situação de rua e mais 15,1% estavam 
com outros adultos em situação de rua. Um percentual ainda menor 
encontrava-se com a família, abarcando 5,7% das situações. 
Em relação à população adulta, foram entrevistadas 356 pessoas 
dentro dos abrigos/albergues e 847 nas ruas e logradouros da cidade, 
116 
totalizando 1203 pessoas em sua maioria na região central da cida-
de (Centro, Floresta, Menino Deus, Cidade Baixa e Azenha). Destes 
81,8% eram do sexo masculino e 18,2% feminino, com uma relativa 
concentração etária nas faixas mais jovens da população cadastrada. 
Cerca de 60% dessa população dormia cotidianamente e prioritaria-
mente em lugares de risco e improvisados e com forte exposição ao 
ambiente natural. Foi relativamente baixo o número de pessoas que 
dormiam em lugares institucionalizados, 35,8% em primeiro lugar e 
16,9% em segundo lugar. Esses lugares eram preferencialmente: al-
bergues (18,9% e 6,7%), abrigos, hotéis ou pensões – em geral pagos 
pela prefeitura – (9,3% e 5,9%), casa própria ou de parentes e amigos 
(7,6% e 4,3%). Os declarados naturais de Porto Alegre ou da região 
metropolitana perfez 52%, os migrantes de outras cidades contabili-
zou 35% e 28% sempre moraram na cidade. A grande maioria do seg-
mento populacional (86,4% da amostragem) explicitou ou deu indícios 
que confirmam a ideia de afastamento, ruptura ou desagregação dos 
elos familiares e/ou conjugais, seja por fatores objetivos ou relacionais 
(MAGNI et al, 2012). 
O estudo qualitativo com a população adulta em situação de rua 
mostrou que a relação com os cidadãos da cidade eram permeadas pela 
discriminação e desigualdade social. O grupo compartilhava um sen-
timento de despertencimento da “sociedade” e de não reconhecimento 
social por parte da população. A sociedade estabelecia uma relação am-
bígua com o grupo, pois ao mesmo tempo em que eram desrespeitados 
e discriminados, também haviam ações de apoio por meio de doações 
diversas orientadas por valores cristãos. 
A rede de atendimento era pouco utilizada pelo grupo estudado 
em virtude das normas e regras internas das instituições, pois gera-
vam uma sensação de “aprisionamento”. A relação com as instituições 
era difícil, conturbada e perpassava a discriminação e o preconceito. A 
relação com a Brigada Militar era especialmente tensa, com discrimi-
nação social e outras formas de violências até mesmo agressões físicas 
e insultos morais. 
Em 2011, a FASC realizou um novo Cadastro Censitário intitu-
lado “Cadastro da População Adulta em situação de rua na cidade de 
117 
Porto Alegre”, por meio de sua equipe técnica, e contou, também, com 
a contratação de profissionais consultores qualificados para o processo 
de análise e interpretação dos dados. Os dados já existentes, do extinto 
Serviço de Atendimento Social de Rua (ASR), assim como os apresen-
tados pelas equipes de abordagem social descentralizada, pelos CREAS 
a partir de 2011, possibilitou o mapeamento na cidade, dos pontos de 
maior concentração de pessoas em situação de rua. Também contribuí-
ram para o mapeamento da pesquisa um grupo de pessoas em situação 
de rua – pesquisadores sociais – representantes dos serviços da rede de 
atendimento, de Fóruns e Movimentos Sociais de pessoas em situação 
de rua de Porto Alegre, que foram acompanhadas pela FASC e por con-
sultoria contratada ao longo dos meses de abril a dezembro de 2011. 
O resultado do censo identificou 1347 pessoas em situação de rua na 
cidade no período. Desse total, 345 pessoas foram entrevistadas dentro 
dos serviços, e 1002 nas ruas e logradouros da cidade localizados em 
sua maior parte na região central da cidade (45%) distribuída entre os 
bairros Centro (27,3%), Floresta (10%) e Menino Deus (7,7%). No que 
se refere a sua distribuição por sexo, tem-se que 81,7% eram do sexo 
masculino e 17,1% do feminino. O restante não declarou. 
A distribuição por faixa etária mostrou uma dispersão ou distri-
buição dos pesquisados, principalmente entre 25 e 59 anos. Em 
relação ao estudo anterior, percebe-se uma diminuição na faixa 
menor idade, ou seja, dos 18 anos 24 anos, e aumento significativo 
(duplicando) na faixa dos idosos, 60 anos ou mais (DORNELLES 
et al, 2012, p. 47). 
O estudo chama a atenção para a diminuição do número de ado-lescentes nas ruas, mas adverte para o processo de envelhecimento da 
população, decorrentes do aumento da expectativa de vida da população 
em geral. O estudo mostra que 60% da população dorme em locais de 
risco ou desprotegidos, como calçadas, praças ou parques (39,3%); os de-
mais se recolhem embaixo de pontes ou viadutos, em casas abandonadas 
e outros locais, em lugares ou ambientes desabrigados. Entre os que se 
protegem em albergues, abrigos e hotéis/pensões, soma-se o percentil de 
28,3%. Os lugares em que passam a maior parte do tempo durante o dia 
118 
são os espaços públicos, em geral abertos, com pouca proteção. Conside-
rando praças, ruas, calçadas e locais semelhantes, são aproximadamente 
60% os que aí passam a maior parte do tempo, apontado como primeiro 
lugar; como segundo lugar, esses mesmos espaços foram apontados por 
cerca de 30%, porém, mais de um terço (37,1%) não respondeu. 
As Casas de Convivência e os Abrigos aparecem nas escolhas em 
segundo e terceiro lugar como preferência para passar o dia, com um per-
centual relativamente alto, comparando-se com os demais locais (17,9%). 
Em relação a 2007, percebem-se algumas alterações, sem que se possa 
constatar alguma tendência por busca de locais mais protegidos. As pra-
ças e os parques que acolhiam 31,9% em 2007, agora, acolhem 21%. 
O perambular pelas ruas aumentou de 17,5% para 30,1% nes-
se período. Esse dado pode estar revelando maiores controles 
e coerções à permanência da população estudada em praças e 
parques, deslocando-os para espaços ainda menos seguros e de 
maior risco, que são as ruas. Os serviços de atendimento ofe-
recidos pela política de assistência social, por meio da FASC, 
permanecem estáveis na comparação entre os dois estudos, em 
percentuais (DORNELLES et al, 2012, p. 50). 
Em relação aos novos serviços ofertados pela Política de Assis-
tência Social, como os CRAS – Centro de Referência de Assistência 
Social, e CREAS – Centros de Referência Especializado em Assistên-
cia Social, a pesquisa revela que: apenas 23% da população investigada 
referiu já ter acessado o CRAS, e 26% ter acessado o CREAS. As Ca-
sas de Convivência, serviços que já existiam, foram mencionados por 
56,1% dos entrevistados (DORNELLES et al, 2012).
Ao analisarmos o percurso dos estudos realizados pela FASC 
desde 1994, a partir da análise documental, se observam mudanças 
importantes no perfil da população adulta e de crianças e adolescen-
tes, mas também mudanças metodológicas na forma de realização das 
pesquisas. O uso do conceito “população em situação de rua”8, utilizado 
8 A definição conceitual que orientou os estudos desde 2004 fundamenta-se em uma 
perspectiva que compreende que a representação social sobre as pessoas em situação 
de rua deve romper com determinismos contrários a visão essencialista sobre as 
pessoas colocadas nessa situação social, como sua oposição a qualquer determinismo 
na explicação desse fenômeno (DORNELLES et al, 2012).
119 
nos estudos desenvolvidos pela UFRGS a partir de 2004, permitiu es-
tabelecer análises comparativas entre eles. As pesquisas realizadas com 
a população formada por crianças e adolescentes mostram a presença 
das famílias e a questão do trabalho como um elemento importante na 
condição de rua. Por outro lado, as pesquisas com a população adulta 
revelam alterações etárias no perfil do grupo, indicando seu processo 
de envelhecimento, embora o grupo seja formado em sua maioria, por 
homens adultos. Sua relação com os serviços ocorre de forma reduzida, 
pois apenas 28% acessa a rede de serviços. 
Cabe questionar os fatores que levam a esse dado. Os dados ins-
titucionais mostram que, a cobertura dos serviços é insuficiente para a 
demanda. Conforme demonstrado no último censo de 2011, havia 1347 
indivíduos em situação de rua e uma capacidade de atendimento de 613 
vagas em 20169. Porém, outros motivos concorrem para isso, desde o 
regramento para acesso aos serviços, as relações que estabelecem na 
cidade, as forças coercitivas da ação policial, às próprias escolhas dos 
sujeitos em não acessar a rede. 
As pesquisas demonstram que a população em situação de rua da 
cidade é heterogênea, tem um modo de vida complexo, permeado por 
tensões, conflitos, violência, preconceito e estigmatização.
A normatização e regras existentes na rede de serviços, muitas 
vezes acabam sendo critérios de exclusão ou impeditivos para o ingresso 
nos mesmos. Parte da população que não acessa os serviços e permanece 
nas ruas, perfaz um universo importante que estabelece suas relações 
com uma ampla gama de instituições públicas, privadas, religiosas e de 
pessoas que lhes garantem condições de alimentação e abrigo.
Os serviços das políticas de saúde, habitação, educação, transporte, 
cultura, lazer, trabalho e renda, esporte, entre outras, apresentam frequen-
temente dificuldades em dialogar com a população em situação de rua, no 
sentido de ofertar políticas e atendimentos que acolham este segmento 
da população, permitindo seu acesso e participação nos serviços. Estas 
questões impõem desafios complexos na obtenção dos direitos sociais da 
9 O comparativo da taxa de crescimento em relação ao número de metas para 
população adulta no serviço de acolhimento institucional (albergue) da rede própria 
e conveniada foi de 109% entre 2003, quando havia 170 metas, e 2014, quando havia 
355 metas (PMPA/FASC, junho de 2015).
120 
população em situação de rua, bem como, na articulação das políticas pelo 
poder público. A respeito da intersetorialidade e do reconhecimento do 
modo de vida da população em situação de rua “a recente Política Na-
cional para Inclusão Social da População em Situação de Rua aponta e 
orienta ações que devem ser efetivadas no âmbito das diversas políticas 
não restringindo só a Assistência Social” (PIZZATO, 2011, p. 82). 
No cotidiano do trabalho e dos atendimentos realizados pelos ser-
viços da rede socioassistencial, muitas vezes, competências e responsabi-
lidades das demais políticas são atribuídas à Assistência Social.
A pesquisa permite ampliar nossa aproximação com o universo so-
cial da população em situação de rua, contribuindo para o estabelecimento 
de relações menos hierarquizadas e, também, identificando as percepções 
da população sobre os serviços ofertados. As dificuldades intersetoriais da 
Assistência Social com a população em situação de rua e a pequena utiliza-
ção dos serviços, identificados nos estudos de 2008 e 2011, demonstram 
entraves e dificuldades ainda existentes no acolhimento a esta população, 
questão importante e que merece aprofundamento. No próximo item, 
contextualiza-se a política de atendimento do município e o cotidiano do 
atendimento por meio dos serviços e dos trabalhadores.
A política de atendimento na cidade de Porto Alegre
O processo de regulação da Política de Assistência Social iniciado 
após sua inclusão no tripé da seguridade social, assegurada na Consti-
tuição Federal de 1988, acentuou-se a partir de 2003. As políticas de 
transferência de renda (tal como o Programa Bolsa Família) e os investi-
mentos na rede de serviços socioassistenciais por meio da estruturação e 
organização dos mesmos e do processo de educação permanente dos tra-
balhadores, marcou o processo de implantação do SUAS de 2003 a 2016. 
Em Porto Alegre, o reordenamento dos serviços iniciou em 200910 
trazendo um impacto importante na política de atendimento da cidade 
com a implantação da rede de serviços de Proteção Social Básica e Espe-
cial. Na rede de proteção social básica foram implantados os 22 CRAS, 
reordenado o Serviço de Apoio Sócio Educativo – SASE para o Serviço 
10 Porto Alegre aderiu ao SUAS em 2005 e, a partir de 2009, implantou o SUAS, 
reordenando a rede de serviços socioassistenciais e implantando novos serviços. 
121 
de Convivência e Fortalecimento de Vínculos – SCFV e o antigo Núcleo 
de Apoio Sócio Familiar foi reordenado pelo Programa de Atenção In-
tegral a Família – PAIF e o Serviço de Atendimentoa Família – SAF11. 
Na rede de Proteção Social Especial de média complexidade fo-
ram implantados 02 Centros Dia do Idoso (2002-2012), 09 CREAS 
(2009) e reordenado as 02 Casas de Convivência em dois Centros Pop 
(2012 e 2014). Em 2007 houve um incremento importante nas equi-
pes de abordagem para crianças e adolescentes com a contratação de 
equipes de trabalhadores pertencentes a entidades da sociedade civil. 
Em 2011, foi descentralizado o Serviço de Abordagem Social para as 
regiões junto aos 09 CREAS da cidade e, em 2015, as equipes de abor-
dagem para a população adulta foram ampliadas, possibilitando uma 
qualificação desse atendimento em Porto Alegre. 
Na rede de Proteção Social Especial de alta complexidade foi rea-
lizado o reordenamento dos serviços de acolhimento para crianças e 
adolescentes já existentes e conveniados, além da abertura de novas 
vagas através da implantação de serviços nas modalidades Casa Lar e 
Abrigo Institucional. De 2010 a 2016, a rede se ampliou e atualmente 
conta com um total de 832 vagas. Cabe destacar que a maior parte das 
vagas são executadas em parceria com a rede conveniada. 
A rede de acolhimento para a população adulta em situação de 
rua, no período de 1994 a 2009 criou vagas na rede de albergues, hotéis 
e abrigos. A partir de 2009 essa rede foi reordenada com estruturas 
menores em termos de número de acolhidos e um maior grau de espe-
cialização em termos de vulnerabilidades e riscos, tais como mulheres 
vítimas de violência (Casa Lilás, 2010), famílias (Abrigo de Família, 
2012), jovens e adultos egressos da rede de acolhimento com maior 
autonomia (República, 2013), idosos em situação de rua (Casa Lar do 
Idoso, 2015). Conta em 2016 com um total de 227 vagas para adultos 
em situação de rua, entre serviços próprios e conveniados, além de va-
gas para Instituições de Longa Permanência para Idosos – ILPI.
Estes serviços são ofertados por meio de equipamentos municipais 
ou por entidades não governamentais conveniadas com a instituição. O 
campo da intervenção é formado por gestores governamentais, dirigen-
11 O PAIF é ofertado nos 22 CRAS e o SAF é ofertado por meio de 37 Núcleos de 
Atendimento a Família. 
122 
tes das entidades da sociedade civil, movimentos sociais, trabalhadores12 
e usuários. Essa configuração do campo da Assistência Social no mu-
nicípio, mostra-se heterogênea não apenas no formato das instituições 
que ofertam os serviços, uma vez que muitas delas tem caráter religioso, 
filantrópico ou laico. Mas também, quanto aos trabalhadores e suas dife-
rentes categorias profissionais, relações de trabalho, concepção da polí-
tica e entendimentos sobre a intervenção social. Embora os serviços na 
Política de Assistência Social estejam tipificados, ou seja, devem obede-
cer a uma estrutura padrão definida pela política pública, ainda assim, 
essas concepções são objeto de disputa entre os diferentes atores. 
Os trabalhadores da Assistência Social também sofreram um impac-
to importante no processo de formulação da política de atendimento na 
cidade. Foi diversificado o número de profissionais que atuam na política, 
inicialmente formada em sua grande maioria, por profissionais do Servi-
ço Social. A partir de 2000 ampliam-se as categorias profissionais, para 
o campo da psicologia, do direito e da pedagogia, entre outras. Embora 
essa ampliação das categorias profissionais tenha permitido desenvolver 
um caráter multidisciplinar, as condições de trabalho têm se constituído 
de forma precária, com vínculos trabalhistas diversos, ocasionando baixa 
qualificação, rotatividade, dificuldade no trabalho em equipe e insegurança 
nas relações de trabalho. Ao mesmo tempo, os trabalhadores têm se orga-
nizado por meio das lutas sindicais e de categoria (Conselhos de Classe, 
Fórum Municipal e Estadual de Trabalhadores da Assistência Social etc.). 
A população usuária dos serviços tem assento no Conselho Mu-
nicipal de Assistência Social – CMAS junto com as entidades da socie-
dade civil. Com relação a situação de rua o tema é objeto de discussão e 
acompanhamento tanto por parte dos Conselhos e Fóruns da Criança 
e do Adolescente na cidade, quanto pelo CMAS. A população adulta 
em situação de rua tem se organizado por meio do Jornal Boca de Rua, 
do Movimento Nacional da População em Situação de Rua, do Comitê 
Municipal de Acompanhamento e Monitoramento das Políticas para 
População em Situação de Rua (Comitê Pop Rua), e outros fóruns. 
12 Os trabalhadores da Política de Assistência Social são formados, em sua grande 
maioria, por profissionais de nível superior de diferentes campos do conhecimento 
como: Serviço Social, Psicologia, Pedagogia, Ciências Sociais, entre outros, e, educadores 
sociais com cargo de nível médio, mas em sua maioria com formação superior.
123 
A visibilidade na região central de Porto Alegre, nos últimos anos, 
de um crescente número de pessoas adultas em situação de rua, ocupando 
o espaço público, calçadas, mocós, praças, viadutos, terrenos baldios, espa-
ços sob viadutos e pontes passou a imprimir ao poder público, tanto por 
parte da população em geral como da mídia, providências e ampliação dos 
serviços públicos no atendimento a esse segmento populacional da cidade.
Em 2014, a prefeitura municipal de Porto Alegre assinou Termo 
de Adesão à Política Nacional para População em Situação de Rua. O 
Decreto Municipal, nº 19.087 de 22 de julho de 2015, instituiu o Co-
mitê Municipal Intersetorial de Monitoramento e Acompanhamento 
à Política para População em Situação de Rua13, sob a coordenação da 
Secretaria Municipal de Direitos Humanos e não mais da Assistência 
Social, conforme orientação da Política Nacional. Em 2015 foi apresen-
tado pelo governo municipal novo Plano de Atenção Pop Rua, para ser 
executado de forma intersetorial nos anos de 2015-2016, com ênfase 
na região central da cidade. Dentre as ações previstas estão algumas 
não realizadas no plano anterior (2011-2014)14. 
13 Órgão colegiado e paritário composto por dezoito representantes, sendo nove(9) 
do governo e nove(9) representantes da sociedade civil e do Movimento Nacional 
da População em Situação de Rua. Dentre as secretarias estão: Secretaria Municipal 
de Direitos Humanos (SMDH), Fundação de Assistência Social e Cidadania 
(FASC), Secretaria Municipal de Educação (SMED), Secretaria Municipal de Saúde 
(SMS), Secretaria Municipal de Segurança (SMSEG), Departamento Municipal 
de Habitação(DEMHAB), Secretaria Municipal de Trabalho e Emprego (SMTE), 
Secretaria Municipal de Esportes (SME) e Secretaria Municipal de Cultura( SMC).
14 Ações para a FASC: Ampliação das metas de acolhimento em albergues na 
Operação Inverno; das equipes de abordagem social nas nove regiões dos CREAS; 
Implantação de um novo albergue com 90 metas; Serviço de hospedagem (150 
diárias/mês); SCFV para à população adulta em situação de Rua, na região central 
da cidade; mais um abrigo de Famílias; mais duas Repúblicas; Aumento do valor 
destinado a compra de passagens; reordenamento do albergue municipal; reforma 
do abrigo Bom Jesus; Nova edição do projeto Facilitadores Sociais; Realização de 
nova Pesquisa sobre a população em situação de Rua; Para a Secretaria de Saúde: 
Implantação do CAPS AD Centro, equipe de Redução de Danos; Consultório 
na Rua da Restinga; Complementação das equipes dos consultórios na rua do 
Centro; Inclusão de Acompanhantes Terapêuticos junto a equipe do CAPS 2- 
Centro, de saúde mental; Leitos de Longa Permanência; Implantação de Unidades 
de Acolhimento, pós internação, em tratamento para dependência química; Ações 
para habitação: aluguel social, com 50 metas/mês; inclusão de 3% da população 
nos empreendimentos habitacionais construídos na cidade, no Programa Minha 
Casa Minha Vida; Implantação de núcleo de inclusão produtiva; Criação de cotas nas 
terceirizadas, contratadas pela prefeitura; implementação de espaços de Higiene na 
cidade (banheiros públicos); cozinhas comunitárias e Restaurante Popular.
124 
Nessecontexto cabe mencionar a gestão municipal e os interes-
ses locais e o cenário nacional no processo de financiamento das ações. 
Do ponto de vista do município, houve mudanças de gestão, de 1994 a 
2004 a prefeitura foi governada pelo Partido dos Trabalhadores – PT, 
de 2005 a 2012 pelo Partido do Movimento Democrático Brasileiro – 
PMDB e de 2013 a 2016 pelo Partido Democrático Trabalhista – PDT. 
No âmbito nacional, a administração manteve-se de 2003 a 2016 com o 
PT. Essa configuração traz implicações na gestão das políticas públi-
cas, pois dependem do cofinanciamento municipal, estadual e federal. 
Destaca-se o frágil papel do governo do estado do RS no cofinancia-
mento da Política de Assistência Social.
A seguir tecemos as considerações finais tendo como pano de 
fundo as pesquisas realizadas e a trajetória de formulação da política 
de atendimento na cidade.
 
Considerações Finais
A escrita do presente texto permitiu uma análise sobre a cons-
tituição da Política de Atendimento e Assistência Social à população 
em situação de rua na cidade de Porto Alegre. Por meio da leitura dos 
documentos e pesquisas realizados ao longo dos últimos vinte anos, 
foi possível percorrer a trajetória da população em situação de rua na 
cidade e suas múltiplas expressões em termos quantitativos, do perfil 
heterogêneo e modo de vida, mas também das demais políticas e dos 
serviços socioassistenciais. 
A análise realizada buscou iluminar os diversos fatores implicados 
no processo de formulação da política nesse período, dentre os quais se 
destacam os marcos regulatórios tais como: o SUAS, a Tipificação Na-
cional dos Serviços Socioassistenciais, a Política Nacional da População 
em Situação de Rua, e no município, o Plano Municipal de Enfrenta-
mento a Situação de Rua; Comitê Municipal Intersetorial de Monito-
ramento e Acompanhamento à Política para População em Situação de 
Rua; o Plano de Atenção à População em Situação de rua – 2015/2016. 
Além deste, a constituição da rede de atendimento com ênfase no pro-
cesso de precarização dos serviços em termos de estruturas físicas e das 
125 
condições de trabalho dos profissionais da política, assim como, colocou 
em evidência, a ampliação da rede conveniada e a redução dos serviços 
próprios que sofreram um processo de desgaste ao longo dos últimos 
anos. Observa-se ainda, a organização das pessoas em situação de rua, 
enquanto movimento social, na disputa pelo direito à cidade. 
Nesse contexto, a instituição buscou subsidiar-se por meio da 
pesquisa do tema situação de rua, o que também teve impacto na for-
mulação da política de atendimento. A FASC conta atualmente com 
um acervo importante de informações sobre a população em situação 
de rua, em termos censitários, modo de vida e relação com o poder 
público.
Neste sentido, tem-se que a pesquisa da realidade social no cam-
po da Assistência Social contribuiu para refletir sobre o cotidiano dos 
serviços e do atendimento à população com distanciamento. Instigan-
do-nos a pensar sobre o “outro”, ultrapassando visões essencialistas 
e homogêneas da população por meio do reconhecimento das suas 
diferenças e singularidades. Entende-se, contudo, que os estudos rea-
lizados foram pouco aprofundados pelos trabalhadores, pelas demais 
políticas setoriais, pelo movimento social, usuários dos serviços e so-
ciedade como um todo.
Essa reflexão é importante, pois marca a finalização da oitava pes-
quisa contratada sobre o tema, sendo que em parceria com a UFRGS, 
desde 2004. Nesse ano, foi contratado um censo para a população como 
um todo, ou seja, para crianças, adolescentes, adultos e famílias e um 
estudo qualitativo da população adulta, dos serviços e dos trabalhado-
res. O acompanhamento do processo da pesquisa, realizado no período 
de março a dezembro de 2016, foi feito através de uma Comissão com-
posta por representantes dos trabalhadores, dos movimentos sociais 
da população em situação de rua e universidade15.
15 A Comissão foi coordenada pela Assessoria de Vigilância Socioassistencial – 
Simone Ritta dos Santos. Demais membros da Comissão: Miriam Thomaz, também 
da Assessoria de Vigilância Socioassistencial; Lirene Finkler e Mateus Cunda, pela 
Coordenação de Proteção Social Especial; Aline Rocha da Silva, da Proteção Social 
Básica; Aline Dornelles, da Coordenação de Recursos Humanos; Rogério Ferreira, 
da Assessoria Jurídica e Rejane M. S. Pizzato , da Assessoria da Direção Técnica da 
FASC. Do movimento das pessoas em situação de rua contamos com representação 
do Movimento Nacional da População em Situação de Rua e do Jornal Boca de Rua, 
e também com representantes da Universidade.
126 
Com relação à política de atendimento convém salientar que a 
análise dos documentos mostrou que a década de noventa marca a cons-
tituição da Política de Assistência Social enquanto direito social na cida-
de de Porto Alegre, instituindo serviços especializados para a população 
em situação de rua (albergues, serviço de abordagem social, inserção em 
atividade produtiva, cursos profissionalizantes com incentivo a econo-
mia solidária, inclusão em casas de emergência, casa de convivência, 
abrigos) e na década seguinte com o advento da implantação do SUAS 
foram reordenados alguns e abertas novas modalidades de serviços. A 
política de atendimento à população adulta em situação de rua na cidade 
mostra inicialmente, que a cobertura é insuficiente para a quantidade de 
pessoas identificadas pelos censos, seja o de 2008, seja o de 2011. Desde 
1994, na rede de serviços de crianças e adolescentes, identifica-se um 
crescimento, embora os estudos tenham apontado a redução das crian-
ças e adolescentes em situação de rua no período. 
Os fatores que podem ter contribuído para o fato são vários, des-
de a implantação do SUAS que aposta em um processo de especializa-
ção dos serviços em unidades menores conforme as vulnerabilidades e 
riscos da população, na retração dos investimentos junto a população 
adulta, na pressão exercida pelo poder judiciário, no caso das crianças e 
adolescentes, que torna possível a abertura de novas vagas. 
Os serviços apontam, ainda, que há uma redução na capacida-
de de atendimento por parte dos trabalhadores, devido a mudança do 
perfil da população atendida em termos de adoecimento (acamados, de-
pendentes), do uso de substâncias psicoativas, do envelhecimento e da 
agudização da violência urbana. 
Associado à precarização das estruturas físicas dos serviços, de-
vido aos poucos investimentos, assiste-se a um cenário de tensões e 
conflitos permanentes nos serviços, com reflexo nos usuários e tam-
bém nos trabalhadores, que tem registrado uma ampliação no adoeci-
mento por meio de afastamentos com licenças de saúde. 
Essa multiplicidade de questões repercute no processo de formu-
lação da política de atendimento, refletindo um campo perpassado por 
múltiplos interesses e atores sociais, que contribuem e interferem no 
processo de constituição da política de modo que, o reconhecimento da 
127 
multiplicidade de questões do campo da Assistência Social na cidade 
exige uma permanente reflexão sobre a realidade social em sua dina-
micidade por meio da pesquisa, da discussão, do diálogo com o outro 
em sua diversidade.
128 
Referências
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gre. In: DORNELLES, A. E.; OBST, J.; SILVA, M. B. (Orgs.). A rua 
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DORNELLES, A. E.; OBST, J.; SILVA, M. B. (Orgs.). A rua em movi-
mento. Debates acerca da população em situação de rua na cidade 
de Porto Alegre. Porto Alegre: Editora do Brasil, 2012.
MACHADO, S. A. O processo de rualização e o Sistema Único de 
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Mestrado]. Faculdade de ServiçoSocial, Programa de Pós-Graduação 
em Serviço Social, PUCRS, Porto Alegre, 2012.
MAGNI, C. T.; DICKEL, I. K.; GEHLEN, I.; SCHUCH, P. População 
adulta em situação de rua em Porto Alegre: especificidades sócio-an-
tropológicas. In: GEHLEN, I.; SILVA, M. B.; SANTOS, S. R. (Orgs.). 
Diversidade e Proteção Social: estudos quanti-qualitativos das 
populações de Porto Alegre: afro-brasileiros; crianças, adolescen-
tes e adultos em situação de rua; coletivos indígenas; remanescen-
tes de quilombos. Porto Alegre: Centhury, 2008.
PIZZATO, R. M. S. No olho da Rua: o serviço de atendimento so-
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e Meninas Pedintes nas sinaleiras. Porto Alegre. Abril de 1994.
129 
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2015. Boletim com informações sobre a gestão, perfil da popula-
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PONTIFÍCIA UNIVERISDADE CATÓLICA DO RIO GRANDE 
DO SUL. Faculdade de Serviço Social. Relatório Parcial da Pesqui-
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mundo da população adulta em situação de rua de Porto Alegre/
RS. Porto Alegre, junho de 2008.
131 
A PROTEÇÃO INTEGRAL NO SUAS E 
ACOLHIMENTO INSTITUCIONAL 
PARA FAMÍLIAS
cleber cAndido de deuS
MárciA SAntoS de AlMeidA Knorr
rejAne MArGArete Scherolt PizzAto
Introdução
O presente texto se propõe a relatar o atendimento social reali-
zado no Serviço de Acolhimento Institucional para Famílias1, Abrigo 
de Famílias I, que compõe a rede de serviços de acolhimento institu-
cional da Proteção Social Especial, da Fundação de Assistência Social 
e Cidadania (FASC), em Porto Alegre. 
A implantação do abrigo se deu em 2012 com o atendimento a 
núcleos familiares em situação de vulnerabilidade social e/ou risco so-
cial em unidade de pequeno porte, com características residenciais, no 
intuito de garantir o acolhimento de famílias nas suas diversas com-
posições. 
A experiência construída até então, motivou a construção desse 
texto que apresenta aspectos conceituais e metodológicos implicados 
no processo de trabalho dessa modalidade de acolhimento, assim como, 
dados quanti-qualitativos sobre as famílias acolhidas, no período com-
preendido entre fevereiro de 2012 e outubro de 2016. 
Ao final, se propõe algumas considerações a respeito desse es-
tudo, na perspectiva de contribuir com reflexões sobre o acolhimento 
institucional de famílias em situação de vulnerabilidade e/ou risco so-
cial em Porto Alegre.
1 Segundo a Tipificação do MDS, os Serviços de Acolhimento Institucional se des-
tinam a famílias e/ou indivíduos com vínculos familiares rompidos ou fragilizados, a 
fim de garantir proteção integral. Pela resolução, o atendimento nesse tipo de serviço 
deve ser personalizado, realizado em pequenos grupos e favorecer o convívio familiar 
e comunitário, bem como a utilização dos equipamentos e serviços disponíveis na 
comunidade local.
132 
Preceitos legais e trajetória
O artigo 203 da Constituição Federal de 1988 dispõe que: “A as-
sistência social será prestada a quem dela necessitar, independente de 
contribuição à seguridade social”. Nesse mesmo artigo consta como 
um dos objetivos, a proteção à família, à maternidade, à infância e a ve-
lhice. Segundo Pereira (2006, p. 26), “desde a crise econômica mundial 
dos fins dos anos 1970, a família vem sendo redescoberta como um 
importante agente privado de proteção social”. É atribuída à família a 
reprodução da vida material e social de seus componentes ao mesmo 
tempo em que incide nessa, o cotidiano da desproteção social, ou seja, 
sua exposição aos processos de vulnerabilidades e riscos sociais decor-
rentes da desigualdade social, marco da sociedade capitalista.
Em Porto Alegre, a Fundação de Assistência Social e Cidadania 
– FASC é responsável pela execução da política de assistência social na 
cidade e a partir de 2005 inicia o processo de avaliação institucional 
para a implantação do Sistema Único de Assistência Social – SUAS 
na Proteção Social Especial – PSE, e entre 2009 e 2011, trabalhou no 
reordenamento de sua rede existente, conforme previsto na Tipificação 
Nacional de Serviços Socioassistenciais2. Assim, em 2011 foi implan-
tado o SUAS no Município, através do Decreto nº 17.256 de 05 de 
setembro de 2011. Em 2013 foi aprovado o Regimento Geral e Novo 
Organograma da FASC, através do Decreto 18.198 de 1º de fevereiro 
de 2013 (FASC, 2016).
O Estado na condução das políticas sociais tem a matricialidade 
sociofamiliar como diretriz principal. Sendo assim, o SUAS percebe 
e orienta a família na centralidade dos serviços, programas, projetos 
e benefícios ofertados. Conforme Pereira (2006, p. 26), atualmente há 
“um amplo arco de políticas, articuladoras de um expressivo contin-
gente de atores e recursos, contemplando a família”.
A implantação, em Porto Alegre, de uma nova modalidade de 
acolhimento institucional, orientada na Tipificação Nacional de servi-
ços, destinada às famílias que, mediante uma avaliação técnica, neces-
2 Resolução N° 109 do Conselho Nacional de Assistência Social, de 11 de novembro 
de 2009, que organiza em âmbito Nacional os serviços socioassistenciais do Sistema 
Único de Assistência Social - SUAS por níveis de complexidade.
133 
sitam de uma proteção integral do Estado, constituiu-se em 2012, no 
Abrigo de Famílias. Espaço destinado a acolher quatro núcleos fami-
liares, onde além da proteção terão seus hábitos de vida e necessidades 
básicas atendidas. Algumas dificuldades de convivência e escolhas, co-
tidianamente monitorados e avaliados por agentes estatais. Neste es-
paço, são realizadas intervenções diárias de acordo com as regras de 
convivência estabelecidas anteriormente pelo próprio grupo, que são 
retomadas sempre que necessário, pois muitas vezes são esquecidas ou 
simplesmente desrespeitadas. 
Em geral, há dificuldade na compreensão de certa limitação da 
liberdade na relação com o outro no que tange aos direitos e deveres 
de cada indivíduo, ou seja, onde há prejuízo de outrem, a liberdade é 
discutível. A vida privada na verdade não é totalmente privada como 
se estivesse em moradia própria. E, neste sentido, cabe ao Estado, re-
presentado pela equipe de trabalho, exercer o controle. Controle esse 
realizado pela equipe e que busca, ao mesmo tempo em que traz a essa 
população a proteção do Estado, também, desenvolver um trabalho que 
potencialize o exercício da autonomia e da emancipação.
Em função disso, tem-se que para Mioto (2006, p. 45) o surgi-
mento do Estado, contemporâneo ao nascimento da família moderna, 
não significou apenas a separação de esfera, mas também o estabeleci-
mento de uma relação até hoje conflituosa e contraditória. Pois, como 
escreve a referida autora, tem-se que aconstrução histórica da relação 
Estado/Família foi sempre permeada pela ideologia de que as famílias, 
independente de suas condições objetivas de vida e das próprias vicis-
situdes da convivência familiar, devem ser capazes de proteger e cuidar 
de seus membros. Crença essa tida como um dos pilares da construção 
dos processos de assistência às famílias e que permitiu ao Estado es-
tabelecer uma distinção entre famílias capazes e incapazes, segundo 
Mioto (2006).
Neste sentido, tem-se que os vínculos relacionais de afetividade, 
proteção e socialização da família são consequentemente afetados por 
este contexto vivido, impondo muitas vezes sua reconfiguração. À fa-
mília e seus integrantes, muitas vezes recai a responsabilização pelo 
seu estado de pobreza material e fragilização de seus vínculos relacio-
134 
nais, desconectada das causas estruturais da organização societária e 
sua reprodução social na medida em que, como escreve Pereira (2006, 
p. 26-27): 
A família como toda e qualquer instituição social, deve ser en-
carada como uma unidade simultaneamente forte e fraca. Forte, 
porque ela é de fato um locus privilegiado de solidariedades, no 
qual os indivíduos podem encontrar refúgios contra o desam-
paro e a insegurança da existência. Forte, ainda, porque é nela 
que se dá, de regra, a reprodução humana, a socialização das 
crianças e a transmissão de ensinamentos que perduram pela 
vida inteira das pessoas. Mas ela também é frágil, pelo fato de 
não estar livre de despotismos, violências, desencontros e ruptu-
ras. Tais rupturas, por sua vez, podem gerar inseguranças, mas 
também podem abrir portas para a emancipação e bem-estar de 
indivíduos historicamente oprimidos no seio da família, como 
mulheres, crianças, jovens, idosos. 
Portanto, tem-se que a instituição social “família” passa por mo-
dificações inerentes ao processo de organização da sociedade capitalis-
ta que ao mesmo tempo em que fragiliza a sua função protetiva, atribui 
a ela a responsabilidade pela sua manutenção. 
Indo nesta direção, e para além do atendimento das necessidades 
básicas, o serviço de acolhimento para famílias objetiva problematizar 
a situação de exclusão social e total ausência de direitos sociais bási-
cos, de bens e serviços demandados de modo que, o trabalho social 
desenvolvido com as famílias deve sempre se pautar na reflexão quan-
to à função das políticas públicas enquanto responsáveis pela provisão 
das necessidades de educação, trabalho, moradia, dentre outras, assim 
como, da situação de violência intrafamiliar, dentre as vulnerabilidades 
sociais, e das possibilidades de superação de forma autônoma e eman-
cipatória. 
Pois, antes da cidade contar com um serviço de acolhimento es-
pecífico para famílias, estas eram acolhidas em espaços comuns à po-
pulação adulta em situação de vulnerabilidade e/ou risco social. E, a 
circulação em área comum de famílias e indivíduos tornava mais susce-
tíveis as crianças e adolescentes a situações de risco, tendo em alguns 
momentos seus direitos violados no espaço que deveria ser de proteção. 
135 
No Abrigo de Famílias3, os critérios para ingresso compreendem: 
a existência de vagas; o encaminhamento pelo Núcleo de Acolhimento 
da Proteção Social Especial; a família estar em situação de risco e/ou 
vulnerabilidade social; os pais e/ou responsáveis terem acima de 18 
anos; estar em condições clínicas, no momento do ingresso, não possuir 
dependência dos cuidados de enfermagem para hábitos de vida diária; 
não apresentar sinais e sintomas de alguma doença que seja de risco 
iminente de vida. O serviço acolhe a família na sua diversidade. Não há 
restrição na composição de parentalidade, gênero, idade e orientação 
sexual.
A metodologia de trabalho compreende a realização de acolhi-
mentos, atendimentos individuais ou em grupo, acompanhamentos, as-
sembleias, reuniões de equipe, atividades recreativas e oficinas, assim 
como outras estratégias de intervenção tais como: ensaios fotográficos, 
chás de fraldas, passeios, celebrações, batismos e qualquer outra ativi-
dade que de forma subjetiva contribua no processo de acompanhamen-
to. As regras de convivência são construídas em conjunto com as fa-
mílias acolhidas e são, aprovadas, em assembleias. Estas regras sofrem 
alterações com o cotidiano do acolhimento que também se altera de 
acordo com o conjunto das famílias acolhidas e a realidade social.
O processo de trabalho do Abrigo de Famílias foi construído tec-
nicamente de forma interdisciplinar, contando inicialmente com téc-
nicos do Serviço Social e da Terapia Ocupacional. Profissionais estes 
que compõem uma equipe técnica fortalecida e atuante na garantia dos 
direitos individuais fundamentais e sociais das famílias acolhidas. Pro-
cesso esse que prioriza, essencialmente, a construção de um espaço per-
3 O Abrigo de Famílias funciona em uma casa locada no bairro Santana, localizado na 
região central de Porto Alegre e com privilegiada localização no acesso a equipamen-
tos urbanos e serviços públicos de saúde, educação, transporte, lazer, esporte, etc. O 
serviço tem capacidade para atender quatro famílias, tendo como meta 20 indivíduos. 
A casa possui quatro quartos, dois banheiros para as famílias, refeitório, cozinha, 
lavanderia, brinquedoteca, área externa e duas salas para o serviço de atendimento e 
administrativo. O projeto técnico prevê um quadro recursos humanos composto por: 
1 Coordenador, 1 Assistente Administrativo, 10 Educadores sociais, 1 Oficineiro, 1 
Técnico Social Assistente Social,1 Técnico de enfermagem, 1 Auxiliar de serviços 
gerais, 2 Cozinheiras e 2 Vigilantes. Atualmente a equipe de trabalho é composta 
por Coordenador, Assistente de Coordenação, 2 Técnicos Sociais, 1 Enfermeira,1 
Técnico de Nutrição, 13 Educadores Sociais, 2 Cozinheiras, 3 Auxiliares de Serviços 
Gerais, 2 Vigilantes, 2 Porteiros, 1 Motorista, além de contar com a Supervisão de 1 
Assistente Social e 1 Nutricionista.
136 
manente de discussão e elaboração de um plano de trabalho em equipe 
num formato, deveras, inovador. E, neste sentido, o trabalho social se 
constitui como o próprio veículo viabilizador da participação coletiva e 
democrática das famílias na construção de um espaço de garantia de di-
reitos, de deveres e de um plano emancipatório, através da valorização 
da escuta qualificada e do diálogo, bem como, da construção conjunta 
de um Plano de Acompanhamento Familiar.
Assim, a proteção integral no acolhimento para núcleos familia-
res possibilita a cada componente familiar ser visto enquanto sujeito 
de direitos em todos os seus aspectos. Para tanto, são assegurados os 
direitos da mulher, da criança e do adolescente previstos em lei espe-
cífica, como a Lei Maria da Penha, o Estatuto da Criança e do Adoles-
cente, entre outras. Dessa forma, o trabalho social com famílias requer 
sempre uma articulação intersetorial no atendimento às diversas ne-
cessidades e demandas postas pelos diferentes núcleos familiares e seus 
membros. 
Para tanto, parcerias são buscadas através da rede existente, por 
meio de contatos com organizações governamentais e não governa-
mentais. As governamentais, através das políticas públicas existentes, 
serviços, programas e benefícios da própria política de Assistência So-
cial, os serviços de saúde pública, programas de habitação, educação e 
trabalho. Pois, a possibilidade de acesso dessas famílias a essas políticas 
possibilita a superação das condições de vulnerabilidade que as leva-
ram ao acolhimento. 
O processo de acolhimento institucional para famílias 
O trabalho social no acolhimento para famílias busca além do 
atendimento às necessidades básicas das famílias e seus componentes, 
garantir os direitos individuais e sociais, ultrapassando as questões 
objetivas e preocupando-se também com as questões subjetivas dos 
sujeitos implicados. Existe um cuidado com os indivíduos de cada nú-
cleo familiar. Mesmo antes do nascimento é incentivada a realização 
de pré-natal, e após o nascimento,as consultas pediátricas, o incentivo 
à amamentação, e assim, a assistência em todas as fases da infância 
137 
até a fase adulta. É realizada constante avaliação das necessidades da 
criança e do adolescente, da inclusão à educação infantil, a atividades 
esportivas, artísticas, de fortalecimento de vínculos com a frequência 
em atividades extraclasse, a inserção ao ensino regular, em projetos 
como o de preparação para o mundo do trabalho, o Pró Jovem, Jovem 
Aprendiz etc. E, neste sentido, o Serviço conta os educadores sociais na 
viabilização destes encaminhamentos. 
Sendo assim, tem-se então que o serviço de acolhimento no Abri-
go de Famílias serve como um suporte importante num momento em 
que a família deixa de contar com a estrutura material e emocional 
com a qual contava. Além disto, são feitos contatos com ONGs para 
que, estas, possam prestar atendimentos de saúde, como psicoterapia 
individual, de casal e de família com gratuidade.
Os núcleos familiares apresentam questões de saúde extrema-
mente específicas e complexas, como o sofrimento psíquico em comor-
bidade com situações de dependência química de modo que, neste caso, 
a equipe de trabalho precisa encaminhar e acompanhar estes indiví-
duos, que muitas vezes apresentam diagnósticos graves, aos serviços 
de saúde, além de mediar às situações de conflitos presentes nas re-
lações familiares. Acompanhamento técnico este que é compartilhado 
com a equipe de referência da região de origem da família e com a rede 
ampliada intersetorial ligada aos Conselhos de Saúde, de Direito e Tu-
telar. 
Dito isto, tem-se que de fevereiro de 2012 a outubro de 2016, 
40 famílias ingressaram no serviço, sendo que três delas tiveram um 
reingresso cada, porém as mulheres ingressaram sem os companhei-
ros. Do total de famílias acolhidas 13 eram compostas por mãe e filhos, 
uma composta por pai e filho e 26 famílias por casal com filhos, sendo 
um homo-afetivo. 
Através dos dados percebe-se as transformações da configuração 
familiar que, segundo Sodré (2014, p. 72), denota que “a família nuclear 
foi substituída pelo modelo “solto”, flexível, sem ordem, sem laços en-
tre consanguíneos, questionando a centralidade do patriarca, com lon-
gevidade estendida e, muitas vezes, pautada por valores de consumo 
e acostumada à intervenção do Estado em seus hábitos mais domés-
138 
ticos”. Nesse período de quatro anos os núcleos familiares acolhidos 
apresentam composições diversas, o que nos reporta a diversidade des-
ta instituição social na atualidade. 
Nesse mesmo período, 152 pessoas foram acolhidas, 88 do sexo 
feminino e 64 do sexo masculino, sendo destes 65 pais ou responsáveis 
e 87 filhos. A média de filhos das famílias acolhidas é de 2,17, sendo 
que sete nasceram enquanto a família estava acolhida. O período médio 
de abrigagem das famílias que já foram desligadas foi de cinco meses. 
Do total de famílias acolhidas, 18 foram encaminhadas pelos Centros de 
Referência de Assistência Social (CRAS), 5 pelos Centros de Referência 
Especializado de Assistência Social (CREAS), 6 por outros Serviços de 
Acolhimento Institucional, 5 pelos Conselhos Tutelares, 4 pelos Centros 
POP e outras duas pela Delegacia da Mulher e Albergue Dias da Cruz. 
Considerando a principal motivação que levou as famílias a se-
rem acolhidas identificou-se que: 21 delas estavam em situação de rua 
e, neste sentido, tem-se que a ausência de recursos materiais/habita-
ção e/ou a expulsão da moradia pelo tráfico, se constituiu no motivo 
de acolhimento destas no caso de, pelo menos, 6 famílias. Outrossim, 
tem-se também que a maioria dos casos de acolhimento motivados pela 
situação de rua foram de mulheres gestantes ou que haviam dado à luz 
recentemente. Dessa forma, percebe-se que, por si só, a situação de rua 
não se constitui como critério para o encaminhamento de uma família 
para o acolhimento institucional, pois na avaliação dos técnicos nesses 
casos a proteção da infância foi um fator relevante. 
A presença do Estado na família, através das mais diferentes for-
mas de intervenção, não possui apenas uma face, ou uma inten-
ção. Pois, ao mesmo tempo que defende as crianças da violência 
doméstica, impõe a família normas socialmente definidas. Ao de-
fender a família pode descuidar dos direitos individuais. Enfim, 
ao fornecer recursos e sustentação às famílias se colocam em 
movimento estratégias de controle (MIOTO, 2006, p. 45).
Assim como as expressões da questão social, múltiplas são as 
vulnerabilidades que resultam na avaliação de que uma família deve ser 
acolhida. Embora no gráfico abaixo sejam elencadas somente as prin-
139 
cipais motivações, fatores como a fragilização dos vínculos familiares e 
comunitários, o desemprego e a baixa escolaridade são comuns em to-
dos os casos analisados. Em grande parte, o uso abusivo de substâncias 
psicoativas por um ou mais membros, também constitui-se num fator 
que é levado em conta na avaliação dos técnicos. 
Gráfico 1 – Motivo que levou a família a ingressar no serviço de aco-
lhimento institucional.
No Abrigo de Famílias, todo o acompanhamento realizado visa 
o processo de desligamento, a partir do momento em que são reverti-
das gradativamente as vulnerabilidades que levaram ao acolhimento 
da família. Dessa forma, em cada situação apresentada é discutida a 
necessidade de articulação com os serviços da rede. No cotidiano de 
trabalho com as famílias o processo de desligamento também compre-
ende a busca de residência, mobiliário, transporte para mudança, além 
da referência/contra-referência, geralmente em uma nova região da 
cidade. 
140 
Gráfico 2 – Motivo que levou a saída da família do serviço de acolhi-
mento institucional
Quando quantificamos os motivos que levaram ao desligamento 
das 37 famílias que já haviam passado pelo serviço até outubro de 2016 
percebe-se que 20 delas cumpriram o plano de intervenção construído 
em conjunto com a equipe, 17 foram desligadas por evasão, mudança e/
ou desistência do plano/acolhimento, entre outros. E, por fim, tem-se 
que nos casos considerados como interrupção de plano, estão incluídas 
situações de descumprimento das regras de convivência.
Considerações Finais
 Quando o abrigo iniciou suas atividades em 2012, a equipe do 
serviço apresentou dificuldades no desenvolvimento do processo me-
todológico de intervenção com as famílias, já que tal modalidade de 
acolhimento representava algo novo para os trabalhadores, assim como 
um desafio diante da complexidade inerente a este acompanhamento. 
O serviço foi aberto com um quadro deficitário de educadores sociais e 
sem a formação necessária para este trabalho.
141 
As intervenções junto às famílias partiam muito mais de con-
cepções pessoais dos trabalhadores de como estas deveriam agir ou se 
portar, sendo a forma que estas criavam os filhos o principal motivador 
para determinar a “incapacidade” da família em manter a função prote-
tiva, atribuindo juízos de valor as mesmas. 
No decorrer do processo de trabalho foi possível, através prin-
cipalmente das reuniões de equipe, travar discussões a respeito das 
questões implicadas no processo de acompanhamento, nos objetivos 
do trabalho, nas atividades a serem desenvolvidas no cotidiano, assim 
como, nas atribuições da equipe e do papel de cada setor da equipe 
multidisciplinar. 
É possível perceber na trajetória do acolhimento modificações nos 
procedimentos metodológicos do acompanhamento cotidiano. Suspen-
sões frequentes, manejos inadequados, posicionamentos a partir de expe-
riências e vivências pessoais estão sendo superadas à medida que são re-
tomadas e rediscutidas tendo em vista a realidade das famílias atendidas. 
A falta de condições objetivas e subjetivas para a proteção e o cui-
dado de seus membros deixou de ser um fator de culpabilização, para se 
tornar um objeto da intervenção de todos os profissionais comprometi-
dos com o acompanhamento das famílias acolhidas. Dessa forma, novas 
possibilidades de intervenção buscam valorizare fortalecer os vínculos 
e as potencialidades dos núcleos familiares. 
Hoje é possível avaliar que os entraves para a superação da situ-
ação de acolhimento das famílias se devem a questões macroestrutu-
rais, como a garantia das demais políticas públicas principalmente no 
cumprimento do direito à moradia e de questões de ordem subjetiva, 
principalmente, no que se refere a questões que envolvem condições 
de saúde biopsicossociais, ou mesmo de aspectos mais complexos neu-
ro-cognitivo-emocionais. Quanto às questões macroestruturais tem-se 
que as famílias dependem das políticas públicas existentes. E quanto 
às questões de ordem subjetiva, estas, dependem essencialmente das 
condições de saúde e de recursos internos para a conscientização, pos-
sibilidade de reflexão, elaboração, construção e cumprimento de um 
plano ou projeto de vida, que são vencidas respeitando o momento de 
vida na qual o sujeito se encontra.
142 
Referências
BRASIL. Tipificação Nacional de Serviços Socioassistenciais.Re-
solução n 109, de 11 de novembro de 2009.
BRASIL. Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome; 
Secretaria Nacional de Assistência Social. Política Nacional de As-
sistência Social – PNAS. Brasília, DF, 2004.
Brasil. Constituição da República Federativa do Brasil, DF: Senado 
Federal,1988.
FASC. Projeto Técnico Acolhimento Institucional – Modalidade 
Para Famílias em Situação de risco Social. Porto Alegre, 2011.
MIOTO, R. C. T. Novas propostas e velhos princípios: a assistência às 
famílias no contexto de programas de orientação e apoio Sócio Fami-
liar. In: MIONE, A. S.; MATOS, M. C.; LEAL, M. C. (Orgs.). Política 
Social, Família e Juventude: uma questão de direitos. São Paulo: 
Cortez, 2006.
PEREIRA, P. A. Mudanças estruturais, política social e papel da famí-
lia: crítica ao pluralismo de bem-estar. In: MIONE, A. S.; MATOS, M. 
C.; LEAL, M. C. (Orgs.). Política Social, Família e Juventude: uma 
questão de direitos. São Paulo: Cortez, 2006.
SODRE, F. O Serviço Social entre a prevenção e a promoção da saúde: 
tradução, vínculo e acolhimento. Serviço Social & Sociedade, n. 117, 
pp. 69-83, 2014.
143 
EXPERIÊNCIAS DA AÇÃO NA RUA: DA 
ABORDAGEM AO ENCONTRO
AnA letíciA FontAnive, Aline SArdin PAdillA de oliveirA, 
chArline PereirA doS SAntoS, dAiAnA SAntoS, 
dAnielA biAnchi, dAnielA cAnAbArro, dAnielA SoAreS, 
dioGo SAntoS, FernAndo oliveirA júnior, GiAne SilveirA, 
jorGe GoMeS de oliveirA, Kizzy ASSunção, lirene FinKler, 
liSiAne do cArMo, MArcoS cAbrAl borGeS, 
MAriA dornelleS de ArAújo ribeiro, MAteuS FreitAS cundA, 
MilenA cASSAl PereirA, PAblo GonçAlveS, 
robertA dA SilvA GoMeS, SAulo vieirA
 
De uma cidade, não aproveitamos as suas sete ou setenta mara-
vilhas, mas a resposta que dá às nossas perguntas. 
Ítalo Calvino, As cidades invisíveis
Introdução
Este texto se constitui em um escrito de autoria coletiva dos 
trabalhadores do Serviço de Abordagem Social na cidade de Porto Ale-
gre. Neste sentido, tem-se que o trabalho de abordagem, atendimento, 
acompanhamento, de encontro com as pessoas em situação de rua pela 
Política de Assistência Social na cidade de Porto Alegre data da déca-
da de 1990 (Serviço de Educação Social de Rua - SESRUA, dirigido a 
crianças e adolescentes e Atendimento Social de Rua - ASR, dirigido 
a adultos e famílias). Esses serviços eram realizados através de equipe 
própria, abrangendo toda a cidade. Assim, antes mesmo da formaliza-
ção do SUAS, Porto Alegre já desenvolvia serviços de referência para 
a população em situação de rua. 
Com a Tipificação Nacional dos Serviços Socioassistenciais, o 
trabalho com a rua ficou situado no Serviço Especializado de Abor-
144 
dagem Social, com a finalidade de “assegurar trabalho social de abor-
dagem e busca ativa que identifique, nos territórios, a incidência de 
trabalho infantil, exploração sexual de crianças e adolescentes, situa-
ção de rua, dentre outras” (BRASIL, 2009, p. 31). A Resolução nº 9 
do Conselho Nacional de Assistência Social, de 18 de abril de 2013, 
dispõe que este serviço pode ser ofertado ou pelos Centros de Referên-
cia Especializados de Assistência Social (CREAS), ou pelos Centros de 
Referência Especializado para Pessoas em Situação de Rua (CENTRO 
POP) ou por Unidade Específica referenciada ao CREAS.
Porto Alegre já realizava o Serviço de Abordagem Social, no re-
corte geracional de crianças e adolescentes e suas famílias, desde o ano 
de 2007, através de convênio com um conjunto de entidades da socie-
dade civil, sob o projeto conhecido como Ação Rua. 
No ano de 2016, este convênio foi ampliado também para a popu-
lação adulta e idosa em situação de rua, com a contratação de equipes 
específicas para esse trabalho. O Serviço de Abordagem Social que vi-
nha sendo executado diretamente pelos CREAS (no período de 2011 a 
2015), passa então a ser realizado a partir de convênio com organiza-
ções da sociedade civil, tendo caráter público e não estatal, e estando as 
equipes referenciadas aos nove CREAS da cidade. 
O relato que segue refere-se à experiência de trabalho dessas no-
vas equipes, ao longo do ano de 2016, no contato com as pessoas que 
habitam as ruas de Porto Alegre, problematizando a posição interven-
tora da “Abordagem Social”, identificando potências e fragilidades do 
trabalho cotidiano com essa população. 
O texto está organizado de modo a desvelar a paisagem em que 
ocorrem os encontros, (des)encontros, vivências e violências que per-
passam o trabalho na rua, excertos de relatos e experiências são trazi-
dos e constroem uma reflexão sobre o cotidiano das equipes do Serviço 
de Abordagem Social.
145 
A paisagem
O inesperado acontece
 Uma paisagem em cada olhar,
 Um olhar em cada paisagem.
 Um caminho que nada tem
 Destino brilho de que tudo lá existe.
 As flores...
 Os pássaros...
 Os Estados…
O tráfego com seus ensaiados movimentos
O tráfico e seus engasgados sentimentos
 A lomba... (Suas curvas)
 Na subida ofegante
 Descida Confortante
 De baixo admira-se as montanhas
 Em cima, sou mais um dentre outros seres e suas façanhas.
Pablo Gonçalves
 
Escrever sobre o encontro com a população adulta em situação 
de rua exige um olhar destituído de fluxos, encaminhamentos, limites 
impostos nos diferentes territórios da cidade, além das ausências e res-
ponsabilidades do Estado. Independente do nosso trabalho, essas pes-
soas em situação de rua já vivenciavam o processo de invisibilidade aos 
olhos da sociedade, sendo a Abordagem Social uma estratégia vincula-
da à Política de Assistência Social que articularia os demais recursos de 
outras políticas e/ou programas e projetos desenvolvidos por ONGs e 
sociedade civil, para olhar e interferir nesse processo de invisibilidade. 
Em parte, essa experiência nos mostra a importância/necessida-
de de algo/alguém que nomeie o desconhecido, o até então invisível, 
para que, este, possa ser conhecido e reconhecido pelo imaginário so-
cial, atribuindo a condição de existência e também de direitos. 
Eis um ponto a destacar que serve de pano de fundo para diver-
sos processos presentes no trabalho com a população em situação de 
rua: a contradição de quem é reconhecido na relação com aquele que 
não é ou não está reconhecido na sua história de vida, ou, dito de outra 
146 
maneira, que tangenciam os valores e exigências do modelo de socie-
dade capitalista. 
Historicamente as relações desiguais de poder e autoridade mar-
cam os processos de exclusão e marginalidade, fortalecendo assim 
o discurso criado a partir dessas relações. Não há pretensão aqui de 
abordar esses processos históricos, mas sim, no decorrer deste texto, 
localizar algumas destas relações e quem produz esses discursos de 
identidade e diferença.
A possibilidade do trabalho com essa população, que nasua 
maioria não são atravessados pelos deveres e papéis do Estado, nos 
desacomoda, pois para além do trabalho de transformação da realidade, 
somos em alguma medida, atravessados por conteúdos de exclusão e 
preconceitos manifestos ou ocultos nas diferenças políticas ou agentes 
desses serviços. 
Dentro desse contexto, estão também inseridas outras estraté-
gias de produção de cuidado e proteção social, buscando no diálogo 
com os serviços obter uma maior qualidade de vida. Essas pessoas cos-
tumam se organizar em associações de bairros, clubes de mães e comu-
nidades afins, com intuito de suprir a presença do Estado no que tange 
aos serviços públicos e espaços para o lazer. A rua é ressignificada, 
diferenciando os entendimentos do que é cada lugar pelos habitantes 
destes espaços, traçando novos roteiros em seus percursos sensoriais, 
modificando os sentidos das redes usuais da cidade. 
Aqueles que, por algum motivo, não estão inseridos nos grupos 
instituídos pelo atual modelo de sociedade, acabam vivendo à margem 
dela. É o caso de muitas pessoas que estão em situação de rua, que per-
tencem a algum território e tem neste sua identidade e pertencimento. 
Têm suas redes de convívio formais e informais e buscam seu espaço 
em meio a essa disputa de poder.
Estar na rua é um direito de todos (LEFEBVRE, 2001), mas é 
preciso que esse direito seja acompanhado com o mínimo de respaldo 
por parte dos gestores e atores envolvidos na mobilidade urbana e, em 
geral, nas políticas públicas. É preciso reconhecer os diversos proces-
sos de exclusão enfrentados pela população em situação de rua, por 
meio de indicadores sociais, censos, cartografias, mapeamento da área, 
147 
ou seja, diferentes dispositivos e mecanismos para que se possa iden-
tificar quem são as pessoas em situação de rua, onde elas costumam 
ficar, como se relacionam com a comunidade, com os serviços públicos 
e estabelecimentos privados, quais as formas de acesso aos programas 
assistenciais, quais são as dificuldades que apresentam, quais os recur-
sos comunitários disponíveis e que parcerias intersetoriais e interinsti-
tucionais podem ser firmadas.
Entendemos que sob o conceito “Pessoa em Situação de Rua” en-
globa-se um conjunto de experiências e de formas de ser/estar na rua. 
Trabalhar no marco de uma política de inclusão social direcionada para 
este recorte populacional requer frisar a complexidade do fenômeno e 
reconhecer o processo de exclusão social que sobrepõe estruturas de 
dominação de classe, raça e gênero. Algo que, torna fundamental o re-
conhecimento desta multiplicidade de vivências por parte das equipes 
de abordagem social no encontro com esse outro/outra.
Assim, ao longo do texto, dialogamos com os termos “aborda-
gem”, “usuário”, “pessoa em situação de rua”, “casos”, de modo a evi-
denciar, por outro lado, a dimensão dessa escrita partindo da ideia do 
encontro com as pessoas que habitam a rua, suas histórias de vida, o 
cenário da cidade, a paisagem que acompanha. 
O Encontro
 
Não havíamos marcado hora, não havíamos marcado 
lugar. E, na infinita possibilidade de lugares, na infini-
ta possibilidade de tempos, nossos tempos e nossos lugares 
coincidiram. E deu-se o encontro.
Rubem Alves
Que encontros são estes e em que momentos ocorrem? A palavra 
“Encontro” não é identificada nas bibliografias “técnicas” e norteado-
ras da Política de Assistência Social. O mais próximo deste conceito, 
proposto neste texto e em construção, seria o acompanhamento, mas 
por que não utilizamos este último? Pretende-se explicar como a troca 
da expressão atendimento/abordagem social por encontro pode aproximar 
148 
a realidade da prática com as pessoas que estão residindo e/ou moran-
do na rua.
Os desafios enfrentados diariamente pelos trabalhadores são 
atravessados pela escassez de recursos de infraestrutura, precarização 
de outras políticas públicas, equipes reduzidas e a resistência por parte 
da sociedade em romper os modelos já cristalizados de viver e/ou ex-
perienciar o espaço da rua. No momento em que entramos em contato 
com os testemunhos destes trabalhadores, percebe-se a contradição e 
mesmo certa perversidade do discurso que lança essas equipes para 
esse campo de atuação. Mesmo ao entrar em contato com estas e outras 
dificuldades, resistências e outros atravessamentos, esses trabalhadores 
permanecem diariamente buscando no espaço da rua… o encontro.
A palavra acompanhamento traz consigo alguns significados, mas o 
conceito mais próximo, encontrado em dicionário de língua portuguesa, 
remete à “assistência ou supervisão dada por profissional (psicólogo, pe-
dagogo, fonoaudiólogo, assistente social, educador social etc.) a alguém 
que esteve sob seus cuidados ou orientação”. Nesse significado, encontra-
mos algumas palavras chave que convidam à problematização e quebra de 
paradigma. O ato de dar assistência ou supervisão demonstra a relação de 
poder destes profissionais para com as pessoas que são automaticamente 
instituídas num lugar de cuidado e/ou orientação. Conforme mencionado 
anteriormente, fica evidente não somente a relação de poder, mas a vir-
tualidade ou ficção destes acompanhamentos. No momento que são cons-
truídos os planos de acompanhamento, mesmo que sejam compostos pelo 
discurso da co-participação das pessoas, operam numa virtualidade e/ou 
ficção que não existe. O desenvolvimento desse acompanhamento sofrerá 
diversos atravessamentos que envolvem os trabalhadores, a relação com a 
comunidade, o Estado, diferentes políticas públicas, entre outros fatores. 
Alguns profissionais acreditam que estão apropriados desta virtualidade, 
mas que devem operar de alguma forma para que o trabalho seja realiza-
do. Reconhecemos e acreditamos nesta justificativa por estarmos cientes 
da rotina e contexto da prática. Entretanto, é exatamente essa justificati-
va que possibilita o rompimento do diálogo.
Ao inserir o diálogo, o convidamos a repensar esta palavra e a 
buscar o genuíno que se perdeu. Este diálogo genuíno busca procurar a 
149 
verdade e fomentar o conhecimento sem preconceitos, mas que envolve 
duas pessoas ou mais. É complicado falarmos de “verdade”, mas pode-
mos subverter este conceito para que seja a “verdade do sujeito”. A ver-
dade que é sustentada pelo desejo do sujeito, mas que precisa da escuta 
do outro para existir. Essa escuta só ocorre no momento do encontro. 
Ao tomarmos o conceito de encontro para desenhar a discus-
são sobre o que seria o trabalho das equipes de abordagem social, co-
locamos os atores deste processo em um mesmo patamar, buscando 
desconstruir o processo de hierarquização na prática da Abordagem 
Social. Muitas vezes, na cena de trabalho, os trabalhadores são toma-
dos (ou se colocam) como detentores do saber sobre o sujeito que está 
em situação de rua. No encontro, esses atores são tomados na mesma 
posição sobre a cena, amplia-se o olhar para dois sujeitos (ou mais) que 
ali se encontram.
A ótica do trabalhador que se lança no trabalho da Abordagem So-
cial deve sempre estar atenta para uma visão além do discurso “norma-
tizado”. No trabalho na rua, o vínculo se torna potente quando o traba-
lhador lança mão do dispositivo da escuta, que vai além da “mediação na 
garantia de direitos”. Percebemos a potência transformadora do trabalho 
quando nos despimos desse discurso e nos deixamos ser levados pelo 
encontro e pelo percurso desses sujeitos, testemunhamos suas histórias 
e apostamos que ali há um desejo de vida, não de norma social. 
O diálogo, o lugar de fala na cena do encontro, deve ser uma 
costura entre a história e os desejos da pessoa em situação de rua e as 
ferramentas que o trabalhador dispõe para escutá-lo, tecendo outras 
possibilidades de caminhos a serem trilhados em conjunto. A impor-
tância do “trabalhador da rua” neste encontro é potencializar o sujeito 
de desejos, direitos, deveres, evidenciar seus percursos e desestabilizar 
as relações de poder vivenciadas na rua. 
Ressaltamos que a intervenção na direçãodo sistema de garantia 
de direitos e acesso às políticas públicas é essencial para o trabalho, 
mas aqui provocamos um olhar além. Pontuamos a potência do tra-
balho no invisível, na inutilidade, no que não pode ser quantificado. A 
abordagem social muitas vezes se desdobra no acompanhamento da-
quele sujeito pela cidade, pelos serviços. O ato de caminhar, para De 
150 
Certeau (1998) é um processo de apropriação do sistema topográfico 
pelo pedestre. Ao caminhar, mesmo por espaços proibidos, como por 
exemplo, um muro que o impede de seguir, o caminhante inventa e des-
loca as possibilidades de uma ordem espacial. O usuário da cidade em 
seus passos exploratórios no dia-a-dia “faz outras coisas com a mesma 
coisa e ultrapassa os limites que as determinações do objeto fixam para 
seu uso” (CERTEAU, 1998, p. 178).
Podemos pensar que no trajeto até a Unidade Básica de Saúde mais 
próxima o mais importante desta ação é garantir o acesso do cidadão ao 
atendimento de saúde. Este pode ser um dos objetivos. Mas há outros, 
que se identificam no trajeto, na caminhada, na passagem pelos muros, 
pelos olhares da cidade, ao percorrer este trajeto que parece ser por outra 
cidade, aquela que só habitamos quando estamos acompanhando, quando 
estamos juntos às pessoas em situação de rua. Aí encontram-se grandes 
potências do trabalho: o encontro, o diálogo, o percurso.
De encontros, (des)encontros, vivências e violências: 
retalhos de relatos e experiências
Através da aventura de escrever um texto com muitas mãos, per-
cebemos que alguns elementos atravessam nossa prática em todos os 
territórios de Porto Alegre, da Zona Norte ao Extremo Sul. Difícil 
elencar um único eixo como base para escrita e, portanto, iniciamos 
a árdua missão de encontrar um “entre” que desse conta dos nossos 
anseios e, principalmente, que retratasse o trabalho das equipes do Ser-
viço de Abordagem Social de Rua - Ação Rua.
Nos encontros que realizamos para dialogar e construir essa es-
crita coletiva percebemos que, se fotografássemos a situação de rua 
em Porto Alegre, as pessoas ali retratadas seriam majoritariamente 
negras. Reconhecendo essa característica inerente aos territórios de 
Porto Alegre, afirmamos que o trabalho com as pessoas em situação 
de rua é cotidianamente permeado por outros dois elementos: a saúde 
mental e a violência. 
Cabe ressaltar que esses elementos estão essencialmente conec-
tados. Impossível falar sobre exclusão social sem falar na questão ra-
151 
cial, na violência com que essa exclusão acontece e no sofrimento psí-
quico que isso acarreta.
A Cor da Rua 
Propomos uma breve reflexão sobre o perfil da população de rua, 
mais especificamente, sobre a cor da rua. Nesse sentido, na Política 
Nacional para a População em Situação de Rua (BRASIL, 2009), está 
instituída uma definição para esse público:
Considera-se população em situação de rua o grupo populacional 
heterogêneo que possui em comum a pobreza extrema, os vínculos 
familiares interrompidos ou fragilizados e a inexistência de mora-
dia convencional regular, e que utiliza os logradouros públicos e as 
áreas degradadas como espaço de moradia e de sustento, de forma 
temporária ou permanente, bem como as unidades de acolhimento 
para pernoite temporário ou como moradia provisória. 
Dentro dessa definição, há vários termos que poderiam ser apro-
fundados, mas selecionamos aqui a expressão: “grupo populacional hete-
rogêneo”, com ênfase na questão da heterogeneidade; em outras palavras, 
que não pode ser definido sob uma mesma característica. Portanto, cha-
mamos à reflexão: o que se esconde detrás dessa heterogeneidade?
Durante os primeiros meses de atuação do Serviço de Aborda-
gem Social pelo convênio com as Organizações da Sociedade Civil no 
município de Porto Alegre, realizamos o mapeamento das regiões para 
traçar um primeiro diagnóstico sobre o território. O instrumento uti-
lizado contém os quesitos raça/cor, faixa etária, sexo, entre outros. É 
importante mencionar que o quesito raça/cor não foi auto declarativo. 
Verificamos que parte significativa das pessoas encontradas em situa-
ção de rua são homens negros ou pardos.
Durante um acompanhamento de um usuário até um dos alber-
gues da cidade, enquanto aguardávamos na fila organizada por ordem 
de chegada para o acesso, bastou um simples olhar para constatar que 
quase a totalidade de provavelmente 80 ou 100 homens eram negros 
ou pardos. A falta de política pública da assistência social voltada para a 
152 
população negra em situação de rua deixa à margem as especificidades 
que surgem dessa característica.
A Assistência Social como Política Pública tem como um de seus 
objetivos a defesa da dignidade de minorias excluídas historicamente, 
como no caso da população negra. Porém, percebemos a ausência de 
programas ou projetos que unifiquem os recortes de população negra 
e situação de rua. E, neste sentido, questionamos: Quais as consequên-
cias disto? 
A Loucura 
Existe uma ideia construída socialmente da loucura como um 
outro radical, diferente, permanentemente marginalizado. “Loucura” e 
“rua”, historicamente estão de mãos dadas, e os “loucos”, os “anormais”, 
permanentemente estigmatizados. E hoje? Será que é diferente?
A primeira vez que vimos o “amigão”, estava chovendo e fazia 
muito frio. Encontrava-se embaixo de uma marquise enrolado num 
cobertor molhado, os dedos enrugados, o cabelo úmido, o rosto pinta-
do de batom vermelho, bebendo cachaça. Logo que nos aproximamos 
sentimos o forte cheiro de álcool e urina. Na troca de olhares combina-
mos, implicitamente, numa linguagem construída na caminhada e par-
ceria com os colegas, que deveríamos ser muito cuidadosos em nossa 
intervenção, mas, mesmo assim, ante essa situação, não conseguimos 
conter-nos de sugerir alguns encaminhamentos respaldados na nossa 
própria visão de mundo, nos nossos próprios sentires.
Como estava muito frio, a primeira sugestão foi um lugar para 
passar a noite: albergue, estava molhado; segunda sugestão: alguma 
estratégia para secar-se e trocar de roupa – banho no Centro Pop. Ne-
nhuma das duas foi aceita. Percebemos que o único efeito dessa “manei-
ra de chegar” era afastar-nos, então, uma vez superada a primeira fase 
do estranhamento, partimos para a troca de ideias.
Ele nos relatou um pouco da sua história, numa fala não linear, 
cheia de idas e voltas, de não ditos, de fixações em ideias. Aqui apresen-
tou-se o primeiro desafio desse encontro: tentar compreender uma “ou-
tra lógica” para conseguir fazer uso de nossos principais instrumentos 
153 
de trabalho: a escuta sensível, a palavra, o diálogo baseado no respeito 
da biografia do sujeito, refletindo sempre sobre nossos próprios posi-
cionamentos e interpretações, vigilando nossas próprias ideias precon-
cebidas. Trabalhar a partir do vínculo, construindo pontes, mediações, 
catalisando desejos.
O trabalho das equipes de abordagem social, pautado na educa-
ção popular, é desafiador por si só num contexto social que não acolhe 
as diferenças. Mas, quando as equipes vão ao encontro destes tipos 
de situações mais “complexas” (por não encontrar outra palavra), os/
as trabalhadores/as se veem diante de um desafio ainda maior, que 
os interpela e os deixa em conflito. A própria subjetividade dos/das 
trabalhadores/as é desafiada, desacomodada. Como lidar com as sensa-
ções e sentimentos que provoca o fato de observar o sofrimento físico e 
psíquico de uma pessoa que, à primeira vista, não teria as ferramentas 
internas e as habilidades sociais consideradas “normais” (no sentido de 
estar dentro da norma, do que é esperado/demandado) para lidar com 
a vida? Como propor ações que saiam do encaminhamento básico que 
é comumente sugerido para este tipo de situação (a internação com-
pulsória)? Como trabalhar com os parceiros da rede, especialmente da 
área da saúde, para convidá-los a desacomodar-se e pensar conjunta-
mente estratégias de atendimento mais comunitárias e inclusivas?
No caso que estamos falando,construímos uma parceria muito 
interessante com a Unidade de Saúde que o nosso “amigão” acessou em 
algumas ocasiões, mas ainda não conseguimos dialogar e muito menos 
estabelecer uma parceria com a saúde mental. Em tempos de desmani-
comialização, muitas vezes, os próprios equipamentos de atendimento 
descentralizado acabam seguindo a lógica manicomial, colocando em 
gavetas as pessoas e não conseguindo enxergar o todo.
Nesse contexto, os desafios apresentados são de índole diversa, 
os pessoais/subjetivos de cada trabalhador/a, de conciliar o trabalho 
desde a pedagogia social, ao mesmo tempo em que se percebe o serviço 
como um dispositivo de clínica ampliada e de mediação para a garantia 
de direitos, e os interinstitucionais e de co-responsabilização de outras 
políticas públicas, para construir intersetorialmente o atendimento 
para essas pessoas.
154 
Violências de Estado
O processo de violência com a população em situação de rua pode 
ser analisado por diferentes perspectivas, pelo não reconhecimento 
como sujeitos sociais e suas necessidades específicas, pela falta de polí-
ticas públicas permanentes de atendimento a essa população, pela não 
garantia de direitos básicos como saúde, educação, segurança, habita-
ção e assistência.
A não garantia dos direitos da população em situação de rua mar-
ginaliza, culpabiliza e agrava a situação de vulnerabilidade social em 
que se encontram. Quando o sujeito não consegue acessar uma consul-
ta, uma vaga em albergue, realizar um acompanhamento sistemático 
de saúde mental, quando o Estado negligencia a garantia de direitos, é 
mais uma violência que a pessoa em situação de rua sofre.
Ao mesmo tempo, a rua não deve ser vista somente como lugar 
de circulação entre espaços privados, uma espécie de limbo entre situa-
ções reconhecidas, mas como espaço em si, tão abarcador e produtor 
de realidades como qualquer outro. Estar na rua é ocupá-la, não como 
violação do espaço limpo e vazio. É preciso desconstruir a bipolaridade 
ontológica entre normal e anormal colocada para as pessoas em situa-
ção de rua, considerando a produção e reprodução de identidades so-
ciais dentro mesmo do que Gregori (2000) conceitua como circulação 
entre espaços e papéis sociais.
Segundo Foucault (2008), o Estado também opera intervenções 
sobre as populações com objetivo controlar o risco, mantendo assim um 
funcionamento social aceitável para um determinado sistema social, no 
caso atual podemos pensar que esse “funcionamento social aceitável” 
seria aquele que garanta a reprodução do capital e a manutenção dos 
privilégios de uma elite. A questão seria: como manter um fenômeno 
“indesejado” – dentro de um ideal de sociedade – nos limites que sejam 
social e economicamente aceitáveis? 
Neste sentido podemos pensar que todas as políticas sociais têm 
um viés de gerenciamento do risco, uma função de controle, mesmo 
que no papel as fundamentações dos programas e serviços se pautem 
na garantia de direitos. Tal lógica é, muitas vezes, constatada por nós, 
155 
trabalhadores do Serviço de Abordagem Social, quando chegam de-
mandas de “higienização social”, por vezes partindo do poder público, 
mas também dos cidadãos. Isto que gera sofrimento pelo fato de enxer-
gar-nos dentro de uma aparente contradição. Aparente contradição a 
nossos olhos, pois temos que lembrar que, mesmo na ausência destas 
demandas “pontuais”, o próprio serviço tem uma faceta de controle e 
gestão do “risco”. É necessário que as equipes possam refletir sobre 
esta questão para trabalhar em prol da construção de práticas de resis-
tência que permitam subverter, em alguma medida, este viés normati-
zador e controlador.
Considerações Finais
O campo de trabalho do Serviço de Abordagem Social possui 
dimensões que apenas se visibilizam no encontro com a população que 
vive nas ruas de Porto Alegre. Dimensões que vão para além dos tex-
tos tipificados ou das resoluções protocolares sobre o trabalho. 
Mais que isso, objetivamos trazer para o centro da discussão o 
momento do encontro com a pessoa da rua, identificando as redes de 
cuidado e proteção que se estabelecem independente da ação de uma 
política pública; mas, sobretudo, visibilizando as formas de exclusão e 
estigmas que atrelam o sujeito a uma posição marginalizada, manten-
do as violências perpetradas pelo Estado em sua relação com as vidas 
desviantes da norma.
156 
Referências
BRASIL. Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome; 
Conselho Nacional de Assistência Social; Conferência Nacional de As-
sistência Social, VII. Tipificação Nacional dos Serviços Socioassis-
tenciais – Resolução nº 109 de 2009.
BRASIL. Casa Civil. Decreto Nº 7053 de 23 de dezembro de 2009. 
Institui a Política Nacional para a População em Situação de Rua e seu 
Comitê Intersetorial de Acompanhamento e Monitoramento e dá ou-
tras providências. Diário Oficial da União de 24 de dezembro de 2009.
CERTEAU, M. A invenção do cotidiano. Petrópolis: Vozes, 1998.
FOUCAULT, Michel. Segurança, Território e População. Curso 
dado no Collège de France (1977-1978). Ed. Martins Fontes, São 
Paulo, 2008.
GREGORI, M. F. Viração: Experiências de meninos nas ruas. São 
Paulo: Companhia das Letras, 2000.
LEFEBVRE. H. Direito a cidade. São Paulo: Centauro, 2001.
157 
O RETORNO DOS INVISÍVEIS A CENA PÚBLICA A 
PARTIR DA ATUAÇÃO DO CENTRO POP 1
cArloS André dA roSA bittencourt 
Introdução
A população em situação de rua tem como característica a circu-
lação em diversos territórios da cidade. No entanto, percebe-se o não 
pertencimento destes atores sociais a nenhum local específico. Ape-
sar de estarem presentes em todos os espaços, permanecem invisíveis 
para os demais segmentos sociais, uma vez que, como escreve Bourdieu 
(1997 p. 164) “os que não possuem capital são mantidos à distância, 
seja física, seja simbolicamente, dos bens socialmente mais raros e con-
denados a estar ao lado das pessoas ou dos bens mais indesejáveis e 
menos raros” de modo que “a falta de capital intensifica a experiência 
da finitude: ela prende a um lugar”.
A constatação da invisibilidade dessa população é um dos temas 
trabalhados no Centro Pop 1 que, por meio de atividades diversas, bus-
ca integrar essa população. Neste sentido, o Centro Pop 1 define-se 
como um serviço ofertado para as pessoas adultas, idosas e famílias que 
utilizam as ruas como espaço de moradia ou sobrevivência, a fim de 
servir de referência aos usuários, possibilitar atendimento e atividades 
de convivência com vistas a oportunizar a esse segmento da população 
a possibilidade de repensar seus projetos de vida e permitir que, estes, 
se tornem protagonistas de sua própria história. É assegurado a essa 
população um acompanhamento especializado através de atividades di-
recionadas ao desenvolvimento de sociabilidades e ao fortalecimento 
e/ou construção de novos vínculos interpessoais e/ou familiares. 
Dado o exposto, no presente texto buscamos demonstrar como 
as atividades coletivas desenvolvidas pela Equipe de Trabalho do Cen-
tro de Referência Especializado para a População em Situação de Rua – 
Centro Pop 1 – favorecem ações que buscam legitimar o protagonismo 
158 
desses atores sociais em atividades que estão previstas e abertas para a 
participação da sociedade porto-alegrense, mas que no entanto discri-
minam e excluem este público.
O trabalho desenvolvido no Centro Pop 1
No Centro Pop 1 trabalha-se no intuito de contribuir para res-
taurar e preservar a integridade e a autonomia da população em situa-
ção de rua, operando-se conjuntamente com a rede de proteção social 
e demais políticas públicas, bem como o Sistema de Garantia de Direi-
tos. Neste, incentiva-se a participação e mobilização social com vistas 
a desenvolver processos críticos de enfrentamento coletivo da situação 
vivenciada e, a partir disto, permitir a reinserção familiar e/ou comu-
nitária dessa população. 
A metodologia de atendimento parte do reconhecimento da po-
pulação em situação de rua como sujeitode direitos, em processo his-
tórico, que necessita de uma ação pautada no estabelecimento de víncu-
los, configurando o acolhimento. No Centro Pop 1, os usuários podem 
permanecer no espaço durante todo o horário de funcionamento e par-
ticipar de atividades grupais, oficinas socioeducativas, de terapia ocu-
pacional, de cultura, assembleias, oficina de vídeo, debate, entre outros.
Trabalho este que desenvolve de forma interdisciplinar, onde, to-
dos fazem a acolhida, o atendimento e o acompanhamento dos usuários. 
Pois,
A interdisciplinaridade representa uma tentativa de interpretação 
global da existência humana; apresenta-se como remédio para a 
fragmentação das disciplinas deixadas pelas especialidades, porém 
com uma atitude que impede o estabelecimento da supremacia de 
certa ciência em detrimento de outras. No dia a dia ela se manifes-
ta na integração e reciprocidade dos conhecimentos das diversas 
áreas e no esforço em reconstruir a unidade do paciente que nos 
apresenta fragilizado no seu corpo, nas suas relações pessoais e 
sociais, na sua emoção [...] ( FOSP, 1997, p. 23)
Outros serviços oferecidos são as oficinas definidas conforme a 
necessidade do serviço, as quais, ocorrem nos turnos de atendimento 
159 
do Centro Pop 1. Neste sentido, busca-se a partir das demandas dos 
usuários, desenvolver atividades coletivas lúdicas e educativas que pro-
blematizem a sua condição de vida e que possam oferecer a essa popu-
lação subsídios que lhes permitam intervir em sua própria realidade. 
A finalidade é fortalecer a sua autonomia, sua inserção social e cultu-
ral na cidade, para que se reconheçam enquanto sujeitos de direitos 
além de possibilitar o acesso aos espaços culturais da cidade de modo 
a ressignificar esses espaços e as relações institucionais que nestes se 
desenvolvem.
A participação nas atividades desenvolvidas são formas de aco-
lher que contribuem para que os usuários se sintam membros de um 
coletivo e fortaleçam seus vínculos de pertencimento. Representam 
ainda importante recurso para trocas de experiências, discussão so-
bre as situações vivenciadas e apoio mútuo. Nessa direção as oficinas e 
atividades coletivas de convívio e socialização podem contribuir para 
a reflexão, a ampliação de conhecimentos, o desenvolvimento de ha-
bilidades e potencialidades que facilitem e consolidem o processo de 
inserção social dessa população.
A busca da visibilidade: um relato a partir de experiências
A ideia das atividades externas parte da construção coletiva dos 
saberes da Equipe de Trabalho, junto com os usuários que participam 
das atividades, que são desenvolvidas ao longo do ano, de acordo com 
o perfil do público atendido. O almoço no Piquete foi lançado pelo ofi-
cineiro de música e o Bloco Carnavalesco surgiu dos usuários a partir 
da apresentação do Bloco do Areal da Baronesa em uma das atividades 
da Semana da Consciência Negra. 
Neste sentido, aqui, busca-se trazer um breve relato das ativida-
des que foram desenvolvidas pelo Centro Pop 1 com vistas a se colo-
car em evidência a importância desse trabalho e o quão positivo essas 
iniciativas têm sido no seio dessa população e daqueles que, destas, 
participam.
160 
Atividade Cultural da Semana Farroupilha
Para a atividade na Semana Farroupilha, foi discutida na Reunião 
de Equipe a ideia de levar os usuários para almoçar num dos Piquetes 
visto que estes atores sociais são retirados do Parque Harmonia, local 
que utilizam como moradia ao longo do ano, para a montagem dos 
galpões. Foi feito contato com alguns Centros de Tradições Gaúchas, 
na figura dos Patrões que são os Presidentes destas Sociedades, que 
buscam divulgar as tradições e o folclore da cultura gaúcha e ao defi-
nir-se o local, se estabeleceu uma data, comunicada aos usuários com 
antecedência, para melhor organização conforme interesse.
A atividade realizada contou com a participação de todos os fun-
cionários e usuários do Centro Pop 1 que, neste dia, desenvolveram 
suas atividades no turno da manhã. Foi feita uma organização com a 
Nutrição, pois todos os itens utilizados para o preparo e organização 
do almoço no Piquete foram os mesmos que seriam usados para a ela-
boração do almoço no próprio Centro Pop. Essa organização prévia se 
fez necessária para que os alimentos estivessem adequados ao cardápio 
campeiro, como por exemplo, a carne bovina para o preparo do arroz 
de carreteiro.
Uma parte da Equipe se deslocou para o Parque Harmonia com 
antecedência, levando o material para a organização das mesas como 
pratos e talheres. A funcionária da cozinha foi responsável pelo preparo 
da refeição, contando com o auxílio de colegas que se dispuseram a essa 
função. Pois, no momento da chegada dos usuários ao Piquete tudo 
deveria estar organizado e pronto para atendê-los.
O transporte até o Parque Harmonia se deu com o veículo pró-
prio do Centro Pop 1 e os usuários foram chegando em grupos, acom-
panhados de funcionários da Equipe. Houve uma recepção feita pelo 
pessoal do Piquete, inclusive o Patrão. Quando o grupo estava com-
pleto foi servido o almoço para todos os implicados na atividade, de 
uma forma integrada, onde usuários, membros da Equipe e membros 
do Piquete permaneceram em interação, sentados lado a lado, conver-
sando e relatando fatos de suas vidas. Nesse momento, alguns usuá-
rios verbalizaram experiências relacionadas à Cultura Tradicionalista 
https://pt.wikipedia.org/wiki/Tradi%C3%A7%C3%B5es
https://pt.wikipedia.org/wiki/Folclore
https://pt.wikipedia.org/wiki/Cultura
https://pt.wikipedia.org/wiki/Ga%C3%BAcha
161 
em suas vidas, pois são oriundos de cidades em que o tradicionalismo 
gaúcho é presente. Outros relataram suas experiências no trabalho em 
sítios e fazendas, locais muito ligados à vida campeira, principalmente 
em época de colheitas, como forma de conseguir renda. 
Após o almoço foi organizada uma roda de conversa onde o Pa-
trão explicou a Cultura Tradicionalista, expôs sobre a Guerra dos 
Farrapos e sobre a importância da Semana Farroupilha, onde, há uma 
congregação entre os piquetes de diversas regiões como forma de ce-
lebrar, cultuar e preservar estes costumes e tradições. Houve também 
abertura para que os presentes se colocassem e surgiram as mais diver-
sas formas de manifestação através de relatos, de danças, de músicas e 
da declamação de poesias.
Imagem 1 - Visita ao Piquete na Semana Farroupilha.
O objetivo dessa atividade foi reverter a lógica mencionada por 
Bourdieu quando esse destaca que “a reunião num mesmo lugar de 
uma população homogênea na despossessão tem também como efeito 
redobrar a despossessão, principalmente em matéria de cultura e de 
prática cultural” (1997, p.166).
162 
Destaca-se aqui, ainda, a possibilidade dada a estes usuários de 
se colocarem como protagonistas, valorizando suas vivências e abrindo 
espaço para que esses pudessem trocar experiências com outras pes-
soas que estão para além de suas relações de convívio mais imediatas, 
sentindo-se pertencentes àquele espaço e cultura. Desta forma, eviden-
cia-se o sujeito de direito, que neste momento encontra-se em situação 
de rua, o que não exclui seus saberes e potencialidades.
Atividade Cultural Carnaval de Rua
O Bloco Carnavalesco “Peregrinos do Samba” surgiu a partir de 
uma apresentação do Bloco Carnavalesco Areal da Baronesa, composto 
por pessoas que residem nas proximidades do Centro Pop 1, numa área 
denominada Quilombo do Areal da Baronesa. Durante os trabalhos da 
Semana da Consciência Negra de 2012, os usuários assistiram à apre-
sentação deste Bloco, podendo interagir com seus integrantes, dançan-
do, cantando e tocando na bateria.
E, a partir dessa experiência, sugeriram a criação de um Bloco 
Carnavalesco do Centro Pop 1. A proposta foi acolhida pelo Oficineiro 
de Música que levou para a Reunião de Equipe, sendo aceita pelo grupo 
de trabalho de modo que, passamos a planejar como seria executada a 
criação de um Bloco Carnavalesco formado por usuários e funcionários 
e o modo comose daria a divulgação desta intenção nas atividades co-
letivas realizadas no Centro Pop 1. 
Demonstrado interesse pelos usuários em dar seguimento ao 
Projeto, começamos a ensaiar músicas de Carnaval montando um re-
pertório. Durante as Oficinas de Música alguns usuários passaram a 
ter orientações de como tocar os instrumentos necessários para a bate-
ria, tanto dos Oficineiros, quanto de outros usuários que já tinham este 
conhecimento. Outros, que demonstravam aptidão ou interesse pelo 
canto, ensaiavam as letras das canções que buscávamos pela internet. 
Além disso, houve as Oficinas de confecção de adereços, fantasias e 
máscaras.
Organizou-se, assim, um Desfile pelas calçadas do bairro, saindo 
da frente do Centro Pop 1, na rua Álvaro Alberto da Motta e Silva, 
163 
passando pela Avenida Getúlio Vargas e retornando pela Avenida Éri-
co Veríssimo, contando com a atenção e participação de alguns tran-
seuntes e abrindo os festejos de Momo de 2013, já que aconteceu na 
sexta-feira à tarde, antecedendo o feriado de Carnaval.
Imagem 2 - Oficina de confecção de máscaras
Imagem 3 - Desfile pelas ruas próximas ao Centro Pop 1
164 
Para o ano de 2014, a organização foi diferente, pois com a re-
percussão da atividade do ano anterior, fomos chamados pelo Gabinete 
da Fundação de Assistência Social e Cidadania – FASC – que havia 
sido convidada para levar um Bloco Carnavalesco para se apresentar 
no Carnaval de Rua da Cidade Baixa. Sabendo de nosso Projeto, su-
geriram que o mesmo fosse ampliado, com a participação dos demais 
Serviços que atendem a população adulta em situação de rua e que 
demonstrassem interesse em compor esta parceria.
Foi feito contato com os Serviços da Rede Própria e o grupo de 
trabalho foi formado pelo Centro Pop 1, Centro Pop 2, Abrigo Marlene 
e Abrigo Bom Jesus. Participamos de diversas reuniões que buscaram 
planejar e organizar a apresentação do Bloco e, no decorrer destas reu-
niões, cada Serviço elencou sugestões de nomes para o Bloco. O nome 
escolhido através de votação com os usuários foi “Peregrinos do Samba”.
Posterior a isto foi criado um logotipo que representasse a popu-
lação adulta em situação de rua, que foi impresso em camisetas que ser-
viram como parte das fantasias para a apresentação. Além disso, foram 
utilizados guarda-chuvas, símbolo da FASC, como adereços, estilizados 
pelos usuários do Abrigo Bom Jesus e máscaras confeccionadas pelos 
usuários do Centro Pop 1 e do Abrigo Marlene. O Centro Pop 2, pro-
duziu o estandarte utilizado no desfile.
Também foram realizados vários encontros entre os Serviços, 
visando à vinculação, a interação e a integração dos usuários dos di-
ferentes Setores. Ensaiava-se o canto e o toque da bateria buscando 
uma harmonia entre esses elementos. Em alguns momentos, os ensaios 
eram reforçados pelo Bloco Carnavalesco do Areal da Baronesa que 
também compôs a apresentação.
No dia 15 de março, todos se reuniram no Centro Pop 1, onde fo-
ram distribuídos lanches, camisetas e adereços. Depois se deslocaram, 
alguns a pé e outros com os veículos dos Equipamentos para o Lar-
go Zumbi dos Palmares, onde, os “Peregrinos do Samba” fizeram sua 
passagem à frente da comunidade que ali se encontrava para assistir o 
Bloco passar.
165 
Imagem 4 - Apresentação do Bloco Peregrinos do Samba no Carnaval 
da Cidade Baixa
Durante todo o processo, mas especialmente no dia da apresen-
tação, os usuários demonstravam motivação e alegria por estarem in-
seridos neste processo cultural da cidade, onde estão acostumados a 
circular de forma “invisível” como guardadores de carros ou catadores 
de latinhas. Neste sentido, como enfatiza Azevedo, tem-se que
Nas sociedades desenvolvidas as alavancas mais eficientes de dis-
tinção são as posses de capital econômico e de capital cultural. 
Logo, os sujeitos ocuparão espaços mais próximos quanto mais 
similar for a quantidade e a espécie de capitais que detiverem, 
166 
em contrapartida, os agentes estarão mais distantes no campo 
social quanto mais díspar for o volume e tipo de capitais. Assim, 
pode-se dizer que a riqueza econômica (capital econômico) e a 
cultura acumulada (capital cultural) geram internalizações de 
disposições (habitus) que diferenciam os espaços a serem ocupa-
dos pelos homens (2003, sp.).
Mais uma vez foi possível perceber a importância de criarmos 
ações que possibilitem o protagonismo desta população. Pois, dando 
visibilidade a estes atores sociais proporcionamos um sentimento de 
pertencimento ao espaço e à cultura que perpassa aquele território, 
mas que usualmente segrega este segmento social.
Considerações Finais
A segregação espacial é o resultado da exclusão social gerada 
pelo capitalismo periférico, que em muitas situações é agravado pelas 
políticas públicas do Estado, através de um modelo de gestão urba-
na e programas insuficientes para atender as necessidades da maioria 
da população. Estes instrumentos promovem a segregação espacial e 
dificultam o acesso de alguns segmentos da população aos serviços e 
infraestrutura básicos, no caso das camadas sociais mais carentes.
A expressão segregação pode ser empregada, aqui, no sentido de 
que há uma separação forçada e institucionalizada de um determina-
do grupo por motivos étnicos, econômicos, culturais, espaciais etc. de 
modo que, dessa forma, a elite intelectualizada pensa a formatação do 
espaço urbano, produz suas residências, seus locais de lazer e trabalho, 
enfim toda a estrutura urbana, voltada principalmente para os seus in-
teresses próprios. Pois, é fato, como escreve Bourdieu (1990, p. 74) que,
As representações do mundo social assim constituídas, que clas-
sificam a realidade e atribuem valores, no caso, ao espaço, à ci-
dade, à rua, aos bairros, aos habitantes da urbe, não é neutra, 
nem reflexa ou puramente objetiva, mas implica atribuições de 
sentidos em consonância com relações sociais e de poder.
167 
Razão essa pela qual a existência histórica da população em situ-
ação de rua deve ser considerada na construção e nas discussões acerca 
da nossa sociedade, especificamente falando, na busca de uma socie-
dade justa e de direitos. Pois, essa parcela da população vem sofrendo 
diretamente as consequências de um mundo globalizado, regido pelos 
princípios do referencial neoliberal, sendo assim excludente em todos 
os sentidos – econômico, político, cultural e social – de modo que, a ex-
clusão social está dada e se faz presente, intrinsecamente, no modo de 
produção da vida social, nas relações de trabalho e entre pessoas, que 
cotidianamente vivemos . 
As reflexões de Bourdieu, neste sentido, contribuem para o en-
tendimento deste processo de segregação sócio-espacial, em especial, 
quando este destaca que:
A capacidade de dominar o espaço, sobretudo apropriando-se 
(material ou simbolicamente) de bens raros (públicos ou priva-
dos) que se encontram distribuídos, depende do capital que se 
possui. O capital permite manter à distância as pessoas e as coi-
sas indesejáveis ao mesmo tempo que aproximar-se de pessoas e 
coisas desejáveis [...] (1997, p. 163).
Portanto, é necessário que a sociedade perceba que a população 
em situação de rua é formada por sujeitos sociais, dignos de respeito e 
que utilizam os espaços da rua como estratégia de sobrevivência, exis-
tência e moradia. População esta, que reflete subjetivamente a lógi-
ca perversa do sistema capitalista que produz e reproduz mecanismos 
para manter a concentração de renda, miséria, violência e desigualda-
des, ou seja, a acumulação do capital.
168 
Referências
AZEVEDO, M. L. N. Espaço Social, Campo Social, Habitus e Concei-
to de Classe Social em Pierre Bourdie. In Revista Espaço Acadêmi-
co, Internet, 2003 – Disponível em // www.espacoacademico.com.br . 
Acesso em: 02/10/16
BOURDIEU, P. A Miséria do Mundo. Petrópolis: Vozes, 1997.
______. Coisas Ditas. São Paulo: Brasiliense, 1990.
FASC – Fundação de Assistência Social e Cidadania. Projeto Técnico 
Centro Pop. Porto Alegre, 2012.
FOSP – FundaçãoOncocentro de São Paulo. Serviço Social em On-
cologia. Comitê de Serviço Social em Oncologia. São Paulo, 1997.
http://www.espacoacademico.com.br
169 
UM OLHAR SOBRE O ACOLHIMENTO 
INSTITUCIONAL A POPULAÇÃO 
 EM SITUAÇÃO DE RUA EM 
PORTO ALEGRE
lirene FinKler
MAteuS FreitAS cundA
cleber cAndido de deuS
 
Introdução
O presente texto apresenta algumas reflexões sobre a questão do 
acolhimento institucional a partir da perspectiva do Núcleo de Acolhi-
mento da Proteção Social Especial/FASC. Esse núcleo é o responsável 
por gerenciar as solicitações de acolhimento institucional, recebendo 
e encaminhando estas demandas para as vagas da rede de acolhimento 
própria e conveniada, para todos os grupos etários. 
O texto está organizado inicialmente em uma breve contextuali-
zação quanto à forma como está organizado o Núcleo de Acolhimento 
no contexto da Proteção Social Especial - PSE. A seguir, são apresen-
tadas as modalidades de acolhimento institucional e serviços existen-
tes em Porto Alegre, na perspectiva da população adulta em situação 
de rua. Por fim, é apresentada uma leitura das solicitações de acolhi-
mento do ano de 2016, problematizando-se as duas principais funções 
do Núcleo de Acolhimento: reconhecer a demanda e gerenciar / arti-
cular / matriciar os casos. 
No final de 2015 a FASC reestruturou sua área técnica, reunindo 
sob uma mesma coordenação de Proteção Social Especial - PSE os servi-
ços de Média e Alta Complexidades. Mais do que uma reorganização de 
gestão, tal iniciativa teve como objetivo principal promover maior inte-
gração técnica do acolhimento institucional com o conjunto dos serviços 
de Proteção Básica e Especial de Média Complexidade, já reordenados 
170 
desde 2010 em Porto Alegre. Assim, todo o sistema da Política de Assis-
tência Social local, próprio e conveniado, é desafiado a se reorganizar de 
modo a incluir as especificidades do acolhimento institucional, com suas 
diversas modalidades e públicos atendidos, nos processos de trabalho e 
de gestão já constituídos na perspectiva do território. 
Tal reorganização sistêmica é atravessada por diversos fatores, um 
dos quais é o fato de que as unidades de acolhimento institucional não 
estão regionalizadas, acolhem demandas de toda a cidade, enquanto os 
demais serviços atuam a partir de um modo de gestão baseado no territó-
rio. Os espaços de gestão constituídos territorialmente, tais como comi-
tês gestores, reuniões de referência e contra-referência, reuniões de rede, 
micro-redes, fóruns regionais diversos, ainda não estão ajustados em seu 
formato para incorporar os tempos e ritmos dos serviços de acolhimento. 
Como forma de gestão da demanda, a PSE tem buscado organi-
zar seus processos de trabalho na perspectiva de um Núcleo Porta de 
Entrada, composto por três equipes com atribuições interligadas: 
1. Núcleo de Processos - responsável por acolher as demandas que che-
gam da rede interinstitucional através de ofícios e processos diver-
sos - MP, Juizados, Disque 100;
2. Central de Abordagem - responsável por receber, gerenciar e repas-
sar para o Serviço de Abordagem Social dos CREAS as solicitações 
de abordagem advindas da comunidade e da rede de proteção;
3. Núcleo de Acolhimento - responsável por mediar as demandas para 
acolhimento institucional para os Serviços de Acolhimento Institu-
cional próprios e conveniados.
Ainda que o Núcleo Porta de Entrada trabalhe com todos os gru-
pos etários, iremos focar no presente texto a gestão do Núcleo de Aco-
lhimento relacionada à população adulta em situação de rua. 
A reestruturação da PSE repercutiu na proposta então vigen-
te de Núcleo de Acolhimento. Instaurado com o Plano Municipal de 
Enfrentamento à Situação de Rua (PMPA, 2011), o Núcleo teria como 
171 
objetivo ser uma “central de recebimento, encaminhamento e monito-
ramento das demandas de acolhimento institucional da rede de Prote-
ção Especial de Alta Complexidade, de crianças, adolescentes, adultos 
e idosos”. O fomento à alimentação de fluxos contínuos de informação 
e interação entre os componentes da rede sócio-assistencial deve ser 
fortalecido pelo órgão gestor da Política de Assistência Social. 
Assim, compondo o modo de gestão da PSE, vislumbra-se que 
o Núcleo de Acolhimento agregue ao menos duas funções principais: 
reconhecimento das demandas de acolhimento institucional de toda a 
cidade, e gerenciamento / articulação / matriciamento dos proces-
sos de trabalho relacionados ao ingresso na Alta Complexidade. Pois, 
tais funções tornam-se indispensáveis para a ampliação das relações 
de parceria e a constituição de uma rede articulada nos territórios, que 
possa favorecer a continuidade do plano de acompanhamento entre os 
níveis de proteção e entre diferentes políticas públicas. 
Uma ideia de núcleo, de central, remete exatamente a uma ideia 
de regulação da demanda. No entanto, mais que isso, o Núcleo de Aco-
lhimento funciona como um meio por onde se reconhece a população 
em situação de rua na cidade. Por essa razão, sua função extrapola a 
distribuição da demanda e a articulação com a oferta dos serviços.
Uma análise do que chega na Porta de Entrada da Proteção Social 
Especial revela diversas dimensões das necessidades das pessoas da rua, 
bem como da relação da cidade com elas. Por um lado, o que chega via 
Central de Abordagem tem a necessidade constante de diálogo com uma 
cidade que, em grande parcela, compreende que a pessoa em situação de 
rua deve ser retirada de seu olhar. De outro lado, a demanda que advém 
dos equipamentos de saúde, como Hospitais, Centros de Atenção Psi-
cossocial - CAPS, Consultórios na Rua, revela uma população adoecida 
que não possui lugar nas redes de atendimento especializadas, tampouco 
ancora-se nas redes de apoio da rua. Para além, portanto, dos serviços 
destinados à população adulta dentro da Assistência Social, a demanda 
fala de uma cidade que tem dificuldades em acolher a loucura, os idosos, 
os portadores de necessidades especiais, as pessoas em situação de rua, 
as pessoas com o uso problemático de drogas, enfim, com a diferença em 
relação a um determinado modelo de vida esperada.
172 
Acolhimento institucional
Enquanto a rede de Alta Complexidade modificou-se e ampliou-
-se significativamente nos últimos 20 anos em relação ao público de 
crianças e adolescentes, já buscando atender as orientações advindas 
da implantação do SUAS, o reordenamento e ampliação da rede adulta 
tem se mostrado mais lento. O crescimento do número de vagas de 
acolhimento institucional para adultos não acompanhou o aumento na 
população em situação de rua, além disso, o perfil das demandas modi-
ficou-se: há mais famílias necessitando de acolhimento, há mais idosos 
(que não conseguem ingresso nas Instituições de Longa Permanên-
cia conveniadas com a FASC devido aos critérios rigorosos de ingres-
so), há mais pessoas com quadros bastante agravados de saúde física e 
mental necessitando acolhimento. 
A oferta de vagas nos serviços de Acolhimento Institucional, 
conforme a Tipificação Nacional dos Serviços Socioassistenciais (BRA-
SIL, 2009), e de acordo com o recorte geracional e de necessidades 
especiais, está distribuída nos seguintes serviços tipificados: Crianças 
(Casa Lar, Abrigo Institucional e Serviço de Acolhimento em Família 
Acolhedora); Adultos e Famílias (Abrigo Institucional, Casa de Passa-
gem e Serviço de Acolhimento em República); Mulheres em situação de 
violência (Abrigo Institucional); Jovens e Adultos com deficiência (Resi-
dência Inclusiva); Idoso (Casa Lar e Abrigo Institucional - Instituição 
de Longa Permanência para Idosos - ILPI). Além disso, a Tipificação 
prevê a possibilidade de Serviço de Acolhimento em Situações de Cala-
midades Públicas ou Emergências. 
Dentro de tal Tipificação, Porto Alegre possui uma organização 
de serviços composta por serviços próprios e conveniados. Para crian-
ças e adolescentes há um total de 832 vagas distribuídas em 21 Abrigos 
Residenciais e 46 Casas Lar para Criançase Adolescentes. Além disso 
existe convênio com 03 Abrigos Institucionais para Crianças e Ado-
lescentes com deficiência (neurolesionados). Para a população adulta 
em situação de rua a rede existente oferece 227 vagas, através de 03 
Abrigos Institucionais e 02 Repúblicas para Indivíduos Adultos; 02 
Abrigos Institucionais para Famílias (um deles exclusivo para mulhe-
173 
res e seus filhos); e, 02 Casas Lar para idosos com história de rua. Além 
disso, existe convênio com 04 Instituições de Longa Permanência para 
Idosos - ILPI. A cidade conta também com 03 Albergues, que oferecem 
355 vagas de acolhimento noturno, e o Serviço de Hospedagem, ambos 
não tipificados. Há, por outro lado, lacunas na previsão dos serviços 
socioassistenciais, como a Residência Inclusiva e a Casa de Passagem.
O Núcleo regula 227 vagas voltadas para pessoas adultas e famí-
lias em situação de rua, distribuídas nas seguintes modalidades, descri-
tas na Tabela 1:
Tabela 1 - Vagas de Acolhimento Institucional para Adultos e Famílias1.
Modalidade Serviço Gestão Vagas por 
Serviço
Abrigo 
Institucional 
para Indivíduos 
Abrigo Municipal Marlene Própria 60
Abrigo Municipal Bom Jesus Própria 60
Abrigo Lar Emanuel - 
Feminino
Conveniada 40
Abrigo 
Institucional 
para Famílias
Casa Lilás Conveniada 10 famílias 
(até 30 
pessoas)
Abrigo de Famílias Própria 4 famílias 
(até 20 
pessoas)
Casa Lar para 
Idosos
Casa Lar – Idoso (com 
história de rua)
Conveniada 24
Serviço de 
Acolhimento em 
República
República Junto Conveniada 24
Serviço de 
Hospedagem
Pousada Maranata Contrato 5 diárias
TOTAL 227
Fonte: Núcleo de Acolhimento - PSE/FASC.
Conforme orientações do “Texto de orientação para o reordena-
mento do serviço de acolhimento para a população adulta e famílias em 
1 Não estão incluídas neste artigo a) vagas de ILPI - Instituições de Longa Perma-
nência para Idosos, ainda que eventualmente sejam acolhidos idosos com histórico 
de rua; b) vagas em Albergue, pois o acesso é por demanda espontânea; c) vagas para 
crianças e adolescentes.
174 
situação de rua” (BRASIL, 2014), os equipamentos de Alta Complexidade 
devem acolher “pessoas adultas ou grupo familiar com ou sem crianças, 
que se encontram em situação de rua e desabrigo por abandono, migração 
e ausência de residência ou ainda pessoas em trânsito e sem condições de 
autossustento” . O acolhimento deve ser provisório (prevê-se um tempo 
médio de 6 meses), em equipamento com características residenciais, in-
serida na comunidade, que tenha um ambiente acolhedor e que respeite 
as condições de dignidade dos seus usuários. Ainda que nem todos os ser-
viços existentes contemplem tais características na totalidade, é nessa di-
reção que se pensa seu reordenamento e a implantação de novos serviços.
O fato dos abrigos Marlene e AMBJ disporem de beliches delimita 
condições para que os usuários possam ser acolhidos. Uma parcela das 
pessoas não pode ser acolhida em cama superior nos beliches, pelo agra-
vamento de saúde, pelo uso de medicações psicotrópicas e pela própria 
fragilização do corpo pelas vicissitudes da vivência na rua. Tal situação 
faz com que a condição de acessar uma cama superior ou inferior em um 
beliche tenha que ser levada em conta na definição de quem poderá ocu-
par determinada vaga. Da mesma forma, o acesso à República pressupõe 
alguma renda, pois a alimentação é cotizada entre os moradores, e o aco-
lhimento na modalidade Hospedagem também tem como critério uma 
maior independência e transitoriedade na necessidade de acolhimento. 
Assim, além dos projetos técnicos que diferenciam e especificam carac-
terísticas de cada um dos serviços, há as situações concretas vividas por 
cada serviço que precisam ser levadas em consideração. 
 
Reconhecimento da demanda
O processo de gerenciamento das vagas de acolhimento para 
adultos tem acontecido a partir de discussões semanais por equipe 
multidisciplinar, a partir de instrumentos como formulário e planilha 
de registro das solicitações. A equipe tem buscado constituir critérios 
para ingresso que envolvam discussão prévia dos casos, e que consi-
derem a relevância do acompanhamento técnico por serviços da assis-
tência social. Nesse cotidiano, percebe-se que a situação de rua por si 
só não se constitui como um critério para o acolhimento, pois são con-
175 
siderados outros fatores relacionados aos agravos de saúde, tratamen-
tos em dependência química, a condição de gestante, dentre outros, na 
priorização dos indivíduos para as vagas.
De janeiro a outubro de 2016 o Núcleo de Acolhimento recebeu 
508 solicitações para acolhimento de adultos, idosos e famílias. Desse 
total, 166 referem-se a solicitações para ILPI, e não serão detalhadas 
neste texto. Entretanto, deve-se registrar que 04 idosos desse grupo 
foram acolhidos em Abrigo Institucional para Indivíduos nesse perío-
do. Além disso, 06 solicitações demandaram Residencial Terapêutico, 
serviço da Política de Saúde Mental, e foram negadas, pela impossibili-
dade de acolhimento. As demais 336 solicitações referem-se a pessoas 
em situação de rua, e estão detalhadas na Tabela 2:
Tabela 2 - Solicitações de acolhimento 2016.
Modalidade 
de 
acolhimento
Modalidade de 
Vaga
Total de 
Solicitações
Acolhidas Canceladas Demanda 
Reprimida
Abrigo 
Institucional 
para 
Indivíduos*
Cama superior- 
masculina
141 60 60 21
Cama inferior - 
masculina
39 17 10 12
Cama superior - 
feminina
40 20 19 1
Cama inferior - 
feminina
12 3 8 1
Abrigo 
Institucional 
para 
Famílias
Casais e filhos 18 4 10 4
Homem e filhos 2 1 1 0
Mulher e filhos 39 16 23 0
Serviço de 
Acolhimento 
em 
República
Masculina 30 13 16 1
Feminina 4 3 1 0
Serviço de 
Hospedagem
Masculino 7 7 0 0
Feminino 4 3 1 0
TOTAL 336 147 149 40
Fonte: Núcleo de Acolhimento - PSE/FASC. Dados de Janeiro a Outubro 2016.
* Cama superior e inferior referem-se a beliches, tipo de cama disponível nos abrigos 
para indivíduos.
176 
A partir da Tabela 2 percebe-se que 43,7% (n=147) das solicita-
ções foram acolhidas em algum dos serviços da rede; 44,3% (n=149) 
foram canceladas, suspensas ou negadas, ou seja, após tempo de espera, 
quando a vaga foi disponibilizada, o serviço solicitante informou não 
ser mais necessário o acolhimento, por motivos que serão discutidos a 
seguir; e 12% (n=40) estão em lista de espera aguardando acolhimento, 
caracterizando demanda reprimida.
Em relação à origem das 336 demandas para acolhimento de pes-
soas em situação de rua, identifica-se que 56,5% (n=190) das solicita-
ções foram realizadas por serviços da Política de Assistência Social; 
40% (n=134) por serviços da Política de Saúde; e 3,5% (n=12) por ou-
tros Serviços do Sistema de Garantia de Direitos (Secretaria Municipal 
de Direitos Humanos, Conselho Tutelar e FASE). Percebe-se o grande 
volume de solicitações de acolhimento advindas da Política de Saúde 
(40% do total), sendo que 60% destas originam-se especificamente de 
Serviços de Saúde Mental. 
As demandas advindas dos serviços de saúde nos falam de uma 
população extremamente adoecida. A vivência na rua expõe a popula-
ção a diversas doenças, favorece sua cronificação, dificulta a continui-
dade dos tratamentos. Muitas altas hospitalares recomendam que os 
cuidados sejam continuados “em casa”, mas como fazer com quem não 
tem casa? Além disso, a população em situação de rua está submetida 
a um contexto de maior violência urbana, que deixa marcas concretas 
no corpo. 
As questões de saúde mental e o uso problemático de drogas se 
somam aos demais problemas de saúde. O fato é que o processo de 
Reforma Psiquiátrica trouxe para as ruas, e para a convivência com 
a sociedade, uma população que permanecia oculta. Uma vez que a 
implantação dos serviços substitutivos encontra-se muito aquém das 
necessidades da população, os reflexos disso impactam a Política de 
Assistência Social. Aos novos loucos foram impostas novas formas de 
institucionalização: nas internações sequenciais de 21 dias, nas comu-
nidades terapêuticas,no acolhimento institucional. E, neste sentido, 
constata-se que os “loucos de rua”, muitas vezes sem nome e sem pas-
sado conhecido, não se encaixam nos critérios de ingresso para o Ser-
177 
viço Residencial Terapêutico (vinculado à Política de Saúde), serviço 
substitutivo ao modelo manicomial e asilar. Dessa forma, percebe-se 
que um pouco da lógica manicomial foi deslocada para os abrigos da 
Política de Assistência. A centralização de situações de saúde mental 
graves e persistentes nos serviços de acolhimento modifica seu coti-
diano, desafia os profissionais que ali trabalham e inviabiliza a transi-
toriedade do acolhimento. Estas situações, em particular, mostram-se 
extremamente complexas, pois acaba por reproduzir-se nos espaços 
de acolhimento institucional “imagens” e um contexto semelhante ao 
manicomial, que tanto se busca superar. 
Neste sentido, tem-se que o Núcleo de Acolhimento tem busca-
do estimular a articulação prévia de serviços de saúde e assistência, e 
trabalhar para que o acolhimento seja apenas uma etapa de um plano 
de acompanhamento constituído não somente com o usuário, mas de 
forma conjunta por uma rede articulada de serviços vinculados aos 
territórios. Ainda não é assim, pois por vezes o pedido de acolhimento 
surge como uma solução emergencial, para casos não acompanhados, 
e sem uma verdadeira clareza do serviço solicitante quanto aos limites 
e potências da proteção social oferecida no acolhimento institucional. 
Devido à demora até o surgimento de vagas de acolhimento, mui-
tos dos indivíduos não serão acolhidos, pois até a disponibilização das 
vagas outras alternativas serão encontradas ou mesmo os indivíduos 
não estarão mais em acompanhamento pelas equipes demandantes, si-
tuações essas podem levar ao registro de cancelamento da solicitação 
como verificado em 44% das solicitações (n=149). Assim, a ideia de 
“demanda reprimida” não pode considerar somente os 12% (n=40) que 
aguardam vaga, mas também uma parcela dos cancelamentos. Uma vez 
que, por vezes, o “momento oportuno” se perdeu. 
Tendo em vista o fato de que há uma demanda por acolhimento 
muito maior do que as vagas que são disponibilizadas, é constantemen-
te necessário que as equipes que acompanham indivíduos ou famílias 
em situação de rua que aguardam vagas de acolhimento constituam 
planos alternativos de acompanhamento no contexto da rua. Pois, há 
diversas situações em que, como forma de proteção, recorre-se ao que 
podemos chamar de “circuito de espera”. Nesses casos os indivíduos ou 
178 
famílias que aguardam vaga de acolhimento acessam, durante o dia, os 
Centros Pop e, à noite, os albergues. Esse formato apresenta suas pró-
prias dificuldades, relacionadas tanto à descontinuidade no horário de 
abertura e fechamento dos serviços, quanto à condição de deslocamen-
to e alimentação dos usuários. Em algumas situações mais agravadas, 
especialmente, quando envolve famílias com crianças muito pequenas, 
migrantes e pessoas com transtornos mentais mais graves, o que faz 
com que as equipes organizem toda uma logística de deslocamentos, 
o que implica em disponibilização de educador e articulação com veí-
culos que prestam serviços às unidades. Nesses casos, a proteção em 
tempo integral, ordinariamente prevista para ocorrer no contexto do 
acolhimento institucional, acaba por ser “articulada” no contexto de 
serviços de média e alta complexidade. E, esse “circuito de espera” aca-
ba por ter que ser sustentado por semanas, e mostra-se muitas vezes 
iatrogênico, sobrecarregando as equipes e promovendo uma forma de 
proteção ambígua e contraditória. 
Gerenciamento / Articulação / Matriciamento
Como potencializar o intercâmbio entre as experiências vividas 
por diferentes equipes no trabalho com um mesmo usuário, em dife-
rentes momentos de sua vida e a partir de diferentes níveis de proteção 
social? É com essa questão de fundo que a PSE passou a discutir os 
formatos de gerenciamento / articulação / matriciamento. A 
implementação do SUAS apoia-se também em experiências já viven-
ciadas no contexto do SUS. Inspirados no modelo de apoio matricial 
(CAMPOS, 1999; CHIAVERINI, 2011) que tem sido o norteador de 
experiências de articulação e cuidado colaborativo em saúde mental de 
modo que, visualizou-se para o Núcleo de Acolhimento uma função se-
melhante, mas adaptada ao contexto da Política de Assistência Social. 
Distintos são os serviços e as equipes que solicitam vagas de 
acolhimento, assim como são diversificados os entendimentos e as 
concepções que levam à essas solicitações. O apoio matricial proposto 
neste contexto objetiva assegurar espaços de discussão de caso entre 
as equipes que solicitam vagas de acolhimento e as equipes que irão 
179 
acolher o caso. Pretende oferecer suporte técnico-pedagógico às equi-
pes de referência para, a partir da discussão conjunta do caso, construir 
alternativas de intervenção e de encaminhamentos que favoreçam o 
plano de acompanhamento durante o acolhimento institucional ou que 
potencializem as formas de proteção na impossibilidade do acolhimen-
to a curto prazo. 
“Apoio matricial e equipe de referência são, ao mesmo tempo, ar-
ranjos organizacionais e uma metodologia para a gestão do trabalho” 
(CAMPOS; DOMITTI, 2007, p. 400), que objetiva ampliar as possibi-
lidades de diálogo entre diferentes especialidades, profissões e até mes-
mo níveis de cuidado e/ou atenção. O lugar do Núcleo de Acolhimento 
é entre equipes, potencializando essa passagem e o reconhecimento das 
diferenças nos processos de trabalho, nas realidades dos serviços da 
rua e nos serviços de acolhimento institucional. Há um processo de 
mediação que é favorecido pela existência de uma equipe colocada em 
um lugar “neutro” ou “intermediário” que favorece o reconhecimento 
das diferenças entre o trabalho realizado pelas equipes. 
Esta metodologia de trabalho possibilita que profissionais das 
equipes de referência, tanto solicitante, quando do serviço de acolhimen-
to pretendido, e apoiadores matriciais (equipe do Núcleo de Acolhimen-
to) mantenham uma relação horizontal, e não apenas vertical como na 
tradição dos sistemas. Trata-se de uma tentativa de atenuar a rigidez 
dos sistemas quando planejados de maneira muito estrita segundo as 
diretrizes clássicas de hierarquização e regionalização. Entre outros ar-
ranjos, também o apoio matricial pode ser relevante para racionalizar 
o acesso e o uso de recursos especializados (acolhimento institucional) 
e ainda, alterar a ordenação sequencial do sistema (básica, média e alta 
complexidade), intervenções relacionadas à política de saúde ou outras 
articulações interinstitucionais que possam ser relevantes.
Pretende-se que a equipe do Núcleo de Acolhimento possa, a par-
tir da experiência de gerenciamento de casos de acolhimento institu-
cional, constituir saberes e práticas relevantes para agregar recursos 
e mesmo contribuir com intervenções que aumentem a capacidade de 
resolver problemas da equipe primariamente responsável pelo caso. 
Nesse processo, é importante identificar as necessidades, demandas, 
180 
vulnerabilidades e potencialidades mais relevantes de quem busca aju-
da, seja do caso, seja da equipe em si. Pois, “valorizar as potencialidades 
permite a ativação de recursos terapêuticos que deslocam respostas 
estereotipadas, favorecendo a emergência de novos territórios existen-
ciais e a reconfiguração daqueles já vigentes” (BRASIL, 2013, p. 56). 
O apoio matricial procura, assim, construir e ativar um espaço para 
comunicação ativa e para o compartilhamento de conhecimento entre 
profissionais. Salienta-se que a ação proposta é “inspirada” no modelo 
do apoio matricial, uma vez que enfatiza a troca de conhecimento e de 
orientações entre equipes e Núcleo. 
E, neste sentido, há de se considerar que múltiplas são as expres-
sões da questão social vivenciadas por essa população de modo que, 
espera-se, através do modelo proposto, constituir, cada vez mais, uma 
maior articulação entre os serviçosque atuam com a população em 
situação de rua. O Núcleo de Acolhimento propõe-se a ser parte dessa 
construção de modo que uma reflexão conjunta quanto ao lugar da 
Alta Complexidade no Sistema Único de Assistência Social, e os novos 
“lugares” que lhe são destinados no imaginário social mostra-se ne-
cessária e, precisa, também, dos olhares e atenções de todos os níveis 
de proteção social. Pois, somente isso, possibilitará uma maior apro-
priação coletiva da demanda existente, co-responsabilização essa, em 
relação ao acompanhamento no contexto da rua, algo que, acaba por 
desmistificar a ideia de que o acolhimento institucional é uma forma de 
“solução” para a situação de rua.
181 
Referências
 
BRASIL, Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome. 
Tipificação de Serviços Socioassistenciais. Brasília, DF, 2009. 
BRASIL, Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome. 
Texto de orientação para o reordenamento do serviço de acolhi-
mento para a população adulta e famílias em situação de rua. Bra-
sília, DF, 2014. 
BRASIL, Ministério da Saúde. Saúde Mental. Cadernos de Atenção 
Básica, Nº 34. Brasília: Ministério da Saúde, 2013.
CAMPOS, G. W. S. Equipes de referência e apoio especializado matri-
cial: uma proposta de reorganização do trabalho em saúde. Ciência e 
Saúde Coletiva, n. 4, pp. 393-404, 1999. 
CAMPOS, G. W. S.; DOMITTI, A. C. Apoio matricial e equipe de re-
ferência: uma metodologia para gestão do trabalho interdisciplinar em 
saúde. Cadernos de Saúde Pública, v. 23, n. 2, pp. 399-407, 2007.
CHIAVERINI, D. H. (Org.). Guia prático de matriciamento em saú-
de mental. Centro de Estudo e Pesquisa em Saúde Coletiva. Brasília, 
DF: Ministério da Saúde, 2011. 
PMPA. Plano Municipal de Enfrentamento à Situação de Rua. 
Porto Alegre, 2011.
183 
“A LUTA É CONSTANTE”: DO MOVIMENTO 
AQUARELA DA POPULAÇÃO DE RUA AO 
MOVIMENTO NACIONAL DA POPULAÇÃO 
DE RUA DO RIO GRANDE DO SUL
richArd de cAMPoS
edSon de cAMPoS 
cArloS henrique dA SilvA 
joSé luiz StrAubichen
 AlexAndre PortuGuez
 cícero Adão GoMeS 
veridiAnA FAriAS MAchAdo 
 MArGArete vieirA 
Nas intempéries do tempo, no sol e na chuva, acredita na luta, 
diz que a briga é sua!.
Kalunga Quilombola
Introdução
O trabalho aqui proposto visa divulgar, contar a história, dar im-
portância à trajetória de organização política do Movimento Nacional 
das Pessoas em Situação de Rua (PSR) no Rio Grande do Sul, (MNPR). 
Movimento esse que milita, luta e reivindica direitos humanos, melhor 
acesso às políticas públicas e o direito ao uso democrático dos territó-
rios nas cidades por onde se organiza. 
Pretende também se ocupar das relações políticas que o movi-
mento tem construído com pessoas apoiadoras, sindicatos, trabalha-
dores e outros, origem do nascimento dessa organização no RS. Vem 
dizer do caráter de luta que tem tomado, ao longo desses anos, das 
potencias, das conquistas, dos avanços e das dificuldades, assim como, 
da construção da sua identidade, da busca por autonomia desse público 
para falar com sua própria voz. 
184 
Para tanto, esse texto foi construído a partir de encontros sema-
nais entre alguns militantes do movimento e apoiadores que caminham 
juntos, já há alguns anos, ombro a ombro, nessa construção. 
Nesses encontros, um grupo de pessoas com trajetória ou em 
situação de rua teve participação ativa na escolha dos títulos, dos itens 
a serem tratados, do conteúdo e de sua revisão, a partir das suas vi-
vências e memórias da história do movimento de modo que, este texto 
segue alinhado com trabalho em conjunto, que a organização política 
das PSR, no espaço e tempo que configuram o movimento no RS, tem 
buscado se constituir. 
O Censo das Pessoas em Situação de Rua em Porto Alegre no 
ano de 2016 e a relação com o MNPR do RS
 
Através da parceria com a Fundação de Assistência Social e Ci-
dadania e a Universidade Federal do Rio Grande do Sul, hoje acontece 
uma nova pesquisa sobre a população em situação de rua na capital do 
RS. Militantes do MNPR, pessoas que estão ou já estiveram em situa-
ção de rua, participam como facilitadores do censo, da contagem desse 
público na cidade. Colaboram, dessa forma, com a facilitação do vín-
culo nas aproximações entre pesquisadores, trabalhadores, estudantes, 
professores e pessoas as quais se destinam a pesquisa, já que possuem 
a experiência sobre tal realidade, a partir das suas próprias vivências 
nos territórios. Os facilitadores recebem remuneração por isso, ação 
que torna possível uma fonte de renda e de valorização do saber desses 
indivíduos, estimulando o sentimento de pertencimento e de inclusão 
dos atores em questão. 
Essa participação, de tais militantes na pesquisa, é fruto também 
da ocupação feita pelo movimento de algumas instâncias institucionais, 
das reivindicações junto aos gestores no Comitê Municipal de Acom-
panhamento e de Monitoramento das Políticas para as PSR, conquista 
também feita pelos militantes e seus apoiadores, ao tensionarem para 
que o prefeito José Fortunati pedisse o aceite à Política Nacional para 
a População em Situação de Rua em 2014. Política essa que foi instituí-
da através da luta do MNPR em nível nacional e assinada através do 
185 
decreto 7053/2009, pelo então presidente Luiz Inácio Lula da Silva, 
possibilitando, assim, a formação dos CIAMPsRUA, os Comitês In-
tersetoriais de Acompanhamento e Monitoramento das Políticas para 
as PSR, tanto em nível Nacional, quanto nas instâncias estaduais e 
municipais. Hoje, existem dois comitês instituídos no RS, um em Porto 
Alegre e outro Estadual e foi o movimento que reivindicou e participou 
da formulação dos mesmos. 
Cabe ressaltar que esses comitês cumprem um papel de contro-
le social, já que legitimam a participação paritária de militantes do 
movimento, de representantes de entidades que o apoiam, escolhidos 
por eles, com a participação intersetorial de representantes de diver-
sas secretarias, municipal ou estadual, pela parte dos governos. Nessas 
instâncias, em reuniões mensais, são discutidas, encaminhadas e soli-
citadas providências aos gestores, relacionadas às pautas pertinentes 
aos interesses comuns das PSR que, geralmente chegam às reuniões 
semanais do movimento como forma de reivindicações, representan-
do, assim, parte desse público. Também chegam através de demandas 
trazidas nas reuniões de base nas cidades onde o movimento tem se 
organizado e, nesse caso, são levadas para o comitê estadual. 
As PSR, militantes do MNPR do RS, entendem e consideram 
que as pesquisas qualitativas e quantitativas, feitas para saber quem são 
e qual o número aproximado de pessoas que vivem em situação de rua 
nas cidades, podem ser relevantes para a construção de políticas públi-
cas mais eficazes ao acolhimento e acompanhamento desse público nos 
serviços. Também podem servir como um instrumento de diálogo com 
a população e com os governos, trazendo tão necessária visibilidade 
sobre os modos diferenciados de vida, os direitos, as singularidades, a 
importância da equidade e sobre a não criminalização dos indivíduos 
pela sua própria condição de extrema pobreza, que é preciso existir a 
fim de se aproximar dessa parcela da população. 
Neste sentido, quanto mais fidedignas à realidade dessas pessoas 
tais pesquisam forem, melhores indicadores e subsídios terão os repre-
sentantes do movimento social, para fazer suas reivindicações. Há que 
se chamar atenção, também, para a inexistência da contagem dessas 
pessoas pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, o IBGE, 
186 
em âmbito nacional, o que torna mais relevante ainda os censos regio-
nais. São esses os motivos pelos quais os militantes participantes dessa 
pesquisa resolveram compor a mesma. 
O ano de 2008 e o nascimento do Movimento Aquarela da 
População em Situação de Rua
O ano de 2008 foi um tempo de extrema austeridade para quem 
vivia a Situação de Rua em Porto Alegre. Chegavam relatos bastante 
graves de pessoas atendidas pelos trabalhadores da Casa de Convivên-cia, espaço da Fundação de Assistência Social e Cidadania. Traziam 
denúncias sobre violência, torturas e diversas violações de direitos hu-
manos, praticadas, principalmente, por agentes do próprio poder públi-
co, especialmente, agentes da segurança pública, contra as pessoas em 
situação de rua na cidade. 
Os serviços da assistência social para a população adulta ainda não 
se constituíam conforme preconiza o Sistema Único de Assistência So-
cial, o SUAS. Não existiam os Centros Pop, nem os Centros de Referência 
Especializados de Assistência Social, os CREAS e outros como existem 
hoje. Já havia os dois abrigos e os três albergues para acolhimento desse 
público. E, o serviço de Atendimento Social de Rua era feito pela mesma 
equipe que atendia a Casa de Convivência, pela manhã, e saia à tarde 
para fazer as aproximações e acompanhamentos nas ruas, as chamadas: 
“abordagens” sociais. Existia uma forte concepção higienista, tanto por 
parte do Município quanto por parte do Estado, de governos que tinham 
muita afinidade em “orquestrar” metodologias bastante agressivas no 
tratamento ao público atendido na Casa de Convivência, que tinha ende-
reço na Rua João Alfredo, no bairro Cidade Baixa. 
Nesse sentido, não forma poucas as vezes que os trabalhadores 
do local se deparavam com pessoas atendidas que haviam sido bastante 
machucadas, por terem sofrido agressões na noite anterior, por esses 
agentes da segurança pública. Outras violações e violências diversas 
chamavam atenção para a necessidade de se fazer algo que pudesse 
enfrentá-las. Elas, inclusive, eram postas em prática por secretarias do 
próprio município como a do meio ambiente, da guarda municipal, da 
187 
própria FASC, principalmente, através de cargos de confiança e do de-
partamento de limpeza urbana. Aqui estamos falando da cidade como 
se estabelece através das suas diversas dinâmicas e produção de exclu-
são, de violência e de desigualdades: 
Afora a ordem comercial que orienta a conquista do espaço a par-
tir da circulação, os elementos que compõem uma ordem subver-
siva com práticas não previstas pelo Estado expressam a tensão 
dos lugares na cidade. A multiplicidade de sujeitos e atividades 
que se cruzam apresenta práticas localizadas para além do impe-
rativo da circulação. Trata-se de atividades não contidas, não pla-
nejadas, como as dos camelôs que se espalham pela cidade; as dos 
vendedores de vales-transportes, a dos hippies com seus produtos 
artesanais; a dos artistas de rua; dos traficantes; das prostitutas, 
dos michês, dos guardadores de carros, dos “pedintes” em portas 
de restaurantes. Sujeitos e atividades que permanecem nos inters-
tícios, nas sombras, na penumbra entre os bicos de luz, tolerados 
sob a condição de ameaça constante da intervenção estatal e da 
violência legitimada (LEMÕES, 2013, p. 109). 
A época, por isso e por outras questões, também trazia uma con-
juntura difícil para aquela equipe da Casa de Convivência e Atendi-
mento Social de Rua. Muitos atravessamentos se intensificavam em 
consequência das mudanças na concepção de governo no município, em 
relação ao tratamento com as PSR e com a forma como se constituía o 
processo de trabalho da equipe. Isso teve consequências drásticas para 
o andamento do trabalho, para os funcionários e para o público aten-
dido. Os trabalhadores municipais haviam recomeçado a luta sindical 
em 2006 e retomado o Sindicato dos Municipários de Porto Alegre, o 
SIMPA, como instrumento de sua organização política. 
No serviço em questão, eram realizados grupos de acolhimento 
coletivos e assembleias, espaços onde a população atendida podia ser 
escutada em suas queixas, sugestões e questionamentos, assim como, 
a própria equipe podia falar das suas dificuldades, do que era possível 
mudar, dos seus limites, enquanto serviço de atendimento e de outros 
assuntos mais gerais. Na verdade, era de política mesmo que aqueles 
espaços tratavam. 
188 
A Casa de Convivência foi precursora do Centro Pop, serviço do 
Sistema Único de Assistência Social, que traz como um dos objetivos o 
estímulo à participação política das pessoas atendidas. A tipificação desse 
serviço caracteriza o Centro Pop como espaço de referência fundamen-
tal ao convívio salutar e grupal, imprescindível ao desenvolvimento de 
vínculos de solidariedade, respeito, afeto e autonomia. Nesse sentido, o 
Serviço Especializado para Pessoas em Situação de Rua, deve promover 
as condições necessárias para o alcance da autonomia e estimular a orga-
nização, a mobilização e a participação social (BRASIL, 2014).
Dito isto e diante de todas as violações de direitos humanos e 
violências diversas contra as pessoas atendidas na Casa de Convivên-
cia, surge em uma das assembleias semanais, entre as pessoas e a equi-
pe, a ideia de fortalecimento de um coletivo. Naquele momento, cria-se 
uma comissão de cinco pessoas, entre PSR e trabalhadores, que foram 
até o SIMPA, solicitar apoio para esse fortalecimento e o espaço do sin-
dicato para reuniões semanais do coletivo. Entendia-se a importância 
de uma distância maior da organização política do coletivo em relação 
ao próprio serviço. O apoio é dado pelo SIMPA e as reuniões semanais 
passam a acontecer naquele sindicato, que também se situa na Rua João 
Alfredo, portanto, essa região se refere a uma das regiões mais centrais 
de Porto Alegre, onde o coletivo formado começa a atuar. 
A Construção da identidade
A partir dessa etapa concluída, o grupo se depara com a neces-
sidade da construção de uma identidade, de um nome para o coletivo. 
Em uma das primeiras reuniões no sindicato uma das pautas é essa. No 
final do debate, as PSR que ali se encontravam, decidem que trariam 
para a próxima reunião, as ideias de nomes a darem para o que já havia 
ficado decidido que seria um movimento, uma organização política de 
caráter reivindicatório, apoiado por pessoas e entidades que quisessem 
somar na luta. Dessa forma, na reunião seguinte houve uma votação, 
seis nomes foram levados e um deles foi escolhido para identificar o 
coletivo. Um dos militantes da época, chamado Sérgio Carvalho Bor-
ges, levou o nome: Aquarela da População de Rua. Justificou a deno-
189 
minação pela diversidade que existe entre as pessoas em situação de 
rua e que isso além de, simbolicamente, ter relação com cores, no caso, 
por isso uma aquarela, ainda lembrava algo que pudesse trazer alegria 
quando falasse no movimento, diferente do olhar “sombrio” que a so-
ciedade costuma ter em relação a esse público. Foi essa justificativa que 
fez com que fosse escolhido o nome pelos demais na reunião. 
Dado o nome, decidiram construir símbolos: bandeiras e cores 
para a construção dessa identidade. A bandeira também foi feita, a di-
versas mãos, no espaço de oficina de arte na Casa de Convivência. Ela 
era parecida com a bandeira do Brasil, foi costurada por uma militante 
e desenhada por outro, várias mãos foram marcadas nela para sim-
bolizar o coletivo. O pano para fazer a bandeira foi comprado através 
da coletivização financeira pelo grupo e arrecadado em uma caixinha. 
Todas essas etapas foram extremamente significativas e constituíram 
algo novo como possibilidade de potência, de protagonismo, de perten-
cimento e de luta coletiva, que nascia naquele momento. Pois,
Somente quando os oprimidos descobrem, nitidamente, o opres-
sor, e se engajam na luta organizada por sua libertação, come-
çam a crer em si mesmos, superando, assim, sua “convivência” 
com o regime opressor. Se esta descoberta não pode ser feita 
em nível puramente intelectual, mas da ação, o que nos parece 
fundamental é que esta não se cinja a mero ativismo, mas este-
ja associada a sério empenho de reflexão, para que seja práxis 
(FREIRE, 2013, p. 72). 
Alguns trabalhadores da Casa de Convivência continuaram no 
apoio à organização política das pessoas atendidas, até a transformação 
daquele serviço em outro. Muitas pessoas saíram da equipe, outras en-
traram e o serviço mudou de local. Estagiários de serviçosocial, de psi-
cologia e de outros campos, assim como, oficineiros, monitores, técnicos e 
outros, inseridos na política de assistência social, também sempre foram 
bastante importantes nesse apoio. Por outro lado, ainda persiste muita 
resistência da maioria das equipes, em considerar a importância da orga-
nização política das pessoas atendidas no acolhimento institucional. Isso 
tem sido ponto constante de discussão nas reuniões do movimento, pois, 
190 
muitas vezes, a impressão que quem se organiza tem, é a de que muitos 
trabalhadores ainda veem o movimento como uma possível ameaça, já 
que dentre uma das funções do mesmo, está a de criticar os processos 
de trabalho quando não estão satisfatórios, a partir da opinião de quem 
acessa os mesmos. É, porque, é consciência crítica sobre o mundo que os 
cerca que tais militantes desenvolvem quando passam a pensar suas rea-
lidades. Isso pode trazer certa desacomodação, mas, esta deveria servir 
para reflexões sobre que tipo de serviço está se prestando ao público que 
se atende e qual o papel desse trabalhador. 
Agora, fato é que as intervenções feitas, não tem se resumido 
somente às críticas e, sim, tem sido transformadas em luta por melho-
rias pelo movimento. É importante dizer que quando se realizam as 
conquistas, geralmente, vão favorecer à população atendida e aos tra-
balhadores também, pois, elas são, na sua maioria, de interesse comum 
a todos. Isso se dá para além dos trabalhadores e dos serviços, porque é 
mais amplo, é de políticas públicas de direito a que se refere, é de direito 
à vida e ao bem estar das pessoas. E, dessa forma, envolvem outros ato-
res como governos e a própria sociedade, na visibilidade e na disputa 
que o movimento tem dado e tem feito pelo uso democrático dos ter-
ritórios, pela inclusão e qualificação nos/dos serviços, por direitos hu-
manos fundamentais e por outras tantas pautas relevantes nas cidades 
onde se organiza. Sobre isso, Paulo Freire em Pedagogia da Esperança 
disse: “precisamos da esperança crítica, como o peixe necessita da água 
despoluída” (FREIRE, 2011, p. 15). 
Um pouco das relações políticas com outros movimentos, 
organizações, as descobertas nacionais e o nascimento do 
Movimento Nacional da População de Rua no RS
O Movimento Aquarela da População de Rua - MAPR foi lan-
çado no largo Zumbi dos Palmares, em um ato público, no dia 15 de 
agosto de 2008. Sua bandeira já estava pronta, foi hasteada, foram fei-
tos cartazes e diálogo com a população que passava através do carro 
de som do SIMPA. Houve um momento cultural ensaiado na oficina de 
música da Casa de Convivência e apresentado lá. 
191 
Após essa etapa, o coletivo começa a pensar sua relação com outros 
movimentos sociais. Na época, estava para ser votado na câmara de verea-
dores um projeto de lei de autoria do vereador Sebastião Melo, do PMDB, 
que proibiria os veículos de tração animal de circularem pelas ruas da 
cidade e estavam aventando a possibilidade de estender a proibição aos 
chamados carrinheiros, pessoas que utilizam carrinhos para coletar mate-
riais recicláveis para a venda. Muitas pessoas em situação de rua exercem 
essa atividade como forma de prover seus sustentos. Dessa forma, os mi-
litantes resolveram chamar representantes do Movimento Nacional dos 
Catadores de Materiais Recicláveis, o MNCR, para discutir melhor esse 
assunto e ver o que seria possível fazer juntos, a fim de resistir. 
Houve um seminário entre os militantes dos dois movimentos 
onde foi discutido sobre isso, também foi falado dos megaeventos: a 
Copa do Mundo de 2014 e as Olimpíadas, que o Brasil seria país sede 
e as possíveis consequências dos mesmos para as pessoas em situação 
de rua. Nessa interlocução, com o MNCR, descobriu-se que existia um 
Movimento Nacional das Pessoas em Situação de Rua, que já estava or-
ganizado em alguns estados do Brasil. Havia começado a se constituir 
na região sudeste, em função do que ficou famoso e conhecido como 
Massacre da Sé, em 2004, na cidade de São Paulo1. Esse crime até hoje 
se encontra impune. Os representantes dos catadores passaram os con-
tatos de pessoas envolvidas com esse movimento nacional e começou 
a articulação do Movimento Aquarela com pessoas em situação de rua 
e apoiadores de Belo Horizonte, Curitiba e depois com outros estados.
Alguns encontros de representantes do movimento Aquarela 
começaram a acontecer entre os estados e um primeiro seminário da 
região sul foi organizado pelos militantes e apoiadores em Curitiba. 
Houve certo estranhamento em relação ao nome Movimento Aquarela 
da População de Rua com essa descoberta, mas, isso não chegou a ser 
problema. Na verdade, as dificuldades começaram a aparecer quando 
os militantes do Rio Grande do Sul descobrem que o movimento na-
cional tinha na sua metodologia representativa a figura de um coor-
denador nacional. Aqui, o movimento não funcionava assim, pois, as 
1 O episódio se deu quando um grupo de quinze pessoas em situação de rua, que 
naquela praça dormia, foi brutalmente atacado por policiais que formavam uma milícia 
e sete dessas pessoas haviam morrido, pelo simples fato de estarem dormindo na rua.
192 
tarefas eram distribuídas, eram feitas de forma mais coletiva, a fim de 
que todos e todas pudessem exercer suas potencialidades. Acontece 
que, em todos os encontros e tarefas nacionais, era sempre exigido que 
cada estado indicasse o coordenador para ir. Dessa forma, o movimento 
Aquarela da População de Rua vota e indica o militante Sérgio Carva-
lho Borges para essas tarefas. O mesmo foi representante de 2008 até 
2010 e a experiência, as consequências oriundas de dificuldades que 
esse modelo trouxe e outras fragilidades fazem com que o movimento 
se desarticule totalmente, deixando de atuar por dois anos. 
A retomada
Durante esse tempo que o movimento se desarticulou, pode-se 
perceber a importância que os dois anos de luta e início da organiza-
ção tiveram, pelo fato da cobrança que muitas das próprias pessoas em 
situação de rua faziam para que o movimento fosse retomado. Final-
mente pelo esforço de um militante e duas apoiadoras, em agosto de 
2013, o movimento retoma suas atividades de novo no SIMPA. Começa 
com um seminário onde muitas pessoas em situação de rua se fazem 
presentes e alguns trabalhadores dos serviços. Da parte do movimento 
nacional da população de rua, havia uma insistência para que fosse re-
tomada a organização do movimento no RS, pois, tinham conseguido 
conquistar um projeto de Centro de Defesa de Direitos Humanos da 
População de Rua e dos Catadores e que Porto Alegre estava como uma 
das capitais a implantar o centro. Um dos critérios para tal é que tives-
se o movimento organizado e que pessoas militantes ou que apoiassem 
levassem adiante o projeto em conjunto. 
Nessa retomada, se decide que o nome do Movimento seria então 
Movimento Nacional da População em Situação de Rua do Rio Gran-
de do Sul, pois, se incorporaria ao movimento nacional já existente. 
Também é abolida pelo coletivo a figura de um coordenador e volta-se 
a atuar com distribuição de tarefas e decisões coletivas, o que retoma 
um caráter mais horizontal nas relações. Essa decisão é comunicada 
ao movimento nacional através de um documento feito e assinado pelo 
coletivo. 
193 
O Centro Nacional de Defesa da População de Rua e dos Cata-
dores, o CNDH, foi, então, implantado ainda em 2013. Tinha uma es-
trutura pequena, funcionava junto com os catadores, fazia parte do seu 
quadro de trabalhadores um militante da própria população de rua e do 
movimento como agente de direitos humanos. Recebia salário, carteira 
assinada e não somente era um contrato como muito acontece a esse 
público quando lhe é oferecido trabalho por algum órgão da prefeitura. 
O centro exerceu suas funções por um ano e meio, mas, teve grande 
importância no levantamento, nos registros e encaminhamentos de 
violências, violações de direitos humanos contra esse público. Aproxi-
mou órgãos como Ministério Público, DefensoriaPública, setores de 
direitos humanos como comissões da Câmara de Vereadores e outros, 
às pautas referentes à População em Situação de Rua em Porto Alegre 
e em algumas cidades do interior do RS. 
Foi fruto da articulação do CNDH do RS com esses órgãos, o 
grupo Patrulha de Direitos Humanos que conseguiu formar um 
“guarda chuva” de proteção aos grupos em situação de rua, nos terri-
tórios, na época da copa do mundo na cidade de Porto Alegre. Veículos 
das Defensorias Públicas, junto com a promotoria de direitos humanos 
do MP, visitaram os grupos nas ruas mais centrais, junto com mili-
tantes do MNPR, entregando telefones da Patrulha às pessoas para as 
situações de violações que se deparassem. 
Poderiam ligar 24 horas e a cobrar para qualquer um daqueles 
números. O CNDH tinha ligação direta com o DISQUE 100, no ramal 
para acolher denúncias sobre a população em situação de rua. Mui-
tas notícias dos embates dessas ações saíram na mídia, o que também 
proporcionou visibilidade ao movimento que se fez em diálogo com a 
população. 
Para além dessa rede institucional, a parceria com outros movi-
mentos de luta sempre foi fundamental. Por exemplo, com militantes 
do Utopia e Luta que moram no prédio localizado na Av. Borges de 
Medeiros, chamado Assentamento Urbano, fruto da luta autônoma por 
moradia, teve também papel fundamental como local de apoio para co-
municação de violências para a rede de proteção formada. 
194 
Conquistas históricas: frutos da luta!!!
 
Todo o acúmulo dessa época para o movimento serviu para con-
quistas muito importantes. Em 2014 o governo Fortunati/Sebastião 
Melo informou que fecharia o projeto da Escola Porto Alegre, a EPA, 
que atende as Pessoas em Situação de Rua há vinte anos na cidade. 
Tem um método voltado para a dinâmica dessas pessoas, trabalha com 
práticas que consideram a linha ética da Redução de Danos, tem tra-
balhos com arte e geração de renda e outras metodologias de inclusão 
importantes para esse público. 
O MNPR do RS, junto com os estudantes da escola, professores 
e apoiadores, então, começaram a fazer uma grande luta política de rua 
na cidade, com atos públicos em frente à Secretaria de Educação e Pre-
feitura, na feira do livro e outros tantos lugares e, também, chama au-
diências públicas conseguindo com isso que a Defensoria Pública ajui-
zasse uma ação contra o município. Isso resulta, então, em pareceres 
favoráveis da justiça à permanência da escola, que além de estar aberta, 
ganha um grande reconhecimento junto à comunidade. Paralelamente 
a isso, havia também uma luta pela reabertura do restaurante popular 
que estava fechado há mais de três anos no município. 
Em 2016, o Restaurante Popular foi reaberto pela pressão que o 
MNPR do RS fez aos dois governos: estado e município. Os gritos de 
ordem na junção dessas duas pautas pelas ruas eram: ô, ô, ô, ô, morador 
de rua também quer virar doutor! Queremos a abertura do Restaurante 
popular! 
O MNPR do RS também conquistou uma campanha feita com 
verba da saúde para divulgar a portaria 940/2011, que fala da inclusão 
das pessoas em situação de rua nos serviços de saúde sem a exigência 
de ter que apresentar comprovante de endereço e documentos para a 
confecção do cartão nacional do Sistema Único de Saúde. Militantes do 
movimento apareceram por alguns meses em fotos nos ônibus da cida-
de onde dizia: Sou Morador de Rua e tenho direito à saúde. Também 
foram distribuídas placas com a portaria em cada unidade de saúde, a 
fim de que os trabalhadores a conheçam, assim como, apresentado um 
teatro com a participação de militantes do movimento para falar da 
195 
questão em locais de atendimento de saúde. A negativa ao acesso da 
saúde para esse público ainda é uma constante e por isso a importância 
dessa campanha. 
A constituição dos comitês, através da pressão do movimento 
para que os governos se comprometam com a Política Nacional para 
as Pessoas em Situação de Rua também são conquistas do movimento 
no estado. O reconhecimento que hoje a população tem por essa orga-
nização, a interlocução com as universidades, com outros movimentos 
de luta, com grupos culturais que apoiam os atos e atividades do movi-
mento como o grupo Kalunga Quilombola, que inclusive fez a música 
chamada: Peregrinos, falando das PSR, o grupo Front LR e outros são 
grandes conquistas dessa caminhada de modo que, hoje, o MNPR do 
RS já tem bases constituídas em Gravataí e em Canoas, assim como, 
se encontra atualmente em fase de constituir um fundo solidário que 
dará autonomia financeira para o fortalecimento das bases no interior. 
Também sediará o IV Congresso Nacional do MNPR no estado do RS 
no ano de 2018, recebendo todas as delegações dos 13 estados onde o 
movimento se organiza. Em nível nacional também são muitas as con-
quistas que a luta das pessoas em situação de rua vem realizando em 
vários âmbitos: institucionais ou não. 
Considerações finais
É notória e reconhecida a importância que a organização das pes-
soas em situação de rua hoje tem através do movimento para a garantia 
de alguns direitos e a luta constante por outros. Muito embora, tanto 
ainda se tenha a avançar para uma sociedade que se estabeleça de uma 
forma menos desigual, essa busca deve ser constante. Necessário se faz 
entender as pessoas que fazem uso das ruas como moradia, que cons-
troem outras possibilidades de laços e redes, para além da forma como 
a sociedade enxerga que deva ser o mundo. 
Sabe-se que faltam muitas políticas e distribuição mais igualitá-
ria de recursos no Brasil e no mundo, mas, também deve-se considerar 
que ainda que todas as mazelas do nosso mundo fossem resolvidas, 
teriam mesmo assim, pessoas que não se identificam com estar em uma 
196 
casa, com a família de origem, mas que constroem, no lugar disso, ou-
tras possibilidades de afetos, de trocas, de gestar a vida e as cidades 
devem avançar na inclusão e no acolhimento dessas pessoas em seus 
territórios. 
Tais gentes são gentes e trazem consigo desejos, laços de afetos, 
potencialidades. A rua não é um lugar fora do nosso mundo, nela exis-
te violência, cooperação, competição, animosidades, amizades, amores, 
partilhas e tudo que há na vida de quem mora em casas e “a-par-ta-
-mentos”. 
O território é vida, têm dinâmicas, estabelece regras, códigos e 
vivências que precisam ser traduzidas para que haja inclusão, para que 
as políticas cheguem de forma mais humana e qualificada, para des-
construir preconceitos, para que não haja mais tanta violência e cri-
minalização dessas pessoas pela sua própria condição, condição essa 
produzida pela forma como constituímos nossa sociedade. 
197 
Referências
LEMOES, T. A família, a rua e os afetos: uma etnografia da cons-
trução de vínculos entre homens e mulheres em situação de rua. 
São Paulo: Edições Acadêmicas, 2013. 
FREIRE, P. Pedagogia da Esperança. Um reencontro com a peda-
gogia do oprimido. São Paulo: Paz e Terra, 2011. 
______. Pedagogia do Oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2013. 
BRASIL. Tipificação Nacional dos Serviços Socioassistenciais, 
2014. Disponível em: http://www.mds.gov.br/webarquivos/publica-
cao/assistencia_social/Normativas/tipificacao.pdf 
199 
“A GENTE MUDOU A HISTÓRIA”: EXPERIÊNCIAS 
E OLHARES DO JORNAL BOCA DE RUA
Por SeuS inteGrAnteS e colAborAdoreS
Neste texto, destacamos experiências diversas e situadas, que fazem 
parte da produção do jornal Boca de Rua, feito, desde os anos 2000, com 
e por pessoas em situação de rua na cidade de Porto Alegre. A partir de 
vivências variadas, apresentamos percepções sobre os históricos e os en-
volvimentos com a temática da “situação de rua” e no Jornal Boca de Rua. 
O jornal, apoiado e vinculado à Agência Livre para Informação, 
Cidadania e Educação (a ONG ALICE), é produzido, semanalmente, e 
vendido pelos próprios integrantes, seus jornalistas e jornaleiros. Este 
periódico trimestral conta com a colaboração de apoiadores, como jor-
nalistas da ALICE, estudantes universitários, pesquisadorese fotógra-
fos. O ganho obtido sempre é revertido aos integrantes do jornal, que 
contam com este apoio econômico em sua renda semanal.
Elaboramos um texto com uma proposta diferenciada, mesclan-
do estilos e temáticas. Num primeiro instante, uma apresentação tex-
tual e breve do jornal é exposta. Em seguida, registramos uma entre-
vista realizada com integrantes do Boca de Rua. Por fim, passeamos e 
cartografamos duas histórias que marcaram os 16 anos deste projeto.
Apresentação 
[Por Rosina Duarte, jornalista e coordenadora do projeto]
O projeto Boca de Rua gera uma publicação que prioriza a voz 
das pessoas em situação de rua e risco social que vivem na cidade de 
Porto Alegre. O “Boca” existe desde agosto de 2000, e é composto 
por um jornal trimestral, o Boca de Rua, incluindo o suplemento in-
fanto-juvenil, o Boquinha. Adultos e crianças produzem textos, fotos, 
ilustrações, mas apenas os mais velhos – adultos – vendem o jornal, 
tendo a renda revertida integralmente para si. Além disso, participam 
200 
de oficinas de vídeo, expressão e escrita livre, tendo realizado, ao longo 
de sua história, dois documentários - Carta de Porto Alegre e Ali na Capa 
tá eu -, além do livro Histórias de mim. Sob a orientação de um fotógrafo 
profissional e de outros apoiadores, os integrantes produzem, ainda, as 
imagens que ilustraram o jornal, que compuseram também duas expo-
sições: Faces da rua e As duas faces da rua.
Todas as regras vigentes e a forma de trabalhar foram montadas 
de maneira participativa pelos membros do grupo, sejam eles técnicos 
ou comunicadores populares. O respeito – nas suas diferentes formas – 
é o primeiro mandamento desta lei vigente no Boca de Rua. 
A relação proposta é a de trabalho focado na prática da comuni-
cação ética e humanista. Ou seja: o Boca não pratica o assistencialismo, 
não recebe e nem faz doações. Tampouco se tem a pretensão de res-
gatar os participantes da rua ou da droga, embora isso, logicamente, 
seja desejado e trabalhado pela equipe na produção do conteúdo jor-
nalístico. Os técnicos não fazem papel de médicos, assistentes sociais, 
enfermeiros, guarda-parques ou policiais. Para atender as demandas 
surgidas, o grupo atua em rede com os organismos públicos encarre-
gados de atender o cidadão e a cidadã nas diversas áreas e também com 
entidades, ONG’s e instituições parceiras. 
Dentro deste caráter emancipatório, incentiva-se a participação 
grupal, não competitiva e o debate da realidade. Desta forma, preten-
de-se que os integrantes tomem consciência da reivindicação de seus 
direitos, comecem a expressar-se por meio da escrita, voltem a estu-
dar, tratem da saúde, estabeleçam outra relação com a cidade, lutem 
por moradia e mudem a sua autoimagem. De “vagabundos, drogados, 
ex-presidiários, aidéticos” – como frequentemente se definiam – passa-
ram a trabalhadores e cidadãos participantes de um grupo organizado. 
O afeto e a honestidade são componentes importantes na cons-
trução do sentimento de coletividade. Olhar nos olhos e conseguir 
expressar uma contrariedade com clareza, respeito e calma são con-
siderados avanços tão importantes quanto o retorno ao colégio, ou a 
conquista de uma moradia. 
Mais do que falar apenas dos próprios problemas, das próprias 
chagas, o jornal se propõe a mostrar o cotidiano das ruas, sem o com-
201 
promisso de ser “porta-voz” exclusivamente de moradores de rua. A 
possibilidade de experimentação é estimulada e, para isso, são válidos 
exercícios literários (técnicas de construção de personagem, método 
de criação, colagem de textos), fotográficos, cênicos, de filmagem etc. 
Os participantes devem buscar força suficiente como grupo para 
garantir os atendimentos necessários e não se conformar com uma cer-
ta condição de vítima. Assim, são feitas não apenas denúncias, mas tam-
bém propostas coletivas, encaminhadas a quem tem poder decisório. O 
jornal não se limita, portanto, a noticiar ressentimentos, mas propõe e 
força mudanças sociais. O fato de terem a oportunidade de se expressar 
sem intermediários externos os torna parte integrante de uma socie-
dade que os excluiu, colocando-os como sujeitos da sua história. 
O jornal Boca de Rua é membro da Rede Internacional de Publi-
cações de Rua (International Network of Street Papers – INSP), entidade 
com sede na Escócia, que reúne jornais e revistas vendidos por popula-
ções em situação de risco de 28 países. Ele é o único desta rede que tem 
conteúdo produzido integralmente pelos próprios vendedores.
Entrevista com integrantes do jornal: históricos, 
envolvimentos e mudanças
A seguir, expomos uma entrevista coletiva feita com os integrantes 
do jornal, em novembro de 2016. A contribuição precisa e inspiradora de 
todos foi fundamental, especialmente daqueles que participaram falando 
de suas vivências. São eles: Alexandre, Carlos, Demétrio, Édisson, Jorge, 
José Luiz, Michel, Michelle, Paulo e Paulinho (cartunista). Essa entrevis-
ta foi realizada pelos apoiadores Bruno Fernandes e Caroline Sarmento, 
em uma reunião na Escola Municipal Porto Alegre (EPA). 
Ressaltamos, assim, o caráter polifônico desta produção discursi-
va e interativa, que considera os estilos e singularidades de cada envol-
vido. Com suas experiências e inquietações, mostraram como é possí-
vel escrever, ou ainda mais, falar criticamente de mudanças na história. 
Algumas percepções sobre a pesquisa quali-quantitativa da população 
em situação de rua, realizada em Porto Alegre no ano de 2016, também 
foram expostas, já que alguns integrantes participaram como facilita-
202 
dores na elaboração e coleta de dados do censo. No mais, envolvimen-
tos, interesses e identificações foram abordados nas diferentes falas e 
formas de vivenciar a participação neste projeto.
Bruno: Bom gente, neste primeiro instante, seria interessante vocês comentarem 
um pouco da história do Boca de Rua e da importância do jornal pra cada um.
Carlos: Uma coisa importante nesta história do jornal Boca de Rua é 
que eu sou ex-presidiário e aquela coisa toda que eu fazia – que eu rou-
bava, eu fazia maldade pras outras pessoas – eu acabei deixando isso, 
pra vender meu jornal. Não é uma coisa que me dá um sustento de um 
salário nem nada, mas me ajuda, também, nas minhas caminhadas, pra 
me alimentar, pra me vestir e eu não precisar roubar. Acho que isso é 
uma coisa importante que aconteceu pra mim. Sobre o Boca, eu acho 
que conheço o Boca desde 2003, mais ou menos, e muita coisa mudou 
de lá pra cá. Não somente o jornal: a cor e o valor dele. Mas é que nem 
fala aqui na nossa edição de 15 anos: “A gente mudou a história”. Até 
então, algumas coisas que a gente não tinha antes, a gente adquiriu 
através de denúncias no jornal, através de reuniões com pessoas im-
portantes. Fomos adquirindo uma mudança, alguma diferença nesta 
nossa sociedade. A sociedade que também nos discriminava e achava 
que todo morador de rua é vagabundo, cachaceiro e drogado, viu que 
não. Eles viram que a gente também é trabalhador. O jornal também 
não é muita coisa, mas é um trabalho pra nós. Não é uma coisa que a 
gente chega aqui e brinca de fazer jornal. Não. É um negócio muito 
sério, com horário, com regras, com deveres e direitos.
Alexandre (Português): Eu adoro muito o jornal e vendo jornal mais 
que todos aqui (risos).
Paulo: Desafio este vendedor a nós irmos, a qualquer momento, pro 
semáforo pra gente ver quem vende mais... (risos). O jornal é impor-
tante pra mim, também, porque eu, com certeza, faturo 60 reais toda 
a semana.
203 
Bruno: Que tipo de mudança o jornal provoca na vida de cada um?
Paulo: O jornal Boca de Rua, pra mim, volta a mesma coisa que te falei 
antes, ele me dá 240 reais no mês, que ajuda no café, ajuda no Bandejão 
(Restaurante Popular), ajuda na gasolina [...] O Boca de Rua é simples-
mente uma fonte de renda, simples e completa ao que falta.
José Luiz: O Boca de Rua pra mim representa um novo começo de 
vida, porque eu saí de dentro de casa, de uma família na periferia evim pra rua. Até então, cheguei e iniciei um trabalho de reciclagem, 
isto é, “enfiando a cara na lixeira” – que nem eu sempre digo –, e hoje 
estou aqui, participando da reunião, uma das últimas do ano. Já fazem 
6 anos que estou no Boca de Rua. O que melhorou pra mim foi que, há 
um tempo, neste horário estava saindo pra reciclar, com carrinho de 
papelão. E hoje estou aqui, numa reunião, não esquecendo de dizer que, 
eu saía pra reciclar com um carrinho de papelão e mais uma garrafa de 
cachaça dentro do carrinho. E hoje estou aqui, sóbrio, há dois dias sem 
beber nada, pra participar da reunião. Acho que isso aí é um meio de 
vida que me beneficiou bastante.
Bruno: Jorge, o que acha que o jornal mudou na tua vida? Há quanto tempo 
está no jornal? Como foi tua entrada e o que mudou?
Jorge: Eu, dos guris que estão aqui, sou o mais novo. E o Boca de Rua 
pra mim é tudo. É um projeto interessante, porque, em princípio, ajuda 
as pessoas como, no meu caso, que estou em situação de rua. É uma 
oportunidade para aquelas pessoas que querem mudar de vida. E hoje, 
o que estou crescendo, passo a passo, eu agradeço em primeiro lugar ao 
Boca de Rua e a minha família aqui, o pessoal do Boca de Rua. Eu digo: 
vou lutar até a morte com o Boca de Rua. 
Carlos: Eu tenho mais uma coisa pra falar. O que pra muitos é um tra-
balho, pra nós é a nossa vida. Boca de Rua é a nossa vida, nossa história, 
conta tudo de nós. O que pra muitos pode ser um trabalho, pra nós não 
é só trabalho, é a nossa vida esse jornal.
204 
Paulo: Jornal Boca de Rua é um exemplo para expor quem somos, de 
onde viemos e para onde queremos chegar. Este é o objetivo do jornal.
Michel: Eu vou dar a real aqui. O jornal Boca de Rua é uma vida, mas 
a folha é só uma folha, tá ligado? O jornal Boca de Rua é feito por ima-
gens, textos e fitas, daquilo que acontece no nosso dia a dia. Naquela 
folha ali que vai, naquelas letras, no nanquim [...] naquele nanquim, 
cada polígrafo que ele manda ali, é uma história nossa, tá ligado? E 
cada história é uma fita. 
Carol: A Michele queria dar o depoimento dela, sobre o Boca na vida dela. 
Michele: Então, eu estou com 33 anos. Meu nome é Michele Apareci-
da Marques dos Santos, estou no Boca desde os 19 anos. Isso quando 
ainda ele era recém-nascido, na época em que ele começou lá na volta 
do Araújo Vianna. O Boca de Rua, na verdade, me deu muito estudo e 
muita aprendizagem, porque eu conheci muitas pessoas. Com elas eu 
aprendi falando e ouvindo. E o Boca de Rua pra mim é importante por 
isto: pelo meu conhecimento. Não só das pessoas, mas de outros luga-
res que a gente foi, como pra conhecer escolas e estados. Eu, no caso, 
fui pra São Paulo, apresentei o Boca de Rua lá. Tive no Rio e falei, tam-
bém, do Boca. Essas viagens foram pelo GAPA, pelo Grupo de Apoio a 
Prevenção da AIDS, onde eu também fazia meus grupos de Rap. Então, 
nestes lugares, eu também levei jornal daqui pra lá, muitas pessoas 
leram e gostaram, já se interessaram pela reportagem do Boca, entra-
ram no nosso site e fizeram várias perguntas. Foi muito legal mesmo, a 
aprendizagem e o conhecimento que eu tive pelo Boca de Rua.
Demétrio: Pra mim o Boca de Rua não é só mais um jornal. É o jornal 
dos moradores em situação de rua e nós produzimos todo o jornal, 
montamos, editamos e fazemos a história. Já faz um ano que pertenço 
a tribo do Boca de Rua e eu me sinto muito honrado em participar, 
faço com muito carinho e com muito amor as matérias. Curto e vendo 
assim, explico pras pessoas, uma explicação de como funciona, como é 
que é, quem é que faz o Boca [...]. Tudo pras pessoas entenderem que 
205 
o morador de rua não é o “invisível”. Morador de rua é um ser huma-
no, tem que ser respeitado em todos os sentidos. Quanto mais coisas 
nós conseguirmos por intermédio do Boca, melhor. Nós temos muitos 
artistas na rua, que hoje estão divulgando no Boca, na parte cultural – 
hoje temos aqui o Michel, eu, Rosângela e outros que vão se agregando 
– pra mostrar nosso trabalho como artista popular. O Boca pra mim é 
um jornal sério. 
Michel: Uma vez estava eu e o Demétrio, lá em Navegantes, no Felipe 
Diehl. Estava eu e o Demétrio na fila, nem conhecia o Demétrio ainda. 
Aí, encontrei ele. Ele estava com uma mochila e ele me disse: “Michel, 
pegaram meus documentos da minha mochila, estava no bolso de trás 
ali”. Ele falou pra mim assim: “me roubaram tudo”. E ele também me 
disse assim: “Oh Michel, o bagulho é com nóis”. E eu respondi: “o ba-
gulho é Boca de Rua mano”. E ele perguntou: “o que é Boca de Rua?”. 
Eu falei: “Boca de Rua é um jornal que tá rolando aí, meu irmão”. Ele 
não conhecia, até então. Falei pro Demétrio e ele frustrado ali, logo 
conheceu o Boca. Ainda falei pra ele que ele podia ir numa parada no 
CRAS pra fazer os documentos de novo. 
Alexandre (Português): A coisa do documento é um problema. Mo-
rador de rua não consegue acessar o SINE, por exemplo, pra arrumar 
serviço. 
Bruno: Vocês falaram a palavra “invisível”. Qual o papel do jornal em relação 
a isso?
Paulinho: Eu acho que, realmente, o morador de rua é invisível quan-
do as pessoas querem. Porque elas olham pra pessoa, quando estão 
passando pelo cara, elas conseguem enxergar e atravessam a rua. Mas 
assim, o que significa o Boca de Rua, também, pra mim? É uma opor-
tunidade, pra mim, estar mostrando que morador de rua não é só vaga-
bundo, ladrão, mas que tem também muitas pessoas trabalhadoras na 
rua. Elas querem mudar de vida e tal. O Boca de Rua é uma oportuni-
dade pra isso, porque, na realidade, o Boca de Rua é um jornal indepen-
206 
dente, feito por moradores de rua, que batem fotos, fazem entrevistas 
e o jornal. É uma oportunidade pra divulgar meus desenhos também. 
Por exemplo, eu conheci uma apoiadora aqui no Boca, a Sofia, que me 
deu uma oportunidade, de dar oficina no Instituto de Psicologia e de 
conhecer os colegas e a mãe dela – que é professora de Artes. Isso foi 
uma oportunidade, mas que também depende de mim. Mas na rua é 
muito difícil, porque a pessoa não tem ajuda de custo e tal. Então fica 
difícil de ir, fazer as oficinas, sendo que é uma coisa muito importante 
pra mim. E o jornal é importante pra que eu conheça as pessoas e elas 
me conhecerem, conhecerem o morador de rua também. Enfim, o di-
nheiro que eu ganho com o jornal vai encher meu bolso, mas as oportu-
nidades são bem melhores, tá ligado? Às vezes, uma atenção vale mais. 
Michel: Mas na real assim, a oficina não parte só dele, que é cartunista, 
tá ligado? Como eu, que sou roteirista [...]. Na real mesmo, a gente 
depende também dos estudantes e colaboradores. Sem os colaborado-
res, o Boca de Rua não seria ninguém. Se ninguém estivesse como co-
laborador, não sei. Tem gente da UFRGS, tem a galera de ocupações. 
Porque, quando estão ocupando, eles dão oportunidades pra nós, não 
só nós Boca de Rua, mas nós de outras favelas aí, porque está chegando 
vários caras da favela, que estão descendo. No Centro de Porto Alegre 
mesmo, quando a gente dá uma “banda”, nós não damos sozinhos, só 
com moradores de rua. A gente dá uma “banda” com os caras que estão 
ali, estudando, mano. Eles estão estudando. E dizem bem assim: “salve 
cartunista!”, que é pro Paulinho. “Salve roteirista!”, que é o Michel. 
Bruno: Obrigado Michel. Acho que agora vocês podem contribuir falando 
também sobre a pesquisa censitária. Alguns, por exemplo, participaram como 
facilitadores. O que acharam desta experiência de envolvimento na pesquisa? 
O que isso propiciou?
José Luiz: O envolvimento na pesquisa pra mim foi interessante, por-
que a gente teve oportunidade de falar com os “irmãos” que a gente 
nem conhecia. Pra começar é por aí. Outra questão importante, que 
eu tenho pra colocar é: por mais que se organize, por mais tempo que 
207 
tenha pra fazer uma pesquisa sobre contagem de pessoas que vivem em 
situação de rua, jamais, de qualquer forma que se fizer, vai se chegar à 
conclusão de que todos foram contados. Nós tivemos algumas dificul-
dades e algumas benfeitoriascom a organização da pesquisa. A gente 
encontrou algumas dificuldades. Uma delas, que mexeu muito com a 
gente, foi ficar muito nas mãos dos centros de acolhimento, CRAS, 
CREAS etc. Eles mesmos citavam pontos de referência para o mapea-
mento. Então, na realidade, o conhecimento do povo da rua foi meio 
que desmerecido. Não digo totalmente. Mas não foi aquela expectativa 
de ser considerado todo o conhecimento que a gente tem. 
Bruno: Em que sentido este conhecimento não foi considerado? Onde e em que 
tipo de trabalho? Seria legal falar como era o trabalho. E como era a partici-
pação dos facilitadores no planejamento deste trabalho?
José Luiz: Este trabalho de facilitador era um trabalho, na realidade, 
de coragem, porque a gente se enfiava em lugares que não conhecia. 
Começando por aí. E em situações adversas. A gente trabalhava de 
manhã, de tarde, até certa hora da noite, em lugares que a gente não 
conhecia, às vezes. 
Carlos: Eu quero falar também. Bom, do trabalho da pesquisa, eu acho 
que não posso dizer inútil, isso não foi. Porque eu acho que automa-
ticamente, a gente tirou aí de 30 a 40% do pessoal que mora na rua. 
Por que de 30 a 40% que mora na rua? Pelas dificuldades que a gente 
encontrava no trabalho, tanto com o pessoal que organizava as nossas 
saídas e, também, pelo mapeamento que foi dado pelas instituições. Fo-
ram dados mapeamentos e, às vezes, as pessoas nem se encontravam 
mais ali. E aí as pessoas nem se encontravam ali no mesmo lugar. E 
porque, automaticamente, nós fizemos a pesquisa na mesma época que 
a Força Nacional estava agindo aqui em Porto Alegre. Muitas pessoas 
foram pra outras cidades, muitas pessoas foram pra Região Metropo-
litana, aqui na volta. Quer dizer, então, que nem todos estavam aqui. 
Algumas pessoas são meio fugidas, outras meio acuadas. Algumas pes-
soas saíram do Centro da cidade, voltaram pras vilas, onde a gente ia 
208 
entrevistar e eles diziam pra nós que não moravam na rua, e sim na 
vila. Até, por sinal, com medo de falar, porque sabe como é que está o 
nosso mundo hoje e este governo do jeito que está, pensando, de repen-
te, que poderia ser até uma internação compulsória, essas coisas assim. 
E a gente foi muito prejudicado, bastante prejudicado, na construção 
desta pesquisa censitária. 
Bruno: Por que vocês acham que é importante contar o pessoal da rua?
Carlos: Eu acho que é importante contar o pessoal da rua pra mostrar 
pro governo, pra mostrar para essas políticas públicas que eles têm 
morador de rua, que não tá fluindo nada, que nada acontece, que nada 
progride, que as casas não tão dando conta, que os albergues ainda são 
poucos, que os abrigos nem pensar, que os aluguéis sociais não estão 
sendo pagos, que não tem política de moradia pra morador de rua ne-
nhum. A gente vem de uma ocupação do DEMHAB (Departamento 
Municipal de Habitação) e de outros lugares, onde a gente estava lu-
tando por moradia e saímos de lá praticamente sem resposta, até hoje. 
Então, eu acho que o bom da contagem seria pra mostrar pra essas 
instituições, pro nosso governo, pra FASC, que lida com esse pessoal 
que mora na rua, que dá assistência pra esse pessoal, pra dizer que está 
precário e a coisa ainda, acho, vai piorar.
Bruno: Como é que foi, dentro desse contexto político, que vocês se envolveram 
na pesquisa? Por que o Movimento da População de Rua e o Boca de Rua têm 
interesse em participar da pesquisa? 
Carlos: Na moral, o Movimento se envolveu na pesquisa mesmo era pra 
fazer o trabalho esse pra contagem dos moradores de rua, nessa parte 
acho que o Movimento se envolveu mais por causa disso. Porque até en-
tão era com o morador de rua, o Movimento tinha que está participando 
junto do trabalho, pra depois poder ter um respaldo pra ti ir atrás dos 
teus direitos. Eu acho que o Movimento mais se envolveu por causa dis-
so. Eles queriam nos pagar uma bolsa mínima, a gente não aceitou, por-
que pô, se a gente vai trabalhar igual aos alunos da UFRGS ou até mais, 
209 
entrando em locais que nem nosso amigo falou, que a gente muitas vezes 
nem conhecia e o pessoal nem deixava nós chegar. Então, por que nós 
iriamos receber menos? É sempre quando acontece isso é assim, quando 
é pra dar uma oportunidade para o cara que mora na rua, as coisas não 
fluem. Mas eu acho que foi mais por isso aí. E o Boca então, acho que foi 
pra fazer mais uma denúncia no jornal, dizer que essa população que tá 
na rua não tá sendo acolhida, não tá sendo “assistenciada”. Eu acho que o 
único benefício que existe é isso aí, que foi pra comprovar que essa assis-
tência aí não tá dando conta da população de rua, não tá mesmo.
Por fim, algumas histórias...
Para finalizar nossa mensagem, deixamos duas histórias que 
marcam a trajetória do jornal. Em “O grito”, comunicamos como o 
logotipo do jornal foi produzido, a partir da criatividade de um inte-
grante. Em “Pequena Revolução”, mostramos como o jornal provoca 
mudanças em meio a situações inesperadas. As histórias foram regis-
tradas pela jornalista Rosina Duarte e serão, também, detalhadas no 
livro Incomuns Mortais – O direito à palavra e muito mais, que está 
sendo editado e concluído pela ONG ALICE, responsável pelo jornal.
O grito
Chovia. Pouco, mas chovia. Quando a chuva era grossa, todo mundo 
precisava que se abrigar embaixo das marquises, nas paradas de ônibus ou, na 
pior das hipóteses, sob os guarda-chuvas descartáveis vendidos pelos camelôs 
do centro a R$ 5,00. A gurizada recolhia nos lixos aquelas coisas pretas, 
desengonçadas parecidas com urubus de asas quebradas, mas eficientes para 
proteger da neblina ou do chuvisqueiro manso.
Naquele dia, porém, os pingos eram tão preguiçosos que não impediram 
Riquinho de finalmente decidir-se a fazer o logotipo do jornal. Um mês antes 
o nome “Boca de Rua” tinha sido concorrido com outras quatro sugestões e 
vencido em uma votação apertada. Riquinho, pulso firme, apesar da loló, can-
didatou-se para desenhar as letras. Mas ele enrolava. Toda a semana tinha 
uma desculpa. Naquele dia, apesar da chuva, acabou cedendo à pressão do 
210 
grupo. Como as reuniões do jornal eram feitas na praça, acomodou-se no chão 
e transformou um banco de cimento em prancheta. Dez ou quinze minutos 
depois o logotipo estava pronto. Apesar de um pouco respingado pela chuva, 
era irretocável.
Na frente e no final das palavras, destacavam-se sinais de igualdade – 
o maior desejo de quem clama por justiça. O “De” que unia as duas palavras 
principais, lembrava tridentes de diabo e, também, a autodefinição, usada por 
muitos dos meninos criados sem uma família, nem um teto - “nós somos uns 
diabos”. E no centro de tudo, grande e vermelha, uma boca aberta. O dono ou 
dona daquela boca não estava bocejando, nem cantando: estava gritando. Era 
uma boca quase idêntica a da figura pintada por Münch no quadro célebre 
“O grito”. Mas Riquinho nunca tinha visto uma reprodução da obra. Era o 
grito de Riquinho. O grito daqueles 10 guris e gurias habitantes das praças, 
das ruas, dos esgotos. Era a boca de todos eles gritando por socorro, gritando 
em protesto, gritando por dignidade na rua, o único lar.
Pequena revolução
 
Antes mesmo dos integrantes do Jornal Boca de Rua pisarem o pri-
meiro degrau do gigantesco prédio, em forma de caixa forte, do Santander 
Cultural, os seguranças bloquearam a porta, guardada por colunas coríntias 
de 12 metros, como goleiros diante do pênalti. Pareciam os homens de preto 
do filme MIB – com quem, aliás, tinham inegável semelhança – ao farejarem 
extraterrestres.
- Sim??? (querendo dizer: Fora! Isto não é lugar para vocês!).
À frente do grupo, o Bocão respondeu rápido e seguro.
- A gente veio para a palestra. Somos os autores e os artistas do filme que vai 
passar agora.
Os seguranças calaram. O Bocão entrou majestoso, cabeça erguida, an-
dar gingado de B-boy segurando pela mão a namorada Michelle – linda, 
com seu metro e meio, rosto marcada por uma navalhada, cachos escuros de 
legítima ovelha negra urbana. Logo depois vinhao Ceco – que há poucos 
anos era analfabeto e, depois de brilhar na escola, virou um tribuno, capaz 
de palestrar diante de políticos e autoridades. A Chineza fechava o cortejo. 
Kaingang, travesti e sem-teto, era um compêndio para os preconceituosos de 
211 
plantão, ignorantes a respeito do seu talento de poeta, sua melancólica lucidez 
e sua serenidade, herdada dos ancestrais.
Dentro do edifício encontraram os companheiros, todos integrantes 
do Jornal Boca de Rua. Boa parte deles tinha participado do documentário 
apresentado no cinema do Santander naquele final de tarde.
Aplausos calorosos explodiram ao final da projeção. Os atores-diretores 
dirigiram-se ao palco e falaram sobre o trabalho com calma, clareza e hones-
tidade, enfrentando perguntas polêmicas sem gaguejar. Tudo era simbólico. 
Estavam dentro de templo da cultura que, no passado havia sido um templo 
do poderio econômico, um banco. E mais, o cinema fora instalado no interior 
do monumental cofre bancário. O cenário era, portanto, a simbiose perfeita 
entre a cultura e o dinheiro. E os moradores de rua palestravam para profes-
sores e estudantes universitários, que tinham comprado ingressos para assistir 
ao filme realizado por deles. Mundo virado de cabeça para baixo. Ou, como 
definiria mais tarde o jornalista Sílvio Ferreira - que fala pouco, mas sempre 
tem a palavra certa na hora certa: foi uma pequena revolução.
213 
VIOLÊNCIA CONTRA A POPULAÇÃO EM 
SITUAÇÃO DE RUA EM PORTO ALEGRE: 
CONSIDERAÇÕES SOBRE AS FORMAS 
INSTITUCIONAIS E SIMBÓLICAS 
DE OPRESSÃO COTIDIANA
MeliSSA de MAttoS PiMentA
joSé vicente tAvAreS doS SAntoS
O espaço urbano, em sua complexidade estrutural, pode ser 
apropriado de inúmeras formas que vão além dos limites da ocupação 
física de edificações e estruturas de trânsito de pessoas e veículos. É 
nos diferentes usos e formas de estar na cidade que se podem obser-
var como se estruturam as relações entre grupos sociais e instituições 
na produção da vida cotidiana. Identificar os processos de produção 
dos lugares, seus significados e representações sociais, é uma forma de 
apreender como as interações e os conflitos são reproduzidos a partir 
da sua relação com o espaço e suas múltiplas categorizações. A cidade e 
os diferentes espaços que integram o tecido urbano configuram, assim, 
um lócus do exercício de poder entre indivíduos e grupos hierarquica-
mente distintos que, embora possam ser abrigados dentro da moderna 
concepção de cidadania, não necessariamente têm acesso e usufruem 
das mesmas garantias dos seus direitos. 
Dentre os grupos sociais que integram a cidade e constituem 
sujeitos de investigação sociológica, figuram as “pessoas em situação 
de rua”1, categoria social complexa e em construção, cujo lugar na coti-
dianidade transita entre o visível e o invisível. Muitas vezes vistos com 
1 O uso do termo “população em situação de rua” busca superar as limitações de 
outros termos como “morador de rua”, que tendem a perpetuar a percepção desta 
população como um grupo fixado numa condição específica, caracterizada por um 
conjunto de carências e enfatizar “a situacionalidade da experiência nas ruas”, “defi-
nindo-os a partir de uma concepção do habitar a rua como uma forma de vida possí-
vel” (Schuch e Gehlen, 2012, p. 17). Assim, procura-se visibilizar as múltiplas formas 
e estilos de vida que podem ser identificadas no espaço da “rua” sem, contudo, es-
sencializar essa condição e apontar para as possibilidades de entrar, ficar, estar, usar, 
reivindicar e também sair da rua. 
214 
indiferença, mas, sobretudo, com suspeita e desconfiança, aqueles que 
fazem da rua seu local de moradia ou permanência durante parte do 
dia, ainda que temporariamente, são frequentemente vítimas de formas 
perversas de violência física, institucional e simbólica. Segundo Tava-
res dos Santos (2004), podemos compreender a violência 
[...] como um ato de excesso, qualitativamente distinto, que se ve-
rifica no exercício de cada relação de poder presente nas relações 
sociais de produção social. A ideia de força, ou de coerção, supõe 
um dano que se produz em outro indivíduo ou grupo social, seja 
pertencente a uma classe ou categoria social, a um gênero ou a 
uma etnia, a um grupo etário ou cultural. Força, coerção e dano, 
em relação ao outro, enquanto um ato de excesso presente nas 
relações de poder (TAVARES DOS SANTOS, 2004, p. 8).
A violência contra pessoas em situação de rua não pode ser expli-
cada apenas pela deficiência dos aparatos de controle social do Estado 
em garantir sua segurança e proteção, mas é ela própria resultado de 
políticas públicas e ações praticadas por agentes públicos, como por 
exemplo, as ações de “limpeza urbana”:
[...] trata-se de uma função da limpeza pública municipal que 
consiste na retirada das habitações e arranjos informais desse 
segmento, assim como dos materiais recicláveis que guardam 
para vender, forçando-os a deslocamentos espaciais. Trata-se de 
uma atividade sistemática, exercida pelo poder público, ampara-
da pela força policial e que endossa as representações funcionais 
sobre o uso das ruas da cidade (FRANGELLA, 2005, p. 220).
O imaginário social comumente concebe as pessoas que fazem 
da rua o seu local de permanência, de moradia e sobrevivência como 
um grupo homogêneo, composto por indivíduos dotados de certas ca-
racterísticas imediatamente identificáveis, especialmente a pobreza, a 
utilização de espaços públicos para dormir, comer, consumir bebidas 
alcóolicas e drogas e fazer as necessidades fisiológicas, reduz a percep-
ção do que se faz e de como se utiliza o espaço da rua à falta de recursos, 
à falta de domicílio próprio ou regular e à falta de higiene. É como se 
215 
estivessem “imersos em outro mundo, um lugar privado construído a 
partir das fronteiras corporais da sujeira, do corpo abjeto que assusta 
e afasta” (FRANGELLA, 2005, p. 209), criando assim, uma enorme 
distância social que separa o “morador de rua” e o “domiciliado”, de tal 
forma que “tudo se passa como se elas não dispusessem de nenhuma 
forma de reconhecimento social positivo pautada em seus gestos ou 
suas formas de se vestir e falar” (GRAEFF, 2012, p. 762).
Para Moura Jr. et. al., (2013, p. 20), as representações sociais de 
senso comum sobre esse segmento oscilam entre dois polos em oposi-
ção: a pobreza e o perigo. 
No entanto, apesar das pessoas em situação de rua estarem imer-
sas em uma situação de extrema pobreza, elas são preponderan-
temente reconhecidas a partir da identidade social de morador 
de rua com os papeis sociais de drogado, de criminoso, de violen-
to, de sujo e de doente.
Por um lado, essas concepções situam esses indivíduos em uma 
condição comum de “carência” de recursos financeiros, de moradia, de 
laços sociais e familiares, o que reforça a sua percepção como “vítimas”, 
seja das condições desiguais de existência, da precariedade da rede de 
proteção social do Estado ou dos infortúnios da vida. Por outro lado, 
situam-nos em uma condição de “anormalidade”, o que os torna uma 
“ameaça” à ordem social, na medida em que suas diferentes formas de ser 
e estar no espaço urbano não são reconhecidas como legítimas. Nessa 
perspectiva, a reiteração da metáfora dos lados opostos coloca as pessoas 
em situação de rua e os domiciliados em dois grupos antagônicos: “o pri-
meiro representado por atores sociais para os quais se reconhece a legíti-
ma demanda pelo espaço público; o segundo composto por atores sociais 
para os quais se nega o direito à cidade” (RESENDE, 2015, p. 121).
À condição precária dos corpos, à decadência material e à fra-
gilidade psicossocial soma-se um imaginário de ameaças sociais aos 
estabelecidos (VALENCIO et. al., 2010) que se estendem, inclusive, aos 
espaços onde ela se localiza (MOURA Jr. et al., 2013), gerando práticas 
de discriminação e estratégias de expulsão de determinados espaços:
216 
São tubos de água que mantêm as calçadas molhadas, ferragens 
pontiagudas, gradis que cercam espaços

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