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CUNHA, Olívia Maria Gomes da (2005) - Do ponto de vista de quem

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Do ponto de vista 4e quem? 
Diálogos, olhares e etnografias 
dos/nos arquivos 
OIÍlJ;a Maria Gomes da CUI/l!a 
A relação enrre anrropólogos e nativos é uma relação de sentido, ou de co­
nhecimelllo. Como observa Viveiros de Castro (2002: 113), "o conhecimento an­
rropológico é imediatamente uma relação social, pois é o efeito das relações que 
constituem reciprocamenre o sujeito que conhece e o sujeito que ele conhece, e a 
causa de uma uansformaçao na constituição relacional de ambos". O caráter si­
multâneo do que o autor chama de co/lstituição de sujeitos nos coloca algumas 
No/a: Este ensaio constitui versão simplificada de capÍlulo de livro em preparação. A realização da pesquisa 
sobre a constituição de um campo dedicado â "antropologia afro-americana" nos anos 1930 e 40, da qual este 
texto é pane, foi financiada pela Simoll Guggenheim Memorial Foundation e pelo CNPq, cujo apoio foi fun­
damental em LOdas as fases do trabalho em arquivos e de campo. Gostaria de agradecer a [Odas os 
profissionais de arquivo e instiruições que malllêm os acervos aqui citados, cujo apoio e estimulo foram 
fundamentais na materialização da pesquisa. Em particular, aJohn Homiak e aos National Anthropological 
Archi"es (Smithsonian Inslitution), aos curadores e ao arquivista dos Archivcs ofTraditional Music (Indi­
ana Univcrsity). da Africana Collcclion c d05 Norlhwcslcrn Univcrsity Archi\'cs (Northweslcrn Un ivcr­
sity). 
Olivia Maria Gomcsda Cunhaé profcssoraadiunrodo Deparramento de Amropologia Cultural da UFRJ. 
-------------------------------------------------
Estlldos HIStóricos, Rio de Janeiro, OU 36, julho-dezembro de 2005, p. 7-32. 
7 
8 
estudos ltistór;cos - 2005 - 36 
questões. Entre elas, aquela que diz respeito às relações de conhecimento que po­
dem ser estabelecidas diante de uma experiência etnográfica compartilhada de 
forma distinta. Ver imagens e ouvir vozes de um tempo distante e, a partir delas, 
produzir narrativas, memórias sobre fatos, pessoas, coisas, situações e lugares 
próximos. O caráter relativo das noções de tempo e distância nâo é meramente 
retórico. As imagens e vozes às quais me refiro testemunham encontros etnográ­
ficas sobre os quais foram produzidas variadas descrições e interpretações auto­
rizadas em livros e artigos. Ainda assim, por evocarem relações de conhecimento 
num contexto histórico e cultural tão emblemático para a constituiçâo dos sabe­
res antropológicos, tanto no Brasil quan to alhures, todos nós, iniciados ou não, 
podemos relletir sobre elas evocando questões do presente. Mas a produçâo de 
uma memória a panir desses registros é uma operação mais complexa e limitada. 
Pode tanto reinscrever e reproduzir fatos, pessoas, coisas e lugares numa ouu'a car­
tografia quanto alterar radicalmente o nosso olhar informado por narrativas consa­
gradas e autorizadas. Sob o risco de essas primeiras idéias parecerem um tan to enig­
máticas, vou situar o contexto' no qual essa rellexão se mostra produtiva. 
Há cerca de quatro anos, ao iniciar uma pesquisa em arquivos etnográfi­
cos sobre a constituição da chamada antropologia das populações afro-america­
nas nos Estados Unidos, em Cuba e no Brasil nos anos 1930, me deparei com dois 
conjuntos documentais distintos que, por caminhos diversos, me colocaram di­
ante de novos desafios quanto à possibilidade de combinar pesquisa de campo e 
pesquisa em arquivos. Não só a natureza do que os usuários dos arquivo cha­
mam de "documento", mas também os contextos de sua produção e os invólu­
cros institucionais que os protegem, preservam e autorizam, indicavam questões 
a serem enfrentadas. Pensar o arquivo e, em particular, os chamados arquivos et­
nográficos como um campo entrecortado por intervenções de natureza e tempo­
ralidade distintas me levou então a relletir sobre a produçao do conhecimento et­
nográfico, tradicionalmente visto como diverso e mesmo oposto àquele que re­
sulta da pesquisa documental . Os usos, arranjos, classificações e indexações que 
emolduravam os documentos preservados em arquivos - o t-rabalho de "dar sen­
tido" à lógica aparentemente subjetiva ou confusa do colecionador e do arquivis­
ta - indicavam muiro mais do que diferentes práticas de atribuição de valor. Si­
nalizavam uma forma particular de subsumir temporalidades diversas, por vezes 
condensadas num mesmo indicador cronológico e biográfico. O "tempo que cria 
objetos" - nas palavras de Johanes Fabian (2002) -, visro do arquivo, não era ilu­
são, e sim resultado de intervenções que envolviam os etnógrafos, os historiado­
res, seus pares, os herdeiros de seus espólios e as instituições responsáveis ou que 
disputavam a autoridade sobre os arquivos. 
Etnógrafos em arquivos e historiadores em campo não são os únicos usuá­
rios dos arquivos, fértil fonte de carimbos de autenticidade de roda ordem em lem­
pos de agitadas disputas nos campos da política, das identidades, do direito autoral 
Do pOllto de )J;stn de quem? 
e das culturas. O uso de documentos relativos à farmacologia e à botânica coleta­
dos por etnógrafos e administradores de instituições, como O Bureau ofIndians 
Affairs, e mantidos por uma instituição governamental none-americana como 
fontes para investimentos futuros em comunidades indígenas, a disputa de gru­
pos políticos africano-americanos sobre o destino de pane importante dos docu­
mentos coletados por Melville Herskovits e sua permanência no coração do Har­
lem, e a presença de historiadores em atividades tradicionalmente realizadas pe­
los antropólogos - a produção de laudos de comunidades remanescentes de qui­
lombos no Brasil-, enrre outros exemplos, sugerem que. estamos diante da cons­
tituição de um campo eminentemente político e que represenrações autorizadas 
sobre o passado e o presenre e seus significados para diferentes atores estão parti­
cularmenre visíveis e sinalizadas nos arquivos. Estas reflexões iniciais têm a ver 
não só com minhas experiências de pesquisa "fora" e "denrro" dos arquivos, mas 
também com nossos limites ao apreender o percurso de transformação e sobre­
posição de sen tidos que rransfQrma um encontro etnográfico em um "documen­
to" . 
Pesquisando alguns acervos de antropólogos que dedicaram parte subs­
tancial de suas pesquisas às então chamadas "populações afro-americanas", me 
vi diante de duas coleções singulares: as fotografias produzidas por Ruth Landes 
duranre sua estada no Brasil entre 1938 e 1939, que compõem a Ruth Landes Pa­
pers (National Anthropological Archives, Smithsonian Institution), e as grava­
ções produzidas pelo lingüista Lorenzo Dow Turner quando da sua permanên­
cia no Brasil entre 1 940 e 194 1, mantidas pela Africana Collection (Northwes­
tem University) e pelos Archives ofTraditional Music (Indiana University). 
Para além da intriganre permanência de personagens nas duas coleções 
- diga-se de passagem, "informanres oficiais" da imaginação e curiosidade an­
tropológica da época -, as vozes exumadas de inúmeros rolos de fita transforma­
dos em suporte magnético compatível sugeriam uma inusitada intimidade com 
um entrevistador ausente. O silêncio de Turner, o etnógrafo-lingüista determi-
-
nado a registrar a Africa nos trópicos sul-americanos, contrastava com o volun-
tarismo rrilíngüe do seu informante mais conhecido: Martiniano do Bonfim. 
Mas O silêncio de Turner também contrastava com as rápidas aparições de Ruth 
Landes - graças ao olhar e às lenres da câmera manipulada por Edison Carneiro 
-na coleção da Smithsonian. Aparições nem sempre fortuitas, mas que nos per-
. . . , . . 
mnem Imagmar o tempo e o apararo necessanos para que a pesquisa se consu-
masse. 
Imaginar? Mas a qual imagi/lação nos referimos quando estamos diante 
de textos, imagens e sons que são apenas uma parte - quem sabe residual - de 
uma experiência etnográfica transformada em objero de nossa atenção) A do et­
nógrafo ou a dos seus intérpretes póstumos - "caçadores de relíquias", na provo-
9 
lO 
estudos históricos e 2005 - 36 
cação de Sally e Richard Price (2003)?Mais desconcertantes ainda são nossas 
tentativas de enxergar um sujeito construído e congelado pelo texto e pela ima­
gem produzidos pelo etnógrafo. Um primeiro passo em direção ao enfrentamen­
to dessas questões foi me desvencilhar do que Fabian (1983 : 167) chamou de "re­
alismo ingênuo" ou "ilusão positivista" - a crença em que textos e objetos histó­
ricos representam o mundo e as suas inter-relações. Num segundo momento, 
tais impasses no meu contato com esses registros se transformaram numa per­
gunta: afinal, para que servem, se a experiência etnográfica é sobretudo uma re­
lação e, como tal, uma vez limitada pelas vicissitudes do seu contexto, do presen­
te e dos sujeitos envolvidos, não se presta a ser reproduzida sob a forma de uma 
fonte de uso historiográfico? 
Falei de limitações, e foram elas que me direcionaram parafom dos ar­
quivos, na esperança de que partilhar um contato diverso com alguns de seus ar­
tefatos pudesse instaurar um outro conhecimento sobre o passado. As firas de 
Turner reprod uzem, em grande parte, en trevistas, canções e orações em yorubá e 
inglês: sua audição e consumo exigem ouvintes especializados e autorizados. As 
fotOgrafias de Landes, por seu turno, por permitirem a instauração de um diálo­
go sobre o que a imagem revela, esconde, reduz, deforma e torna sensível, possi­
bilitam uma experiência diversa. Mesmo que por caminhos diferenciados, a pro­
dução da memória como experiência eminentemente visual podia ser partilha­
da. 
Ao contrário dos diários de Landes, cuja trasladação para a etnografia foi 
possível, as imagens não foram objetO de um uso sistemático por parte da antro­
póloga. Embora tenha pretendido publicá-las ainda quando da primeira edição 
de Cityofwomell, seu lugar na etnografia é aparentemente residual. Landes não 
parece ter pretendido dar às fotos ou à sua leitura um tratamemo especial, e sim 
um uso meramente ilustrativo, de complemento marcado por um tipo de "realis­
mo emográfico" inexistente no livro. Ao mesmo tempo, as fotos parecem docu­
mentar eventos descritos na etnografia - dias, festas e encontros. A ausência de 
cenrralidade ou tratamento especial oferecia algumas possibilidades de análise e 
uso do material fotográfico: permitiu-me sair do arquivo e imaginar a experiência 
emográfica de Landes, partilhando a interlocução e o diálogo com outros atores. 
Quanto às "vozes" exumadas da coleção de Turner, sua posição parecia 
inversa. As enrrevistas, as cantigas, as aulas de português no Flamengo, as rodas 
de capoeira, as antigas canções foram, em maior ou menor grau, os documentos 
emográficos com os quais rrabalhou. Foram coletados, transcritos e traduzidos, 
figurando como fontes de seus escritos e provas incontestes da sobrevivência de 
línguas africana entre os descendente de africanos no Novo Mundo. Turner 
não escreveu sobre seus encontros e muito pouco nos informou sobre os donos 
das vozes congeladas entre seus papéis. Ainda assim, variados registros sonoros 
Do pOllto tle vista tle q1lell/? 
foram reproduzidos graças a um sofisticado aparelho de gravação que pela pri­
meira vez registrava as vozes de informantes paradigmáticos no desenvolvimen­
to das primeiras pesquisas antropológicas sobre a população "afro-americana" 
no Brasil. Esses registros formaram o material central das análises de Turner e 
influíram em seus escritos mais conhecidos sobre os chamados africanismos 
presentes no dialeto Gullah falado nas ilhas atlânticas dos estados da Geórgia e da 
Carolina do Sul. • 
Por motivos diversos, ranto os registros sonoros quanto as imagens per­
maneceram por mais de 60 anos encerrados em arquivos e instituições nor­
te-americanas. Diante deles imaginei que, por sua natureza e por permitirem um 
acesso diverso e destituído da linguagem, da tradução e do invólucro acadêmico 
que, de maneira indireta, os havia aprisionado nos textos, mereciam outros olha­
res e escu tas. 
• 
Po/ítiCfls rios arq1lil'os • 
Num texto publicado em 1995, 10hanes Fabian faz argutas observações 
sobre os dilemas da incompreensão na experiência emográfica quando rraduzi­
da em silêncio, estranhamento, tentativas de obliteração, revisão, copydesk e ou­
tras estratégias para dar sentido à fala do "outrO" vertida num texto plenamente 
controlado pelo autor. Esta questão, certamente, não é central apenas para a an­
tropologia lingüística, mas está diretamente relacionada às perguntas que os 
antropólogos fazem antes, durante e depois de voltarem do campo, mesmo 
quando o campo em questão é o arquivo. Turner não recebera um treinamemo 
profissional em antropologia e nunca se referiu aos seus comatos e entrevistas 
como sendo de natureza emográfica. Talvez por isso possamos, além de reco­
nhecer as vicissitudes da pesquisa antropológica entre ou [ros pesquisadores da 
sua geração, "perdoá-lo" por um silêncio e omissão perturbadores. Ou devería­
mos ouvir quando e de que maneira Turner "fala" através de seus informames? 
Vamos por panes. 
Em textos históricos ou memorialistas de intelectuais negros none­
americanos produzidos nos últimos 20 anos, a referência a Turner tem sido feita 
de forma a transformá-lo em um pesquisador "pioneiro." Atenta a propostas de 
"resgate" e revisão das histórias quase oficiais das ciências sociais nos Estados 
Unidos, essa modesta produção caracteriza-se por uma preocupação claramente 
política, na qual não há espaço para as contradições, complexidades e interseções 
entre vidas e trajetórias profissionais. Esses textos tOrnam-se assim versões "re­
paradoras", politicamente corretas das omissões, do ocultamenw e da seletivida­
de de narrativas históricas quase canônicas da disciplina (nesse caso, a lingüísti­
ca) numa perspectiva fortemente nacional. Traçam, desse modo, uma série de 
11 
12 
eswdos históricos e 2005 - 36 
trajetórias heróicas marcadas por sucessivas conquistas, nas quais, por vezes, 
cerros personagens são "retirados do armário" e transformados em ícones do 
panreão de outras e novas comunidades intelecruais. 
São muitos os motivos que levam determinados conjunros de documen­
ros pessoais e profissionais a se dividirem em coleções distinras abrigadas em 
instituições com perfis diversos. Todavia, uma dimensão política parece sempre 
constituir a dinâmica desses trânsitos, traslados e seccionamenros. Por serem 
registros consagrados da "história", os acervos documenrais, transformados em 
arquivos ou coleções, são elemenros cobiçados de políticas de represenração con­
temporâneas à sua "institucionalização" e posteriores ao seu processo de cons-
o 
trução e sedimenração, por vezes aleatório, micro-histórico e pessoal. E no limiar 
dessas políticas que muitas vezes os arquivos estão inscritos. Os papéis de Loren­
zo Dow Turner nos oferecem um exemplo importante para eRtender esse proces­
so. Através das narrativas "institucionais" da sua construção como um conjunro 
documenral específico - ou seja, do momenro em que passam a constituir uma 
"coleção" ou arquivo pessoal-é possível cotejar os significados que lhes são atri­
buídos e os lugares que ocupam. 
Os documenros deixados por Turner se dividem nos arquivos de duas 
instituições universitárias distintas: a Africana Collection (AC), perrencente 
à Norrhwestern University (Evanston, Illinois), e os Archives ofTradirional 
Music (ATM), parre da Indiana University (Bloomingron, Indiana). A AC 
foi criada a parrir da biblioteca e da coleção material do anrropólogo Melville 
J. Herskovits, professor e fundador do Deparramenro de Anrropologia da 
Norrhwestern (J 938) e do primeiro Programa de Estudos Africanos do país, o 
Program of African Srudies (J 948). Como uma espécie de núcleo inicial, uma 
biblioteca dedicada aos estudos africanos foi criada em 1 954 por Herskovits 
(Melville J. Herskovits Library) e, após sua morre, em 1961, incorporada a um 
conjunro documenral e de cultura material coletado pelo anrropólogo ao longo 
de suas várias viagens ao Caribe (Haiti, Suriname e Trinidad), Bra i l e Daomé, e 
ainda aos arquivos pessoaisde seus alunos e aos de outros doadores/colecionado­
res de "arre africana". Por ter sido idealizada a parrir da concepção que o próprio 
Herskovits tinha de uma área específica de estudos dedicados às culturas e socie­
dades do conrinenre africano (mais especificamenre da região subsaariana) e do 
chamado "Novo Mundo", a AC reforça a sua marca de coleção temática pioneira. 
No seu material de divulgação essa distinção é colocada em relevo: 
Antropólogos dedicados ao mapeamento das origens e 
dos padrões da música e da arre africana, bem como pesquisadores das 
economias e dos sistemas bancários das nações africanas enconrrarão 
amplo material para suas pesquisas. Aos lingüistas e viajanres curiosos, 
• 
• 
Do pOli to de I,jsta de quell/? 
sem falar nos entusiastas da culinária étnica, a Africana Collection ofe­
rece rica informação. 
Além de livros, periódicos, manuscritos e recursos de consulta eletrõni­
ca, a AC conserva coleções individuais de "pesquisadores africanistas, escritores, 
, 
missionaries, antropólogos;e registros de organizações relacionadas à Africa".! 
Apesar da riqueza e diversidade dos documentos alocados na AC e do 
fato de a biblioteca pessoal de Herskovits ter dado ori&em e forma à coleção e ao 
projeto de amplo acervo documental para o estudo da Africa, os papéis profissio­
nais e pessoais do antropólogo encontram-se fora desse conjunto. Por razões po­
líticas e interesses que envolvem grupos, familiares e instituições norte-america­
nas, o espólio pessoal e profissional de Herskovits se subdivide em três diferen­
tes instituições: os Norlhwestern University Archives, os Eliot Elisofon Photo­
graphic Archives (National Museum of African Art, Washi.ngton D.C.) e o 
Schomburg Center for Black Culture/New York Public Library (New York). 
Esse exemplo visa a destacar a importância de outras esferas de reconhecimento, 
legitimaçâo, propriedade e auroridade sobre os arquivos na produção não só de 
divisões internas - uma vez que, em muitos casos, o resultado é uma subdivisão 
problemática quanto à natureza ou ao tipo de suporte e de documentos concebi­
dos como "pessoais", "profissionais", "etnográficos", "iconográficos", "arqui vos 
sonoros" etc. - mas também de um foco que direciona, impõe mediações e por 
vezes limita o acesso, o contato e o encontro com os "documentos" preservados. 
No que diz respeito a Turner, enquanto seus documentos escritos inte­
gram a AC, o tratamento técnico, os direitos de reprodução e a identificação de 
materiais do conjunto de seus documentos sonoros estão sob a responsabilidade 
dos ATM. Originados de um núcleo inicial de música tradicional coletado por 
um aluno de Franz Boas - George Herzog ( 1901-1983) -, os ATM foram funda­
dos em 1954 e tornaram-se referência especializada no tratamento de arquivos 
sonoros coletados desde o início do século XX por antropólogos, folcloristas e 
etnomusicólogos. Além de acervos completos doados ou adquiridos, os ATM re­
únem coleções de arquivos sonoros preservados em tecnologias não mais exis­
tentes, os quais são tratados e reproduzidos em suportes contemporâneos cuja 
cópia (para a consulta) é depositada nas instituições originalmente responsáveis 
pelos arquivos. Esse é o caso dos discos de cilindro, das transcrições e traduções 
que compõem o conjunto de registros sonoros da Coleção Lorenzo Dow Turner 
depositada nos A TM. 2 
, 
E na AC que vamos encontrar parte dos documentos profissionais de 
Lorenzo D. Turner, doados por sua viúva à Norlhwestern University em 1984. 
Ali sua imagem como um "lingüista africanista" é pontuada por um roteiro inde­
xador que gradualmente vai construindo - como imaginara o próprio Hersko-
13 
• 
14 
estudos históricos . 2005 - 36 
virs -elos de ligação, avenidas lineares e outros atalhos entre as "culturas negras 
• 
das Américas" e a Africa. Essa lógica não é produzida às expensas da trajetória 
profissional de Turner, e sim através de uma singular biografia do arquivo: o in­
ventário. Note-se que aqui há um deslize importante no qual a "obra" do autor é 
construída como uma narrativa explicativa da lógica arquivística. Seus papéis 
estão arranjados em diferentes subséries: "material biográfico", "correspondên­
cia", "notas sobre o período em que era estudante", "documentos de pesquisa", 
"fichas de indexação", "publicações" e "registros sonoros". Seu treinamento em 
áreas como inglês e lingüística é o que orienta e confere relevância à coleçã03 
Percebe-se claramente que os registros sonoros conferem à coleção de 
Turner na AC uma importância singular. Suas "teorias revolucionárias" sobre a 
língua falada pela população negra das ilhas da Geórgia teriam produzido uma 
nova perspectiva sobre os "africanismos" no Novo Mundo. Essa referência está 
ligada a um debate mais amplo no qual Herskovirs, e não Turner, é personagem 
central. Assim, não é dificil compreender como e por que os registros coletados 
por Turner e alocados numa instituição concebida e fundada a partir do acervo 
de Herskovirs são marcados pelo "pioneirismo" do primeiro em provar que lín­
guas africanas sobreviveram à escravidão, dispersão, violência e racismo. Essa 
caracterização institucional dos papéis de Turner e, em particular, dos registros 
sonoros produzidos ao longo de suas pesquisas coloca em segundo plano a atua­
ção e o envolvimento do lingüista num debate mais amplo sobre os chamados 
"africanismos" nas Américas protagonizado por Herskovits.4 
Apesar de sua importância num contexto de renovação e intensa discus­
são sobre o estatuto cultural dos chamados "povos primitivos" no debate antro­
pológico norte-americano duranre a primeira metade do século XX, os u'abalhos 
e a trajetória intelectual do lingüista Lorenzo D. Turner são pouco conhecidos.s 
Turner nasceu em Elizabeth City, Nonh Carolina, em 1895. Filho de um profes­
sor da Howard U niversi ty -onde se graduou em 1914 -, com pletou seu mestrado 
em Harvard em 1917 e doutorou-se em inglês na Universidade de Chicago em 
1926 com um estudo sobre literatura norte-americana intitulado Ami-slavery 
sentimem illAmericallliterature prior to 1865 (Sen timento anti escravista na litera­
tura americana antes de 1 865) . Entre 1 9 1 7 e 1945, período em que desenvol­
veu suas primeiras experiências de pesquisa, foi professor das universidades 
de Howard e Fisk. Nos anos subseqüentes, até sua morte em 1972, foi professor 
do Roosevelt College em Chicago. A passagem de Turner por Fisk nos anos 1930 
ocorreu num momento de forte efervescência inrelectual e acadêmica, que en­
volveu uma primeira geração de sociólogos e antropólogos norte-americanos­
muitos deles alunos de Robert E. Park e Franz Boas - engajados em diferentes 
projetos de superação do chamado "problema racial" na América. Sob a chefia de 
um ex-aluno de Park, o sociólogo Charles Spurgeon Johnson, um black college em 
Do pOlltO de vista de qllem? 
Nashville deu início a um ambicioso projeto de refoIlIlulação das ciências sociais 
sobre o Sul dos Estados Unidos (principalmente o chamado Deep SoU/h) e as difi­
culdades da região em integrar-se aos padrões de moralidade, modernidade e de­
senvolvimento dos estados do Norte. A convite de }ohnson, Turner assumiu o 
departamento de inglês e, entre 1932 e 1 933, desenvolveu suas pesquisas em co­
munidades falantes do que até então era caracterizado como uma espécie de "de­
formação lingüística": umpidgin inglês conhecido como Gu/lah, falado nas ilhas 
da costa atlântica do estado da Geórgia e da Carolina do Sul. Em contato com a 
população local e outras comunidades rurais relativamente isoladas, Turner 
identificou, em 14 narrativas produzidas por três homens e cinco mulheres com 
mais de 70 anos de idade e em sua maioria moradores da ilha de Edisto, a forma­
ção de um dialeto específico.6 
Ao identificar elementos que comprovariam que o isolamento geográfi­
co e cultural permitiu que surgissem diferentes expressões do léxico de línguas 
africanas provenientes de diversas regiões da África, Turner ampliou aspossibi­
lidades de verificação da extensão desse fenõmeno em outras regiões. Além de 
aspectos fonológicos, tanto na transcrição fonética quanto nas narrativas, Turner 
se preocupou em esboçar um perfil sociocultural de seus entrevistados, descre­
vendo as atividades desempenhadas no contexto pós-emancipatório. A expe­
riência da escravidão estaria assim diretamente vinculada à extensão do vocabu­
lário e à exposição ao inglês dos entrevistados, elementos transformados numa 
espécie de índice de "baixa" ou "alta" interação com o "mundo exterior". Um 
dos informantes de Turner da ilha de Sta. Helena, Samuel Polite, era estivador. 
Mas a maioria das entrevistas foi realizada com mulheres que haviam sido traba­
lhadoras rurais. Enquanto a atividade e a posição social de Polite propiciava uma 
"alta interação" com o mundo externo à comunidade, as narrativas produzidas 
por Dianna Brown e Rosina Cohen, por exemplo, revelavam um nível maior de 
"retenções"7 A preocupação em isolar e compreender as origens das variantes 
lingüísticas encontradas tanto nas ilhas da Geórgia quanto nas da Carolina do 
Sul redireciona o foco de Turner para a possibilidade de identificar, em outras re­
giões das Américas, padrões lingüísticos semelhantes. Com recursos da Rosen­
wald Fund, Turner entra em contato com os africanistas britânicos através de 
um estágio na School ofOrienral and African Studies da University of London 
em 1936 e 1937, onde aprende variantes das chamadas línguas batI/O, como o kim­
bUlido e o kikollgo, e, no ano seguinte, especializa-se em lingüística como pesqui­
sador visitante em Yale.8 Segundo Margaret Wade-Lewis ( 1988: 1 24), foram en­
trevistas realizadas em 1937 com "africanos oriundos da costa ocidental" e resi­
dentes em Paris que inspiraram Turner a testar sua hipótese na América do Sul e 
escrever uma proposta de estudo sobre o Brasil em 1940. 
15 
16 
estudos históricos e 2005 - 36 
Embora Turner tenha publicado alguns artigos sobre a existência de fa­
lantes de yorubá e outras línguas banco em Salvador, uma compreensão mais rica 
do seu percurso pelo Brasil, do seu aprendizado de português e dos seus contatos 
com infollllantes e especialistas locais ficou fora de seus escritos. Curiosamente, 
suas "descobertas" em Salvador ajudaram-no a reforçar as teses em torno dos di­
ferentes africanismos encontrados nas Américas e a esboçar um novo projeto de 
pesquisa no Brasil, já nos anos 1950, que nunca chegou a realizar. Finalmente, 
antes de fazer uma leirura dos documentos sonoros referentes à pesquisa de Tur­
ner em Salvador, precisamos passar à descrição da Coleção de Ruth Landes e en­
tender como ela repousa num arquivo dedicado a preservar a história da antropo­
logia norte-americana. 
O conjunto de documentos que constirui a Ruth Landes Papers (RLP) é 
fru to de um longo processo de organização, seleção e exercício de memória pro­
duzido pela antropóloga nos últimos anos de sua vida. Em 1986, após a segunda 
edição de uma coletânea sobre a experiência ernográfica vivenciada por antro­
pólogas em diferentes contextos, na qual Landes descreve suas desventuras pro­
fissionais após sua passagem pelo Brasil, os National Anthropological Archives 
(NA A) - órgão pertencente à Smithsonian Institution - manifestaram interesse 
em seus documentos profissionais e convidaram-na a doá-los, de forma a permi­
tir o acesso a pesquisadores . Tal convite possibilitou que Landes se ocupasse ela 
própria em "dar sentido" aos seus papéis, procedimento que lhe permitiu re­
construir sua trajetória profissional e instituir fronteiras entre essa trajetória e 
sua vida pessoal. Após sua morte em 1991, os documentos "pessoais" da antropó­
loga e de sua família passaram a fazer parte de uma outra instituição -o Research 
Instilute for the Sludy of Man (RISM) - também responsável pela adminis­
tração de seu espólio. Esse conjunto de documentos não é acessível, nem são 
conhecidos seu recorte, natureza e extensão: sua alocação no RISM é infor­
malmente contestada pelos arquivistas envolvidos com coleçóes do gênero.9 
O acervo mantido no NAA, entretanto, figura como mais abrangente em termos 
"emográficos", uma vez que inclui manuscritos de l ivros, correspondência, no­
tas de pesquisa e diários de campo sobre temas variados, como grupos indígenas 
norte-americanos e canadenses, imigrantes caribenhos, comunidades negras na 
Louisiana e terreiros de candomblé e umbanda no Brasil, produzidos por 
Landes ao longo de mais de 60 anos de vida profissional. Com sua doação ao N AA, 
o arquivo de Landes -ao lado dos de Margaret Mead (Library ofCongress) e Ruth 
Benedict (Vassar College) - constirui uma das primeiras coleções de antropólo­
gas norte-americanas mantidas e preservadas em instituições públicas e priva­
das do país. 
Depois de observar as coleções de Turner e Landes e o papel das políticas 
institucionais na constituição, preservação, inscrição e uso de arquivos, uma re-
Do IJOIIIO de vista de quem? 
flexão mais ampla sobre minha experiência me levou a Salvador em junho e ju­
lho de 2003. Mas esse não foi um caminho natural entre as inúmeras possibilida­
des de uso do material que eu conhecera e observara nos arquivos. Esse movi­
mento resultou de inúmeras indagações acerca das limitações e alrernativas pos­
síveis de leitura do material neles contido. Questionei minha própria capacidade 
de descrever e interpretar aquilo que vi e ouvi. Foi quando imaginei que descen­
dentes religiosos e biológicos retratados por Landes e Carneiro seriam capazes 
de fazer uma leirura singular tanto das imagens produzidas pelos antropólogos 
quanto das "vozes" coleta das por Turner. 
Mas como seria possível util izar determinados artefatos, transformados 
em "documentos" e mantidos em arquivos particulares, como "fonte", "texto" e 
pretexto para um encontro emográfico? Seria possível experimentar um tipo 
particular de diálogo, relação e encontro emográfico a partir de práticas suposta­
mente limitadas aos pesquisadores de arquivos, tais como "ler documentos", 
"ver imagens" e "ouvir sons/vozes"? Isto é, seriam possíveis encontros projeta­
dos e sugeridos por questões, textos e diálogos produzidos por outrem num con­
texto igualmente emográfico? Como compartilhar a experiência solitária e, por 
vezes, autoritária de ler, decifrar e interpretar o que se abriga nos arquivos? Até 
que pOntO registros sobre o presente emográfico de ou trem, transformados pelos 
regimes de verdade próprios dos arquivos, poderiam "fazer sentido" e incitar a 
produção de novas narrativas, não só sobre o passado convertido em "documen-
. to", mas também sobre o presente tornado relevante e sujeito a novas leituras e 
encontros? 
Inspiradas por esses questionamentos, o que se segue são reflexões pro­
visórias sobre as ambigüidades e tensões derivadas da experiência emográfica vi­
venciada num campo igualmente marcado pelos encontros e relações diversas de 
conhecimento: o arquivo. 
A(s) voz(es) do dOllo 
Canções, histórias, palavras, entrevistas, registros de instrumentos mu­
sicais e conversações integram inúmeras horas de sons gravados que hoje fazem 
parte da Coleção de Turnerna ATM. Quanto aos registros sobre sua pesquisa no 
Brasil, cobrem os meses de agosto de 1940 a novembro de 1941 . Pelas gravações e 
pela correspondência enviada e recebida por Turner no período, é possível esbo­
çar um trajeto de chegada, adaptaçao e conhecimento do lingüista no país. Parti­
cularmente pelas cartas trocadas entre ele e o sociólogo Edward Frank1in Frazier 
- ex-professor de Fisk e então em Howard -, que fez pesquisa em Salvador no 
mesmo período, chegando ao Brasil em 26 de junho de 1940 e deixando o país em 
fevereiro de 1941, e Melville Herskovits, que chegou ao país em 1941 . Os prepa-
17 
• 
18 
estlldos histó/'icos . 2005 - 36 
rativos, as impressões de viagem, dos hotéis, das pessoas, das dificuldades com o 
português e a troca de informações relacionadas ao desenvolvimento das pesqui­
sas de cada um constituem fontes importantespara a compreensão do contexto e 
das condições em que as gravações de Turner foram produzidas. Em carta a 
Herskovits, Turner mostr�va-se contente com o modo como a experiência brasi­
leira transformara seu amigo Frazier: "Depois de passar quatro meses na Bahia, 
não está mais em dúvida sobre sobrevivências africanas na cultura do Novo 
Mundo. De agora em diante ele vai observar o negro norte-americano com ou­
tros olhos. Essa viagem ao Brasil foi de fato uma revelação para ele"IO 
Uma das primeiras providências de Turner ao chegar ao país foi familia­
rizar-se com o português. Em suas cartas iniciais a Frazier reconhecia sua grande 
dificuldade com a língua, "diferente do português europeu". Investiu em aulas 
de português e gravou reuniões e festas com Mário de Andrade e outros intelec­
tuais brasileiros. Entrou em contato com a Biblioteca Pública de São Paulo e 
com a pesquisadora Oneida Alvarenga para obter discos e gravações de folclore e 
festas brasileiras. Ainda que tenha registrado maneiras diversas de falar o portu­
guês, sua preocupação central eram as "sobrevivências africanas no português fa­
lado no Brasil". Assim, é em Salvador que de fato inicia suas investigações, utili­
zando um moderno equipamento de gravação. Turner chega a Salvador em 8 de 
outubro de 1 940 e, em fevereiro de 1941, escreve a Herskovits: 
o campo aqui é rico em material africano e não estou 
tendo qualquer dificuldade em encontrá-lo. As canções e histórias afri­
canas que gravei são tão numerosas que parei de contá-Ias. Gravei no mí­
nimo seiscentas canções africanas ( . . . ) existem milhares de palavras 
africanas na minha lista, além de sobrevivências delas nas frases. Nos 
candomblés da Bahia a influência de Ajudá, Daomé e Angola é mais for­
te, mas muitas palavras de outras panes da Costa Ocidental permanece­
ram no vocabulário do português do Brasil. Continuarei a trabalhar na 
cidade da Bahia ( . . . ). II 
Ao retornar, Turner fez um breve relato do material coletado no Brasil e 
particularmente na Bahia -"provavelmente o campo mais fértil de material afri­
cano no Novo Mundo" -aos representantes da Rosenwald Fund e informou que 
o primeiro resultado da pesquisa viria a lume em breve. Não era uma análise lin­
güística, e sim um estudo sobre as experiências de ex-escravos brasileiros na Ni­
géria. 12 Mesmo assim, os registros que documentam "sobrevivências" são abun­
dantes. Entre seus informantes estavam cantores, autoridades religiosas, músi­
cos, capoeiristas, homens e mulheres l igados a terreiros de candomblé. Mas al-
Do pOlltO de vista de quem? 
guns parecem ter chamado especial atenção de Turner: a yalorixá Escolástica 
Maria da Conceição - conhecida como Menininha do Gantois - e o babalorixá 
Martiniano Eliseu do Bonfim.13 Apesar da habilidade de ambos com o yorubá, 
sua importância e centralidade nos registros e escritos de Turner pode ser debita­
da à fama que ambos tinham como autoridades na "religião e cultura dos negros 
da Bahia". 
Martiniano foi informante e personagem das pesquisas realizadas pelo 
médico Raymundo Nina Rodrigues no final do século XIX. Nos últimos anos da 
década de 1 890 trabalhou na Faculdade de Medicina da Bahia, quando o médico 
maranhense trocou o gabinete pelos terreiros. Mais tarde, mas também devido à 
importância emblemática de Nina Rodrigues entre os intelectuais baianos, o 
mesmo Martiniano viria a ser um dos mais importantes informantes das pesqui­
sas realizadas por Donald Pierson (1935-37), Arthur Ramos ( 1932-33), Edison 
Carneiro ( 1 937-40), Ruth Landes (1938-39) e Edward Franklin Frazier 
( 1940-41). Menininha, além das pesquisas dos autores dessa geração já citados, 
colaborou nas pesquisas de Melville Herskovits. 
Foi o reconhecimento da importância desses personagens na constitui­
ção de uma área de "estudos afro-brasileiros" na antropologia sobre e do Brasil 
que me fez suspeitar que algumas vozes -em particular as de Menininha e Marti­
niano -pudessem ultrapassar os limites do arquivo. Mas mostrar essas gravações 
para grande parte dos meus interlocutores não foi uma operação fácil e, ao con­
trário do que eu esperava, não constituiu foco de interesse especial ou fonte de 
um gênero ernográfico particular - o comentário. 
Mostrei as gravações de Martiniano e, entre elas, trechos que incluíam 
narrativas ernográficas sobre a sua vida em Lagos e em Salvador para interlocu­
tores de mais de 70 anos, iniciados no candomblé, que freqüentaram terreiros 
desde seus primeiros anos de vida. Martiniano fora, sobretudo, um personagem 
das emografias dos anos 1930, do universo intelectual, e não das Casas e terrei­
ros. Salvo algumas exceções, seu nome aludia, quando muito, a uma figura míti­
ca sobre a qual "os mais velhos falavam". Mesmo como uma referência distante, 
estórias envolvendo sua presença não foram evocadas. 
Seu José, com cerca de 85 anos, por sua posição de autoridade, filiação 
religiosa e conhecimento do Axé Opô Afonjá, conhecera Martiniano de perto. 14 
Mas o contato e a lembrança deseu José foram traduzidos de outra maneira. Co­
nhecedor de yorubá, só conseguiu manter-se frente ao gravador por alguns mi­
nutos. A lembrança provocou um sentimento de dúvida e evocou um Martinia­
no menos "glamouroso" e menos "autoridade". Seu José conhecera um Martini­
ano que as narrativas emográficas não traduziam. E a própria presença do velho 
babalorixá como autoridade do candomblé o incomodou. Primeiro porque Mar­
tiniano nunca pertenceu exatamente ao universo dos terreiros, e sua imponân-
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estudos ',istóricos e 2005 - 36 
cia e conhecimento resultaram de seus contatos com intelectuais locais e estran­
geiros. Segundo porque quase todos os registros sonoros da voz de Martiniano 
estavam em inglês ou yorubá. Quem estaria de fato habilitado a escUlá-los e en­
tendê-los? Seu José, por exemplo. Qual nada. Em um de encontros, de­
pois de um muxoxo desaprovador, seu José deixou a sala onde por algum tempo 
estivéramos conversando e vendo fotos dos antigos barracões, dos filhos efilhas 
do Opõ Afonjá, e foi se deitar. 
Ainda que o desdém de seu José pela voz exumada de Martiniano me 
provocasse forte frustração - uma vez que imaginara "trazer de volta" relíquias e 
personagens do passado sobre os quais restaram poucos documentos e informa­
ções -, insisti em aludir, ao menos, à existência das gravações, esperando que al­
gum tipo de interesse se manifestasse e não fosse imposto por mim. A voz de Me­
nininha, ao ser reproduzida para algumas de suas filhas, também evocaria rea­
ções inusitadas. Mas as cantigas e estórias contadas/cantadas pela yalorixá foram 
ouvidas atentamente, com um interesse mais paradigmático: demonstrar a capa­
cidade de alguns ouvintes de entender o yorubá. 
Essas experiências me fizeram refletir sobre os valores que haviam ori­
entado minha própria leitura e seleção dos arquivos ernográficos. Em lugar de 
incitar leituras e comentários, meu conhecimento da literatura e das fronteiras 
dos arquivos não poderia ser, nesse caso, compartilhado, uma vez que não era ob­
jeto de interesse. Ironicamente, a profecia parecia se cumprir. Talvez registros 
como aqueles fossem de fato "relíquias" para pesquisadores, pesquisas e ouvin­
tes que adotassem uma perspectiva africanista. Depois de experimentar situa­
ções quase constrangedoras, em que tive de "explicar" diante de certa indiferen­
ça e para pessoas de mais de 70 anos quem havia sido e qual a importância de 
Martiniano, só me restava perguntar: para que e para quem serve revirar regis­
tros de encontros e relações estabelecidas no passado? 
o "outro" olhado: (lS fotografias de Ruth Lrllldes 
Em meio a um conjunto tão diversificado, talvez por sua reduzida quali­
dade técnica e por exigir um conhecimento específico da ernografia que Landes 
escreveu sobre o Brasil, o conjunto de fotos ocupa um lugar quase secundário na 
RLP. Jamais recebeu atenção particular dos pesquisadores que consultaram a 
coleção, sendo Ulilizado, quando muito, como material ilustrativo.15A Coleção 
Ruth Landes tem seus próprios princípios de indexação, e as fotos referentes à 
sua visita ao Brasil - cerca de 1.200 - obedecem a um ordenamento cronológico. 
Aparentemente, seria possível recompor o trajeto de Landes no país através das 
classes de anos e meses que emolduravam algumas imagens, legendadas ou não. 
Do 1'0lltO de vista de qllem? 
Desse conjunro, identifiquei as seqüências, as temáticas e as referências a even­
tos e encontros que pareciam ter recebido especial atenção de Landes ou dos res­
ponsáveis pela organização de seu arquivo e, a partir delas, compus um roteiro de 
viagem/visitas da antropóloga a certos personagens e terreiros de candomblé de 
Salvador. Dianre da inexisçência de qualquer informação em cerca de dois terços 
da coleção, essa primeira seleção foi fundamental para a identificação de perso­
nagens e cenários freqüenres, bem como daqueles aparentemenre isolados ou 
desconhecidos. Ao mesmo tempo, esse exercício de idenrificação, classificação e 
atribuição de relevância mostrou-se, no mínimo, insatisfatório para os usos que 
eu pretendia fazer das fotos. 
Foi o que concluí ao longo dos meus primeiros enconrros com descen­
dentes biológicos e religiosos dos três importantes terreiros de candomblé mais 
fotografados por Landes: a Casa Branca, o Axé Opô Afonjá e o Ganrois. A leitura 
e a análise das fotos, a partir da minha própria experiência emográfica de parti­
lhar uma parcela desse conjunro.de documentos com outros interlocutores, pas­
saram a ser mu/rivocais e mu/liaworais. Meus interlocutores assumiram não só a 
tarefa de (re)leirura das imagens como também a crítica à identificação das ima­
gens feita por Landes, num momemo que eu não podia precisar, e por mim, no 
período que amecedeu meu "retorno" ao campo. 
Como explicação imediata para o repentino esquecimento que fizera 
umajilha de Mãe Menininha do Gantois observar em silêncio, por alguns minu­
toS, uma determinada fotografia, silêncio logo dissipado por uma celebrada lem­
brança, viria uma interpretação para a letra confusa, as informações dispersas e 
os freqüentes "erros de identificação" encontrados nas legendas existentes no 
verso de algumas poucas fotografias de Landes. Quebrando o silêncio, ela justifi­
cava: "Tô me lembrando agora, porque eu tô vendo . . . " Memória e visualização 
apareciam assim como dimensões complementares e inseparáveis. A imerpreta­
ção da filha de Menininha não serviu apenas para que eu refletisse sobre minha 
própria experiência de campo, utilizando as fotos comp motor incitador de me­
mórias. Ela me ajudou a relativizar os seus possíveis usos por parte da própria fo­
tógrafa. Num outro texto, em que analiso o processo particular de constituição 
da RLP e a maneira como Landes selecionou, completou, classificou e deu senti­
do aos seus papéis antes de doá-los ao N AA, não me dera conta de que não só ima­
gens, mas também cartas e outros papéis foram poderosos produtores de lem­
brança (Cunha, 2004). Já havia escrito uma primeira versão do texto quando, re­
fletindo sobre o que ouvira em Salvador, pensei que, ao contrário do objetivo es­
tético e da afinidade no manejo com a câmera que caracterizam as fotos de Pierre 
Verger feitas nos mesmos lugares pouco tempo depois, um dos possíveis objeti­
vos e usos das fotografias na pesquisa de campo fora a lembrança. Embora não 
possa afit mar com certeza quando Landes produziu as poucas legendas existen-
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estrtdos históricos e 2005 - 36 
tes, duas possibilidades nos remetem à mesma preeminência do lembrar sobre o 
identificar. 
Mas lembrar nem sempre é uma experiência prazerosa. Exige esforço e 
um árduo trabalho de associação de sensibilidades que, nesse caso, é facilitado 
pela visualização. Dona. Laura, uma das mais idosas fllhas de Menininha, no 
nosso primeiro encontro em sua casa, no nordeste de Amaralina, parecia inco­
modada com o fardo da lembrança. As foros pareciam confrontá-la com um sen­
timento de perda: o candomblé de hoje não é mais o mesmo de outrora. Essa 
constatação não provocou só incómodo, mas também tristeza. Como dona Laura 
era uma das mais antigas da Casa, eu imaginara partilhar com ela momentos de 
exultação. Porém, a atividade de "ver as foros", para minha decepção, ocupou um 
tempo breve do nosso encontro. Dona Laura balançava a cabeça e mostrava-se 
visivelmente perturbada com o que explicava ser uma "dificuldade" de reconhe­
cer e iden tificar pessoas. Mesmo assim, ela indiretamente fazia alusão ao "passa­
do" sugerido pelo "tempo das foros", ao lamentar a fragilidade das relações pes­
soais, do respeito, do afeto e da amizade no presente. Sem citar nomes ou fazer re­
ferências explícitas a situações rituais, explicava por que se ressentia do tempo 
das imagens: o que havia perdido jamais poderia ser recuperado, e isso a entriste-
• 
Cla. 
A tarefa de relembrar a seqüência, os nomes dos personagens e as situa­
ções de encontro e, por fim, de reconstituir suas andanças por Salvador não deve 
ter sido fácil também para Rurh Landes. As fotografias guardadas em invólucros 
plásticos e man tidas em seu acervo revelam que esse cuidado com as imagens foi 
bem posterior à sua experiência de campo. Como Landes pretendia reproduzir 
algumas dessas foros no final dos anos 1980, quando iniciou várias tentativas 
junto a ediroras narre-americanas para publicar a segunda edição de Ci/y of 
womell, é possível que tenha sido esse o momento da recomposição. Por OUtrO 
lado, sua caligrafia difícil, cheia de códigos em suas notas de campo, indica que as 
legendas - ou pelo menos algumas delas - podem ter sido produzidas durante a 
redação do livro, entre 1939 e 1947. Ainda que especulação, essa possibilidade 
ganhou cada vez mais força diante de uma série de elementos pouco a pouco si­
nalizados pelos meus interlocurores, já que as legendas escritas por Landes des­
creviam apenas protagonisras seletos do seu livro. Na ausência de informações 
precisas sobre o contexro em que o trabalho de memória da antropóloga teve lu­
gar, me restava proceder a uma leitura especulativa sobre esse exercício. 
Parre relevante das legendas encontradas no verso de pequenos fOlOgra­
mas de 10 x 2S cm concentra-se na descrição de encontros ocorridos em terreiros 
visitados por Landes entre setembro e dezembro de 1938 e em janeiro de 1939. 
Algumas foros contêm datas e descrevem situações, enquanto outras (a maioria) 
Do pOl/to rle vista de q/lelll ? 
trazem apenas os nomes de personagens centrais. Um conjunto bem reduzido de 
imagens focaliza informantes transformados em personagens de City of women. 
-
Entre eles, Martiniano do Bonfim, Edison Carneiro, Arsênio Cruz, e outros não 
menos importantes que tiveram sua identidade alterada na narrativa de Landes. 
A central idade desses pers.onagens no conjunto de fotos sobre Salvador é eviden­
te e, ao mesmo tempo, só pode ser compreendida como ilustração- apêndice ico­
nográfico do livro. Esse fato reforça a possibilidade de o processamento das có­
pias em papel, sua disposição, legendas e seleção terem sido realizados ao longo 
da escrita de sua etnografia. Por outro lado, um arquivo fotográfico - por mais 
que os arquivistas busquem mantê-lo preservado da tentativa de consulentes de 
manuseá-lo -está sujeito à confusão, ao embaralhamento e ao reordenamento da 
temporal idade aparentemente caótica das fontes. 
No meu primeiro contato com a coleção de fotos, em 2000, percebi que 
os pequenos pedaços de papel inseridos nos invólucros plásticos continham ano­
tações de mês e ano feitas por Landes. Contudo, cópias de fotos identificadas em 
determinados conjuntos reaparecem em outras seqüências de fotografias inde­
xadas com outra datação. As duplicatas eram freqüentes e estavam por toda par­
te, indicando a possibilidade de a organização das fotos não ter sido feita por 
Landes. Num segundo momento, já de posse de uma cópia da coleção fotográfica 
armazenada em formato digital num CD-ROM produzido por técnicos da 
Smithsonian Institution, percebique havia uma organização cronológica atra­
vés da qual Landes ou o arquivista responsável pela disposição/indexação das fo­
toS colocava em relevo uma concepção do tempo elllográfico muito próxima da­
quela que estrutura o livro. Ao invés de pretender retratar fielmente a experiência 
de campo ou a realidade observada, o tempo etnográfico se prestava a mensurar, de 
forma explicitamente distante e intervencionista, a interação entre a experiência 
vivida e a experiência lembrada. Ao contrário do conteúdo e da veracidade de no­
mes e situações indicados nas legendas, a percepção de que o tempo emográfico pro­
duzira uma cronologia de densidade própria me dava a chance de imaginar um 
diálogo que, naquele momento, eu já delineara sob a forma de um projeto de pes­
quisa. O tempo emográfico sugeria um trabalho específico de produzir memória. 
Ver as fotos e ver o outro olhar as illlagel/s 
Mas o que mostram as fotos? Alguns cenários e personagens assíduos, 
sua parentela religiosa e biológica e a constância de outros personagens, infor­
mantes que por vezes figuram no segundo plano da imagem: o motorista do car­
ro que levava Landes aos terreiros, a figura por vezes pensativa e quase onipre-
-
sente de Edison Carneiro à espera da antropóloga ou em conversa informal com 
Outros informantes e a profusão de crianças no aparentefar-nieme dos terreiros. 
23 
24 
estlldos históricos e 2005 - 36 
Os terreiros da Casa Branca do Engenho Velho (identificada nas legen­
das de Landes apenas como Engenho Velho) e da Sociedade Cruz Santa do Axé 
Opõ Afonjá (identificada como "Ache"), o Ilê Iyá Omi Axé Iyamassê/Sociedade 
Beneficente São Jorge Egbé Oxossi (identificado nas legendas como Gantois), a 
Vila Flaviana e o Terreiro de Sabina foram os cenários privilegiados pelas lentes 
, 
de Landes e, certamente, de Edison Carneiro. Nas suas poucas legendas alguns 
personagens ganharam relevo especial, enquanto outros, dentro dos arquivos, 
repousariam eternamente como não-identificados. Entretanto, o trabalho da 
memória que seria realizado ao longo da experiência de "ver as fotos" junto a 
descendentes biológicos e religiosos·dessas Casas me revelava outras possibilida­
des de leitura. daquilo que eu imaginava limitar e condicionar o que chamei de 
tempo emográfico: a inversão dos planos de relevãncia das cenas retratadas, per­
sonagens transformando-se em pessoas -filhos,filhas do mesmo orixá, da mesma 
yalorixá, inllão e inllãs do "mesmo barco", sem falar de madrinhas, pais e mães ­
que se revelavam pelo jeiLO de sentar-se, postar-se juntO à porta e olhar. Todavia, 
frente às coisas, as pessoas tinham sua importância limitada. 
Em muitas conversas e si tuações de "ver as fotos" vivenciadas por ho­
mens e mulheres que hoje compõem um grupo assíduo e atuante do Gantois, da 
Casa Branca e do Axé Opõ Afonjá, o passado foi sinalizado através de uma re­
constituição espacial quase cartográfica, tanto de onde eram os objetos quanto 
dos lugares que eles ocupavam, uma vez que ambos indicavam a transformação 
valorizada. Essa maneira de "ver" se mostrou muito mais rica, interessante e re­
levante aos meus interlocutores. A localização espacial das construções, das mo­
bílias, dos utensílios rituais e das árvores e plantas sagradas das roças ganhavam 
relevo e profundidade no detalhamento de sua natureza. De que eram feitas e por 
quê, a inexistência de materiais semelhantes ou a precariedade anterior de al­
guns artefatos utilizados para produzi-Ias. Dessa maneira, o passado foi aludido 
como uma modalidade de tempo espacial na qual a data da foto é um elemento 
secundário e, mesmo para os mais velhos, de difícil precisão. 
As fotos que registram o terreiro da Casa Branca em 1938 são particular­
mente ricas em detalhes e personagens. Há muitas crianças e uma preocupação 
em retratar o cotidiano - e não as festas e rituais - do terreiro. Imagens como as 
da ida à fonte onde se apanhava água, bem como a quantidade de crianças que 
brincavam ao pé de um majestoso iroko sugerem que Landes respeitara uma das 
regras mais rígidas dos terreiros de candomblé: a impossibilidade de se fotogra­
far o barracão. O cotidiano e a vida em torno do terreiro parecem ter tido prece­
dência sobre o terreiro como cenário de práticas religiosas. Esse detalhe foi rapi­
damente observado e valorizado por muitos de meus interlocutores. Entretanto, 
um elemento sublinhou distintas formas de falar do passado a partir das fotos: as 
marcas de transformação física da Casa, seu mobiliário, as construções do terrei-
Do I'0/lto de ,'ü/n rle 1"elll? 
ro e, particularmente, as árvores e plantas sagradas do seu entorno pareciam ter 
maior relevo do que os personagens retratados. As coisas presentes nos detalhes 
se mantêm "se transformando" - corrigia Maria, falando da felicidade de vê-las 
"até hoje no mesmo lugarzinho" e de perceber, ao mesmo tempo, a "transforma­
ção se mantendo". Ao se·transformarem e permanecerem corno sempre foram 
seria mesmo difícil congelar o passado. Que passado? "Nós não ternos fotos do 
passado", lamentava, lembrando as "cercas da casa de lroko que já não se faz 
mais" e a tala de dendezeiro utilizada corno corrimão da escada íngreme que le­
va va ao barracão. 
Os detalhes do reboco exposto no antigo barracão do Gantois antes da 
reforma que sofreu em 1 941 provocaram dúvidas em dona Conceição e em suas 
filhas sobre os detalhes das janelas. O que se usava? Eram "sanefas" ou "bandei­
rolas"? Essa discussão, registrada em vídeo, durou cerca de 20 minutos. Quando 
se reconhece a transformação no espaço, parece claro que as marcas do calendá­
rio são insuficientes para dar conta de uma memória visual, mas não da visuali­
dade do objeto antropológico. Ver e lembrar, corno sinalizara afilha de Menini­
nha do Gantois, só poderiam ser experiências complementares, sem as quais o 
entendimento do objeto não poderia ser valorizado. 
A distância temporal foi sinalizada corno urna perspectiva que ressaltava 
a profundidade espacial. Ao contrário das coisas, a transformação das pessoas 
não é assunto de comentários. As coisas permanecem - transformadas - onde 
sempre estiveram, as pessoas não. Mas, curiosamente, um comentário ouvido 
em quase todas as conversas, corno urna sentença que justificaria o lapso da me­
mória ou a incapacidade de lembrar, dizia respeito à dificuldade de identificar 
pessoas. Não porque o observador fosse incompetente, e sim porque o objeto ob­
servado dificultava o reconhecimento: "Todo negro se parece". 
Mas essa dúvida permitia que se estabelecesse um caminho, urna entra­
da a partir da qual o "desconhecido" pudesse ser focalizado. Corno as pessoas 
eram na "lembrança" não necessariamente conflitava com a confusão de urna se­
melhança generalizada, ou seja, com o fato de os negros serem aparentemente 
parecidos. Mas nem tudo foi confusão. Em muitas situações houve um intenso 
confronto entre o conhecimento produzido por Landes nas legendas e as pessoas 
reveladas pelo gesto, por sua geração de iniciados e pela filiação religiosa. Houve 
também críticas ao hábito da antropóloga de identificar as pessoas pelo primeiro 
nome, além de emoção ao reconhecer parentes biológicos e, mesmo, ao reco­
nhecer-se em urna das tímidas crianças - coadjuvantes constantes das fotOs. 
Algumas conversas, entretanto, foram particularmente elucidativas, no 
sentido de evidenciar o poder evoca ti vo das imagens não para falar do passado, e 
sim, sobretudo, do presente. Nisso antropólogos e nativos pareciam partilhar as 
mesmas ambições. Mas nesse caso não deveríamos nos perguntar de que são fei-
25 
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estudos históricos e 2005 - 36 
tas as imagens que nos incitam a memória? Para os meus interlocutores, a res­
posta seria: além das coisas mantidas em transformação, as pessoas concebidas a 
partir de suas filiações. Para os antropólogos, as imagens (re)produziriam um re­
gistro da prática antropológica num tempo radicalmente diverso, cuja impossi­
bilidade de transfolluação é valorizada. O valor do documentoreside em que se 
mantenha intacto na sua suposta capacidade de nos deslocar para o passado. Para 
tanto, quase sempre, serve de atestado, prova material de que o tempo, pelo me­
nos naquele objeto, foi preservado. Em diversos encontros aprendi ser possível 
"ver" outras coisas: o tempo que permanece transformado. 
O presente emográfico congelado nas imagens, que teve, entre outras ra­
zões e funções, a de documentar uma determinada experiência emográfica, tor­
nou-se registro de uma historicidade dupla: a das memórias pessoais do tempo 
religioso e dos marcos produzidos por iniciados de uma mesma geração ("fazer 
parte de um mesmo barco"); e aquela produzida pelas narrativas antropológicas, 
em que as Casas têm histórias e.filiações religiosas coevas. No diálogo acerca das 
fotos, essa dupla referência se inscreveu de forma paralela. Ver as fotos implicou 
lembrar, mas tamhém evocar, a necessidade de guardá-Ias, de torná-Ias um "re­
gistro" da Casa!ferreiro para futuras gerações e de utilizá-Ias em outros projetos 
relacionados à política cultural promovida por algumas Casas, como, por exem­
plo, a criação de museus e memoriais. Porém talvez valha a pena explorar um 
pouco mais esses usos paralelos/distintos, emhora não necessariamente antagô­
nicos. A princípio, o domínio da lembrança - produzida pelo ver/olhar a foto - é 
o de uma experiência pessoal capaz de, no mínimo, arrefecer/distender a presen­
ça impositiva e, de certa forma, autoritária das notas e legendas produzidas pelo 
emógrafo. Isto porque, algumas vezes, meus interlocutores prescindiram desses 
roteiros!invólucros que limitam nossa capacidade de refletir sobre aquilo que é 
observado. Mas essas situações, ainda que recorrentes, não visaram a anular sua 
utilidade e recurso de identificação, e sim a estabelecer um diálogo no qual a ex­
periência do antropólogo não poderia figurar como metonímia da história da­
quela Casarrerreiro. Em outros momentos esses mesmos recursos, ao invés de 
serem evitados, foram chamados "à cena" - não para a autenticação da verdade 
sobre o passado, e sim para o confronto. Ou seja, a lembrança se insurgia contra a 
história para duvidar, ironizar e, de certa forma, para destiruí-Ia de sua autorida­
de de reter o tempo que se transforma. 
Por fim, revendo essas imagens e escrevendo sobre a experiência de 
campo e nos arquivos, penso que a produção de um texto descritivo desses en­
contros deve ser, necessariamente, polifônica. Como disse dona Conceição, foi 
através de uma experiência sensorial que uma lembrança sobre o passado pôde 
ser recuperada. De alguma forma, é necessário fornecer diferentes pistas - mo­
dos de ver e pensar o passado - que nos permitam olhar as imagens produzidas 
Do POlltO de vista de qllem? 
por Landes e escutar as entrevistas, recheadas de estórias e cânticos, registradas 
por Turner. Contudo, a possibilidade de conectar esses encontros e relações de 
conhecimento não anula a historicidade própria nem dos artefatos que tiveram 
origem no arquivo - as fotografias e as vozes registradas em suportes de áudio -, 
nem daqueles que através do olhar e da lembrança estabelecem com os "artefa­
tos" e seus leitores especializados uma forma sensível de diálogo. 
Notas 
J. Folder de Melville J. Herskovits 
Library of Afriean Studies. EvanslOn, ' 
Nonhwestern University Archives, 1998. 
2. Para uma visão atualizada dos acervos 
preservados pelos Arehives ofTraditional 
Music, ver 
hrrp:llwww.indiana.edu/-libarehm/. 
3. Lorenzo Dow Turner Papers, Africana 
Manuscript, Finding Aid. Africana 
ColleclioD, Nonhwestern Universiry, s.d. 
4. Desde, pelo menos a publicação de The 
birth of African-Amen"can culture: an 
amhropological perspeclive (Price e Mintz, 
1971), esse é um debate datado, que já 
mereceu inúmeras análises críticas 
quanto à natureza epistemológica que 
eSlI'utura seus pressupostoS mais 
difundidos. 
S. Limito-me ao impacto de suas 
pesquisas na produção e no debate 
antropológico da época. O pioneirismo 
de Turner tem merecido reconhecimento 
por pane dos lingüistas. Ver, por 
exemplo, o evento que celebrou os 50 
anos de sua publicação - Gullah: A 
Linguistic Legacy of Africans in 
América. A Conference on the 50th 
Anniversary of Africanisms in the Gullah 
Dialecl - organizado em Washington 
D.C. em novembro de 2000. 
6. Pesquisas sobre "comunidades 
isoladas" na Carolina do Sul haviam sido 
iniciadas por Guy Johnson (1930). 
7. Os primeiros resultados da pesquisa 
de Turner nas Sea Islands só seriam 
publicados 1 5 anos depois (cf. Turner, 
1949). 
8. A Rosenwald Fund foi uma instituição 
fundada após a morte de Julius 
Rosenwald, dono da cadeia de lojas Sears 
Roebuck nos anos 1920, com o objetivo 
de investir na educação de "North 
American negroes". A bolsa recebida por 
Turner era exclusiva para "'negeoes' ar 
'white southerners' who wish to work 00 
some problem dislincLive lO lhe South 
and who expecI to make their careers in 
the South". Julius Rosenwa1d Fellowship 
Poster, Lorenzo Dow Turner Papers, 
Africana Colleclion, Northwestern 
University. 
9. Grande parte do acervo profissional de 
Ruth Landes foi depositado no National 
Amhropological Archives, Smithsonian 
Institution. A antropóloga Sally Cole 
leve acesso aos seus documentos 
mantidos no RISM e escreveu vários 
textos sobre Landes (Cole, 1994, 1995a, 
1995b, 2002 e 2003). 
10. Carta de Lorenzo Dow Turner para 
M. Herkovits, 4/2/194 1 . Melville 
2 7 
28 
estudos históricos e 2005 - 36 
Herskovits Papers, Nonhwestern 
University Archives, Box 25. 
11. Esse parece ser um rascunho, sem 
data, de cana enviada em 4/2/41 a 
Herskovits. Lorenzo Dow Turner Papers, 
Africana Collection, Nonh\vestern 
Universiry. 
12. Lorenzo Dow Turner a W. Haygood, 
18/1 1/4 1 . Lorenzo Dow Turner Papers, 
Africana Collection, Northwestcrn 
Universiry, Box 3, Folder 8. Ver artigo 
onde o au ror analisa o material coletado 
em Salvador (Turner, 1942). 
13. As entrevistas com Maniniano 
Eliseu do Bonfim foram gravadas nos 
dias 12/10, 14/1 O, 16/1 O, 2UI 0, 9/12, 
18/12 e 24/12 de 1 940, e 31/1 de 1941. 
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Lorenzo Dow Tumer Papers, Africana 
Collection, Northwestern University. 
14. Por não contar ainda com autorização 
dos informantes para que seus nomes 
fossem revelados quando da descrição de 
situações que envolviam sensibilidade e 
intimidade, tOdos os nomes aqui 
utilizados são fictícios. Pelo mesmo 
motivo, não faço distinção de parentesco 
religioso ou biológico ao utilizar termos 
comofilha(o), e irmão(ã). 
15. Algumas fOlOS foram pubLicadas oa 
segunda edição de seu livro, lantO em 
inglês (City ofwomell, University of 
New Mexico, L994) quanto em português 
(A cidade das mulherú, EdUFR], 2001), 
e na biografia escrira por Sally CoLe 
(2003). 
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Resumo 
Do pOllto de vista de quem? 
Larenzo Dow Turner Collection, 
Archives ofTraditional Music, Indiana 
University (ATM). 
RUlh S. Landes Papers. National 
Anthropological Archives, Smithsonian 
InslÍtulÍon (RLP/NAA). 
(Recebido para publicação em julho e 
apruvado em agosto de 2005) 
Este artigo propõe uma leitura comparativa de duas coleções etnográficas -
a de registros sonoros feitos por Lorenzo Dow Turner e a de fotografias de 
Ruth Landes - a partir de perspectivas diversas. Resultantes de viagens de 
campo ao Brasil feitas pelo lingüista em 1941 e pela antropóloga em 1938-39, 
sua utilização foi compartilhada por outros interlocutores a partir de uma 
experiência etnográfica realizada em 2003, na qual alguns significados 
tradicionalmente atribuídos a fontes arquivísticas dessa natureza foram 
reinterpretados. Com base nessas experiências, o artigo discute algumas 
implicações dos significados dos arquivos etnográficos e de seus usos na 
pesquisa de campo e na etnografia. 
Palavras-chave: história, etnografia, arquivos, pesquisa de campo, história da 
antropologia, Estados Unidos. 
Abstract 
This artic1e proposes a comparative reading of two different erhnographic 
collections - a set of audio recordings made by the linguist Lorenzo Dow 
Turner and a series ofphotographs raken by the anrhropologisl Ruth Landes 
- from different point orviews. Being lheresult of fieldwork travels in Brazil, 
respectively in 194 1 and 1938-9, the two collections were used on a research 
carried out in 2003 in which rhe meanings lraditionally altributed to archive 
sources of [his kind were reinterpreted. On lhe base of rhese experiences lhis 
artic1e discusses some implications of the meanings of ethnographic archives 
and rheir possible uses in fieldwork and ethnography. 
Key words: history, ethnography, archives, fieldwork, history of anthropology, 
United States. 
3 1 
32 
eswdos históricos - 2005 - 36 
Résllmé 
Cet artic1e analyse deux différentes collections ethnographiques: celle des 
enregistrements sonores rassemblés par le linguiste Lorenzo Dow Turner et 
celle de photos faites par l'anthropologue Ruth Landes. Le deux collections 
sont le résultat de recherches sur le terrain realisées au Brésil, respectivement 
en 1941 et 1938-9, e elles ont été utilisées dans une recherche de 2003 dans 
laquelle les sens traditionnellement attribués à des sources de ce genre ont été 
réinterprétés. En partant de ces expériences, l'artic1e discute les implications 
de signifiés des archives ethnographiques et leu r emploi dans la recherche de 
terrain et dans I'ethnographie. 
MOIS-clés: histoire, ethnographie, archives, recherche de terrain, histoire de 
-
I'anthropologie, Etats Unis. 
•

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