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1 Aula 2: Teorias, enfoques e debates sobre os processos de integração regional Apresentação Sejam bem-vindos à segunda turma do curso! Na primeira aula apresentamos o curso, conhecemos os objetivos desta formação, os conteúdos e atividades que guiarão nossos estudos nas próximas semanas. Nesta aula, abordaremos os seguintes tópicos, que são fundamentais para entender o que queremos dizer quando nos referimos à integração e suas dimensões, principalmente aquelas que dizem respeito à construção de significados, identidades e narrativas sobre a unidade: ● Abordagens clássicas e recentes da literatura sobre regionalismo e integração. Isso nos permitirá entender como a integração tem sido estudada, tornando visível também relações de poder na difusão de práticas e/ou modelos desejáveis de "como fazer a integração”, bem como a colonialidade da construção do conhecimento sobre esses processos. ● Políticas de integração educativa numa perspetiva teórica, de forma a abordar a formação da cidadania e da identidade regional a partir do papel docente. O que é a integração regional? Para conhecer a fundo o processo de integração do Mercosul e pensar na construção da cidadania regional a partir do papel docente, propomos que comecem por se perguntar: O que é a integração regional? Embora a questão pareça bastante intuitiva, as ciências sociais têm tido importantes debates em torno do termo. Esses debates também são atravessados pela colonialidade do saber-poder pela qual algumas formas de conhecimento têm sido mais legitimadas, enquanto outras produções de conhecimento foram relegadas a um papel periférico. Por este motivo, apresentamos alguns marcos 2 na trajetória de construção de um campo de estudos da integração regional, que tem caminhado de mãos dadas com a construção de práticas e experiências concretas de integração. O conceito de integração regional como tal, surge para entender um fenômeno novo no mundo pós segunda guerra mundial: a formação da Comunidade Europeia do Carvão e do Aço (CECA), que é o primeiro antecedente do que hoje conhecemos como União Europeia. Isso porque os primeiros autores a analisá-la foram acadêmicos da disciplina de relações internacionais que observaram com curiosidade como a Alemanha e a França – depois da tragédia da Segunda Guerra Mundial – poderiam partilhar atributos de sua soberania em um novo espaço institucional. Além dessa preeminência européia que, com efeito, dá nome a esse campo de estudos (leia-se, as teorias da integração), a América Latina tem dado contribuições importantes que nos permitem trazer este conceito para entender nossa própria realidade. Claro, com aproximações às abordagens europeias, mas reformulado, readaptado. Para definir este conceito, podemos começar por dizer o que não é a integração regional. É importante reconhecer que não existem regiões –no sentido que a palavra adquire aqui– somente pelo fato de compartilhar a mesma geografia ou ter padrões culturais semelhantes. Pelo contrário, um primeiro elemento para definir as regiões é que são construções sociais e políticas, ou seja, são espaços que se organizam a partir de uma ideia, uma visão, um modelo ou um projeto (político) que indica como um país deve se organizar e qual deve ser sua relação com os outros países em um momento histórico específico. Como um correlato disso, as regiões estão em disputa. Em outras palavras, no mesmo momento histórico diferentes ideias e conceitos sobre o que as regiões deveriam ser e como deveriam funcionar. É por isso que as regiões são espaços em construção permanente e que mobilizam diferentes atores políticos e sociais. Desse modo, podemos afirmar que a integração é um processo e não um produto, um resultado. Os processos de construção regional envolvem todos os atores sociais e políticos. Todos eles e todas eles mantem ideias ou modelos sobre os objetivos de longo prazo a serem alcançados por meio da integração regional e os procedimentos, mecanismos e/ou metodologias que devem ser implementados para levá-los a cabo. 3 Ao mesmo tempo, a integração regional é um instrumento de política: isto é, uma ferramenta dentro de um repertório mais amplo de políticas e práticas para que esses diferentes atores possam orientar seus projetos. Partindo sempre da premissa de que por meio da unidade - união de mais de um componente (neste caso, Estados; mas também poderíamos pensar em uma dimensão do integração além do repertório de políticas públicas governamentais) esses fins são alcançados ou objetivos de uma maneira melhor e mais estratégica. Nesse percurso de delimitação do conceito, vale ressaltar que a integração regional é um processo diferente da cooperação internacional entre Estados e entre atores sociais e políticos. Porque? Porque um segundo elemento para entender a integração regional é que esse processo está associado a criação e expansão de instituições regionais. Em outras palavras, um processo de integração regional é uma projeto que se expressa formalmente na criação de instituições comuns que implicam a em comum dos atributos da soberania de um Estado na referida organização. A criação dessas instituições regionais pode variar em sua forma, escopo e profundidade; e geralmente existe uma dicotomia entre instituições de tipo intergovernamental e instituições supranacionais (ver tabela 1). Isso fica claro a partir de certas visões presentes na literatura acadêmica, mas que se transferem para a opinião pública e para um certo senso comum normativo-prescritivo baseado em mitos e equívocos sobre a integração europeia. Em outras palavras, muitas vezes se espalhou a ideia de que a integração europeia é "melhor" ou "mais profunda" porque se considera que tem instituições de tipo supranacionais; sem indicar que o sistema de governança – ou seja, seu funcionamento atual– combina instituições dos dois tipos, em equilíbrio ou equilíbrio, de modo que a tomada de decisão seja compartilhado entre espaços que representam um interesse regional ou comunitário e espaços que representam os interesses, as ideias, os valores de cada um dos Estados-Membros. 4 Tabela 1. Principais características de instituições supranacionais e intergovernamentais Características /Tipo Intergovernamental Supranacional Composição Representantes dos Estados membros. São funcionários públicos eleitos ou designados para cumprir um papel no Estado nacional e adicionam a função de representação na organização regional. Representantes do espaço regional ou comunitário. São funcionários que foram eleitos ou designados especialmente para cumprir com a missão nesta organização, nacionais de um Estado membro, mas que não o representam. Interesses, ideias, valores, normas que defendem Nacional Regional ou comunitário Mecanismo de tomada de decisão Unanimidade ou consenso (um Estado = um voto; necessidade de que todos os países votem para chegar a uma decisão). Favorece o bloqueio de decisões unilaterais. Sistema de maioria. Efeitos gerados pelas normas sobre os ordenamentos jurídicos dos países Efeito indireto. Precisam ser internalizadas por mecanismos internos (por exemplo, ser aprovadas Efeito direto. Aplicação imediata sem necessidade de internalização nos ordenamentos normativos de cada país 5 pelos parlamentos nacionais). Fonte: Elaboração própria Para maiores informações sobre o sistema de tomada de decisões da União Europeia, com especial atenção para a combinação de instituições de ambos os tipos, acesse: https://european-union.europa.eu/institutions-law-budget/law/how-eu-policy- decided_es Recomendamos verificar a composição das instituições para identificar esses atributos e compreender como o sistema de tomada de decisões abrange ao menos três dessas instâncias:a comissão europeia, o conselho europeu e o parlamento europeu. Como resultado deste olhar sobre os tipos de instituições, muitas vezes é erroneamente afirmado que com instituições intergovernamentais não há cessão de soberania e por isso a integração “falha”. No entanto, a transferência ou compartilhamento da soberania (leia-se, a capacidade de determinar políticas autonomamente) não é atributo exclusivo de um formato institucional em detrimento de outro. Pelo contrário, com diferentes formatos institucionais de integração é possível compartilhar alguns pontos para desenvolver um projeto compartilhado. É claro que as instituições supranacionais têm “vantagem” desde que “zelem por” um interesse regional ou comunitário; apesar de alguns perspectivas também poderiam afirmar que "muita supranacionalidade" pode levar a processos burocrático para a "sobrevivência" de uma organização regional em detrimento dos interesses, ideias e valores da região como um todo e dos Estados membros que a compõem. Atualmente é mais comum reconhecer esta situação de diversidade de formatos regionais, sem colocar rótulos como “melhor” ou “pior”, e ainda, vincular a questão da soberania do Estado com a da autonomia política para a tomada de decisões. Uma https://european-union.europa.eu/institutions-law-budget/law/how-eu-policy-decided_es https://european-union.europa.eu/institutions-law-budget/law/how-eu-policy-decided_es 6 situação que a América Latina, com seus processos e atores vem afirmando e reivindicando há muitos anos (pelo menos desde os anos sessenta em diante). Tem sido especialmente com a crise da integração europeia (que começou em 2008 e inclui o cenário pandêmico e a atual guerra em seu território) que são reconhecidas as contribuições de nossa região em pensar e construir a integração. Na próxima aula abordaremos o pensamento latino-americano para a integração, apresentando e analisando autores e conceitos que foram moldando as narrativas e identidades em torno da construção da região, bem como dos processos formais de criação de convênios e iniciativas. Este curso nos permite compreender as razões por que esta parte do mundo – América Latina e Caribe, América do Sul – busca na integração uma ferramenta para alcançar outros objetivos: autonomia política, desenvolvimento socioeconômico, defesa dos recursos naturais, paz, democracia e direitos humanos. Porque sempre que nos referimos a projetos de integração temos em mente aqueles objetivos em torno dos quais o exercício do poder é orientado mobilização política e social. Como se define, então, a integração regional? A seguir, apresentamos a definição de um dos autores fundadores do campo de estudos para abordar a integração pós- Segunda Guerra Mundial Guerra Mundial na Europa Ocidental, Ernst Haas. Em seguida, apresentamos a definição elaborada por um autor argentino para pensar a integração na América Latina, autor que é um dos membros do escola autônoma em estudos internacionais (e que também recuperamos na classe 3), Juan Carlos Puig. Por fim, apresentamos uma elaboração mais recente que recupera ambas as tradições, elaborado por um membro de nossa equipe de professores, Daniela Perrotta. A apresentação destas três definições pretende: ● Apresentar os elementos comuns que definem o que é integração regional e quais são suas componentes e dimensões. 7 ● Identificar como ideias e conceitos "migram" entre diferentes espaços acadêmico-políticos, as reapropriações que são feitas quando se busca que esse conceito aluda a um fenômeno em outra dimensão (ou seja, traduções e ajustes a serem feitos). Para Ernst Hass, a integração regional é o "processo pelo qual os atores políticos em vários e diferentes contextos nacionais são persuadidos a mudar suas lealdades, expectativas e atividades políticas para um novo centro, cujas instituições possuem ou reivindicam jurisdição sobre os Estados nacionais pré-existentes” (Haas, 1958, p. 16). ● Nesta definição destaca-se tanto a criação de novas instituições, com uma nova jurisdição que se sobrepõe à dos Estados-nação pré-existentes e que os concebem como uma ideia nova: essas novas instituições podem levar a mudar as lealdades dos atores políticos nacionais. Este item é novo porque é um antecedente do que, posteriormente, as abordagens construtivistas e/ou ideacionais analisam como mudanças nas identidades, processos de aprendizagem social e disseminação de informações. Para Juan Carlos Puig, a integração regional é "um fenômeno social segundo o qual dois ou mais grupos (Estados, sociedades, empresas, comunidade internacional) adotam um regulamento de certos assuntos que até então pertenciam à sua competência exclusiva (ou domínio reservado) [...] são comportamentos cujo objetivo é tornar os grupos em questão renunciar à ação individual em certos assuntos, a fim de fazê-lo de maneira juntos e com um sentido de permanência” (Puig, 1986, p. 41). ● Nesta definição, Puig incorpora algo –também presente em Haas– como a participação dos diversos atores na construção da região e sua “renúncia” à atividade individual em busca de de ação coletiva conjunta com um senso de permanência. Aqui também estão os itens ideacionais que operam na escolha dessa estratégia de política externa. Para este autor, a integração regional autonomizadora é aquela que ele define como solidária: 8 “[…] [a integração] é possível por meio de valores compartilhados e alianças que poderia se materializar em sua defesa conjunta. […] Apesar das diferenças existentes em termos de potencial, há valores que são compartilhados pela grande maioria dos latino-americanos –elites e povos. Um deles é o da autonomia, todos os nossos países tentam ser autônomos. Pode haver discrepâncias quanto à forma e a intensidade do impulso autonômico e das estratégias aplicáveis, mas não se pode duvidar do objetivo perseguido, apesar das diferenças estruturais e da diversidade de orientações políticas, ganha relevo a capacidade de decisão nacional". (Puig, 1986, p. 45) Para Daniela Perrotta, a integração regional "pode ser caracterizada a partir de um conjunto de características comuns que diferenciam as formas de cooperação, coordenação ou acordo interestadual: a criação de instituições comuns e/ou compartilhadas para tomar decisões acordados que geram normas que afetam o nível nacional de regulamentação de políticas. Vale a pena notar que (1) o agrupamento e/ou transferência de soberania não deve ser idêntico em todos os casos, (2) o regulamentação regional na agenda doméstica pode variar em profundidade e escopo e (3) nem todos os acordos avançam necessariamente na conformação de uma narrativa comum que forneça um horizonte de sentido compartilhado sobre o projeto político subjacente que erige a região como ator” (Perrotta, 2018, p. 10). ● Nesta definição, ligada às outras duas, foca-se a necessidade de incorporar processos com vários formatos institucionais e regulamentos regionais díspares; destacando que o componente ideacional de construção de uma narrativa que reúne e molda a necessidade de unir-se deve estar presente. Embora nem todos progridam da mesma forma, na própria concepção definição dos projetos políticos e dos objetivos para os quais se orienta o exercício do poder político e a mobilização dos atores sociais para a construção daquela região, questões de natureza ideacional, normativa e avaliativa são cruciais. No âmbito do Mercosul, autores e autoras da região realizaram aportes substanciais para entender estes processos. Aqui destacamos alguns deles. 9 Aldo Ferrer foi um economista argentino preocupado em entender o desenvolvimento da nossos países com visão própria e convictos da estratégia regionalista como ferramenta para atingir esse objetivo. Em suas muitas publicações, a integração é pensada em conexãocom o desenvolvimento econômico, com o papel da América Latina em nível global e a busca de chaves de leitura adequadas para a região. Dessa perspectiva, concebeu que o possível Mercosul era aquele capaz de desenvolver sua densidade regional. Ele considerou que na medida em que os países latino-americanos progresso na cooperação e integração, seria possível fortalecer seus respectivos espaços nacionais e adequar as respostas aos desafios e oportunidades do globalização da ordem mundial contemporânea. Gerónimo de Sierra é um professor e pesquisador uruguaio dedicado a trabalhar na processo de integração do Mercosul. Sua leitura sobre a integração regional é multidimensional: ou seja, busca não ficar com um olhar que privilegia apenas o econômica (ou mais especificamente, comercial), mas se propõe a abordar a região de suas múltiplas arestas ou faces. Dessa forma, busca superar reducionismos e compreender a realidade de forma mais completa, para nela poder intervir. Para o Ao mesmo tempo, reconhece o papel desempenhado por todos os atores (e não apenas Unidos) na criação da região. Monica Hirst é uma historiadora brasileira especializada em política externa do Brasil, cooperação internacional, integração e segurança regional. Entre suas muitas contribuições destacamos aqui que os processos de integração envolvem movimentos sociais cujas chaves não podem ser cobertas por uma interpretação conjuntural e meramente favorável ao comercial. Para o autor, eles só são acessíveis em sua diversidade e abrangência através de uma abordagem interdisciplinar e de longo prazo. E provavelmente, afirma analisando a crise do início dos anos 2000, um dos maiores déficits do MERCOSUL, que se faz sentir nos momentos mais críticos, é a ausência de um “modo de pensar”. Desta forma, incorpora a discussão em torno das ideias e identidades. 10 Enfim, entender o que é integração regional é um passo importante para começar a estudá-la. Uma vez dado este primeiro passo, podemos avançar investigando as teorias e abordagens que foram desenvolvidos para entender esses processos. Em um primeiro momento, o estudo dos processos de integração regional em nossa região foi permeado por dois elementos. O primeiro é o eixo da dimensão econômico-comercial e aproximação entre os países. O segundo é o uso de ferramentas teóricas criadas em outros esferas (especialmente na Europa) para tentar entender os fenômenos locais. Mais tarde, surgem novas abordagens, conceitos e teorias que nos permitem construir uma visão mais ampla da América Latina para explicar nossos próprios processos (neste ponto, a aula 3 fornece elementos de continuidade de conteúdo para esta aula). Esquemas de integração econômica Durante muito tempo, a ideia de integração regional esteve associada à integração econômica: isso se deve porque os primeiros processos de integração ocorridos desde meados do século XX foram organizada em torno da dimensão econômica. Nesta seção, apresentamos esquematicamente o que queremos dizer quando nos referimos à integração econômica regional. O autor sobre o qual são erigidos esses esquemas, bem como a análise do percurso da integração na Europa Ocidental, é Bela Balassa. Área de livre comércio: a forma mais básica de integração econômica entre dois ou mais países que reduzem e tendem a eliminar tarifas de importação e exportação entre eles, mas mantêm as suas políticas comerciais em relação a outros países. As mercadorias circulam livremente dentro da zona de livre comércio, mas cada parceiro mantém suas respectivas tarifas em relação aos demais países do mundo. União Aduaneira: mom base no exposto, os países decidem ter uma política comercial comum em relação aos demais países ou grupos de países. Isso significa que eles concordam em criar uma tarifa externa comum para mercadorias que entram/saem da zona do exterior (ou seja, importações e exportações de países que não fazem parte da área de livre comércio). Isso implica, ao mesmo tempo, acordar um código aduaneiro comum e coordenar as alfândegas nacionais para evitar cobranças duplas e redistribuir o ônus. 11 Mercado Comum: implica a criação de regulamentos para facilitar a livre circulação de mercadorias, serviços e capital –incluindo a mobilidade das pessoas–. Aqui é preciso começar a ter convergência macroeconômico entre os países que o compõem. União Económica e Monetária: alcançado o mercado comum para todos os meios de produção, o próximo passo é avançar na coordenação de uma política econômica e monetária única, e não apenas uma política comercial compartilhada. Isso implica, por exemplo, a estabilização das taxas de câmbio entre moedas primeiro, para depois dar lugar à criação de uma moeda comum e de uma autoridade monetária única (como o euro e o Banco Central Europeu). As teorias da integração europeia A ideia de integração regional e o estudo desses processos como tais a partir das ciências sociais começa a ganhar forma no campo das Relações Internacionais a partir da experiência europeia, em meados do século XX: observou-se com grande curiosidade como a França, a Alemanha ocidental, Bélgica, Holanda e o Luxemburgo cederam a soberania na gestão do aço e do carvão após o advento da Segunda Guerra Mundial. Assim, o estudo da integração na Europa Ocidental foi permeado pelas lentes da disciplina (Relações Internacionais) e como essa incorporou outras abordagens. Com o avanço da integração “concreta”, outras disciplinas sociais se juntaram com perguntas e visões teóricas para pensar e estudar tal integração (sociologia, antropologia, ciência política, psicologia, etc.). Mais recentemente, especialmente com a crise de integração, o campo de estudos da integração europeia será mais perspicaz para a inclusão de perspectivas feministas e contribuições de outras latitudes (como de nossa região latino- americana). A crise também permitiu aos estudiosos do regionalismo (foco que se popularizou desde a década de 1990 para entender os processos não europeus) abordará com os estudiosos da integração europeia para gerar convergências e avançar teorias. Nos textos recomendados para leitura desta turma, há duas obras complementares do mesmo autor para discutir cada teoria e abordagem. Sugerimos que você faça essa análise a partir da tabela resumo que aparece a seguir, por meio da qual focamos nas 12 questões que cada contribuição teórica procura responder em cada momento histórico do futuro da integração europeia. Quadro 2: Fases das teorias de integração européia e teorias elaboradas Fase Tempo Tema principal / perguntas Referenciais teóricos Teoria Explicação da integração regional 1960 em diante Como se explicam os resultados da integração regional? Por que acontece a integração regional na Europa (Ocidental)? Liberalismo, realismo e neoliberalismo Neofuncionalismo e Intergovernamentalismo Análise da governança 1980 em diante Que tipo de sistema político é a União Europeia? Como se pode descrever seus processos políticos? Como funciona sua política regulatória? Governança, política comparada, análise de políticas Intergovernamentalismo liberal Neofuncionalismo revisitado Governança multinível Institucionalismos (eleição racional, sociológica, histórica) Europeização Construção da União Europeia 1990 em diante Como e com que consequências políticas e sociais se desenvolve a integração regional? Construtivismo social, pós- estruturalismo, economia política internacional Teoria política normativa Enfoque de gênero Construtivismo Enfoques de gênero e desconstrução Europeização (mais adiante, teorias de difusão de normas). Fonte: Tomado de Wiener & Diez, 2012. A coluna da teoria é uma contribuição dos autores. Discussões sobre regionalismos Na década de 1990,diante da reconfiguração do cenário político e econômico internacional, acordos de integração regional começaram a ser criados em diferentes partes do mundo, vinculados ao processo de globalização econômica neoliberal da época. 13 Em primeiro lugar, a política de integração regional está sujeita à formação de uma visão prescritiva, por organismos internacionais de crédito e/ou comércio multilateral, quanto à modalidade e intensidade dos novos regionalismos. Em seguida, é gestada, dentro do campo dos estudos de integração regional, a "abordagem do novo regionalismo" para tentar testar uma resposta teórica a esses processos inéditos e contestados, cuja preocupação central consiste em analisar a relação entre regionalização e globalização, definir o conceito de região e distinguir as formas (e/ou gradações) de integração regional dado um mapa global caracterizado pela multiplicidade de acordos marcados pela complexidade e diversidade entre cada um deles. Tal como na seção anterior, não se pretende revisitar exaustivamente cada autor, mas marcar alguns elementos para analisar as propostas e acompanhar a leitura da bibliografia que sugerimos ler. Uma chave de leitura é entender as respostas teóricas à luz dos incentivos para gerar esse tipo de acordos, conforme descrito por Laura Gómez Mera (2005): Quadro 3. Incentivos para o estabelecimento de acordos de integração regional (AIRs) Teoria Incentivos Hipóteses Economia Política Doméstica 1- Estado-cêntricas Econômicos Buscam-se os AIR devido aos efeitos econômicos esperados em nível doméstico: seja por ganhos em ampliação do comércio, da produção regionalização e economias de escala, como a atração de capital estrangeiro (investimento estrangeiro direto, IDE). Políticos Espera-se que os AIRs consolidem e selem as reformas políticas e econômicas (neo)liberais. (Neste sentido, um AIR gera um “efeito bloqueio” enquanto permite ancorar processos de reforma nacional em um acordo [ou quadro internacional] cuja dissolução é mais difícil). 2- Sociedade-cêntricas Sociais O estabelecimento dos AIRs reflete as pressões do setor 14 privado: por um lado, dadas as expectativas de lucro dos setores exportadores que alcançam o acesso ao mercado regional; de outro, os setores que competir com importadores que obtêm o proteção dos produtores de países terceiros. Sistêmicas 1- Neorrealismo Estratégico Defensivos Os AIRs são vistos como uma estratégia para aumentar o poder dos membros (Estados-Nacionais) no negociações multilaterais, e entre outros blocos e/ou estados hegemônicos extrarregionais. Estratégico Ofensivos Os AIR são vistos como uma estratégia para afetar o equilíbrio do poder político na região: para os Estados mais fortes, uma forma de consolidar sua liderança; para os mais fracos, uma tentativa de conter o exercício do poder hegemônico de um membro mais poderoso. 2- Institucionalismo neoliberal Institucionais Os AIRs são vistos como uma resposta conjunta aos problemas causados pelo aumento da interdependência. Mantidos por funções valiosas que realizam. 3- Construtivismo Estratégico positivos O surgimento e manutenção de AIRs refletem valores regionais comuns e um senso de consciência e coesão que é reforçada ao longo do tempo por meio de networking e interação institucionalizada. Fonte: elaborado a partir de Gómez Mera (2005) Outra leitura chave que propomos é rever as diferentes "categorias" em que a construção da região, tal como Hettne e Soderbaum, a partir da noção de regionalidade ou Hurrell com as categorias de regionalismo. Sugerimos que você os revise diretamente no texto sugerido para esta aula, com atenção especial aos componentes que cada uma dessas categorias agrega para alcançar a "integração". 15 No texto de referência você também encontra conceituações sobre regionalismo e regionalização. Políticas de Integração Educacional sob o Olhar Teórico Para culminar esse percurso teórico inicial, nos propomos a trabalhar a noção de políticas públicas (PPR), entendidas como "aquelas ações emanadas dos órgãos do governo regional (ou seja, no marco do peculiar sistema de governança que a região criou para seu funcionamento) alcançar os fins para os quais está orientado o exercício do poder político tanto pelos Estados Nacionais que formaram e participam desse processo de integração regional, bem como nas instituições de governos regionais que tenham ou não capacidade decisória” (Perrotta, 2013). ● Ao se referir ao sistema de governança da região, a definição incorpora a distinção de que, Por um lado, as políticas regionais não são da competência exclusiva de um único jogo de decisão e que, por outro lado, os atores e instituições envolvidos tenham capacidades e recursos diferentes de acordo com o assunto em questão. ● A alusão ao propósito da política regional, ou seja, sua orientação para atender aos objetivos que lhe são o poder político foi proposto, ele se insere nas relações de poder que se estabelecem entre Estado, mercado e sociedade em múltiplos níveis de governança (regional, nacional e local) e o consequente reconhecimento de que mesmo decisões aparentemente técnicas têm uma componente política que lhe é inerente. No texto que deixamos como sugerido (não obrigatório) para abordar a integração educacional, você pode descobrir como se formou o Setor de Educação (SEM) do MERCOSUL e as políticas e iniciativas regionais desenvolvidas. O que ali é abordado pode ser recuperado na aula específica desta formação de professores. Sugerimos prestar atenção aos seguintes elementos: 1. criação precoce: tem 30 anos de operação; 2. Processo de institucionalização sustentado no tempo, acumulação de capacidades de gestão; 16 3. profissionalização de perfis técnicos, socialização de normas (construção de identidade); 4. Implementação do PPR em etapas: clivagem e vinculação direito/mercadoria (público/privado) com a política doméstica. Sobre este último ponto, destacamos que a clivagem central para entender as diferentes políticas públicas regionais é a oposição entre educação como direito e educação como mercadoria: desde a criação da agenda –ainda na fase de concepção do MERCOSUL– as iniciativas dirigidas não estavam diretamente ligadas a um projeto mercantil-privatista de educação. A questão central tem sido – e é – se a relação com o mercado é conduzida pelo Estado ou se há uma maior presença de atores privados na delimitação de metas e instrumentos. Fechamento da aula Nesta aula apresentamos o desenvolvimento da teoria da integração e focamos na definição de integração regional, articulando debates com conceitos como regionalismo e regionalidade. Nesse processo, nos concentramos em "esclarecer" dois equívocos sobre a integração: por um lado, que apenas o a supranacionalidade garante um "processo mais profundo" e, por outro, que a integração é eminentemente econômica. Ao contrário, vimos como a construção da região é realizada por diferentes atores sociais e que sempre visa atingir objetivos ou fins (políticos): ou seja, os atores se mobilizam para projetos regionais que estão ligados a ideias, valores e identidades. Agradecemos a atenção e nos encontramos na próxima aula! Material de Leitura Perrotta, D. (2013). “La integración regional como objeto de estudio. De las teorías tradicionales a los enfoques actuales”. En Elsa Llenderrozas (Ed.), Teoría de Relaciones Internacionales. Buenos Aires: Editorial de la Universidad de Buenos Aires (EUDEBA), 2013, pp. 197-252. 17 Perrotta, D. (2019). La integración educativa en el MERCOSUR. In M. Vazquez (Ed.), El MERCOSUR. Una geografía en disputa (pp. 299-266). Ciccus. Material Opcional Perrotta, D. & Porcelli, E. (2019). El regionalismo es lo que la academia hace de él. Revista Uruguaya de Ciencia Política, 28, pp.183-218. http://www.scielo.edu.uy/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1688-499X2019000100183&nrm=iso Perrotta, D. (2018). El campo de estudios de la integración regional y su aporte a la disciplina de las Relaciones Internacionales: una mirada desde América Latina. Relaciones Internacionales (38), 9-39. https://revistas.uam.es/index.php/relacionesinternacionales/article/view/9275/9924 Referências Gómez Mera, L. (2005). Explaining Mercosur’s Survival: Strategic Sources of Argentine– Brazilian Convergence. Journal of Latin American Studies, 37, pp. 109-150. Haas, E. (1958). The Uniting of Europe: political, social and economic forces (1950-1957). Stanford University Press. Haas, E. (1970). The Study of Regional Theorizing: reflections on the joy and anguish of pretheorizing. International organization, 24, pp. 607-646. Hettne, B. & Söderbaum, F. (2002). Theorising the rise of Regionness. In S. Breslin, C. Hughes, N. Phillips, & B. Rosamond (Eds.), New Regionalisms in the Global Political Economy. Theories and cases (pp. 33-47). Routledge. Hurrell, A. (1995). Regionalism in Theoretical Perspective. In L. Fawcett & A. Hurrell (Eds.), Regionalism in World Politics (pp. 31-71). Oxford University Press. Perrotta, D. (2013). El regionalismo de la educación superior en el proceso de integración regional del MERCOSUR: políticas de coordinación, complementación, convergencia y armonización en las iniciativas de acreditación de la calidad de carreras de grado (1998-2012). Facultad Latinoamericana de Ciencias Sociales, sede académica Argentina]. Buenos Aires. http://www.scielo.edu.uy/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1688-499X2019000100183&nrm=iso https://revistas.uam.es/index.php/relacionesinternacionales/article/view/9275/9924 18 Puig, J. C. (1986). Integración y Autonomía en América Latina en las postrimerías del Siglo XX. Integración Latinoamericana, 11(109), pp. 40-62. Wiener, A. & Diez, T. (2012). European integration theory (Vol. 2). Oxford university press Oxford. Créditos Autores: Daniela Perrotta, Leticia González, Florencia Lagar, Emanuel Porcelli, Lucas Mesquita, Karen Honorio, Felipe Cordeiro, Ramon Blanco. Como citar este texto: Perrotta, D. e Outros (2023). Aula N° 2: Educação para a integração. Cidadania regional no Mercosul. Buenos Aires: Ministério da Educação da Nação. Esta obra está bajo una licencia Creative Commons Atribución-NoComercial-CompartirIgual 3.0 http://creativecommons.org/licenses/by-nc-sa/3.0/deed.es_AR
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