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MATERIAL DE ESTUDO DO CURSO DE INTRODUÇÃO A GESTÃO DE SEGURANÇA PÚBLICA OBSERVAÇÃO: ESTE MATERIAL É COMPOSTO DA TRANSCRIÇÃO DE CONTEÚDOS PERTINENTES AO TEMA PROPOSTO, EXTRAÍDOS DE DIVERSAS FONTES PARA QUE HAJA MAIOR APROVEITAMENTO E APRENDIZADO DOS ALUNOS. Sumário ..........................................................................................................................................................................1 Segurança pública: presente e futuro................................................................................................................4 As principais matrizes da criminalidade...........................................................................................................4 Sobre as causas.................................................................................................................................................6 Como reduzir a violência criminal?..................................................................................................................7 DIAGNOSTICO LOCAL ................................................................................................................................................................... 9 INTERSETORIALIDADE DAS POLÍTICAS..............................................................................................................................................9 REFORMA DA ESTRUTURA DE GOVERNO : INTEGRAÇÃO E AUTORIDADE POLÍTICA.................................................................................9 FOCALIZAÇÃO TERRITORIAL......................................................................................................................................................... 10 CONSÓRCIO E GESTÃO PARTICIPATIVA..........................................................................................................................................11 As polícias brasileiras: diagnóstico e planos de reforma.................................................................................12 REFORMA POLICIAL.................................................................................................................................................................... 13 Capítulo 6Futuro previsível............................................................................................................................15 Capítulo 7CONCEPÇÕES SOBRE A SEGURANÇA PÚBLICA NO BRASIL............................................17 Capítulo 8A importância da municipalização da segurança pública...............................................................19 Desde os primórdios, o ser humano possui diversas necessidades, que vão desde as mais simples como se alimentar e descansar até as mais complexas como as necessidades de afeto, compreensão e até mesmo auto- realização. De acordo com a Teoria do psicólogo americano Maslow, que enumera as necessidades humanas dentro de uma pirâmide hierárquica, qualificando-as em “primárias” e “secundárias”, a segurança, de uma forma geral, é uma necessidade humana primária, perdendo apenas para as necessidades fisiológicas, ou seja, alimentar-se, abrigar-se das intempéries e reproduzir-se................................................................................20 Quando falamos ou pensamos em segurança, muitas vezes nos referimos a roubos, agressões e assassinatos etc. No entanto, o tema segurança é mais amplo, indo desde um buraco na rua, um poste com luminária queimada (que favorece ações furtivas de meliantes), até a conscientização do cidadão para os problemas do cotidiano.........................................................................................................................................................20 A segurança já era preocupação dos governantes, desde a idade antiga. Segundo Marcel Le Clére, em sua obra “Historie da la Police”, as tribos hebraicas já possuíam Sar Palek (intendentes de polícia), para controlar os súditos e os víveres. Mais tarde, para que, na cidade de Jerusalém, a segurança se tornasse mais efetiva, ela foi dividida em quatro setores – quarteirões. No Brasil, a segurança pública só passou a existir, embrionariamente, no ano de 1626, através da “Correição” datada de 24 de outubro, quando o “Ouvidor Geral” Luiz Nogueira de Brito reconheceu a necessidade de serem instituídos os “Quadrilheiros”, para policiar a cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro, que na época começava a crescer. Esse modelo de segurança era idêntico ao que fora criado em Portugal, em 1603, para vigiar as cidades, vilas e lugarejos e seus integrantes, eram escolhidos entre os moradores, que prestavam juramento de bem servir....................20 A missão dos “quadrilheiros” era diligenciar sobre a descoberta de furtos e investigar, nas zonas de suas respectivas jurisdições, a existência de vadios, pessoas de má reputação, casas de tavolagem, barregados casados, alcoviteiros, feiticeiros, etc. As funções a eles atribuídas eram consignadas no Livro I, Título 73, das Ordenações Filipinas. Além dos quadrilheiros e dos “Capitães-Mores de estradas e assaltos”, vulgarmente conhecidos como “Capitães do mato”, havia ainda os “Alcaides”, que tinham, entre outras, a incumbência de efetuar prisões. Geralmente realizavam diligencias à noite, acompanhados de um “Escrivão de alcaidaria” ou então de um “Tabelião”, incumbido de “dar fé do que se fizesse ou encontrasse”..............20 Em 31 de março de 1742 os quadrilheiros foram oficialmente extintos e substituídos por um grupamento tipicamente nacional, mais organizado, hierarquizado e com reconhecimento oficial, denominado Guardas Municipais, mas que também permaneceram de forma embrionária, a exemplo do Rio de Janeiro, onde foram introduzidos em 1788, por decisão da Câmara Municipal. Foi essa a única força pública de segurança que o monarca português, D. João VI, encontrou quando chegou com sua corte ao Brasil, em 07 de março de 1808, fugindo da ameaça napoleônica na Europa (Fonte Wikipédia).............................................................20 Capítulo 9SEGURANÇA PÚBLICA NO BRASIL........................................................................................21 O tema segurança pública, nas últimas décadas, passou a ser considerado um desafio ao estado de direito no Brasil. A segurança ganhou enorme visibilidade pública tornando-se gênero de primeira necessidade para o cidadão e governantes. A criminalidade e a violência, nas cidades brasileiras, a cada dia que passa, vão se tornando em um estado de guerra civil, não mais se limitando às grandes e médias cidades, mais até mesmo pequenas cidades do interior do país e do nordeste, como exemplo Petrolina-PE. Fatos esses exigem do poder público a adoção de medidas mais eficazes na defesa da coletividade. ................................................21 Sabemos que Segurança Pública é uma questão política. No entanto, pode e deve ser debatida por todos os cidadãos, independente de sua formação. Não sendo uma questão exclusiva dos políticos e policiais. Com o advento da Constituição Federal de 1988, também conhecida como constituição cidadã, a questão da segurança recebe uma atenção especial por abranger o alargamento conceitual e institucional que envolve questões sociais e direitos humanos. Assim, foram sendo criados projetos e práticas com a parceria do poder público e sociedade civil. A segurança é responsabilidade não apenas na esfera da administração pública estadual e federal, mas também municipal. ....................................................................................................21 Com os altos índices das taxas de criminalidade e a generalização da sensação de insegurança nos principais centros urbanos, fizeram com que os municípios, baseados no art. 144, em seu inciso 8º da CF, criassem suas Guardas Municipais destinadas à proteção de seus bens, serviços e instalações. Além dessa prerrogativa de instituírem guardas municipais,os municípios podem atuar na segurança pública através da imposição de restrições administrativas a direitos e liberdades. O município pode, por exemplo, delimitar o horário de funcionamento de bares e restaurantes, ou os locais da venda de bebidas alcoólicas, patrulhar escolas, praças etc. .................................................................................................................................................................21 Tais restrições, de caráter administrativo, dependendo das circunstâncias, podem exercer importante função na segurança pública, prevenindo a prática de delitos. Vale salientar que os integrantes das guardas municipais que realizam vigilância nas instalações e logradouros municipais (parques e espaços públicos municipais), exercendo tão-somente a guarda patrimonial, nos termos do par. 8º, do art. 144, da Constituição Federal, não podem realizar busca pessoal, realizar abordagens a pessoas, acompanhar policiais em operações, fiscalizar o trânsito ou qualquer outra atividade própria de polícia, por falta de competência legal. Indiscutível, todavia, que na ocorrência de flagrante podem prender e apreender pessoa e coisa objeto de crime, tanto quanto qualquer do povo pode, conforme art.301 do CPP. ........................................................21 Constitucionalmente, a segurança pública é um assunto ligado diretamente ao governo federal e estadual e, consequentemente, às corporações policiais dessas esferas. Por décadas, as polícias civil e militar têm assumido o papel de principal responsável, pelas ações de enfrentamento à criminalidade e à violência. Certamente, a polícia militar é mais presente no cotidiano da sociedade do que a polícia civil, devido à natureza puramente ostensiva de suas funções, pois estão em contato constante com a população. ..............22 No caso da polícia civil, o contato entre policiais e população já ocorre somente quando o cidadão recorre às delegacias ou outros serviços oferecidos pela mesma. Observamos ainda, que os governos estaduais encontram óbices para realizar uma gestão adequada às realidades de cada população nos diferentes municípios brasileiros, principalmente devido às grandes extensões territoriais. Assim, o governo municipal, assumiu de forma empírica atribuições, responsabilidades, no campo da segurança pública e passou a se preocupar com a elaboração de uma política municipal de segurança pública................................................22 No entanto, deve-se ter cuidado para que a guarda Municipal não se transforme em uma nova polícia e muito menos se torne cabides de emprego, é preciso cautela e discussão sobre o assunto, também se deve levar em consideração a realidade econômica dos nossos municípios que ainda não estão preparados por diversas nuances, entre elas, a falta de recursos e estrutura para o combate aos ilícitos mais próximos da população. Da mesma forma que é alegada a falta de recursos por parte do estado membro, tal problemática se estenderá de forma ainda mais radical na esmagadora maioria dos municípios brasileiros. Ademais, um órgão policial municipal ficará mais exposto aos chefes políticos locais e em “situação”, onde claramente será a Guarda instrumento de coerção aos opositores. Vale salientar que atribuir aos municípios brasileiros competências relacionadas à segurança pública especificamente as Guardas Municipais, é matéria de emenda constitucional..................................................................................................................................................23 Capítulo 1 Segurança pública: presente e futuro OBJETIVO DESTE ensaio é responder a três perguntas: 1. Quais os problemas nacionais mais graves, no campo da segurança pública? 2. O que seria preciso fazer para resolvê-los ou minimizá-los? – isto é, para que o futuro fosse marcado por mais segurança, nos marcos ditado pelo respeito aos di- reitos constitucionais? 3. Caso não se implementem as políticas públicas aqui consideradas necessárias, quais seriam as conseqüências – ou seja, nesse caso, que futuro poderíamos esperar, quanto à segurança e aos efeitos mais amplos de sua deterioração, no âmbito, sobretudo, da sociabilidade urbana e das instituições democráticas? Observe-se que ficarão de fora do conjunto do presente ensaio questões de imensa importância, como a política criminal em sua dimensão legal, o sistema penitenciário, o sistema socioeducativo, o Ministério Público e a Justiça, em suas interfaces com o campo institucional da segurança. Por razões estritamente práti- cas, havendo disponibilidade reduzida de espaço, não serão discutidas formas de violência não criminal, ainda que sejam extremamente relevantes. Tampouco serão tratadas, aqui, questões teóricas mais amplas, relativas ao conceito de crime e violência, à inscrição da violência no Estado e nas estruturas sociais, e aos perver- sos processos de criminalização, na raiz e na ponta das desigualdades brasileiras. Assinale-se também que a insegurança pública é, hoje, uma tragédia nacio- nal, que atinge o conjunto da sociedade, e tem provocado um verdadeiro geno- cídio de jovens, sobretudo pobres e negros, do sexo masculino. A criminalidade letal atingiu patamares dantescos. Além disso, tornou-se problema político, sufo- cando a liberdade e os direitos fundamentais de centenas de comunidades pobres. Capítulo 2 As principais matrizes da criminalidade Várias são as matrizes da criminalidade e suas manifestações variam confor- me as regiões do país e dos estados, como já foi dito. Reitere-se: o Brasil é tão diverso que nenhuma generalização se sustenta. Sua multiplicidade também o torna refratário a soluções uniformes. A sociedade brasileira, por sua complexidade, não admite simplificações nem camisas-de- força. Exemplos da diversidade: em algumas regiões, a maioria dos homicídios dolosos encerra conflitos interpessoais, cujo desfecho seria menos grave não houvesse tamanha disponibilidade de armas de fogo. No Espírito Santo e no Nordeste, o assassinato a soldo ainda é comum, alimentando a indústria da morte, cujo negócio envolve pistoleiros profissionais, que agem individualmente ou se reúnem em “grupos de extermí nio”, dos quais, com freqüência, participam policiais. Na medida em que pros- pera o “crime organizado”, os mercadores da morte tendem a ser cooptados pelas redes clandestinas que penetram as instituições públicas, vinculando-se a interesses políticos e econômicos específicos, aos quais nunca é alheia a lavagem de dinheiro, principal mediação das dinâmicas que viabilizam e reproduzem a corrupção e as mais diversas práticas ilícitas verdadeiramente lucrativas. Há investimentos criminosos significativos em roubos e furtos de carros e cargas, ambas as modalidades exigindo articulações estreitas com estruturas de receptação, seja para revenda, desmonte ou recuperação financiada. Há uma pra- ga que corrói a confiança e propaga o medo nas cidades: os assaltos, nos bairros e, sobretudo, no centro das cidades, dos quais ninguém está livre, mas que afe- tam com maior freqüência e covardia os idosos. Roubos a bancos, residências e ônibus, assim como os seqüestros, particu- larmente os “seqüestros relâmpagos”, também têm se tornado comuns e perigo- sos, em todo o país, porque, em função, também nesse caso, da disponibilidade de armas, essas práticas, que, por definição, visariam exclusivamente ao patrimônio, têm se convertido, com assustadora freqüência, em crimes contra a vida – a expan- são dos “roubos seguidos de morte” ou latrocínios constitui o triste retrato des- sa tendência. Em todo o país, mesmo havendo uma combinação de matrizes criminais, articulando e alimentando dinâmicas diversas, tem se destacado o tráfico de ar- mas e drogas, que cada vez mais se sobrepõe às outras modalidades criminosas, subordina-as ou a elas se associa, fortalecendo-as e delas se beneficiando.Ainda há tempo para evitar que se repitam em outros estados as tragédias que se banalizaram no Rio de Janeiro, mas para isso é imperioso reconhecer que já há fortes indícios de que a matriz mais perigosa e insidiosa, que cresce mais velozmente, instalando- se nas vilas, favelas e periferias, e adotando o domínio territorial e a ameaça a comunidades como padrão, a matriz mais apta a recrutar jovens vulneráveis e a se reproduzir, estimulada pela crise social e pela fragilidade da auto-estima, é o tráfico. Essa matriz da criminalidade tem assumido uma característica peculiar, ao infiltrar-se e disseminar-se como estilo cultural e meio econômico de vida, com seu mercado próprio e lamentavelmente promissor. Exige, portanto, trabalho policial investigativo no combate às redes ataca- distas, ações policiais ostensivas na contenção do varejo, mas, sobretudo, requer intervenção social preventiva bem coordenada, territorialmente circunscrita e sintonizada com a multidimensionalidade dos problemas envolvidos. Efetivamente, o tráfico de armas e drogas é a dinâmica criminal que mais cresce nas regiões metropolitanas brasileiras, mais organicamente se articula à rede do crime organizado, mais influi sobre o conjunto da criminalidade e mais se expande pelo país. As drogas financiam as armas e estas intensificam a violên- cia associada às práticas criminosas, e expandem seu número e suas modalidades. Esse casamento perverso foi celebrado em meados dos anos 1980, sobretudo no Rio de Janeiro e em São Paulo, ainda que antes já houvesse vínculos entre ambas. A violência doméstica, especificamente a violência de gênero, que vitimiza as mulheres, assim como as mais diversas formas de agressão contra crianças, revelam-se, em todo o país, tão mais intensas e constantes quão mais se desenvol- ve o conhecimento a seu respeito. O dado mais surpreendente diz respeito à au- toria: em mais de 60% dos casos observados, nas pesquisas e nos diversos levan- tamentos realizados no país, quem perpetra a violência é conhecido da vítima – parente, marido, ex-marido, amante, pai, padrasto etc. Isso significa que essa matriz da violência, apesar de merecer máxima atenção e de constituir uma pro- blemática da maior gravidade para os que a sofrem ou testemunham, seja por suas conseqüências presentes, seja por seus efeitos futuros (as pesquisas mostram que quem se submeteu à violência, na infância, ou a testemunhou, tem mais propensão a envolver-se com práticas violentas, mais tarde), não é acionada por criminosos profissionais ou por perpetradores que constroem uma carreira cri- minal. Essa característica implica a circunscrição da problemática, da qual se deri- va a necessidade da implantação de políticas específicas, que não deveriam confun- dir-se com a mera repressão ou com a simples ação policial – ainda que ela seja, evidentemente, também necessária. O mesmo pode ser dito sobre a violência homofóbica e racista. Ambas requerem políticas específicas, que não se esgotem na repressão e que, inclusive, envolvam a requalificação prática e cultural dos próprios profissionais da segurança. Capítulo 3 Sobre as causas As explicações para a violência e o crime não são fáceis. Sobretudo, é ne- cessário evitar a armadilha da generalização. Não existe o crime, no singular. Há uma diversidade imensa de práticas criminosas, associadas a dinâmicas sociais muito diferentes. Por isso, não faz sentido imaginar que seria possível identificar apenas uma causa para o universo heterogêneo da criminalidade. Os roubos praticados nas esquinas por meninos pobres que vivem nas ruas cheirando colam, abandonados à própria sorte, sem acesso à educação e ao amor de uma família que os respeite, evidentemente expressam esse contexto cruel. É claro que esses crimes são indissociáveis desse quadro social. O mesmo vale para o varejo das drogas, nas periferias: juventude ociosa e sem esperança é presa fácil para os agenciadores do comércio clandestino de drogas. Não é difícil recrutar um verdadeiro exército de jovens quando se ofere- cem vantagens econômicas muito superiores às alternativas proporcionadas pelo mercado de trabalho e benefícios simbólicos que valorizam a auto-estima, atribuin- do poder aos excluídos. Por outro lado, os operadores do tráfico de armas, que atuam no atacado, lavando dinheiro no mercado financeiro internacional, não são filhos da pobreza ou da desigualdade. Suas práticas são estimuladas pela impunidade. Em outras palavras, pobreza e desigualdade são e não são condicionantes da criminalidade, dependendo do tipo de crime, do contexto intersubjetivo e do horizonte cultural a que nos referirmos. Esse quadro complexo exige políticas sensíveis às várias dimensões que o compõem. É tempo de aposentar as visões unilaterais e o voluntarismo. Capítulo 4 Como reduzir a violência criminal? Há dois meios complementares de trabalhar pela promoção da segurança pública cidadã: através de políticas preventivas e da ação das Polícias (no caso dos Estados) ou de Guardas Civis (no caso dos municípios) – o governo federal pode atuar não apenas pelas polícias federal e rodoviária federal, mas pela indução, aplicando uma política nacional que proporcione meios para que se efetive a cooperação interinstitucional e para que se imponham exigências mínimas de qualidade na provisão dos serviços de segurança pública, o que envolve eficiência e respeito às leis e aos direitos humanos. Dediquemo-nos, agora, à prevenção da criminalidade violenta. Começando pela apresentação de alguns pressupostos e de algumas implicações. Políticas de prevenção da criminalidade violenta podem produzir efeitos rapi- damente, a baixo custo (aqui, a referência são os municípios e seus governos, porque, por sua proximidade “da ponta”, acessibilidade, agilidade e capilaridade, constituem a instância mais adequada à execução de políticas preventivas). Políticas que visam prevenir a violência criminal não são políticas estrutu- rais, de longo prazo, destinadas a agir sobre as macroestruturas socioeconômicas do país. Geralmente, a suposição inversa provoca equívocos, mal-entendidos e dificuldades de toda sorte. Em primeiro lugar, porque induz ao imobilismo: “enquanto não se elimi- narem as grandes iniqüidades estruturais da sociedade brasileira, nada se pode fazer para conter a insegurança”, dizem aqueles cujo ceticismo se funda na cren- ça de que ou se faz tudo, ou nada resta a fazer; ou se alteram as causas profundas e permanentes, ou estaríamos condenados a enxugar gelo. Em segundo lugar, tal convicção, na medida em que nega a possibilidade de soluções a curto prazo, leva a população à descrença, à frustração e ao deses- pero – sendo, esses sentimentos, eles próprios graves fatores de risco e denso adubo para propostas autoritárias (do tipo: cercar as favelas, armar a população, erguer muros mais altos, trocar a segurança pública por soluções privadas, esti- mular a prática brutal e arbitrária do “justiçamento”, apoiar a brutalidade poli- cial, instaurar a pena de morte, reduzir a idade de imputabilidade penal etc.), as quais terminam por realimentar o círculo perverso da violência. Pelo contrário, a melhor experiência nacional e internacional demonstra, com fartura de exemplos e argumentos, a possibilidade de combinar ações públi- cas de natureza preventiva com presteza de resultados, o que pressupõe a possi- bilidade de que políticas de prevenção sejam eficientes mesmo não atuando so- bre causas estruturais ou incidindo sobre macroestruturas. Em outras palavras, há como agir de modo eficiente, em curto espaço de tempo e mobilizando poucos recursos, sobre as dinâmicas imediatamente gera- doras daqueles fenômenos que desejamos evitar ou conter. A repressão não tem o monopólio da urgência e do pronto emprego, além de nem sempre ser eficien- te. A prevenção pode ser ágil, rápida, barata e mais eficiente. Poder-se-ia sempre ponderar: as políticas preventivas que não visam a mu- danças estruturais sãosuperficiais e não impedem o retorno do problema que se deseja evitar. É verdade. Mas elas salvam vidas, reduzem danos e sofrimentos, tornam a vida mais feliz. Quando isso é feito, as políticas preventivas instauram padrões de comportamento, suscitam sentimentos e acionam percepções coleti- vas que se convertem, elas mesmas, em causas de situações menos permeáveis às pressões dos fatores criminógenos. Isto é, os sintomas podem matar o paciente e devem ser tratados, enquanto o paciente não está pronto para a cirurgia. Até porque, sem tratá-los, a cirurgia não será possível. Em segurança pública, as conseqüências tornam-se causas no movimento subseqüente do processo social: determinadas condições favorecem a prática de crimes; os crimes expulsam empresas, o que aumenta o desemprego, ampliando as condições para o crescimento de certas formas de criminalidade etc. E o ciclo dá mais uma volta em torno do mesmo eixo. O contrário também é verdadeiro: reduzindo-se a criminalidade e a inten- sidade da violência aplicada, fixam-se as empresas, outras são atraídas, aumenta a oferta de emprego, as condições sanitárias e urbanísticas evoluem, e assim sucessi- vamente, na direção do estabelecimento de um círculo virtuoso. Desse ponto de vista, conclui-se que agir tópica e superficialmente sobre causas imediatas dos crimes, reduzindo o número de vítimas, a taxa de risco, o grau de propagação do medo, e a sensação de insegurança, acaba sendo muito mais que enxugar gelo, mesmo se as ações em pauta não atingem os núcleos estruturais dos problemas. O crime torna-se causa do crime, pela mediação da economia e de outras esferas da vida social. Atuando-se sobre o crime, interrompe-se uma dinâmica autofágica, porque se afeta, positivamente, o conjunto dos fatores que funcio- nam como causas mediatas e imediatas do crime. Menos crime equivale a melhor economia, melhor qualidade de vida e, conseqüentemente, menos crime. Esse raciocínio se assenta no pressuposto, hoje amplamente aceito, de que o crime é causa da crise social e econômica, tanto quanto seu reflexo. . Políticas preventivas eficientes dependem de diagnósticos locais (técnicos e interativos), gestão participativa, circunscrição territorial, autoridade política e articulação intersetorial. Diagnostico local Não há modelos únicos e gerais, aplicáveis em todas as cidades de todo o país. Mas há condições gerais que devem ser observadas, para que se alcance um nível superior de eficiência. A primeira delas é justamente o cuidado com as ge- neralizações. A qualidade de uma política depende da consistência de cada pro- grama, cada projeto e cada ação. E essa consistência depende, por sua vez, do conhecimento de cada bairro, região da cidade, praça ou rua. Qualquer que seja o diagnóstico local sobre a dinâmica da criminalidade, será sempre indispensável reconhecer a multiplicidade de dimensões envolvidas: desde a economia à saúde, da estrutura familiar às escolas, do cenário urbano à disponibilidade de transporte, das condições habitacionais ao acesso ao lazer, das oportunidades de emprego às relações comunitárias, do perfil psicológico pre- dominante, em cada situação típica, ao potencial cultural presente nos movi- mentos musicais ou estéticos da juventude. Nada disso deve ser examinado de uma perspectiva genérica e abstrata, mas de modo bem concreto, segundo as manifestações específicas do território em questão – e de seus habitantes. INTERSETORIALIDADE DAS POLÍTICAS O quadro que resultará do diagnóstico, em cada caso, exibirá vasta plu- ralidade de dimensões, ainda que as mais relevantes variem em cada contexto. Assim como variam os contextos e as circunstâncias locais; e assim como variam as realidades dos mais de cinco mil e quinhentos municípios brasileiros. Se a pluralidade for uma constante, o objeto do diagnóstico será sempre complexo. Se o problema da criminalidade violenta é, necessariamente, multidimensio- nal, a abordagem fiel a esta complexidade nos conduzirá à elaboração de políti- cas adequadas a esta complexidade, isto é, sensíveis à pluridimensionalidade. Em outras palavras, a complexidade do problema exigirá políticas intersetoriais, capa- zes de dar conta das diversas dimensões que compõem a violência criminal. Políti- cas sintonizadas com a multidimensionalidade dos fenômenos são políticas multissetoriais ou intersetoriais. Reforma da estrutura de governo : integração e autoridade política Nova abordagem, novas políticas, de natureza intersetorial: falta um agente público apto a implementá-las. Impõe-se, então, criar um novo sujeito da gestão pública. Um ator político dotado de autoridade e competência para inte- grar as várias áreas da administração. Hoje, os governos municipais apresentam uma organização segmentada, dividida por secretarias e órgãos vinculados. Cada secretaria cuida de um setor do governo e cada setor do governo corresponde a uma área da vida social. A integração, quando existe o que é raro, depende, em geral, de um esforço suplementar, seja ele voluntarista e episódico, seja ele permanente mas assentado em bases precárias. Depende, por exemplo, da instau- ração de um fórum de políticas sociais. Ocorre que, com freqüência, os titulares das pastas só comparecem à reu- nião inaugural do fórum mostrando ao prefeito e aos eleitores seu compromisso com a orientação integracionista ditada pelo prefeito, mas esquecendo-se deles em seguida. Nas reuniões subseqüentes, enviam seus representantes, cuja autori- dade é apenas delegada, o que transforma o fórum deliberativo em conselho consultivo – condenando-o à ineficiência e o convertendo, tantas vezes, em espa- ço de disputa política. Em vez de solucionar o problema da integração, esses fóruns ou conselhos terminam ampliando as dificuldades. Não raro, depois de implantá-los, o prefei- to ou a prefeita passa a contar com mais um problema, em vez de menos um. Por incrível que pareça, depois do esforço de integrar através do fórum, o governante vê-se diante da necessidade de criar outro mecanismo para integrar mais esse órgão, o fórum, ao conjunto do governo. E as secretarias permanecem afastadas, distantes umas das outras. Se o prefeito ou a prefeita não despertar para o equívoco desse caminho, terminará criando o fórum de integração do “fórum de integração” às secretarias e, depois, o fórum de integração dos fóruns de integração. Isso chega a ser en- graçado, porque apresenta uma caricatura do processo, mas há situações que se aproximam do absurdo. O novo agente público, para constituir-se, exige uma reforma mais profun- da e orgânica na estrutura do governo municipal. Uma solução possível – que não exclui outras, ainda mais radicais – é a criação de alguns poucos grupos exe- cutivos, responsáveis pela implementação do plano de governo, que deve prestar contas ao prefeito e à sociedade, regularmente. Com base na definição de metas e a partir da identificação de prioridades, estipulado um cronograma realista e garantidos os recursos necessários, o grupo executivo poderá submeter as políticas setoriais à política intersetorial, desde que se reporte diretamente ao gabinete do prefeito e que seja dotado da autoridade correspondente à magnitude das tarefas. A transparência, a participação popular, o diálogo intra e extragovernamental, todos esses ingredientes complementam o desenho elementar do funcionamento do novo sujeito da gestão pública. Outras qualidades imprescindíveis são: agilidade, conexão com a ponta, capacidade de intervenção tópica, de planejamento, avaliação e monitoramento, acesso a dados quantitativos e qualitativos, sintonia com microrrealidades locais e compromisso com a gestão global do plano de governo. FOCALIZAÇÃO territorial Outro requisito da eficiência das políticas preventivas é a focalização territorial. É necessário circunscrever a área sobre a qual incidirá a política, ainda que se tenha em mente que as realidades locais seinterpenetram, porque as dinâmicas sociais não respeitam fronteiras entre espaços urbanos. Os habitantes de um bairro atravessam a cidade para trabalhar, estudar, fruir o lazer, beneficiar-se dos serviços públicos ou privados, encontrar membros de sua rede familiar ou social. Por outro lado, “profissionais” do crime migram para áreas nas quais possam aumentar seus ganhos, reduzindo os custos e riscos das operações ilícitas. Isso significa que o sucesso de uma área da cidade, na contenção do crime, pode implicar, para áreas vizinhas, aumento da insegurança. Claro que essa conse- qüência não justifica o imobilismo, mas deve ser levada em conta no planejamen- to global da política de segurança municipal. A importância da circunscrição territorial para as políticas preventivas de- corre de fatores intersubjetivos e objetivos. Quando a prefeitura, em comum acordo com a comunidade, define uma agenda local – o que requer focalização política –, mobilizando todos os seus órgãos e recursos e envolvendo os meios de comunicação de massa no mutirão organizado, tem chances de: a) infundir responsabilidade pelas inciativas conjuntas; b) difundir esperança no sucesso do empreendimento; c) valorizar aquela área urbana e seus moradores; d) redefini- los ante a opinião pública da cidade como protagonistas da mudança, sujeitos da transformação, construtores da paz, promotores da ordem urbana cooperativa e solidária, exemplos para a sociedade. Quando a prefeitura consegue alcançar es- ses resultados, e) logra converter o estigma (residentes de área degradada, maculada pela violência) em índice positivo (habitantes da área que se tornou paradigma da civilidade urbana), fazendo que as expectativas se invertam, estabilizando-se na direção positiva. Falando em expectativas, estamos no terreno intersubjetivo da segurança. Do ponto de vista objetivo, a focalização territorial é indispensável para que o diagnóstico seja suficientemente qualificado, os projetos sejam desenha- dos com precisão, os investimentos mulitssetoriais confluam, alcancem a sinergia necessária e se articulem com a mobilização da própria comunidade, estabele- cendo parcerias e redes operacionais na base. Em outras palavras, a mesma dificuldade que existe na tradução para cada município desse plano nacional se reproduz na escala intramunicipal: o prefeito ou a prefeita terá de adaptar seu plano municipal de segurança às peculiaridades de cada local. Esse esforço é perfeitamente factível, mas exige atenção às caracte- rísticas que as dinâmicas assumem em cada bairro ou comunidade. CONSÓRCIO E GESTÃO PARTICIPATIVA É possível mudar a escala da intervenção que visa alterar as condições sociais geradoras da violência e por ela realimentadas, desde que as forças que desejam a mudança somem suas energias e seus recursos, num mutirão sem precedentes, não voluntarista, competente, apoiado em diagnósticos e orientaçõe técnicas apropriadas, garantindo-se ampla participação e transparência, para que se construa a indispensável confiança entre as partes envolvidas. O raciocínio nos conduz à proposta: é possível e necessário celebrar um amplo pacto, sob a formade um consórcio entre o governo municipal e todas as entidades não- governa- mentais dispostas a cooperar. O processo acompanharia os seguintes passos: constatada a riqueza de inicia- tivas e de recursos aplicados na área social, no município em questão, por parte da sociedade local, e constatada a conveniência de que o atual quadro de disper- são e fragmentação dê lugar à sinergia entre os esforços e à convergência de investimentos humanos e materiais, propor-se-ia a elaboração de um diagnóstico comum sobre os problemas mais graves, para que se identificassem as priorida- des e se definisse uma agenda consensual: quais as principais vítimas? Quais os grupos sociais mais vulneráveis? Como e onde atuar para mudar sua realidade, oferecendo-lhes alternativas de integração e de valorização humana, cultural, econômica e social? Identificadas as prioridades, definida a agenda e mapeados os alvos principais das iniciativas, torna-se necessário planejar as ações conver- gentes, visando a objetivos comuns. Para que mereça credibilidade, não perca a legitimidade e seja positivo, todo esse movimento tem de respeitar os trabalhos que já estão em curso, garan- tir-lhes a continuidade e evitar a mais leve tentação, seja de cooptação política de tipo clientelista, seja de imposição de uma camisa-de-força autoritária, que sufo- que a liberdade e a autonomia que caracterizam as ações da sociedade e dos indivíduos. Planejadas as ações, elas precisam ser acompanhadas com transparên- cia, de forma ampla, para que avaliações regulares suscitem correções de rota, numa dinâmica de monitoramento participativo. Assim, o consórcio potencializará as ações da sociedade e do poder público municipal, elevando a escala das inter- venções voltadas para a transformação social. Criar-se-ia um fundo público não estatal, cuja administração seria exata- mente pública, porém não estatal, para que se captassem e investissem recursos com absoluta honestidade e com critérios não político-partidários. Além disso, seria também indispensável celebrar um Contrato Local de Se- gurança Municipal, a partir de convênios com o sistema de Justiça criminal (Po- lícias, Ministério Público e Poder Judiciário), visando ao enfrentamento da criminalidade violenta, da desordem urbana e ao provimento de condições para a resolução pacífica de conflitos sociais e interpessoais. Celebrariam também este Contrato de Segurança Municipal as entidades que prestam serviço de segurança urbana, patrimonial, de vigilância e de prote- ção às vitimas da violência, ou que se devotam à recuperação de pessoas em con- flito com a lei, ou à prevenção da violência e da criminalidade. Capítulo 5 As polícias brasileiras: diagnóstico e planos de reforma O contexto institucional, na esfera da União, caracteriza-se pela fragmen- tação no campo da segurança pública. O problema maior não é a distância for- mal, mas a ausência de laços orgânicos, no âmbito de coordenação das políticas públicas. O que se está enunciando é grave: os respectivos processos decisórios são incomunicáveis entre si. As polícias brasileiras, de um modo geral, são ineficientes na prevenção e na repressão qualificada, na investigação e na conquista da indispensável confiança da população. Problemas ligados à corrupção e à brutalidade ultrapassam qualquer patamar aceitável. São refratárias à gestão racional, não avaliam a própria performance, nem se abrem a controle e monitoramento externos. Não se organizam com base em diagnósticos sobre os problemas a enfrentar, o modo de fazê-lo, as prioridades a definir e as metas a identificar. Não planejam sua prática, a partir de diagnósticos, fundados em dados consistentes, nem corrigem seus erros, analisando os resulta- dos de suas iniciativas – os quais, simplesmente, ignoram. São máquinas reativas, inerciais e fragmentárias, inscritas num ambiente institucional desarticulado e inorgânico, regido por marcos legal rígido e inadequado. Os profissionais não são apropriadamente qualificados e valorizados e as informações não são ordena- das de acordo com orientação uniforme, que viabilize a cooperação. Há ainda o dramático sucateamento da perícia e o conjunto de dificuldades que derivam da dicotomia: polícia civil-PM. Uma questão especialmente relevante é a segurança privada ilegal (não aquela legalmente constituída), que tem privatizado a seguran- ça pública, envolvendo os policiais no segundo emprego, do qual o Estado acaba refém, porque dele depende a viabilização do insuficiente orçamento público. Reforma policial Os princípios regentes do diagnóstico e das propostas são redutíveis a uma equação simples: eficiência policial e respeito aos direitos humanos são mais do que meramente compatíveisentre si, são mutuamente necessários. Do diagnós- tico, deduz-se o que é preciso fazer: 1. Reverter a fragmentação verificada na esfera da União; 2. Alterar o marco legal inadequado e restritivo, no âmbito constitucional e infraconstitucional; 3. Estimular a adoção de programas modulares de reforma, orientados para a implementação de um modelo de polícia que vise construir instituições passíveis de gestão racional, voltadas para a redução da insegurança pública e o respeito aos direitos humanos; 4. Apoiar experiências- piloto promissoras e divulgar as boas práticas; 5. Investir na sensibilização de gestores, legisladores e da opinião pública, para que os três primeiros itens se realizem; 6. Valorizar o papel ativo dos municípios e de suas Guardas Civis, na segurança pública. Sem a instituição de uma agência, no âmbito da União, dotada de autorida- de e poder real de comando, que integre os meios operacionais, reúna os mecanis- mos de implantação de políticas e coordene as principais fontes de recursos espe- cíficos, será impossível alterar o atual quadro, que se caracteriza pela dispersão das iniciativas, a superposição de responsabilidades, a multiplicidade de fontes gera- doras de diagnósticos e ações, a pulverização da liderança institucional, o empre- go sem critérios de recursos, a falta de mecanismos e métodos de acompanhamen- to e avaliação das ações financiadas pela União, e a autonomização atomizante dos meios operacionais. Tudo isso tem resultado na inércia governamental, no desper- dício de recursos federais e, portanto, na irracional ausência de política. Quanto aos marcos legal: a primeira grande alteração deveria dar-se por meio de um projeto de emenda constitucional, submetida à apreciação do Congresso Nacional pelo presidente da República, preferencialmente com o apoio consensual dos governadores – apoio que havia sido obtido pelo primeiro secretário nacional de Segurança Pública do governo Lula, ao longo de seus dez meses de gestão. Uma PEC propondo a “desconstitucionalização das polícias”, o que significa a transferência aos estados do poder para decidirem, em suas Constituições Estaduais, qual modelo de polícia desejam ter – entre as opções, inclui- se, evidentemente, a preservação do modelo atual. O Brasil é um país de dimensões continentais e socialmente muito complexo, muito diversificado, o que recomenda respeito à autonomia republicana e federativa dos estados, evitando-se a imposição de modelos únicos, por natureza insensíveis às peculiaridades locais quaisquer que sejam seus méritos intrínsecos e os benefícios que ofereçam a algumas unidades da federação. Sendo assim, não faz sentido manter o antigo diálogo, ou melhor, o velho conflito que há mais de vinte anos opõe os defenso- res da unificação das polícias e os defensores do status quo. Se o problema não está nas deficiências de um ou outro modelo, mas na imposição do mesmo modelo a todos os estados – e permanentemente, eternizando padrões tradicionais, sem que se lhe tenhamos explorado os limites, criticamente –, a disputa deixa de ser por um ou por outro (unificação ou status quo) e passa a ser em torno de um sem número de opções – nesse caso, a imaginação, a observação crítica da expe- riência nacional (à luz das experiências internacionais) e o bom senso são os limites: poder-se-iam conceber modelos unificados, regionais, metropolitanos, municipais, militarizados ou não, polícias divididas territorialmente ou segundo a gravidade dos crimes etc. Com a desconstitucionalização, alguns estados mudariam suas polícias; outros, não, seja porque consideram bom o modelo de que dispõem, seja porque não têm força política para operar a mudança. De todo modo, as eventuais dificuldades políticas de alguns estados não se exportariam, automaticamente, para os demais, como ocorre quando a questão é “unificam-se as polícias ou não”, como solução única para todo o país. Além da PEC em prol da desconstitucionalização, seria necessário estipular algumas regras gerais, de validade nacional, para garantir o salto de qualidade e para evitar que a criatividade e o experimentalismo – estimulados pela PEC – gerem mais fragmentação e obstáculos à cooperação do que já temos hoje (o que certamente seria difícil, dado o grau atual do problema). Essas regras gerais são as normas para a criação do Sistema Único de Segurança Público (SUSP), também postulado – como a própria desconstitucionalização – no Plano Nacional de Segurança Pública do governo Lula. As regras em pauta determinariam a criação de: a) um ciclo básico (um currículo mínimo) comum, obrigatório para a formação de todo profissional de segurança pública no Brasil; b) uma linguagem informacional comum para todas as polícias, uniformizando-se as categorias e as plataformas de permuta de dados (que teriam tempo de adaptar-se ao novo siste ma, o qual exigiria informatização); c) uma sistemática de gestão aberta à avaliação e ao controle externo; d) cotas orçamentárias fixas, destinadas ao investimento em perícia. Seria também imprescindível valorizar o papel dos municípios, via aplica- ção de políticas sociais de prevenção e criação de Guardas Civis, preparadas para ser paradigma das polícias do futuro, isto é, organizadas com base em novos compromissos nas áreas da formação, informação, estrutura organizacional, ges- tão, articulação com a perícia, controle externo e diálogo com a sociedade. A principal vocação das Guardas é o policiamento comunitário, a mediação de con- flitos e a resolução de problemas. Capítulo 6 Futuro previsível Caso não se implementem políticas públicas inteligentes, pluridimensionais, intersetoriais e sensíveis às especificidades locais, em larga escala, capazes de in- terceptar as microdinâmicas imediatamente geradoras da criminalidade violenta, sobretudo de natureza letal, em um cenário caracterizado pela manutenção dos atuais indicadores de desigualdade, pobreza, qualidade de vida degradada, defi- ciências na escolaridade e precariedade no acesso aos direitos, facilitando crises familiares, e gerando vulnerabilidade, baixa auto- estima, sentimento de exclu- são, estigmatizações, invisibilidade social e dupla mensagem cultural, as conse- qüências só podem ser o agravamento do atual quadro de violência criminal, que já constitui uma tragédia, particularmente quando afeta a juventude pobre e negra, do sexo masculino, provocando verdadeiro genocídio. Esse quadro negativo tende a agravar-se, sobretudo, se persistirem duas condições: a) um sistema institucional de segurança pública fragmentado, inefi- ciente, corrompido, desacreditado, brutal, racista, alimentador do circuito da violência e da própria criminalidade, que não valoriza seus profissionais; b) o empreendedorismo do tráfico de armas e drogas, que, ativamente, tira proveito da precariedade das condições de vida e da vulnerabilidade dos processos subje- tivos dos jovens com ralas e raras oportunidades e perspectivas de integração. Quanto a políticas sociais e culturais preventivas do crime, tem havido avan- ços, no país, ainda que tópicos, dispersa e sem escala suficiente, dada a ausência de sinergia e articulação entre esferas de poder, e entre instituições públicas e privadas. Quanto à reforma das polícias, os avanços são ainda mais parcos tímidos, tópicos, espasmódicos, cíclicos, não-sustentáveis, não- sistêmicos, eventuais e dispersos. O que torna, entretanto, mais desafiador e interessante o exercício pros- pectivo, na área da segurança pública, é o caráter histórico da legislação, cujo parâmetro define os crimes, os quais, por sua vez, sofrem alterações de acordo com as mudanças das relações sociais, da economia e da tecnologia. Pode-se imaginar um futuro possível em que as drogas tais como hoje classificadas deixem de atrair o consumo, sendo substituídas por novas substâncias psicoativas de natureza sintética ou por efeitos produzidospor conexões diretas entre men- te e máquina, sob diferentes condições. Nesse caso, o controle pode se tornar tão complexo e custoso, que as tradicionais políticas repressivas se inviabilizem, na medida em que a fruição passe a corresponder a fluxos virtuais de comunica- ção, transportados e recepcionados por simples movimentos de rede, via up e downloads. Na sociedade da informação, do conhecimento e da comunicação, na qual a flexibilização e a “customização” individualizantes tendem a se impor, talvez a grande ameaça seja a violação da propriedade intelectual, o que implicaria modificações profundas na própria concepção do trabalho policial, assim como na estrutura organizacional das instituições da ordem pública. Capítulo 7 CONCEPÇÕES SOBRE A SEGURANÇA PÚBLICA NO BRASIL Prevenção e repressão A delimitação do conceito de segurança pública é tema que continua aberto à discussão. Na dependência do ângulo pelo qual se toma a expressão, distinguem-se os que a tomam como função essencial do Estado, o que remete à estruturação material deste para cumpri-la, e aqueles que a tomam como percepção coletiva, o que remete à sua dimensão subjetiva. Daí, na perspectiva dos profissionais e administradores do setor, nota-se a prevalência de uma concepção técnico-jurídica, centrada em aspectos organizativos e instrumentais; e na perspectiva dos analistas externos, uma concepção sócio-política, centrada na análise dos níveis de sociabilidade, tranquilidade e (in)segurança. Essa distinção é importante para esclarecer o sentido da palavra prevenção. Na visão dos profissionais e administradores do setor, é comum que se tome o termo no sentido de prevenção policial, o que é compreensível em se tratando apenas do trabalho da polícia. Acontece que encarar a prevenção ao crime e à violência dessa forma (com imaginada onipresença da polícia) é gritante redução, como se prevenção fosse o mero somatório de forças policiais. Com isso, dirigentes e profissionais tendem a descartar dados relevantes, dentre os quais podem-se citar três: primeiro, o fato de a polícia estar contida em dois sistemas, no sistema de justiça criminal, na esfera do Judiciário, e no sistema de segurança pública stricto sensu, na esfera do Executivo, em que outros órgãos atuam; segundo, o fato de que as ações deste último sistema (o de segurança pública) devem ser parte da política governamental para a segurança em sentido lato, abarcando programas de prevenção de amplo espectro, de prevenção primária; e terceiro, o fato de que o poder público dispõe de meios com os quais pode contribuir para o aumento do "capital social" das comunidades, independentemente do "capital econômico" das mesmas, investindo na valorização do ser humano e promovendo maior integração entre os cidadãos pela ação das associações comunitárias, das igrejas, da escola, das agremiações de lazer; pela prática do esporte e de atividades culturais. Viés penal e viés castrense Esta concepção ampliada do conceito de segurança pública, destarte, vislumbra a articulação de medidas do sistema de justiça criminal como um todo e das polícias especificamente, e medidas de prevenção geral. Deve-se, porém, estar atento ao fato de que a segurança pública é uma área propícia ao embate de ideologias. As respostas do poder público ao crime e à violência são sempre condicionadas pelas concepções que presidem a política estabelecida para o setor. No Brasil, estas respostas têm sido afetadas por uma tradição "repressivista" do Estado, informada por dois vieses: o viés penal e o viés castrense, fato derivado da disputa pela hegemonia da segurança pública em que se têm empenhado ao longo do tempo os operadores do direito penal, de um lado, e militares das Forças Armadas, de outro. Assim, conduzida a atividade pelos primeiros, prevalece a visão segundo a qual os problemas do crime, da violência e da ordem pública se resolveriam com a lei penal. Conduzida pelos segundos, os problemas se resolveriam com a força. Estas perspectivas têm dificuldade de enxergar o crime no atacado, como um fenômeno sócio-político e histórico [1] , e sequer olham para aquelas questões da ordem pública que nada tenham a ver com o crime, como as desavenças de rua e entre vizinhos, os ânimos exaltados no trânsito, a ordem na praia, no futebol, na praça, na esquina, no carnaval. No paradigma penal, a preocupação dos responsáveis pela segurança pública volta-se quase que exclusivamente para os crimes consumados, caso a caso; para a população dos presídios; e para estes e aqueles criminosos à solta, com nome, alcunha e/ou sobrenome. Pouca ou nenhuma preocupação com a criminalidade geral, nem com a violência urbana e as questões de ordem pública em sentido lato. Se a violência campeia, seria porque faltam leis mais duras; ou porque "a polícia prende e a justiça solta"; ou porque faltam recursos materiais e pessoal nas delegacias e recursos de polícia técnica etc. A avaliação do desempenho de toda a polícia restringe-se à quantidade de inquéritos realizados e de infratores levados aos tribunais, pouco importando: as ações preventivas; os crimes que não tenham caído nas malhas do sistema, perdidos na imensidão das cifras invisíveis; e os crimes que podem vir a ocorrer. No paradigma castrense, falar de ordem pública é, curiosamente, falar de desordem pública, de combate, de guerra, contra inimigos abstratos que, no atacado, estariam à espreita em lugares suspeitos e determinados. Considerando o crime como uma patologia intolerável, e os conflitos de interesses - pressupostos da ordem democrática - como algo ameaçador, o modelo castrense tem a pretensão de "vencer" o crime (princípio militar da vitória), de erradicá-lo, de "acabar" com a "desordem". Consequência: a reificação do aparato, em detrimento das atividades policiais não- ostensivas, de investigação, de polícia técnica. Se a violência campeia, seria porque os efetivos são insuficientes; ou porque a polícia judiciária fica nas delegacias "à toa" e não vai para a rua ajudar no policiamento ostensivo; ou porque a polícia estaria menos armada que os bandidos; ou porque faltariam motivação e "garra" aos policiais. Estranhamente, a avaliação do desempenho da polícia é feita como se alguém quisesse demonstrar a sua incompetência. De acordo com essa visão, quanto mais as curvas estatísticas demonstrarem o aumento de infratores (ou suspeitos) presos e mais apreensões de drogas e armas efetuadas, tanto melhor para se alegar a ineficiência das políticas de segurança; quanto mais ocorrências criminais se puderem registrar, idem; quanto mais baixas contabilizadas "do outro lado", melhor; quanto maior o número (e o tamanho) de "cercos", "incursões", "ocupações", tanto melhor. Nem pensar em séries históricas das taxas de criminalidade e de vitimização. Soma de dois equívocos A idéia de contrabalançar ou misturar os dois modelos, como alguém pode ser tentado a sugerir, perde de vista um dado essencial: os dois modelos são equivocados; e a soma de dois equívocos resulta numa amplificação geométrica. O mais grave é que, na prática, esta visão penalista-militarista da segurança pública consolidou-se no Brasil. Ainda é com esse modelo duplamente enviesado na cabeça que a maioria dos policiais brasileiros trabalha. Os cânones universais da atividade, fundados em outros marcos, têm passado ao largo de nossas práticas. Nem pensar em valores como direitos humanos, cidadania e mediação de conflitos. Pensar na segurança pública em termos de uma equação cujos componentes sejam somente a lei penal, a força armada e os criminosos tem sido uma grande armadilha, da qual só se poderá fugir se forem introduzidos outros componentes na equação: a mediação, a vítima, a comunidade, o desenvolvimento comunitário, como se pode visualizar no Quadro 1. O problema que se colocaé como desconstruir os paradigmas penal(ista) e militar(ista) e construir um paradigma "prevencionista". O aludido quadro pode servir para um exercício nesse sentido. PARADIGMA PENALISTA PARADIGMA MILITARISTA PARADIGMA PREVENCIONISTA · Atitude reativa. Falar em Segurança é falar de crime; de um problema do Governo e do Judiciário. · Atividade policial referida às leis penais. Formalismo burocrático do inquérito policial. · Concentração na atividade de polícia judiciária. O que importa são os crimes consumados, em prejuízo da prevenção e das vítimas. · Traço individualista. Foco nos infratores de forma individualizada. · Pretensão de "resolver? o problema do crime e da violência com a repressão policial-penal. · Desempenho referido à Quantidade de inquéritos realizados e infratores levados aos tribunais. · Formação: ênfase na legislação penal. Ensino irreflexivo. · Gerência: refratária ao controle externo. · Atitude reativa. Falar em segurança é falar em desordem; de um problema da polícia e da força armada. · Atividade policial referida a táticas de guerra: inimigo, cerco, vitória. Formalismo burocrático e militar. · Concentração no aparato, em prejuízo da polícia técnica e das técnicas de mediação. Não interessam os crimes já acontecidos. · Traço maniqueísta. Foco em "suspeitos? em abstrato: "nós? contra "eles?. · Pretensão de "erradicar? o crime e "acabar com a desordem?. Não seletividade no uso da força. · Desempenho referido à quantidade de prisões, de mortos em confronto, e de material apreendido. · Formação: ênfase em táticas militares. Ensino irreflexivo. · Gerência: refratária ao controle externo. · Atitude proativa. Falar em segurança é falar em prevenção; de um problema da comunidade e do governo. · Atividade policial referida às políticas de prevenção do crime (prevenção primária, secundária e terciária). · Concentração na mediação dos conflitos no espaço público e nas técnicas de abordagem. Repressão como parte da prevenção. · Traço comunitário. Foco nos cidadãos em geral e nas vítimas. "Suspeitos?, quem? · Pretensão de "controlar? o crime e mediar os conflitos de interesses. Seletividade no uso da força. · Desempenho referido às maiores ou menores taxas de criminalidade, e aos riscos de vitimização da população. · Formação: ênfase nas técnicas de abordagem e de mediação. Ensino reflexivo. · Gerência: controle externo como insumo gerencial. Capítulo 8 A importância da municipalização da segurança pública Desde os primórdios, o ser humano possui diversas necessidades, que vão desde as mais simples como se alimentar e descansar até as mais complexas como as necessidades de afeto, compreensão e até mesmo auto-realização. De acordo com a Teoria do psicólogo americano Maslow, que enumera as necessidades humanas dentro de uma pirâmide hierárquica, qualificando-as em “primárias” e “secundárias”, a segurança, de uma forma geral, é uma necessidade humana primária, perdendo apenas para as necessidades fisiológicas, ou seja, alimentar-se, abrigar-se das intempéries e reproduzir-se. Quando falamos ou pensamos em segurança, muitas vezes nos referimos a roubos, agressões e assassinatos etc. No entanto, o tema segurança é mais amplo, indo desde um buraco na rua, um poste com luminária queimada (que favorece ações furtivas de meliantes), até a conscientização do cidadão para os problemas do cotidiano. A segurança já era preocupação dos governantes, desde a idade antiga. Segundo Marcel Le Clére, em sua obra “Historie da la Police”, as tribos hebraicas já possuíam Sar Palek (intendentes de polícia), para controlar os súditos e os víveres. Mais tarde, para que, na cidade de Jerusalém, a segurança se tornasse mais efetiva, ela foi dividida em quatro setores – quarteirões. No Brasil, a segurança pública só passou a existir, embrionariamente, no ano de 1626, através da “Correição” datada de 24 de outubro, quando o “Ouvidor Geral” Luiz Nogueira de Brito reconheceu a necessidade de serem instituídos os “Quadrilheiros”, para policiar a cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro, que na época começava a crescer. Esse modelo de segurança era idêntico ao que fora criado em Portugal, em 1603, para vigiar as cidades, vilas e lugarejos e seus integrantes, eram escolhidos entre os moradores, que prestavam juramento de bem servir. A missão dos “quadrilheiros” era diligenciar sobre a descoberta de furtos e investigar, nas zonas de suas respectivas jurisdições, a existência de vadios, pessoas de má reputação, casas de tavolagem, barregados casados, alcoviteiros, feiticeiros, etc. As funções a eles atribuídas eram consignadas no Livro I, Título 73, das Ordenações Filipinas. Além dos quadrilheiros e dos “Capitães-Mores de estradas e assaltos”, vulgarmente conhecidos como “Capitães do mato”, havia ainda os “Alcaides”, que tinham, entre outras, a incumbência de efetuar prisões. Geralmente realizavam diligencias à noite, acompanhados de um “Escrivão de alcaidaria” ou então de um “Tabelião”, incumbido de “dar fé do que se fizesse ou encontrasse”. Em 31 de março de 1742 os quadrilheiros foram oficialmente extintos e substituídos por um grupamento tipicamente nacional, mais organizado, hierarquizado e com reconhecimento oficial, denominado Guardas Municipais, mas que também permaneceram de forma embrionária, a exemplo do Rio de Janeiro, onde foram introduzidos em 1788, por decisão da Câmara Municipal. Foi essa a única força pública de segurança que o monarca português, D. João VI, encontrou quando chegou com sua corte ao Brasil, em 07 de março de 1808, fugindo da ameaça napoleônica na Europa (Fonte Wikipédia). Capítulo 9 SEGURANÇA PÚBLICA NO BRASIL O tema segurança pública, nas últimas décadas, passou a ser considerado um desafio ao estado de direito no Brasil. A segurança ganhou enorme visibilidade pública tornando-se gênero de primeira necessidade para o cidadão e governantes. A criminalidade e a violência, nas cidades brasileiras, a cada dia que passa, vão se tornando em um estado de guerra civil, não mais se limitando às grandes e médias cidades, mais até mesmo pequenas cidades do interior do país e do nordeste, como exemplo Petrolina-PE. Fatos esses exigem do poder público a adoção de medidas mais eficazes na defesa da coletividade. Sabemos que Segurança Pública é uma questão política. No entanto, pode e deve ser debatida por todos os cidadãos, independente de sua formação. Não sendo uma questão exclusiva dos políticos e policiais. Com o advento da Constituição Federal de 1988, também conhecida como constituição cidadã, a questão da segurança recebe uma atenção especial por abranger o alargamento conceitual e institucional que envolve questões sociais e direitos humanos. Assim, foram sendo criados projetos e práticas com a parceria do poder público e sociedade civil. A segurança é responsabilidade não apenas na esfera da administração pública estadual e federal, mas também municipal. Com os altos índices das taxas de criminalidade e a generalização da sensação de insegurança nos principais centros urbanos, fizeram com que os municípios, baseados no art. 144, em seu inciso 8º da CF, criassem suas Guardas Municipais destinadas à proteção de seus bens, serviços e instalações. Além dessa prerrogativa de instituírem guardas municipais, os municípios podem atuar na segurança pública através da imposição de restrições administrativas a direitos e liberdades. O município pode, por exemplo, delimitar o horário de funcionamento de bares e restaurantes, ou os locais da venda de bebidas alcoólicas, patrulhar escolas, praças etc. Tais restrições, de caráter administrativo, dependendo das circunstâncias, podem exercer importante função na segurança pública, prevenindo a prática de delitos. Vale salientar que os integrantes das guardas municipais que realizam vigilâncianas instalações e logradouros municipais (parques e espaços públicos municipais), exercendo tão-somente a guarda patrimonial, nos termos do par. 8º, do art. 144, da Constituição Federal, não podem realizar busca pessoal, realizar abordagens a pessoas, acompanhar policiais em operações, fiscalizar o trânsito ou qualquer outra atividade própria de polícia, por falta de competência legal. Indiscutível, todavia, que na ocorrência de flagrante podem prender e apreender pessoa e coisa objeto de crime, tanto quanto qualquer do povo pode, conforme art.301 do CPP. Constitucionalmente, a segurança pública é um assunto ligado diretamente ao governo federal e estadual e, consequentemente, às corporações policiais dessas esferas. Por décadas, as polícias civil e militar têm assumido o papel de principal responsável, pelas ações de enfrentamento à criminalidade e à violência. Certamente, a polícia militar é mais presente no cotidiano da sociedade do que a polícia civil, devido à natureza puramente ostensiva de suas funções, pois estão em contato constante com a população. No caso da polícia civil, o contato entre policiais e população já ocorre somente quando o cidadão recorre às delegacias ou outros serviços oferecidos pela mesma. Observamos ainda, que os governos estaduais encontram óbices para realizar uma gestão adequada às realidades de cada população nos diferentes municípios brasileiros, principalmente devido às grandes extensões territoriais. Assim, o governo municipal, assumiu de forma empírica atribuições, responsabilidades, no campo da segurança pública e passou a se preocupar com a elaboração de uma política municipal de segurança pública. A segurança pública cada vez mais depende das ações dos governos locais, pois os municípios estão mais próximos do que os estados e o governo federal para atuarem permanentemente na prevenção da violência, por meio de políticas públicas sociais e urbanas. O papel dos governantes locais dos municípios brasileiros na gestão de políticas preventivas visa contribuir para o melhoramento da gestão de políticas para a segurança pública quer seja federal ou estadual. A entrada dos municípios na esfera da segurança pública quebra paradigmas sobre a ótica do conceito de segurança, antes afeta às polícias e governo do estado. Outro ponto importante foi à participação da sociedade que impulsionou essa inevitável mudança de cobrar dos governos municipais que através de suas Guardas intervissem sobre as questões de violência e ordem pública. A municipalização da segurança pode atender às mudanças sociais de maneira mais eficiente e que através dos Gabinetes de Gestão Integrada Municipal (GGI-M) a integração entre os órgãos federal, estadual e municipal podem trazer vários benefícios como troca de experiências, melhorias nas relações institucionais de cooperação e potencialização de recursos materiais, financeiros e humanos, bem como as vantagens que os municípios possuem em conhecer de perto os problemas locais da população, assim, contribuindo de maneira mais objetiva na gestão municipal de segurança realizando um trabalho de cunho social para minimizar o aumento da criminalidade. O processo de municipalização da segurança e o Gabinete de Gestão Integrada Municipal (GGI-M) dão aos Municípios um importante papel na política de segurança integrada e como podem contribuir para a segurança. Dessa maneira entra em cena a figura do gestor que deve possuir habilidades para administrar e gerenciar as ações de segurança. O gestor, não precisa ser necessariamente um policial experiente. Mas deve ter uma visão ampla e a capacidade de desenvolver pensamentos e ações que envolvam uma abordagem dinâmica e identifique quais são os problemas da insegurança e traçar as estratégias para resolução dos mesmos. Diante dos desafios apresentados, os municípios providenciaram com urgência o processo de adaptação às novas exigências com a finalidade de adequar a estrutura da administração pública ao novo cenário que estavam sendo incorporados. Um grande passo foi dado e assim começou uma nova Era na questão da segurança pública e da sociedade brasileira em geral, que é a municipalização da segurança. Descentralizar a ação de combate à violência, bairro a bairro, com a ajuda da população, pode ser uma forma de reduzir a violência nas grandes e pequenas cidades, através das guardas municipais, que poderiam atender ao clamor da população, pois as guardas podem desempenhar um importante papel na colaboração da segurança nos municípios principalmente àqueles em que praticamente o efetivo da polícia é pequeno e em alguns casos nem existe. No entanto, deve-se ter cuidado para que a guarda Municipal não se transforme em uma nova polícia e muito menos se torne cabides de emprego, é preciso cautela e discussão sobre o assunto, também se deve levar em consideração a realidade econômica dos nossos municípios que ainda não estão preparados por diversas nuances, entre elas, a falta de recursos e estrutura para o combate aos ilícitos mais próximos da população. Da mesma forma que é alegada a falta de recursos por parte do estado membro, tal problemática se estenderá de forma ainda mais radical na esmagadora maioria dos municípios brasileiros. Ademais, um órgão policial municipal ficará mais exposto aos chefes políticos locais e em “situação”, onde claramente será a Guarda instrumento de coerção aos opositores. Vale salientar que atribuir aos municípios brasileiros competências relacionadas à segurança pública especificamente as Guardas Municipais, é matéria de emenda constitucional. Bibliografia ADORNO, S.; PERALVA, A. 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