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PLANO DE AULA APOSTILADO Escola Superior de Teologia do Espírito Santo SociologiaSociologiaSociologiaSociologia Estudo do homem e sua vida em sociedade Escola Superior de Teologia do ES ESUTES – Escola Superior de Teologia do ES 2 A Escola Superior de Teologia do Espírito Santo – ESUTES, é amparada pelo disposto no parecer 241/99 da CES (Câmara de Ensino Superior) – MEC O ensino superior à distância é amparado pela lei 9.394/96 – Artº 80 e é considerado um dos mais avançados sistemas de ensino da atualidade. Sistema de ensino: Open University – Universidade aberta em Teologia O presente material apostilado é baseado nos principais tópicos e pontos salientes da matéria em questão. A abordagem aqui contida trata-se da “espinha dorsal” da matéria. Anexo, no final da apostila, segue a indicação de sites sérios e bem fundamentados sobre a matéria que o módulo aborda, bem como bibliografia para maior aprofundamento dos assuntos e temas estudados. ESUTES – Escola Superior de Teologia do ES 3 __________ SSSSSSSSuuuuuuuummmmmmmmáááááááárrrrrrrriiiiiiiioooooooo ____________________________ O Que é Sociologia............................................................................................................................04 Karl Marx............................................................................................................................................05 Dialética - Há muito o que dizer e em que refletir sobre a Dialética; mencionamos apenas dois pontos...............................................................................................................................................05 Durkheim e “As Regras”....................................................................................................................06 Weber – A Jaula de Ferro do Capitalismo..........................................................................................06 Georg Lukács.....................................................................................................................................06 Escola de Frankfurt..... ......................................................................................................................06 Teologia da Libertação.......................... ..........................................................................................06 O Estudo da Sociedade.....................................................................................................................08 Ciencias Sociais, História e Filosofia ................................................................................................14 Estrutura Social, Sociedades e Civilizações .....................................................................................21 Família e Parentesco.........................................................................................................................27 Grupos e Classes Sociais .................................................................................................................33 Religião e Moralidade........................................................................................................................38 Educação...........................................................................................................................................42 Fatores de Mudança Social ...............................................................................................................47 A Natureza Biológica do Homem ......................................................................................................51 A Família............................................................................................................................................52 Bibliografia.........................................................................................................................................56 ESUTES – Escola Superior de Teologia do ES 4 OO QQuuee éé SSoocciioollooggiiaa Europa, final da Idade Média, crise do Modo de Produção Feudal. Classicamente, se diz que o Modo de Produção entrou em contradição com os interesses das Forças Produtivas. Naquele caso, embora a densidade demográfica crescesse assustadoramente, de nada adiantava produzir mais porque o excedente não iria para aqueles deles necessitados; iria engordar ainda mais os cofres da Nobreza. As pessoas começam a se rebelar, fogem dos feudos (a que eram “presas” por laços de honra) e passam a roubar ou com parcos recursos comprar bens baratos a grandes distâncias vendendo-os mais caro onde eram desejados – ressaltem-se as famosas “especiarias” , ou seja, na Europa. A prática do lucro era condenada pela Igreja Católica, a maior potência do mundo à época. Mas para os fugitivos dos feudos, fundadores de burgos, que serão mais tarde chamados de “burgueses”, não restava outra alternativa exceto a atividade comercial voltada ao lucro, tida como “desonesta” por praticamente todas as culturas e civilizações do mundo a partir de todos os pontos de vista éticos. O capitalismo era como um pequenino câncer que surgiu no final da sociedade feudal. Foi crescendo, crescendo e hoje, a burguesia e seus interesses comerciais se sobrepõem ao ser humano numa infecção que contamina todo o planeta. Aquelas sociedades que buscam a cura para este mal são “reconvertidas” ao satanismo pagão de holocaustos ao deus-mercado através de diversas formas de pressão e, no limite, uso da força física, como ocorreu no Chile de Salvador Allende e, mais recentemente, no Afeganistão – um com proposta socialista, outro com proposta islâmica; ambos intoleráveis hereges dentro do fundamentalismo de mercado. Era fundamental reorganizar a sociedade de maneira a que os novos donos da riqueza fossem também os donos do poder. Surge uma nova religião para reforçar uma ética mais consentânea com os tempos cambiantes: surge o protestantismo. Os padres diziam nas missas – embora sua prática fosse bem outra... – ser “mais fácil um camelo passar pelo fundo de uma agulha do que um rico entrar no reino dos céus”, reiterando serem pecaminosos aqueles que praticavam a cobrança de juros, lucros... “Usurários”, enfim, eram todos enfileirados no caminho que conduz ao fogo do inferno. Por outro lado começam a surgir ex-padres, agora pastores que passam a informar: “se a mão de Deus estiver sobre a sua cabeça, você prosperará imensamente nesta terra; nisso você verá um sinal de estar sendo por ele abençoado”... Se você tivesse enriquecido à beçana base do comércio lucrativo, ou do empréstimo a juros, preferiria o discurso do padre (vale repetir, em contradição com a sua prática) ou o do pastor? Assim cresceram as seitas protestantes pelo mundo afora. Politicamente a burguesia endinheirada sentia-se lesada tendo de pagar tributos à antiga nobreza, agora praticamente falida. No início compravam títulos de nobres aos de antiga linhagem – que os discriminavam! – a seguir passaram a pensar em alternativas mais radicais (ser radical é ir à raiz e a burguesia foi radical no período de suas glórias revolucionárias!) como convocar os trabalhadores a uma aliança contra a nobreza e implantar um novo tipo de regime político, muito mais interessante e lucrativo para a burguesia, a “república”. Os burgueses convocaram seus empregados, desempregados e desesperados, superiores em número, para uma aliança contra a nobreza ou “antigo regime” e, após muitos percalços, saem-se vitoriosos. Agora, “duque”, “king” e “marquesa” passam a ser nomes de animais domésticos da burguesia! O passo seguinte foi agradecer e condecorar trabalhadores, desempregados e desesperados e mandá-los de volta a seus trabalhos, a seus desempregos e a seu desespero. ESUTES – Escola Superior de Teologia do ES 5 Estes, à medida que se conscientizavam de que foram usados para uma troca de poder que em absolutamente nada lhes beneficiou começam a organizar-se em sindicatos e outras agremiações classistas, por vezes secretas, maçônicas mesmo, por vezes aberta mas sempre e imediatamente proclamadas ilegais ou heréticas e perseguidas por todo o aparato estatal e religioso que a burguesia podia colocar em marcha! Karl Marx Um pedaço da enorme colcha de retalhos que mais tarde constituiria a Nação Alemã, filho de burgueses e educado no mais rigoroso protestantismo, incrivelmente perspicaz, cedo percebeu que enquanto houver neste mundo gente que se alimenta e gente que passa fome, enquanto houver opressores e oprimidos a espécie humana inteira estará refém da insânia. Chegou à conclusão de que somente a partir do ponto de vista de quem não tem absolutamente nada a perder se pode almejar a vislumbrar a verdade. Adotando o ponto de vista dos trabalhadores, criou uma ferramenta intelectual inédita e até hoje imbatível para a compreensão do Real. Com base no socialismo chamado “utópico” dos franceses, da filosofia clássica alemã (em particular o materialismo de Feuerbach e a dialética de Hegel) e a economia clássica inglesa construiu o MATERIALISMO DIALÉTICO, filosofia voltada não apenas à ascensão da classe trabalhadora ao poder, mas à libertação de toda a espécie humana de toda a classe de opressão e exploração. Dialética - Há muito o que dizer e em que refletir sobre a Dialética; mencionamos apenas dois pontos: Movimento: Tudo está em movimento, tudo se transforma, freqüentemente em seu contrário... É como as nuvens no céu: você olha, está de um jeito; olha novamente, a configuração já mudou completamente. A essência é mais significativa que a aparência: Este postulado fez com que a Dialética ficasse conhecida como “Filosofia Negativa”, pois buscava a compreensão do que está para além da superfície, do “Positivo”, da mera aparência fenomênica de alguma coisa. Evidentemente era necessário que a burguesia também produzisse uma teoria em defesa de seus pontos de vista e poucos foram tão brilhantes – e influenciaram tanto a nossa combalida Nação – quanto o positivismo. Era necessário olvidar a essência e trabalhar com o que é perceptível aos sentidos físicos mais grosseiros e imediatos. Era necessário esquecer a “filosofia negativa” e, voltando ao reino das aparências criar uma filosofia capaz de compreender o social com tanta precisão quanto a matemática ou a física – que hoje sabemos também serem imprecisas... Eivado de motivos nobres, impregnado de boas intenções, aquelas mesmas que pavimentam todas as estradas do inferno, Comte pregava a necessidade de “libertar o conhecimento social de toda a ingerência filosófica”, como se isso fosse possível... Mas... Se o fosse? Seria desejável? Se a filosofia responde a muitas questões que dizem respeito ao ser do homem no mundo, qualquer ciência que se volte a compreender o homem “afastando a ingerência filosófica” tende mais a falsear a compreensão do ser humano do que a compreendê-lo. Falando claramente: para que uma ciência humana mereça ser chamada de “científica”, tem de ser filosófica! O oposto disso é simplesmente fechar os olhos ao que constitui o SER do homem. Mas Comte e seus discípulos criaram um sistema “científico” voltado a conciliar o inconciliável: a Luta de Classes. Olvidando totalmente a existência concreta de interesses antagônicos na Sociedade Burguesa, a Luta de Classes, busca integrar a todos em torno do ideal ou meta burguesa – “integralismo”, por sinal, tem esta raiz... –; crescendo por etapas ou degraus seria possível chegar-se a uma precisão “científica”, não filosófica, acerca da sociedade e do ser do homem. Os positivistas contemporâneos, que já percebem as falhas do ESUTES – Escola Superior de Teologia do ES 6 positivismo clássico, mantêm suas mesmas raízes, suas mesmas motivações – “conciliar Capital e Trabalho”, “que os ricos sejam mais ricos para que, através deles os pobres sejam menos pobres”, e outras idiotices só críveis porque repetidas em altos brados e ad nauseam... Durkheim e “As Regras” Discípulo genial de Comte, Émile Durkheim sistematizou algumas de suas idéias e foi o primeiro a usar efetivamente a expressão “Sociologia” para referir-se ao estudo em pauta, que seu mestre ainda chamava de “Física Social”. O que é fato social? Tudo o que é coletivo, exterior ao indivíduo e coercitivo, em linhas gerais. Como compreender o fato social? Primeiro passo: “Afastar sistematicamente as pré- noções”. Como se fosse possível ao ser humano estar acima de todos os sentimentos, emoções, e “juízos de valor”... Como se a própria colocação da questão – seja ela qual for – não traga nela embutidos os juízos ou as pré-noções... Posição hoje indefensável, Durkheim tem contudo enorme valor para a Sociologia contemporânea. Weber – a jaula de ferro do capitalismo Max Weber, um dos maiores gênios do século XX, filho de pastor evangélico, lutou na Primeira Guerra Mundial como capitão do exército prussiano chegou à conclusão de que é necessário não tomar partido, separar o “lugar da teoria” do “lugar da prática” em ciência política. Segundo o capitão evangélico, a inteligência deve ser livre de vínculos (em alemão, Freischwebend Intelligenz). Sua posição de professor conservador, liberal, militar e evangélico talvez explique os motivos do “acidente de trabalho” que o conduziu a uma profundíssima crise depressiva que durou quatro longos anos em que até a alimentação era levada à sua boca pela esposa. Quatro anos em que, consta, não pronunciou uma única palavra, não escreveu uma única linha. De repente, o gênio adormecido desperta para o espanto de todos e compõe uma das mais geniais obras sociológicas do século XX – “A Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo”. Georg Lukács Húngaro, o mais notável discípulo de Weber, percebe-lhe as limitações e conduz os avanços sociológicos que esta corrente positivista havia logrado atingir ao marxismo, a que se alinha com muito maior conforto. O Clássico “História e Consciência de Classe” é um leitura obrigatória a todo aquele que queira compreender o ser humano vivendo em sociedade. O peso de sua erudição não tira o interesse do trabalho, ao contrário. Foium dos últimos brilhos a ir mais longe que Marx dentro do pensamento marxista. Escola de Frankfurt É fundamental citar o lugar dos teóricos de Frankfurt, particularmente Herbert Marcuse, que resgata a Dialética Materialista com grande ênfase à Dialética. Sua grande obra ainda é “Razão e Revolução”. É nela que se defende que o grande critério a submeter o Real é a Razão Humanista. O Capital é irracional: desiguala os semelhantes e equaliza os dessemelhantes. Você vale o quanto é capaz de produzir e é avaliado não pela grandeza de sua alma e de seus valores humanos, mas do quanto você tem em bens materiais. Isso é a Destruição da Razão (em alemão, “Zerstorung der Vernunft”). Teologia da Libertação Segundo os grandes filósofos europeus contemporâneos, esta é a grande contribuição da América Latina em geral e do Brasil em particular ao Saber Universal. O revolucionário em busca de um mundo melhor, como Che Guevara ou o padre Camilo Torres é equiparado aos primeiros cristãos. O comunismo nascente comparado ao cristianismo também em processo de parturição no Império Romano. Assim como o Império Romano negou o cristianismo por ESUTES – Escola Superior de Teologia do ES 7 quase 400 anos, proclamando-lhe extinto, acabado, morto e era aterrorizado pelo fantasma de seu cadáver insepulto o Capital proclama reiteradas e repetidas vezes a “morte do comunismo”. O que Weber chamava de “jaula de ferro” os Teólogos da Libertação chamam de “pessimismo defensivo” da burguesia. Em síntese, eles dizem: “não tem jeito”. “Sempre foi e sempre será assim” – preenchendo o futuro como se houvesse uma linha invisível a ligar todos os tempos, como se a Vontade humana não houvesse sido capaz de proezas memoráveis como a transformação do Império Romano num Império Cristão; a travessia do “Mar Tenebroso” que todos “sabiam” intransponível e a chegada ao Novo Mundo; os exemplos se multiplicam. ESUTES – Escola Superior de Teologia do ES 8 OO EEssttuuddoo ddaa SSoocciieeddaaddee "Contemplar todos os homens do mundo, que se unem em sociedade para trabalhar, lutar e aperfeiçoar- se, deve-lhe agradar mais do que qualquer outra coisa." ANTÔNIO GRAMSCI, numa carta escrita da prisão ao seu filho Delio. Durante milhares de anos, os homens observaram e refletiram sobre as sociedades e grupos nos quais vivem. Não obstante, a Sociologia é uma ciência moderna, que não tem muito mais de um século. Auguste Comte, em sua classificação das ciências, considerou-a, lógica e cronologicamente, posterior às demais ciências, como a menos geral e a mais complexa de todas. E um dos maiores antropólogos modernos observou que "a ciência da sociedade humana está ainda em sua primeira infância". É certo que podemos encontrar, nos escritos dos filósofos, pregadores religiosos e legisladores de todas as civilizações e épocas, observações e idéias relevantes para a Sociologia moderna. A Arthashâstra, de Kautilya, e a Política, de Aristóteles, analisam sistemas políticos de formas que ainda interessam ao sociólogo. Não obstante, há um sentido real no qual uma nova ciência da sociedade, e não apenas um nome novo, foi criado no século XIX. Vale a pena notar as circunstâncias em que isso ocorreu e examinar as características que distinguem a Sociologia do pensamento social anterior. As circunstâncias nas quais a Sociologia surgiu podem ser distinguidas como intelectuais e materiais, e examinarei separadamente cada uma delas. Naturalmente/estavam interligadas, e qualquer história sociológica da Sociologia — que ainda não foi escrita — teria de levar em conta essas ligações. Nesta rápida introdução, só posso mencionar alguns dos fatores mais importantes. Os principais antecedentes intelectuais da Sociologia não são difíceis de identificar. "De modo geral, podemos dizer que a Sociologia tem uma quádrupla origem: na Filosofia Política, na Filosofia da História, nas teorias biológicas da evolução e nos movimentos para a reforma social e política, que julgaram necessário empreender levantamentos das condições sociais." Duas dessas fontes, a Filosofia da História e o levantamento social, foram particularmente importantes, de início. Também elas haviam chegado tarde à história intelectual do homem. A Filosofia da História, como ramo distinto de especulação, é uma criação do século XVIII. Entre seus fundadores estão o Abade de Saint Pierre e Giambattista Viço. A idéia geral do progresso, que ajudaram a formular, influi profundamente na concepção que o homem tem da história e se reflete nas obras de Montesquieu e Voltaire na França, de Herder na Alemanha, e de um grupo de filósofos e historiadores escoceses de fins do século XVIII, Ferguson, Miliar, Robertson e outros. Essa nova atitude histórica se expressa claramente num trecho da "Memoir of Adam Smith", de Dugald Stewart: "Quando, num período da sociedade como este em que vivemos, comparamos nossas conquistas intelectuais, nossas opiniões, costumes e instituições, com os que predominaram entre as tribos selvagens, não podemos deixar de indagar uma questão interessante, a dos passos graduais Ia transição, desde os primeiros e mais simples esforços da natureza inculta até um estado de coisas tão maravilhosamente artificial e complicado." Stewart prossegue, dizendo que faltam informações sobre muitas fases desse progresso, e que seu lugar leve ser tomado pela especulação baseada nos "princípios conhecidos da natureza humana". "A essa espécie de ESUTES – Escola Superior de Teologia do ES 9 investigação filosófica, que não tem nome adequado em nossa linguagem, tomarei a liberdade de dar o título de História Teórica ou Conatural, expressão que coincide aproximadamente, em sentido, com a de História Natural, tal como usada por Hume, e com que certos autores franceses chamaram de Histoire Raisonné." Em princípios do século XIX, a Filosofia da História exerceu importante influência intelectual, através dos escritos de Hegel ; Saint-Simon. Desses dois pensadores brotam as obras de Marx e Comte, e portanto algumas das correntes importantes da Sociologia moderna. Podemos avaliar rapidamente as contribuições da Filosofia da História à Sociologia considerando-as como tendo sido, no aspecto filosófico, as noções de desenvolvimento e progresso, e, no aspecto científico, os conceitos dos períodos históricos e tipos sociais. Foram os historiadores filosóficos que tiveram, em grande parte, a responsabilidade pela nova concepção da sociedade como algo mais do que a "sociedade política" ou Estado. Ocupavam-se de toda a gama das instituições sociais estabeleceram uma cuidadosa distinção entre o Estado e o que chamavam de "sociedade civil". O Essay on the History of Civil Society (1767), de Adam Ferguson, talvez seja o melhor exemplo dessa abordagem; em tradução alemã, essa obra parece ter proporcionado a Hegel a sua terminologia, e influenciado sua abordagem, nos primeiros trabalhos que escreveu sobre a sociedade. Ferguson, nesse ensaio e outros posteriores, discute a natureza da sociedade, população, família e parentesco, as distinções de posição hierárquica, propriedade, governo, costumes, modalidade e direito — ou seja, trata a sociedade como um sistema de instituições correlatas. Além disso, procura classificar as sociedades em tipos e distinguir as fases do desenvolvimento social. Características semelhantes encontram-seem muitos dos trabalhos dos autores a que chamei de historiadores filosóficos. Eles representam uma unanimidade notável e uma modificação abrupta do interesse dos homens pelos estudos da sociedade humana. Essas características reaparecem no século XIX, no trabalho dos primeiros sociólogos, Comte, Marx e Spencer. Um segundo elemento importante na Sociologia moderna é proporcionado pelo levantamento social, que em si mesmo teve duas fontes. Uma foi a crescente convicção de que os métodos das Ciências Naturais deviam e podiam ser estendidos ao estudo das questões humanas, que os fenômenos humanos podiam ser classificados e medidos. A outra foi a preocupação com a pobreza (o "problema social"), conseqüente da aceitação do fato de que, nas sociedades industriais, ela já não era um fenômeno natural um castigo da natureza ou da providência, mas o resultado da ignorância e da exploração humanas. Sob essas duas influências, o prestígio da ciência natural e os movimentos de reforma social, os levantamentos sociais passaram a ocupar lugar importante na nova ciência da sociedade. Esses movimentos intelectuais, a Filosofia da História e, o levantamento social não estavam isolados das circunstâncias sociais dos séculos XVII e XIX na Europa Ocidental. O novo interesse pela História e pelo desenvolvimento foi despertado pela rapidez e profundidade da transformação social, e pelo contraste das culturas, que as viagens dos descobrimentos revelaram atenção do homem. A Filosofia da História não foi apenas ilha do pensamento: nasceu também de duas revoluções, a revolução industrial na Inglaterra e a Revolução Francesa. Igualmente, o levantamento social não surgiu apenas da ambição de aplicar os métodos da ciência natural ao mundo humano, mas de :ma nova concepção dos males sociais, também influenciada pelas possibilidades materiais de uma sociedade industrial. Um levantamento social da pobreza, ou de qualquer outro problema social, o tem sentido se acreditarmos que algo poderá ser feito para remover ou minorar tais males. Creio ter sido a existência da pobreza generalizada em meio das grandes e crescentes forças produtivas a responsável pela modificação de perspectiva, segundo a qual ela deixou de ser um problema natural (ou uma condição natural) para tornar-se um problema social, sujeito a estudo e aperfeiçoamento. Essa modificação constituiu, pelo menos, um elemento importante na convicção de que o conhecimento exato poderia ser aplicado à reforma social; e, mais tarde, que, como o homem estabeleceu um controle cada vez mais completo sobre seu meio físico, também poderia controlar seu leio social. ESUTES – Escola Superior de Teologia do ES 10 Anteriormente consideramos os elementos liberais e radicais no pensamento sociológico que vieram diretamente do Iluminismo da Revolução Francesa. Em alguns escritos recentes, entretanto, maior importância foi dada às idéias com as quais contribuíram para a Sociologia os pensadores da reação conservadora romântica, especialmente de Bonald e de Maistre, através da influência sobre Saint-Simon, Comte e de Tocqueville. Robert Nisbet, por exemplo, refere-se à reorientação do pensamento social, que permitiu o aparecimento da Sociologia como "... uma ação do tradicionalismo contra a razão analítica", e resume sua opinião da seguinte maneira: "O paradoxo da Sociologia... rede no fato de que embora se situe, pelos objetivos e valores científicos e políticos das suas principais figuras, na corrente do modernismo, seus conceitos essenciais e sua perspectiva implícita colocam-na mais próxima, em geral, do conservadorismo filosófico. Comunidade, autoridade, tradição, o sagrado, são preocupações conservadoras da época..." De acordo com Nisbet, constituem, também, importantes "idéias-unidade" da Sociologia. Um argumento semelhante foi proposto por Marcuse, o qual contrasta o conservadorismo do positivismo sociológico de Comte com o radicalismo da "razão crítica", que ele considera como característica essencial da teoria social de Hegel, encontrando sua plena expressão no pensamento marxista. A influência dos pensadores conservadores sobre a Sociologia é fora de dúvida, A distinção que Saint-Simon faz entre períodos "críticos" e "orgânicos" da História, e sua defesa de uma nova doutrina moral para unir os homens na sociedade industrial pós-revolucionária, refletem essa influência, e ao mesmo tempo preparam o caminho para a preocupação de Comte com o reestabelecimento da "ordem social". Mas Saint-Simon foi também fonte de outras idéias, relativas a classe e propriedade, que deram origem a diferentes escolas de pensamento no socialismo de seus seguidores e mais tarde de KarI Marx. Há uma dupla tradição no pensamento sociológico, e os diversos elementos que vieram a formá-la precisam ser cuidadosamente distinguidos. Assim, a pré-história da Sociologia pode ser localizada num período de cerca de cem anos, mais ou menos entre 1750 e 1850; ou, digamos, da publicação do Esprit dês Lois, de Montesquieu, até o trabalho de Comte e os primeiros escritos de Spencer e Marx. O período formativo da Sociologia como ciência distinta ocupa a segunda metade do século XIX e inícios do nosso século. Podemos ver, pelo breve exame de suas origens, algumas das características assumidas inicialmente pela Sociologia. Em primeiro lugar, era enciclopédica —ocupava-se da totalidade da vida social do homem e da totalidade da história. Em segundo lugar, sob a influência da Filosofia da História, reforçada pela teoria biológica da evolução, era evolucionista, procurando identificar e explicar as principais fases da evolução social. Em terceiro lugar, era concebida como uma ciência positiva, de caráter idêntico ao das Ciências Naturais. No século XVIII, as Ciências sociais eram consideradas, em geral, segundo o modelo da Física no século XIX, a Sociologia modelou-se pela Biologia. Isso se vidência pela concepção amplamente difundida da sociedade amo um organismo, e pelas tentativas de formular leis gerais e evolução social. Em quarto lugar, a despeito da sua pretensão de ser uma ciência geral, a Sociologia lidava, em particular, com os problemas sociais provenientes das revoluções econômicas e políticas do século XVIII; era, acima de tudo, uma ciência da nova sociedade industrial. Finalmente, tinha um caráter ideológico, bem como um caráter científico; idéias conservadoras e radicais entraram na sua formação, dando origem a teorias conflitantes, e provocando controvérsias que continuam até hoje. Essas amplas pretensões despertaram, naturalmente, oposição, em particular entre os que trabalhavam em campos mais circunscritos e mais especializados, entre os historiadores, economistas e cientistas políticos. É de duvidar que, até o presente, Sociologia tenha conseguido realizar totalmente suas pretensões iniciais. Mas devemos distinguir entre as diversas pretensões e entre os pretensos âmbitos do assunto e as pretensas descobertas da Sociologia. Ninguém acredita mais que Comte ou Spencer tenham descoberto as leis da evolução social (embora muitos acreditem que Marx as descobriu). A oposição à Sociologia em sua primeira fase foi provocada em grande parte pelo sentimento de que ela visava não à coordenação, mas à absorção das outras Ciências Sociais. No trabalho ESUTES – Escola Superior de Teologia do ES 11 dos sociólogos posteriores, essas ambições são afastadas explicitamente. Hobhouse, por exemplo, concebia a Sociologia como ma ciência que tem a totalidade da vida social do homem como sua esfera", e não como outro especialismo. Via, porém, sua relação com as demais "Ciências Sociais como um intercâmbio e um estímulo mútuos. "... a Sociologia Geral não é umaciência separada, completa em si antes que o especialismo comece, nem uma simples síntese das Ciências Sociais, constituída da justaposição mecânica de seus resultados. É antes um princípio vitalizador que corre por toda a investigação social, alimentando-a e sendo por ela alimentado, estimulando a pesquisa, correlacionando resultados, exibindo a vida do todo nas partes e voltando do estudo das partes para uma maior compreensão do todo". Na Alemanha, como Raymond Aron observou, a Sociologia foi rejeitada a princípio, devido ao seu caráter enciclopédico. Ali, como em outros lugares, fez-se uma tentativa para definir e limitar seu campo, mas nesse caso pela construção de ma ciência abstraía das "formas" da vida social, em grande arte sob a influência de Georg Simmel, que formulou a sua concepção de uma ciência da sociedade nos seguintes termos: “separar, pela abstração científica, esses dois fatores de forma e conteúdo que estão na realidade inseparavelmente unidos; separar, pela análise, as formas de interação ou sociação dos seus conteúdos (somente através dos quais estas formas tornam-se armas sociais), e colocá-las juntas, sistematicamente, sob um ponto de vista científico coerente — esta parece-me a base para única possibilidade de uma ciência especial da sociedade como tal”. Mas, juntamente com essas tentativas, houve um interesse continuado na interpretação histórica e na Sociologia da cultura, estimulada pelo marxismo. Esses vários interesses uniram-se no escritos de Max Weber, em cuja obra, como na de Durkheim, vemos a mesma preocupação em promover uma interpretação sociológica dentro das disciplinas existentes: História, Direito, Economia, Política, Religião Comparada. Assim, os sociólogos clássicos pretendiam estabelecer o âmbito e os métodos da nova disciplina, mostrando a sua importância pela investigação e explicação dos fenômenos sociais mais importantes, e associá-la intimamente às outras Ciências Sociais. A Sociologia posterior divergiu, em certos aspectos, dessas pretensões. Durante as décadas de 1940 e 1950, desenvolveu-se, por um lado, uma preocupação com a construção de esquemas conceptuais bastante elaborados, exemplificada plenamente pelo trabalho de Talcott Parsons e seus seguidores; e, por outro lado. um deslumbramento com as técnicas de pesquisa sociológica aplicadas a problemas menores e às vezes triviais. Ao mesmo tempo, os sociólogos começaram a mostrar a preferência, nas suas pesquisas, por assuntos "residuais", que não estavam claramente dentro da esfera de outras Ciências Sociais e que poderiam, desta forma, ser considerados como estritamente sociológicos, num sentido bastante estreito. Um exame da Sociologia americana mostra que em 1953-4 os dois principais campos de pesquisa socioló- gica, em termos do número de projetos, foram os estudos urbanos e de comunidade, e de matrimônio e família. A tendência em outros países tem sido semelhante. Durante a última década, entretanto, a Sociologia tomou novo rumo, largamente inspirado, no começo, pela obra de C. Wright Mills. Nos seus escritos sobre as classes sociais e o poder nos Estados Unidos, particularmente em White Collar (1951) e The Power Elite (1956), Mills mostrou o valor dos estudos, historicamente orientados, de elementos estruturais fundamentais numa sociedade industrial complexa; e em The Sociological imagination (1959) extraiu, da sua própria experiência, bem como da tradição sociológica de Marx e Weber, na Europa, de Veblen e Lynd, na América, elementos para criticar as tendências predominantes na Sociologia, e defender estudos mais ousados, mais imaginativos, dos problemas políticos e sociais do mundo de pós-guerra. Desde então, o tipo de Sociologia adotado por Mills renasceu, auxiliado pelo aparecimento de uma crítica social mais generalizada. Os sociólogos começaram a se interessar novamente pelos aspectos mais amplos da estrutura social e suas mudanças; a examinar as características básicas das sociedades industriais, a estudar as implicações sociais do rápido progresso, da ciência e da tecnologia, a investigar as origens e conseqüências de movimentos sociais e revoluções, a examinar os processos de industrialização e desenvolvimento econômico. Assim fazendo, adotaram uma atitude ESUTES – Escola Superior de Teologia do ES 12 contestadora e polêmica em relação aos acontecimentos sociais, muito mais no espírito dos antigos sociólogos; eles não se satisfazem mais com as interpretações prontas das sociedades modernas, ou com a mera descrição è classificação de fenômenos sociais como aparecem num dado momento. Um indício dessa nova perspectiva é o renovado interesse por problemas relacionados ao desenvolvimento da sociedade. Um outro indício intimamente relacionado ao primeiro, é o renascimento do marxismo, de uma forma muito menos dogmática e mais elaborada, como teoria geral da sociedade. Esse desenvolvimento recente levou a uma maior difusão da abordagem sociológica para as outras Ciências Sociais. Em Ciência Política existia há muito tempo uma importante área de pesquisa sociológica, derivada dos trabalhos de Max Weber, Michels e Pareto, bem como dos escritos marxistas, mas ela foi grandemente ampliada por estudos mais intensivos de partidos políticos, elites, grupos de pressão, comportamento eleitoral e burocracia, e mais recentemente por estudos sobre movimentos sociais (particularmente os novos movimentos radicais da década de 60), e sobre mudanças políticas nos países em desenvolvimento. Na Economia, que possui o seu próprio sistema teórico altamente desenvolvido, a influência da Sociologia foi muito menos marcada após o eclipse da escolha histórica alemã de Economia, mais ou menos no fim do século XIX, exceto nos estudos inacabados de Max Weber sobre economia e sociedade, e na obra de alguns intelectuais excêntricos como Thorstein Veblen; mas esta situação começa a se modificar, à medida que os estudos sociológicos sobre a estrutura das sociedades industriais, trabalho e lazer, relações industriais, profissões e educação, administração de indústrias fazem importantes contribuições à discussão dos problemas econômicos. Além do mais, a extensão da planificação econômica, a preocupação com o desenvolvimento econômico e o reconhecimento dos novos problemas que o progresso tecnológico e a crescente prosperidade criam ressaltam os aspectos sociais da atividade econômica e a conseqüente necessidade de pesquisa sociológica. Esses exemplos são utilizados apenas para ilustrar a natureza da abordagem sociológica no estudo da sociedade e para auxiliar numa definição mais clara do lugar da Sociologia entre as Ciências Sociais. A Sociologia foi, juntamente com a Antropologia Social, a primeira ciência a se preocupar explicitamente com a vida social como uma totalidade, com a complexa rede de instituições sociais e grupos que constituem a sociedade, ao invés de estudar um aspecto particular desta. A concepção básica, ou idéias diretiva, da Sociologia é, portanto, a de estrutura social: a inter-relação sistemática de formas de comportamento ou ação em socie- dades determinadas. Segue-se daí o interesse do sociólogo naqueles aspectos da vida social que foram anteriormente estudados superficialmente ou que foram objeto de reflexão filosó- fica mais do que de pesquisa empírica: família e parentesco, religião e moral, estratificação social, vida urbana. Como apontei anteriormente, a preocupação com alguns desses assuntos "residuais" pode levar a excessos, mas o estudo de tais fenômenos é parte importante da Sociologia e, adequadamente considerados, não podem ser separados do estudo da Economia e das instituições políticas. Nesse aspecto, os antropólogos sociais têm usufruído de certas vantagens, devidas em parte ao caráter das sociedades por eles estudadas.Lidando com pequenas sociedades tribais, tor- naram-se capazes de vê-las como totalidades e investigar todos os aspectos do comportamento, desde o econômico até o sexual, sem o temor de estar penetrando no domínio de outras disciplinas especializadas. Ao mesmo tempo, entretanto, sob a influência de novas concepções do método antropológico que predominaram uma geração atrás, tenderam a ignorar o desenvolvimento histórico das sociedades e rejeitar estudos comparativos a fim de se concentrar na descrição minuciosa da vida social de determinadas comunidades. Os sociólogos, por outro lado, levando avante os seus estudos, embora rodeados de disciplinas estabelecidas — Economia, Ciência Política, Direito, História da Re- ligião — fizeram uma das maiores contribuições mostrando as ligações entre determinadas instituições ou áreas da vida social (por exemplo, entre religião e vida econômica, entre propriedade, classe e política), e acentuando a necessidade de estudos comparativos que revelassem a constância ou variabilidade dessas ligações em diferentes tipos de sociedades e ESUTES – Escola Superior de Teologia do ES 13 diferentes períodos históricos. Mais recentemente, os sociólogos e antropólogos sociais têm colaborado mais estreitamente. Uma influência importante tem sido o aparecimento de novas nações, anteriormente impérios coloniais, e os esforços desses países economicamente subdesenvolvidos em atingir um rápido desenvolvimento econômico, o que coloca uma série de novos problemas, cujo estudo requer tanto o conhecimento das formas tradicionais da sociedade como uma perspectiva histórica e comparativa do processo social de industrialização. Essas mudanças na situação mundial trouxeram à luz um outro aspecto do estudo da sociedade humana. Os grandes sociólogos do século XIX têm sido freqüentemente criticados por suas concepções enciclopédicas e por demais ambiciosas da nova ciência. Mas isso tinha uma grande vantagem: exigia um amplo conhecimento de diferentes tipos de sociedades e de períodos históricos. Mesmo tendo a Sociologia se formado na Europa Ocidental, em grande parte como conseqüência do advento da sociedade capitalista industrial, esses intelectuais não restringiram o seu interesse às sociedades européias. Consideravam a totalidade das sociedades humanas como sendo o objeto de estudo da sua ciência. Em oposição a isto, a Sociologia recente tem-se caracterizado por um campo de interesse muito mais restrito. Durante as últimas duas ou três décadas, a maioria dos sociólogos tem-se preocupado intensamente em estudar pequeníssimos segmentos da sua própria sociedade, e durante esse tempo o assunto assumiu um caráter distintamente etnocêntrico, e por vezes mesmo bairrista. Houve um grande número de motivos para essa situação. A grande acumulação de conhecimento tornou, sem dúvida, mais difícil a vasta erudição demonstrada nas obras de Max Weber e Durkheim. O recente renascimento dos estudos históricos e comparativos que comentamos anteriormente neste capítulo foi em grande parte motivado pelo aparecimento das novas nações independentes do Terceiro Mundo. Assim como o historiador é obrigado a considerar a História como "História Mundial", à luz do aparecimento das nações asiáticas e africanas, também o sociólogo em que conceber agora o seu objeto de estudo em um contexto mais amplo. A formação de novas comunidades políticas, o desenvolvimento econômico, a urbanização, a transformação da estrutura de classe, nos países em desenvolvimento, mostram algumas semelhanças com os primeiros processos de mudança as sociedades ocidentais, mas possuem também muitas características próprias que devem ser levadas em conta em qualquer teoria geral da estrutura e da mudança social. A difusão de estudos sociológicos nos próprios países em desenvolvimento, em resposta à sua necessidade de uma visão geral das mudanças radicais através das quais estão passando, provê uma massa de material novo e novas idéias que podem contribuir para uma consideração de alguns dos problemas fundamentais da Sociologia. ESUTES – Escola Superior de Teologia do ES 14 CCiiêênncciiaass SSoocciiaaiiss,, HHiissttóórriiaa ee FFiilloossooffiiaa A SOCIOLOGIA, EMBORA NÃO pretenda ser mais a ciência capaz de incluir toda a sociedade, pretende ser sinóptica. Temos, portanto, de considerar um pouco mais detalhadamente de como se relaciona ela, ou se deveria relacionar, com as outras Ciências Sociais e com outras disciplinas que se preocupam com a vida social do homem. Antropologia Social Diz-se hoje com freqüência que, embora a Sociologia e a Antropologia Social tenham origens totalmente diferentes (uma na Filosofia da História, pensamento político e no levantamento social, a outra na Antropologia Física e, em última análise, na Biologia), elas são praticamente indistingüíveis. Essa afirmação expressa uma aspiração e não um fato. Se examinarmos os conceitos, métodos de investigação e análise, e as direções de interesse das duas disciplinas, torna-se logo evidente que estão ainda muito separadas. Não obstante, examinando a história de suas relações, podemos ver que depois de um primeiro período de íntima associação, quando não era fácil atribuir a uma ou a outra um determinado trabalho individual. As amplas diferenças entre a Sociologia e a Antropologia Social que surgiram durante o período de divergência devem ser facilmente relacionadas com as diferenças no objeto de estudo. Quando o trabalho prático tornou-se uma exigência fundamental, os antropólogos sociais deixaram-se envolver pelo estudo das pequenas sociedades, de caráter muito diverso daquilo e se notava em suas próprias sociedades, relativamente imutáveis e sem registros históricos. Os métodos foram determinados por essas condições; tais sociedades podiam ser observadas como todos em funcionamento, podiam ser descritas e analisadas em termos eticamente neutros, já que o antropólogo, sendo alheio elas, não estava relacionado com seus valores e aspirações, já que pouco mudavam, não havendo registros de mudanças passadas, a abordagem histórica era desnecessária e mais ou menos impossível. A situação modificou-se hoje radicalmente; muitas, talvez a maioria, das sociedades primitivas se estão modificando sob a influência das idéias e tecnologia ocidental, e os agrupamentos maiores estão começando a predominar sobre as sociedades tribais, e os movimentos sociais e políticos estão-se envolvendo e levando os antropólogos a enfrentarem os mesmos tipos de problemas de valor que os sociólogos enfrentaram estudarem a sua própria sociedade ou sociedades da mesma civilização. Em suma, podemos ver que o objeto de estudo, e, são as sociedades em processo de desenvolvimento econômico e mudança social, e, portanto, um objeto tanto para o sociólogo quanto para o antropólogo social, que trabalham, cada vez mais, na África e Ásia, nos mesmos tipos de problemas. Poderíamos acrescentar que como as sociedades primitivas, consideradas como terreno do antropólogo social, mais ou menos desapareceram, o mesmo ocorreu, até certo ponto, com as prerrogativas especiais do sociólogo no estudo das sociedades adiantadas. Há um número cada vez maior de estudos antropológicos nas sociedades avançadas; os estudos de "pequenas comunidades", de grupos de parentesco etc. A Sociologia e a Antropologia Social estão ainda separadas por diferenças de terminologia, abordagem e método (e as incursões mútuas que fazem em seus territórios são, por vezes, metodologicamente inadequadas); não obstante, há certa convergência e o desejo de intensificá-la. A pesquisa sociológica,na Índia, seja sobre o sistema de casta, as comunidades aldeãs, ou o processo de industrialização e seus efeitos, é e deve ser realizada pelos sociólogos e pelos antropólogos sociais. Há uma grande oportunidade nesses casos de que a tradicional divisão entre essas disciplinas seja vencida. É bem verdade que a formação dos sociólogos e ESUTES – Escola Superior de Teologia do ES 15 antropólogos opõe-se a isso, uma vez que esta se faz, na maioria das vezes, em algum país ocidental, onde tal divisão persiste; mas o crescimento das Ciências Sociais nos países em desenvolvimento, e a decrescente dependência de instituições educacionais estrangeiras darão oportunidade para uma verdadeira integração dos métodos e conceitos dessas duas disciplinas, em termos dos problemas e pesquisas relevantes para tais sociedades. Psicologia O problema da relação entre a Psicologia e a Sociologia, e do status da Psicologia Social em relação a ambas, é difícil e não está resolvido. Há duas opiniões extremas. J. S. Mill acreditava que uma ciência social geral não poderia considerar-se firmemente estabelecida até que suas generalizações obtidas indutivamente tivessem conseguido provar sua capacidade de serem também deduzíveis logicamente das leis da mente. "Os seres humanos na sociedade não têm propriedades senão as derivadas das leis da natureza do homem individual, e que se podem realizar em termos destas." Durkheim, por sua vez, estabeleceu uma distinção radical entre os fenômenos estudados pela Psicologia e Sociologia, respectivamente. A Sociologia deveria estudar os fatos sociais, definidos como externos às mentes individuais e exercendo sobre elas uma ação coatora; a explicação os fatos sociais só se poderia fazer em termos de outros fatos leiais, e não em termos de fatos psicológicos. "A sociedade não um simples agregado de indivíduos; o sistema formado pela ia associação representa uma realidade específica, com características próprias... Em suma, há a mesma descontinuidade entre a Psicologia e a Sociologia que se observa entre a Biologia e as Ciências físico-químicas. Consequentemente, sempre que um fenômeno social for diretamente explicado por um fenômeno psicológico, podemos ter certeza de que a explicação não é válida." Apesar desse reconhecimento amplo de que a explicação sociológica e a psicológica se podem complementar, as duas disciplinas não estão, na prática, intimamente associadas, e o lugar da Psicologia Social, que deveria ser especialmente próximo da Sociologia, ainda é discutido. É fácil dizer que a Psicologia Social é a parte da Psicologia Geral que dá particular importância aos fenômenos sociais, ou que trata dos aspectos psicológicos da vida social. Na verdade, toda Psicologia pode ser considerada como "social" em proporções maiores ou menores, já que todos os fenômenos psíquicos ocorrem num contexto social que os afeta até certo ponto. E torna-se difícil determinar, mesmo imperfeitamente, os limites da Psicologia Social. Isso significa que os psicólogos sociais habitualmente experimentaram uma associação mais íntima com a Psicologia Geral do que com a Sociologia, limitaram-se a um método particular (dando ênfase à experiência, estudos quantitativos etc.) e com freqüência ignoraram as características estruturais do meio social no qual suas investigações são conduzidas. Essa divergência entre a Sociologia e a Psicologia Social pode ser ilustrada em muitos campos. No estudo do conflito e guerra, tem havido explicações sociológicas e psicológicas mutuamente exclusivas. Nos estudos de estratificação social, a abordagem psicológica parece ter produzido uma explicação de classe e status em termos subjetivos, que é contraposta pela explicação sociológica em termos de fatores objetivos, e não da investigação sistemática dos aspectos psicológicos de um elemento significativo na estrutura social. A "Psicologia da Política" nem merece ser mencionada, tão remota está das realidades mais óbvias da estrutura e do comportamento político. Em quase todo setor de investigação, podemos ver que a Psicologia e a Sociologia constituem, em sua maior parte, dois universos separados. Tem havido, decerto, muitas declarações a favor de uma maior associação entre as duas disciplinas e, o que é mais útil, houve um pequeno número de tentativas de reuni-las. Uma das mais valiosas é representada pelo trabalho de Gerth e Mills. Dizem os autores: "O psicólogo social procura descrever e explicar a conduta e as motivações do homem em vários tipos de sociedades. Também indaga como a conduta externa e a vida interior de uma pessoa influem e são influenciadas pelas dos outros. Procura descrever os tipos de pessoas habitualmente encontradas em diferentes tipos de sociedades e em seguida explicá-los estabelecendo suas inter-relações com as sociedades em que vivem." O campo de estudo da ESUTES – Escola Superior de Teologia do ES 16 Psicologia Social é, assim, a influência mútua entre o caráter individual e a estrutura social e, como dizem Gerth e Mills, pode ser abordada pelo lado da Biologia ou pelo da Sociologia. No passado recente, o problema tem sido a ignorância em que cada um dos lados permanecia em relação ao que estava sendo feito no outro, e se achava em seu mundo de terminologia e método academicamente [provados. Gerth e Mills tentaram eliminar a distância, usando ) conceito de "papel" como termo-chave em sua definição da pessoa e em sua definição das instituições: "O papel social representa o ponto de encontro do organismo individual e da estrutura social, sendo usado como conceito central num esquema que possibilita uma análise de caráter e estrutura social nos mesmos termos." Esta é uma opinião semelhante à de Fromm, mencionada acima; e Gerth e Mills, tal como Fromm, retomam o problema fundamental da relação entre o indivíduo e a sociedade, e que foi anteriormente examinado por Ginsberg num estudo esclarecedor sobre a influência respectiva da razão e do instinto na ida social, com teorias de "mente grupai" e com problemas de opinião pública e comportamento de grupo organizado. A Psicologia Social posterior abandonou essa linha de estudo para as pesquisas estatísticas e experimentais, que na verdade se ocupam demasiado do indivíduo, ou dos simples agregados de indivíduos, e portanto perdem contato com a Sociologia. Economia Alfred Marshall, numa aula inaugural pronunciada em Cambridge, em 1885, referindo-se à idéias de Comte de uma ciência social geral, observou: "sem dúvida, se ela existisse, a Economia encontraria, satisfeita, proteção sob sua asa. Mas ela não existe; não há mostras de que venha a existir. Não há qualquer sentido em esperarmos, de braços cruzados, o seu aparecimento; devemos fazer o que pudermos com nossos atuais recursos". Seria tal julgamento ainda válido, hoje? Não creio. A Sociologia existe; os sociólogos examinaram criticamente as limitações da teoria econômica e fizeram contribuições para o estudo dos fenômenos econômicos. Por outro lado, os próprios economistas já se tornaram bastante conscientes da freqüência com que surge, na análise econômica, a frase "permanecendo idênticos os demais aspectos", e muitos procuraram ir além da descrição (que constitui uma grande parte da maioria dos livros didáticos de Economia) de um número reduzido de pressuposições sobre o comportamento humano. Podemos distinguir os numerosos estudos sociológicos que se ocuparam diretamente com os problemas da teoria econômica. Simiand, em Lê salaire, L'évolution sociale et Ia monnaie (Paris, 1932, 3 vols.), examinou empiricamente a relação entre salário e níveis de preços, e apresentou uma teoria sociológica dos salários. Um livro recente sobre omesmo assunto é lhe Social foundations of Wage Policy (Londres, 1955), de Barbara Wootton, que analisa primeiro as impropriedades da teoria econômica clássica dos salários e em seguida apresenta uma análise sociológica dos determinantes dos diferenciais de salários e ordenados, baseada em dados da Grã-Bretanha. Numa parte final muito interessante, o livro examina os processos práticos e os argumentos das negociações sobre salários, na Grã-Bretanha moderna. Há muitos estudos sociológicos parecidos sobre os diferentes aspectos da teoria econômica, sendo talvez os mais interessantes os que se ocupam da teoria da firma. Temos, no assunto, o estudo clássico de Thorstein Veblen, The Theory of Business Enterprise (Nova York, 1904), e muitos estudos posteriores sobre a empresa comercial, especialmente The Modern Corporation and Private Property, de A. A. Berle e G. C. Means (Nova York, 1934). Temos, em terceiro lugar, os estudos sociológicos relacionados com as características gerais dos sistemas econômicos. É nesse setor que a literatura sociológica é mais abundante, e os sociólogos exploraram os aspectos do comportamento econômico negligenciados, ou tratados de passagem pelos economistas. Entre os estudos gerais que tratam dos sistemas econômicos como todos, e escritos por sociólogos e por economistas com preocupações sociológicas, estão O Capital, de Marx, grande parte da obra da escola histórica alemã. ESUTES – Escola Superior de Teologia do ES 17 Além de estudos gerais dos sistemas econômicos, os sociólogos contribuíram para o estudo de aspectos particulares da organização econômica como, por exemplo, o sistema de propriedade, a divisão do trabalho e das ocupações e a organização industrial. Algumas dessas contribuições serão analisadas noutro capítulo, dedicado às instituições econômicas da sociedade. Podemos argumentar que a Sociologia e a Economia, que em suas origens estavam intimamente relacionadas como, por exemplo, na obra de Quesnay e Adam Smith, mas que posteriormente e separaram, exceto no trabalho dos economistas históricos alemães, aproximaram-se novamente nos últimos anos. Isso ocorreu não só devido ao desenvolvimento da Sociologia e sua contribuição direta para os estudos econômicos, mas também devido às modificações dentro da própria Economia. Há dois aspectos particulares da Economia moderna que devem ser mencionados, no aso. O primeiro é o deslocamento de interesse do mecanismo de terçado para o produto nacional total e a renda nacional, que; vou os economistas a um exame dos fatores sociais que influem o desenvolvimento econômico. Essa mudança de ênfase é vidente em grande parte dos trabalhos recentes sobre problemas o desenvolvimento econômico em regiões subdesenvolvidas, onde economista tem de colaborar com o sociólogo, ou tornar-se, lê mesmo, um sociólogo. O segundo aspecto é a aplicação da teoria dos jogos aos fenômenos econômicos. Isso levou a estudos mais realistas do comportamento de firmas e, o que é mais importante, à construção de modelos de um tipo de ação social que poderia ser generalizado para aplicar-se a uma variedade de tipos de ação. Se isso fosse realizado, significaria que problemas especificamente econômicos, e problemas sociológicos mais gerais, seriam passíveis de análise em termos de um único esquema con- ceptual. Dessa forma, pelo menos certas partes de qualquer teoria econômica e sociológica poderiam ser unificadas. Tais realizações estão, sem dúvida, ainda muito distantes, mas já houve tentativas interessantes de aplicar modelos econômicos à Sociologia e, por outro lado, usar descrições sociológicas do comportamento econômico, na teoria econômica, particularmente ao lidar com problemas de crescimento econômico. Ciência Política A Ciência Política tradicional tem três aspectos principais: descritivo (explica a organização formal do governo e da administração central e local, e estudos históricos do desenvolvimento de tais organizações), prático (estudo dos problemas práticos de organização, processo, etc.) e filosófico (fusão das exposições descritivas e avaliativas do que habitualmente se denomina, num sentido geral, teoria política). Na maioria dos trabalhos sobre Ciência Política pouco se procurou generalizar, além do necessário a uma classificação elementar dos tipos de governos, feita em grande parte em termos de características formais. A influência da Sociologia no campo dos estudos políticos foi a de dirigir a atenção para o comportamento político como um elemento num sistema social, e não apenas nos aspectos for- mais de sistemas políticos considerados isoladamente, e encorajar tentativas de explicação e generalização científica. Esta influência começou a ser sentida nos primeiros estágios de desenvolvimento da Sociologia, devida em grande parte ao trabalho dos marxistas, já que, na teoria de Marx, as instituições políticas e o comportamento estão intimamente relacionados ao sistema econômico e às classes sociais, devendo ser analisados neste contexto social geral. Foi o pensamento marxista que originou, no final do século XIX, a Sociologia Política de Micheis, Max Weber e Pareto, e assim levou diretamente aos estudos modernos de partidos políticos, elites, comportamento eleitoral, burocracia e ideologias políticas. Outra influência da Sociologia, bastante diferente, pode ser vista no desenvolvimento do behaviorismo na Ciência Política americana. Pode ser datada aproximadamente a partir do comunicado do presidente Charles Merriam à Associação Americana de Ciência Política, em 1925, no qual diz: "Algum dia examinaremos o assunto de um outro ângulo, não apenas do ponto de vista formal. .. e começaremos a dar atenção ao comportamento político." Depois disso, uma abordagem behaviorista desenvolveu-se rapidamente na Universidade de ESUTES – Escola Superior de Teologia do ES 18 Chicago, e, embora auxiliada na década de 1930 pela afluência de intelectuais europeus com uma orientação sociológica própria, derivada de Micheis e Weber, tomou um rumo bem diferente do da Ciência Política européia, não sendo afetado, em grande parte, pelas idéias marxistas e tendo como objetivo a criação de uma disciplina estritamente "científica" (e, em certa extensão, quantitativa). Os estudos do desenvolvimento político das "novas nações", por causa da natureza dos problemas que levantam, ocasionaram um trabalho conjunto de sociólogos e cientistas políticos (bem como, freqüentemente, de antropólogos também). A força de trabalho e as mudanças que ocorrem numa sociedade camponesa, numa sociedade tribal ou numa sociedade organizada num sistema de castas pertencem mais à esfera de conhecimento do sociólogo ou do antropólogo do que à da maioria dos cientistas políticos; e o estudo dos processos políticos em tais sociedades demanda um auxílio dessas duas disciplinas. Finalmente, continuou-se e estendeu-se o trabalho aos campos mencionados anteriormente: partidos políticos e grupos de pressão, relações entre classe e política, elites, e os processos do governo e administração. Uma característica particular desses estudos é que eles levaram cada vez mais a comparações, com o intuito de estabelecer constatações gerais acerca de organizações políticas e ação política, pelo menos dentro dos limites de um tipo específico de sociedade (no caso, as sociedades industriais ocidentais). A orientação da teoria e da pesquisa da Ciência Política durante a década passada tornou cada vez mais difícil distingui-la da Sociologia Política. A abordagem behaviorista, que era ca- racterística da Ciência Política americana, foi severamente criticada e em parte abandonada, mas outros esquemas gerais de pensamento da Sociologiaforam adotados — inclusive aqueles derivados do marxismo — e os objetos de pesquisa são cada vez mais de tipo sociológico. Entretanto, restam algumas diferenças. Os cientistas políticos continuam dando grande atenção à estrutura formal do governo, coisa que os sociólogos freqüentemente esquecem. A teoria política continua sendo vista por muitos como intimamente associada a idéias e problemas filosóficos, mas aqui, como argumentamos anteriormente, o caso da Sociologia é bem diferente; embora suas conexões filosóficas não tenham, talvez, sido completamente reconhecidas. De maneira geral, podemos dizer que a tendência da Ciência Política, diferentemente da Economia, tem sido a de uma fusão com a Sociologia em muitos dos seus campos de pesquisa mais importantes. História Num capítulo anterior, fizemos breve exposição da interpretação que atribui às Ciências Sociais ou Culturais o mesmo caráter geral da História, ou as considera como uma espécie de estudo histórico. Parece-me isso um erro. Sociologia e História podem confundir-se numa área, mas divergem acentuadamente noutra. Gostaria, aqui, de examinar rapidamente alguns aspectos da sua relação. O primeiro ponto, e o mais simples, é que o historiador freqüentemente fornece o material usado pelo sociólogo. O método comparativo exige, com freqüência, e a Sociologia histórica o exige sempre, dados que somente o historiador pode fornecer. É certo que o sociólogo deve, por vezes, ser seu próprio historiador, reunindo informações que não pareciam, antes, dignas de serem recolhidas, mas não pode fazê-lo sempre — o tempo não o permite. Em segundo lugar, o historiador também usa a Sociologia. Até recentemente, era talvez da Filosofia que ele tomava suas pistas para problemas importantes, bem como muitos de seus conceitos e idéias gerais; elas são agora tomadas, cada vez mais, da Sociologia. Na verdade, podemos ver que a Historiografia moderna e a Sociologia moderna foram, ambas, influenciadas de modo semelhante pela Filosofia da História, a qual estabeleceu a concepção dos períodos históricos e portanto deu à Historiografia idéias e preocupações teóricas que estavam totalmente ausentes da obra dos primeiros historiadores narradores, os cronistas e os autores de anais. Deu à Sociologia moderna a noção dos tipos históricos de sociedade, e com isso os primeiros elementos de uma classificação das sociedades. Em grande parte da ESUTES – Escola Superior de Teologia do ES 19 Historiografia e Sociologia contemporâneas parece-me ser empregada a mesma moldura básica de referência aos tipos de sociedade. No campo histórico, a ligação é mais evidente onde está em jogo a história econômica e social (especialmente a última). Vale a pena notar, por exemplo, que os diretores de uma das principais publicações de história social, a international Review of Social History, assim definiram as pretensões da revista, no seu primeiro número; "A história social significa a história das propriedades, classes, grupos sociais, a despeito do nome, vistos tanto isoladamente como em unidades mutuamente dependentes." Com pequenas modificações de termos, isso poderia definir também o alcance da história sociológica. No momento há, em vários países, exemplos de cooperação e mesmo de pene- tração no território do outro, por parte dos sociólogos e historiadores sociais. De que forma, portanto, diferem a Historiografia e a Sociologia? Costumava-se dizer que o historiador descreve feitos únicos, ao passo que o sociólogo generaliza. Isso não é verdade. O trabalho de qualquer historiador sério está cheio de generalizações, enquanto que muitos sociólogos se ocuparam com a descrição e análise de acontecimentos únicos, ou seqüências de acontecimentos. Talvez devêssemos dizer que, enquanto o historiador habitualmente parte para o exame de uma determinada seqüência de acontecimentos, o sociólogo quase sempre começa com uma generalização que pretende comprovar pelo exame de várias seqüências de acontecimentos semelhantes. Em suma, a intenção é diferente. Mas até essa distinção não é totalmente certa: depende muito do tipo de historiografia (por exemplo, aplica-se muito à história diplomática) e ao tipo de Sociologia (onde é mais válida para os estudos comparados). Estabelecendo uma distinção ainda mais fraca, poderíamos dizer, com H. R. Trevor Roper, que o historiador se ocupa da influência mútua entre a personalidade e as forças sociais de vulto e que o sociólogo está interessado principalmente nessas próprias forças sociais. Quanto mais procuramos aperfeiçoar a distinção, para levar em conta o trabalho prático dos historiadores e sociólogos, tanto mais claro se torna que a Historiografia e a Sociologia não podem ser separadas radicalmente. Tratam do mesmo assunto, os homens vivendo em sociedades, por vezes de pontos de vista diferentes, por vezes do mesmo ponto de vista. É da maior importância para o desenvolvimento das Ciências Sociais que os dois assuntos sejam intimamente relacionados, e que cada um deles use extensivamente o outro, tal como estão cada vez mais inclinados a fazer. Filosofia A Sociologia se originou em grande parte de uma ambição filosófica: explicar o desenvolvimento da história humana, explicar as crises sociais do século XIX na Europa e proporcionar uma doutrina social que orientasse a política social. Em sua evolução recente, a Sociologia abandonou, em grande parte, tais finalidades, e alguns até diriam que abandonou demais. Primeiro, pode haver, e há, uma filosofia da Sociologia no sentido de uma filosofia da ciência; ou seja, um exame dos métodos, conceitos e argumentos usados na Sociologia. E essa análise- filosófica é mais comum e mais necessária na Sociologia do que, por exemplo, nas Ciências Naturais, devido às dificuldades peculiares experimentadas com os conceitos e o raciocínio sociológicos. Segundo, há uma relação íntima entre a Sociologia e a Filosofia moral e social. O objeto da Sociologia é o comportamento social humano, orientado por valores, bem como por impulsos e interesses. Assim, o sociólogo estuda valores e as estimativas humanas dos valores como realidades. Mas deveria também ter certo conhecimento da discussão dos valores, em seu próprio contexto, na Filosofia moral e social. Ainda mais importante é que os sociólogos (e naturalmente outros cientistas sociais) deveriam ser capazes de distinguir entre questões de fato e questões de valor, e entre os tipos de discussão e análise apropriados a cada uma. Ocorre, porém, freqüentemente, nas Ciências Sociais, que questões e tipos de argumentação diferentes são confundidos: julgam-se resolvidos problemas de valores por afirmações relacionadas com questões de fato, ao passo que a discussão dessas questões é com freqüência ESUTES – Escola Superior de Teologia do ES 20 complicada, ou se torna estéril, pela aplicação dos expositores a questões de valores particulares, ou opiniões filosóficas gerais. Somente pelo conhecimento da Filosofia Social pode o sociólogo tornar-se competente para distinguir os problemas diferentes e, ao mesmo tempo, ver as relações que entre eles existem. Terceiro, podemos afirmar que a Sociologia leva diretamente ao pensamento filosófico. Essa é, por exemplo, a opinião de Durkheim. Escreveu ele, no ensaio sobre "Sociologie religieuse et théorie de Ia connaissance": "Acredito que a Sociologia, mais do que qualquer outra ciência, tem uma contribuição a fazer à renovação das questões filosóficas... ... A reflexão sociológica está destinada a prolongar-se por um progresso natural na forma da reflexão filosófica." Np próprio estudo que Durkheim fez da religião, esse prolongamento é visto, na transição deuma discussão das influências sociais sobre as categorias de pensamento, para a discussão epistemológica. Outros sociólogos adotaram uma opinião semelhante e se ocuparam de problemas semelhantes. Kari Mannheim, por exemplo, pensava que sua Sociologia do Conhecimento tinha implicações para a Epistemologia e realmente as apresentou detalhadamente. Tanto Durkheim como Mannheim pareciam acreditar que a Sociologia possa fazer uma contribuição direta para a Filosofia, no sentido de solucionar questões filosóficas. Mas isso é um erro; assim, a epistemologia é a base de uma Sociologia do Conhecimento, e não o inverso. Tudo o que pretendemos aqui é sugerir que a Sociologia suscita, em proporções maiores do que as outras ciências, problemas filosóficos e, consequentemente, que o sociólogo que se interessa pelos aspectos mais amplos do seu assunto é [evado a considerar os problemas filosóficos que estão sempre no pano-de-fundo da reflexão sociológica. Em minha opinião, não há nenhuma desvantagem para a teoria ou a pesquisa sociológica que o sociólogo se interesse por esses problemas e busque adquirir um conhecimento filosófico que lhe permita examiná-los, 3ois grande parte das fraquezas da teoria sociológica se deve à ingenuidade filosófica e grande parte de sua trivialidade vem do desconhecimento dos problemas maiores envolvidos em qualquer estudo do homem. ESUTES – Escola Superior de Teologia do ES 21 EEssttrruuttuurraa SSoocciiaall,, SSoocciieeddaaddeess ee CCiivviilliizzaaççõõeess “ESTRUTURA SOCIAL" é um dos conceitos centrais da Sociologia, mas não é empregado com coerência ou sem ambigüidade. Herbert Spencer, um dos primeiros a usar a expressão, estava demasiado fascinado pelas suas analogias biológicas (estrutura orgânica e evolução) para deixar claro o que entendia por estrutura de uma sociedade. Durkheim também deixou o termo vago. Muitos sociólogos e antropólogos sociais posteriores tentaram dar-lhe um sentido mais preciso, mas suas concepções de estrutura social divergem muito. Assim é que Radcliffe Brown considera "como parte da estrutura social todas as relações sociais de pessoa a pessoa... No estudo da estrutura social, a realidade concreta de que nos ocupamos é o conjunto de relações realmente existentes, num determinado momento de tempo, que unem certos seres humanos". Porém, diz, ainda, que o objeto que procuramos descrever e analisar é a forma estrutural, ou seja, as relações gerais, a despeito de pequenas variações e dos indivíduos diferentes que dela participam. É a essa forma estrutural que a maioria dos autores chamou de estrutura social. Mas a definição de Radcliffe Brown é muito ampla, como Firth assinalou; "Não estabelece nenhuma distinção entre os elementos efêmeros e os mais duradouros na atividade social, e torna quase impossível distinguir a idéias de estrutura de uma sociedade da idéias de totalidade da própria sociedade." Outros autores limitaram o termo às relações mais permanentes e organizadas na sociedade. Assim, M. Ginsberg considera a estrutura social como o complexo dos principais grupos e instituições que constituem as sociedades. Essa concepção também é importante para a conexão, que acentua, entre as relações sociais abstraías e os grupos sociais que dão origem ou estão envolvidos nelas. Desse ponto de vista, o estudo da estrutura social pode ser empreendido em termos de disposições institucionais, ou das relações entre grupos sociais, ou de ambos juntamente. Se limitarmos, assim, a expressão "estrutura social" a essas relações e a grupos mais permanentes e importantes, talvez nos seja necessária outra expressão para nos referirmos às demais atividades que se desenrolam numa sociedade e que freqüentemente representam variações das formas estruturais. R. Firth propôs a expressão "organização social", que define como "a ordenação sistemática das relações sociais, por atos de escolha e decisão". "No aspecto da estrutura social, encontramos o princípio de continuidade da sociedade; no aspecto da organização, encontramos o princípio de variação ou mudança — permitindo as avaliações de situações e o aparecimento da escolha individual." Uma terceira abordagem, que define a estrutura social de forma ainda mais limitada, é a que faz uso da noção de papel social; está exemplificada em dois livros, The Theory of Social Structwe, de S. F. Nadei, e Character and Social Structure, de H. Gerth e C. W. Mills. Nadei diz que "chegamos à estrutura de uma sociedade pela abstração da população concreta e seu comportamento, o padrão ou rede (ou 'sistema') de relações predominando entre afores, em sua capacidade de desempenharem os papéis relativos um ao outro". Da mesma forma, Gerth e Mills dizem que o conceito de papel é "... a expressão chave em nossa definição de instituição", e "tal como o papel é a unidade com a qual construímos nossa concepção de instituição, assim a instituição é a unidade com a qual construímos a concepção de estrutura social". Essa explicação deixa claro, como está implícito em Nadei, que a análise da estrutura social em termos dos papéis sociais não é fundamentalmente diferente de ima análise em termos das instituições sociais; pois uma instituição é um complexo ou reunião de papéis. Não obstante, há alguma diferença, que me parece ser de ênfase. Há certas vantagens em adotarmos o conceito do papel, já que, como observam Serth e Mills, forma um elo importante entre o caráter e a estrutura social. Facilita a cooperação necessária entre a Psicologia a Sociologia, no estudo do comportamento social. Não obstante, há ênfase sobre os afores individuais que desempenham papéis também tem desvantagens. Tende a provocar uma concepção demasiado individualista do comportamento social, na qual a sociedade é vista como um agregado de indivíduos relacionados penas através do complexo sistema de papéis da sociedade como em todo, enquanto os grupos sociais dentro da sociedade são negligenciados. Veremos, mais adiante, como isso ocorre em aIgumas teorias mais recentes da ESUTES – Escola Superior de Teologia do ES 22 estratificação social, em termos e papel e status, e nas quais a existência de grupos sociais nítidos (por exemplo, classes sociais) e as relações de competição conflito entre eles recebem pouca atenção. Talvez valha a pena notar que o conceito de papel parece ter sido aceito mais prontamente pelos psicólogos interessados principalmente no comportamento individual e pelos antropólogos sociais que estudam soledades nas quais há pequena diversidade de grupos sociais. Das diferentes concepções, a mais útil parece-me a relacionada com a estrutura social como o complexo das principais instituições e grupos na sociedade. Não há grande dificuldade em identificar essas instituições e grupos. Podemos mostrar que a existência da sociedade humana exige certas disposições ou processos; ou, como já se disse, que há "pré-requisitos funcionais da sociedade". As necessidades mínimas parecem ser; (I) um sistema de comunicação; (II) um sistema econômico, tratando da produção e distribuição de mercadorias; (III) disposições para a socialização das novas gerações (inclusive disposições de família e educação); (IV) um sistema de autoridade e de distribuição de poder; e talvez (V) um sistema de ritual, servindo para manter ou aumentar a coesão social e dar reconhecimento social a acontecimentos pessoais significativos, como, por exemplo, nascimento, puberdade, namoro, casamento e morte. As principais instituições e grupos são os relacionados com tais exigências básicas. Delas podem surgir outras, como a estratificação social, que por sua vez
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