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93 MÉTODOS E TÉCNICAS EM ANÁLISES CLÍNICAS Unidade II 5 MÉTODOS E TÉCNICAS EM MICROBIOLOGIA CLÍNICA 5.1 Técnicas de coloração, cultura, semeadura e automação em bacteriologia clínica Em 1847, o médico Ignaz Semmelweis propôs a prática de lavagem de mãos com hipoclorito de cálcio quando trabalhava no Hospital Geral de Viena. Na época, muitos médicos ficaram ofendidos com sua sugestão, uma vez que Semmelweis não fornecera nenhuma explicação científica para tal procedimento. No entanto, após os experimentos de Pasteur, a prática de lavagem de mãos proposta pelo médico ganhou ampla aceitação. O primeiro antimicrobiano foi descoberto pelo médico Alexander Fleming em 1928. Nessa ocasião, ele observou que havia bolor (mofo) nas culturas de Staphylococcus aureus, mas o surpreendente era que ao redor do mofo não havia crescimento da bactéria. Dessa forma, ele concluiu que alguma substância secretada pelo fungo provavelmente impedia o crescimento da bactéria. Essa substância foi denominada penicilina, pois era produzida pelo fungo Penicillium notatum. A partir da descoberta do primeiro antibiótico, o qual serviu para tratamento de diversas doenças, também se notaram os primeiros casos de resistência microbiana aos antibióticos. Os microrganismos e as estruturas celulares geralmente são transparentes. No entanto, com o emprego de um microscópio óptico e técnicas de coloração ou exame a fresco, é possível visualizar essas estruturas. A confecção de lâminas a fresco, em que o material é colocado entre lâminas e lamínula com uma gota de solução fisiológica ou solução de KOH a 10%, é muito utilizada, visto que permite a visualização de estruturas celulares e microrganismos, algo indicado principalmente para a pesquisa de fungos. O emprego de corantes é muito comum e eficaz na microscopia em microbiologia. Eles devem ser testados e validados sempre, a fim de manter sua qualidade. Corantes como tinta-da-china são utilizados principalmente em amostras de líquor cefalorraquidiano para a pesquisa de Cryptococcus neoformans. Azul de metileno pode ser utilizado em algumas pesquisas, como identificação de grânulos metacromáticos de Corynebacterium diphtheriae. Corantes para a microscopia também podem ser utilizados em técnicas de colorações diferenciais, sendo as mais utilizadas a técnica de coloração de Gram e a técnica de coloração de Ziehl-Neelsen. 94 Unidade II Lembrete Corantes devem ser testados e validados sempre, a fim de manter sua qualidade. A técnica de Gram permite uma visualização aprimorada das estruturas das bactérias, fungos, leucócitos e outros elementos. Possibilita obter informações essenciais para o início do tratamento, assegurando o diagnóstico em muitos casos. Essa técnica é muito utilizada no diagnóstico de infecções localizadas. A visualização de amostras após a coloração de Gram proporciona adquirir informações úteis sobre os processos infecciosos, visto que as informações da cultura são demoradas. Essas informações, em conjunto ao conhecimento de quais microrganismos geralmente infectam certos sítios, possibilitam indicar a antiobioticoterapia inicial até os resultados da cultura e do teste de sensibilidade ficarem prontos. Em alguns casos, os microrganismos não apresentam nenhum crescimento nos meios geralmente utilizados na microbiologia, ficando a cargo da bacterioscopia o diagnóstico final. Nessa técnica, deve-se: 1 – Cobrir a lâmina pingando gotas de cristal de violeta e aguardar um minuto. Em seguida, desprezar o corante e lavar a lâmina com um filete de água (a fim de retirar excessos que podem comprometer a visualização final). 2 – Cobrir a lâmina com lugol e aguardar um minuto. Em seguida, desprezar o corante e lavar a lâmina com um filete de água. 3 – Aplicar álcool etílico ou cetona para descorar a lâmina por 30 segundos. Em seguida, lavar a lâmina em água corrente. 4 – Cobrir a lâmina com fucsina e deixar agir por 30 segundos. Em seguida, lavar a lâmina em um filete de água. 5 – Secar a lâmina com auxílio de um papel limpo ou deixá-la secar ao ar livre. 6 – Para visualização do microrganismo, aplicar uma gota de óleo de imersão sobre a lâmina. Em seguida, observá-la no microscópio com objetiva de 100x. 95 MÉTODOS E TÉCNICAS EM ANÁLISES CLÍNICAS Aplicação de cristal violeta (corante púrpura) 1 32 4Aplicação de iodo (mordente) Lavagem com álcool (descoloração) Aplicação de safranina (contracorante) Gram-positiva Gram-negativa Cocos (gram-positivos) Bastonete (gram-negativo) Álcool Safranina Iodo Cristal violeta Legenda B)A) LM 5 µm Figura 19 – Representação esquemática da técnica de coloração de Gram. A) Procedimento técnico da coloração de Gram. B) Análise ao microscópio da técnica, resultando em bactérias coradas em azul (Gram-positivas) e em rosa (Gram-negativas) Fonte: Tortora, Funke e Case (2017, p. 65). Lembrete As lavagens com água nas etapas da coloração de gram são necessárias a fim de retirar excessos que podem comprometer a visualização final. O resultado da técnica consiste em visualizar, esquematizar e descrever a morfologia, classificando as bactérias existentes nas lâminas, de acordo com a reação diante dos corantes utilizados na técnica de Gram. As bactérias gram-positivas têm a parede celular composta de mureína e, após a descoloração com o álcool etílico, mantêm a coloração do corante primário (roxo). Já as bactérias gram-negativas, com parede celular composta de ácidos graxos, são incapazes de reter o cristal de violeta, assumindo, assim, a cor do corante de fundo (vermelho). A) B) Figura 20 – Exemplos de bactérias gram: A) Gram-positivas Staphylococcus spp. e B) Gram-negativa Escherichia coli spp. 96 Unidade II O princípio da coloração de Ziehl-Neelsen se fundamenta no fato de que a parede celular, sobretudo de micobactérias, é formada por vários lipídeos e ácidos micólicos e não apresenta peptidoglicano. Nesse caso, a conjugação de diversos desses lipídeos com a fucsina gera agrupamentos que são responsáveis pelo caráter tintorial de preservação à descoloração por soluções álcool-ácidas. As bactérias desse grupo são denominadas bacilos álcool-ácido resistentes (Baar). Diversas amostras podem ser coradas pela técnica de Ziehl-Neelsen. Entre elas estão as biópsias de fragmentos, líquidos cavitários, urina, secreções purulentas e principalmente escarro. Os cuidados para o preparo do material a ser corado são extremamente importantes, considerando o grau de virulência dos agentes associados. A seguir, apresentamos de forma resumida os principais cuidados no preparo do material biológico a ser corado: 1 – O preparo do esfregaço deve ocorrer de preferência na capela de segurança biológica e, obrigatoriamente, utilizando EPI (avental, máscara N95, luvas e óculos de proteção). Caso não tenha capela de segurança biológica, a lâmina deve ser preparada próximo ao bico de Bunsen. 2 – Identificar a lâmina com nome do paciente e números de identificação. 3 – Utilizar sempre lâminas novas e limpas com álcool. 4 – Abrir o recipiente minuciosamente, impedindo a produção de aerossóis. 5 – Utilizando um palito de madeira, separar a fração mais purulenta do material. 6 – Colocar a fração separada na lâmina de vidro. Com um palito, estender o material até a extremidade oposta da lâmina. Deslocar o palito de uma extremidade à outra até conseguir um esfregaço homogêneo que ocupe 2/3 da lâmina. 7 – Desprezar o palito em recipiente plástico firme, que deverá ser descontaminado na autoclave. 8 – Posicionar a lâmina para cima e aguardar secagem em temperatura ambiente. 9 – Após a secagem, passar a lâmina rapidamente por três vezes sobre a chama do bico de Bunsen. 10 – Colocar a lâmina no suporte e aguardar que esfrie. Tomados os devidos cuidados, o procedimento da coloração de Ziehl-Neelsen segue como descrito a seguir: 1 – Cobrir todo o esfregaço da lâmina com corante fucsina de Ziehl filtrada. 2 – Passar uma chama lentamente por baixo das lâminasaté que comece a exalar vapores. Remover a chama rapidamente para impedir que a fucsina ferva. 3 – Cronometrar 5 minutos assim que começar a surgir o vapor e repetir o processo por mais duas vezes nesse período de 5 minutos. 97 MÉTODOS E TÉCNICAS EM ANÁLISES CLÍNICAS 4 – Enxaguar as lâminas cuidadosamente com água corrente, retirando todo o corante. 5 – Cobrir toda a lâmina com álcool-ácido e aguardar 1 minuto. 6 – Enxaguar as lâminas com água corrente. 7 – Observar se as lâminas ficaram descoradas (se estiverem levemente rosadas, refazer o item 5). 8 – Cobrir as lâminas com azul de metileno filtrado. 9 – Esperar 30 segundos. 10 – Lavar a lâmina, retirando o azul de metileno. Esperar secar. Assim, ela estará pronta para leitura ao microscópio. Na interpretação da lâmina de escarro, é necessário observar 100 campos úteis de microscópio, ou seja, campos em que sejam encontradas células provenientes do pulmão. Para baciloscopia de outras amostras clínicas, após concentração ou não, o esfregaço deve ser oval e é necessário ser observada toda a região com material. Seguem alguns critérios a partir dos quais podemos quantificar o grau de positividade da lâmina analisada. Quadro 3 – Critérios para leitura e interpretação dos resultados da baciloscopia de escarro Resultado Observação Negativas Não foram encontrados Baar em 100 campos observados Quantificado 1 a 9 Baar em 100 campos observados Positivo + Presença de 10 a 99 Baar em 100 campos observados Positivo ++ Média de 1 a 10 Baar por campo nos primeiros 50 campos observados Positivo +++ Média de mais de 10 Baar por campo nos primeiros 20 campos observados Saiba mais Você pode saber mais sobre o diagnóstico de tuberculose e a coloração de Ziehl-Neelsen lendo o artigo a seguir: MORALES, P. S. O Mycobacterium tuberculosis e a clássica coloração de Ziehl-Neelsen. PebMed, 9 set. 2020. Disponível em: https://cutt.ly/hAGzaKj. Acesso em: 10 mar. 2022. 98 Unidade II A coloração de Albert-Laybourn foi inicialmente sugerida por Henry Albert, em 1920, e modificada por Ross Laybourn, em 1924. Baseia-se no fato de algumas bactérias apresentarem corpúsculos citoplasmáticos localizados nas regiões polares, corpúsculos metacromáticos ou corpúsculos de Babe-Ernst, que se coram pelo lugol forte (de cor marrom), se evidenciando, em contraste com o corpo bacilar, que se cora em verde azulado pela solução de Laybourn. Figura 21 – Corynebacterium sp. corada por método de Albert-Laybourn. Notar presença de corpúsculo polar na extremidade do bacilo Fonte: Trento (2018, p. 10). Tais características são observadas nas corinebactérias e sua presença é associada aos sintomas clínicos característicos da difteria, o que possibilita um diagnóstico presuntivo da doença, pela microscopia ótica. O método é auxiliar no diagnóstico da difteria. Seu diagnóstico é geralmente clínico, mas a pesquisa de bacilos metacromáticos cuidadosamente coletados a partir da face anterior da pseudomembrana pode ser um importante auxiliar diagnóstico. O cultivo de corinebactérias é possível, mas seu uso clínico é bastante reduzido. O exame direto de esfregaço de nasofaringe e orofaringe continua a ser padrão-ouro para triagem de infecção pelo Corynebacterium diphtheriae. A técnica consiste em: • cobrir o esfregaço por 3 a 5 minutos, com a solução de Albert-Laybourn; • escorrer (sem lavar); • cobrir com solução lugol forte, por aproximadamente 2 minutos; • examinar a lâmina ao microscópio com a objetiva de imersão. 99 MÉTODOS E TÉCNICAS EM ANÁLISES CLÍNICAS A coloração de Wirtz-Conklin é utilizada para a evidenciação de formas esporuladas de bactérias (ou seja, evidencia a presença de esporos). Vale lembrar que a esporulação é um processo pelo qual alguns gêneros de bactérias formam esporos. Ela ocorre quando essas bactérias estão face a situações críticas para sua sobrevivência, ou seja, as condições ambientais são adversas para o crescimento bacteriano. De maneira geral, isso ocorre quando há falta de nutrientes, como carbono ou nitrogênio. Os esporos apresentam-se sob a forma de corpúsculos esféricos ou ovoides, livres ou no interior da bactéria. Formam-se pela invaginação de uma dupla camada de membrana celular que se fecha para envolver um cromossomo e uma pequena quantidade de citoplasma, garantindo a sobrevivência da espécie. Essa camada é responsável pela resistência à coloração e ao ataque dos agentes físicos e químicos da esterilização e desinfecção. É por isso que para se corar os esporos é necessário um tempo prolongado de exposição ao corante (verde malaquita) associado ao aquecimento, o que permite o rompimento dessa barreira, obtendo-se, então, o esporo corado em verde intenso. Endósporo Célula germinativa Figura 22 – Coloração de Wirtz-Conklin evidenciando a presença de endósporo no interior da célula bacteriana em comparação com bactéria não esporulada (célula germinativa) São características comuns aos esporos: o decréscimo na quantidade total de água em comparação com o estado vegetativo, a retroatividade, a alta resistência a condições ambientais adversas e a habilidade de germinar e produzir células vegetativas após longos períodos de estocagem. Na fase esporulada, as bactérias não realizam atividade biossintética e reduzem sua atividade respiratória. As bactérias podem permanecer viáveis na forma de esporos durante anos, se mantidas a temperaturas usuais e em estado seco. A partir de esfregaços em lâminas homogêneo, delgado e fixado, deve-se: • Cobrir o esfregaço com o corante verde malaquita. • Aproximar da chama até que desprenda vapor, sem deixar que o corante ferva. Afastar do fogo e, após 1 a 2 minutos, repetir a operação por 3 a 4 vezes. • Lavar suavemente com água, evitando o choque térmico, que poderá quebrar a lâmina. 100 Unidade II • Adicionar a solução de safranina por 30 segundos, lavar e secar. • Observar ao microscópio com objetiva de imersão. Além das técnicas de coloração apresentadas na prática da microbiologia clínica, temos que estar constantemente atentos com os meios de cultura que serão utilizados para a execução de cada protocolo, pois disso depende a qualidade e assertividade do resultado a ser fornecido. Nesse sentido, devemos relembrar algumas informações acerca do tema. Meio de cultura é o material nutritivo preparado para o desenvolvimento de microrganismos. Algumas bactérias podem crescer normalmente em qualquer tipo de meio, enquanto outras exigem meio de cultura específico. Existem também aquelas que não se desenvolvem em nenhum tipo de meio de cultura já desenvolvido. O tipo de meio utilizado para os microrganismos se desenvolverem depende de vários fatores: • origem do material a ser analisado; • espécie que se deseja obter na amostra; • necessidades nutricionais dos organismos. A especificidade dos meios de cultura é muito importante, nomeadamente no isolamento e identificação de certos microrganismos, como ocorre no isolamento de microrganismos do solo ou na análise microbiológica de águas e alimentos. Para o desenvolvimento de microrganismos em laboratório, há uma grande variedade de meios de cultura. A consistência do meio de cultura é influenciada pela presença do ágar, um polissacarídeo complexo obtido a partir de algas marinhas que vem sendo bastante utilizado na microbiologia. Os meios podem ser classificados quanto a sua composição (simples ou quimicamente definidos, básicos ou complexos), seu estado físico e sua aplicação (seletivos, diferenciais, de pré-enriquecimento ou de enriquecimento). Segue uma breve descrição: • Classificação com base na composição: — Meios quimicamente definidos: sua composição química exata é conhecida. São utilizados sobretudo em pesquisas a fim de avaliar comportamentos nutricionais e processos metabólicos de microrganismos específicos. — Meios de cultura básicos: permitem o crescimento bacteriano sem satisfazer nenhuma exigência em especial. 101 MÉTODOS E TÉCNICAS EM ANÁLISES CLÍNICAS— Meios de cultura complexos: são compostos de nutrientes, como extratos de levedura, carne, plantas ou produtos proteicos de outras fontes. Tais extratos fornecem as vitaminas e os outros fatores de crescimento orgânico, como os extratos de levedura, que são extremamente ricos em vitaminas B. • Classificação com base no estado físico de apresentação do meio: — Meios líquidos: os nutrientes estão dissolvidos em uma solução aquosa. — Meios semissólidos: além de possuir nutrientes em sua composição, apresentam ágar em pequena quantidade. — Meios sólidos: possuem em sua composição nutriente e ágar. • Classificação com base na possibilidade de aplicação do meio: — Meios seletivos: elaborados com o objetivo de favorecer o crescimento de outras bactérias. O ágar sulfeto de bismuto, por exemplo, é um dos meios de cultura utilizado para isolamento de bactéria causadora do tifo, a bactéria gram-negativa Salmonella typhi, a partir das fezes. Exemplo de meios eletivos: o meio ágar Sabouraud, o qual contém nutrientes que favorecem o crescimento de diversos fungos. — Meios diferenciais: utilizados para fácil identificação de bactéria de interesse específico, pois geralmente existem outras bactérias que crescem na mesma placa de meio de cultura. Em alguns casos, as características dos meios seletivos e diferenciais podem estar combinadas no mesmo meio de cultivo. Pode-se obter um meio diferencial, por exemplo, incorporando-se a um meio básico 5% de sangue de carneiro. Assim, ele se torna um meio de cultura complexo e ao mesmo tempo diferencial, pois desse modo podem-se observar três tipos de hemólise, algo fundamental para a caracterização de bactérias tanto do gênero estreptococos como estafilococos. A título de informação adicional, os três tipos de hemólise conhecidos são: - Alfa-hemólise: nesse tipo, ocorre lise parcial das hemácias. É possível visualizar uma área de coloração esverdeada ao redor das colônias bacterianas. - Beta-hemólise: nesse tipo, ocorre lise total das hemácias. Formará áreas claras em torno das colônias bacterianas. - Gama-hemólise: nesse tipo, não ocorre lise das hemácias. — Meios de pré-enriquecimento: utilizados para recuperar os microrganismos danificados por algum tipo de tratamento (térmico ou químico). Exemplos: água peptonada e caldo lactosado. 102 Unidade II — Meio de enriquecimento: utilizado para separar bactérias presentes em pequenas quantidades de outras presentes em grandes quantidades. Geralmente, esse meio é utilizado em amostras de fezes e solos. Exemplos: caldo tetrationato e selenito-cistina, para cultivo de salmonelas (líquidos), e caldo tioglicolato para Clostridium perfringens. A diversidade dos meios de cultura é essencial para o processo de identificação dos microrganismos. Compreender o potencial de crescimento de cada meio de cultura e adaptá-lo ao perfil bacteriano contribui muito no processo de diagnóstico microbiológico. O quadro a seguir apresenta alguns dos principais meios de cultura utilizados no laboratório de microbiologia clínica, assim como sua finalidade: Quadro 4 – Principais meios de cultura e sua finalidade na prática clínica Meio de cultura Finalidade Ágar Chocolate Isolamento de Haemophilus spp., Neisseria spp., Branhamella catarrhalis e Moraxella spp. em amostras clínicas Ágar MacConkey É um meio seletivo (pela presença de sais biliares, cristal de violeta e NaCl) para isolamento de bacilos gram-negativo, enterobactérias e não fermentadores Ágar Mueller-Hünton Utilizado para realização do teste de avaliação da resistência aos antimicrobianos pelo método de difusão em disco (Kirby-Bauer) para bactérias de crescimento rápido Ágar Sangue Meio utilizado para a maioria dos materiais clínicos que permite o crescimento de grande parte dos patógenos não fastidiosos ou que requerem incubação especial. Permite a verificação de hemólise dos Streptococcus spp. e Staphylococcus spp. Caldo tioglicolato Meio líquido enriquecedor Ágar Cystine Lactose Electrolyte Deficient (Cled) Usado para isolamento e identificação de microrganismos presentes em amostra de urina. A deficiência de eletrólitos inibe o véu de cepas de Proteus spp. Ágar Salmonella-Shigella (SS) Meio para isolamento de Salmonella spp. e Shigella spp. Permite diferenciar bactérias lactose positivas e negativas, além de detectar a produção de H2S Ágar Dnase Usado para verificar se a bactéria possui a enzima desoxirribonuclease, a qual degrada DNA Ágar Citrato de Simmons Usado para verificar a capacidade do microrganismo em utilizar o citrato de sódio como única fonte de carbono. Auxilia na identificação das enterobactérias Ágar CHROmagar Usado para identificar e isolar a maioria das espécies de Candida spp. Ágar Sabouraud (AS) Usado para verificar o crescimento de espécies de Candida e fungos filamentosos 103 MÉTODOS E TÉCNICAS EM ANÁLISES CLÍNICAS Observação Apesar de existirem muitos meios vendidos prontos comercialmente, a habilidade de preparar um meio de cultura e saber reconhecer qual o mais adequado para a obtenção do melhor isolamento bacteriano é função básica e primordial de todo profissional da área de análises clínicas. Vale salientar neste momento os principais cuidados no preparo e armazenamento dos meios de cultura, ponto crítico para a qualidade do resultado da amostra biológica avaliada. No preparo de um meio básico confeccionado in house (de forma caseira) e a título de exemplificação, inicialmente devemos ligar o pHmetro meia hora antes do uso e, após esse período, calibrá-lo com soluções padrões. Em seguida, deve-se definir a quantidade de meio a ser preparado e pesar a quantidade de ágar e sacarose necessária. Também deve-se colocar 40% do volume de água destilada em recipiente apropriado ao volume final a ser preparado. Depois, é necessário pipetar as soluções, dissolver a sacarose e completar com água a metade do volume final. Por fim, deve-se ajustar o pH, sendo o valor final em torno de 5.8. Em outro recipiente, deve-se colocar o ágar e a outra metade da água, e, em seguida, dissolver no micro-ondas em potência alta, ou sobre a chama do bico de Bunsen, agitando de vez em quando. O meio estará pronto quando estiver transparente, começando a ferver. Devem-se misturar as partes e distribuí-las nos tubos de ensaio (ou placa de Petri), tampar os tubos com papel alumínio ou tampa plástica e levar para a autoclave por cerca de 20 minutos. Após o preparo dos meios, eles devem ser colocados em recipientes (tubos de ensaio ou placa de Petri). Devem ficar sobre a bancada até atingir a temperatura ambiente e ser armazenados em geladeira por, no máximo, sete dias. Após compreendermos os principais métodos de coloração e meios de cultura, é importante salientar a importância das diferentes técnicas de semeadura de material biológico, as quais servem para qualificar e quantificar o crescimento microbiano. A utilização dessas técnicas, além de ser importante para evitar a contaminação dos meios de cultura no momento de executar a técnica, estabelece um padrão necessário para a execução de cada protocolo. Para tanto, deve-se tomar inicialmente alguns cuidados: • flambar a alça níquel cromo, ou o fio de platina, antes e depois de qualquer técnica de semeadura; • flambar a boca dos tubos de ensaio quando a técnica for realizada neles; • realizar as semeaduras em placa de Petri próximas ao bico de Bunsen, para evitar contaminação com o ar. 104 Unidade II Para a semeadura adequada dos diferentes tipos de material biológico em razão dos diversos protocolos a serem realizados, são utilizadas metodologias distintas, a saber: • Técnica de esgotamento: a metodologia de semeadura por esgotamento pode ser aplicada para o crescimento de colônias isoladas, a avaliação da capacidade de crescimento ou não no meio de cultura e o isolamento de organismos presentes em grandes números relativos à população microbiana. Para realizar a técnica de esgotamento, é necessário semear o microrganismocom a alça níquel suavemente sobre o meio de cultura, fazendo um zigue-zague em um único sentido em toda a extensão da placa de Petri. Assim que finalizar a técnica, a placa deve ser guardada em temperatura adequada e permanecer por tempo suficiente até o desenvolvimento de colônias. Figura 23 – Técnica de esgotamento na placa de Petri • Técnica em estrias: a metodologia de semeadura por estrias pode ser aplicada para estocar material, estudar o metabolismo dos organismos na bioquímica e avaliar a capacidade de crescimento ou não no meio de cultura. Para realizar a técnica de estrias, é necessário semear o microrganismo com a alça de níquel, fazendo estrias na superfície de um meio de cultura sólido. Figura 24 – Técnica em estrias na placa de Petri • Técnica quantitativa: a metodologia de semeadura quantitativa é recomendada para a semeadura de líquidos, com o objetivo de obter o crescimento de colônias isoladas e a quantidade de colônias e de avaliar a capacidade de crescimento ou não no meio de cultura. Para realizar a técnica quantitativa, é necessário coletar, com alça calibrada, um material clínico. Deve-se realizar, com a alça, o estriamento de uma ponta à outra, em linha reta, por toda a superfície do ágar. Em seguida, deve-se fazer uma linha perpendicular à estria inicial. 105 MÉTODOS E TÉCNICAS EM ANÁLISES CLÍNICAS Figura 25 – Técnica quantitativa na placa de Petri • Técnica em picada: a metodologia de semeadura quantitativa é recomendada para a semeadura em tubos de ensaio e tem como objetivo verificar a agilidade do microrganismo no ágar. Para realizar a técnica em picada, é necessário semear o microrganismo com auxílio de uma agulha de níquel cromo, fazendo uma picada no centro do meio de cultura, no tubo de ensaio, e penetrar a agulha até a metade do tubo. É necessário verificar os resultados após o período de incubação. Figura 26 – Técnica de picada em tubo Observação As diferentes formas de se semear o material clínico fazem parte de processos estabelecidos em procedimentos operacionais padrão cuja finalidade é garantir a qualidade e a reprodutibilidade dos testes e ensaios realizados. Após o preparo do meio de cultura e semeadura do material biológico, parte-se para o processo de identificação do patógeno, o qual se inicia com a observação a olho nu, com lupa ou microscópio, das colônias isoladas. No estudo das colônias deve ser observada a forma do microrganismo, bem como seu tamanho, superfície, estrutura e pigmentação. As principais características observadas no líquido são: tipo de crescimento na superfície, opacidade (ou turvação), cheiro, sedimento e pigmentação. 106 Unidade II Após o crescimento das colônias isoladas no meio de cultura, podemos identificar suas características. Essas peculiaridades são de grande valia para selecionar as provas bioquímicas necessárias para completar o processo de identificação. Puntiforme Forma Elevação Margem Plana Inteira Elevada Ondulada Convexa Lobulada Crateriforme Filamentosa Papilada Espiral Circular Filamentosa Irregular Rizoide Fusiforme Figura 27 – Morfologia das colônias Fonte: Hungria e Silva (2011, p. 10). 5.2 Automação no laboratório de microbiologia clínica O fluxo de trabalho na microbiologia vem aumentando significativamente, o que desafia os microbiologistas a escolherem a automação mais adequada, com baixo custo e alta especificidade. Outros fatores relevantes a serem considerados são o surgimento de novos mecanismos de resistência e a necessidade de investigações epidemiológicas decorrentes do aumento do número de microrganismos multirresistentes, o que é sem dúvida um dos maiores desafios na rotina dos serviços da microbiologia. O setor de microbiologia clínica é historicamente considerado low-tech, ou seja, de baixo grau de automação ou tecnologia associada, quando comparado ao elevado grau de automação encontrado no laboratório de forma geral, como no setor de bioquímica clínica. De maneira geral, as automações disponíveis para o laboratório de microbiologia clínica permitem a identificação de diversos microrganismos, em um período entre 16 a 24 horas de incubação. O teste de sensibilidade aos antimicrobianos (TSA) pode ser realizado concomitantemente à identificação e liberado no mesmo prazo. O TSA, quando automatizado, é liberado como sensível, intermediário ou resistente, seguido da concentração inibitória mínima (CIM ou MIC) de cada fármaco testado. Os principais mecanismos de resistência bacteriana de interesse clínico, como a produção de betalactamases de espectro estendido (ESBL) por bactérias gram-negativas ou a resistência à meticilina ou à vancomicina em bactérias gram-positivas, são detectados e reportados através do laudo microbiológico gerado nessas plataformas. 107 MÉTODOS E TÉCNICAS EM ANÁLISES CLÍNICAS Desde o lançamento da automação AutoMicrobic System, projetada no final dos anos 1960 pela McDonnell Douglas a pedido da Nasa, uma infinidade de produtos tem surgido no mercado mundial. Os principais equipamentos atualmente disponíveis nesse campo são o sistema automatizado Phoenix (lançado pela Becton Dickinson em 2003), o sistema MicroScan WalkAway (fabricado pela Dade Behring, Inc.), o sistema Vitek (introduzido pela bioMérieux em 1997) e o sistema Maldi-Tof-MS (Matrix-Assisted Laser Desorption/Ionization Time-of-Flight Mass Spectrometry), que se baseia na técnica de espectrometria de massa (MS) para identificar microrganismos. Estudos comparativos entre essas metodologias têm sido descritos na literatura mundial. Em laboratórios de análises clínicas, quando estes possuem uma alta demanda de amostras que serão submetidas ao setor de microbiologia, tais tecnologias podem ser aplicadas, principalmente para diagnóstico de infecções hospitalares ou como metodologia padrão em laboratórios de referência, uma vez que a necessidade da automação se faz indispensável para dar suporte à procura, apesar do custo inicial ser alto. A automação se mostra consideravelmente vantajosa nesse setor das análises clínicas, proporcionando maior agilidade na obtenção dos resultados finais e melhor precisão na identificação de diversas espécies de microrganismos, os quais são aspectos importantes na rotina do laboratório clínico e microbiológico, minimizando o tempo para a realização de diagnósticos convencionais e otimizando, por exemplo, a terapia antimicrobiana. É importante salientar que os métodos automatizados contribuem muito para a otimização de um exame microbiológico, embora não seja possível às vezes mensurar seu impacto clínico por conta da dificuldade de realização desses estudos clínico-laboratoriais. De qualquer forma, vale ressaltar que, ao acelerarmos os resultados microbiológicos, como isolamento e identificação dos principais microrganismos epidemiologicamente relevantes, estamos proporcionando ao médico assistente as escolhas mais apropriadas de antibioticoterapia. Assim, os pacientes podem reagir mais rápido e ter alta em menos tempo, minimizando sua permanência no hospital e diminuindo a emergência de infecções hospitalares, especialmente por bactérias mais resistentes. As automações, no entanto, também apresentam limitações, e muitas vezes é necessário recorrer a testes off-line para conseguir resultados confiáveis. A liberação da CIM da polimixina, por exemplo, tem sido alvo de diversos debates nos últimos anos. A padronização da liberação da polimixina B por microdiluição não automatizada in house limitou a realização do teste pelas plataformas atualmente disponíveis. A identificação microbiológica de fungos e bactérias patogênicos tem sido realizada classicamente por métodos que envolvem cultura e, depois, testes fenotípicos, explorando as diferenças metabólicas que existem entre as várias espécies. Culturas são métodos extremamente poderosos de recuperação de patógenos: teoricamente, um único patógeno viável em meio adequado se multiplica em escala logarítmica, amplificando, assim,o sinal a partir de amostras com pouquíssimos agentes. Entretanto, culturas demoram – dependendo do patógeno, elas podem ser positivas tão precocemente como 4 a 6 horas ou tão demoradas como semanas, e os testes fenotípicos podem demorar mais 24 ou 48 horas. Em algumas circunstâncias, como bacteremias, a identificação e o tratamento adequado são aspectos críticos e mostram claramente que, a cada hora de demora no tratamento adequado de uma septicemia, 108 Unidade II a mortalidade aumenta de 10 a 20%. O tempo de hospitalização e o preço de uma internação igualmente diminuem com a identificação precoce da etiologia de uma sepse. Novos métodos diagnósticos, que não dependam do crescimento da bactéria ou fungo e que inclusive sejam efetivos quando os patógenos não estão viáveis, têm sido desenvolvidos. Os que utilizam ácidos nucleicos já estão em uso clínico, mas, apesar de serem mais rápidos que culturas, demandam tempo de técnico e pelo menos 6 a 8 horas de trabalho, com profissional dedicado. Um grande progresso é o uso de estudos proteômicos para diagnóstico rápido – tão rápido como 5 a 15 minutos – na etiologia de infecções. Entre os sistemas de automação mais utilizados em microbiologia clínica, destacam-se: • Maldi-Tof: o material biológico a ser examinado é colocado em uma matriz sólida polimérica e irradiado por raios laser de nitrogênio que vaporizam e ionizam as moléculas, as quais são aspiradas, e o detector mede o tempo da chegada do material a esse dispositivo. O gráfico resultante com picos específicos é analisado por um software, indicando padrões específicos (“impressão digital”) do microrganismo específico. • Sistema WalkAway: pode processar várias amostras (96 painéis) simultaneamente. As amostras são incubadas com reagentes e analisadas por colorimetria e fluorimetria. Podem, assim, trabalhar simultaneamente com todo tipo de painel (cromogênicos e fluorogênicos), fornecendo até detecção de resistência emergente precisa para os agentes patogênicos mais difíceis, como ESBL, Visa, VRSA e MRSA. • Sistema AutoSCAN-4: usado para identificação bacteriana e susceptibilidade antimicrobiana a antibióticos, inclusive para espécies de crescimento lento. Em seus painéis são verificadas concentrações inibitórias mínimas (MICs) diretas e não identificadas (ID). Observação Apesar de os métodos automatizados estarem se difundindo de forma bastante importante em razão da demanda, para resultados em menor prazo o conhecimento do profissional continuará sendo essencial até mesmo para a programação da automação, bem como para a análise dos resultados por ela fornecidos. 109 MÉTODOS E TÉCNICAS EM ANÁLISES CLÍNICAS 5.3 Algoritmos dos principais protocolos de cultura em microbiologia clínica A seguir são apresentados os principais protocolos em microbiologia clínica. Tais fluxogramas e/ou procedimentos são baseados nas recomendações da Anvisa, mas podem e devem ser adaptados segundo normativas da instituição/laboratório onde os procedimentos serão realizados, particularizando o atendimento, a forma de fazer o teste, o laudo e as características regionais e locais dos agentes microbianos isolados. No diagnóstico de infecções do trato urinário, realiza-se o exame de urocultura a partir de técnica semiquantitativa em placa, conforme o fluxograma da figura a seguir: Semear em Ágar Cled Imergir alça calibrada de 0,01 ou 0,001 ml Incubar em estufa bacteriológica a 35 ± 1 ºC entre 18-24 horas (contagem) Fazer semeadura semiquantativa Homogenizar a amostra sem centrifugar Semear em Ágar Mac Conckey Figura 28 – Algoritmo para urocultura (proceder a contagem de colônias) No diagnóstico de infecções do trato intestinal, como diarreias, disenterias e enterocolites, recomenda-se a realização da coprocultura, conforme o fluxograma da figura a seguir. Se a amostra a ser analisada corresponde a fezes líquidas, elas devem ser semeadas diretamente nos meios indicados; no entanto, se a amostra se constituir de fezes sólidas ou pastosas, sugere-se que se prepare uma suspensão em solução contendo 10% de salina tamponada glicerinada e proceda na sequência com a semeadura. 110 Unidade II Ágar AS Campy ou Karmali (sob solicitação específica) 48-72 h (42 °C em microaerofilia – usar jarra) Coloração com fucsina de Ziehl (0,1%) e provas bioquímicas Caldo tetrationato + Iodo ou caldo selenito 12-18 h (35 ± 1 °C) Ágar HE ou SS 18-24 h (35 ± 1 °C) Caracterização macroscópica de colônias Transferência de colônias suspeitas e identificação ao nível de espécie por provas bioquímicas* 18-24 h (35 ± 1 °C) Sorotipagem por técnica de aglutinação** Suspensão de fezes ou se fezes líquidas semeadas diretamente Ágar MC ou SS 18-24 h (35 ± 1 °C) Caracterização macroscópica de colônias Transferência de colônias suspeitas e identificação ao nível de espécie por provas bioquímicas* 18-24 h (35 ± 1 °C) Sorotipagem por técnica de aglutinação** *Meios e/ou kits comerciais (Rugai; EPM-Mili) disponíveis **Técnica recomendada quando do isolamento de Escherichia coli sp.; Salmonella spp., Shigella spp. Figura 29 – Fluxograma de identificação de enterobactérias enteropatogênicas A hemocultura é utilizada para demonstrar a presença de bactérias na corrente circulatória. O isolamento e a identificação rápida de agentes etiológicos de septicemias são procedimentos da maior importância na microbiologia clínica. Apesar de existirem métodos automatizados, a hemocultura ainda é realizada em boa parte dos laboratórios, sobretudo de pequeno e médio portes, de forma manual, conforme o fluxograma indicado a seguir: 111 MÉTODOS E TÉCNICAS EM ANÁLISES CLÍNICAS Frasco de hemocultura Incubar 35 ± 1 °C - 24 h Semear em ágar Sangue e Bacterioscopia Negativo Negativo Semear em ágar Chocolate Negativo Positivo Manter frascos em estufa 35 ± 1 °C (jarra de CO2 até completar 7 dias) Positivo Positivo Identificação em termos de espécie e antibiograma Identificação em termos de espécie e antibiograma Identificação em termos de espécie e antibiograma Se suspeitar de fungo, incubar a 30 °C (± 10 dias) Manter frascos em estufa 35 ± 1 °C - até completar 48 h Semear em ágar Chocolate Emitir resultado parcial Emitir resultado parcial Emitir resultado parcial Desprezar frasco Figura 30 – Fluxograma para hemoculturas (resultados preliminares devem ser emitidos a cada 24 horas) 112 Unidade II A cultura de ponta de cateter é outro protocolo extremamente importante sobretudo para pacientes internados ou que estejam sob uso de cateteres de longa duração, como nos casos de pacientes sob tratamento quimioterápico. Sabe-se que a contaminação por cateteres é algo bastante comum e que pode trazer repercussões graves na sobrevida do paciente. A figura a seguir apresenta um fluxograma proposto para investigação de cateteres: Ponta de cateter Crescimento de colônias positivo Contagem, identificação em nível de espécie e antibiograma Crescimento de colônias positivo Contagem, identificação em nível de espécie e antibiograma Técnica de Maki (35 ± 1 °C - jarra de anaerobiose 18-24 horas) Crescimento de colônias negativo Reincubar por mais 24-48 horas Crescimento de colônias negativo (reportar negativo pós-72 horas) Figura 31 – Fluxograma para processamento de amostra de ponta de cateter As infecções no SNC são reconhecidamente perigosas e inspiram grande preocupação, pois muitas delas são responsáveis por elevadas taxas de morbimortalidade. Os processos infecciosos que atingem o SNC podem ser causados por diferentes grupos etiológicos, desde bactérias até vírus, fungos e protozoários. Com base na gravidade que emerge das infecções no SNC, é extremamente relevante que nos casos suspeitos seja conduzida a cultura de LCR (líquido cefalorraquidiano) e para tal sugere-se o seguinte protocolo de cultura: 113 MÉTODOS E TÉCNICAS EM ANÁLISES CLÍNICAS Líquor límpidocom volume superior a 1 ml Centrifugar a amostra (15 min – 3000 rpm) Sobrenadante Realizar prova do látex Se positiva: identificação em nível de espécie e antibiograma Se positiva: identificação em nível de espécie e antibiograma Cultura AS e CHOC 35 ± 1 °C em anaerobiose – 24 h Coleta de líquor (tubo seco estéril) Líquor turvo e/ou com volume inferior a 1 ml Microscopia (gram/Ziehl-Neelsen/ tinta-da-china) Cultura AS e CHOC 35 ± 1 °C em anaerobiose – 24 h Sedimento – Microscopia (gram/Ziehl-Neelsen/ tinta-da-china) Se negativa: reincubar até 72 horas e fornecer resultados parciais Se negativa: reincubar até 72 horas e fornecer resultados parciais Figura 32 – Fluxograma para processamento de amostras de LCR 5.4 Aspectos gerais do diagnóstico micológico De uma forma geral, o diagnóstico em micologia é direcionado de forma específica e a depender do agente etiológico veiculado ao processo de infecção. Para infecções provocadas por fungos leveduriformes, filamentosos e/ou dimórficos existem métodos específicos que ainda serão abordados neste livro-texto, mas comumente o diagnóstico dos diferentes tipos de micose ocorre através das metodologias listadas a seguir: • exame direto; • cultura e isolamento do material biológico; 114 Unidade II • biópsia e histopatologia; • provas imunológicas no diagnóstico das infecções fúngicas. Agora, iremos comentar resumidamente cada uma delas. Exame direto O exame direto pode ser feito através de qualquer espécie de material biológico suspeito, como exsudatos diversos, escarros, urina, fezes, sangue, líquor, medula óssea e fragmentos de tecidos. A potassa é usada em percentagens diversas de acordo com o material a ser examinado, podendo variar de 20 a 40% e dependendo também da “dureza” do material clínico. O exame pode ser a fresco, sem fixação, entre lâmina e lamínula, ou fixado e corado por método, como gram, Ziehl, Giemsa e tinta-da-china (nanquim preto). Por exemplo, no caso de o material ser extraído de unha, podem ser adicionados corantes como tinta Parker em partes iguais, o que serve para evidenciar melhor hifas e conídios dos dermatófitos. A coloração pelo método de Giemsa consiste resumidamente nas etapas descritas a seguir: 1 – Fixar o material com álcool metílico. 2 – Cobrir o esfregaço com o corante de Giemsa (preparar na hora uma mistura com uma ou duas gotas da solução estoque Giemsa para uma gota de água destilada) por 20 a 30 minutos. 3 – Secar ao ar ou sob o calor da estufa e examinar diretamente sob lente de imersão homogênea e montar previamente em bálsamo do Canadá. Figura 33 – Levedura em brotamento indicada pela seta corada por Giemsa Adaptada de: https://cutt.ly/PSRxpfw. Acesso em: 21 mar. 2022. 115 MÉTODOS E TÉCNICAS EM ANÁLISES CLÍNICAS Observação O exame direto pode ser feito a partir de uma infinidade materiais, como unha, fio de cabelo, barba, escamas de pele etc. Lembre-se de que cada material deve ser colhido de maneira apropriada para uma análise correta. A seguir, evidenciam-se também preparados examinados sem coloração que acabam por se destacar contra o fundo negro dado pela tinta nanquim. É possível por técnica microscópica visualizar detalhes da estrutura interna dos fungos. Em vários fungos pode-se observar a penetração das partículas de carbono coloidal na cápsula: Figura 34 – Leveduras em destaque pela coloração de fundo da tinta nanquim (tinta-da-china). Note na seta o halo de carbono coloidal Adaptada de: https://cutt.ly/OSRxSxa. Acesso em: 21 mar. 2022. Cultura e isolamento do material biológico Muitos meios de cultura são utilizados em micologia, a depender do material biológico colhido. Entre os mais utilizados, destaca-se o ágar Sabouraud, meio que serve para o isolamento de, praticamente, todos os fungos. Comercialmente também existem inúmeros meios (Difco, BBL, Oxoid, Merck), a maioria contendo antibióticos em sua formulação, a fim de evitar contaminação por agentes bacterianos, o que os torna mais seletivos. São exemplos o Mycobiotic (Difco) e o Mycosel (Baltimore Biological Co.). Os meios de ágar Sangue e de ágar Chocolate, muito utilizados em bacteriologia clínica, também podem vir a ser utilizados quando pretendemos estimular o crescimento de fungos leveduriformes patogênicos a 37 ºC. Uma estratégia bastante utilizada é a de se acrescentar sangue de carneiro ao 116 Unidade II meio de ágar Sabouraud, tornando-o ainda mais rico e complexo, o que pode torná-lo também seletivo, devido à possibilidade de se acrescentar um agente antibacteriano. Outro meio bastante utilizado em seu estado líquido e que contribui de maneira especial ao processo de proliferação e enriquecimento do espécime clínico é o caldo de infusão de coração e cérebro, conhecido com ágar BHI (Brain-Heart-Infusion). O ágar Batata Dextrose é um meio tradicionalmente utilizado para o isolamento de fungos e leveduras. O pH desse meio o torna seletivo para impedir o crescimento da maioria dos microrganismos de flora acompanhante e permite o crescimento do fungo pesquisado. Biópsia e histopatologia Para o estudo histopatológico de fungos, sobretudo responsáveis por micoses subcutâneas, são utilizadas diversas técnicas e métodos de coloração, entre as quais destaca-se o PAS (ácido periódico de Schiff). Figura 35 – Levedura em brotamento indicada pela seta corada por PAS Adaptada de: https://cutt.ly/ISRxLvx. Acesso em: 21 mar. 2022. A reação histoquímica do ácido periódico e reativo de Schiff para grupos açúcar demonstra o corpo celular do fungo em cor magenta forte, a cápsula polissacarídica em róseo e realça os parasitas contra o tecido de fundo. Células em reprodução como na imagem anterior também são evidenciadas com facilidade. 117 MÉTODOS E TÉCNICAS EM ANÁLISES CLÍNICAS A contracoloração com hematoxilina e eosina (HE) permite situar os fungos em relação às células e tecidos. É útil, por exemplo, para destacar os parasitas contra o tecido necrótico, onde não se visualizam núcleos. Na figura a seguir identificamos o Paracoccidioides brasiliensis em sua típica formação de roda de leme corado pela técnica de HE. Figura 36 – P. brasiliensis em roda de leme, corado por HE Adaptada de: https://cutt.ly/ESRxV18. Acesso em: 21 mar. 2022. O método de Gram é aplicado aos cortes histopatológicos, para o estudo das doenças produzidas pelos actinomicetos. Os actinomicetos e as bactérias gram-positivas coram-se em azul, e as bactérias gram-negativas, em vermelho. Figura 37 – Actinomicetos corados pela técnica de Gram. Fungos filamentosos (cordões típicos de Actinomyces sp) Adaptada de: Zhaklina et al. (2010). 118 Unidade II Observação O método de coloração não é o preconizado para diagnóstico de infecções fúngicas, mas pode ser uma alternativa fácil, barata e eficaz de promover a visualização das principais estruturas fúngicas, auxiliando no diagnóstico. Provas imunológicas no diagnóstico das infecções fúngicas As provas imunológicas, em micologia médica, apresentam um valor diagnóstico apenas relativo, não dispensados os métodos clássicos que visam o achado do parasito pelo exame direto, bem como pela análise histopatológica e pelo seu isolamento em cultura. Entretanto, com os progressos recentes no setor, esse valor relativo pode, em certos casos, subir tanto a ponto de quase equivaler ao achado do parasito. Em pelo menos duas eventualidades clínicas isso ocorre: referimo-nos aos casos de aspergilose pulmonar ou cerebral, por Aspergillus fumigatus, diagnosticados pelas provas sorológicas de precipitação, e ao caso de coriorretinite, por histoplasmina combinada com o aspecto clínico das lesões oculares. Em micologia médica, além de serem métodos auxiliares de diagnósticos das micoses, as técnicas imunológicas têm, ainda, as seguintes aplicações: inquéritos epidemiológicos, prognóstico, controle de eficiência terapêutica e descoberta de animais reservatórios de parasitos. O diagnóstico micológico baseia-seem dois grandes grupos de provas: • Provas intradérmicas de sensibilidade cutânea frente a antígenos fúngicos: tricofitina, candidina, paracoccidioidina, esporotriquina, histoplasmina, coccidioidina e outros. Dois tipos de reações são esperados quando de uma reação intradérmica a antígenos fúngicos: — Reação imediata urticariforme: manifestação notada logo após a inoculação subcutânea do antígeno teste com manifestação de pápula dérmica com “pseudópodes” e halo eritematoso. Desaparece em algumas horas. É própria dos fungos puramente alérgenos do ar, como Cladosporium sp. (Hormodendrum), Aspergillus sp., Penicillium sp., leveduras, Pullularia sp., Alternaria sp., Helminthosporium sp., Fusarium sp. e muitos outros. — Reação retardada: semelhante à da prova pela tuberculina, em que se nota o aparecimento de pápula dérmica entre 48 e 72 horas após a inoculação. Tal pápula normalmente é acompanhada de um halo eritematoso, o qual tende a perdurar por período que varia de uma semana ou mais. Reações falso-negativas podem ocorrer caso o paciente queira, a fim de minimizar o desconforto gerado pelo estímulo antigênico, utilizar corticosteroides e anti-histamínicos, os quais podem impedir a positividade das reações. 119 MÉTODOS E TÉCNICAS EM ANÁLISES CLÍNICAS Outro cuidado importante a fim de se evitar respostas hiper-responsivas é o emprego do antígeno diluído suficientemente, para pesquisar a sensibilidade do paciente. Por exemplo, começar com uma diluição de 1/1000, passando depois para 1/500 e 1/100. • Provas sorológicas de aglutinação, precipitação, fixação do complemento e imunofluorescência: tais técnicas serão discutidas no tópico de diagnóstico virológico, visto que também são utilizadas para essa finalidade. 5.5 Técnicas moleculares aplicadas em microbiologia clínica 5.5.1 Reação de polimerização em cadeia (PCR) A reação em cadeia da polimerase (PCR – polimerase chain reaction) é considerada uma técnica de biologia molecular revolucionária. Desenvolvida por Kary Banks Mullis (Prêmio Nobel de Química de 1993) em abril de 1983, essa técnica consiste na síntese enzimática de cópias de ácidos nucleicos. A PCR apresenta ampla gama de aplicações em vários ramos da pesquisa científica e diagnóstico, e é muito utilizada no diagnóstico de infecções virais. A utilização da PCR permite que uma determinada região do genoma de qualquer organismo possa ser amplificada e multiplicada em milhões de cópias. Os elementos envolvidos na reação de PCR, basicamente, são os mesmos presentes no processo de replicação que ocorre nas células. Para que seja possível o processo de amplificação de um segmento de DNA específico, é necessário que as extremidades da sequência de pares de bases sejam conhecidas. Os iniciadores ou primers que delimitam e são complementares à região-alvo de amplificação apresentam cerca de 15 a 25 nucleotídeos de extensão. Os primers são projetados de modo que um é complementar ao filamento de uma molécula de DNA em um lado da sequência-alvo e o outro é complementar ao outro filamento da molécula de DNA no lado oposto da sequência-alvo. Para que ocorra a PCR, é necessária a presença dos seguintes componentes: DNA gnômico total ou uma população de cena; DNA polimerase termoestável; primers, tampão (10 mm Tris-Hl, pH 8,3, 50 mm Kcal), cloreto de magnésio (cofator da reação) e nucleotídeos necessários para a síntese das novas fitas de DNA (dNTPs: dATPs, dTTPs, dCTPs e dGTPs). Durante o procedimento, as amostras devem ser submetidas à combinação adequada de temperatura e de tempo. Cada ciclo da PCR apresenta três fases fundamentais: desnaturação, anulamento e extensão. A desnaturação ocorre por meio da elevação da temperatura para cerca de 94 a 95 °C. Nessa fase, o DNA perde sua estrutura de dupla hélice, separando as duas fitas. Dessa forma, os primers podem ligar a região complementar a sua sequência na fita simples que foi exposta. Uma vez desnaturado o DNA, a temperatura da reação é reduzida para a temperatura de anulamento (50 a 70 °C) e ocorre o pareamento dos primers por meio de ligações de hidrogênio ao DNA-alvo de fita simples. A temperatura de anulamento é sempre específica para cada par de primers e depende da quantidade de citosina e guanina da sequência a ser amplificada. A última etapa do processo é a extensão. Nesse momento, a temperatura é elevada até cerca de 72 ºC, para que a enzima DNA 120 Unidade II polimerase (Taq-DNA-polimerase) se posicione junto aos primers que se anelaram anteriormente e seja iniciada a síntese da cadeia complementar. A síntese da nova fita de DNA se inicia a partir dos primers ou iniciadores. A enzima DNA polimerase catalisa a reação que insere os nucleotídeos (dNTPs) complementares à fita-molde. Dessa maneira, novas fitas de DNA de dupla hélice são formadas, correspondentes à região-alvo de amplificação (delimitada pelos primers). A figura a seguir esquematiza as etapas de um ciclo da PCR: Primeiro ciclo de amplificação Produtos do primeiro ciclo + DNA - polimerase + dATP + dGTP + dCTP + dTTP Etapa 3 Síntese de DNA Região do DNA de fita dupla a ser amplificada 5’ 5’ 5’ 3’ 3’ 3’ 3’ 3’ 3’ 5’ 5’ 5’ Etapa 1 Aquecer para separar as fitas Etapa 2 Resfriar para anelar os iniciadores Par de iniciadores Figura 38 – Ciclo de PCR. Cada ciclo da PCR inclui três etapas: 1) O DNA de fita dupla é aquecido brevemente para separar as duas fitas; 2) O DNA é exposto a uma quantidade excessiva de um par de iniciadores específicos projetados para limitar a região do DNA a ser amplificada, e a amostra é resfriada para permitir que os iniciadores hibridizem com as sequências complementares nas duas fitas de DNA; 3) Essa mistura é incubada com DNA-polimerase de modo que o DNA possa ser sintetizado a partir dos dois iniciadores. Para amplificar o DNA, o ciclo é repetido muitas vezes por meio do reaquecimento da amostra para separar as fitas de DNA recém-sintetizadas O processo de desnaturação, anulamento e extensão é repetido várias vezes, até que se obtenha grande quantidade do DNA a ser amplificado. Os filamentos de DNA recém-sintetizados, mesmo complementares, formam uma segunda cópia da sequência-alvo original, gerando, assim, uma amplificação exponencial (2, 4, 8, 16, 32… cópias). A PCR é uma reação em cadeia porque as fitas de DNA, recentemente sintetizadas, atuarão como molde para mais uma síntese de DNA nos ciclos subsequentes. Após cerca de 25 ciclos de síntese de DNA, os produtos da PCR incluem, além do DNA que iniciou a reação, cerca de 105 cópias da sequência-alvo específica. Na PCR convencional, para visualização do produto da reação, também chamado de amplicon, é necessário realizar uma eletroforese, e os resultados são qualitativos. Além da análise do DNA, pequenas amostras de RNA podem ser analisadas pela reação em cadeia da polimerase. Nesse caso, é utilizada a RT-PCR, uma reação da transcriptase reversa seguida de PCR. A partir do RNA (fita simples), a enzima transcriptase reversa sintetiza uma cadeia de DNA complementar (chamada de cDNA). Ao cDNA, aplica-se a técnica de PCR. Uma vez que analisa o RNA responsável pela síntese de proteínas, a RT-PCR é amplamente utilizada para verificar a expressão gênica. 5.5.2 PCR em tempo real Derivada da PCR convencional, a PCR em tempo real é uma inovação tecnológica e vem conquistando espaço nos diagnósticos clínicos e nos laboratórios de pesquisa por apresentar a capacidade de gerar resultados quantitativos, além de ser mais rápida e precisa quando comparada à PCR convencional, que 121 MÉTODOS E TÉCNICAS EM ANÁLISES CLÍNICAS apresenta resultados qualitativos. O método original de PCR apresenta algumas limitações sérias: ao amplificar primeiro a sequência de DNA e depois analisar o produto, a quantificação era extremamente difícil, uma vez que, independentemente da quantidade inicial de moléculas de DNA, ao fim de toda reação era originada essencialmente a mesma quantidade de produto. Essa limitaçãofoi resolvida em 1992 pelo desenvolvimento da PCR em tempo real por Higuchi e seus colaboradores. Na PCR em tempo real, o produto formado é monitorado durante o curso da reação. A fluorescência de corantes ou sondas introduzidas na reação é monitorada em tempo real e é proporcional à quantidade de produto formado e ao número de ciclos de amplificação necessários para obter a amostra. A quantificação desses materiais ocorre com maior precisão e com maior reprodutibilidade, uma vez que os valores são determinados na fase exponencial da reação. Assumindo que a amplificação ocorra com eficiência, que normalmente é quase uma duplicação do número de moléculas por ciclo de amplificação, é possível calcular o número de moléculas de DNA da sequência amplificada que estavam inicialmente presentes na amostra. A principal característica da PCR em tempo real é a sua capacidade de monitorar o progresso da PCR enquanto ocorre a reação, e os dados são coletados ao longo dos ciclos. A detecção da formação das ampliações ocorre por meio de um sistema ótico para a captação da fluorescência e um computador com um software para a aquisição de dados e a análise da reação. Existe grande variedade de fabricantes desses equipamentos, os quais apresentam diferenças quanto à capacidade da amostra, ao método de captação da fluorescência, à sensibilidade e aos softwares para a análise dos dados. Os usos típicos da PCR em tempo real incluem quantificação e análise de patógenos (viral, bacteriana ou de protozoários), análise de expressão gênica, análise de polimorfismo de nucleotídeo único (SNP), análise de produtos transgênicos, análise de aberrações cromossômicas e, mais recentemente, também detecção de proteínas por imuno PCR em tempo real. Saiba mais A técnica de PCR depende do uso de uma DNA polimerase especial isolada a partir de microrganismos cujos habitats naturais são as fontes quentes (por exemplo, a amplamente utilizada Taq DNA polimerase, obtida de Thermus aquaticus). Essa polimerase é estável a temperaturas muito mais altas do que as DNA polimerases eucarióticas; assim, ela não é desnaturada pelo tratamento de calor. Portanto, essa enzima não precisa ser adicionada novamente após cada ciclo. Saiba mais sobre o descobrimento da técnica em: MULLIS, K. B. The polymerase chain reaction. Nobel Lectures, 8 dez. 1993. Disponível em: https://cutt.ly/mANiD9W. Acesso em: 11 mar. 2022. 122 Unidade II 6 MÉTODOS E TÉCNICAS EM IMUNOLOGIA CLÍNICA 6.1 Principais testes imunológicos aplicados no diagnóstico laboratorial São vários os métodos imunológicos utilizados no laboratório clínico. De forma resumida, eles podem ser classificados em métodos marcados e não marcados. Eles quantificam antígenos e anticorpos apenas pela formação dos complexos imunes. São eles: as imunoprecipitações, as aglutinações e os ensaios líticos. Já os métodos marcados têm um antígeno ou anticorpo “marcado”, ou seja, que estará conjugado com uma molécula, o que o torna capaz de aumentar a sensibilidade e a visualização das reações. As técnicas marcadas são mais modernas e conseguem detectar menores concentrações do analito nas amostras. Os conjugados utilizados podem ser enzimas, isótopos radioativos ou fluoróforos. Os métodos são nomeados de ensaio imunoenzimático (Elisa), radioimunoensaio (RIA) e imunofluorescência (IFA), respectivamente. A seguir, uma breve descrição das principais técnicas imunológicas não marcadas e marcadas: Imunoprecipitação As técnicas de imunoprecipitações permitem identificar e quantificar, semiquantitativamente, as precipitações que ocorrem com a formação de complexos imunes, que são ligações de antígenos a anticorpos. Nessas técnicas, observadas pela primeira vez em 1897 por Rudolf Kraus, vai ocorrer a mistura de antígenos e anticorpos solúveis, que preferencialmente devem ter antígenos multivalentes quanto ao número de epítopos, e os anticorpos devem ser policlonais. Para anticorpos monoclonais, é essencial que o epítopo esteja em uma posição acessível e em grande concentração no antígeno ao qual o anticorpo se ligará. Ac ≡ Ag Excesso Ag Excesso Ac Concentração do analito Im un op re ci pi ta çã o Figura 39 – Imunoprecipitação. A adição de antígeno solúvel em uma mistura de anticorpos vai permitir a formação de imunocomplexos insolúveis que vão precipitar. No início, na zona de excesso de anticorpos, haverá pouca precipitação. Na zona de equivalência, ocorre a formação de muito complexo imune, havendo muita precipitação. Na zona de excesso de antígeno, novamente a formação de imunocomplexo é comprometida, diminuindo a precipitação 123 MÉTODOS E TÉCNICAS EM ANÁLISES CLÍNICAS Imunodifusões São técnicas que utilizam gel, em que substâncias solúveis se difundem ao acaso em meios gelificados, como, por exemplo, a agarose ou o ágar. Essas moléculas livres se movimentam até encontrarem o seu ligante e formarem o imunocomplexo insolúvel, que vai se precipitar no gel, ficando imobilizadas, o que permite a visualização como uma turvação. Assim como na imunoprecipitação líquida, as imunodifusões possuem vários interferentes, os já citados anteriormente e, principalmente, a pureza dos reagentes e a distribuição homogênea dos componentes no gel. Antígeno Imunocomplexo Anticorpo+gel Figura 40 – Imunodifusão simples. O antígeno solúvel vai migrar pelo gel com anticorpo. De acordo com a concentração de antígeno, a região de turvação será maior ou menor, assim como a região de formação será diferente Existem quatro técnicas de imunodifusão: • simples: um componente está fixo no gel, e o outro, solúvel; • dupla: os dois elementos são móveis e migram simultaneamente; • linear ou unidimensional: uma corrente elétrica direciona a migração; • radial: o movimento ocorre em todas as direções. Aglutinações Os ensaios imunológicos de aglutinação partem do princípio de que é possível aglutinar partículas com a formação de agregados visíveis como resultado da interação de anticorpos específicos com partículas insolúveis, as quais contêm determinantes antigênicos em sua superfície. 124 Unidade II Complexo aglutinado Látex sensibilizado com anticorpo Antígeno A) B) Anticorpo Figura 41 – As duas etapas da aglutinação. Primeiro, vai ocorrer a ligação do antígeno ao anticorpo para a posterior ligação entre as partículas: A) A aglutinação ocorre por antígeno livre; B) A aglutinação ocorre por anticorpo livre Fluorescências Os ensaios que empregam o uso de fluorocromos permitem a ligação do conjugado em antígenos ou em anticorpos. Essas moléculas vão emitir fluorescência quando estimuladas em um determinado comprimento de onda, pois a molécula fluorescente absorve uma grande quantidade de energia, elevando o nível de energia nos seus elétrons, que, quando retornam ao nível basal, emitem luz, a fluorescência, em um comprimento de onda maior. A emissão dessa luz poderá ser observada em um microscópio de fluorescência. Imunofluorescência direta Célula infectada Anticorpo conjudado com fluoresceína Antígeno viral Figura 42 – Representação esquemática da técnica de imunofluorescência direta 125 MÉTODOS E TÉCNICAS EM ANÁLISES CLÍNICAS Radioimunoensaios Os radioimunoensaios utilizam como conjugados isótopos radioativos (I125, I131, H3, C14, P32) que emitem raios gama, os quais serão contados pela emissão de raios por minuto. Um radioisótopo ou isótopo radioativo tem como característica apresentar um núcleo atômico instável, que emite energia ao se transformar num isótopo mais estável. Essa energia libertada na transformação pode ser chamada de partícula alfa, partícula beta ou radiação gama. Pode ser detectada por um contador Geiger, contendo uma película fotográfica, ou por uma câmara de ionização. Será mensurada por minuto, o que é representado pela unidade CPM. Os radioimunoensaios possuem dois formatos: • competitivos com anticorpo ou antígeno marcado, nomeados de radioimunoensaios (RIA); • não competitivos (sanduíche),nomeados de imunorradiométricos (IRMA). Ensaios imunoenzimáticos Os ensaios imunoenzimáticos permitem a quantificação direta da interação antígeno-anticorpo através da atividade de uma enzima sobre um substrato com a formação de um produto. Além disso, permitem uma grande variedade de sistemas para detecção. A enzima que será utilizada como conjugado deverá ser de fácil obtenção por métodos de purificação, ter elevada atividade específica, ser facilmente conjugada aos componentes do teste, sem sofrer interferência no sítio catalítico, apresentar alta estabilidade e ter custo acessível. E E E Ag Ag Ag Substrato Direto Indireto Sanduíche Substrato Substrato Anticorpo primário Anticorpo primário Anticorpo de captura Anticorpo primário Anticorpo secundário Anticorpo secundário Figura 43 – Diferentes métodos de Elisa. Representação dos métodos direto, indireto e sanduíche, utilizando uma enzima como conjugado Disponível em: https://bit.ly/3wUjKJy. Acesso em: 9 mar. 2022. Imunocromatografias A imunocromatografia é também conhecida como teste rápido ou teste remoto. Está cada vez mais popular por não precisar de reagentes especiais, equipamentos ou técnico especializado para a sua 126 Unidade II execução. É mais utilizada como teste de triagem, porém, como algumas metodologias já possuem alta sensibilidade para certas patologias – por exemplo, a hepatite –, é considerada teste de confirmação do diagnóstico. Vários outros testes rápidos já estão disponíveis para o uso, por exemplo, os testes para HIV, sífilis, SARS-Cov-2. 6.2 Automação em imunologia A imunologia evoluiu muito nos últimos anos, principalmente após o início da epidemia de aids, uma vez que houve investimentos significativos em pesquisa para facilitar a compreensão dos mecanismos que levavam ao comprometimento do sistema imune pelos vírus e outros microrganismos. O impacto da evolução tecnológica nessa área propiciou o desenvolvimento de modernos equipamentos e materiais que permitiram o avanço no diagnóstico e tratamento de todas essas doenças. Em 1986, a Roche Diagnóstica lançou o primeiro equipamento em imunologia conhecido como o ES-600, que também foi o primeiro sistema totalmente automatizado para imunoensaios heterogêneos e um avanço na automação. Já naquela época, a empresa estava na vanguarda da tecnologia oferecida em imunologia. O ES-600 consolidava 15 ensaios a bordo e fornecia rendimento de 120 testes por hora tipicamente. Estava à frente de seu tempo na automação, mas as características de ensaio dos testes Elisa eram de longo prazo, não competitivas. Mais tarde, em 1992, a companhia adquiriu patente de tecnologia eletroquimioluminescência (ECL), um movimento que representou um salto para a tecnologia em seu portfólio, além de avançar as características do ensaio, alcançando uma ampla faixa de medição em combinação com alta sensibilidade e baixos tempos de incubação. O instrumento pioneiro baseado na tecnologia ECL foi o Elecsys 2010, desenvolvido em 1996, que oferecia recursos de acesso aleatório sem restrições, como a capacidade de processamento de amostras Stat com prioridade, além do Assay Cup descartável e Assay Tip para eliminar contaminações cruzadas com uma interface de usuário personalizada para uma operação fácil. Além disso, os reagentes ECL estavam prontos para serem usados e oferecidos em um revolucionário conceito de pack, dando máxima segurança e conveniência. Mesmo antes da comercialização do Elecsys 2010, a Roche e sua parceira de longa data Hitachi High-Technologies já começaram a discutir o conceito de um analisador de alta performance que nasceria em 2001 como parte da plataforma Modular Analytics, o Modular E170. Desde então, a Roche continuou comprometida com a evolução de seu portfólio em imunologia com o lançamento do cobas e 601 (cobas® 6000) em 2006, o analisador cobas e 411 em 2007 e o módulo cobas e 602, que faz parte da série de analisadores cobas® 8000, além do novo membro da família cobas® 8000, o módulo cobas e 801, que recebeu a marca CE em 2016. Em 2016, o portfólio de ECL da Roche Diagnóstica completou 20 anos em contínua expansão. Dos 16 ensaios disponíveis em 1996, a linha possui atualmente 105 parâmetros Elecsys®. 127 MÉTODOS E TÉCNICAS EM ANÁLISES CLÍNICAS Figura 44 – Cobas 801 Fonte: Passado... (2017, p. 8). 6.3 Métodos imunológicos aplicados ao estudo dos hormônios Os hormônios são substâncias químicas secretadas pelas glândulas endócrinas que são lançadas na corrente sanguínea em pequenas quantidades, porém suficientes para desencadear uma resposta em um tecido-alvo. Cada hormônio produzido é específico e, portanto, incapaz de desencadear resposta em outros tecidos que não o seu alvo. No tecido-alvo, existem células com receptores específicos. Ao se ligar aos receptores, os hormônios provocam modificações nessas estruturas. São essas modificações que fazem com que mensageiros localizados no interior da célula promovam as reações. Quando os receptores estão no núcleo, os hormônios atravessam a membrana e partem em direção à região nuclear. Nesse mecanismo, o hormônio causa alteração na transcrição de genes. Vale frisar que algumas substâncias são chamadas de hormônios, mas não obedecem à definição, uma vez que não são produzidas por órgãos endócrinos definidos. Um exemplo disso é a vitamina D, produzida na pele a partir de precursores exógenos. A secreção hormonal pode obedecer a ciclos, havendo, assim, maior liberação em alguns horários do dia ou em algumas fases do mês, por exemplo. Normalmente a secreção é regulada por um mecanismo de feedback, que pode ser negativo ou positivo. A produção de paratormônio, por exemplo, ocorre por feedback negativo, pois sua quantidade é aumentada quando ocorre a queda do Ca2+ plasmático. Já a 128 Unidade II insulina é produzida por meio do feedback positivo, pois quando os níveis de glicose aumentam, ocorre um aumento da síntese do hormônio. Os hormônios atuam nas mais variadas funções do organismo, sendo responsáveis por manter o equilíbrio interno do corpo (homeostase). Entre as atividades realizadas pelos hormônios, podemos citar: crescimento, regulação e funcionamento de determinadas estruturas do corpo; desenvolvimento de caracteres secundários; controle da quantidade de glicose e cálcio no corpo; regulação do sono; atuação no metabolismo celular; preparação do nosso corpo para reações de perigo, entre várias outras funções. O diagnóstico de desordens endócrinas e o entendimento de como os hormônios são regulados fisiologicamente fizeram com que vários métodos de dosagens de hormônios fossem desenvolvidos. Antes da década de 1960, substâncias presentes em pequenas quantidades no sangue e em outros fluidos eram extremamente difíceis de serem dosadas. Até então, químio e bioensaios dessas substâncias, usualmente hormônios, eram realizados, obtendo-se respostas com pouca precisão. A técnica utilizando anticorpo como ligante (imunoensaio) foi descrita pela primeira vez por Yalow e Berson em 1960. O trabalho de Yalow e Berson começou com os estudos sobre o comportamento do I131, marcando proteínas in vivo. Ele consistiu na injeção de insulina marcada e não marcada, verificando que o antígeno não marcado, por competição, inibia a ligação do antígeno marcado ao anticorpo. Desenvolveram um ensaio para detectar e quantificar a insulina no soro de pacientes utilizando anticorpos anti-insulina, baseando-se numa nova técnica de ensaios de ligação por competição. Ainda em 1960, Ekins, na Inglaterra, desenvolveu um método similar para a determinação das concentrações da tiroxina no plasma, o qual era também baseado no princípio da ligação competitiva, embora ele empregasse uma proteína carreadora em vez de anticorpo. Em 1971, Engvall e Perlmann determinaram quantitativamente a imunoglobulina G através da técnica de enzimaimunoensaio. A partir desses eventos, surgiram várias técnicas na medição de hormônios e outras substâncias presentesem quantidades mínimas nos fluidos corpóreos (drogas, enzimas e hormônios), sendo utilizado amplamente o radioimunoensaio no início, substituído gradativamente por outros métodos imunológicos, como os ensaios que usam compostos fluorogênicos, quimiluminogênicos e enzima como marcadores. 6.4 Métodos e técnicas imunológicas na avaliação da função das células T Os testes de triagem para a avaliação da função das células T são frequentemente seguidos por testes adicionais para completar a avaliação da imunidade celular. Dada a complexidade desses testes complementares, eles normalmente só são disponíveis em grandes centros com laboratórios especializados de imunologia. Os testes disponíveis para a avaliação das células T incluem: • contagem absoluta de linfócitos; • contagem das subpopulações de células T; 129 MÉTODOS E TÉCNICAS EM ANÁLISES CLÍNICAS • análise funcional das células T; • teste cutâneo de hipersensibilidade tardia (delayed-type hypersensitivity – DTH); • produção de citocinas. 6.4.1 Contagem absoluta de linfócitos e subpopulações de células T As células T constituem 3/4 do pool de linfócitos circulantes. Assim, uma diminuição substancial na quantidade de linfócitos T circulantes resulta em redução na contagem dos linfócitos. A contagem absoluta de linfócitos difere significativamente entre bebês, crianças e adultos. Por esse motivo, é importante avaliar a contagem absoluta de linfócitos na faixa referencial da idade específica. É importante ressaltar que a contagem das subpopulações de linfócitos é realizada por citometria de fluxo, método no qual os linfócitos T são separados pela expressão do seu receptor CD3. Esse receptor é essencial para a ativação da população de células T. Linfócitos B são identificados pela sua imunoglobulina de superfície (detectada por anticorpos monoclonais como anti-CD19 e anti-CD20). A citometria de fluxo é muito utilizada para avaliar o estado funcional dos leucócitos, e praticamente todos os aspectos de sua vida (e morte) são acessíveis através da técnica. A citometria de fluxo disponibiliza a imunofenotipagem multiparamétrica, ensaios funcionais celulares, achados moleculares da superfície celular, além de processos intracelulares como a produção de citocinas. 6.4.2 Análise funcional dos linfócitos Uma metodologia baseada na citometria de fluxo pode ser utilizada para avaliação dos linfócitos nas várias fases do seu ciclo celular. Em geral, a análise do ciclo celular é realizada pela medida do nível de intensidade de fluorescência emitida após a marcação do DNA. A marcação mais utilizada é com iodeto de propídio (a intensidade de fluorescência é proporcional à quantidade de DNA na célula). Utilizando um complexo modelo matemático, é possível medir o percentual de células contendo DNA entre 2n e 4n, o que se correlaciona com o percentual de células na fase S do ciclo celular. Os linfócitos do sangue periférico geralmente estão na fase de repouso do ciclo celular, com menos de 5% das células na fase S. Alguns laboratórios têm substituído o ensaio com a incorporação da timidina triciada por uma combinação de ensaios de indução de marcadores de superfície celular e a medida do percentual de células nas várias fases do ciclo celular após ativação. 130 Unidade II 6.4.3 Teste cutâneo de hipersensibilidade tardia (delayed-type hypersensitivity test – DTH) Embora os testes cutâneos sejam facilmente realizáveis, os resultados negativos são de difícil interpretação, especialmente em crianças pequenas. Um teste cutâneo não é tão sensível quanto um ensaio de estimulação linfocitária in vitro. O DTH utiliza antígenos aos quais o indivíduo tenha sido previamente exposto, como o toxoide tetânico, os antígenos da Candida albicans e da caxumba etc. A falha na resposta pode refletir disfunção nas células T. Quando o teste cutâneo for utilizado para avaliar a imunidade celular, deve-se atentar para o fato de que o paciente seja inoculado com um antígeno ao qual certamente tenha sido exposto anteriormente, caso contrário, um teste negativo se dará não pela anergia da célula T, e sim pela falta de exposição anterior. Normalmente é indicada a aplicação de mais de um tipo de antígeno no DTH para superar esse tipo de problema. O DTH depende da preparação do antígeno (qualidade), aplicação e interpretação da resposta (avaliação), o que requer treinamento cuidadoso dos profissionais envolvidos na sua realização. 6.4.4 Produção de citocinas Existem kits comerciais disponíveis para a dosagem de citocinas através de metodologia imunoenzimática (Elisa), radioimunoensaio (RIA), quimioluminescência (Clia) ou eletroquimioluminescência (Eclia). Atualmente, estão disponíveis em laboratórios de referência a dosagem das seguintes citocinas: IL-1, receptor antagonista de IL-1 e IL-2, receptor solúvel de IL-2, IL-3, IL-4, IL-5, IL-6, IL-7, IL-8, IL-9, IL-10, IL-11, IL-12, TNF-α e IFN-γ. Também estão disponíveis as dosagens de α e β-quimiocinas (moléculas com função de recrutamento e ativação de leucócitos), prostaglandinas e leucotrienos. 6.5 Imunofenotipagem A imunofenotipagem é uma técnica utilizada para se identificar qual o tipo exato de célula que compõe um determinado tecido, quando há dúvida diagnóstica na análise de biópsias. Geralmente é uma técnica eleita quando é preciso diferenciar entre células que têm o aspecto físico muito semelhante ao microscópio óptico (microscópio comum), mas que têm moléculas diferentes em sua membrana ou no seu citoplasma, atribuindo-lhes funções diferentes. Um dos usos frequentes da imunofenotipagem é, por exemplo, nas suspeitas de leucemia e de linfoma. Quando os linfócitos são examinados no microscópio comum, o examinador não tem como saber em detalhes se essas células são ou não da mesma família, pois são todas visualmente muito parecidas. O examinador só tem como saber se elas estão ou não estão elevadas em número, mas não tem como assegurar se são ou não do mesmo tipo. 131 MÉTODOS E TÉCNICAS EM ANÁLISES CLÍNICAS Na imunofenotipagem, um anticorpo específico para a molécula que o investigador quer pesquisar, já marcada pelo examinador com algum colorante ou com radiação, é colocado sobre o fragmento de tecido analisado. Caso esse anticorpo se ligue na amostra analisada, isso significa que naquele tecido existe a molécula que o pesquisador está procurando. Para cada molécula testada, há um anticorpo diferente que é utilizado. Com isso, o pesquisador consegue classificar as células que estão no tecido. A imunofenotipagem pode ser aplicada para a pesquisa e diagnósticos mais precisos de inúmeras doenças, incluindo: • leucemias; • linfomas; • tumores do sistema nervoso; • histiocitoses; • granulomatoses; • doenças hematológicas; • doenças autoimunes. A análise multiparamétrica através da citometria de fluxo é um método rápido, objetivo e quantitativo para: • Determinação de linhagem celular. Além de determinar a linhagem nos grandes grupos, mieloide, células B, T e NK, a caracterização imunológica contribui sobremaneira para a classificação em subgrupos mais específicos, como a leucemia mieloide aguda (LMA) com diferenciação mieloide mínima (M0 da FAB), LMA sem maturação, leucemia eritroblástica aguda, leucemia megacarioblástica aguda e leucemias bifenotípicas. • Caracterização do estágio de maturação das células malignas, contribuindo na definição diagnóstica como no caso das doenças linfoproliferativas crônicas. • Definição da linhagem celular na crise blástica de síndromes mieloproliferativas crônicas. • Diagnóstico diferencial entre linfocitose reacional e proliferação neoplásica de células B, e identificação da clonalidade através da restrição de cadeia leve de imunoglobulina. 132 Unidade II • Especificação da heterogeneidade e dos aspectos aberrantes das populações de células malignas, permitindo, assim, aplicar essas informações no monitoramento da terapia. • Detecção de doença residual mínima (DRM). 7 MÉTODOS E TÉCNICAS EM PARASITOLOGIA
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