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As Ciências do Cuidado em Saúde e Interface com a Feminização Ana Isabella Sousa Almeida Descrição O processo de feminização e sua inter-relação com os conceitos de masculinidade e feminilidade socialmente construídos e subsidiados por questões de gênero, classe, raça e etnia no cuidado em saúde. Propósito A temática da feminização do cuidado é importante para a formação do profissional da saúde, pois traz reflexões e problematiza aspectos relativos à saúde da população no âmbito das questões de gênero que devem ser reproduzidas na prática profissional. Objetivos Módulo 1 Masculinidade, feminilidade e desdobramentos sociais Distinguir os conceitos de masculinidade e feminilidade e seus contrastes com os conceitos de machismo e feminismo. Módulo 2 Contexto histórico e construção do cuidado em saúde Relacionar o contexto histórico da conceituação de feminização com a construção do cuidado em saúde. Módulo 3 Cuidado em saúde e suas interseções Analisar o cuidado em saúde com base nas conexões entre gênero, etnia e classe. Introdução Desde o nascimento, aprendemos que homens e mulheres têm papéis diferentes na sociedade, começando pelas diferenças sexuais. Acredita-se que o homem possa exercer uma relação de poder sobre as mulheres, a chamada dominação masculina, a depender da cultura. Quando um bebê nasce, dependendo do sexo, a sociedade estipula que ele deverá se vestir com determinada cor. Meninas desde cedo são orientadas a comportar-se e pensar de maneira diferente, reproduzindo fragilidades, dependências e submissão. Meninos são incentivados a serem independentes, fortes e valentes, sem expor sentimentos e emoções. A mulher esteve submetida prioritariamente às funções de procriação e cuidado com os filhos ao longo de muitos anos. Contudo, com a evolução da sociedade e a inserção da mulher no mercado de trabalho, as mulheres lançaram-se gradualmente a muitas oportunidades profissionais, além de muitas continuarem dedicando-se em seus papeis familiares. Dizemos então que as relações de gênero são socialmente construídas, mas não são imutáveis; ao contrário, elas podem se modificar de acordo com a sociedade e com o tempo. Na nossa sociedade, por exemplo, é visível que muitas mudanças estão acontecendo e, para entendermos essas transformações, precisamos compreender as relações de gênero e poder existentes nos diferentes contextos sociais, sem deixarmos de considerar as questões de raça, classe e etnia, apresentando um olhar diferenciado para as mulheres negras e indígenas, que vivem situações de vulnerabilidade social e estão sempre à margem do sistema de saúde. Nesse conteúdo, vamos entender as mudanças graduais e a feminização do cuidado a partir do contexto histórico e cultural, abordando o conceito de alguns termos importantes que se estabelecem nesse mundo moderno. null - Masculinidade, feminilidade e desdobramentos sociais Ao �nal deste módulo, você será capaz de distinguir os conceitos de masculinidade e feminilidade e seus contrastes com os conceitos de machismo e feminismo. Masculinidade e feminilidade x machismo e feminismo Tanto a masculinidade quanto a feminilidade são construídos de forma sociocultural. A sociedade estabelece atributos, comportamentos e papéis dos homens e das mulheres. Em uma sociedade patriarcal, ou seja, em um sistema em que homens mantêm o poder primário, estabelecendo dominação sobre o gênero feminino, é comum observarmos o predomínio dos homens em funções de liderança, criando um sistema de hierarquia de gênero na sociedade. Por exemplo, a maioria dos cargos de alto escalão executivo é ocupado por homens e, quando assumidos por mulheres, o salário é visivelmente menor. Qual, então, seria o conceito de masculinidade e feminilidade? A palavra masculinidade é muito antiga, derivada do termo latim masculinus, que começou a ser utilizada apenas em meados do século XVIII, em um momento em que se tentava diferenciar os sexos com critérios mais evidentes. Inicialmente, não havia um modelo concreto que definisse a sexualidade humana; falava-se em monismo sexual, ou seja, a mulher era vista como um homem invertido ou como um representante inferior do homem. No que diz respeito à feminilidade, sabe-se que o constructo se remete a atributos biológicos, comportamentais voltados às meninas e às mulheres. E sabe-se que, contemporaneamente, as construções sociais a respeito do que se entende por feminilidade, dizem respeito a traços de gentileza, sensibilidade e empatia, contudo, todos cercados de efeitos socioculturais. Comentário Podemos dizer que as transformações da sociedade implicam a evolução dos conceitos de masculinidade e feminilidade, como é o caso da transição da sociedade medieval para a moderna. O Período Medieval, ou Idade das Trevas, como nomeado por muitos historiadores, caracterizou-se por uma sociedade estática e hierarquizada, com pouca mobilidade social, ou seja, o sistema era definido por camadas sociais, e os indivíduos dificilmente conseguiam alcançar uma posição mais elevada. Neste contexto, já existia um padrão de organização de conduta masculina e feminina. Entretanto, a masculinidade foi intensificada com a criação de alguns órgãos institucionais, como o Exército Nacional, que estabelecia um ideal de masculinidade, além de estabelecer a disciplinarização e a hierarquização exacerbada que perdura até hoje. Construção de masculinidade e feminilidade A noção de masculinidade em homens socializados no universo militar foi pautada no comportamento autenticamente masculino que havia sido estipulado na época, iniciando com um padrão físico, evoluindo para uma maturidade típica do sexo masculino e intensificando com o casamento, em que o homem passa a ser o provedor do lar. Na sociedade medieval, a mulher era vista como um ser racionalmente inferior e um objeto de dominação pelos homens, com funções específicas de procriação e cuidados com o lar. Vale destacar que as mulheres também executavam ofícios externos, como colheita, tear, artesanato, entretanto, qualquer atividade que não fosse intelectual ou militar era vista como inferior. A religiosidade e o misticismo também tiveram suas participações na evolução do conceito de masculinidade e feminilidade, contribuindo para a construção dos padrões e, ainda hoje, muitas religiões agem em prol da manutenção da forma como homens e mulheres deveriam agir socialmente. Veja como essas duas figuras eram: Homem O homem representava o ideal hegemônico de masculinidade construído pela religião, o que o colocava em uma categoria sacra, que deve ser capaz de Mulher A mulher é simbolizada nas figuras bíblicas de Eva (mulher pecadora), e Virgem Maria (mulher pura). Eva é considerada um ser demoníaco e gerar descendentes e precisam também vigiar suas mulheres para mantê-las puras. desobediente, enquanto Maria é virtuosa, casta, de natureza perfeita. Uma é a mulher; a outra é o que a mulher deveria ser ou a figura idealizada da mãe. Percebe-se que toda essa construção social contribuiu para estipular padrões na sociedade e estabelecer uma inferioridade do corpo feminino, considerando o feminino subalterno. Vamos traçar então o perfil masculino e feminino a partir da masculinidade e feminilidade construída ao longo de todo esse processo: Ser homem Significa ser forte, não demonstrar fragilidades ou emoções e que apresentem comportamentos e atitudes. Ser mulher Significa ser delic para cuidar de si se pela harmonia Com base no que foi estudado: Conceitua-se a masculinidade como sendo um conjunto de regras ou padrões sociais que caracterizam o ser homem e a feminilidade como um conjunto de regras ou padrões sociais que caracterizam o ser mulher. Vale lembrar que as construções do que se concebe para os conceitos são influenciados por fatores socioculturais. Vejamos o seguinte exemplo para entendermos essa diferenciação: durante a infância, meninos e meninassão ensinados a utilizar brinquedos diferentes. Enquanto os indivíduos do sexo masculino brincam de carrinho, de futebol e se divertem mais frequentemente ao ar livre, indivíduos do sexo feminino são direcionadas a brincadeiras dentro de casa, que incluem bonecas e atividades do lar. Com base no que já estudamos até aqui, podemos dizer que: A masculinidade e a feminilidade dizem respeito a um conjunto de códigos sociais construídos por meio de exigências, padrões e práticas adquiridas ao longo dos anos. Vale destacar que esses códigos sofrem processos de diferenciação dependendo do local, do tempo e da cultura de cada sociedade. Mas o que difere a masculinidade do machismo e a feminilidade do feminismo? Cuidado! Não devemos confundir os termos. Como vimos, a masculinidade e a feminilidade são padrões estipulados pela sociedade para definir as características do ser homem e do ser mulher. Os termos machismo e feminismo surgiram justamente por conta dessa imposição da sociedade. A origem do pensamento machista tem suas raízes na consolidação da masculinidade. Como já falamos, os códigos sociais atribuídos ao homem e à mulher criam uma superioridade entre os indivíduos, tratando-se então de uma dominação de poder dos homens sobre as mulheres. Saiba mais Quando falamos em machismo, estamos tratando das atitudes baseadas na discriminação feminina, que desqualifica e inferioriza a mulher ou o sexo feminino. Historicamente, o termo “machismo” foi usado inicialmente durante as décadas de 1960 e 1970 por grupos de mulheres organizadas, com o objetivo de criticar a sociedade patriarcal. Em termos de relações de poder, o machismo traz para a sociedade que é natural o homem exercer a autoridade sobre a mulher, e essa naturalização acaba gerando um hábito. Consequentemente, essa tendência à naturalização contribui para a perpetuação e continuidade da submissão feminina. O machismo intensifica-se nas relações conjugais e sexuais; a sociedade tende a julgar as mulheres por terem mais de um parceiro sexual, enquanto os homens são enaltecidos pelo mesmo comportamento. O marido, quando fere os princípios de fidelidade no casamento, na maioria das vezes, sua atitude é justificada pelo fato de ser homem, o denominado “normal masculino”, ou seja, o que é inerente ao sexo masculino. As mulheres são denominadas “vulgares” e devem aceitar a infidelidade do marido, pois são designadas a preservar o casamento. A liberdade do homem é colocada como essencial quando comparada à feminina, obedecendo a uma dupla moral. Assim, o machismo pode ser visto como: Um sistema que comporta dois núcleos, o dominante e o dominado, baseado no argumento do sexo. O homem no papel de dominante exerce o poder sobre a mulher, o núcleo dominado. Por mais que o cenário de submissão da mulher esteja se modificando, ainda é muito comum o machismo em nossa sociedade. Vejamos os exemplos de alguns estereótipos de gênero que se transformam em concepções machistas: Mulheres não servem para dirigir automóveis, apenas para dirigir fogões. Mulheres cuidam do lar, homens vão para o bar. Mulheres conseguem um cargo melhor na empresa? Então estão saindo com o chefe! Em meio a toda essa insatisfação com os códigos sociais que modulam o comportamento feminino durante o momento histórico de ascensão dos movimentos de libertação, surgem os movimentos feministas, também chamados de feminismo. Mas, antes de entrarmos nessa temática, precisamos compreender que o feminismo não se trata de um movimento de mulheres contra homens, ou seja, não é uma luta travada entre sexos. Na realidade, os movimentos feministas são definidos como coletivos de lutas das mulheres por direitos e emancipação, quebrando os paradigmas das relações de poder e ampliando a participação de mulheres no mercado de trabalho, na política e na sociedade em geral. O termo feminismo foi empregado pela primeira vez nos Estados Unidos da América (EUA), durante o século XIX, e substituiu expressões como “movimentos de mulheres”. Surgia nesse período uma expressão da tomada de consciência das mulheres e rebelião contra a sociedade patriarcal que transformou a vida de milhares de mulheres. Curiosidade Vale destacar que o feminismo tem várias vertentes, ou seja, não existe apenas um tipo de feminismo. Porém, todos eles congregam para o mesmo objetivo, não sendo eles, portanto, movimentos divergentes. Vamos pensar assim: mulheres são diferentes umas das outras, agem de forma diferente e têm visões diversas. Para abranger o complexo mundo feminino, é necessário que haja uma doutrina plural, a fim produzir transformações políticas, sociais e ideológicas na sociedade. Portanto, é assim que devemos pensar o feminismo. O feminismo surge na tentativa de acabar com o preconceito ou discriminação baseada no gênero feminino, com o abuso de poder para com as mulheres e a exploração sexista. E tem buscado transformar a sociedade a partir das lutas coletivas. Como estudado por Arruza, Bhattacharya e Fraser (2019), em seu livro Feminismo para os 99%: um manifesto, o feminismo que interessa tem que ser aquele que está pautado em: Liberdade Direito ao bem viver Luta contra a opressão Para isso, precisamos avançar nas lutas sociais, ampliando o protagonismo feminino, na tentativa de derrubar o sistema patriarcal e instituir um modelo pautado pela igualdade de gênero, raça e classe. Vejamos alguns exemplos de conquistas do movimento feminista que transformaram a sociedade: Com a imposição dos padrões sociais, as mulheres ficaram mais especificamente vinculadas ao trabalho e ao cuidado da família. Essa feminização do cuidado era visível, e a sociedade limitava a educação apenas ao gênero masculino. Em 1827, as brasileiras conseguiram a autorização para estudar, graças às bandeiras levantadas por Nísia Floresta, autora do livro Direitos das mulheres e injustiça dos homens (1989), sendo considerada então a primeira feminista do Brasil. As transformações ocorridas no século XX impulsionaram as discussões sobre o direito feminino à participação política. Esse movimento ficou conhecido como sufragista, contou com a participação de um grande número de mulheres em sua composição e alcançou grande sucesso, pois as mulheres conquistaram o direito ao voto em vários países de forma gradual. O movimento feminista começou a questionar também a liberdade sexual e reprodutiva da mulher na sociedade e obteve grandes conquistas no Brasil e no mundo. No Brasil, observam- Direito à educação Direito ao voto feminino Direitos sexuais e reprodutivos se os avanços principalmente nas políticas de saúde da mulher e no direito ao uso de métodos contraceptivos. Masculinidade e feminilidade e as contraposições com machismo e feminismo A especialista Ana Isabella Sousa Almeida reflete sobre os conceitos de masculinidade e feminilidade, e as contraposições com conceitos de machismo e feminismo. Falta pouco para atingir seus objetivos. Vamos praticar alguns conceitos? Questão 1 A masculinidade e a feminilidade são construções sociais que determinam os comportamentos dos indivíduos na sociedade, baseadas no sexo. Tais conceitos sofrem alterações ao longo dos anos e inúmeras tensões e conflitos em diferentes cenários. Sobre a masculinidade e a feminilidade, é CORRETO afirmar que: A a feminilidade depende do contexto social em que o indivíduo está inserido. Já a masculinidade é um processo inerente do ser homem, que dificilmente pode ser modificado pelo meio social, já que é algo próprio do gênero masculino, e não construído socialmente. B a masculinidade e a feminilidade são socialmente construídas. Desde a infância, meninas e meninos são tratados de forma diferente e são condicionados a cumprir determinados códigos sociais. as relações de gênero ocorrem de maneira igualitária e simétrica. São dominadas por relações Parabéns! A alternativa B está correta. Tanto o ser homem quanto o sermulher são conceitos construídos socialmente que são influenciados por aspectos culturais, locais e que se modificam ao longo do tempo, à medida que novos fatores vão emergindo no meio social. Desde o seu nascimento, as meninas e meninos são tratados de forma diferente, reproduzindo desde cedo a relação de poder entre os gêneros. Questão 2 Os códigos sociais ou padrões estipulados pela sociedade para definir as características do ser homem e do ser mulher originaram uma sociedade patriarcal, na qual os homens estabelecem relações de poder sobre as mulheres. Nesse cenário, emergem os conceitos de machismo e feminismo. Sobre esses termos, assinale a alternativa CORRETA: C de dominação em que os homens estabelecem poder sobre mulheres; no entanto, não há supremacia de poder de homens sobre mulheres. D os padrões sociais independem do local, do tempo e da cultura de cada sociedade mesmo com particularidades e singularidades de cada comunidade. E a construção da masculinidade nos homens demonstra que a sociedade evoluiu ao longo dos anos, pois esse padrão proporciona que mulheres sejam mais independentes e tenham maior representatividade na sociedade atual. A A atitude baseada na discriminação feminina que desqualifica e inferioriza a mulher ou o sexo feminino é comumente chamada de feminismo. B O machismo não está presente nas relações conjugais e sexuais. A violência doméstica é reflexo da opressão sofrida por mulheres devido à ascensão de mulheres no mercado de trabalho. Parabéns! A alternativa C está correta. Machismo e feminismo são conceitos distintos. O machismo refere-se aos comportamentos relacionados à discriminação feminina, que inferioriza as mulheres e estabelece uma relação de poder sobre corpos femininos, instituindo a submissão feminina. Podemos observar o machismo inclusive nas relações conjugais e sexuais. 2 - Contexto histórico e construção do cuidado em saúde Ao �nal deste módulo, você será capaz de relacionar o contexto histórico da conceituação de feminização com a construção do cuidado em saúde. C O machismo expõe para a sociedade a naturalidade da soberania de poder, quando considera natural exercer autoridade sobre corpos femininos, tonando as mulheres submissas. D O feminismo surge em um contexto de ascensão dos movimentos de libertação. Trata-se de um coletivo de lutas femininas que tenta construir soberania sobre o gênero masculino, caracterizando-o como inferior. E O machismo e o feminismo são movimentos sociais semelhantes e recentes que determinam o lugar do homem e da mulher na sociedade e criam estratégias eficientes para o combate à violência contra mulher, principalmente a violência doméstica. Resgate histórico do campo da saúde e feminização do cuidado Falaremos agora sobre as influências sociais no campo da saúde. O campo da saúde tem muitas complexidades. Quando estudamos a história da saúde, começamos a entender o quão complexo é esse mundo. Ao longo do tempo, as concepções sobre saúde e doença se modificaram, evoluindo a partir do contexto cultural, político, religioso, econômico e social. Em outras palavras, esses conceitos dependem do lugar e da conjuntura do momento. Entretanto, o Brasil, mesmo possuindo práticas de cuidado próprias advindos da cultura indígena e populares, sofreu grande influência do modelo terapêutico europeu. Comentário Isso nos leva a refletir que, mesmo considerando que as concepções de cuidado variam com a cultura e com o local, há fatos maiores que podem influenciar a comunidade; neste caso, a rápida difusão do capitalismo no mercado de trabalho mundial. O modelo de sociedade patriarcal tem determinado que homens são superiores a mulheres, estipulando a centralidade da mulher no seio da família como mãe, cuidadora e do lar. Historicamente, a ciência e/ou campo científico sempre foi ocupado por homens. Mas as mudanças foram ocorrendo de forma gradual e, embora as mulheres tenham conquistado mais espaço na sociedade, a pouca representatividade da mulher em cargos de alto escalão na política e profissões ditas como exclusivas de homens é visível. Vejamos: quantas mulheres que exercem a profissão de engenheira eletricista você conhece? E quantas mulheres que exercem a profissão de enfermeira ou professora você conhece? Temos uma explicação para tais fatos: a masculinidade e a feminilidade estabelecem códigos sociais para definir o ser homem e o ser mulher, e com a evolução da sociedade e a sua inserção no mercado de trabalho, as mulheres migraram para profissões e ocupações historicamente “femininas”, tais como professoras, parteiras e enfermeiras. Quando falamos do cuidado em saúde, observamos que o campo da Medicina se encontrava estruturado em um modelo biologicista, dominado também por saberes masculinos e que organizava inclusive as práticas terapêuticas. As profissões vistas como “a arte de cuidar”, voltadas exclusivamente para o cuidado e, geralmente, dominadas por mulheres, como é o caso da Enfermagem, foram segregadas para o campo da “não ciência”, provocando uma demora para serem reconhecidas como ciências, sendo identificadas como saber/fazer científico bastante tempo depois. Mas a�nal, qual o conceito de feminização? A feminização refere-se ao ato de feminizar, ou seja, atribuir um aspecto feminino, ou tornar algo ou um espaço mais feminino. Tal ato tem dimensões diversas, que incluem aspectos sociais, laborais, políticos, entre outros. Para entendermos essas dimensões, vejamos os seguintes exemplos. A feminização na política Ainda hoje o processo de feminização na política segue de forma lenta e gradual; ainda não há uma partilha de poder igualitária entre homens e mulheres. Há inúmeras tentativas de inserção das mulheres na política, com campanhas de incentivo à participação feminina na política e com a criação de estratégias e leis que garantam a igualdade de gênero na política, porém ainda há muito no que se avançar. A feminização no magistério Culturalmente, após a inserção da mulher no mercado de trabalho, muitas delas migraram para a docência; no entanto, trouxeram estereótipos característicos da feminilidade, atribuindo significados femininos às atividades docentes. A feminização da pobreza O conceito de feminização da pobreza foi introduzido por Diane Pearce em 1978 (NOVELLINO, 2004). Podemos dizer que a feminização da pobreza perpassa a evolução da pobreza. Por exemplo, se temos um declínio exponencial na pobreza do gênero masculino e apenas um declínio discreto na pobreza do feminino, podemos inferir que ali a feminização da pobreza se constrói. Em outras palavras, interessa aqui conhecer quais são as consequências econômicas e sociais de ser mulher e que conduzem à pobreza. Diane Pearce Essa autora destacou como o número de lares em que só a mulher ficava responsável pelo sustento de filhos menores de idade estava aumentando naquela época. Mas aqui temos que ter cuidado, pois esse conceito tem caráter diferenciado; ele não se refere ao quantitativo de mulheres mais pobres na sociedade comparadas a homens ou às alterações nos níveis de pobreza em domicílios que são chefiados por mulheres. A feminização faz parte do processo de construção social e histórica das relações de gênero, principalmente no trabalho. Aqui, falaremos mais especificamente sobre a feminização do trabalho em saúde. No início, a Medicina era uma área dominada por saberes biologistas e exclusivamente masculinos. No decorrer da evolução do mundo, os fazeres práticos específicos das áreas cuidadoras começaram a ser aceitas como domínio científico. Esse fato se deve inteiramente às conquistas femininas, a despeito das lutas travadas por mulheres, em busca de representatividade. Portanto, dizemos que o campo da saúde sofreu e vem sofrendo ainda um processo de feminização. Feminização da “ciência do cuidado” Desde os primórdios, a feminilidade institui o caráter cuidador da mulher, e tais característicasforam então incorporadas às práticas assistenciais. Atualmente, com o maior contingente de trabalhadoras do gênero feminino, a área de Enfermagem foi a pioneira na feminização do cuidado, e ainda hoje, há seletividade entre os gêneros nessa profissão. Porém, as mulheres parteiras também fizeram parte desse processo, e há de se questionar se, talvez, esta tenha sido a pioneira, tendo em vista que as comunidades indígenas já instituíam esse cuidado às mulheres. Entretanto, enquanto algumas profissões responsáveis pelo cuidado foram sofrendo feminização, outras, como as ocupações de parteiras, perderam espaço para o modelo médico-centrado amparado pela ciência masculina. A evolução histórica nos mostra que, com a medicalização e a institucionalização do parto, as mulheres perderam suas autonomias como parteiras, e foi visível o deslocamento de gênero, percebendo então a figura do homem médico no cenário do parto. Com o avanço tecnológico e as práticas de cuidado cada vez mais “medicalizadas”, ocorreu a organização das instituições e das práticas terapêuticas, e colocaram a profissão de enfermagem como exclusiva do gênero feminino. Isso responde também ao fato de que as instituições religiosas e caritativas eram as principais responsáveis por esse cuidado e apenas aceitavam mulheres para realizar os cuidados nas crianças, adultos e idosos que necessitavam de serviços filantrópicos. Esse período foi marcado pelo reforço da feminilidade, à medida que tais instituições associavam a figura da mulher mãe ao papel de cuidadora. Posteriormente, outras profissões de cunho “cuidativo”, como Psicologia, Nutrição, Fisioterapia e Serviço Social emergiram no campo da saúde e foram caracterizadas pela presença da divisão sexual no trabalho, em decorrência de essa prática “cuidativa” ser vista como algo próprio ou natural do gênero feminino. Em relação à Medicina, área dominada por homens, as mudanças foram gradativas. O fato de as faculdades de Medicina restringirem a entrada de mulheres foi uma das causas desse processo ser tão lento. Atualmente, conseguimos ver mais frequentemente a presença de mulheres dentro das faculdades de Medicina e dentro dos serviços de saúde executando suas funções médicas. Comentário Ainda é visível, entretanto, a opressão sobre as mulheres médicas associadas à discriminação de gênero, principalmente quando elas optam por especialidades com maior quantitativo de homens médicos. A feminização da Medicina perpassa também a dominação masculina, e assim, inclina as mulheres para determinadas especialidades médicas culturalmente voltadas ao profissional do sexo feminino, como a Pediatria, Ginecologia, Obstetrícia e Dermatologia, reforçando os estereótipos femininos e segregando homens e mulheres. Com base em tudo que estudamos até aqui, podemos dizer que a feminização do cuidado foi fruto de uma construção histórica, social e cultural que reverencia a cultura machista e o sistema patriarcal, e que ainda se encontra em processo de constante evolução. Para fixarmos o conteúdo exposto, vamos observar os seguintes pontos importantes sobre o resgate histórico do campo da saúde e a feminização do cuidado: O campo da saúde vem sofrendo feminização ao longo dos anos. A feminização consiste em atribuir aspectos feminino a algo. Quando falamos em feminização do cuidado, estamos nos referindo às transformações sociais e hi tó i l õ d ê d t d iê i A feminização do cuidado como uma construção histórica, social e cultural A especialista Ana Isabella Sousa Almeida fala sobre como a feminização do cuidado foi fruto de uma construção histórica, social e cultural e suas implicações. históricas nas relações de gênero dentro da ciência do cuidado. A sociedade machista e patriarcal, além das imposições da feminilidade, induziu as mulheres a migrarem para profissões de caráter cuidativo e assistencial. As práticas médicas vêm sofrendo transformações ao longo dos anos, porém ainda é visível a segregação entre homens e mulheres. Falta pouco para atingir seus objetivos. Vamos praticar alguns conceitos? Questão 1 A feminização faz parte de um amplo processo de construção social e histórica que incide no processo saúde e doenças. Podemos dizer que o campo da saúde sofreu e ainda vem sofrendo um processo de feminização. Sobre essas transformações no cuidado a partir da feminização da saúde, é CORRETO afirmar que: mesmo considerando que as concepções de cuidado variam de acordo com a cultura e o local, Parabéns! A alternativa B está correta. As mulheres ainda lutam para alcançar cargos de alto escalão, fato que tem influenciado negativamente no cuidado e saúde, pois muitas mulheres ainda sofrem assédio moral e sexual no ambiente de trabalho e não são reconhecidas por suas competências e qualificações. Questão 2 O caráter cuidador da mulher instituído pelos códigos sociais definidos pela feminilidade foram incorporadas às práticas assistenciais. Com base nessa afirmativa, assinale a alternativa CORRETA em relação à feminização do cuidado em saúde: A podemos inferir que fatores econômicos não interferem nesse processo. B as mulheres, quando migraram para o mercado de trabalho, não tiveram grande sucesso e ainda hoje lutam para alcançar altos patamares, o que tem influenciado negativamente na saúde mental desse grupo específico. C a feminilidade atribui que mulher são apenas preparadas para ser mães e cuidadoras. Entretanto, esse padrão não influenciou a posição desse gênero ao adentrar no mercado de trabalho. D a feminização refere-se ao fato de atribuir um aspecto feminino a algo. Um bom exemplo para explicar esse conceito é a feminização na política, processo que seguiu de forma acelerada, observada pela grande representatividade de mulheres na política. E a Medicina era dominada por uma ciência cuidativa e exclusivamente feminina por esse motivo, não sentiu os impactos dos padrões sociais condicionados aos gêneros. Parabéns! A alternativa E está correta. Com a abertura do mercado de trabalho, as mulheres migraram para profissões de caráter mais cuidativo, como é o caso da Enfermagem, inclusive esse estereótipo era reforçado pelas instituições religiosas e filantrópicas, que só aceitavam mulheres para executarem o cuidado. A A maioria das mulheres migrou para áreas com cuidado direto com pessoas doentes. A medicina é um grande exemplo dessa migração. B No cenário do parto, houve um deslocamento de gênero; homens médicos tomaram posse dos cuidados de parto e nascimento. Entretanto, não houve relação de poder, pois esse gênero considerou os saberes das parteiras, incluindo-as no cuidado. C A medicina era dominada por homens, e as mudanças foram gradativas. Entretanto, as mulheres ao adentrarem esse cenário obtiveram grande visibilidade; dessa forma, não conseguimos ver influências negativas da feminilidade nesta área. D A feminização do cuidado foi resultado de uma construção histórica, social e cultural que reverencia a cultura do feminismo, impedindo que as mulheres tenham suas próprias escolhas. E As instituições religiosas e filantrópicas reforçavam os estereótipos de que mulheres são aptas apenas para o cuidado, e por esse motivo aceitavam apenas mulheres para executar o trabalho de cuidado nos estabelecimentos de saúde. 3 - Cuidado em saúde e suas interseções Ao �nal deste módulo, você será capaz de analisar o cuidado em saúde com base nas conexões entre gênero, etnia e classe Cuidado e saúde e suas interseções Para finalizar nosso conteúdo, falaremos sobre a diversidade de um sistema histórico e cultural complexo. Saiba mais Para entendermos o cuidado em saúde e o processo saúde e doença, devemos considerar que múltiplos fatores podem influenciar na promoção, prevenção e recuperação da saúde dos indivíduos. Vivemos em uma sociedade plural, que apresenta indivíduos distintos e com representações diversas; assim sendo, devemos traçar estratégiasque contemplem esse multiculturalismo, criando ações que considerem haver uma interrelação de várias culturas nesse ambiente. Há uma diversidade expressiva no Brasil, que implica reinvindicações e conquistas de grupos chamados de minorias (negros, índios, mulheres, homossexuais). Esse fato torna-se muito importante ao estudarmos o cuidado em saúde. Estamos considerando haver um sistema histórico-cultural complexo na nossa sociedade, no qual pessoas são marcadas por especificidades de gênero, classe, raça e etnia e influenciadas pelas evoluções geracionais. A maneira como o indivíduo foi inserido no meio social e a construção de hierarquias sociais impactaram no processo de cuidado e organização da saúde. Inicialmente, quando falamos de classe social e saúde, fazemos a seguinte pergunta: como as pessoas menos favorecidas tinham acesso à saúde antes da implantação do Sistema Único de Saúde - SUS? Resposta Antes da criação do SUS, o atendimento ao serviço de saúde era para poucos. A saúde ficava a cargo do Instituto Nacional de Assistência Médica da Previdência Social (Inamps), e apenas funcionários assalariados com carteira assinada e seus dependentes tinham assistência médica, enquanto o restante da população padecia sem atendimento ou contava com a caridade dos serviços filantrópicos. Partindo dessa reflexão, podemos dizer que a distribuição irregular de serviços de saúde no Brasil contribuiu em grande parte para a concretização das desigualdades em saúde ainda existentes. Os grupos sociais, segregados por classes sociais, ou organizados por posição social, nos mostram que é evidente que, quanto menor a posição social, menor é seu acesso ao serviço de saúde. Então, a distribuição de renda e as condições socioeconômicas, quando relacionadas à taxa de mortalidade, mostram que pessoas de posição econômica inferior têm menos assistência à saúde, e logo, menos chance de recuperação. O contexto social é um importante fator que deve ser considerado, pois são visíveis as vulnerabilidades existentes em nossa sociedade, e não se pode pensar a saúde pública sem refletir sobre essa realidade. Quando falamos sobre gênero e cuidado em saúde, precisamos refletir em relação à construção social do ser homem e do ser mulher. A masculinidade e a feminilidade estruturadas pelas sociedades patriarcais consideram a mulher mais frágil e o homem mais forte. Assim sendo, os reflexos dessa imposição são perceptíveis no processo de saúde e adoecimento dos indivíduos, refletindo, então, na procura pelos serviços de saúde por mulheres e na longevidade feminina. Ao revisarmos a história das lutas feministas, encontraremos que os códigos sociais produzidos acabaram determinando como se daria a inserção da mulher no serviço de saúde. Na perpetuação da ideia da mulher como reprodutora, mãe e cuidadora, observamos um serviço de saúde com serviços voltados apenas para cuidados com reprodução, com políticas públicas de saúde abarcando apenas demandas relativas à gravidez e ao parto, traduzindo então uma visão restrita da saúde da mulher, baseando-se em sua especificidade biológica. Apenas na segunda metade da década de 1980, com a criação do Programa de Atenção Integral de Saúde da Mulher - PAISM e as intensas lutas em prol da liberdade feminina, os cuidados em saúde da mulher tiveram uma nova abordagem, incluindo também o direito a métodos contraceptivos. Podemos dizer que as relações de gênero perpassam todas as dimensões da vida social, e os cuidados em saúde ganham algumas especificidades em determinadas áreas, como por exemplo a saúde mental. Ao tentarmos compreender o sofrimento psíquico entre homens e mulheres, é impossível não pensarmos no que está por trás desse problema. A construção social reproduz a atitude e os comportamentos na esfera do sofrimento psíquico. Vejamos os seguintes estressores psicossociais que podem levar mulheres a adoecer mentalmente e que são reflexos das desigualdades de gênero: Mulheres não recebem salários compatíveis com a complexidade das funções que executam. Mulheres têm dupla jornada de trabalho: fora de casa e executando as tarefas do lar. Mulheres estão mais frequentemente sujeitas a assédio sexual e moral, devido às relações abusivas de poder dentro das relações laborais. Raça e etnia: racismo como determinante social da saúde Antes de iniciarmos este tópico, primeiramente, devemos compreender o conceito de determinante social. Esse termo é muito trabalhado na área de saúde coletiva e reflete as condições econômicas, sociais, psicológicas e culturais que influenciam na ocorrência de problemas de saúde. Atualmente, a inclusão das condições raciais como determinante social da saúde ampliou o conceito e tornou seus significados mais abrangentes. É notável que as heranças históricas do racismo são responsáveis pelas desigualdades de acesso aos serviços de saúde à população negra e aos povos indígenas, por exemplo. A invisibilidade desses grupos sociais os coloca à margem de uma assistência de saúde pouco igualitária. Embora as mudanças sociais ocorram e a inserção de políticas públicas de saúde voltadas às minorias étnicas e raciais seja real, ainda há muito no que se avançar em aspectos de acessibilidade e integralidade na assistência em saúde a esses grupos. Mas, então, como pensar o racismo como determinante social da saúde? Vamos olhar pela representação dessa ideologia O racismo não se restringe apenas à população negra; tem-se debatido o racismo no Brasil também contra povos indígenas, pois acredita-se que essas populações tiveram pouco espaço nos debates raciais no Brasil. Assim sendo, esse conceito nos mostra a soberania de setores considerados ou autoconsiderados racialmente superiores. É perceptível a menor representatividade desses grupos nas escolas, nas faculdades (especialmente em cursos com padrões elitistas) e consequentemente em postos de trabalho mais qualificados. Em relação ao cuidado em saúde, pessoas negras e indígenas sempre estiveram à margem do sistema, e ainda hoje, práticas discriminatórias e segregação racial e étnica são frequentes dentro da assistência à saúde, o que torna extremamente difícil a adesão desse grupo ao tratamento de qualquer que seja o processo de adoecimento. As expressões do racismo, enquanto integrante do processo saúde-doença, nos mostram as iniquidades na assistência ao mesmo tempo em que demarcam as condições de saúde da população. Alguns exemplos de inequidade nos cuidados e assistência Vejamos alguns casos em que o racismo contribui para a vulnerabilidade da população em questões de saúde. A pandemia da covid-19 Essa emergência sanitária acentuou as desigualdades sociais e raciais presentes em nossa sociedade. Visivelmente, a maioria das pessoas negras mora em comunidades periféricas com menores oportunidades de educação e de emprego. Quando empregados, na maioria das vezes, estão desenvolvendo atividades voltadas a serviços braçais, ocupando assim postos precários e, consequentemente, dependendo mais do sistema de saúde. Durante a pandemia da covid-19, grande parte da população negra não teve as mesmas perspectivas que as demais classes sociais ou raciais. A inviabilidade de trabalhar e/ou estudar remotamente, as estruturas sanitárias inadequadas e a impossibilidade de praticar o isolamento social, sob pena de não garantir sua própria subsistência, são fatores que sem dúvida contribuem para a alta taxa de mortalidade por covid-19 em pessoas negras. Mulheres negras frequentemente são profissionalmente trabalhadoras domésticas, e muitas não foram afastadas de suas funções, o que as torna vulneráveis à infecção do coronavírus. Todas essas pontuações devem nos levar a refletir como as questões raciais estão relacionadas diretamente com o processo saúde e doença. Assistência integral de saúde a população indígena Tomando a história como referência, os grupos indígenas sempre tiveram suas próprias práticasde cuidado; porém, com a colonização, esse cuidado passou a ter influência da raça branca, inicialmente de ordens religiosas. A população indígena sempre viveu à margem do sistema de saúde; porém, com a evolução da sociedade, a implantação do SUS e a implementação do Distrito Sanitário Especial Indígena, o DSEI, esse cenário sofreu modificações. Mas ainda há dificuldades de acesso, cobertura e aceitabilidade. Essa dificuldade está relacionada à herança histórica de escravidão do povo indígena e à invisibilidade desse grupo. A própria imposição da cultura branca e europeia trouxe impactos futuros para a representatividade desse grupo em relação ao cuidado em saúde. A tentativa de substituir o saber popular pelo saber científico impactou na aceitabilidade desse grupo às práticas cuidativas empregadas na sociedade moderna. A mulher indígena sofre machismo dentro e fora da comunidade indígena. Mesmo que muitas mulheres já participem de lutas indígenas e atividades de caça e pesca, o cuidado da casa, dos filhos e do marido ainda é de responsabilidade da mulher, e o índice de analfabetismo nesse gênero ainda é alto. Podemos observar, então, os preceitos da feminização do cuidado também muito presentes na população indígena. As mulheres que saem de suas comunidades e vão vivenciar outros cenários, seja em busca de educação ou de espaço no mercado de trabalho, sofrem intensas discriminações, e isso impacta consideravelmente no cuidado em saúde. O Ministério da saúde (2009) afirma que mulheres indígenas são grupos bastante vulneráveis a doenças de âmbito nutricional, pois apresentam carências nutricionais em função das alterações fisiológicas e hormonais que ocorrem ao longo do tempo. Porém, as ações de saúde tanto em âmbito assistencial quanto preventivo voltadas a esse grupo específico ainda são insuficientes. A violência obstétrica O termo refere-se aos abusos obstétricos sofridos por mulheres nos serviços de saúde durante a gravidez, parto e pós-parto. Como já pontuamos, pessoas negras têm mais dificuldade de acesso aos serviços de saúde. Em vista disso, mulheres negras também têm menos acesso ao pré-natal e às informações inerentes à gestação. Curiosidade Evidenciando o racismo e reproduzindo o machismo, mulheres negras são mais frequentemente violentadas; isso nos mostra que os resquícios do sistema escravagista e colonialista reproduziram na sociedade a ideia de que as mulheres negras são mais fortes e tolerantes à dor do que as brancas, ditas frágeis. Nesse sentido, temos a representação das categorias gênero e raça apontando as disparidades no cuidado em saúde. Por fim, ao concluirmos, não podemos esquecer que as articulações entre gênero, raça/etnia e classe social são categorias importantes e expressam a amplitude do campo da saúde. Por meio dessas interseções, podemos construir políticas públicas que contemplem os grupos mais vulneráveis e promovam mudanças no espaço social e nos serviços de saúde. Práticas discriminatórias e segregação racial e étnica na assistência à saúde A especialista Ana Isabella Sousa Almeida aborda práticas discriminatórias e segregação racial e étnica na assistência à saúde. Falta pouco para atingir seus objetivos. Vamos praticar alguns conceitos? Questão 1 Na nossa sociedade, há um sistema histórico e cultural complexo. Os indivíduos são influenciados pelas gerações e são marcados por especificidades de gênero, classe, raça e etnia. Sobre essas categorias e suas interseções com o cuidado em saúde, é CORRETO afirmar que: Parabéns! A alternativa D está correta. Para uma assistência qualificada e que contemple toda a população, devemos prestar um cuidado holístico, ou seja, cuidando do indivíduo como um todo e considerando que os indivíduos são multiculturais, com vivências e costumes diferentes. Questão 2 A a segregação por classes sociais nos mostra que, quanto maior a posição social, maior é a dificuldade de acessar os serviços de saúde. B as características do ser homem e do ser mulher, instituídos pela masculinidade e feminilidade, refletem na longevidade do homem e na maior procura desse gênero pelos serviços de saúde. C as relações de gênero e suas interseções com a saúde são visíveis na área da saúde mental; homens apresentam maiores estressores psicossociais relacionados à desigualdade de gênero que fazem esse grupo adoecer mentalmente. D para a concretização da integralidade da assistência em saúde, devemos considerar a nossa sociedade como multicultural, criando ações que contemplem a diversidade social. E o processo e organização do cuidado e saúde não sofreu influências das hierarquias sociais impostas pelo sistema patriarcal. Podemos observar essa afirmação, por exemplo, no grande número de mulheres em cargo de gerência e gestão dos serviços de saúde. A condições raciais ampliaram o conceito de determinante social da saúde. Hoje, muito se tem trabalhado o racismo como determinante social da saúde. Sobre essa temática, é CORRETO afirmar que: Parabéns! A alternativa A está correta. Mesmo com as grandes tentativas de inclusão dos grupos de minorias étnicas, como negros e índios, nas políticas públicas de saúde, ainda sim esses grupos têm dificuldade em acessar os sistemas de saúde, e ainda há muito no que se avançar, principalmente em questões de integralidade e acessibilidade na assistência à saúde. A grupos de minorias étnicas como negros e índios são invisibilizados e postos às margens do serviço de saúde. B não há necessidades de novas políticas que contemplem visões mais amplas sobre raça e etnia, pois tivemos muitos ganhos nesse campo, principalmente na assistência à saúde. C as práticas de segregação racial têm facilitado a adesão desse grupo aos serviços de saúde e ao processo de recuperação da saúde. D as desigualdades sociais e raciais não influenciam no cuidado em saúde. A pandemia da covid-19 é um exemplo, pois, mesmo com as vulnerabilidades sociais e as desigualdades raciais, todos os indivíduos tiveram as mesmas condições de proteção contra o vírus. E o racismo também se reflete nas práticas assistenciais durante a assistência ao parto e pós- parto. Entretanto, em relação ao pré-natal, mulheres negras têm mais acesso ao serviço e às informações inerentes à gestação. Considerações �nais Como vimos, a feminização do cuidado foi construída histórica e culturalmente. A feminização do cuidado emergiu quando a feminilidade imposta pela sociedade determinou que as funções femininas deveriam estar direcionadas especificamente para o cuidado do lar e dos filhos. É necessário que o debate sobre o machismo e o feminismo seja ampliado para as categorias gênero, raça e etnia. Nesse sentido, observa-se que as mulheres, em geral, procuram mais frequentemente o serviço de saúde. Populações indígenas e negras sofrem com a dificuldade de acesso, aceitabilidade e cobertura do serviço de saúde, o que impacta diretamente os indicadores de saúde. Podcast Agora, a especialista Ana Isabella Sousa Almeida encerra o tema falando sobre a interrelação do cuidado e saúde com as categorias gênero, raça e etnia e seus antecedentes históricos. Explore + Para saber mais sobre os assuntos explorados neste conteúdo: Pesquise e acesse o Glossário de Termos Feministas, disponível no Portal América Media, para entender termos específicos da área. Aprofunde a leitura no artigo Mulheres negras: moldando a teoria feminista e veja como Bell Hooks, uma das mais importantes feministas negras da atualidade, oferece uma visão mais ampla das lutas de mulheres e apresenta as várias nuances do feminismo. Referências ARRUZA, C.; BHATTACHARYA, T.; FRASER, N. Feminismo para os 99%: um manifesto. 1. ed. São Paulo, SP: Boitempo, 2019. BRASIL. Especial: saúde garante mais proteção às mulheres. Brasília, DF: Ministério da Saúde, 2009. CHOR, D.; STERN, A.M.; SANTOS, R.V. 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