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M1ria Do~ Yd~«tn~l~ da Mcg[JI~~s. ~me~ 
Adri1111c MJJI. MDrainJ hf!ii 
EDITORA ATHENEU São Paulo- Ruo Jesuíno Pascoal, 30 
Tels.: (li) 2858-8750 
Fax: {11) 2858-8766 
E-mail: atheneu@atheneu.com.br 
Rio de Janeiro- Rua Bambina, 74 
Te/.: (21) 3094-1295 
Fax: (21) 3094-/284 
E-mail: atheneu@tztheneu.com.br 
Belo Horizonte- Rua Domingos Vieira, 319- Conj. 1.104 
PLANEJAMENTO GRÁFICO/CAPA: Equipe Atheneu 
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) 
(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil) 
Gomes, Maria José Vasconcelos de Magalhães 
Ciências farmacêuticas: uma abordagem em 
farmácia hospitalar/Mana José Vasconcelos de Ma-
galhães Gomes, Adriano Max Moreira Reis. - 1. ed. 
São Paulo: Editora Atheneu, 2011. 
Vários colaboradores. 
1. Farmácia- Pesquisa 2. Farmácia hospitalar 
I. Reis, Adriano Max Moreira. 11. Titulo. 
00-4409 CDD-362.1782 
Indicas para catálogo sistemático: 
1. Farmácia hospitalar: Serviços de saiÍde 362.17~ 
UFF/SDC 
2009 NE 900110 
Item ·k+1 
Firma LACIER 
Tombamento 
Hl-.J;l.f~ 
GOMES, M.J.V.M. e REIS, A.M.M. 
Material Livro 
Pregão 06/08 
Unidade FJ f-f 
Nota Fiscal f/,1.1 
Preço ·t4v,4v 
Ciências Farmacêuticas- uma Abordagem em Fannâcia Hospitalar 
<O Direitos reservados à EDITORA ATHENEU- São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte, 201 I 
http://www.pdfill.com
Colaboradores 
ANA RITA SANTOS MAGGI 
Especialista em Farmácia Hospitalar pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul 
- UFRGS. Especialista em Administração Hospitalar pela Fundação Instituto de 
Saúde e Administração Hospitalar. Farmacêutica do Serviço de Farmácia do Hospital 
das Clínicas da Universidade Federal de Minas Gerais- UFMG 
ANTÔNIO BASÍLIO PEREIRA 
Mestre em Química pelo Departamento de Química do Instituto de Ciências Exatas da 
Universidade Federal de Minas Gerais- UFMG. Professor Adjunto do Departamento 
de Produtos Farmacêuticos da Faculdade de Farmácia da Universidade Federal de 
Minas Gerais- UFMG. Membro da Diretoria da Sociedade Brasileira de Farmácia 
Hospitalar. Presidente da Comissão Coordenadora de Estágio em Farmácia Hospitalar. 
Membro da Comissão Coordenadora de Estágio Supervisionado Complementar de 
Indústria. Coordenador do Programa Internato Rural de Farmácia 
ARMANDO DA SILVA CUNHA JÚNIOR 
Doutor em Ciências Farmacêuticas pela Universidade de Paris XI. Professor Adjunto 
do Departamento de Produtos Farmacêuticos da Faculdade de Farmácia da 
Universidade Federal de Minas Gerais- UFMG 
CARLOS CÉZAR FLORES VIDOTTI 
Mestre em Farmacologia pela Universidade Estadual de Campinas- UNICAMP. 
Farmacêutico do Centro Brasileiro de Informação sobre Medicamentos do Conselho 
Federal de Farmácia 
CÁSSIA RODRIGUES LIMA 
Farmacêutica do Serviço de Farmácia do Hospital das Clínicas da Universidade 
Federal de Minas Gerais- UFMG. Curso de-Farmácia Clínica na Universidade do 
Chile. Secretária da Associação Mineirq de Farmacêuticos, 1998-2000 
http://www.pdfill.com
prontamente. E, principalmente, a Editora Atheneu, que acreditou no nosso 
projeto, fornecendo todo o suporte. 
Aos colegas e a todos que direta ou indiretamente contribuíram para a 
publicação somos imensamente gratos. 
Maria José Vasconcelos de Magalhães Gomes 
Adriano Max Moreira Reis 
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Sumário 
pARTE I - CIÊNCIAS FARMACÊUTICAS 
1 Gênese dos Fármacos, 3 
Maria Auxiliadora Fontes Prado 
Ricardo José Alves 
Thaís Horta Álvares da Silva 
2 Ensaios Fannacológicos Pré-Clínicos, 33 
Márcio de Matos Coelho 
3 Vias de Administração de Formas Farmacêuticas, 43 
Mônica Cristina de Oliveira 
Armando da Silva Cunha Júnior 
Gilson Andrade Ramaldes 
Lucas Antônio Miranda F erre ira 
4 Fannacocinética e Bíodisponibilidade, 67 
Mariza Santos Castro 
5 Fannacoepidemiologia, 85 
Edson Perini 
Francisco Assis Acurcio 
6 Fannacovigilância: Bases Históricas, Conceituais e Operacionais, 109 
Gil Sev"alho 
7 Reações Adversas a Medicamentos, 125 
Sérgia Maria Starling Magalhães 
Wânia da Silva Carvalho 
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8 Interações e Incompatibilidades Medicamentosas, 147 
Sheila Silva Monteiro Lodder Lisboa 
9 Farmacoterapía Baseada em Evidências, 165 
Rosaly Correa Araújo 
1 O Legislação Farmacêutica, 179 
Zildete Pereira de Souza 
11 Farmacoeconomia, 191 
Léa Delba Peixoto Bevilácqua 
12 Análise Farmacêutica, 221 
Antônio Basz1io Pereira 
13 Estabilidade de Medicamentos, 235 
Lisiane da Silveira E v 
14 Controle de Qualidade de Produtos Farmacêuticos, 251 
Elz(ria Aguiar Nunan 
Maria José Vasconcelos de Magalhães Gomes 
Adriano Max Moreira Reis 
Parte li - Assistência Farmacêutica Hospitalar 
15 Farmácia Hospitalar: Histórico, Objetivos e Funções, 275 
Adriano Max Moreira Reis 
Maria José Vasconcelos de Magalhães Gomes 
16 Administração Aplicada à Farmácia Hospitalar, 289 
Adriano Max Moreira Reis 
Maria José Vasconcelos de Magalhães Gomes 
17 Política Nacional de Medicamentos, 301 
Gérson Antônio Pianetti 
18 Centro de Informação sobre Medicamentos e sua Importância para o 
Uso Racional dos Medicamentos, 311 
Carlos Cézar Flores Vidotti 
Emt1ia Vitória Silva 
Rogério Hoejler 
19 Seleção de Medicamentos, 329 
Adriarw Max Moreira Reis 
20 Sistemas de Distribuição de Medicamentos em Farmácia Hospitalar, 347 
Maria das Dores Graciano Silva 
Cássia Rodrigues Silva 
Vera Lúcia Silva Reis 
21 Abastecimento e Gerenciamento de Materiais, 365 
Adriano Max Moreira Reis 
Maria José Vasconcelos de Magalhães Gomes 
Mário Borges· Rosa 
22 Manipulação de Medicamentos Esteréis e Não Esteréis em FH, 387 
Maria José Vasconcelos de Magalhães Gomes 
Eduardo José Magalhães Gomes 
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23 A Farmácia no Controle das Infecções Hospitalares, 407 
Mário Borges Rosa 
Adriano Max Moreira Reis 
Cássia Rodrigues Lima 
24 Terapia Antineoplásica: Quimioterapia, 429 
Maria Helena Guedes 
25 Terapia Nutricional Parenteral, 449 
Maria Rita Novaes 
26 Terapia Nutricional Enteral, 471 
Thelma Regina Alexandre Sales Ferreira 
Adriano Max Moreira Reis 
27 Administração de Medicamentos Através de Cateteres de Nutrição 
Enteral, 493 
Adriano Max Moreira Reis 
Thelma Regina Alexandre Sales Ferreira 
28 Pesquisa Clínica com Medicamentos, 505 
Adriano Max Moreira Reis 
Ana Rita Santos Maggi 
29 Novas Diretrizes para Assistência Farmacêutica Hospitalar: Atenção 
Farmacêutica/Farmácia Clínica, 521 
Stlvia Storpirtis 
Eliane Ribeiro 
Raquel Marcolongo 
Índice Remissivo, 535 
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PARTE 
Ciências 
Farmacêuticas 
http://www.pdfill.com
1 
-···--····-~~------------------------
Gênese dos Fármacos 
Thaís Horta Álvares da Silva 
Ricardo José Alves 
Maria Auxiliadora Fontes Prado 
Saúde, "estado de completo bem-estar físico, mental e social e não apenas 
ausência de desconforto ou doença", é urna necessidade básica do ser humano. 
Para preservar ou restaurar a saúde o homem vem, desde a Antigüidade, fazendo 
uso dos mais variados recursos, entre eles, e principalmente, de drogas e medi-
camentos. Drogas são as matérias-primas de origem vegetal, mineral e animal 
que contêm o princípio ativo, o fárrnaco, e medicamentos são os fá:rmacos em 
formas farmacêuticas. 
Na Antigüidade, embora as práticas terapêuticas estivessem, muitas vezes, 
baseadas no misticismo, com o uso de amuletos, danças, exorcismos etc., grande 
parte do tratamento das doenças envolvia o uso de drogas, principalmente de 
origem vegetal e animal. Desconhecendo, porém, tanto a causa das doenças quanto 
a maneira pela qual as drogas faziam desaparecer seus sintomas, alguns estudio-
sos, entre eles Paracelso (1493-1541), adotaram a "Doutrina da Assinatura", se-
gundo a qual Deus indicara o agente terapêutico para o tratamento de determina-
da doença por meio de um sinal. Desta forma, os talos de hepática, cuja forma é 
semelhante à de um fígado, seriam indicados para o tratamento das doenças 
hepáticas; a flor de verônica que tem o formato de um olho seria útil para o 
tratamento de doenças oculares; as folhas de erva-cidreira, codiformes, combate-
riam os males cardíacos e assim por diante.Em alguns casos, as plantas prescri-
tas como tendo atividade para o tratamento de algumas doenças pela "Doutrina 
da Assinatura" mostraram-se realmente úteis, como, por exemplo, as raízes do 
ruibarbo, que apresentam atividade purgativa, e a semente de café que tem efeito 
estimulantel,2. 
Até o século XIX predominava, amplamente, na terapêutica, o uso de drogas, 
ou seja, os princípios ativos de produtos naturais na forma de preparações bru-
tas. A partir daquele século, com o deseavolvimento das técnicas de isolamento 
de substâncias puras dos produtos naturais, ~obretudo daquelas de separação 
CAPíTULO 1 3 
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cromatográfica, e também dos métodos de elucidação das estruturas químicas, 
foi possível isolar e identificar os princípios ativos dos produtos naturais usados 
na medicina popular. Na Tabela 1.1 são apresentados exemplos de fármacos que 
foram isolados de produtos naturais a partir do início do século XIX. 
Mais recentemente, dois fármacos de origem natural de estruturas complexas 
(Fig. 1.1), o paclitaxel (taxol, antineoplásico, isolado de 7àxus brevifolia) e a arte-
misinina (antimalárico, isolado de Artemisia annua), foram introduzidos na te-
rapêutica, em 1993 e 1987, respectivamente, e representaram inovação no trata-
mento das doenças para as quais são usados, uma vez que apresentam mecanis-
mos de ação diferentes dos fármacos em uso terapêutico3 . 
jt ysHs~ 
HsCs N--y'o 
H OH 
HO 
H5C6 "Y.'O O 
11 o ( 
O CH3 
taxo I 
Flg. 1.1 -Estruturas do taxo/ e da artemisinina. 
A partir do século XX, com o desenvolvimento da síntese orgânica, o arsenal 
terapêutico foi enriquecido intensamente e os fármacos de origem sintética fo-
ram, paulatinamente, substituindo os de origem natural, de tal forma que passa-
ram a predominar amplamente. Dos 252 fármacos considerados essenciais pela 
Organização Mundial de Saúde, em 1985, 123 (48,9%) eram obtidos por síntese 
total, 28 (11,1%) eram de origem vegetal, 24 (9,5%) eram obtidos por semi-sínte-
se (síntese parcial), 23 (9,1 %) eram de origem mineral, 22 (8,7%) eram extraídos 
de órgãos animais, 16 (6,4%) eram de origem microbiana, 11 (4,3%) eram vaci-
nas e cinco (2o/o) tratava-se de soros' . Já em 1991, no mercado farmacêutico mundi-
al, encontravam-se disporúveis 866 fármacos, dos quais 680 (78,5%) eram de ori-
gem sintética e 186 (21 %) eram obtidos por síntese parcial ou extraídos de fontes 
4 CAPITULO 1 
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naturais•. Dos novos fármacos introduzidos na terapêutica nos últimos anos, 
cerca de 80% são de origem sintética 5-8 , o que contribui para aumentar a predo-
minância dos princípios ativos de origem sintética sobre os naturais nos medica-
mentos disponíveis no arsenal terapêutico. 
Entre 1940 e 1985, 1.165 novos fármac()s foram introduzidos no mercado 
farmacêutico dos EUA, e entre 1940 e 1959 o número de fármacos introduzidos, 
anualmente, foi crescendo gradativamente de 14, em 1940, para 65, em 19591.2. 
A partir daí observa-se uma redução vertiginosa do número de novos fármacos 
lançados no mercado farmacêutico norte-americano (nove, em 1969 e 10, em 
1980) e mundial'. Esta queda se deve, em parte, à "tragédia da talidomida", que 
se refere ao nascimento de bebês, filhos de gestantes que usaram talidomida 
durante a gravidez, com focomelia. Só na Alemanha, entre 1959 e 1962, nasce-
ram 8.000 bebês com focomelia, enquanto que entre 1949 e 1952, antes do lan-
çamento da talidomida no mercado farmacêutico, em 1956, foram registrados 
apenas 15 casos de nascimento de bebês sem os membros superiores9. As exi-
gências, em termos de testes farmacológicos e toxicológicos, para a introdução 
de um fármaco novo passaram a ser muito maiores após a "tragédia da talidomi-
da". Hoje em dia a talidomida é o fármaco de escolha para o tratamento da han-
senfase, em todo o mundo, além de fazer parte do coquetel de fármacos anti-
AIDS, que tem apresentado resultados estimulantes no que se refere ao padrão e 
ao aumento do tempo de vida dos indivíduos portadores do vírus da AIDS. Já em 
1994, mesmo reconhecendo o mal que a talidomida causou, previa-se que o fár-
maco responsável pela maior tragédia médica do século XX pudesse ser aprova- . 
do para uso no tratamento da maior catástrofe de saúde do mesmo século, a 
A1DS10. 
A redução do número de novos agentes terapêuticos introduzidos a cada ano 
no mercado farmacêutico deve-se em grande parte ao aumento das exigências de 
testes farmacológicos e toxicológicos, mas também ao fato de o arsenal terapêutico 
estar bem suprido no que se refere a muitas classes farmacológicas. Entre 1976 e 
1990, 269 novas substâncias foram aprovadas pelo FDA para serem usadas na 
terapêutica. Destas, em relação aos fármacos disponíveis naquele momento, 131 
(49%) não tinham nenhuma vantagem, 94 (35%) eram ligeiramente superiores, 41 
(15%) tinham vantagem considerável e três (1%) foram de grande importância". 
Entre 1990 e 1998, a cada ano foram introduzidos entre 38 e 52 novos agentes 
terapêuticos no mercado farmacêutico mundial'2 . Os novos fármacos introduzi-
dos na terapêutica em maior número nesta década foram os antiinfecciosos (an-
tibacterianos, antifúngicos, antivirais). os antineoplásicos e aqueles usados para 
o tratamento das doenças cardíacas e do sistema nervoso central'2• 
Dos fármacos introduzidos no arsenal terapêutico entre 1961 e 1985, em 
torno de 1.880, cerca de 25% foram desenvolvidos nos EUA'. Outros países se 
destacaram no desenvolvimento de fármacos novos neste período, como a Fran-
ça, a Alemanha Ocidental e o Japão, que participaram com cerca de 10% cada'. 
Já no início da década de 80, observa-se um crescimento do número de fárma-
cos desenvolvidos no Japão e, em alguns anos, este se sobrepôs aos EUA'. Na 
primeira metade da década de 90, o crescimento do Japão no que se refere ao 
desenvolvimento de novos fármacos se consolida e, posteriormente, os EUA 
voltam a dominar6 •12-15, conforme se verifica pelos dados apresentados na Ta-
bela 1.2. 
Como se pode observar, os países que mais contribuem par·a o desenvolvi-
mento de novos fármacos são os mais desenvolvidos. Isto se justifica pelo fato de 
o processo de desenvolvimento de novos fármacos ser complexo, longo e caro11 . 
Estima-se que para o desenvolvimento de um fármaco novo, em média, gastem-
se de 2,7 a 6,4 anos e cerca deUS$ 114 milhões". 
C APÍTULO 1 5 
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PROCESSOS DE DESCOBERTA E DE PLANEJAMENTO DE NOVOS 
FÁRMACOS 
Os novos fárrnacos foram e são descobertos ou planejados por um ou mais 
dos seguintes processos ou estratégias: ao acaso, triagem empírica, extração de 
fontes naturais, modificação molecular e planejamento racional. 
DESCOBERTA DE F ÁRMACOS AO ACASO 
Encontram-se vários exemplos de substâncias para as quais as atividades far-
macológicas foram descobertas ao acaso, embora se deva considerar que estas 
descobertas só foram possíveis pelo fato de alguém não ter deixado passar des-
percebida uma observação importante. 
A atividade antipirética da acetanilida foi descoberta quando a mesma foi 
administrada erroneamente a um paciente que deveria ter usado o naftaleno, a 
ação antidepressiva da iproniazida foi descoberta quando esta substância estava 
sendo testada como tuberculostático e descobriu-se a atividade anti-helmfntica 
da piperazina em testes clínicos para o tratamento da gota. Um dos exemplos 
mais importantes de descoberta de fárrnacos ao acaso refere-se à da benzilpenici-
lína, por Alexander Fleming, em 1929, durante o desenvolvimento de trabalhos 
de microbiologia. Outros dois exemplos importantes são as descobertas da utili-
dade terapêutica da talídomida no tratamento da hansenfase9•10 e a ação tranqüi-
lizante do librium. Em 1965, constatou-se a regressão do processo inflamatório 
associado à hanseníase em pacientes que tinham usado talidornida como sedati-
vo no início da década de 1960, antes que esse fármaco fosse retirado do merca-
do farmacêutico devido ao efeito teratogênico9• A talidomida passou a ser o fár-
maco deescolha para o tratamento da hanseníase em todo o mundo, inclusive 
nos EUA9•10• Já a descoberta do librium, que serviu de protótipo para o desenvol-
vimento de todos os outros benzodiazepfnicos que se encontram disponíveis no 
arsenal terapêutico como tranqüilizantes, ocorreu no âmbito de um programa de 
síntese de substâncias da classe química das benzeptodiazinas desenvolvido pela 
Roche. Nenhum dos produtos obtidos conforme o planejado apresentou a ativi-
6 CAPITULO 1 
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o 
ÕY-"A 6 ,v H 1\ "' I H-N N-H \._/ 
a.oo1anilida lproníazlda piparazina 
o 
o=Q-N~ 
H o O 
benzílpenlcílina talidomida librium 
Flg. 1.2 Fármacos descobertos ao acaso. 
dade tranqüilizante. No entanto, uma das substâncias obtidas de forma inespera-
da, de acordo com o plano de síntese, o librium, apresentou a atividade desejada. 
Na Fig. 1.2 encontram-se as estruturas de alguns fármacos descobertos ao acaso. 
DESCOBERTA DE F .Á.RMACOS POR TRIAGEM EMPÍRICA 
O processo de triagem empírica consiste em se submeter as substâncias dis-
poníveis a diversos bioensaios, aleatoriamente, sem nenhuma base científica. 
Antes de 1935, quando ocorreu a descoberta da atividade antibacteriana da sul-
fanilamida, esta era a única estratégia utilizada para se encontrar substâncias de 
utilidade terapêutica. Entre 1940 e 1950, sobretudo na época da Segunda Guerra 
Mundial, a triagem empírica de amostras de solo desenvolvida por várias indús-
trias farmacêuticas resultou na descoberta de dois importantes antibióticos, a 
estreptomicina e a tetraciclina (Fig. 1.3). No início da década de 70, o Instituto 
Nacional do Câncer e o Congresso dos EUA declararam "guerra ao câncer", esta-
belecendo que deveria ser feita uma triagem empírica para a descoberta de no-
vos agentes anticancerígenos. Atualmente, esta estratégia de descoberta de novos 
fármacos tem sido pouco usada, tendo em vista que os resultados não são satisfa-
tórios, principalmente quando comparada a estratégias que têm base mais racio-
nal e são menos empíricas. 
estreptomicina tetraciclina 
Fig. 1.3 Fármacos descobertos por triagem empírica, 
CAPiTULO l 7 
http://www.pdfill.com
EXTRAÇÃo DE FoNTES NATURAis 
Muitos fánnacos que se encontram em uso clínico foram extraídos de fontes 
naturais e a descoberta destes princípios ativos se deve, em muitos casos, ao uso de 
drogas em medicina popular. Na Tabela 1.1 encontram-se alguns exemplos de fár-
macos obtidos a partir de produtos naturais. Inúmeros outros podem ser citados, 
entre eles, o taxo!, a artemisinina, os antibióticos (benzilpenicilina, estreptomicina, 
eritromicina, vancomicina etc.), os hormônios, os glicosídeos cardíacos etc. 
EsTRATÉGIA DA MoDIFICAÇÃo MoLECuLAR 
O método da modificação molecular é, no momento, o que mais contribui para 
a introdução de novos fánnacos na terapêutica. Este método consiste na modifica-
ção estrutural de uma substância com determinada atividade farmacológica, de-
nominada protótipo, visando obter fãrmacos com vantagens sobre o protótipo. 
A modificação molecular para obtenção de novos fármacos tem como princí-
pio o conhecimento de que a atividade farmacológica é o resultado de ligações 
químicas (covalente, íon-íon, íon-dipolo, dipolo-dipolo, Van der Walls, hidrofó-
bicas) entre as micromoléculas, os fármacos, e macromoléculas biológicas, os 
receptores, e de que a força e o número de ligações dependem dos grupos funcio-
nais presentes na molécula do fármaco e do arranjo espacial destes grupos, ou 
seja da estereoquímica. Evidentemente, as modificações dos grupos funcionais 
ou da estereoquímica de uma substância_acarretam mudanças nas ligações fãr-
maco-receptor e, conseqüentemente, na atividade. É preciso também considerar 
que as propriedades farmacocinéticas (absorção, transporte, metabolismo e ex-
creção) são dependentes das características físico-químicas da molécula, portan-
to da estrutura química. Assim, modificando-se as estruturas químicas mudam-
se também as propriedades farmacocinéticas. 
Desta forma, por meio de modificações moleculares, buscam-se princípios 
ativos mais potentes, com menos efeitos colaterais, com maior especificidade e 
com melhores propriedades farmacocinéticas e organolépticas. Além disso, ten-
do-se uma série de substâncias estruturalmente relacionadas, é possível estabe-
lecer a relação entre estrutura química e atividade biológica (REA), definir o 
grupo farmacofórico, ou seja, a estrutura mínima essencial para a manutenção 
da atividade e propor a estrutura dos receptores. O conhecimento da REA, do 
grupo farmacofórico e do receptor possibilita o planejamento de fármacos de 
uma forma mais racional, com maior embasamento cientifico. 
Vários processos gerais de modificação molecular são empregados e serão 
apresentados a seguir, juntamente com exemplos de sua aplicação. 
Simplificação Molecular 
Consiste na síntese de substâncias com estruturas mais simples do que a do 
protótipo. Em geral, o protótipo trata-se de um produto natural de estrutura com-
plexa, muitas vezes difícil de ser obtido puro, seja devido à pequena quantidade 
existente, seja pela dificuldade de isolamento e purificação. Encontram-se vários 
exemplos de fãrmacos cuja estrutura química foi planejada com base na simpli-
ficação molecular de uma substância de origem natural, entre eles, vários blo-
queadores neuromusculares, usados como relaxantes musculares durante os pro-
cessos cirúrgicos, como o decametônio e o atracúrio, obtidos por simplificação 
molecular da tubocurarina; hipnoanalgésicos, como a metadona e a meperídina, 
cujo protótipo foi a morfina; anestésicos, como a procafna e a benzocaína, obti-
dos por simplificação da cocaína (Fig. 1.4). 
8 CAPíTULO 1 
http://www.pdfill.com
1'(-CH, 
HkO =~OH 
H O 
H,C' 
OCH, 
tuboourarlna 
morfina 
cocafna 
9"' 
H,C,w~'fCHa 
H,c- 1 CH, 
CH3 
deca.m~;tOnio 
~N-CH, 
Et 
metadona meperidina 
procafna benzocaína 
Fig. 1.4 Fármacos obtidos por simplificação molecular de protótipos de origem natural. 
Introdução de Grupos Volumosos 
Este processo de modificação molecular consiste em se obter análogos de 
protótipos nos quais grupos menores são substituídos por grupos maiores. De 
uma forma geral, quando há substituição de um grupo pequeno na molécula de 
um agonista por um grupo volumoso obtém-se uma substância com atividade 
antagonista. Alguns agentes antimuscarínicos, como a propantelina. usados na 
terapêutica como antiespasmódicos, foram obtidos por substituição do grupo 
metila da acetilcolina, o neurotransmissor dos neurônios colinérgicos, por um 
grupo volumoso. Outro exemplo são as penicilinas resistentes à inativação pelas 
13-lactamases bacterianas, como a naficilina, que foram obtidas por substituição 
do grupo benzila do protótipo benzilpenicilina, que é inativada pelas 13-lactama-
ses, por um grupo volumoso (Fig. 1.5). 
Alteração do ~stado Eletrônico 
Modificações moleculares que promovem alteração do estado eletrônico são 
largamente utilizadas, uma vez que as ligações fármaco-macromoléculas biológi-
cas dependem essencialmente do estado eletrônico da micromolécula. 
O estado eletrônico de uma molécula é função dos efeitos indutivo e de resso-
nância exercidos pelos grupos funcionais pres~ntes. Determinados grupos fundo-
CAPITULO 1 9 
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acetilcolina 
H H H S CH3 
1 1 1 ~o'-l_ 
Nn_j~CH3 
OEtO COOH 
benzilpenicilina naficilina 
Fig. 1.5- Fármacos obtidos por introdução de grupos volumosos. 
nais são doadores de elétrons por efeito indutivo (grupos alquila) e outros são retira-
dores de elétrons (OH, NH2, NHR. halogênios etc.). Por outro lado, existem grupos 
funcionais doadores de elétrons por ressonância (OH, NH2, NHR, SR) e grupos reti-
radores (RC=O, C=OOR, HC=O, CN, N02). A maior ou menor densidade de elé-
trons em um determinado ponto de uma molécula é, portanto, o resultado da combi-
nação dos efeitos eletrônicos dos grupos funcionais ligados àquele centro. 
Existem vários fãrmacos que se encontram em uso terapêutico, cujo planeja-
mentoenvolveu substituição de grupos em um protótipo levando à alteração do 
estado eletrônico. Um destes fârmacos é o carbacol, um colinérgico direto usado 
no tratamento de alguns tipos de glaucoma que apresenta tempo de ação superior 
ao do protótipo, a acetilcolina, que não é utilizada como fármaco devido à sua 
ação fugaz, em função das hidrólises enzimática, catalisada pela acetilcolineste-
rase, e química que são rápidas. Tanto a hidrólise enzimática quanto a química 
da acetilcolina se iniciam por meio de um ataque nucleofflico no carbono carbo-
nílico; considera-se que a hidrólise é rápida pelo fato de haver densidade de 
carga positiva no carbono carbmúlico suficientemente grande para que o ataque 
nucleofílíco seja rápido. A substituição do grupo rnetila, doador de elétrons por 
efeito indutivo, pelo grupo amino, doador de elétrons por efeito de ressonância, 
levou à diminuição da densidade de carga positiva no carbono carbonílico do 
carbacol em relação ao da acetilcolina (Fig. 1.6) e essa modificação eletrônica 
conferiu ao carbacol maior estabilidade química e enzimática. 
As mostardas nitrogenadas aromáticas, amplamente utilizadas na terapêutica 
corno antineoplásicos por via oral, como clorambucil, foram planejadas com base 
na modificação do estado eletrônico do protótipo rnecloretamina (Fig. 1.7), que é 
muito tóxica e instável em meio aquoso. Devido 1à toxicidade e instabilidade, a 
rnecloretamina só é usada por via endovenosa e sob acompanhamento hospitalar. 
O mecanismo de ação das mostardas nitrogenadas envolve formação do íon 
aziridínio que promove a alquilação do ADN, impedindo, desta forma, a replica-
ção celular. No entanto, o mesmo fon aziridfnio é o responsável pelos efeitos 
tóxicos, uma vez que não há seletividade para alquilação do ADN das células 
cancerosas, e pela instabilidade em meio aquoso. Na 1.8 estão representados 
os mecanismos de ação e de inativação das mostardas em meio aquoso. 
10 CAPITULO 1 
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--
acetilcolina 
--
Flg. 1.6- Estruturas de ressonáncía da aoetiloo/ina e do oarbacol. 
CI 
-o- ~ HOOC(CH2h N~ 
CI 
mecloretamina clorambucil 
Fig. 1.7- Mostardas nitrogenadas. 
C,cl 
ri 
R-N:_j 
~ ~ Cl 
CI 
ADN r 
R-N: 
~ 
CI 
OH 
~ 
R-N: 
~ 
CI 
Fig.1.B- Mecanismo de ação e de inativação das mostardas nitrogenadas. 
CAPÍTULO 1 11 
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-
CI 
O=~ e N<t> ~ 
CI 
Fig. 1.9 -Estruturas de ressonância do clorambucil. 
A alta toxicidade da mecloretamina e sua rápida inativação em meio aquoso 
se devem ao efeito doador de elétrons do grupo metila, que aumenta a disponibi-
lidade de elétrons no átomo de nitrogênio e, conseqüentemente, a velocidade de 
formação do íon aziridínio. Com o intuito de dimínuir a densidade de elétrons 
no átomo de nitrogênio e, conseqüentemente, a velocidade de formação do íon 
aziridínio, a toxicidade e a instabilidade, foram sintetizadas as mostardas aromá-
ticas, em que o grupo metila doador de elétrons foi substituído por um anel 
aromático, retirador de elétrons por ressonância (Fig 1.9). As mostardas aromáti-
cas são menos tóxicas do que a mecloretamina e apresentam estabilidade sufici-
ente para serem administradas por via oral. 
Alteração da Estereoquúnica 
Levando-se em conta que as macrom<:fléculas biológicas são quirais não é 
surpresa que, freqüentemente, se observem diferenças nas propriedades farma-
codinâmícas, farmacocinéticas e toxicológicas dos estereoisômeros de fármacos. 
Assim, modificando-se a estereoquímica é possível obter fármacos mais poten-
tes, com menos efeitos colaterais, com melhores propriedades farmacocinéticas 
e com diferentes utilidades terapêuticas. 
Alguns exemplos de fármacos em que a diferença na estereoquímica acarreta 
diversidade nas propriedades farmacológicas podem ser citados, a título de ilus-
tração: o diastereoisômero (28, 3R)-( + )-dextropropoxifeno apresenta atividade 
analgésica e o seu enantiômero H-levopropoxifeno é usado como antitussígeno; o 
enantiômero dextrorrotatório do tetramízol causa náuseas, enquanto que o leva-
misol, o isômero levorrotatório, é desprovido deste efeito colateral; o isômero E do 
dietiletilbestrol apresenta atividade estrogênica 14 vezes maior do que o isômero 
Z; apenas os enantiômeros (S)-(-) dos antiinflamatórios não esteroidais pertencen-
tes à classe do ãcidos arilpropanóicos, como o naproxeno e o ibuprofeno, inibem a 
cicloxigenase, enzimíJ. envolvida na biossíntese de prostaglandinas, e apresentam 
atividade antiinflamatória16• Com relação aos antiinflamatórios arilpropanóicos, 
embora apenas um dos isômeros apresente atividade antiinflamatória, os medica-
mentos contêm misturas racêmicas, exceto no caso do naproxeno. Em 1994, um 
outro antiinflamatório da classe dos ácidos arilpropanóicos foi introduzido na te-
rapêutica na forma do enantiômero ativo puro, o (R)-(+ )-ibuprofeno8; o isômero 
(S)-(-), além de ser inativo como antiinflamatório é hepatotóxico. 
Atualmente, a estereoquímica dos fármacos tem sido alvo de muitos traba-
lhos científicos e de grandes investimentos da indústria farmacêutica. Assim, a 
grande maioria dos fármacos quirais introduzidos na terapêutica, nos últimos 
anos, o foi na forma enantiomericantente pura16• Além disso, a maior parte dos 
fármacos mais vendidos no mundo, atualmente, apresenta um ou mais centros 
quirais e a maioria deles é comercializada na forma do isômero ativo puro16 • No 
entanto, das substâncias quirais atualmente em uso terapêutico (25%), cerca de 
80% ainda são usados como misturas racêmícas16• 
12 CAPITULO 1 
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dextropropoxifeno levopropoK!Ieno 
C H, 
~COOH 
lavamlsot E-dietfiestilbestrol S(~)-naproxeoo (A)·{+)~ibuprofeno 
Fig. 1.10- Fármacos que apresentam isomerla configuraclonal. 
Modificações que Impedem a Iuativação no Trato Gastriutestiual 
Muitos fármacos são inativados no meio estomacal, que apresenta pH forte-
mente ácido, acarretando deficiência na absorção da forma ativa com conse-
qüente diminuição da biodispouibilidade e, às vezes, efeitos colaterais devidos à 
ação deletéria do rnetabólíto formado. Quando se conhece a estrutura do produ-
to, o mecanismo da reação de inativação e o grupo farmacofórico é possível pro-
por modificações na estrutura do protótipo com a finalidade de se evitar a inati-
vação. A benzilpeuicilina, a eritrornicina e a tetraciclina são antibióticos que são 
inativados no trato gastrintestinal e que tiveram suas estruturas químicas modi-
ficadas com o objetivo de evitar a inativação. Assim, foram obtidos derivados 
semi-sintéticos resistentes à inativação em meio ácido: a arnoxicilina e outras 
peniclinas, a claritromicina e outros derivados semi-sintéticos da eritrornicina e 
as desoxitetraciclínas, corno a doxiciclina. 
eritromlclna claritromicina 
tetraclclina doxiciclina 
o ;=\_ 11 H H CH3 
~CH2-C-NH~S'-l_ 
,)--~__\'CH, 
O .. COOH 
benz.ilpenlcílina amoll.lcllinà 
Flg. 1.11 -Protótipos sensfveís e derivados semi-sintéticos resistentes à ínativação no trato gastrín-
testinal. 
CAPÍTULO 1 13 
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Bioisosterismo: Equivalência Biológica entre Grupos17 
O conceito de bioisosteria foi introduzido por Friedman, em 1951. São consi-
derados biosósteros grupos ou fragmentos estruturais diferentes quimicamente, 
mas equivalentes biologicamente (bioequivalentes) e, portanto, substituiveis na 
molécula de um fármaco, sem perda de sua atividade. Como os fármacos exer-
cem suas ações biológicas como resultado de suas interações com determinadas 
estruturas celulares (receptores), é evidente que para que os compostos sejam 
bioequivalentes será preciso que exista entre eles uma relação de analogia entre 
as propriedades estéricas, polares, químicas e físicas, responsáveis, mesmo que 
com participação diferente, por tais interações. Por esta razão, o conceito de bioi-
sosteria inclui aquelas moléculas que possuem o mesmo tipo de atividade bioló-
gica, mesmo que antagônica, como conseqüência de suas propriedades estéricas, 
polares, químicas ou físicas, que são asque condicionam a manifestação da ação. 
A bioequivalência total é praticamente impossível. Qualquer modificação estru-
tural em uma molécula, por pequena que seja, irá alterar uma de suas proprieda-
des, o que poderá ou não levar a um benefício de suas propriedades, sem acarre-
tar perda da atividade. 
O conceito de isosterísmo teve origem em observações prévias em diversos 
setores da química. Inicialmente o termo isóstero serviu para denominar molé-
culas com número idêntico de elétrons e que possuíam propriedades físico-quí-
micas muito parecidas como o nitrogênio (N2) e o monóxido de carbono (CO). Os 
bioisósteros clássicos são considerados aqueles compostos em que há substitui-
ção por grupos com mesmo número de e1étrons na sua camada periférica e que 
são bioequivalentes, ou seja, têm o mesmo tipo de atividade. Os grupos químicos 
mostrados a seguir (Fig. 1.12) podem ser considerados substituintes bioisostéri-
cos clássicos. 
tes Monovafen 
-F -OH ...:NH 2 
-CI -SH -pH 2 
-Br -SeH AsH 2 
_, 
Bivafentes 
CHa -o-
-s-
-Se-
-Te-
Flg. 1.12 - Substituintes isostéricos clássicos. 
Trivafentes Te trava/entes 
-N= -C-
-P= =Si= 
-As= =N+= 
São exemplos de bioisósteros clássicos os compostos mostrados na Fig. 1.13 
que possuem atividade anti-histamínica, dos quais o derivado amínico é ligeira-
mente mais eficaz. 
Fig. 1.13- Bioisósteros clássicos: anti-histamínicos. 
14 CAPÍTULO 1 
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Nos bioisósteros não clássicos ocorre a substituição por grupos de coÍlfigura-
ção estérica e eletrônica semelhantes, mas que não são isoeletrônicos, tais como 
H e F, -CO- e- SOz-, -802NH2 e PO(OH)NH2 • A metadona (Fig. 1.14, X=CO) 
e a sulfona análoga (Fig. 1.14, X=S02} são analgésicos narcóticos; entretanto, a 
atividade da metadona é ligeiramente superior. 
X= CO metadona 
X=S02 
Flg. 1.14- Bioisósteros não clássicos: analgésicos narcóticos. 
O ácido p-aminobenzóico (PABA) é um metabólito essencial na síntese de 
derivados de ácido fólico em bactérias. A sulfanilamida é antagonista do PABA e, 
portanto, esses dois compostos são considerados bioisósteros não clássicos (Fig. 
1.15). Os grupos- COOH do PABA e- SO,NH2 da sulfanilamida são semelhan-
tes estética e eletrônicamente, não obstante os seu número de elétrons da última 
camada (Fig. 1.15). A sulfanilamida e o PABA são considerados bioisósteros não 
clássicos. 
NH, NH, 
9 9 
O ç,.C, OH O~'NH, 
o 
PABA sulfanilamida 
Fig. 1.15 - Bioisósteros não clássicos. 
Latenciação de Fármacos18 
Substâncias farmacologicamente ativas nmitas vezes apresentam uma série 
de problemas, tais como instabilidade, solubilidade, baixa absorção, distribui-
ção incorreta, metabolismo pré-sistêmico, pequena meia-vida biológica, caracte-
res organolépticos desagradáveis (Fig. 1.16). Alguns destes problemas podem ser 
ultrapassados pela formulação farmacêutica, como, por exemplo, por meio do 
uso de medicamentos de liberação controlada. Mas nem todos eles podem ser 
resolvidos sem uma alteração química na molécula do fármaco. A modificação 
de um composto biologicamente ativo de forma que o novo derivado, por um 
ataque enzimático ou por reação química, in vivo, regenere o composto de ori-
gem, há muito tem sido usada para melhorar as propriedades farmacêuticas e 
farmacocinéticas dos fármacos. Este processo á denominado latenciação de fár-
macos e as formas latentes obtidas são denominadas pró-fármacos (Fig. 1.17). 
São denominados bioprecursores as substâncias inativas, que in vivo sofrem de-
terminado processo enzimático, que não é o processo inverso de sua obtenção, 
dando origem a uma substância ativa. 
CAPÍTULO 1 15 
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Insolúvel em água· 
não é absorvido 
não pode ser injetado 
Metabolismo 
pré·sistêmico 
Fig. 1.16 -Problemas apresentados por fármacos que podem ser ultrapassados por meio de laten-
ciaçáo de tármac08. 
IFÁRMACOI+ UNIDADE DE TRANSPORTE 
TEMPORÁRIA 
síntese química • 
regeneração In vivo 
Fig.1.17 Princípio da latenciaçáo de fármacos. 
FÁRMACO.UNIDADE DE 
TRANSPORTE TEMPORÁRIA 
'PRó-FÁRMACO' 
Inicialmente, o termo pró-fármaco foi introduzido por Albert, em 1958, para 
descrever qualquer composto que necessite de biotransformação para exercer 
seus efeitos farmacológicos. Deste modo, a posteriori, o ácido acetilsalicíllco foi 
considerado um pró-farmaco do ácido salicílico e o prontosil, um pró-fármaco 
da sulfanilamida (Fig. 1.18). No processo de latenciação de um fármaco é impor-
tante saber se existem na molécula do protótipo grupos funcionais suscetíveis de 
introdução de unidades de transporte. Os grupos mais utilizados, mas não úni-
cos, sao hidroxila, tiol, carbonila, carboxila e amino. Deve-se ainda selecionar o 
grupo que irá funcionar como unidade de transporte, tendo em vista o objetivo 
perseguido e as possibilidades de regeneração. A unidade de transporte deve ser 
atóxica. A natureza química da unidade de transporte influenciará na velocidade 
de liberação do fármaco. 
prontosil 
Flg. 1.18 - Pró-fármacos: ácido acetilsalicílico e prontosíl. 
Pró-fármacos e Bioprecursores para Diminuir a Toxicidade ou os 
Efeitos Colaterais 
O taxol, um agente antitumoral usado no tratamento do câncer ovariano, pos-
suí baixa hidrossolubilidade e é administrado por via parenteral em uma mistu-
ra de óleo de rícino e etanol19• Esta preparação acarreta fortes reações de hiper-
sensibilidade, sendo necessários a pré-medicação e o monitoramento do pacien-
te durante a administração, o que causa incômodo19• O acetato de 2-metilpiridi-
niotaxol é mais solúvel em água e a sua solução aquosa é estável à temperatura 
16 CAPfTUlO l 
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ambiente19• É convertido em taxo! em 10 minutos, quando incubado com plasma 
humano a 37°Ct9 (Fig. 1.19). 
In"""" --
Flg. 1.19- Bloatívação do acetato de 2-metí/piridínlotaxo/, pró-fármaco do taxo/. 
A triacetina é um agente fungicida de uso tópico que deve a sua ação ao ácido 
acético liberado pela hidrólise lenta que ocorre na pele (Fig. 1.20). Entretanto, 
ela não causa a irritação que o ácido acético causaria. 
Fig. 1.20 Bloatívação da triacetína, pró-fármaco do ácido acétíco. 
Os agentes antiinflamatórios não esteroidaís produzem, com grande frequên-
cia irritações gastrintestinais. O análogo aldeídico da indometacina é um biopre-
cursor que é menos irritante ao trato gastrintestinal por não ter as propriedades 
ácidas da indometacina. No plasma ele é biotransformado, por meio de oxidação 
metabólica, na indometacina (Fig. 1.21). 
indometacina 
Fig. 1.21 Oxidação metabólica do derivado aldeídíco da índometacina, bloprecursor da índometa-
cina. 
Pr6-fármacos para Melhorar a Biodisponibilidade Orcil 
Um fármaco pode ser pouco absorvido por via oral ou por ter dificuldades em 
atravessar as barreiras lipídicas devido a sua baixa lipofilicidade ou por ter difi-
culdade em se dispersar no meio devido a uma baixa solubilidade em água. 
CAPfTidlO 1 17 
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A fluorouracila, agente antitumoral, possui uma baixa biodisponibilidade 
oral. O seu derivado carbamato, devido à sua maior lipofilicidade, é mais 
rapidamente absorvido por via oral, e o fármaco ativo é liberado no plasma 
(Fig. 1.22). 
in vivo 
Fig. 1.22 Bioativação do carbamato do f/uorouraci/, pró-fármaco do f/uorouracl/a. 
A ampicilina é uma penicilina relativamente estável em meio ácido mas é 
pobremente absorvida por via oral (30% a 40%). Ésteres alquílicos e arílicos de 
ampicilina foram sintetizados com o objetivo de tentar melhorar a sua absor-
ção por via oral. Entretanto, como hidrolisam-se muito lentamente no organis-
mo humano, não possuem atividade. Foram entãó desenvolvidos ésteres acilo-
ximetílicos da ampicilina mais lábeis à hidrólise. Por exemplo, a bacampicilina 
possui lipossolubilidade adequada para uma melhor absorção oral (100%) e 
labilidade enzimática suficiente para alcançar níveis elevados de ampicilina 
no plasma. Ela é hidrolisada por esterases do plasma levando a um hemiacetal 
lábil no pH fisiológico, que se decompõe em ampicilinae acetaldeído (Fig. 
1.23). 
bacampicilina 
esterase 
H
2
0 
dr
NH2 ~ H 
)=t~s'···,. 
O O OH 
instável 
0 
Y 
~H20 
CH
3 
ampicilina 
Fig. 1.23 - Bioatívação da bacampicílina. pró-fármaco da ampicilina. 
Os análogos estruturais dos nucleosídeos de purina e pirimidina são compos-
tos muito polares e muito pouco lipofílicos. São empregados na quimioterapia 
do câncer e como agentes antivirais. O fanciclovir, devido à sua maior lipossolu-
blidade, é um pró-farmaco com melhor biodisponibilídade oral do que o seu 
protótipo penciclovir, agente antiviral usado no tratamento de infecções por her-
pesvírus (Fig. 1.24). 
18 CAPÍTULO 1 
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j,~? (OH 
H~ N ~-
OH 
fanciclovir penciclovir 
Fig. 1.24 Bioatívação do fano/clovír, pr6-fármaco do penoiclovir. 
Pró-fármacos para Aumentar a Duração de Ação 
A penicilina G possui meia-vida muito curta, necessitando de doses muito 
constantes para manter um nivel plasmático adequado do antibiótico. Os sais de 
penicilinas com a:rninas de alto peso molecular, como a benzilpenicilina benza· 
tina, são muito lipossolúveis e, quando administrados por via intramuscular, 
formam depósitos. Estes sais são absorvidos lentamente dos depósitos para a 
corrente sangüínea e regeneram a penicilina no plasma (Fig. 1.25). 
benzilpenicilina benzatina 
Fig. 1.25 - Pró-fármaco: benzi/penicilina benzatlna. 
Pró-fármacos para Auxiliar a Farmacotécníca 
Alguns pró-fármacos são preparados para minimizar odor e gosto desagradá-
veis. O cloranfenicol possui gosto amargo, enquanto que o seu éster palmitato 
(Fig. 1.26) é insípido e, in vivo, é hidrolisado, liberando o fármaco ativo. 
Q in vivo -
HOqH 
HÇNHCOCHCb 
CH20CO(CH2)14CHa 
palmitato de cloranfenicol 
Q 
HOqH 
HÇNHCOCHCl2 
CH20H . 
cloranfenicol 
Fig. 1.26 Bíoatlvação do pa/mítato de c/oranfenico/, pr[rfármaco do c/oranfenicol. 
CAPÍTULO 1 l 9 
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PLANEJAMENTO RACIONAL DE F ÁRMACOS 
A descoberta da maioria dos fánnacos do arsenal terapêutico foi feita utili-
zando-se os métodos de desenvolvimento descritos no início deste capítulo. O 
advento do planejamento racional vem mudando a maneira pela qual os novos 
fármacos são descobertos. O planejamento racional de fármacos consiste em se 
utilizar os conhecimentos a respeito dos processos fisiológicos e bioquímicas 
relacionados a uma determinada enfermidade, qualquer que seja sua natureza, 
com o objetivo de se desenvolver um fánnaco para tratá-la. Assim, em vez de se 
testar compostos de maneira aleatória, o planejamento racional implica uma in-
vestigação das características fundamentais da enfermidade, entre as quais são 
de importância os sistemas enzimáticos possivelmente envolvidos. Se, por exem-
plo, for demonstrado que a inibição de uma determinada enzima bloqueia o 
desenvolvimento da doença, podendo levar à cura, então, um estudo detalhado 
da enzima é feito, no que diz respeito à sua estrutura, mecanismo de ação e 
especificidade. Esse estudo inclui, sempre que possível, a determinação da es-
trutura da enzima por cristalografia de raios X, inclusive na presença de algum 
inibidor. Esses dados permitem aos pesquisadores observar com detalhes a es-
trutura do sítio ativo da enzima e o modo de interação desta com o inibidor. Com 
essas informações é possível desenvolver racionalmente inibidores potentes e 
altamente seletivos para aquela enzima, utilizando-se as técnica da modelagem 
molecular e da relação estrutura química-atividade biológica quantitativa {QSAR, 
do inglês quantitativa structure-activity ]'elationship). Resumidamente, a mode-
lagem molecular, como diz o nome, consiste em se estabelecer, normalmente, 
com o aUX11io da informática, um modelo de interação enzima-substrato ou enzi-
ma-inibidor, com base nos dados de cristalografia acima citados. A partir desse 
modelo, é possível planejar inibidores mais efetivos, por meio de modificação 
molecular, explorando os sítios da enzima que possam interagir favoravelmente 
com determinada substância. A diferença em relação ao processo clássico de 
modificação molecular, neste caso, é que as modificações serão orientadas obje-
tivamente e não de maneira aleatória, como dito anteriormente. 
O estudo de QSAR contribui para se otimizar a estrutura de um determinado 
fánnaco. Utilizando-se equações matemáticas consegue-se selecionar os grupos 
químicos que conferem as melhores características estruturais para o fármaco, 
incluindo-se aí os parâmetros eletrônicos e estéricos. 
Quando não se dispõe de dados cristalográficos referentes a uma determina-
da enzima, ainda assim é possível obter informações, de maneira indireta, ares-
peito do sítio ativo desta, já que pelo menos o mecanismo geral de ação das 
enzimas, bem como seus substratos naturais, é conhecido há tempos. Isso é con-
seguido fazendo-se modificações moleculares em uma determinada substância 
que tenha afinidade pela enzima, e observando-se a influência das modificações 
na atividade enzimática. Com essas informações é possível elaborar um modelo 
hipotético do sítio ativo da enzima. A partir daí, o processo de desenvolvimento 
se assemelha àquele discutido quando se dispõe de dados cristalográficos da 
enzima. Obviamente, por se tratar de um modelo hipotético, precisa de eventuais 
reajustes ao longo do processo de desenvolvimento. 
Diversos fánnacos disponíveis hoje no arsenal terapêutico foram desenvolvi-
dos por planejamento racional. Um dos primeiros fánnacos desenvolvidos por 
esse processo foi o captopril20, largamente utilizado no tratamento da hiperten-
são. O captopril {Fig. 1.27) é um inibidor da enzima conversora da angiotensina 
{ECA). A ECA é uma importante enzima do sistema renina-angiotensina, sendo 
responsável pela formação da angiotensina li a partir de seu precursor, a angío-
tensina L A angiotensina II é um octapeptídeo endógeno com elevada atividade 
20 CAPITULO 1 
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H~Nx 
O OH 
Captopril 
Fig. 1.27 - Estrutura do captopril. 
vasopressora e cardioestimulante. Em condições fisiológicas normais essas ativi-
dades contribuem para a manutenção da homeostase. Em casos de desajuste da 
homeostase, podem contribuir para o estabelecimento de hipertensão. Nesses 
casos, o uso de inibidores da ECA, como o captopril, é benéfico, contribuiildo 
para a redução da pressão arterial. 
O captopril é um análogo sintético de peptideos isolados do veneno da ser-
pente Bothrops jararaca21 , os quais são inibi dores potentes da ECA. O captopril 
é um peptideomimético. Os peptideomiméticos são substãncias de natureza não 
peptídica que mimetizam, de forma agonista ou antagonista, a ação de peptídeos. 
Do ponto de vista da utilização como fármacos, os peptideomiméticos apre-
sentam vantagens sobre os peptídeos, pois estes são pouco absorvidos, além de 
serem rapidamente hidrolisados no plasma, por amidases. 
O captopril exerce sua atividade farmacológica por meio da interação com o 
sítio ativo da ECA, através de interações eletrostáticas, hidrofóbicas, ligações de 
hidrogênio e por complexação com o íon zinco presente no sítio ativo da enzima 
(Fig. 1.28). 
/////////// 
zrf+ 
I I I I Tyr I I I ;rg I I I I 
Fig. 1.28 - Interação do captopr/1 com o sítio ativo da E~A. 
CAPÍTULO 1 21 
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Posteriormente à introdução do captopril, diversos outros inibidores da ECA 
foram desenvolvidos22• Nesses, como, por exemplo, o enalapril (Fig. 1.29), o gru-
po sulfidrila, presente no captopril e responsável pela complexação com o íon 
zinco, foi substituído racionalmente por um grupo carboxila, uma vez que al-
guns dos efeitos colaterais daquele fármaco (entre eles tosse seca, perda do pala-
dar e erupções cutâneas) foram atribuídos à presença daquele grupo. Como o 
grupo carboxila interage com o íon zinco com menor eficiência, um grupo aro-
mático foi incorporado a esses fármacos, para restabelecer uma interação suficien-
temente forte com a ECA, de modo a inibi-la. 
Enalapril 
'-----------------------~····--···· 
Flg. 1.29 - Estrutura do ena/april.Ainda com relação a fármacos anti-hipertensivos que atuam no sistema reni-
na-angiotensina, outro desenvolvido por planejamento racional foi o losartan23 • 
Esse fármaco (Figs. 1.30 e 1.31) é um antagonista dos receptores ATl da angio-
tensina li. Esses receptores localizam-se nos vasos e no coração e sua ativação 
pela angiotensina li contribui para o aumento da pressão arterial em determina-
dos indivíduos. 
CI 
~~OH 
Losartan 
Fig. 1.30 - Estrutura do Josartan. 
22 CAPITULO 1 
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Losartan 
Ansjotensina li 
Flg. 1.31 Grupos similares nas estruturas de losartan e angiotensina 11 importantes para a intera· 
ção com os receptores AT1. 
O losartan foi desenvolvido a partir da modificação de uma substância de 
origem sintética identificada como um antagonista fraco, com base no conhe-
cimento da estrutura da angiotensina 11 e da topografia dos receptores ATl. 
Foi o primeiro antagonista seletivo dos receptores AT1 com atívidade por via 
oral. 
Como o captopríl, o losartan também é um peptideomimético. Até então, o 
único antagonista dos receptores AT1, em uso clínico, era a saralasina, um octa-
peptídeo análogo da angiotensina II. Seu uso era restrito pois, em função de sua 
natureza peptídica, não era atíva por via oral, sendo administrada por via ando-
venosa. Além disso, possuía certa atividade agonista. Portanto, o desenvolvi-
mento do losartan se constituiu num real avanço terapêutico. 
Outra importante contribuição do planejamento racional foi no desenvolvi-
mento dos inibidores de protease do HIV24, de larga utilização no tratamento da 
síndrome da imunodeficiência adquirida. O conhecimento da estrutura do sitio 
ativo de uma protease do HIV levou ao desenvolvimento de substâncias com 
características estruturais que lhes permitem inibir a protease viral com elevada 
seletividade. Esses inibidores de protease interrompem o ciclo de evolução do 
HIV no estágio de biossíntese de suas proteínas de envelope. O primeiro fármaco 
representante dessa classe foi o saquinavir (Fig< 1.32). 
Além dos grupos que permitem sua eficiente interação com a protease viral, 
observa-se que a porção da molécula posicionada no sítio hidrolítico da enzima 
(Fig. 1.33) não corresponde a uma amida, como no substrato natural, e sim a uma 
hidroxila alcoólica. Essa característica confere_ ao saquinavir a condição de inibi-
CAPÍTULO 1 23 
http://www.pdfill.com
CONH2 
O ( H OH 
~N0~~N 
lJV H O 
~ 
Sacpnavir 
Flg. 1.32 Estrutura do saquinavir. 
dor que mimetiza o substrato ligado à enzima no estado de transição, fato que faz 
desse fármaco um potente inibidor, já que no estado de transição as interações 
enzima-substrato são maximizadas. Esta característica estrutural do saquinavir 
foi mantida nos inibidores de protease que se seguiram. 
Flg. 1.33 Representação esquemática da intetação de A) um fragmento hipotético ds. protefna 
precursora das proteínas de envelope e B) do saqu/navir, com o s{tio ativo da protease do HIV. 
A inibição de uma série de outros processos enzimáticos ou o bloqueio de 
receptores os mais diversos têm contribuído para o desenvolvimento de fárma-
cos eficientes e seletivos para o tratamento de patologias como inflamação, in-
fecções, tumores e doenças endócrinas. Com o avanço do conhecimento científi-
co, novos alvos moleculares estão sendo descortinados, o que levará, certamen-
te, a novas opções para o desenvolvimento racional de fármacos dessas e de 
outras enfermidades. 
NOVAS TENDÊ:NCIAS NO DESENVOLVIMENTO DE FÁRMACOS 
Os avanços espetaculares obtidos na Biologia Molecular e na Engenharia Ge-
nética, que culminaram com·o término recente do mapeamento do genoma hu-
mano, têm contribuído para o surgimento de novas formas de terapia, como a 
terapia gênica, que constituirão importantes modalidades de tratamento das en-
fermidades, em futuro próximo. 
No rastro desse avanço, o conhecimento mais detalhado da fisiologia e bio-
química dos estados patológicos, bem como de seus eventuais agentes causado-
24 ÚPÍTULO 1 
http://www.pdfill.com
res, como vírus, fungos e bactérias, tem contribuído para a descoberta de novos 
alvos para o desenvolvimento de fármacos. A importância da descoberta de no-
vos alvos reside no fato de levarem ao desenvolvimento de fármacos que apre-
sentem mecanismo de ação diferente daqueles existentes, o que dificulta o apa-
recimento de resistência. Assim, o conhecimento dos processos de adesão celu-
lar, que é mediado pelas glicoproteinas de superfície, tem contribuído para o 
desenvolvimento de fármacos antiinflamatórios, antibacterianos, antivirais, an-
tifúngicos e antitumorais. Por exemplo, o fenômeno da adesão célula-célula é 
indispensável para a adesão dos leucócitos ao endotélio, previamente ao proces-
so de migração destes para o interstício, nos processos inflamatórios. Desse modo, 
substâncias capazes de inibir a interação leucócito-endotélio são potenciais agen-
tes antiinflamatórios25• De forma semelhante, os vírus, fungos e bactérias neces-
sitam do processo de adesão celular para se ligarem às células que vão infectar. 
Existe uma série de substâncias que inibe o processo de adesão desses agentes 
infecciosos às células hospedeiras, e estão sendo estudadas como potenciais agen-
tes antiinfecciosos. 
Um exemplo interessante de interferência com o processo de adesão celular foi 
utilizado no desenvolvimento de um agente antiinfluenza, o vírus da gripe. Esse 
vírus expressa em sua superfície uma enzima sialidase (neuraminidase), que que-
bra ligações glicosídicas entre o ácido siãlico (ácido N-acetilneuramínico) e a ga-
lactose de glicoproteínas de superfície, tanto do hospedeiro como do próprio ví-
rus. Isso permite a liberação das novas partículas virais da célula infectada, bem 
como facilita sua adesão e penetração em outras células. O conhecimento desse 
processo levou ao desenvolvimento do oseltamivir, um inibi dor seletivo da sialidase 
viral, que provoca uma diminuição acentuada da infecção viral, reduzindo drastica-
mente a gravidade da infecção e facilitando a recuperação do paciente26• O oseltami-
vir é um pró-fármaco do GS 4071, tendo boa absorção por via oral (Fig. 1.34). 
~COOB h;droli,e 
AcHN S2t-;-; ----.:;.::in=v::..::iv:""o::::.::...-. 
H2N 
oseltamivir 
(pró-fármaco) 
Fig. 1.34 - Estruturas do oseltamivir e do GS 4071. 
~COOH AcHNS2t-;-; 
H2N 
GS4071 
(fármaco) 
A pesquisa de novas formas de tratamento do câncer também tem se bene-
ficiado dos avanços científicos. Com os crescentes avanços no conhecimento 
dos complexos mecanismos de proliferação celular, novas terapias, mais seleti-
vas, menos danosas aos pacientes e com maior eficácia, são ansiosa e esperanço-
samente aguardadas. Diferenças qualitativas e quantitativas na fisiologia e bio-
química celular das células normais e neoplásicas estão sendo demonstradas, e 
estas diferenças estão sendo exploradas em busca de terapias seletivas. 
Por exemplo, os tumores sólidos representam um grande obstáculo à quimio-
terapia. Isso é d~Jvido a diversos fatores. Um deles é a irrigação sangüínea irregu-
lar de certas áreas do tumor, o que dificulta a chegada dos agentes antineoplási-
cos, em concentração suficiente, a estas áreas27• Além disso, uma fração conside-
rável das células tumorais não se encontra em fase logarítmica de crescimento. O 
crescimento da massa tumoral é lento, "O que -torna o tumor menos sensível aos 
agentes antineoplásicos cicloespecíficos. 
CAPíTULO 1 25 
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Estudos permitiram observar que nestes tumores ocorre extensa neovascula-
rização (angiogênese, processo de formação de novos vasos sangüíneos), como 
forma de levar suprimento às células tumorais e, assim, manter o crescimento da 
massa tumoral. Esta observação levou à hipótese de que a inibição do processo 
de angiogênese seletivamente nas células tumorais poderia privar as células de 
nutrientes essenciais e levar à morte celular28• A busca de substâncias que ini-
bem a angiogênese resultou na descoberta da endostatina e da angiostatina,dois 
peptídeos endógenos, altamente potentes. Estas substâncias foram testadas em 
camundongos e promoveram a regressão completa de tumores sólidos. Uma sé-
rie de outras substâncias de origem natural e sintética encontra-se em estudos 
como inibidores da angiogênese29• 
Outra característica dos tumores sólidos é a existência de regiões de células 
em hipóxia (baixa tensão de oxigênio), em função da irrigação sangüínea irregu-
lar que os caracteriza. As células em hipóxia, que às vezes correspondem a uma 
porcentagem considerável da massa tumoral, estão presentes mesmo em micro-
metástases. Nessas células, as reações de redução são favorecidas, relativamente 
às células com oxigenação normal. Desse modo, aventou-se a hipótese de que 
substâncias ativadas por biorredução poderiam ser seletivas para tumores em 
hipóxia30• Estas substâncias deveriam ser inócuas na forma oxidada, de modo a 
não causar dano às células com oxigenação normal, e extremamente citotóxicas 
na forma reduzida. Finalmente, deveriam ter um potencial de redução adequado 
para serem diminuídas seletivamente nas células em hipóxia. 
Diversas substâncias que atuam após .biorredução encontram-se em estudos 
clínicos. É interessante ressaltar que algumas das substâncias já existentes no 
arsenal terapêutico atuam após biorredução, como é o caso da mitomicina C. 
A observação de que as células tumorais são antigênicas está sendo de grande 
importância para o desenvolvimento de novas terapias. Uma delas é denomina-
da ADEPT (do inglês Antibody Directed Enzyme Prodrug Therapy) e fundamenta-
se na ativação seletiva de pró-fánnacos nos tumores. Em linhas gerais, as células 
tumorais são inicialmente reconhecidas por anticorpos específicos aos quais li-
gou-se uma enzima determinada. Em seguida, administra-se o pró-fármaco, em 
dose elevada, de modo a que ele atinja altas concentrações no tumor, onde é 
ativado pela enzin1a ligada, geralmente através de uma reação de hidrólise ou 
redução, liberando o fármaco ativo (Fig. 1.35). 
Essa modalidade de terapia tem sido utilizada para acumular elevadas con-
centrações de mostardas nitrogenadas, altamente citotóxicas, em tumores sóli-
dos. Um exemplo é mostrado na Fig. 1.36. 
ativo 
':::::--:-7c--:::---,.--c;::---··--·--·--·-···~--~··-·-·--·~ .. --. 
Fig.1.35- Representação esquemática da liberação de fármaco diretamente no tumor via ADEPT. 
26 CAPÍTULO 1 
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a"··Ja A H al .. fa 
"J'r-T~~' ~-,-·~ !')7-0oo,.A 
11 J-tk I a1tioorpo (AC), nasuperf!Gie ..f'ceuo COOH Y 
o OP N O da célula lumoral IHactamase ligada á mostarda ~:genada 
COOH cefalosporlna altamente citot6xiea 
derivado fracamente cllitóxlco de 
uma mostarda nitrogenada aromática 
ligada a uma cefalosporina 
Flg. 1.36- Utllizaçao de ADE.PT no direcionamento de mostarda nitrogenada para célula tumoral. 
A ação da 13-lactamase sobre a cefalosporina leva à abertura do anelf3-lactânú-
co, com a subseqüente eliminação de gás carbônico e da mostarda nitrogenada 
contendo um grupo amino, poderoso doador de elétrons, na posição para do 
anel aromático. A ressonância do par de elétrons desse grupo amino com o anel 
aromático torna o par de elétrons do nitrogênio da mostarda mais disponível 
para formar rapidamente o íon aziridinio, o que explica a sua elevada citotoxici-
dade. 
A exploração das propriedades antigênicas das células tumorais tem levado à 
obtenção de vacinas sintéticas31, obtidas pela síntese de porções antigênicas de 
certas glicoproteí:rias de superfície, presentes nas células tumorais (Fig. 1.37). 
Uma vacina eficaz contra melanoma encontra-se em estudos clínicos. 
G!icoprotelna anormal 
(fraca~te antigênica) ;:r. 
___ ., EK _ _.R__:e..:.:spc_:o_::csta:c:.._-)o ;:r. ;:r. 
Antlgeno 
sintético 
Imune ~;:r. 
Grande quantidade 
de anticorpo 
Fig. 1.37- Representaç§o esquemática: /nduç§o de resposta ímunol6gíca utilizando-se uma vacina 
sintética. 
A compreensão de uma série de outros eventos implicados na regulação dos 
processos de proliferação e reconhecimento celulares e o desenvolvimento racio-
nal de fármacos capazes de inibir esses processos seletivamente nas células tu-
morais estão abrindo novos horizontes para a quimioterapia antitumoral. 
NOMENCLATURA DE F ÁRMACOS32 
Os fármacos possuem três ou mais nomes. Estes nomes são os seguintes: a) 
sigla, número do código ou designação do código; b) nome 'químico; c) nome 
registrado, nome patenteado, nome comercial ou nome próprio; d) nome genéri-
co, nome oficial ou nome comum; e) sinônimos e outros nomes (Tabela 1.3). 
A sigla é formada geralmente com as iniciaís do laboratório ou do pesquisa-
dor ou do grupo de pesquisas que preparou o_u ensaiou o fármaco pela primeira 
CAPíTULO 1 27 
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RU965 9-0-[2-metoxietoxi)metil]oxima Rulid roxitromicina 
da eritromicina 
GR43175 3-(2-(dimetilamino)etii]-N-metil-1 lmigran sumatriptana 
H-indol-5-metanssulfonila Sumax 
·As letras Iniciais das siglas correspondem aos laboratórios que desenvolveram os fánnacos: 
RU-Russei-UClAF, França; GR-Giaxo, lnglaterre. 
vez, seguidas de um número. Não identifica a estrutura química. Deixa de ser 
usada quando é escolhido um nome. O nome químico é aquele que descreve a 
estrutura química. É escrito segundo as normas de nomenclatura de compostos 
quúnicos. Deve ser escrito com letras minúsculas. O nome registrado refere-se 
ao nome individual escolhido pelo fabricante do fármaco ou medicamento. Cada 
empresa que fabrica o medicamento dá o seu próprio nome registrado. Ele deve 
ser escrito com as iniciais maiúsculas. O nome genérico é aquele pela qual o 
fármaco é conhecido como substância isolada. Este nome é escolhido pelos ór-
gãos oficiais, como o Ministério da Saúde, no Brasil, e a Organização Mundial da 
Saúde, no mundo. Deve ser escrito com a inicial minúscula. Os sinônimos são os 
nomes diferentes dos dados pela OMS, mas consagrados pelo uso, ou antigos 
nomes oficiais. 
Na lista recapitulativa n2 8 das Deno:iiúnações Comuns Internacionais (DCI), 
a OMS publicou critério para padronização dos nomes genéricos de fármacos em 
espanhol, com base nestes nomes em inglês. Adaptados para o português, estes 
critérios seriam os seguintes: 
1. conservar tanto quanto possível as DCI (alterações mínimas); 
2. manter a uniformidade das raízes; 
3. evitar o alongamento de palavras; 
4. efetuar as alterações necessárias com base nas seguintes regras: 
4.1. aceitar, na medida do possível, os nomes em inglês e/ou francês; 
4.2. utilizar, tanto quanto possível, o nome já consagrado em português; 
4.3. obedecer à fonética e ortografia portuguesas. 
A seguir são mostrados as letras ou sílabas de nomes em inglês e os corres-
pondentes em português, com os respectivos exemplos: 
28 CAPITULO 1 
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CAPfTULO 1 
fluorouracil 
cefacetrile 
-lia 
exceções: -dil 
-guanil 
-pril 
29 
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CAPÍTULO 1 31 
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2 
Ensaios Farmacológicos Pré-Clínicos 
Márcio M. Coelho 
Os ensaios farmacológicos pré-clínicos envolvem a avaliação da eficácia e 
segurança do fármaco em ínvestigação em estudos in vitro e em animais experi-
mentais e precede a realização das diversas etapas dos ensaios clínicos, caso os 
resultados obtidos sejam favoráveis. Uma representação esquemática das diver-
sas etapas envolvidas na gênese de um novo fármaco, incluindo a etapa consti-
tuída pelos ensaios pré-clínicos, está indicada na Tabela 2.11•2 • 
De uma forma geral, as principais etapas que constituem os ensaios pré-clíni-
cos são: 
a. Avaliação do perfil farmacológico; 
b. Avaliação da segurança farmacológica e toxicologia; 
c. Avaliação preliminar de parâmetros farmacocinéticos. 
Tradicionalmente, as etapas da investigação pré-clinica que envolvem análi-
se mais prolongada e detalhada são a avaliação do perfil farmacológico e a avalia-
ção da segurança farmacológica e toxicologia. A avaliação de parâmetros farma-
cocinéticos que ocorre durante a fase pré-clínica gerahnente é preliminar, e a 
caracterização destes ocorre de forma mais ampla durante a fase clínica. É im-
portante mencionar que alguns estudos de pré-formulação, formulação e ana-
líticos podem ser conduzidos durante a fase pré-clínica, com o objetivo de avali-
ar quais características as formulação contendo o novo fármaco devem ter para 
que uma absorção adequada ocorra e, conseqüentemente, o efeito desejado seja 
obtido. 
AVALIAÇÃO DO PERFIL FARMACOLÓGIC(') 
Independentemente da origem do fármaco, seja a partir do isolamento de 
uma planta ou de um projeto racional, a avaliação do perfil farmacológico envol-
ve a realização de uma série de experimentos. ~m grande número de ensaios, 
CAPiTUlO 2 33 
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Ensaios Farmacológicos Pré-;:fínicos 
(1 a 5 Anos/Média = 2,6 Anos) 
Estudos in vitro 
Estudos em animais experimentais 
Curta duração (atividade farmacológica, toxicidade aguda e subcrõnica) 
Longa duração (toxicidade crônica, teratogenícídade, carcinogenícidade etc.) 
Revisão dos aspectos relacionados com a segurança do f~rl11;>()() __________ ~ 
Ensaios farmacológicos clínicos 
(2 a 10 anos/média 5,6 anos) 
Fase 1 
Fase2 
População: voluntários normais ou grupos especiais 
Objetivos: avaliação da segurança. efeitos biológicos, biotransformação, parâmetros 
farmacocinétícos, interações com fármacos 
População: pacientes selecionados 
Objetivos: avaliação da eficácia terapêutica, esquema posológico, biotransformação 
e parâmetros farmacocinéticos 
Fase 3 População: grande número de pacientes selecionados 
Objetivos: avaliação final de eficácia e segurança 
Revisão para avaliação final (2 meses a 7 anos/média = 2,6 anos) 
Vigilância após lançamento do novo fármaco 
Fase 4 População: pacientes que fazem uso do fármaco 
Objetivos: avaliação da ocorrência de reações adversas, padrão do uso do fármaco 
e da possibilidade de indicações adicionais 
usando moléculas específicas, microrganismos, células, órgãos ou animais, pode 
ser usado para avaliar a atividade e a seletividade do fármaco. O tipo e o número 
de testes dependem da suposta atividade do fármaco que estã sendo investigado. 
Métodos de investigação envolvendo o uso de moléculas específicas, células, 
tecidos ou órgãos, bem como diferentes animais experimentais, podem ser utili-
zados durante a caracterização do perfil farmacológico do fármaco em investiga-
ção. 
MÉTODOS MOLECULARES 
Como importante exemplo de fãrmacos que tiveram o seu perfil farmacológi-
co determinado a partir de uma abordagem molecular, podem ser citados os 
inibidores da protease do HIV'. Fármacos inibi dores da protease 
do HIV foram inicialmente testados in vitro, avaliando a sua capacidade de inibir 
a atividade desta enzima. Testes in vitro, utilizando enzimas purificadas, tam-
bém têm sido utilizados nas etapas iniciais do desenvolvimento de fármacos 
como inibidores da monoaminoxidase e, mais recentemente, da 5-fosfodieste-
rase3. 
Uma abordagem molecular também é muito utilizada quando estão sendo 
desenvolvidos novos fármacos que atuam como agonistas ou antagonistas de re-
ceptores para diferentes neurotransmissores ou hormônios. Assim, frações de 
membranas celulares contendo os receptores de interesse são usadas para avaliar a 
interação do fármaco em investigação com estes. Os ensaios permitem a determi-
nação da afinidade e da seletividade do fármaco pelos receptores. Caso estes 
ensaios iniciais demonstrem que o fármaco em investigação não apresenta uma 
seletividade adequada parao receptor de interesse ou apresente uma afinidade 
muito reduzida, o que leva à necessidade de altas concentrações para uma inte-
ração efetiva, a possibilidade de realização de ensaios posteriores para a avalia-
ção da atividade em tecidos ou animais fica reduzida. 
34 CAPÍTULO 2 
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Recentemente, abordagens de natureza molecular também têm sido utiliza-
das durante a investigação de fáxmacos potencialmente antinrlcrobianos4 • Tradi-
cionalmente, os ensaios pré-clínicos para determinação da eficácia de antimicro-
bianos envolveram a utilização de culturas de microrganismos diversos, sendo 
determinada a sensibilidade destes aos diferentes fáxmacos em investigação. 
Apesar de a abordagem celular, ou seja, a utilização de cultura de microrganis-
mos, permitir a seleção de fáxmacos que efetivamente penetram nas células, ou 
seja, o estabelecimento das propriedades antimicrobianas, e apresentar alta re-
produtibilidade, algumas desvantagens desta abordagem podem ser menciona-
das. A maioria dos fáxmacos ativos apresenta toxicidade elevada, não sendo pos-
sível estabelecer o alvo molecular, o que dificulta o desenvolvimento e a otimiza-
ção de novos compostos, e, finalmente, esta abordagem tem proporcionado pou-
cos resultados relevantes nos últimos anos. Assim, a abordagem molecular base-
ada na investigação do efeito de fáxmacos sobre alvos moleculares importantes 
para o crescimento ou sobrevivência dos microrganismos tem sido utilizada em 
investigações recentes. Como vantagens desta nova abordagem, podem ser men-
cionadas maior sensibilidade (possibilidade de detecção de compostos que apre-
sentam baixa capacidade de penetração celular), facilidade de execução, quando 
comparada com os testes que envolvem uso de cultura de microrganismos, e 
possibilidade de identificação de novos alvos moleculares, o que pode permitir a 
otirnização e o desenvolvimento de novas classes de antirnicrobianos aos quais 
os microrganismos não são resistentes. 
Abordagens de natureza molecular também são utilizadas para avaliar o efeito 
dos fáxmacos em investigação sobre a atividade de enzimas do sistema microsso-
mal hepático5 , Assim, enzimas purificadas do complexo citocromo P 450 são utiliza-
das para avaliar se o fáxmaco pode induzir algum efeito sobre a biotransformação 
de outros fáxmacos e, possivelmente, resultar em alguma interação farmacológica 
significativa. Com relação à caracterização do perfil farmacológico do fáxmaco em 
investigação, também se utilizam métodos moleculares para avaliar se o fáxmaco é 
biotransformado por variantes polimórficas do sistema citocromo P 450• Aproxima-
damente 40% da biotransformação dependente do sistema citocromo P 450 são de-
pendentes de variantes polimórficas. Este polimorfismo causa diferenças na velo-
cidade e extensão da biotransformação dos fáxmacos. Por exemplo, pacientes que 
apresentam uma biotransformação reduzida de um fáxmaco podem apresentar uma 
resposta exagerada a este fáxmaco, ou uma falta de resposta caso um pró-fáxmaco 
não seja biotransformado. Atualmente, as indústrias farmacêuticas tendem a inter-
romper a investigação de um novo fáxmaco caso venha a ser observado que este 
seja biotransformado por variantes do sistema citocromo P 450• 
MÉTODOS CELULARES 
Células diversas, obtidas a partir de tecidos imediatamente antes da realiza-
ção dos testes ou mantidas em cultura, também são freqüentemente utilizadas 
durante as etapas iniciais da fase pré-clínica. Pode ser avaliado o padrão de res-
posta das células estudadas, desde alterações da excitabilidade elétrica, secreção 
de algum hormônio ou neurotransmissor, alteração do conteúdo intracelular de 
certos íons até proliferação ou morte. Como exemplos de fáxmacos que, durante 
a avaliação do seu perfil farmacológico, foram submetidos a abordagens desta 
natureza, podem ser citados os inibidores de desgranulação de mas tácitos, hipo-
glícemiantes orais, taxol e pentoxifilina. 
Outra abordagem importante, que se torna cada vez mais disponível durante 
a investigação de novos fáxmacos, é a ufilização de células transfectadas com um 
ou mais genes de interesse, fazendo com que_uma linhagem celular de fácil ma-
CAPÍTULO 2 35 
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nutenção em cultuxa venha a expressar proteínas (receptores, canais iônicos, por 
exemplo) que sejam alvos do fá.rmaco em investigação. 
A determinação do perfil farmacológico de fá.rmacos potencialmente antineo-
plásicos também envolve a utilização do método celular. O efeito de fá.rmacos 
potencialmente antineoplásicos sobre a proliferação de diferentes linhagens de 
células tuxnorais in vitro é avaliado durante a etapa inicial do desenvolvimento 
desta classe de fármacos6• 
Utilização de células, no caso procariotas, também representa um importante 
método para a descoberta de novos fármacos, em particular, os antimicrobia-
nos7. Quase todos os antimicrobianos atualmente disponíveis para uso clínico 
foram obtidos a partir de programas de otimização racional com base em com-
postos, geralmente produtos natuxais, identificados a partir de triagens nas quais 
são utilizadas cultuxas de diferentes bactérias. Entretanto, em anos recentes, os 
ensaios para investigação de novos antimicrobianos têm usado novas aborda-
gens, em particular a triagem baseada em alvos moleculares específicos necessá-
rios para o crescimento ou, de preferência, para a sobrevivência dos microrga-
nismos, como mencionado anteriormente4 • 
MODELOS DE ÓRGÃOS·ALVO OU DE DOENÇA 
Órgãos diversos ou fragmentos destes também são utilizados duxante a inves-
tigação inicial da atividade de vários fá.rmacos, principalmente depois da obten-
ção de resultados positivos durante a aberdagem molecular ou celular. Por exem-
plo, fá.rmacos potencialmente anti-hipertensivos freqüentemente são testados em 
preparaçóes isoladas de anéis de aorta de animais experimentais, enquanto fár-
macos potencialmente broncodilatadores são testados em preparações isoladas 
de tiras de traquéias. Geralmente, fármacos anti-hipertensivos (antagonistas o.-
adrenérgicos ou nitratos) e antiasmáticos (agonistas !32 e xantinas) promovem 
relaxamento destas preparações. Um resultado positivo nos testes com prepara-
ções isoladas geralmente conduz à realização de testes em animais experimen-
tais, sejam animais saudáveis ou animais que representam modelo de alguma 
condição patológica específica. 
Muitos modelos animais para doenças humanas são utilizados durante a in-
vestigação pré-clínica. Tradicionalmente, quando existem bons modelos animais 
para condições patológicas humanas, é possível o desenvolvimento de fármacos 
eficazes8. Por exemplo, há vários modelos animais para hipertensão e diabetes, o 
que possibilitou o desenvolvimento de eficazes anti-hipertensivos e hipoglice-
miantes. Por outro lado, a ausência de modelos animais adequados para estudo 
da doença de Alzheimer e também da doença de Parkinson tem tornado difícil o 
desenvolvimento de fármacos eficazes para o tratamento destas condições pato-
lógicas que representam uma morbidade elevada para a população. 
Entretanto, a investigação pré-clínica que envolve a utilização seqüencial de 
modelos moleculares, celulares e posteriormente de animais ou modelos de con-
dições patológicas nem sempre ocorre. Por exemplo, muitos fá.rmacos potencial-
mente analgésicos são testados diretamente em animais experimentais, em dife-
rentes modelos de resposta nociceptiva. Certos fármacos potencialmente ansio-
líticos são testados diretamente em animais experimentais em modelos que ten-
tam simular correlatos comportamentais indicativos de ansiedade. 
AVALIAÇÃO DE TOXICIDADE E SEGURANÇA 
Os fá.rmacos em investigação que proporcionam resultados promissores nas 
triagens iniciais (perfil farmacológico) devem ser cuidadosamente avaliados quan-
36 CAPITULO 2 
http://www.pdfill.com
to aos potenciais riscos associados ao seu uso antes que os testes clínicos sejam 
iniciados. Apesar de todo o avanço no desenvolvimento de novos fármacos, ain-da existem divergências sobre as diferenças entre os conceitos de segurança e 
toxicidade de fármacos. Entretanto, de acordo com Porsolt9 , o termo segurança 
implica a ausência de reações adversas que.poderiam colocar em risco a saúde 
do paciente. Assim, o termo poderia ser aplicado a todos os estudos farmacológi-
cos conduzidos para garantir a ausência de reações adversas nas condições de 
administração empregadas. 
O objetivo primário destas etapas pré-clínicas é demonstrar que as doses pro-
vavelmente adequadas para obter o efeito terapêutico desejado não venham a 
induzir outros efeitos que constituam fatores de risco. Um objetivo adicional 
seria determinar a dose máxima que poderia ser administrada antes que ocorres-
sem sinais de risco, ou seja, estabelecer o índice terapêutico. Estes estudos sobre 
segurança também são úteis para estabelecer a conexão entre doses terapêuticas 
e aquelas que serão utilizadas nos estudos toxicológicos. Apesar de nenhum fár-
maco poder ser considerado completamente seguro, geralmente é possível avali-
ar o risco associado com a sua utilização em condições específicas se testes ade-
quados são conduzidos. 
Tradicionalmente, estudos de segurança farmacológica têm sido conduzidos 
em um contexto toxicológico10• É importante enfatizar que uma das principais 
diferenças entre toxicologia e farmacologia reside no fato de q1.1e os toxicologis-
tas investigam principalmente estrutura, enquanto os farmacologistas investi-
gam principalmente função. Entretanto, o que se observa atualmente é uma com-
plementaridade entre segurança farmacológica e toxicologia clássica, ambas for-
necendo importantes informações para a determinação da segurança dos novos 
fármacos em investigação. Por exemplo, alguns sinais como vômito, diarréia ou 
alterações de peso corporal são facilmente identificados durante os estudos toxi-
cológicos. Outros efeitos como taquicardia ou bradicardia podem não ser identi-
ficados caso não sejam conduzidos estudos farmacológicos específicos. Além do 
mais, mudanças nas funções fisiológicas podem ocorrer na ausência de modifi-
cações concomitantes na estrutura de órgãos, bem como podem ocorrer mudan-
ças estruturais sem alteração funcional detectável. 
Uma vez que o conceito de segurança farmacológica envolve fundamental-
mente a detecção de reações indesejáveis que podem estar associadas ao uso do 
fármaco eJll investigação, torna-se importante definir quais parâmetros devem 
ser investigados. Como referência inicial útil, podem ser mencionadas as orien-
tações estabelecidas pelo Ministério da Saúde e Bem-estar do Japão11 , em 1995, 
mostradas nas Tabelas 2.1 e 2.2, consideradas as mais completas do mundo. 
Recomendações similares, mas menos completas, também fazem parte das euro-
péias12. 
As orientações, além das recomendações da observação de sinais gerais co-
muns à toxicologia, incluem a determinação dos efeitos do fármaco em investi-
gação sobre os sistemas nervosos central, somático e autonômico, músculos li-
sos, sistemas cardiovascular e respiratório, sistema digestivo e equilíbrio hidre-
letrolítico. Mais importante é a distinção entre estudos que são obrigatórios (ca-
tegoria A) e estudos que são complementares, ou seja, conduzidos apenas quan-
do necessários (categoria B). 
Dependendo das características do fármaco, em particular do uso proposto, os 
procedimentos para avaliação da toxicidade pré-clínica podem variar. Por exemplo, 
se um fármaco está sendo investigado para ser utilizado no tratamento de pacientes 
que já desenvolveram um acidente vascular cerebral, não seria tão relevante saber se 
este fármaco induz algum estado psicotomimético reversível, desde que a vida do 
paciente seja salva. Entretanto, caso este fárma9o esteja sendo desenvolvido para ser 
CAPÍTULO 2 37 
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Efeitos sobre o sistema 
nervoso central 
Efeitos sobre o sistema 
nervoso autônomo e 
músculo liso 
Efeitos sobre os 
sistemas cardiovascular 
e respiratório 
Outros efeitos 
farmacológicos 
importantes 
' Alterações detectáveis da atividade geral dos animais devem ser 
avaliadas em detalhes de forma a determinar os efeitos do fármaco 
Efeitos sobre a atividade locomotora espontânea 
Efeitos anestésicos gerais. Além do efeito em animais acordados 
intactos, é necessário avaliar se o fármaco em investigação induz 
efeitos sinérgicos ou antagônicos em relação aos anestésicos gerais 
Efeitos sobre convulsões Induzidas por diferentes estimulas. Além da 
avaliação de um posslvel efeito pró-convulsivante do fármaco em 
animais intactos, é necessário avaliar se o mesmo induz efeitos 
sinérgicos ou antagônicos para os meios usados para a indução das 
convulsões 
Atividade analgésica 
Efeitos sobre a 
Efeito sobre íleo isolado, incluindo tanto os efeitos isolados do fármaco 
em investigação como aqueles resultantes da interação com agonistas 
conhecidos 
Efeitos sobre a freqüência respiratória, pressão arterial, fluxo 
sangüíneo, freqüência cardfaca e eletrocardiograma. Normalmente, 
animais anastesiados são utilizados. Animais acordados são utilizados 
ziamento 
o volume urinário e concentrações urinárias de sódio, 
e outros fons 
Estudos que não estão inclufdos na categoria A devem ser conduzidos 
para avaliar propriedades farmacológicas importantes que são 
esperadas a partir do conhecimento de outros fármacos que 
apresentam sémelhanças químicas e farmacológicas com o fármaco 
em 
usado de forma profilática para prevenir a ocorrência de um aciaente vascular cere-
bral, o potencial para indução de um efeito psicotomimético deve ser levado em 
consideração. A Tabela 2.3 relaciona alguns dos principais testes conduzidos, de 
forma a avaliar a toxicidade de um fármaco que está sendo investigado corno po-
tencialmente útil no tratamento de alguma condição patológica8• 
Durante a avaliação toxicológica pré-clínica vários aspectos são investigados13•14• 
Inicialmente, é avaliada a toxicidade aguda por meio da determinação da dose que 
induz mortalidade em 50% dos animais estudados. Para realização deste ensaio, 
geralmente são utilizadas duas espécies animais e cada animal recebe apenas urna 
dose do fármaco que está sendo investigado. Os resultados obtidos a partir desta 
abordagem permitem urna estimativa da dose máxima tolerada13 . 
Caso o fárrnaco em investigação seja aprovado nos ensaios de toxicidade agu-
da, a avaliação da toxicidade subaguda e crônica deve ser conduzida. Em relação 
a este aspecto, há certa confusão urna vez que a definição dos termos subagudo e 
crônico nem sempre é tão clara9 • Entretanto, independente desta questão, na 
avaliação da toxicidade subaguda e crônica várias doses são administradas por 
períodos prolongados. Com relação à da toxicidade subaguda, reco-
menda-se o tratamento de pelo menos duas animais com três diferentes 
doses do fármaco por um período de até meses. Quanto aos ensaios para 
avaliação da toxicidade crônica, a investigação geralmente ocorre durante um 
período de um a dois anos. Os parâmetros investigados, tanto nos ensaios para 
38 CAPÍTULO 2 
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Efeitos sobre o sistema nervoso 
central 
Efeitos sobre o sistema nervoso 
somático 
Efeitos sobre o sistema nervoso 
autonômico e músculo liso 
Efeitos sobre o sistema 
cardiovascular 
Efeitos sobre o sistema digestivo 
Outros efeitos 
Toxlcidade subcrônlca 
Toxicidade crônica 
Efeito sobre reprodução 
Potencial carcinogênico 
Potencial mutagênico 
Toxicologia investigativa 
CAPITULO 2 
Efeitos sobre o eletroencefalograma espontâneo 
Efeitos sobre os reflexos espinhais 
Efeitos sobre a resposta de esquiva condicionada 
Efeitos sobre a atividade motora coordenada 
Efeitos sobre a junção neuromuscular 
Potencial efeito relaxante da musculatura esquelética 
Efeitos anestésicos locais 
Efeitos sobre o diâmetro pupilar e contração da membrana 
nictitante 
Efeitos sobre órgãos Isolados como vasos sangüfneos, 
canal deferente e útero 
Efeitos sobre alterações da press!io arterial e freqüência 
cardlacainduzidos por fánnacos autonômicos e 
estimulação vagai 
Efeitos diretos sobre o coração isolado, átrio, músculo 
e vasos 
Efeitos sobre a secreção salivar, ácida gástrica, biliar e 
pancreática 
Efeitos sobre a motllidade do trsto gastrintestinal in vitro e 
in situ 
Efeitos sobre a membrana mucosa 
Efeitos sobre a coagulação sangüínea 
Efeitos sobre a agregação plaquetária 
Potencial efeito hemolítico 
Efeitos sobre renal 
39 
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avaliação da toxicidade subaguda como crônica, incluem a determinação de pos-
síveis alterações fisiológicas, hematológicas, histológicas, metabólicas, funcio-
nais e comportamentais. 
Outro aspecto importante durante a avaliação toxicológica pré-clínica é a de-
terminação do efeito do fármaco em investigação sobre a fertilidade dos animais, 
lactação e também a possível ocorrência de efeito teratogênico e efeitos perina-
tais ou pós-natais. Assim, durante os testes de toxicidade subagudo e crônico, 
bem como durante os testes de avaliação de segurança do fármaco em investiga~ 
ção, são determinados os seus efeitos sobre o comportamento de acasalamento 
dos animais, período de gestação, número de filhotes, bem como a ocorrência de 
malformações e abortos. 
O potencial carcinogênico é outro importante aspecto que deve ser avaliado 
durante a investigação da segurança do fármaco em desenvolvimento. Tradicio-
nalmente, são realizadas avaliações hematológicas, histológicas e estudos de au-
tópsia em animais submetidos ao tratamento com o fármaco por um período de 
pelo menos dois anos. Esta avaliação é essencial quando se pretende fazer uso 
prolongado do fármaco que está sendo investigado. O potencial mutagênico, 
apesar de ainda ser pouco investigado, envolve a determinação do efeito do fár-
maco em investigação sobre a estabilidade genética de bactérias (teste de Ames) 
ou de células de mamiferos em cultura. 
Quanto à toxicologia investigativa, são avaliados os mecanismos que deter-
minam a toxicidade do fármaco que está sendo estudado. Embora esta etapa não 
apresente uma função tão importante quantos às outras anteriormente mencio-
nadas no desenvolvimento do fármaco em questão, a toxicologia investigativa 
proporciona o progresso de novos métodos para avaliação da toxicidade de ou-
tros fármacos e pode permitir o desenvolvimento mais racional e rápido de fár-
macos mais seguros. 
AVALIAÇÃO DE PARÂMETROS F ARMACOCINÉTICOS 
O objetivo primário da avaliação farmacocinética é a quantificação da absor-
ção, distribuição, biotransformação e excreção do fármaco em investigação5 • A 
partir do conhecimento dos parâmetros farmacocinéticos, é possível determinar 
e otimizar formulações, levando em consideração a velocidade de absorção e a 
quantidade do fármaco que é absorvida a partir do local de administração, bem 
como ajustar o esquema posológico de forma a obter e manter uma concentração 
plasmática efetiva associada com toxicidade reduzida ou nula. Apesar de uma 
avaliação farmacocinética ser conduzida de uma forma muito mais ampla em 
humanos, durante os estudos da fase clínica, alguns estudos preliminares são 
conduzidos em animais experimentais. Entre estes, podem ser mencionados es-
tudos sobre a distribuição tecidual e possível acúmulo do fármaco em diferentes 
órgãos, geralmente feitos por meio da utilização de substâncias marcadas com 
elementos radioativos. Também é investigada a possível relação entre a concen-
tração plasmática do fármaco e a dose administrada, bem como a ligação com 
proteínas plasmáticas. Muitas vezes, aspectos relacionados com a biotransfor-
mação e a eliminação do fármaco são investigados em animais experimentais 
por meio da determinação da presença do fármaco ou de produtos de biotrans-
formação na urina e nas fezes. 
LIMITAÇÕES DOS TESTES PRÉ-CLÍNICOS 
É notável que nas últimas décadas houve um grande avanço nos métodos de 
desenvolvimento e avaliação de novos fármacos, resultado principalmente do 
40 CAPITULO 2 
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desenvolvimento de recentes tecnologias, motivação financeira e suporte gover-
namental para a pesquisa médica. Entretanto, apesar de todos os avanços, ainda 
podem ser facilmente detectadas limitações no processo de desenvolvimento e 
avaliação dos novos fãrmacos, em particular nas etapas pré-clínicas. 
Berkowitz e Katzung8 incluem, entre as principais limitações, o longo período 
e os altos custos envolvidos na condução dos testes de toxicidade. Geralmente, 
um período de dois a cinco anos é necessário para a coleta e análise dos dados 
referentes aos estudos de determinação do perfil farmacológico e toxicidade. Outro 
aspecto que se torna motivo de preocupação cada vez maior, resultado principal-
mente da pressão exercida por grupos de proteção de animais, é a utilização de 
um elevado número de animais experimentais principalmente durante a fase de 
determinação da segurança farmacológica e toxicidade. Thrna-se necessária uma 
otimização dos protocolos propostos, de forma a conseguir obter maior número 
de resultados por meio da utilização de menor número de animais experimen-
tais. Métodos que envolvem a utilização de células e tecidos em cultura estão 
sendo utilizados cada vez mais, embora o valor preditivo destas abordagens ain-
da seja limitado. 
Outre limitação importante é a dificuldade de extrapolação dos resultados de 
toxicidade obtidos em animais experimentais para humanos14•15 • Da mesma for-
ma, as doses necessárias para induzir efeitos farmacológicos significativos em 
animais experimentais raramente são preditivas daquelas que serão utilizadas 
em humanos. Mesmo entre diferentes espécies animais, há variação marcante 
nas doses necessárias para indução de um efeito específico, o que torna a análise 
deste aspecto ainda mais difícil. E, por fim, reações adversas raras muito dificil-
mente são detectadas, não só durante os ensaios pré-clínicos, como durante os 
ensaios clínicos. Muitas vezes, certas reações adversas só são detectadas depois 
que o fãrmaco já foi aprovado para uso clínico e que um grande número de 
pacientes está fazendo Úso deste. 
PERSPECTIVAS 
A partir da química combinatorial até o recente anúncio da maior parte da 
seqüência do genoma humano, avanços científicos estão criando a perspectiva 
de uma revolução na descoberta de novos fármacos úteis no tratamento de dife-
rentes condições patológicas16•20• A produção de fármacos a partir de um projeto 
racional está um passo à frente do processo tentativa e erro que levou à produção 
da maioria dos fãrmacos atualmente disponíveis para uso clínico. Como exem-
plo da nova tendência para produção de novos fármacos, pode'ser citado o de-
senvolvimento de vários inibidores de proteases do HIV: No final dos anos 80, 
foram obtidas várias fotografias da protease do HIV; a enzima que auxilia na 
replicação do virus causador da AIDS. A localização precisa dos átomos compo-
nentes da proteína, a partir da análise das fotografias tridimensionais, permitiu 
aos pesquisadores desenvolver fármacos que pudessem interagir especificamente 
com a enzima e, assim, impedir o seu funcionamento. Esta produção de inibi dores 
de protease do HIV; a partir de um projeto racional, tem contribuído para uma 
redução drástica do número de mortes causadas por AIDS em diversos países. 
O desenvolvimento de inibidores de protease do HIV a partir de um projeto 
racional envolvendo conhecimento estrutural da enzima-alvo, como menciona-
do anteriormente, é apenas um exemplo da importância de iiovas abordagens 
para o desenvolvimento de novos fármacos. Desta forma, o advento da ciência 
genômica18·19, técnicas de automação que permitem uma rápida triagem inicial 
in vitro de inúmeros compostos (high throughput screening- HTS)2°, seqüenci-
amento rápido do DNA e química combínatÇ>rial têm proporcionado um novo 
CAPITUlO 2 41 
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conceito na descoberta de fánnacos, permitindo o desenvolvbnento de medica-
mentos que sejam mais efetivos e venham a induzir menor incidência de reações 
adversas. Alémdestes pontos positivos, estas novas abordagens utilizadas na 
gênese dos novos medicamentos têm facilitado a condução dos ensaios pré-clí-
nicos para avaliação da eficácia, segurança e toxicidade dos novos compostos 
desenvolvidos. Assim, os fánnacos que são submetidas aos ensaios pré-clínicos 
são substâncias que apresentam maior probabilidade de apresentar um perfil 
farmacológico que venha a atender às expectativas dos pesquisadores envolvi-
d()s na sua produção, reduzindo os custos, a utilização de animais experimentais 
e o longo período necessário para a condução dos ensaios pré-clínicos. 
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42 CAPITULO 2 
http://www.pdfill.com
~ ,,J;APÍTULO 
• .. ":t:<-- ~ ·~" ~[,.! '"" .. ,-<' i • 
3 
Vias de Administração de Formas 
Farmacêuticas 
Armando da Silva Cunha Júnior 
Gilson Andrade Ramaldes 
Lucas Antônio Miranda Ferreira 
Mônica Cristina de Oliveira 
O objetivo do uso de sistemas de administração de substâncias dotadas de 
atividade terapêutica (princípios ativos, fármacos) é promover a sua liberação 
em quantidade adequada no organismo para conseguir rapidamente o efeito te-
rapêutico e que estas permaneçam durante o tempo desejado. A magnitude e a 
duração da resposta terapêutica dependem da concentração que o princípio ati-
vo atinge em seu local de ação. Esta concentração depende da dose administra-
da, da quantidade absorvida, da velocidade de distribuição no local de ação e da 
quantidade eliminada do organismo. Para que o princípio ativo exerça o seu efei-
to biológico é necessário que ele seja transportado pelos líquidos corporais atra-
vés das membranas biológicas, resista à degradação metabólica, penetre em con-
centração adequada no local de ação e interaja de modo específico provocando o 
efeito farmacológico desejado. 
Como a maioria dos princípios ativos é instável e inviável de ser administra-
da isoladamente por uma determinada via, raramente eles são administrados 
diretamente aos pacientes. O comum é transformá-los em medicamentos está-
veis que tenham suas características organolépticas indesejáveis mascaradas e 
uma dose padronizada de fácil administração, dando ao paciente maior conforto 
e assegurando a inocuidade e a ação farmacológica desejada. A transformação de 
princípios ativos em medicamentos leva em consideração suas características 
físicas e químicas, seu comportamento biológico, as possíveis interações entre o 
princípio ativo e as substâncias auxiliares "inertes" (adjuvantes) necessárias ao 
preparo da form).llação, a via de administração a ser empregada e, ainda, os fato-
res tecnológicos' de produção. Essa transformação, feita através do emprego de 
operações farmacêuticas, permite obter uma adequada forma farmacêutica (com-
primido, solução, pomada etc.) para ser administrada pela via desejada. 
Os fenômenos que se manifestam após a administração do medicamento de-
pendem da via de administração (oral, parent~ral, retal, vaginal, nasal e pulmo-
CAPÍTULO 3 43 
http://www.pdfill.com
nar, tópica), da forma farmacêutica, das características físico-químicas do prin-
cípio ativo (taxa de ligação às proteínas plasmáticas, meia-vida plasmática, so-
lubilidade, coeficiente de partição), do indivíduó (sensível ou tolerante) e/ou 
da fórmula farmacêutica empregada1 • Diferenças de biodisponibilidade serão 
observadas para um mesmo princípio ativo ao se variar a via de administração, 
a forma ou a fórmula farmacêutica. Até mesmo a modificação da tecnologia de 
fabricação do medicamento pode alterar a biodisponibilidade, aumentando, 
reduzindo ou eliminando a atividade do medicamento, ou ainda, promovendo 
o surgimento de efeitos colaterais e/ou tóxicos32• 
Existem numerosas classificações para os medicamentos. Elas podem se ba-
sear na ação farmacológica do princípio ativo, no número de princípios ativos 
presentes na fórmula, na forma farmacêutica, no método de fabricação, na via de 
administração a ser utilizada etc. No presente capítulo vamos discutir as formas 
farmacêuticas de acordo com a via de administração a ser utilizada. 
PASSAGEM DE PRINCÍPIOS ATIVOS ATRAVÉS DAS MEMBRANAS 
BIOLÓGICAS 
Membranas biológicas são estruturas presentes nos organismos, que delimi-
tam uma célula em relação à outra e uma organela de outra. Elas possuem dois 
constituintes: os lipídios e as proteínas. Os lipídios são responsáveis pela com-
partimentalização das células e organelas. Por serem anfifílicos eles se organi-
zam no meio aquoso, numa estrutura supramolecular disposta em bicamadas, 
tendo nas extremidades das porções externa e interna um caráter hidrofílico e no 
centro um caráter lipofilico. Esta "barreira lipídica" impede ou dificulta a absor-
ção de diversos princípios ativos. Já as proteínas são estruturas que conferem 
vida à célula, trocando massa e energia com o meio externo. Existem proteínas 
intra e extracelulares responsáveis por estas funções. As membranas do organis-
mo podem ser compostas por várias camadas de células como é o caso da pele, 
por uma única camada de células (epitélio intestinal) ou com menos de uma 
célula de espessura (membranacelular propriamente dita). Na maioria das ve-
zes, o princípio ativo passa por mais de um tipo de membrana antes de atingir o 
local de ação numa concentração efetiva31 • 
Grande parte dos princípios ativos é absorvida por difusão passiva. O termo 
difusão passiva descreve a passagem de moléculas através de uma membrana 
que tem comportamento inerte no tocante ao fato de não participar do processo. 
O processo de difusão passiva é regulado pela primeira lei de Fick23 •33 , 
V KD S (C1 C2) I e, onde: 
V velocidade de absorção do princípio ativo através das membra-
K 
nas 
coeficiente de partição do princípio ativo na membrana biológi-
ca/meio aquoso 
coeficiente de difusão do princípio ativo na membrana 
superfície de contato da membrana 
concentração do princípio ativo no local de absorção 
concentração do princípio ativo no sangue 
diferença entre as concentrações de cada lado da membrana 
espessura da membrana 
COEFICIENTE DE pARTIÇÃO MEMBRANA BIOLÓGICA/MEIO AQUOSO 
Membranas celulares são altamente permeáveis a substâncias lipossolúveis. 
A velocidade de difusão de um princípio ativo através da membrana depende 
44 CAPíTULO 3 
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não só da sua concentração, mas também da extensão relativa de sua afinidade 
pelos lipídios. Quanto mais hidrofóbico for o princípio ativo, maior será a velo-
cidade de penetração na membrana. In vitro, a capacidade de um princípio ativo 
penetrar nas membranas biológicas pode ser avaliada através do coeficiente de 
partição, o qual descreve a relação entre as concentrações do princípio ativo na 
fase lipídica (1-octanol) e na fase hidrofilica (água). Em princípio, podemos afir-
mar que quanto maior for o coeficiente de partição, maior será a lipossolubilida-
de do princípio ativo4 e maior será a velocidade de transporte através das mem-
branas, como é o caso da eritromicina base que, por possuir maior coeficiente de 
partição do que o seu sal (estolato de eritromicina), é preferível para o tratamen-
to da acne onde se deseja a penetração na pele. Entretanto, é necessário que o 
princípio ativo tenha uma certa hidrossolubilidade a fim de se distribuir nos 
meios aquosos do organismo e passar através da membrana. Em termos gerais, 
princípios ativos que têm uma reduzida lipossolubilidade (baixo coeficiente de 
partição) apresentam uma pequena penetração na membrana, e, por conseqüên-
cia, são encontrados em baixa concentração na corrente sangüínea. Para princí-
pios ativos que têm boa lipossolubilidade (médio coeficiente de partição), ocorre 
boa (ou ótima) penetração na membrana, gerando uma alta concentração na cor-
rente sangüínea. Princípios ativos altamente lipofilicos não saem da membrana 
(não penetram) já que é o local onde eles terão uma mâxima solubilidade. 
TAMANHO MOLECULAR E DIFUSMDADE 
O coeficiente de difusão do princípio ativo na membrana é específico do prin-
cípio ativo e da membrana, não varia à temperatura constante e é dependente do 
coeficiente de partição e do tamanho molecular do princípio ativo. Além de se 
difundir através das membranas biológicas, os princípios ativos devem também 
se difundir ao longo da forma farmacêutica, como é o caso dos comprimidos 
matriciais que possuem uma matriz polimérica envolvendo o princípio ativo e 
controlando sua cinética de liberação. Princípios ativos que têm baixa massa 
molar, ou seja, aqueles de pequeno tamanho, se difundem mais rapidamente 
através das membranas biológicas e das matrizes poliméricas. 
CoNCENTRAÇÃO DO PRINcíPIO ATIVo NO LOCAL DE ABsoRÇÃo, SUPERFÍCIE DE 
CoNTATO E EsPEsSURA DA MEMBRANA 
Como a concentração do princípio ativo no local de absorção normalmente é 
muito maior do que do outro lado da membrana, devido à sua rápida diluição no 
sangue e distribuição para os tecidos, a duplicação da dose dobra a quantidade 
do fârmaco absorvido. Princípios ativos serão preferencialmente absorvidos em 
membranas de maior superfície de contato, como é o caso dos intestinos em 
relação ao estômago. Quanto à espessura da membrana, não podemos interferir. 
VIA ORAL 
CONSIDERAÇÓES GERAIS 
A função do aparelho digestivo é a absorção da maior parte dos elementos 
necessários à manutenção da vida. Por isso, é a.via màis natuiãl para a introdu-
ção de medicamentos no organismo. A via oral tem sido usada em mais de 80% 
dos tratamentos fora do ambiente hospitalar e também é a via mais utilizada para 
a automedicação. Diversos outros fatores são responsáveis por esta elevada utili-
zação: é uma via inócua quando comparada c~m a via parenteral, que possui um 
CAPITULO 3 45 
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dano potencial no sitio de administração, mais confortável, de fácil aceitação 
pelo paciente e não necessita de pessoal especializado para sua utilização. Além 
disso, as formas farmacêuticas fabricadas para esta via são de fácil conservação e 
não necessitam de instalações sofisticadas para serem obtidas. Estes fatores não 
são os únicos para a escolha da via oral. Ela é praticamente a única possível para 
problemas digestivos relativos à insuficiência enzimática, infecções intestinais, 
parasitoses, ou, ainda, quando se deseja uma proteção da mucosa, como no caso 
de inflamações ou de ulcerações. Por via oral existem duas possibilidades de 
absorção dos princípios ativos: a boca e o trato gastrintestinal22 • 
Na boca, na face superior da lmgua, ocorre uma absorção de princípios ativos 
quase nula enquanto que na face inferior a presença de ramificações capilares e 
de uma mucosa muito delgada facilita a absorção, sendo o local de administra-
ção de prmcípios ativos pela via sublingual. A maior parte dos medicamentos 
administrados por via oral tem um tempo de contato na boca extremamente pe-
queno para que ocorra uma absorção. Por outro lado, existem formas farmacêuti-
cas sólidas, como os comprimidos sublinguais e as pastilhas, que são deixados 
na boca por um tempo mais prolongado. Após a liberação dos princípios ativos 
dessas formas farmacêuticas pela saliva, ocorre a absorção através da mucosa 
bucal. Como o sangue venoso da região bucal é distribuído através do organismo 
sem passar pelo fígado, princípios ativos absorvidos por esta via não sofrerão 
metabolismo da primeira passagem hepática. Além disso, os vasos linfáticos pro-
venientes de todos os pontos da boca podem eventualmente contribuir na absor-
ção e distribuição de certos princípios· ativos11• 
Princípios ativos liberados no trato gastrintestinal não são completamente 
absorvidos na circulação sistêmica. Depois de serem administrados, ocorre uma 
diminuição da biodisponibilidade dos medicamentos devido às variações fisio-
lógicas do trato gastrintestinal. às características físico-químicas do princípio 
ativo/adjuvantes/formulação, e devido, ainda, à biotransformação pré-sistêmica. 
Entre os aspectos fisiológicos que podem modificar a absorção gastrintestinal de 
princípios ativos citamos as variações da flora bacteriana, com ou sem alimento, 
as variações do tempo de trânsito gastrintestinal (10 minutos a 12 horas) as vari-
ações do pH (1 a 8), certas patologias que podem alterar a duração do trânsito, a 
presença e o tipo de alimento ingerido (lipídios, proteínas, carboidratos), e, ain-
da, a composição enzimática e de sais biliares15• Substâncias de origem protéica, 
como a insulina, podem ser destruídas pelas enzimas proteolíticas do trato gas-
trintestinal e enzimas da flora intestinal podem inativar a penicilina35 • A bio-
transformação pré-sistêmica do princípio ativo no espaço gastrintestinal pode 
ocorrer nas paredes das membranas e/ou no fígado. Após atravessar a parede 
intestinal, as moléculas do princípio ativo são transportadas pela veia porta até o 
fígado antes de atingir a circulação. Princípios ativos que são fortemente metabo-
lizados no fígado podem sofrer uma transformação significativa quando da sua 
primeira passagem hepática21 • Diversos são os princípios ativos que são subme-
tidos a este metabolismo: analgésicos, como o ácido acetilsalicílico, antiangíni-
cos, como a nitroglicerina,anestésicos, como a lidocaína etc. Esta transformação 
pode variar de um indivíduo para o outro7 • 
COMPORTAMENTO DOS MEDICAMENTOS NO TRATO GASTRINTESTINAL 
Para que o princípio ativo administrado pela via oral exerça sua função é 
necessário que ele seja liberado e dissolvido da forma farmacêutica (no caso de 
formas farmacêuticas sólidas), seja estável frente às variações de pH do trato 
gastrintestinal, não seja inativado pelas enzimas, nem pelo bolo alimentar e per-
maneça o tempo planejado no trato gastrintestinal5·24. 
46 CAPITULO 3 
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Liberação/Dissolução do Princípio Ativo 
Para que um princípio ativo seja absorvido é necessário que ele esteja dissol-
vido no local de absorção16• À medida que as primeiras partículas sólidas são 
desintegradas ou dissolvidas cria-se uma camada líquida contendo o princípio 
ativo. Esta camada é denominada camada de difusão. Se o processo de dissolu-
ção do princípio ativo for rápido, ou se ele for administrado na forma de solução 
e permanecer no organismo corno tal, a velocidade em que o princípio ativo 
começa a ser absorvido torna-se dependente de sua capacidade de atravessar as 
barreiras da membrana. Contudo, se a velocidade de dissolução do princípio 
ativo for lenta, devido às suas características físico-químicas ou da forma farma-
cêutica, o processo de dissolução torna-se a etapa que vai limitar a velocidade de 
absorção. Princípios ativos cuja solubilidade é lenta ou medicamentos mal for-
mulados podem não ser completamente absorvidos e podem ser excretados inal-
terados pelas fezes. 
A dissolução do princípio ativo pode ser descrita pela equação de Noywes-
Whitney14: 
dC/dT 
dC/dT 
K 
s 
Cs 
Ct 
K S (Cs- Ct), onde: 
velocidade de dissolução (variação da concentração em função 
do tempo) 
constante da velocidade de dissolução 
área superficial das partículas a serem dissolvidas 
solubilidade mãxima do princípio ativo no solvente 
concentração do princípio ativo no meio de dissolução no mo-
mentot 
(Cs- Ct) gradiente de concentração 
A constante da velocidade de dissolução (K) compreende muitos fatores, tais 
como a agitação, a temperatura, a viscosidade do solvente empregado e o pH do 
meio de dissolução. O aumento da área superficial das partículas a serem dissol-
vidas (S) não aumenta a solubilidade do princípio ativo; ela permanece a mes-
ma. Ela é capaz de aumentar a velocidade de dissolução de princípios ativos. 
Controlando a área superficial do princípio ativo podemos projetar medicamen-
tos de ação imediata ou controlada. Como a concentração de saturação do prin-
cípio ativo na camada de difusão corresponde à solubilidade mãxirna do fárma-
co no solvente (Cs), ela não pode ser mudada significativamente. A concentração 
do princípio ativo no meio de dissolução em um determinado momento t (Ct) 
geralmente é subempregado, utiliza-se urna quantidade inferior a 20% de sua 
solubilidade rnãxin1a. 
Um exemplo prático da manipulação dessas variáveis são os comprimidos de 
ãcido acetilsalicílico (AAS) tamponados efervescentes. Esses comprimidos pos-
suem adjuvantes alcalinos que aumentam a velocidade de dissolução do AAS no 
estômago com a liberação do C02 que agita os sucos gástricos. Esta modificação 
tecnológica aumenta a velocidade de absorção do AAS, constituindo um meio 
mais rápido para o alívio da cefaléia do que os comprimidos tradicionais de 
AAS. 
Diferenças na biodisponibilidade podem ser obtidas se utilizarmos um prin-
cípio ativo na forma cristalina ou amorfa, diferentes formas moleculares do prin-
cípio ativo, ou, ai.Ii.da, utilizando um principio ativo hidratado ou não. 
Fonna Cristalina ou Amorfa do Princípio Ativo 
Formas farmacêuticas sólidas podam se:c elaboradas com princípios ativos 
cristalinos puros, de forma identificável e definida, ou com partículas amorfas. 
CAPITULO 3 47 
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Certos medicamentos podem ser produzidos com as duas formas (cristalina e 
amorfa). Como a forma amorfa é mais solúvel do que a cristalina, podem ocorrer 
diferenças na absorção, implicando diferenças na atividade farmacológica. Como 
exemplo, podemos citar a utilização da forma amorfa da insulina para obter um 
medicamento de ação imediata (insulina semilenta), a forma cristalina para ob-
ter um medicamento de ação prolongada !insulina ultralenta) ou uma mistura 
contendo 30% da forma amorfa com 70% da forma cristalina para obter um me-
dicamento de ação intermediária entre as duas acima citadas (insulina lenta). 
Entretanto, princípios ativos de diferentes fabricantes podem ter estabilidade e 
efeito terapêutico diferentes, dependendo da forma utilizada. Isto ocorre devido 
ao polimorfismo dos princípios ativos, ou seja, a capacidade de eles existirem 
em mais de uma forma cristalina, formando diferentes tipos de cristais, depen-
dendo das condições sob as quais a cristalização foi induzida. Além disso, o 
polimorfismo pode gerar uma estrutura menos estável (sais de K ou Na de peni-
cilina G na forma amorfa), ou até mesmo estrutura inativa (palmitato de cloran-
fenicol na forma cristalina). 
Forma Molecular do Princípio Ativo 
Na maioria das vezes, a velocidade de dissolução de um princípio ativo na 
forma de sal é muito melhor do que na forma base10• Como resultado teremos 
uma saturação mais rápida da camada de difusão que circunda a particula em 
dissolução e, conseqüentemente, uma difusão mais rápida do princípio ativo para 
o local de absorção. Como exemplo, podemos citar a utilização do sal de etilenodi-
amina da teofilina, o qual é cinco vezes mais solúvel do que a teofilina base. 
Estado de Hidratação do Princípio Ativo 
·Este fator pode afetar sua solubilidade e o padrão de absorção. Geralmente a 
forma anidra de uma molécula orgânica é mais solúvel e leva a uma maior velo-
cidade de absorção do que a forma hidratada. Como exemplo, podemos citar a 
forma anidra da ampicilina que é mais solúvel do que a sua forma hidratada e, 
devido a este fator, tem uma maior velocidade de absorção. 
Influência da Idade do Paciente, do Bolo Alimentar e das Variações 
de pH na Absorção Gastrintestinal 
A idade do paciente, a presença do bolo alimentar e as variações de pH po-
dem alterar a absorção do princípio ativo no trato gastrintestinal. Nos idosos, a 
acidez gástrica, o número de células absortivas, o fluxo sangüíneo intestinal e a 
motilidade intestinal encontram-se diminuídos, podendo levar a alterações da 
biodisponibilidade dos princípios ativos. Por exemplo, princípios ativos sensí-
veis à acidez gástrica podem apresentar redução da sua atividade farmacológica 
em pacientes que apresentam elevado tempo de esvaziamento gástrico. Por ou-
tro lado, princípios ativos que aumentam a motilidade gástrica, como os laxan-
tes, podem fazer com que alguns medicamentos movam-se com muita rapidez 
pelo trato gastrintestinal e passem do local de absorção em tal velocidade que a 
quantidade absorvida é reduzida. Além de diminuir o tempo de esvaziamento 
gástrico, determinados princípios ativos podem interagir com constituintes do 
bolo alimentar, alterando a sua solubilidade, ocasionando desvios de absorção, 
como é o caso da tetraciclina, que pode interagir com os íons cálcio, magnésio e/ 
ou alumínio levando à diminuição de sua absorção. As variações de pH do trato 
gastrintestinal influenciam a dissolução, a lipossolubilidade, a penetração e a 
48 CAPITULO 3 
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velocidade de absorção dos princípios ativos através do trato gastrintestinal36• 
Entretanto, após administração oral do medicamento e a dissolução do princípio 
ativo, o intestino é o local preferencial de absorção já que a sua membrana pos-
sui maior superfície de contato. 
FoRMAS FARMACÊUTICAS SóliDAS DE ADMINISTRAÇÃO ORAL 
Pós e Granulados 
Pós e granulados são formas farmacêuticas sólidas destinadas à administra-
ção oral. Os pós são preparações constituídas de partículas sólidas finas e os 
granulados são obtidos aglomerando-se as partículas de um pó, sob a forma de 
grãos. Eles contêm princípios ativos,sendo adicionados ou não de adjuvantes. 
Os pós e granulados orais são geralmente administrados com um líquido, 
freqüentemente água, mas podem, às vezes, ser administrados a seco. Os pós 
efervescentes são destinados a ser dissolvidos em água antes da administração. 
Eles contêm uma mistura de ácidos e de bicarbonato ou carbonato que reagem 
ao contatar com a água, liberando gás carbônico. Eles são apresentados sob a 
forma multidose ou unidose. Quando estas formas farmacêuticas são dispensa-
das na forma unitária sólida, como é o caso do fracionamento de doses infantis, 
eles são denominados papéis medicamentosos. 
Cápsulas Gelatinosas Duras 
Cápsulas gelatinosas são constituídas de gelatina, apresentando duas partes 
cilíndricas alongadas que se fecham uma na outra, contendo no seu interior prin-
cípios ativos na forma de pós ou granulados e um pó inerte destinado a comple-
tar o seu volume. O acondicionamento de princípios ativos em cápsulas gelati-
nosas tem como objetivo proteger o princípio ativo da umidade, da oxidação, da 
luz, para mascarar o gosto ou odor de um medicamento, ou ainda para proteger 
o medicamento contra a ação do suco gástrico (cápsulas gelatinosas gastrorresis-
tentes ou enterossolúveis). 
O revestimento gastrorresistente tem como objetivo proteger o princípio ati-
vo da destruição em meio gástrico (substâncias protéicas, antibióticos}, proteger 
a mucosa gástrica do contato direto com certas substâncias irritantes e/ou necro-
santes (ácido acetilsalicílico, sais de ferro), impedir uma diluição do princípio 
ativo no suco gástrico para favorecer uma ação local em meio intestinal (antibió-
ticos, anti-helmínticos} e, ainda, visa favorecer a liberação do medicamento no 
sítio adequado de absorção. Duas são as características do revestimento gastrorre-
sistente: a) em meio gástrico, o revestimento deve resistir à ação do pH compreen-
dido entre 1,0 e 3,5 e às enzimas durante um período de tempo de até seis horas; b} 
após chegar no intestino delgado, o revestimento entérico deve se desintegrar ou 
se dissolver principalmente sob a ação do pH intestinal, compreendido entre 5,0 e 
6,0, liberando os princípios ativos no jejuno, onde a absorção é melhor. 
A absorção de princípios ativos contidos nas formas enterossolúveis é muito 
variável não somente de um indivíduo a outro, mas também para uma mesma 
pessoa. Estas diferenças são devidas, por um lado, às variações do tempo de 
retenção em meio gástrico e, por outro, às variações do pH gastrintestinal. Quan-
do da utilização dessas formas farmacêuticas deve-se evitar, sémpre que possí-
vel, períodos prolongados de trânsito gastrintestinal. Aconselha-se ao paciente 
que administre o medicamento entérico longe de refeições abundantes e ricas 
em lipídios que provocam um trânsito pl'olongado. Além disso, é aconselhado ao 
paciente não administrar um medicamento e~terossolúvel ao mesmo tempo do 
CAPÍTULO 3 49 
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que o leite (pH 6,5) ou qualquer outra bebida alcalina, como os antiácidos, sob 
pena de provocar a dissolução prematura do revestimento no estômago. 
Cápsulas Moles 
As cápsulas moles são preparações sólidas unidoses, de capacidade variável. 
contendo na sua constituição substâncias emolientes, como a glicerina ou o sor-
bitol, geralmente de forma oval. contendo no seu interior princípios ativos líqui-
dos ou pastosos. 
Comprimidos e Pastilhas 
Comprimidos são preparações sólidas, contendo cada um uma unidade de 
dose. Eles são obtidos aglomerando-se por compressão um volume constante de 
partículas sólidas constituídas por um ou diversos princípios ativos, adiciona-
dos ou não, de adjuvantes. Os comprimidos são principalmente destinados à via 
oral. De acordo com a sua composição, seu modo de fabricação ou seu destino 
eles podem ser classificados em diversas categorias: 
Comprimidos não revestidos: são destinados a serem deglutidos, liberando os 
princípios ativos logo após sua desintegração e dissolução no estômago. 
Comprimidos efervescentes: são destinados a ser dissolvidos ou dispersos na 
água antes de ser administrados. Eles são comprimidos não revestidos que con-
têm substâncias ácidas e bicarbonato ou carbonato, que reagem em presença de 
água, liberando gás carbônico. 
Comprimidos revestidos: têm sua superfície recoberta com uma ou mais ca-
madas de substâncias destinadas a mascarar o odor ou o sabor dos princípios 
ativos e/ou os proteger do ar, luz e da umidade. Quando o revestimento é muito 
fino ele é denominado peliculado. 
Comprimidos gastrorresistentes: são recobertos por uma ou mais camadas de 
substâncias que resistem à ação do suco gástrico e somente se desagregam no 
meio intestinal. 
Comprimidos de liberação modificada: são aqueles preparados com adjuvan-
tes especiais e/ou processos destinados a modificar de maneira desejada a veloci-
dade ou o lugar de liberação dos princípios ativos. 
Comprimidos destinados à cavidade bucal: permitem a liberação e a absorção 
dos princípios ativos sob a língua (comprimidos sublinguais). 
Pastilhas: são preparações sólidas, preparadas ou não po~ompressão, desti-
nadas a serem dissolvidas lentamente na boca. Na maioria das vezes, elas con-
têm uma forte proporção de sacarose. 
Comprimidos gastrorresistentes e comprimidos de liberação modificada de-
vem ser administrados integros; eles não podem ser partidos ou mastigados sob 
pena de não exercerem a função para a qual foram projetados. 
Comprimidos sublinguais e pastilhas são freqüentemente de pequeno tama-
nho para não incomodar o paciente; são constituídos de produtos hidrossolú-
veis, como os açúcares, e são formulados de maneira a dissolver lentamente. 
FoRMAS F ARMACÊtrriCAS LIQUIDAS DE ADMINISTRAÇÃO ORAL 
Geralmente, na preparação de formas farmacêuticas líquidas para adminis-
tração oral são utilizadas duas classes de adjuvantes. Aqueles que têm como 
objetivo melhorar as características organolépticas do produto final, como os 
edulcorantes, flavorizantes e corantes, e aqueles destinados a garantir a estabili-
dade microbiológica das formulações, os conservantes. 
50 CAPfTULO 3 
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Soluções 
As soluções são preparações líquidas, homogêneas, obtidas misturando-se 
um sólido ou um líquido com um solvente. Os solventes mais empregados têm 
sido a água para sais minerais e orgânicos, ácidos, bases, açúcares e matérias 
mucilaginosas; o etanol para determinados sais minerais e orgânicos, alcalóides, 
glicosídeos, resinas e essências; a glicerina para diversos sais, açúcares e alcalói-
des; o propilenoglicol para princípios ativos insolúveis ou pouco solúveis na 
água e os óleos para essências, ácidos aromáticos e alcalóides na forma base. 
A concentração das soluções tem sido expressa, na maioria dos casos, em 
porcentagem. Entretanto, líquidos biológicos e soluções para perfusão são ex-
pressos freqüentemente em miliequivalente (mEq). 
Xaropes 
Xaropes são medicamentos líquidos, de sabor doce, consistência viscosa, des-
tinados ao uso interno. Eles têm como constituintes principais açúcar (sacarose, 
glicose) ou polióis (sorbitol, manitol) dissolvidos ou dispersos em água junta-
mente com o princípio ativo e adjuvantes. 
Elixires 
Elixires são preparações líquidas, contendo uma certa proporção de álcool, 
de xarope e/ou de glicerol. Seu título alcoólico varia entre 20% a 50%. O empre-
go dessa variedade de solventes, na maioria dos casos, visa solubilizar o princí-
pio ativo, obtendo uma preparação farmacêutica estável. 
Colutórios 
Colutórios são preparações destinadas a ser aplicadas sobre as mucosas da 
boca ou da garganta. Seu emprego é facilitado pela sua consistência relativamen-
te viscosa devido ao uso de glicerina, xarope ou mel como adjuvantes. O princí-
pio ativo dos colutórios é habitualmente um anti-séptico, antibiótico e/ou um 
anestésico local. Existem no mercado colutórios que são administrados na forma 
de spray, ou seja, uma solução aquosa é acondicionada em um frasco pulveriza-
dor. Este é constituído de um recipientemunido de uma bomba que funciona 
sob pressão do dedo e um êmbolo que permite a pulverização na garganta. 
Banhos de Boca e Garganta 
São medicamentos líquidos destinados à lavagem da boca e da garganta. Eles 
não devem ser engolidos, devendo permanecer um tempo limitado na boca e 
depois descartados. Os princípios ativos são dissolvidos ou dispersos em água e 
os mais freqüentes são os anti-sépticos, adstringentes ou calmantes. Existem ain-
da preparações formuladas a partir de plantas que são preparadas por decocção 
ou maceração. 
Suspensões 
Suspensões são formas farmacêuticas líquidas contendo um ou mais princí-
pios ativos insolúveis no veículo. As principais razões para a utilização destas 
formas são a baixa solubilidade do princípio ativo, a melhoria de suas caracterís-
ticas organolépticas, a baixa estabilidade do J?rincípio ativo e a possibilidade de 
C APITULO 3 51 
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controle de sua biodisponibilidade, através de variações no tamanho das partí-
culas insohíveis e da viscosidade do veículo12• 
Como principais desvantagens podemos citar a possibilidade de modifica-
ções na dose administrada ao paciente devido à sedimentação do material inso-
lúvel, polimorfismo do princípio ativo ou crescimento de cristais no meio de 
dispersão, possibilidade de evaporação do solvente, acarretando modificação na 
concentração do princípio ativo e possibilidade de alterações nas caracteristicas 
do sistema pela ação da temperatura. 
Além dos adjuvantes usuais das formas farmacêuticas líquidas, pode ser ne-
cessário, em função das características físico-químicas dos princípios ativos vei-
culados, o emprego de outros adjuvantes, tais como: molhantes {tensoativos de 
natureza não iônica), eletrólitos (geralmente fosfatos) e agentes suspensores (de-
rivados da celulose, gomas naturais ou argilas especiais). 
Entre os principais exemplos de suspensões orais, por categoria, podemos 
destacar: antiácidos, como os sais de alumínio e magnésio; anti-helminticos, como 
o tiabendazol; antiinflamatórios não esteroidais, como a indometacina, e anti-
fúngicos, como a nistatina. 
Alguns princípios ativos não apresentam estabilidade de prateleira adequada 
quando preparados inicialmente na forma de suspensão. Nestes casos são prepa-
rados pós para a reconstituição da suspensão no momento de sua utilização. A 
reconstituição é obtida pela adição de volume indicado de solvente apropriado, 
geralmente água purificada, normalmente no próprio recipiente que contém o 
pó, seguida de agitação manual. A agitação deverá ser repetida antes de cada 
administração do produto. Uma vez reconstituída a suspensãp, ela apresentará 
um limitado tempo de prateleira que, geralmente, se devidamente armazenada, 
não excede um período de poucas semanas. Como exemplo de princípio ativo 
instável em veículo aquoso, podemos citar a amoxicilina, que em suspensão pode 
ser utilizada por 15 dias se mantida no refrigerador, porém o pó seco, incluindo 
adjuvantes, pode ser armazenado por mais de dois anos. É importante destacar 
que, com pós para a reconstituição, a suspensão será reconstituída imediatamen-
te antes de sua utilização, sem o emprego de equipamentos de agitação, comuns 
em instalações industriais. Assim, faz-se necessária a obtenção de um pó com 
quantidades mínimas de adjuvantes e de fácil dispersão no veículo. 
Entre os exemplos de pós para reconstituição podemos destacar antibióticos 
{como a ampícilina, o cefaclor e o etilsuccinato de eritromicina) e contrastes 
radiopacos utilizados em procedimentos de diagnóstico {sulfato de bário). 
Emulsões 
Emulsões são formas farmacêuticas líquidas constituídas pela dispersão de 
duas fases imiscíveis, uma de natureza hidrofílica {denominada fase aquosa) e 
outra de natureza lipofílica (denominada fase oleosa), estabilizadas por agente 
emulsionante adequado5 • Quando a fase dispersante, ou externa, é aquosa, e a 
dispersa, ou interna, é oleosa, temos uma emulsão do tipo óleo em água (O/A). 
Ao contrário, as emulsões que apresentam fase dispersante oleosa são designa-
das de emulsões água em óleo (NO). Para administração oral, as emulsões do 
tipo O/A são as mais comuns devido às características organolépticas desagradá-
veis da fase oleosa. Além disso, a fase aquosa externa pode ser edulcorada e 
flavorizada facilitando, assim, a ingestão do produto. Na estabilização de emul-
sões destinadas à administração oral somente emulsionantes não iônicos, como 
os polissorbatos, ou naturais, como a goma arábica, são utilizados. Por se trata-
rem de sistemas dispersos, as emulsões devem ser agitadas antes de ser adminis-
tradas. 
52 CAPiTULO 3 
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Como exemplo de preparações empregadas, podemos citar a emulsão de óleo 
mineral, empregada como catártico lubrificante; a de óleo de mamona, utilizada 
como laxante, e a de dimeticona, que age no trato gastrintestinal modificando a 
tensão superficial das bolhas de gás, permitindo, assim, sua eliminação. 
Tinturas, Alcoolaturas, Alcoolatos, Espíritos, Chás e Extratos Fluidos 
As tinturas são preparações líquidas resultantes da extração por percolação 
ou maceração, utilizando como solvente o álcool sobre uma ou diversas substân-
cias medicamentosas, geralmente de origem vegetal, ou, às vezes, de origem mi-
neral ou animal. O que diferencia as tinturas das alcoolaturas é que as tmturas 
são obtidas a partir da planta seca e as alcoolaturas a partir da planta in natura. A 
atividade em ambos os casos é similar, entretanto a natureza do princípio ativo 
varia freqüentemente entre a planta in natura e a planta seca.· Em homeopatia as 
tinturas-mãe são, na verdade, alcoolaturas. 
Os alcoolatos são medicamentos aromáticos obtidos a partir da maceração de 
uma ou de diversas substâncias medicamentosas, seguida de uma destilação. Os 
espíritos são medicamentos obtidos por dissolução de uma ou diversas essências 
ou produtos aromáticos no álcool. 
O chá é uma forma farmacêutica líquida, preparada extemporaneamente por 
extração aquosa de drogas vegetais por maceração, infusão ou decocção. Como 
são pouco carregados em princípios ativos, os chás servem de bebida habitual 
aos doentes e são freqüentemente edulcorados. Os extratos fluidos são prepara-
ções líquidas extrativas obtidas de drogas vegetais ou animais por extração com 
líquido apropriado ou por dissolução do extrato seco correspondente. 
VIA PARENTERAL 
CONSIDERAÇÕES GERAIS 
O termo parenteral refere-se às vias de administração injetáveis. As vias mais 
freqüentemente utilizadas são intradérmica, subcutânea, intramuscular e intra-
venosa. Na via intradérmica a administração do medicamento é superficial, limi-
tada à aplicação de pequenos volumes (em tomo de 0,1ml) e é muito utilizada 
para diagnósticos. Na administração subcutânea, muito utilizada para processos 
de imunização, o medicamento é administrado sob a camada cutânea em volu-
mes reduzidos (até Zml). Na via intramuscular a administração é feita direta-
mente no tecido muscular, sendo possível administrar volumes maiores de me-
dicamento (até 10ml]. Apesar desta via proporcionar uma absorção rápida do 
principio ativo, pode-se obter perfis farmacocinéticos distintos controlando a 
viscosidade da preparação e/ou o tamanho das partículas, como é o caso das 
suspensões. Já pela via intravenosa pode-se administrar injetáveis de pequeno e 
de grande volume diretamente no compartimento venoso, permitindo um efeito 
farmacológico imediato, assim como uma liberação sustentada do princípio ati-
vo no organismo, se desejáveF6 • 
A administração parenteral apresenta uma série de vantagens, tais como a 
obtenção de um efeito imediato do princípio ativo, permite evitar a sua inativa-
ção pelo ataque de enzimas digestivas, como pode ocorrer pela via oral, e, ainda, 
a administração de medicamentos a pacientes inconscientes ou que não aderem 
ao tratamento. Entretanto, pela via parenteral podem ocorrer eventuais erros na 
administração de medicamentos levando a uma toxicidade local e/ou sistêmicado paciente; pode ser um fator doloroso real ou psicológico e, ainda, por exigir 
uma pureza excepcional dos medicamentos que são administrados diretamente 
CAPITULO 3 53 
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através das barreiras protetoras do organismo (pele e mucosas), a terapia por 
injeções é cara quando comparada com outras formas de tratamento. 
FoRMAS FARMACÊtiTICAS ADMINISTRADAS POR VIA PARENTERAL 
As formas farmacêuticas mais utilizadas são as soluções injetáveis; aquosas 
ou oleosas; as suspensões; pós líofilizados a serem dissolvidos ou dispersos no 
momento da administração e, mais recentemente, as dispersões coloidais, tais 
como os lipossomas (vesículas constituídas por bicamadas lipídicas contendo 
um compartimento aquoso central). 
Uma série de precauções é necessária no preparo de medicamentos parente-
rais. Eles devem ser estéreis (inclusive os pós para reconstituição), apirogênicos, 
isotônicos, isentos de materiais particulados, os solutos e solventes devem apre-
sentar elevada pureza química e microbiológica, devem ser preparados em am-
bientes controlados por pessoal qualificado e isentos de corantes. 
Medicamentos injetáveis para administração endovenosa ou intramuscular, 
em decorrência do volume administrado e da via de administração utilizada, 
devem apresentar um nível de pirogênio abaixo do limite estipulado pela Farma-
copéia Brasileira. Pirogênios são substâncias de natureza lipopolissacarídica pre-
sentes na parede celular de bactérias gram-negativas (endotoxinas), de gram-
positivas (exotoxinas) e nos fungos, que são capazes de induzir o aparecimento 
de um estado febril, podendo prejudicar o tratamento do paciente. Pirogênios 
são termoestáveis quando esterilizadõs por autoclave e filtráveis (passam por 
membranas filtrantes); entretanto eles são destruídos por agentes oxidantes, pelo 
calor seco (250°C durante 30 minutos, por exemplo) ou através de ultrafiltração. 
Apesar da principal fonte de pirogênios ser a água utilizada nas preparações 
farmacêuticas, eles podem também advir de matérias-primas, assim como de 
materiais utilizados no preparo, acondicionamento e administração dos medica-
mentos. 
Soluções injetáveis de uso intravenoso devem ser isotônicas a fim de se evitar 
danos ao paciente corno a hernólise (formulação hipotônica em relação ao san-
gue) ou plasrnólise (formulação hipertônica com relação ao sangue). 
Materiais particulados, presentes ou gerados no local de trabalho, devem ser 
controlados para evitar que atuem como carreadores de microrganismos para os 
medicamentos. A área de manipulação das preparações injetáveis deve conter 
no máximo 10.000 partículas de 0,5J.lm por pé cúbico de ar aspirado e a área de 
envase no máximo 100. A eliminação de 20% dos contaminantes do ar pode ser 
feita filtrando-o, através de filtros HEPA (high efftciency particulate air), e reno-
vando-o continuamente. O ambiente deve ser constantemente validado quanto à 
presença de partículas totais e viáveis (microrganismos). A área classe 100 pode 
ser obtida utilizando módulos de fluxo laminar horizontal ou vertical. Outros 
20% de contaminantes podem ser eliminados controlando a geração de partícu-
las originárias de matérias-primas, equipamentos e instalações. As matérias-pri-
mas devem ser puras, e paredes, pisos, tetos e bancadas, de fácil limpeza e resis-
tentes ao ataque de substâncias químicas utilizadas como sanitizantes. O contro-
le da umidade e temperatura também é necessário para garantir condições im-
próprias ao crescimento de microrganismos e, ao mesmo tempo, proporcionar 
conforto ao operador. A maior fonte de contaminação (60%) é representada pelo 
pessoal envolvido na rnanipúlação dos medicamentos injetáveis. Os efeitos des-
ta fonte de contaminação podem ser diminuídos utilizando roupas capazes de 
gerar poucas partículas no ambiente de trabalho (tecido em monofilamento); 
controlando a saúde, os hábitos de higiene e o estresse dos técnicos e, ainda, 
estabelecendo-se procedimentos operacionais para os mesmos. A ilunúnação deve 
54 CAPÍTULO 3 
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fazer com que os técnicos se sintam confortáveis no ambiente de trabalho e per-
mitir a detecção de sujeira nesse local. 
A água utilizada em preparações injetáveis normalmente é obtida por destila-
ção e/ou osmose reversa. Em ambas as situações a água deve ser obtida no mo-
mento de preparo do medicamento e, caso seja necessário estocá-la, o procedi-
mento deve ser conduzido em temperatura superior a 80°C em instalações apro-
priadas e por um tempo limitado. Esta água recebe a denominação de água para 
injetáveis. Para medicamentos de reconstituição extemporânea, como no caso de 
pós liofilizados, a água para injetáveis deve estar estéril e acondicionada em 
frascos hermeticamente fechados (água estéril para injetáveis). No caso medica-
mentos multidoses deve ser utilizada a denominada água bacteriostática para 
injeção. Ela é obtida adicionando agentes bacteriostáticos à água estéril para in-
jetáveis. 
Após o processo de envase, o material deve ser esterilizado por calor úmido 
( autoclave ). Excepcionalmente, quando se tratar de material termolábil, pode-se 
proceder à esterilização por filtração antes do envase, tendo o cuidado de fazer 
toda manipulação de maneira asséptica. 
VIARETAL 
CONSIDERAÇÕES GERAIS 
O reto, segmento terminal do tubo digestivo, apresenta um tamanho variando 
entre 15 e 19cm no indivíduo adulto. O seu interior contém urna pequena quan-
tidade de água, cerca de 2,0ml, com pH próximo da neutralidade e apresentando 
um fraco poder tamponante. O reto apresenta uma rica vascularização sangüínea e 
linfática, sendo que a irrigação sangüínea é formada pelas veias hemorroidais 
superiores (via venosa indireta), que transportam o sangue em direção ao siste-
ma hepático, e pelas veias hemorroidais médias e inferiores (via venosa direta), 
responsáveis pelo transporte do sangue em direção à veia cava inferior, evitando, 
assim, a primeira passagem hepática. Como a mucosa retal é, em certas condi-
ções, perfeitamente permeável, o princípio ativo pode ser distribuído por quais-
quer destas vias20. 
O local de absorção do princípio ativo no interior do reto dependerá das ca-
racterísticas físico-químicas da forma farmacêutica utilizada e determinará a via 
de distribuição predominante, entretanto, a via direta sempre ocorrerá. Em al-
guns casos, o teor de princípio ativo na circulação geral pode ser mais importan-
te do que o obtido pela administração oral. A absorção pela via retal pode ser 
inconstante e variar em função da presença de resíduos de matéria fecal. 
Medicamentos destinados à via retal são utilizados para desenvolver efeito 
local ou sistêmico. Para o efeito sistêmico a via retal poderá ser empregada em 
função da existência de dificuldades na administração oral, tais como: dificulda-
des de deglutição, vômitos ou obstrução do trato digestivo, inativação do princí-
pio ativo pelas enzimas digestivas e/ou por metabolização hepática. 
FoRMAS FARMAcÊUTICAS DE ADMINISTRAÇÃo RETAL 
As principais formas farmacêuticas utilizadas para a administração retal são 
os supositórios, as cápsulas retais e os enemas:· , · 
Supositórios são formas farmacêuticas sólidas destinadas à administração retal, 
apresentando, para adultos, um comprimento de cerca de 3,2crn e pesando em 
média 2,0g; para uso pediátrico eles apresentam aproximadamente a metade 
desses valores. Os supositórios que visam à qção local são geralmente emprega-
CAPÍTULO 3 55 
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dos para aliviar constipação, irritações e inflamações associadas principalmente 
a hemorróidas. Para ação sistêmica, destacam-se os analgésicos, antipiréticos, 
anti-histamínicos, antieméticos e tranqüilizantes. Os excipientes utilizados para 
a fabricação de supositórios, também chamados bases, devem garantir à forma 
farmacêutica solidez à temperatura ambiente e ser capazes de liberar o princípio 
ativo após administração. Dois grupos de bases são geralmente empregados: as 
oleosas, como a manteigade cacau e as massas semi-sintéticas, derivadas de 
ácidos graxos hidrogenados de óleos vegetais, e as hidrossolúveis, constituídas 
de polietilenoglicóis de diferentes massas molares ou de gelatina glicerinada. O 
tipo de base utilizada determinará a forma de liberação do princípio ativo incor-
porado. No caso das bases oleosas, o supositório funde rapidamente, à tempera-
tura corporal, liberando prontamente princípios ativos de baixa lipossolubilida-
de. Com as bases hidrossolúveis, a liberação do princípio ativo ocorrerá após a 
lenta dissolução do supositório e o tempo requerido para o inicio da ação farma· 
cológica é maior do que o requerido para os supositórios constituídos de bases 
oleosas. Supositórios fabricados com polietilenoglicóis de elevado ponto de fu-
são não necessitam de acondicionamento refrigerado e não oferecem o risco de 
fundirem durante o manuseio, o que pode ocorrer com os supositórios fabrica-
dos com bases oleosas do tipo manteiga de cacau2o. 
Outra forma farmacêutica sólida de administração retal são as cápsulas retais 
de gelatina, de composição idêntica à das cápsulas de uso oral, contendo o prin· 
cípio ativo, dissolvido ou disperso em excipiente apropriado. Os princípios ati-
vos são normalmente os mesmos veiculados em supositórios. 
Pela via reta! ainda podem ser administradas preparações líquidas destinadas 
a promover a limpeza dos intestinos. Estas soluções, também chamadas enemas, 
contêm geralmente fosfatos, glicerina, óleo mineral e tensoativos2 • 
VIA VAGINAL 
CoNSIDERAÇõEs GERAis 
Apesar das características anatômicas e fisiológicas da região vaginal permi-
tirem a absorção de determinados princípios ativos, as preparações farmacêuti-
cas destinadas à administração vaginal visam principalmente ao tratamento 
locaJ29• Entre os princípios ativos mais utilizados, destacam-se aqueles destina-
dos ao tratamento de infecções do trato geniturinârio (sulfas, iodopovidona, 
clotrimazol, miconazol, terconazol), à restauração da mucosa vaginal (por exem-
plo, dienestrol) e para contracepção, como o nonoxinol-9. 
FORMAS FARMACÊUTICAS DE ADMINISTRAÇÃO VAGINAL 
As principais formas farmacêuticas para administração de princípios ativos 
pela via vaginal são as sólidas (óvulos e comprimidos vaginais), semi-sólidas 
(pomadas, cremes e géis), aerossóis e preparações extemporâneas. 
Os óvulos são formas farmacêuticas sólidas, de formato adaptado à esta via, 
preparados com os mesmos excipientes usados na obtenção de supositórios, prin-
cipalmente à base de gelatina-glicerinada e polietilenoglicóis. A estes excipien-
tes, tensoativos, conservantes e agentes tamponantes (destinados a obter um pH 
em torno de 4,5) podem ser adicionados. Apesar de os óvulos serem formas fir-
mes que permitem o manuseio, os fabricantes normalmente incluem acessórios 
para facilitar a administração, como os aplicadores plásticos8 • 
Comprimidos vaginais são fabricados empregando os mesmos adjuvantes uti-
lizados na fabricação de comprimidos destinados à administração oral, porém 
56 CAPíTULO 3 
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apresentam comportamento de desintegração compatível com a via vaginal. Exis-
tem, ainda, comprimidos vaginais com propriedades bioadesivas, permitindo 
uma liberação controlada dos princípios ativos e reduzindo a freqüência das 
administrações. Assim como os óvulos, os comprimidos vaginais são geralmente 
acompanhados de aplicadores para sua administração. 
As formas farmacêuticas semi-sólidas, como as pomadas, cremes e géis, são 
acondicionadas em tubos apropriados, sendo administradas com o auxilio de 
aplicadores especialmente elaborados. 
Os aerossóis vaginais, também denominados espumas aerossolizadas, con-
têm geralmente emulsões do tipo 0/A, apresentando uma fase interna finamente 
dispersa. Estes sistemas também apresentam aplicadores especiais para sua ad-
ministração. 
Para a administração vaginal, podemos destacar ainda os pós e as soluções 
concentradas destinadas à preparação extemporânea de duchas vaginais. A prin-
cipal finalidade destas duchas é a limpeza vaginal por irrigação. Entre as princi-
pais classes de substância.s utilizadas, destacam-se: antimicrobianos, como a iodo-
povidona e o cloreto de benzetônio, e detergentes, como o laurilsulfato de sódio. 
VIAS NASAL E PULMONAR 
CoNSIDERAÇÕES GERAis 
As vias nasal e pulmonar permitem a administração de princípios ativos para 
a obtenção de efeitos locais, assim como sistêmicos9• 
Medicamentos aplicados por via nasal exercem sua ação no trato respiratório 
superior, podendo atuar na região das fossas nasais, faringe ou laringe. A rele-
vante intensidade da resposta terapêutica sistêmica obtida por esta via deve-se à 
elevada vascularização da mucosa nasal, à sua extensa superfície (em torno de 
150cm2) e por não ocorrer o efeito metabólico de primeira passagem hepática. As 
características anatômicas e fisiológicas da região nasal podem limitar seu uso 
na administração de medicamentos. A mucosa nasal é revestida por uma cama-
da de muco que umedece o ar inspirado. Além disso, a cavidade nasal apresenta 
uma importante atividade protetora devido à eliminação de partículas inspira-
. das retidas no muco. A eliminação destas partículas estranhas é realizada graças 
ao movimento dos cílios presentes no seio deste muco que se desloca em direção 
à faringe. Medicamentos apresentando princípios ativos e/ou adjuvantes que 
possam alterar a viscosidade do muco e os movimentos ciliares não devem ser 
aplicados por via nasaJ28 • As preparações nasais de uso tópico geralmente visam 
a obtenção de um efeito vasoconstritor, antiinflarnatório ou antiinfeccioso. O 
interesse na utilização desta via para efeito sistêrnico aplica-se, sobretudo, a 
moléculas sensíveis às enzimas do trato gastrintestinal, como as proteínas e os 
peptídeos, difíceis de serem administradas por via oral. O uso de uma via alter-
nativa, corno a parenteral (subcutânea, intramuscular e intravenosa), tem de-
monstrado ser desconfortável aos pacientes por exigir freqüentes administrações 
do medicamento, comprometendo a sua adesão ao tratamento. A fim de contor-
nar este inconveniente, a via nasal tem sido investigada corno alternativa para a 
aplicação de princípios ativos, tais como a insulina, o hormônio de crescimento 
humano, a calcitol}ina, entre outros16•27• A biodisponibilidade dos princípios ati-
vos aplicados pela iria nasal dependerá de diversos fatores, tais corno a lipofilia e 
massa molar dos princípios ativos; os aspectos relativos à formulação, corno a 
deposição, o pH, a viscosidade e o uso de promotores de absorção e, ainda, às 
particularidades do local de aplicação,.podem ser modificados devido ao estado 
patológico3 ·19 • 
CAPÍTUlO 3 57 
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Estudos têm demonstrado que princípios ativos lipofílicos de baixa massa 
molar são bem absorvidos na mucosa nasal através da via transcelular (trans-
porte através da membrana). No caso de princípios ativos hidrofflicos, como os 
peptídeos e proteínas, o fator importante para sua absorção parece ser a massa 
molar. Moléculas menores são rapidamente absorvidas, enquanto que, com o 
aumento da massa molar, observa-se uma redução na sua biodisponibilidade. 
Isto sugere um mecanismo de absorção por difusão, através dos poros aquosos 
da mucosa nasal. 
O local de deposição da preparação nasal dependerá do tamanho da partícula 
administrada. O pH da formulação nasal deverá, sempre que possível, ser ajusta-
do de forma a favorecer a formação da forma molecular que é mais bem absorvi-
da, a não ionizada. A viscosidade das preparações nasais influenciará o seu tem-
po de contato com a mucosa nasal, sendo também importante no tamanho da 
partícula obtida no caso da administração do princípio ativo sob a forma de 
spray. Diversas moléculas, como as ciclodextrinas, fosfolipídios e sais biliares, 
têm sido investigadas em diferentes espécies quanto à sua capacidade em au-
mentar a biodisponibilidade de princípios ativos administrados por via nasal 
(promotores de absorção).O exato mecanismo envolvido na maior absorção dos 
princípios ativos não está claramente definido; no entanto, acredita-se que seja 
resultante do aumento da permeabilidade da mucosa nasal, ou do aumento da 
solubilidade do princípio ativo, da redução da viscosidade do muco ou, ainda, 
da diminuição da atividade enzimática da mucosa nasal. Além disso, maior pas-
sagem dos princípios ativos para a corrente sangüínea pode ser observada quan-
do as propriedades de barreira da mucosa nasal são perdidas em decorrência de 
uma inflamação. 
O uso da via pulmonar pode levar à retenção de princípios ativos no nível da 
traquéia, brônquios, bronquíolos, bronquíolos terminais ou dos alvéolos pulmo-
nares. Uma vez atingida esta última região, os princípios ativos poderão ser ab-
sorvidos, devido à extensa área dos capilares alveolares que atinge 90m2 no ho· 
mem. O tamanho da partícula do medicamento administrado por inalação deter-
minará a região a ser atingida Partículas apresentando tamanho compreendido 
entre 10 e 20f.Uil serão retidas nos brônquios e bronquíolos, entre 3 e 10).lm esta-
rão localizadas nos bronquíolos terminais e abaixo de 3f.UI1 nos alvéolos pulmona-
res. Medicamentos aplicados por esta via podem também apresentar ação local, 
como, por exemplo, no nível da árvore brônquica no caso dos broncodilatores17• 
Princípios ativos administrados pela via pulmonar, ou melhor, através de ina-
lação, apresentarão efeito tópico ou sistêmico em função de suas propriedades 
físico-químicas, do tamanho da partícula, dos constituintes utilizados no prepa-
ro da forma farmacêutica e, ainda, do tipo de material de envase/administração 
empregado30 • A absorção pulmonar é regida pelo princípio de transporte por 
membranas, de forma que a lipossolubilidade do princípio ativo será determi-
nante no grau de absorção atingido. Moléculas sob a forma de base ou ácido livre 
e que são solúveis no fluido pulmonar são mais prontamente absorvidas do que 
seus respectivos sais. Como citado anteriormente, o tamanho da partícula do 
produto inalado determinará o local de deposição do medicamento, portanto, a 
absorção do princípio ativo será melhor para partículas inferiores a 3).lm. O ta-
manho da partícula depende do diâmetro do orifício da válvula do recipiente e 
do uso ou não de espaçadores, empregados para inalação, que reduzem a veloci-
dade da gota formada, e, conseqüentemente, o tamanho da partícula. Além dis-
so, a presença de tensoativos na formulação pode retardar a velocidade de eva-
poração da gota do produto inalado, produzindo partículas maiores. Devemos 
ainda ressaltar que o tamanho da partícula pode se alterar ao longo do trato 
respiratório em função da presença de produtos higroscópicos na formulação, 
58 CAPÍTULO 3 
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podendo, assim, modificar o local de retenção desejado. A pressão de vapor do 
propelente e o volume das doses também exercerão influências sobre a profun-
didade de deposição do produto administrado por inalação. A sua retenção ocor-
. rena cavidade bucal quando se utilizam propelentes de baixa pressão de vapor e 
administra-se um grande volume de medicamento. Por último, o sucesso de uma 
terapia por via pulmonar requer a administração correta do aerossol pelo pacien-
te, envolvendo desde a montagem do aerossol, sua limpeza e armazenagem após 
o uso, até a inalação propriamente dita que exige uma coordenação correta da 
inspiração e expiração pelo paciente. O uso incorreto do aerossol acarretará a 
deposição do produto inalado em local inapropriado, prejudicando a obtenção 
do efeito pretendido. 
FoRMAS FARMACÊUI'ICAS DE ADMINlsTRAçAo NASAL E PuLMoNAR 
As formas farmacêuticas utilizadas na cavidade nasal podem ser líquiP.as, 
como as soluções e suspensões, e podem ser aplicadas utilizando conta-gotas, 
nebulizadores ou através do emprego de materiais de acondicionamento pressu-
rizado. Também formas farmacêuticas semi-sólidas, como as pomadas, e sólidas, 
como os pós, podem ser administradas à cavidade nasal graças ao uso de um 
dispositivo apropriado. 
As formas farmacêuticas liquidas são, na sua maioria, preparações aquosas 
isotônicas, tamponadas para se assegurar a estabilidade dos princípios ativos, e 
apresentam um pH compreendido entre 3,0 e 8,5 para não comprometer os mo-
vimentos ciliares. As preparações podem estar acondicionadas em recipientes 
unidose ou multidose. No último caso, recomenda-se o uso de agentes conser-
vantes para evitar a contaminação do produto durante sua utilização. Os cuida-
dos que devem ser tomados durante a administração do medicamento são essen-
ciais para a eficácia do tratamento. Deve-se limpar as narinas antes da aplicação 
do medicamento e, para a maior penetração das gotas nasais, o paciente deve se 
alongar numa superfície plana, inclinando a cabeça para trás e permanecendo 
nesta posição por alguns minutos. Após a instilação do produto, o conta-gotas 
deve ser imediatamente transferido para o frasco e o recipiente deve ser fechado 
corretamente. Quando se trata da administração por meio de nebulização ou sob 
a forma pressurizada, a aplicação deve ser realizada com o paciente em pé, so· 
mente com a cabeça inclinada para trás. 
As preparações administradas por via pulmonar podem se apresentar sob a 
forma líquida ou sólida. No primeiro caso, os aerossóis representam a principal forma 
farmacêutica empregada. Estes contêm um gás comprimido ou liquefeito, deno-
minado propelente, que atuará como propulsor na administração do princípio 
ativo na forma de vapor ou dispersão gasosa. Os propelentes podem atuar so-
mente como veículo, no caso de princípios ativos insolúveis, ou como veículo e 
solvente para os solúveis. Além destes sistemas, pode-se também ter o princípio 
ativo solúvel num solvente irniscível com o propelente, originando, desta forma, 
uma emulsão. 
VIA TÓPICA 
CoNSIDERAÇÕES GERAis 
As preparações tópicas são aplicadas sobre a pele para obtenção de um efeito 
local decorrente de urna ação física (protetores, lubrificantes, emolientes) ou te-
rapêutica (antiinflamatórios, antibactet.ianos, anestésicos etc.}. Embora a pene-
tração cutânea não seja um parâmetro pertinente para a maioria dos produtos 
CAPÍTULO 3 59 
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tópicos (protetores, lubrificantes, adstringentes, anti-sépticos etc.) isto não é ver-
dade no que se refere aos corticosteróides, citotóxicos, antibióticos etc. Neste 
ca8o, a compreensão da estrutura da pele e dos fatores que influenciam a absorção 
percutânea desses princípios ativos é de fundamental importância. 
Como maior órgão do corpo, a pele está envolvida em numerosos processos 
bioquímicas e físicos. O mais importante deles é sua função protetora prevenin-
do tanto a passagem de substâncias exógenas estranhas como a perda de líquidos 
do corpo. A pele humana é composta de três regiões funcionalmente distintas: 
epiderme, derme e hipoderme. Sua habilidade de proteger o corpo reside sobre-
tudo na epiderme. A epiderme é avascularizada e constituída de um epitélio 
estratificado (cinco camadas distintas), escamoso e queratinizado, o qual possui 
dimensões variadas dependendo da região corporal. A epiderme está apoiada 
numa membrana basal, a qual se adere à derme e é responsável pela sua nutri-
ção. A diferenciação das células presentes nesta camada basal conduz à forma-
ção do extrato córneo, camada mais externa e responsável pela baixa permeabi-
lidade cutânea. O extrato córneo está constituído de queratinócitos, células des-
providas de muitas organelas e de atividade mitótica e, ainda, de um cimento 
intercelular rico em lipídios. 
A absorção percutãnea é um processo pelo qual uma entidade química, apli-
cada na superfície da pele, se difunde através de suas diversas camadas e, even-
tualmente, atinge a corrente sangüínea. Este transporte para dentro da pele, vi-
sando a um efeito local, é importante em dermatologia, enquanto que a permea-
ção através da pele, permitindo atingifa circulação geral, é relevante para a tera-
pia sistêmica. Um dos principaisproblemas para o transporte de um princípio 
ativo na ou através da pele é a inerente impermeabilidade deste tecido. 
As principais vias pelas quais o princípio ativo pode penetrar na ou através 
da pele são as seguintes: transepidérmica (através da epiderme) e transanexal 
(através dos anexos cutâneos: foliculo piloso, glândulas sebáceas e sudoríparas). 
A via transanexal é geralmente menos importante devido à sua pequena área, 
enquanto que a transepidérmica constitui a principal porta de entrada. Neste 
caso, a absorção pode ocorrer através das células (transcelular) ou entre as célu-
las (intercelular), sendo esta última predominante. Nesta via, a principal barreira 
é o extrato córneo e sua remoção, acidental ou deliberada, aumenta considera-
velmente a absorção da maioria dos princípios ativos. A baixa permeabilidade 
do extrato córneo pode ser explicada pela presença de bicamadas lipídicas, iso-
ladas urna das outras por um meio aquoso, obrigando o princípio ativo a se di-
fundir entre domínios lipofílicos e hidrofílicos13• 
Os principais fatores que podem influenciar a absorção percutãnea são os 
seguintes: a concentração e a natureza do princípio ativo, o estado da pele (intac-
ta ou lesada) e o comportamento do veículo. No caso de princípios ativos solú-
veis na formulação, sua liberação, da forma farmacêutica, e absorção são propor-
cionais à sua concentração. Para princípios ativos insolúveis na formulação, corno 
é o caso de suspensões, a absorção independe da sua concentração na formula· 
ção. No que diz respeito às características físico-químicas os princípios ativos 
devem apresentar solubilidade relativa tanto em água quanto em lipídios (log do 
coeficiente de partição 1-octanol/água entre 1-2) a fim de se difundir através do 
extrato córneo. 
A integridade da pele constitui também um fator importante para a absorção 
percutãnea de princípios ativos. Em muitas afecções dermatológicas (psoríase, 
dermatites, feridas, queimaduras etc.), o extrato córneo está anormal e sua fun-
ção de barreira é perdida. A absorção percutãnea é aumentada a tal ponto que 
toxicidade sistêmica pode ocorrer, como no caso da aplicação tópica de corticos-
teróides potentes. Na pele intacta, porém, pode ocorrer uma variabilidade da 
60 CAPITULO 3 
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absorção, em função do sítio de aplicação, devida a diferenças de espessura do 
extrato córneo ou à concentração local de lipídios da bicamada intercelular. A 
penetração do princípio ativo é mais alta na face, quando comparada com a pal-
ma das mãos ou a planta dos pés, por exemplo25• 
Quando uma formulação tópica é aplicada sobre a pele, ela pode ou não modi-
ficar as características de permeabilidade do extrato córneo. Na inexistência de 
alterações de permeabilidade, fato raramente observado em condições reais, o pro-
cesso global de absorção será controlado pela concentração do princípio ativo no 
veiculo, conforme discutido anteriormente. No entanto, geralmente, a permeabili-
dade da pele é modificada em decorrência de uma hidratação ou desidratação 
resultantes da ação do veículo ou, aínda, devido à ínserção de intensificadores de 
penetração na bicamada de lipídios. Em geral, os veículos oleosos, tais como as 
pomadas de bases hidrofóbicas (vaselína) e os curativos oclusivos, agem como 
uma barreira à perda de água transepidérrnica, o que geralmente resulta em au-
mento da hidratação, da permeabilidade e, conseqüentemente, da absorção. Cre-
mes do tipo óleo em água (0/A) são menos oclusivos. As bases hidrossolúveis 
(polietilenoglicóis) são mínimamente oclusivas, podem extrair água do extrato 
córneo, desidratando-o e, conseqüentemente, dimínuindo o transporte dérmico. 
Algumas substâncias (dimetilsulfóxido, propilenoglicol, uréia, etano!, tensoativos 
etc.) aumentam a absorção percutânea dos princípios ativos, uma vez que são 
capazes de difundir e ínteragir com os constituintes do extrato córneo índuzindo 
um aumento temporário e reversível da permeabilidade cutânea. A presença dos 
tensoativos nas preparações tópicas (cremes O/A e NO, por exemplo) pode afetar 
a absorção percutânea de várias formas. Eles aumentam a superfície de contato 
formulação-pele favorecendo a absorção. Por outro lado, no caso de príncípios 
ativos fracamente hidrossolúveis, aplicados sobre a pele na forma de solução, a 
presença dos tensoativos aumenta sua solubilidade, através da formação de mice-
las, diminuindo a fração disponível para liberação e absorção através da pele. 
FORMAS FARMACÊUTICAS DE ADMINISTRAÇÃO TóPICA 
Pomadas, loções, suspensões e soluções tópicas são as formas farmacêuticas 
dermatológicas utilizadas com mais freqüência; entretanto, outras preparações, 
tais como pastas, linimentos, pós, tinturas e aerossóis, são também usadas. 
Pomadas 
As pomadas são preparações semi-sólidas, para aplicação externa, e suas ba-
ses podem ser assim classificadas: bases hidrofóbicas, de absorção, de emulsão e 
hidrofílicas. As bases hidrofóbicas (bases oleosas), usadas principalmente por 
seus efeitos emolientes, não contêm água e são retidas na pele por períodos pro-
longados. As bases de adsorção (petrolato hidrófilo e lanolína anidra) permitem 
a incorporação de soluções aquosas e não são facilmente removidas da pele por 
lavagem. As bases de emulsão (cremes) podem ser do tipo óleo em água (O/A) ou 
água em óleo (NO). As bases hidrofílicas (géis), geralmente não oclusivas, con-
têm somente componentes solúveis em água e, por isso, são facilmente removi-
das da pele por lavagem. 
Pastas 
Assim como as pomadas, as pastas destinam-se à aplicação externa e diferem 
daquelas porque contêm maior porcentagem ·de material sólido e, conseqüente-
CAPÍTULO 3 61 
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mente, são mais viscosas. Devido à alta porcentagem de sólidos, são mais absor-
ventes e menos gordurosas do que as pomadas. 
Tinturas e Soluções Tópicas 
A maioria destas preparações líquidas é usada como veículo de princípios 
ativos com ação antiinfecciosa (iodo, peróxido de hidrogênio, gliconato de clore-
xidina, iodopovidona etc.) ou adstringente (acetato de alumínio, hidróxido de 
cálcio, por exemplo). De modo geral, as soluções tópicas empregam veículo aquo-
so, enquanto que as tinturas empregam veículo alcoólico. A maioria dessas solu-
ções e tinturas é preparada pela mera dissolução dos solutos no solvente. 
Loções 
As loções, preparações líquidas, contêm pós finos dispersos, estabilizados 
com agentes suspensores. No entanto, existem outras loções, nas quais a fase 
dispersa é líquida, formando uma emulsão estabilizada graças à presença de 
tensoativos. Uma vez que, em ambos os casos, a fase dispersa tende a separar-se 
da fase dispersante, devido à baixa viscosidade destes sistemas, as loções devem 
ser vigorosamente agitadas antes de usar. 
Linimentos 
Os linimentos são soluções ou emulsões, oleosas ou alcoólicas, de várias subs-
tâncias medicinais destinadas à aplicação externa sobre a pele, geralmente por 
fricção. 
VIA OFTÁLMICA 
CoNSIDERAÇÕES GERAis 
Apesar de a superfície ocular não ter a mesma capacidade que tem a mucosa 
intestinal de absorver princípios ativos, esses podem ser absorvidos através das 
suas porções mais expostas, a córnea e a conjuntiva. Entretanto, o medicamento 
instilado no olho é, de início, considerado como intruso e deve vencer algumas 
barreiras antes de atingir os tecidos internos, sítio principal de atividade tera-
pêutica de numerosos princípios ativos. Estas barreiras estão ligadas: 1) à pró-
pria estrutura lipofílica e hidrofílica da córnea, que exige que o princípio ativo 
tenha também um caráter anfifilico para penetrá-la; 2) à secreção das lágrimas e 
à sua eliminação do globo ocular que agem em direção oposta à penetração do 
princípio ativo, reduzindo o tempo de contato do medicamento com o olho; 3) à 
união do princípio ativo com as proteínas das lágrimas ou sua degradação. A 
estes mecanismos de defesa vêm se acrescentar critérios fisiológicos e anatômi-
cos que somente permitem administrar pequenosvolumes de medicamentos e 
fazem com que haja necessidade de instilações freqüentes. No desenvolvimento 
de medicamentos destinados à administração oftálmica estes fatores devem ser 
considerados e os mecanismos de defesa devem ser preservados34• 
Após instilados nos olhos, os princípios ativos podem penetrar através da 
córnea ou da conjuntiva gerando a ação local desejada. Cabe ressaltar que, devi-
do à vascularização da conjuntiva, uma ação sistêmica pode ocorrer. Em razão 
da natureza lipofílica do epitélio da córnea, a difusão será facilitada por uma 
elevada lipossolubilidade e por uma fraca dissociação do princípio ativo. Entre-
tanto, a passagem através da estrutura intermediária da córnea (estroma), de na-
62 CAPÍTULO 3 
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tureza hidrofílica, será maior e mais rápida para as substâncias hidrofílicas. Es-
ses fatores colocam ern evidência a importância do caráter anfifílico dos princí-
pios ativos no processo de passagem através da córnea, corno é o caso de alguns 
anestésicos, antibióticos e antiinflamatórios. 
O estado de funcionamento da córnea e da conjuntiva é essencial para se 
obter o efeito pretendido. As lesões acarretam perda da integridade da córnea e/ 
ou conjuntiva aumentando a penetração das substâncias administradas. Já a li-
gação entre os princípios ativos e as proteínas presentes nas lágrimas, na córnea 
e/ou no humor aquoso pode levar a uma perda da atividade dos princípios ati-
vos. O filme lacrimal é constituído por três camadas: a externa, lipídica, a inter-
mediária, aquosa, e a interna, constituída por urn muco. As funções do filme 
lacrimal incluem a manutenção da umidade das células epiteliais, a proteção 
mecânica da córnea e da conjuntiva contra variações de temperatura e agentes 
químicos. Além disso, o filme lacrimal impede a fixação de microrganismos na 
superfície do globo ocular. No entanto, alguns patógenos são capazes de romper 
esta barreira, fixando-se na superfície da córnea e comprometendo a integridade 
do tecido. 
As características físico-químicas das preparações oftálmicas são capazes de 
modificar a tolerância do globo ocular frente aos medicamentos. A adição de 
viscosantes tem como objetivo aumentar o tempo de contato entre o princípio 
ativo e a córnea. O ínconveniente é que os viscosantes podem formar complexos 
com o princípio ativo inibindo sua ação. A adição de tensoativos favorece a mis-
cibilidade entre o medicamento e as lágrimas. favorecendo a penetração dos prin-
cípios ativos. Os tensoatívos devem ser desprovidos de poder irritante (eles não 
podem aumentar o lacrimejamento e nem danificar a córnea) e não devem inte-
ragir com o princípio ativo diminuindo sua ação terapêutica. Do ponto de vista 
fisiológico, o pH ideal das preparações oftálmicas deveria ser o mesmo das lágri-
mas, pH 7,4. O ajuste da iso-hidria (pH 7,4) é desejável para evitar o efeito irri-
tante, porém, deve-se levar em consideração que o princípio ativo possui um pH 
de melhor estabilidade, solubilidade, atividade e conservação que deve serres-
peitado. O pH que leva em consideração todas essas variáveis é designado como 
valor eu-hídrico e varia entre 5,0 e 11,4. Outro fator refere-se à osmolaridade, 
uma vez que um desequilíbrio osmótico irá promover uma irritação contribuin-
do para expulsar o medicamento. Pode-se dizer que se uma preparação farma-
cêutica é isoti)nica, ela será tolerada sem irritação, ainda que o seu pH seja desfa-
vorável. Outro fator relacionado à tolerância refere-se ao tamanho de partículas 
no caso de suspensões, cujo diâmetro não deve ser superior a 50!lm. Portanto, 
deve-se tomar cuidado ao usar água destilada estéril acondicionada em ampolas 
para a preparação extemporânea de colírios. Essas preparações e/ou a água de-
vem ser filtradas antes de ser acondicionadas. 
O globo ocular traumatizado tem menos resistência à infecção do que a cor-
rente sangüínea e, por isso, deve-se fabricar as preparações oftálmicas com os 
mesmos cuidados do que os observados para os parenterais. Após a Segunda 
Guerra Mundial, adotou-se o conceito de esterilidade como condição indispen-
sável a toda preparação farmacêutica oftálmica. Atualmente, todas as farmaco-
péias fazem essa exigência. Quando da instilação de uma solução oftálmica, o 
maior perigo é a contaminação. Deve-se destacar que o principal patógeno conta-
minante é o Pseudomonas aeruginosa que é mais facilmente eliminado empre-
gando-se a esterilização pelo calor. Para maior segurança e eficácia do tratamen-
to, recomenda-se lavar as mãos antes da instilação da preparação oftálmica, evi-
tar de tocar a ponta do frasco na superfície do globo ocular e o uso comum da 
mesma preparação oftálmica em diferentes paCientes. 
CAPiTULO 3 63 
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FoRMAS FARMACÊUTICAS DE ADMINISTRAÇÃO OFTÁLMICA 
Colírios são soluções ou suspensões estéreis, aquosas ou oleosas, contendo 
um ou mais princípios ativos destinadas à aplicação no globo ocular por goteja-
mento, visando a um efeito local diagnóstico e/ou terapêutico. A via oftálmica é 
de fácil administração, porém, os colírios são rapidamente eliminados da super-
fície do olho, o que obriga que sejam aplicados repetidamente. Daí o porquê de 
se dizer que os colírios têm ação fugaz, exigindo um maior freqüência de aplica-
ções do que em outras vias de administração. Para garantir a esterilidade da pre-
paração deve-se usar água desmineralizada ou destilada estéril, esterilizar as ma-
térias-primas e/ou o produto final, usar recipientes estéreis, usar conservantes 
para frascos multidoses e manipulá-los assepticamente. Para princípios ativos 
não encontrados como suspensões oftálmicas, a suspensão injetável pode ser 
usada para sua obtenção. 
Pomadas oftálmicas são preparações semi-sólidas homogêneas, estéreis, des-
tinadas à aplicação sobre a conjuntiva. Contêm um ou mais princípios ativos 
dissolvidos ou dispersos em excipiente apropriado. Sua composição deve permi-
tir a obtenção de um produto de fácil espalhamento .na superfície do globo ocu-
lar e de boa tolerância. As pomadas podem ser preparadas a partir de bases oleo-
sas, emulsões do tipo NO ou O/A ou ainda géis preparados a partir de hidroco-
lóides. Elas são utilizadas principalmente como veículos de antibióticos e antiin-
flamatórios. Na preparação de pomadas oftálmicas, a base é esterilizada por ca-
lor seco e a incorporação de princípios ativos e adjuvantes estéreis se faz de 
maneira asséptica. 
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CAPÍTULO 3 65 
http://www.pdfill.com
4 
Farmacocinética e Biodisponibilidade 
Mariza Santos Castro 
CONCEITOS BÁSICOS 
O sucesso terapêutico do tratamento das doenças humanas depende em parte 
da escolha do medicamento apropriado, para levar à reversão ou à atenuação dos 
processos fisiopatológicos. A escolha do medicamento deve levar em considera-
ção qual o mais adequado às características fisiopatológicas, à idade, ao sexo e à 
raça do paciente, além de selecionar a dose, a via e a freqüência de administra-
ção que irão manter concentrações adequadas, para a obtenção dos efeitos dese-
jados, nos sítios mediadores da ação farmacológica. Muitas vezes, a quantidade 
do medicamento no sítio de ação é insuficiente para a obtenção da resposta tera-
pêutica e o medicamento é descartado por ser ineficaz, mesmo sendo o correto. 
Por outro lado, um medicamento correto pode ser descartado por apresentar 
toxicidade, mas, na realidade, ele está sendo administrado em quantidades ex-
cessivas para o organismo. 
A importância deste aspecto da terapia para qualquer medicamento depende 
da relação entre suas concentrações terapêuticas e tóxicas, denominada, algu-
mas vezes, de índice terapêutico. Os medicamentos com índice terapêutico am-
plo apresentam uma faixa extensa de concentração que leva ao sucesso terapêu-
tico: as concentrações potencialmente tóxicas excedem nitidamente as que são 
terapêuticas, a penicilina G é um exemplo. A maioria dos medicamentos apre-
senta índice terapêutico reduzido e, para alguns, a diferença entre as concentra-
ções terapêuticas e tóxicas é muito pequena, sendo necessária a monitorização 
cuidadosa da dose, dos efeitos clínicos e, algumas vezes, das concentrações san-
güíneas (Thbela 4.1). 
A monitorização dos niveis sangüíneos assume também grande importância 
para aqueles medicamentos cujos curso-e intensidade de ação farmacológica são 
diretamente proporcionais às concentrações _nos fluidos do organismo. Estes 
CAPÍTULO 4 67 
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Quinidina 
Fenitofna 
Lidocalna 
Gentamicina 
I ;~cainamida 
~cosldeos digitálicos 
medicamentos incluem vários agentes cardiovasculares, anticonvulsivantes, al-
guns antibióticos e psicotrópicos. Para eles, a compreensão de seus comporta-
mentos no organismo e da relação entre os efeitos clínicos e as concentrações 
nos fluidos corporais, como no sangue, pode ser de valor inestimável por ocasião 
da escolha da posologia e da monitorização clínica do tratamento. Por outro lado, 
a compreensão do comportamento cinético de certos grupos, como o dos agentes 
antineoplásicos, não esclarece o curso de seus efeitos clínicos, visto que as con-
centrações nos fluidos corporais parecem ter pouca relação com os efeitos nos 
órgãos ou sistemas em que atuam {Tabela 4.2). 
Sexo Disfunção hepática 
Tabagismo i Doenças renais 
Consumo de álcool I Insuficiência cardlaca 
I Uso de outros medicamentos !Infecção 
l . Queimaduras L. ~--------------------------~~~F~ebre~----------------------~ 
Na maioria das vezes, a atividade dos fármacos que atuam sistemicamente está 
relacionada de forma quantitativa com as concentrações nos fluidos corporais e no 
sangue, assim como com a taxa de eliminação do organismo. Geralmente, existem 
vários caminhos envolvidos na disposição dos medicamentos, com várias etapas 
intermediárias possíveis entre o sítio de administração e o sítio de ação. 
A farmacocinética é a disciplina que usa modelos matemáticos para descre-
ver e prever as quantidades dos medicamentos e suas concentrações em vários 
fluidos do organismo, as mudanças nestas quantidades com o tempo e os efeitos 
terapêuticos ou tóxicos observados. 
Os processos farmacocinéticos que determinam a velocidade e as quantida-
des de fármacos que entram e saem dos diversos fluidos e sistemas do organismo 
são: a absorção, a distribuição, a biotransformação e a excreção ou remoção do 
organismo. Para fins conceituais assume-se que estes processos são independen-
tes, mas no organismo eles ocorrem simultaneamente, com taxas contínuas de 
variação {Fig. 4.1). 
O reajuste apropriado da dose ou do intervalo de administração pode com-
pensar as mudanças cinéticas e evitar os problemas potenciais de ineficácia ou 
toxicidade do medicamento. A farmacocinética tem um papel importante na pro-
68 CAPÍTULO 4 
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MEDICAMENTO 
NO SANGUE NO 
SITIODE __.. 
ABSORÇÃO 
D 
I 
s 
T 
R 
I 
B 
u 
I 
x 
o 
--[l MEDICAMENTO 
NOTECIDO DE 
DISTRIBUIÇÃO 
MEDICAMENTO 
NA 
CIRCULAÇÃO 
GERAL 
Fig. 4.1 - Representação esquemática da relação dose-efeito de um fármaco. 
moção da eficácia das drogas ao fornecer relações quantitativas entre esta e a 
dose utilizada. Através das avaliações das concentrações em vários fluídos bioló-
gicos, consegue-se reduzir a toxicidade relacionada nos níveis sangüíneos, au-
mentando a segurança da utilização do medicamento'. Esta hipótese é documen-
tada para vários medicamentos, embora para alguns deles não exista uma rela-
ção clara entre os efeitos farmacológicos e as concentrações sangüíneas. Na maioria 
dos casos, a concentração na circulação geral está relacionada com a concentra-
ção no sítio de ação, podendo levar ao efeito farmacológico. 
Um aspecto importante a se considerar é que, usualmente, quando determi-
namos a concentração sangüínea total de um fármaco, esta concentração inclui 
tanto a fração do medicamento livre quanto a~ligada às protéinas plasmáticas. 
Qualquer substância que interfira com a fração do fármaco ligada tanto às proteí-
nas plasmáticas quanto às tissulares alterará a resposta farmacológica, já que é o 
medicamento na forma livre quem se ligará ao sítio receptor e é o responsável 
pela resposta farmacológica. 
CAPÍTULO 4 69 
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O conhecimento da relação entre a eficácia e as concentrações dos medicamen-
tos nos fluidos biológicos permite levar em consideração as caracteristicas fisioló-
gicas ou patológicas de um paciente. Estas características o fazem diferente dos 
individuas normais em relação à resposta a determinada dose do medicamento. 
PROCESSOS F ARMACOCINÉTICOS: ADME 
Vários processos fisiológicos e patológicos ditam o ajuste posológico individual 
dos pacientes, como, por exemplo, a insuficiência cardíaca e a disfunção renal, por 
levarem a modificações dos parâmetros farmacocinéticos. As três principais variá-
veis são: a biodisponibilidade, que avalia principalmente a velocidade de absorção 
e a quantidade do medicamento absorvido que está disponível para exercer o seu 
efeito após atingir a corrente sangüínea; o volume de distribuição, que avalia o 
espaço aparente disponível no organismo para distribuição do medicamento; a 
constante de velocidade de eliminação, que mede a velocidade de disposição do 
fármaco do organismo, incluindo a biotransformação e a excreção. 
ABSORÇÃO 
Com exceção de alguns fárrnacos administrados por via intravenosa ou tópica 
para efeito local, os outros precisam atravessar uma ou mais barreiras fisiológi· 
cas antes que possam alcançar seu sítio de ação. Como a maioria dos medica-
mentos é administrada por via oral e"exerce seus efeitos sistemicamente, a dis-
cussão abordará de preferência a absorção gastrintestinal. 
A absorção é o processo pelo qual os medicamentos administrados, princi-
palmente por via oral, intramuscular ou retal, chegam, sem sofrer alterações, ao 
meio tissular, de onde se distribuirão pelo corpo, em geral através do sangue. Os 
fatores que influem na absorção incluem as características físico-químicas da 
substância ativa presente na formulação, as propriedades da formulação farma-
cêutica e os processos fisiológicos característicos do paciente. 
Fatores que Interferem na Absorção 
Os principais fatores responsáveis pela diminuição da absorção incluem: a) 
hidrólise do fármaco no estômago; b) pH do estômago; c) grau de motilidade 
gastrintestinal; d) interações com outros medicamentos; e) processos metabóli-
cos envolvidos durante o trânsito gastrintestinal e hepático; g) condições fisiopa-
tológicas do paciente; h) transporte através da membrana; i) solubilidade; j) fato-
res da formulação e farmacotécnicos2•3•4 • 
Exemplos de fármacos hidrolisáveis no pH do estômago incluem a eritromici-
na, na forma básica, e a penicilina G. O primeiro tem que ser administrado ou na 
forma de formulações farmacêuticas com cobertura entérica para proteção con-
tra a acidez estomacal ou na forma de ésteres de ácidos graxos, para melhorar a 
estabilidade no pH do estômago5 • O segundo é pouco utilizado na forma de ad-
ministração oral, sendo mais utilizado em administração intramuscular de for-
mulações contendo sais para liberação prolongada. 
Alimentos, especialmente refeições mais pesadas, aumentam o tempo do trân-
sito gastrintestinal, interferindo com a absorção dos fármacos no intestino, au-
mentando, conseqüentemente, o tempo de exposição ao pH ácido estomacal6 • 
Fármacos que diminuem o peristaltismo, corno a codeína e os anticolinérgi· 
cos, corno a atropina, reduzem a velocidade ou a quantidade absorvida de alguns 
medicamentos e evitam que estes alcancem concentrações eficazes no sítio da 
ação farmacológica. 
70 CAPÍTULO 4 
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Já os fármacos que aumentam o peristaltismo intestinal, como alguns laxan-
tes, reduzem o tempo de contato dos fármacos com a mucosa gastrintestinal, 
reduzindo a absorção. A formação de complexos de tetraciclinas com cálcio e 
outros cátions di e trivalentes e a adsorção da digoxina por colestiramina são 
exemplos da diminuição da biodisponibilidade pela via oraF·8•9 . 
Alguns fármacos são quase totalmente eliminados ao passar pelo fígado pela 
primeira vez após a absorção. Este efeito é denominado efeito da primeira passa-
gem 10 e torna impraticável a utilização da via de administração oral para alguns 
fármacos. Um exemplo é a nitroglicerina, usada no tratamento da angina por via 
sublingual. Quando administrada por via oral, a nitroglicerina é rapidamente ina-
tivada no fígado e as concentrações sangüíneas alcançadas são insuficientes para o 
uso clínico. A administração sublingual evita a passagem pelo fígado, atravessan-
do primeiro a veia cava superior, que irriga a circulação coronariana. 
A disfunção renal severa reduz a velocidade de esvaziamento gástrico, o que 
atrasará o tempo necessário para atingir a concentração sangüínea máxima, não 
alterando a extensão da absorção para a maioria das drogas. Esta alteraÇão é 
clinicamente importante na administração de doses orais únicas visando alcan-
çar efeitos terapêuticos rápidos, como após a administração de analgésicos. A 
extensão da absorção dos medicamentos instáveis no pH estomacal tende a di-
minuir se houver atraso no tempo de esvaziamento gástrico11• 
A absorção está diretamente relacionada à capacidade do fármaco em atra-
vessar membranas e, portanto, à solubilidade relativa do fármaco em óleo e água, 
definida como coeficiente de partição óleo-água (P). Quanto maior o coeficiente 
de partição de um fármaco entre a membrana de caráter lipídico e os fluidos 
aquosos do lúmen intestinal, maior é a constante de velocidade de absorção. 
Influência do pH e do pKa na Ionização dos Fármacos 
Como os fármacos, em sua maioria, são ácidos ou bases fracas, estarão mais ou 
menos ionizados no meio biológico, dependendo da constante de acidez (Ka) e do 
pH do meio em que se encontram. Considerando-se que a forma não ionizada de 
um fármaco é mais lipossolúvel do que a forma ionizada, o Ka da substância e o pH 
do meio são dois parâmetros que influem diretamente na passagem dos fármacos 
através das membranas biológicas e, portanto, estes dois parâmetros são determi-
nantes dos processos de absorção, transporte e excreção dos fármacos. 
É possível prever qualitativamente, apenas com base na reação do fármaco 
com a água, em que pH a relação das concentrações de formas não ionizadas e 
ionizadas será maior e, dessa forma, avaliar, por exemplo, em que parte do trato 
gastrintestinal a absorção será mais efetiva. 
Assim, para um fármaco de caráter ácido (HA), 
HA + H20~K + H,O+ 
quanto menor o pH, maior a concentração de H3Q+, portanto o equilíbrio da 
reação é deslocado para a esquerda com o aumento da concentração da forma 
não ionizada. Ao contrário, em pH maior, maior é a concentração de íons OH-, 
maior é o consumo de H3Q+ e o equilíbrio da reação se desloca para a direita com 
o conseqüente aumento da concentração da forma ionizada do fármaco. Já para 
umfármaco de caráter básico, que recebe próton da água, 
B: + H20 ~BH+ +OH-
BH+ + H20 ~ B: f H30+ 
há aumento da concentração de forma ionizada em pH menor e de forma não 
ionizada em pH maior. Se são conhecidos os valores de Ka (ou pKa) e do pH do 
meio é possível calcular a relação das-concentrações de formas ionizadas e não 
ionizadas de um fármaco: 
CAPITULO 4 71 
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HA + H20~ A-+ H30"'" 
Ka = ([H30"'"}[A-1)/[HA] 
Ka![H30"'"] = [A-1/[HA] 
-log (Ka![H30+] - log ([A-1/[HAJ) 
-log Ka- (-log [H,O"'"l) = -log ((A-]!(HA]) 
pKa- pH = -log ([A-]/[HA]) 
[A-]/[HA] = 10 -{pKa-pHJ 
[A-]![HA] == 10 pH-pKa 
De maneira idêntica, considerando-se a equação da reação do ácido conjuga-
do BH+ com a água, pode-se deduzir que para fármacos de caráter básico: 
[B:]/[BH"'"] = 10PH-pKa 
No caso de ácidos, considerando o ácido acetilsalicílico (pKa, 3), encontra-se 
que 99% estão não ionizados no pH 1 e 50% não ionizados no pH 3. Portanto, o 
ácido acetilsalicilico é mais bem absorvido quando o pH do estômago está alta-
mente ácido. Entretanto, a alta acidez limita a solubilidade aquosa. 
Entre os fatores que interferem na absorção relacionados aos elementos da 
formulação e farmacotécnicos, encontram-se o tipo e a quantidade de tensoati-
vos quando presentes, tamanho do grânulo, força e velocidade de compressão, 
tamanho da partícula e superfície específica do medicamento12. 
DISTRIBUIÇÃO 
Após o fármaco alcançar a circulação sistêmica, sua passagem ou captação por 
qualquer tecido dependem de vários fatores. As propriedades físico-químicas são de 
importância fundamental. Estas incluem o tamanho molecular, o número de consti-
tuintes polares ou ionizados, a solubilidade em meio aquoso e em meio orgânico e a 
habilidade em atravessar os vários tipos de biomembranas. A distribuição nos teci-
dos vivos depende também do tamanho do tecido e do fluxo sangüíneo tecidual. 
O volume de distribuição aparente (Vd) é uma constante de proporcionalida-
de fictícia utilizado para ex-plicar as concentrações observadas dos medicamen-
tos, baseando-se na quantidade de fármaco presente no organismo. A magrútude 
do volume de distribuição de qualquer fármaco é determinada pela extensão da 
ligação às proteínas tíssulares e plasmáticas e pelo grau de lipossolubilidade. 
Quando o V d é pequeno, como para o caso do clordiazepóxído (28 litros ou 0,41/ 
kg), a captação pelos tecidos é limitada. Fármacos mais hidrossolúveis e que se 
ligam extensamente às proteínas plasmáticas ou que possuem o volume de dis-
tribuição pequeno podem ter o Vd tão pequeno quanto o volume plasmático, 
cerca de três litros. Um volume de distribuição grande, como no caso do diaze-
pam (140 litros ou 2l/kg), sugere que a captação tecidual é extensa. Os antide-
pressivos tricíclicos são muito lipossolúveis e exibem grande volume de distri-
buição. O grande volume de distribuição da digoxina é explicado principalmente 
pela extensa captação nos músculos esqueléticos e cardíacos, com pouca captação 
no tecido adiposo. A Tabela 4.3 demonstra os valores aproximados do Vd para 
alguns fármacos, com base em valores médios obtidos a partir de estudos clínicos. 
Quando a concentração de um fármaco é medida no plasma, usualmente dosa-
se tanto a fração que se encontra livre quanto a ligada às proteínas plasmáticas. 
Qualquer substância que desloque a fração ligada do fármaco dos sítios protéi-
cos ou tissulares produzirá mudanças no volume de distribuição. A proporção 
de moléculas livres aumenta e estas passam para fora do compartimento vascu-
72 CAPÍTULO 4 
1. 
~~ 
I 
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Fonte: Adaptado de Rowland M, Tozer TN. Clinicai Pharmacokinetics, :1" ed., 1995'. 
lar. Como ocorre uma diminuição da concentração sangüínea, ao dosá-la, tem-se a 
impressão de que o volume de distribuição aumentou. A diminuição da con-
centração plasmática total não implica a necessidade de aumento das doses. É 
importante entender que, apesar da concentração plasmática total ter diminuí-
do, a fração livre que se liga aos receptores e é responsável pelo efeito terapêuti-
co aumentou, o que pode manter a resposta terapêutica inicial. 
EUMINAÇÃO 
Os fármacos são eliminados do organismo por biotransformação e excreção. 
Os dois órgãos mais importantes para a eliminação da maioria dos fármacos são 
os rins e o fígado. O fígado é o principal sítio da biotransformação, mas existem 
outros tecidos que contêm as enzimas metabolizadoras e que contribuem para a 
biotransformação de alguns fármacos. As enzimas responsáveis pela biotransfor-
mação estão localizadas nos microssomos hepáticos, sendo denominadas enzimas 
microssomais do sistema CITP-450. Estas enzimas podem reduzir, oxidar, hidroli-
sar ou conjugar compostos. Nenhum teste de função hepática fornece informação 
acurada sobre a habilidade metabólica do fígado e, conseqüentemente, é difícil 
prever o efeito da disfunção hepática no metabolismo de diferentes fármacos. 
Os rins são importantes para a excreção dos fármacos e de seus metabólitos. 
Alguns fármacos são excretados na bile e eliminados nas fezes. As estimativas da 
depuração da creatinina (C4:reatíninal do sangue fornecem informações importantes 
sobre o grau de funcionamento renal e sua habilidade de eliminar os medican1entos. 
A constante de velocidade de eliminação de primeira ordem (k) é uma cons-
tante de proporcionalidade que relaciona a taxa de eliminação com a quantidade 
de medicamento presente no organismo (A), pela relação a seguir: 
dA/dt = -k.A 
A relação representa a fração do fármaco removido do plasma na unidade 
de tempo. A diminuição da concentração plasmática do fármaco durante a fase de 
eliminação, quan® são utilizados logaritmos nabase 10, pode ·ser descrita pela 
equação derivada da citada anteriormente: 
Log C = log C0 - k t/2,303 
ou 
C C0 e -kt . 
CAPITULO 4 73 
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onde, C0 = concentração quando t= O; C = concentração no tempo t; e -kt, a 
fração da dose remanescente no tempo t. 
A relação entre k e t ,12 é a seguinte: 
k= 0,693 I t 112 
O t 112 reflete tanto a taxa de distribuição tissular do fármaco quanto a eliminação. 
A meia-vida de eliminação (t 112) é o tempo necessário para a concentração 
cair para a metade (Fig. 4.3). 
A depuração (CL), definida como o volume dos fluidos corporais que fica 
totalmente isento do fárrnaco na unidade de tempo, é fisiologicamente mais apro-
priada do que a meia-vida para descrever a eliminação do fárrnaco do organismo. 
A depuração é uma medida da habilidade dos órgãos de eliminação em remo-
ver o fármaco do corpo, não sendo influenciada pela distribuição que ocorre fora 
destes órgãos. A equação que representa este processo é: CL = KVd, para os fár-
macos caracterizados pelo modelo monocompartimental. 
MODEWS COMPARTIMENTAIS E NÃO COMPARTIMENTAIS 
O conceito de compartimento e de modelos compartimentais foi desenvolvi-
do para fornecer as bases para a quantificação dos processos farmacocinéticos. O 
compartimento é um espaço imaginário matemático, representado, na literatura 
farmacológica, como uma caixa. De acordo com a teoria farmacocinética, quan-
do o fármaco é introduzido em um cempartimento ele é rapida e homogenea-
mente distribuído em todo o espaço corporal. Aos compartimentos podem ser 
atribuídos volumes reais, em unidades de litro. Estes volumes são fictícios e não 
correspondem ao volume de nenhum dos tecidos ou órgãos corporais. Entretan-
to, a visualização do corpo humano como compartimentos ajuda a explicar a 
disposição característica de vários fármacos e permite prever a concentração no 
organismo em função do tempo, da dose e da via de administração. 
MODELO MONOCOMPARTIMENTAL 
É o modelo mais fácil para caracterizar a distribuição de um fárrnaco nos 
espaços e fluidos corporais (Fig. 4.2). Este modelo é especialmente útil para aqueles 
fármacos muito hidrossolúveis que se distribuem rapidamente do plasma para 
todos os fluidos do organismo, após atingir a circulação sistêmica, corno é o caso 
dos arrúnoglicosídeos.Para a aplicação do modelo, assume-se o conhecimento da dose (D), adminis-
trada via intravenosa ou completamente absorvida, e a concentração (C) medida 
DOSE 
INTRAVENOSA 
COMPARTIMENTO 
CORPORAL 
k 
C CONCENTRAÇÃO 
SANGÜINEA 
Fig. 4.2 Representação esquemática do modelo monocompartimental. Sendo k constante de 
velocidade de eliminação; Vd = volume aparente de distribuição. 
7 4 CAPITULO 4 
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no sangue imediatamente após a distribuição uniforme do fármaco por todo o 
compartimento corporal. O volume de distribuição aparente (Vd) reflete a rela-
ção matemática que existe entre a quantidade de fármaco administrado e a con-
centração sangüínea alcançada antes de ocorrer a eliminação. 
O volume compartimental é determinado pelo rearranjo da definição, que é: 
Concentração = QuantidadeNolume 
Após rearranjo e substituição por Vd (volume de distribuição) e C0 (concentra-
ção sangüínea imediatamente após o término da absorção ou da administração 
endovenosa, sem que tenha ocorrido eliminação), a relação citada se torna: 
Vd Dose/Co 
Assume-se, também, que a taxa de eliminação do fármaco do organismo se-
gue a farmacocinética linear ou de primeira ordem. Em outras palavras, a taxa de 
eliminação do corpo é proporcional à quantidade, ou à concentração do fármaco 
presente no organismo em um tempo determinado. 
Para os fármacos menos hidrossolúveis e cuja distribuição ocorre mais lenta-
mente, necessita-se utilizar outros modelos que simulem dois, três ou mais com-
partimentos. 
MODELOS MULTJCOMPARTIMENI'AIS 
O modelo de dois compartimentos separa o organismo em dois, cada um com 
o seu volume aparente de distribuição. Um, o compartimento central, usualmen-
te com o volume de distribuição pequeno, freqüentemente designado por V0 • O 
outro, denominado periférico, com um volume de distribuição maior, represen-
tado por Vp (Fig. 4.3). O volume aparente de distribuição do fármaco é igual à 
soma Vc + Vp. 
A distribuição inicial do fármaco ocorre no compartimento central, o qual 
consiste em sangue e fluidos extracelulares dos órgãos altamente perfundidos, 
como o coração, o fígado, os rins e o cérebro. O modelo assume que as doses 
intravenosas dos fárrnacos são administradas diretamente no compartimento 
central, no qual ocorrem a biotransformação e a eliminação do fármaco, além da 
DOSE INTRAVENOSA 
COMPARTIMENTO 
CENTRAL 
VOLUME 
CENTRAL 
(V c) 
... j 
ELIMINAÇÃO 
COMPARTIMENTO 
PERIFÉRICO 
VOLUME 
PERIFÉRICO 
(Vp) 
CONCENTRAÇÃO 
SANGÜiNEA =C 
Flg. 4.3 - Representação esquemática do modelo de dois compartimentos. Sendo k12 = constante 
de velocidade de transferencla do compartimento _çentral para o periférico; k21 constante de veloci-
dade de transferência do compartimento parlféríco para o central; k10 constante de velocidade de 
eliminação. 
CAPÍTULO 4 75 
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distribuição para o compartimento periférico. O equilíbrio da distribuição do 
fármaco entre os dois compartimentos é eventualmente estabelecido. Todas as 
vias de eliminação ocorrem apenas pelo compartimento central. Finalmente é 
assumido que uma porção do compartimento central, o sangue, é acessível para 
avaliação da concentração, enquanto o compartimento periférico é inacessível 
para avaliações quantitativas dos níveis dos fármacos. 
Uma conseqüência importante do modelo é que o comportamento observado 
do medicamento no corpo depende tanto da distribuição quanto da eliminação 
e, embora os dois processos sejam independentes, em nenhum momento ocor-
rem isoladamente. 
Os modelos multicompartimentais são necessários quando se quer caracterizar 
melhor o comportamento farmacocinético do medicamento; entretanto, a sua com-
plexidade reduz a utilidade clínica. O uso de modelos mais simples é mais ade-
quado e útil na clínica. Um exemplo é a gentarnicina, cuja farmacocinética é mais 
bem caracterizada usando os modelos de dois compartimentos13• Entretanto, o uso 
do modelo monocompartirnental mostrou-se clinicamente eficaz para predizer as 
concentrações plasmáticas e para a individualização da posologia14 • 
Modelos Não Compartimentais 
Os modelos não compartimentais usam modelos fisiológicos para descrever a 
disposição dos fá:rmacos. Todos os parâmetros farmacocinéticos nestes modelos 
são definidos em termos fisiológicos, como perfusão tissular ou do órgão, ligação 
às proteínas plasmáticas e depuração intrínseca do órgão de eliminação. Os cál-
culos são baseados na teoria do momento estatístico. Uma das principais vanta-
gens do método é que ele permite a estimativa do volume de distribuição, que é 
independente de eliminaçãol9.zo. 
F ARMACOCINÉTICA DA DOSE ÚNICA 
MoDELO MONOCOMPARTIMENTAL 
Segundo o modelo monocompartirnental, um fármaco pode ser introduzido no 
compartimento corporal após uma dose única endovenosa (D), após absorção a par-
tir de um sítio extravascular com uma constante de velocidade de absorção k, e por 
infusão continua endovenosa, com uma constante de velocidade de infusão (k,). 
Dose Única Endovenosa 
Após injeção única endovenosa, as concentrações sangüíneas decaem linearmente 
quendo são plotadas em um eixo de coordenadas semilogarítmicas versus o tempo, 
em escala linear. A inclinação da reta é igual a -k/2,303, onde k representa a constan-
te de velocidade de eliminação; o t 112 pode ser determinado graficamente conside-
rando que, por definição, ele representa o tempo necessãrio para que determinada 
concentração caia para a metade do valor inicial (Fig. 4.4). Uma alternativa é usar a 
relação t112 = O, 693/k, sendo k a constante de velocidade de eliminação, calculada 
a partir da inclinação da reta. A equação que descreve a reta é C (D!V ti} e-kt. 
O Va pode ser calculado dividindo a dose endovenosa administrada pelo 
intercepto da coordenada Y do gráfico, que é a concentração no tempo zero, C0, 
fVa =DIGo]. A depuração (CL) pode ser calculada pela fórmula CL = Va.k. Uma 
vez conhecidos os valores de Va e k, a concentração em qualquer tempo após a 
dose pode ser determinada {C = C0 e-ktj, sendo C a concentração no tempo t após 
a administração que se quer determinar. 
76 CAPíTULO 4 
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Cc .. ~v 
Vd 
tempo 
Flg. 4.4 -Modelo monocompartimenta.l- cálculo dos parilmetros farmaccclnéticos após admlnís-
tnaçilo de dose endovenosa única: t 112 =meia-vida; k = constante de velocidade de eliminação; Vd = 
volume aparente de distribuição. 
Dose Única Extravascular 
Quando a dose administrada é por via extravascular, no modelo monocom-
partimental, as concentrações sangüíneas aumentam durante a absorção, alcan-
çando um valor máximo, Cmox• e, depois, decrescem em linha reta, com a inclina-
ção da reta igual a -k/2,303 (Fig. 4.5). A equação que descreve a concentração 
plasmática após a dose única é: 
C [FDk,NdD{k0-k](fJ!à- e-ka~, 
onde F é a fração da dose absorvida que alcança a circulação sistêmica. A cons-
tante de velocidade de absorção (k,) é obtida graficamente pelo método dos resí-
duos. O intercepto no eixo da coordenada Y (A) da fase terminal de eliminação e 
a linha residual é A = FD k,I[Vd (ka- k). Se o valor de F é conhecido, Vd pode ser 
calculado usando A, k, e k. O CL é determinado pelo produ to de k e Vd . 
tempo 
. . 
Inclinação::::--
2,303 
Fig. 4.5 Modelo monocompartimental- cálculo dos paràmetros farmacocinéticos após adminis-
tnação de dose onal única: ka = constante de veloêidade de absof9ão; k = constante de velocidade de 
eliminação; A =intercepto extnapolado ao eixo da coord:nada Y. 
CAPITULO 4 77 
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Administração Endovenosa Contínua 
Quando a dose úníca é administrada por infusão endovenosa, a concentração 
no sangue no modelo monocompartimental muda de acordo com a seguinte equa-
ção: C = (k,JCL}( 1-<J-kt), onde k 0 é a constante de velocidade de infusão e k a 
constante de velocidade de eliminação. Se a infusão durar mais de \:rês a cinco 
meias-vidas do fármaco, a concentração sangüínea alcançará o estado de equi-
hôrio e, após ser determinada laboratorialmente,o CL poderá ser calculado 
(CL = kJC.J (Fig. 4.6). Conhecendo o CL calcula-se o Vd (CL = k.Vd). A dose 
total administrada ao paciente poderá ser determinada pela fórmula D ko/T, 
sendo ko a constante de velocidade de infusão e T o tempo de duração da infu-
são. Se a infusão endovenosa for interrompida após alcançar a concentração de 
equiliôrio, a meia-vida do fármaco pode ser calculada pela inclinação da reta de 
eliminação, como realizado para a administração única endovenosa. 
" f 
Flg. 4.6 -Modelo monocompartimental- concentração no estado de equilíbrio ( Caq) após decor· 
rida 3-5 melas-vidas do Início da infusão endovenosa e o decaimento após interrupção da infusão: 
k = constante de velocidade de eliminação. 
MODELO MULTICOMPARTIMENTAL 
Dos modelos multicompartimentais, o modelo de dois compartimentos é o en-
contrado com maior freqüência. Após a administração endovenosa, as concentra-
ções sangüíneas decrescem em duas fases distintas, descritas pela equação: 
C = D (a- k2JI[Vda- [3)] e-"' + D(k21 - fWfVda-!3)]e-~' 
Onde: k21 é a constante de velocidade de transferência do fármaco do compar-
timento 2 (periférico) para o compartimento 1 (central); V1 é o volume de distribui-
ção do compartimento 1; a é a constante obtida pelo método dos resíduos, através 
do cálculo da inclinação da reta residual, e A é o intercepto da coordenada Y da 
reta residual; {3 é a constante de velocidade da fase terminal determinada grafica-
mente (inclinação=- {312,303) ou pela fórmula {3 = 0,693/t112 e B é o intercepto da 
reta da fase terminal extrapolada ao eixo da coordenada Y(Fig. 4.7). 
Uma vez calculados os valores de A, B, a e {3, as seguintes equações são utili-
zadas para calcular as constantes: 
k 21 = (AI3 + Ba)/(A + B) 
kto aj3/ k21 
k1z a + 13 kz1 - k10 
V1 = D/(A + B) 
CL = V1 k10 
t,,2 o, 6931!3 
78 CAPÍTULO 4 
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tempo 
Fig. 4.7 Modelo bicompartimental cálculo das constantes da tase a = a, da fase J3 = j3, das 
meias-vidas correspondentes: t112a e t112p. após administração endovenosa única. 
RITa os fármacos que são caracterizados pelo modelo de dois compartimentos 
e que são administrados por infusão contínua, uma vez atingida a concentração 
de equilíbrio, Ceq, interrompe-se a infusão. Calculam-se os valores dos parâme-
tros farmacocinéticos, usando-se o método dos resíduos, como calculado para a 
dose única endovenosa. 
F ARMACOCINÉTICA DA DOSE MÚLTIPLA 
ADMINISTRAÇÃO ENDOVENOSA INTERMITENTE E CONTÍNUA 
A administração endovenosa intermitente do fármaco fará com que, gradual-
mente, a concentração sangüínea vá aumentando, até que atinja um patamar ou 
concentração do estado de equilíbrio (C.q)• onde a quantidade de fármaco que 
está entrando no organismo é igual à que está sendo eliminada. O que vai manter 
esta concentração estável é a dose de manutenção e a depuração (CL) do pacien-
te. O tempo necessário para atingir 95% da concentração de equilíbrio equivale 
a cerca de 3-4 meias-vidas do fármaco, administradas a intervalos regulares. No 
estado de equilíbrio, as concentrações oscilam entre um valor máximo e um 
valor mínimo (Cmoxeq =concentração máxima do estado de equilíbrio e Cmmeq = 
concentração mínima do estado de equilíbrio). Após atingir o estado de equilí-
brio, caso não ocorram mudanças na posologia, na condição clínica do paciente 
ou o uso de outros medicamentos que interfiram nos parâmetros farmacocinéti-
cos, os valores das concentrações máxima e mínima oscilarão em tomo de um 
valor médio (C médio eq·) (Fig. 4.8). 
As equações a seguir são utilizadas apenas para descrever o comportamento 
dos fármacos que seguem o modelo monocompartimental. Para os fármacos que 
seguem modelos multicompartírnentais ou não linear, as equações apropriadas 
poderão ser encontradas na literatura4•12• 
As concentrações máximas e mínimas e médias serão calculadas pelas equações 
demonstradas, onde, 1: = intervalo de administração, k = constante de velocidade de 
eliminação e F = fração absorvida, sendo igual a um para a via endovenosa. 
CAPITULO 4 
FD/KVd 't 
Cmax eq = FDN <I( 1- e-kr) 
Cmin eq= FD e-1.-r:fVa{l- e-kr) 
79 
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\ 
Cmlrleq 
Flg. 4.8 -Administração endovenosa múltipla- c., .. •• = concentração máxima do estado de equi-
líbrio; Cm1n .. concentração mfníma do estado de equilfbrio e C00 média = concentração média do 
estado de equlllbrio. 
As equações citadas não poderão ser utilizadas para a via oral, pois será ne-
cessário incluir a constante de velocidade de absorção (ka) aumentando a com-
plexidade da equação4.12• 
No caso da infusão endovenosa contínua, a dose total administrada no paci-
ente poderá ser determinada pela fórmula D = ko/T, sendo ko a constante de 
velocidade de infusão e T o tempo de duração da infusão. A concentração no 
estado de equilíbrio poderá ser calculada pela fórmula: Ceq RjkVd ou Ceq = RjCL, 
onde R0 é a quantidade do fármaco administrado por unidade de tempo e k = 
constante de velocidade de eliminação. Portanto, a concentração de equilíbrio é 
diretamente proporcional à velocidade de infusão. 
Em algumas situações clínicas, pode ser necessário alcançar rapidamente a 
concentração plasmática que produzirá o efeito desejado. Para isto, pode-se cal-
cular a primeira dose como sendo: D = Ceq Vd. Os valores do V d deverão ser deter-
minados ou consultados em tabelas apropriadas. A administração desta dose 
pode ser suficiente para alcançar os níveis do estado de equilíbrio rapidamente, 
mas estes não serão mantidos. A condição principal para manter o equilíbrio não 
está sendo obedecida: as velocidades de entrada e saída do fármaco não se man-
têm iguais. Para manter o estado de equilíbrio será necessário administrar a dose 
de manutenção que irá conservar a concentração de equilíbrio. 
Vários métodos foram propostos para a previsão da dose de manutenção para 
a administração intermitente endovenosa e para a infusão contínua1s-1s. Uma 
delas é: dose manutenção Ceq· Va {1- e -h), que é a dose necessária para manter 
a concentração terapêutica no organismo, repondo a fração eliminada durante o 
intervalo de administração. 
BIODISPONIBILIDADE E BIOEQUIVALÊNCIA 
A fração ou porcentagem da dose de determinada formulação farmacêutica 
que alcança a circulação sistêmica é denominada biodisponibilidade (FJ. A bio-
disponibilidade é determinada a partir de dados obtidos das concentrações san-
güíneas ou da excreção urinária, para as doses endovenosa e extravascular. 
A biodisponibilidade pode ser expressa como sendo absoluta ou relativa. A 
biodisponibilidade absoluta é determinada comparando a área abaixo da curva 
80 CAPITULO 4 
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da concentração plasmática versus tempo (AUC), ou a quantidade inalterada acu-
mulada na urina após dose extravascular única, em relação à dose endovenosa 
do mesmo fármaco, que é considerada como sendo 100% biodisponivel (F= 1). 
A equação utilizada é: 
Fabs D1v {AUCo-JID.., {AUC 1v o-J 
Onde, D1v e Dvv são as doses endovenosas e extra vasculares utilizadas, na ordem. 
AUC1vo-eAUCa- são as áreas abaixo da curva da concentração sangüínea para a 
administração endovenosa e oral, respectivamente, do tempo zero ao :infinito. 
A AUC é determinada pela regra dos trapézios, para ambos os casos. 
Esta relação é muito útil para o ajuste das doses quando se quer manter as 
mesmas concentrações da forma endovenosa, durante as mudanças de esque-
mas posológicos da forma vascular para a extra vascular. Para outras vias de ad-
ministração, excluindo a via endovenosa, a biodisponibilidade de um fármaco 
pode ser menor que 100% (F<1) devido à absorção ser incompleta ou ao metabo-
lismo do fármaco, o que pode ocorrer antes que alcance a circulação sistêmica. 
Alguns dos fatores que interferem nestes processos já foram revisados rapida-
mente em outro item deste capítulo. 
A biodisponibilidade relatíva é determinada quando a comparação da forma 
farmacêutica em teste é realizada em relação a uma outra forma farmacêutica, 
não incluindo a formulação endovenosa.A grande utilidade da biodisponibili-
dade relativa é a comparação de formulações genéricas de novos produtos em 
relação a um produto similar, de comprovada eficácia e considerado como de 
referência. 
No cálculo da área abaixo da curva a ser utilizado na avaliação de F é reco-
mendado determinar a área que vai além do tempo tfinah último ponto em que se 
determinou os níveis sangüíneos, até o infinito. AAUC, além deste último ponto, 
é estimada pela equação: 
Area t final a t ~ == C fin,jk 
AUC t fin•l·t - = C fioallk 
onde k é a constante de velocidade de eliminação e C final é a última concentração 
determinada laboratorialmente. Esta área parcial é adicionada à área calculada 
pelo método do somatório dos trapézios do tempo t0 ao t final· 
Os estudos de biodisponibilidade relativa que envolvem, além da compara-
ção da extensão da absorção, a comparação do tempo necessário para atingir o 
pico da concentração (tmaxl e valor do pico alcançado (Crnaxl• são conhecidos como 
estudos de bioequivalência (Fig. 4.9). Tanto tmax quanto Cmax permitem comparar 
a velocidade de absorção das formulações. A AUC permite comparar a extensão 
da absorção dos dois produtos. A comparação da velocidade de absorção é im-
portante para os fármacos de índice terapêutico reduzido, quando uma absorção 
muito rápida pode aumentar a incidência de toxicidade, e para aquelas situações 
em que é necessário atingir determinado nível sangüíneo para exercer efeito te-
rapêutico. 
Para padronizar a análise dos estudos de bioequivalência (BE) é recomendado 
que a comparação enfoque principalmente a razão e não as diferenças entre os parâ-
metros ( Cmax. tmax e AUC) das formulações em teste e os das formulações de referên-
cia. Assumindo que a eliminação do fánnaco segue a cinética de primeira ordem, e 
que esta ocorre apenas no compertímento centràl, a equação adiante descreve o 
comportanlento do fánnaco após a administração pela via extravascular. 
CAPÍTUlO 4 
AUC0.~ =" FD/CL 
AUCa.- == FD/(Vak) 
81 
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tempo 
Flg. 4.9 Parâmetros mais importantes da curva de concentração plasmática versus tempo após 
administração oral de um fármaco, para caracterizar a b/oequ/val~ncia. 
onde F é a fração absorvida, D, a dose administrada, e FD é a quantidade do fánnaco 
absorvida. GL é a depuração para um dado sujeito, sendo o produto do volume 
aparente de distribuição (V} e da constante de velocidade de eliminação (k). 
O uso da AUG como uma medida da quantidade do fármaco absorvido en-
volve um termo (CL) que pode ser considerado como dependente das caracte-
rísticas do sujeito. Considerando este aspecto, recomenda-se também utilizar a 
transformação logarítmica no estudo dos dados, para adicionar o efeito indivi-
dual característico dos sujeitos21.22 • A transformação logarítmica dos dados da 
AUC envolverá o termo CL(V:k) na equação seguinte de uma maneira aditiva: 
InAUC0 __ = In F+ In D -In Vd -In k 
Argumentos similares foram usados para o Gmax· A seguinte equação é utilizada 
para os fánnacos que são mais bem descritos pelo modelo monocompartimental: 
Cmox (FD/V & X e-ktmax 
onde F. De Vdsão inseridos no modelo como um produto. Entretanto, após trans-
formação logarítmica, os dados de Cmaxresultam em um tratamento aditivo dos 
dados, segundo a seguinte equação: 
InCmox In F + In D In Vd- ktmwc 
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CAPÍTUlO 4 83 
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5 
Farmacoepidemiologia 
Edson Perini 
Francisco Assis Acurcio 
OS MEDICAMENTOS E A EPIDEMIOLOGIA 
PRIMEIRAS PALAVRAS 
No século XIX, o estudo das grandes epidemias das doenças infecciosas nos 
levou a profundas mudanças na compreensão da expressão coletiva das doenças 
e de suas determinações. Nas gerações do pós-guerra, cerca de um século depois, 
encontraremos a aplicação dessa "nova ciência" ao estudo de uma "nova epide-
mia", um dos graves problemas de saúde pública de nosso tempo as reações 
adversas aos medicamentos. A contribuição da epidemiologia ao estudo do uso 
dos medicamentos nas sociedades contemporâneas, seus determinantes e conse-
qüências, é, pois, recente, porém bastante rica. 
A consciência dos riscos inerentes ao uso de fármacos cada vez mais potentes 
está ligada, de forma mais visível, à morte de mais de 100 pessoas, em 1937, nos 
EUA, por falência renal em conseqüência do uso de um elixir de sulfanilamida, 
contendo como veículo, o dietilenoglicol, e a epidemia de focomelia que, nos 
primeiros anos da década de 1960 atingiu vários países onde a talidomida foi 
comercializada51. 
O avanço da farmacologia clínica, com seus conhecimentos sobre os efeitos 
do medicamento moderno no homem, permitiu-nos compreender mais clara-
mentea distinção entre objetivos procurados os efeitos terapêuticos e os 
efeitos indesejáveis, porém inerentes ao uso de fármacos. Por outro lado, o estu-
do da utilização dessa "nova tecnologia de saúde", o medic~ento cientifico 
alopático moderno, ultrapassou as observações··de suas conseqüências nos in-
divíduos e buscou esclarecer regularidades que se expressam nos grupos popula-
cionais. Isso exigiu a confluência dos conhecimentos da farmacologia clínica e 
da epidemiologia, pois, conhecer o consumo, seus determinantes e suas conse-
qüências nas sociedades modernas se fez imp(lrativo. 
CAPÍTULO 5 85 
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o MEDICAMENTO CIENTiFICO E o EFEITO PLA.CilBO: F ATOS HISTÓRICOS 
"É provável que o efeito benéfico resultante da primeira medicação utilizada 
pelo homem tenha sido devido a um efeito placebo."43 
O efeito placebo, resultado terapêutico observado e não relacionado a uma ação 
farmacológica, pode ser assumido como "uma caracterlstica comum que liga o 
medicamento antigo e o modemo"43 • Uma série de substâncias, isoladan1ente ou 
em composições, que podiam chegar a 230 componentes, entre os quais múmia 
pulverizada, foi amplamente utilizada até os séculos XVII e XVIIl e, aos olhos da 
farmacologia contemporânea, não pode ser tomada como possuidora de valor tera-
pêutico fora dos limites considerados placebo. Nem por isso, salienta Shapiro, os 
médicos deixavam de "ser tomados em alta estima" por seus pacientes. 
Na verdade, o século XIX também não foi muito pródigo para a farmacologia. 
Segundo Holmes: "Se a grande maioria dos fármacos então em uso fosse lançada 
no fundo do mar, melhor para a humanidade e pior para os peixes."45 Mas foi 
nesse período que nasceu o medicamento cientifico moderno. Um "novo medi-
camento" que engatinhou até a Segunda Guerra Mundial, nascido da contesta-
ção das antigas panacéias, mas não liberto do efeito placebo que as caracterizava. 
Como nos diz Lévi-Strauss31 : "Em qualquer época ou cultura, e em qualquer 
situação, entre uma não-explicação e uma explicação-mágica, esta última não 
nos deixa no caos mental e é por isso preferível- podemos pois esperar que esta 
última opção justifique o uso de medicamentos." 
Seja no caso de um homem, "um certo Quesalid", que, não acreditando no 
poder dos feiticeiros xamãs tornou-se um deles para descobrir as suas farsas e 
desmascará-los, e acabou impelido a manter os rituais ao se ver na situação de 
melhor curandeiro da região31, ou nos criteriosos controles que os ensaios clíni-
cos atuais utilizam, base fundamental para se atestar a validade científica de 
uma terapia medicamentosa (ou mesmo não medicamentosa), o efeito placebo 
encarna um certo aspecto mágico presente na "relação médico-paciente e a um 
número de outros fatores derivados dessa relação"43 e nos impõe a necessidade 
de uma análise sensível a "razões" variadas do consumo de medicamentos. 
Por outro lado, a moderna farmacoterapia, impulsionada pelos avanços da 
química e da fisiologia, também não pode ser inocentada de grandes malefícios. 
No entanto, concomitante aos (e independente dos) malefícios de fármacos de 
alta toxicidade, com ela nasceu uma nova busca de substâncias, cujos efeitos 
sobre o organismo humano pudessem trazer uma resposta agora prenhe de 
racionalidade (e explicações) científicas. A história do medicamento, encontra-
do na natureza, transformado, observado e utilizado, um objeto "bom para pen-
sar" como diria Lévi-Strauss31, também é a história do desenvolvimento de ou-
tros conhecimentos, tais como a botânica, a química e o próprio processo saúde-
doença, e da especialização das profissões desde as sociedades antigas42 • Ele é 
um objeto cujo valor essencial, seus efeitos, até as primeiras décadas deste sécu-
lo, estava na dependência da experiência ou da percepção de quem o usava23• 
O medicamento que surge no século passado e aos poucos se desenvolve até 
as primeiras décadas de nosso século (vamos chamá-lo "protocientífico") era in-
capaz de falar por si próprio. Seu efeito, dependente da percepção do usuário, 
era mágico e sua utilização envolvia um rito. O conhecimento sobre ele e sobre o 
poder que continha era, há muito, domínio de profissionais especialistas, mas 
seu efeito era vivido por quem o usava e a fé deste, e a do "outro" (o profissional), 
intimamente ligadas, o tornava um medicamento mítico, "um modo de conheci-
mento afetivo"29 • Um objeto "bom para pensar", em conjunto com a doença, 
ambos o resultado de "forças, influências, ações imperceptíveis aos sentidos e, 
no entanto, reais". Ambos existências místicas29 • 
86 CAPÍTULO 5 
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O predicado mítico (ou místico) nos auxilia a compreensão desse medica-
mento protocientífico. Predomínio apenas, pois a estrutura do espírito humano 
"é composta de dois elementos: mito e racionalidade. Não há anteriorida-
de de um em relação ao outro. O homem lançou mão do pensamento mí-
tico em suas primeiras interpretações mentais, mas não em seu contato 
com o mundo sensível- noite, frio, duro etc. -que inspirou sua lingua-
gem. Não existe nenhuma língua primitiva que seja desprovida de racio-
nalidade. A racionalidade é tão inicial quanto o mito na hist6ria do pensa-
mento. Mas o elemento racionalidade, fortalecido pela l6gica, inspirada 
nas técnicas, exigiu, para poder desempenhar plenamente seu papel, um 
período de tentativas e de maturação de que o mito não precisou" (grifo do 
autorj29• 
Fica, assim, mais transparente a racionalidade que podemos ir buscar nos 
medicamentos antigo e protocientífico. Ambos, dominados em parte pelo "ou-
tro", o profissional, eram afetivos em seus efeitos (existentes pois na inter-rela-
ção entre o usuário e o "outro") e dependentes dessa experiência narrada, a 
racionalidade dos usuários na busca do efeito do medicamento. Uma busca hoje 
irracional na interpretação etnocêntrica desse "outro"7, pois 
"é pela ... via mítica que ... nós nos apoderamos dessas realidades cujo obje-
to escapa aos sentidos ... Mas o modo racional se desenvolve pelo método, 
que nós continuamente clarificamos; o modo mítico promove atitudes, 
visões, disciplinas e consciência, e exige o controle da racionalidade. Es-
tas duas estruturas são vizinhas e se completam"29• 
Contra esse predomínio do mítico podemos entender a ascensão do medica-
mento "racional". Convém insistir um pouco mais nessa distinção conceitual 
entre mentalidade mítica e racional, pois nos permite expressar de forma mais 
clara a revolução que o medicamento moderno representa. A aceitação do efeito 
teve de se libertar da narrativa, para se fazer racional diante da ciência moderna. 
Os efeitos devem ser demonstrados estabelecendo mensurações (mesmo que 
dependentes da narrativa). Como conseqüência, deve-se levar ao extremo o do-
mínio desse "outro" sobre esse objeto "bom para pensar". Nessa racionalidade, o 
usuário não é chamado a pensar, ou sentir. O medicamento é "racional" do ponto 
de vista científico porque pensado numa lógica que extrai tudo ao usuário, inclu-
sive suas necessidades. Ele não precisa da experiência do usuário pois age por 
suas propriedades químicas nos sistemas fisiológicos. Ele, talvez ainda pela sua 
juventude, depende apenas do "outro", tutor de sua existência. Mas, no fundo, 
deseja mesmo ser um objeto que fala por si próprio. Nem o usuário nem o "ou-
tro" devem comandar seus efeitos. Os testes de sua eficácia devem ser "cegos". 
Esse novo medicamento se fez hegemônico na industrialização do setor saú-
de, na formação daquilo que se convencionou chamar de complexo médico-in-
dustrial, fenômeno característico do pós-guerra. Com ele se ampliou o afasta-
mento ao qual, ao longo de séculos, o usuário vinha sendo submetido, de sua 
construção e indicação, assumidas pelos farmacêuticos e prescritores. Num pro-
cesso mais recente, radicalizou-se esse afastamento com as "especialidades", 
passando a ser "preparado antecipadamente, apresentado sob uma embalagem 
particular e caracterizado por uma denominação particular"42,com indicações 
precisas e padronizadas. É como se pretendesse falar por si próprio, sem contu-
do ter deixado de ser mítico e, portanto, afetivo em seus efeitos: Porque o homem 
é afetivo, é mítico e racional, o medicamento atlial continua sujeito àquele efeito 
placebo e dele nunca se libertará. 
É em torno desse medicamento cienJífico .alopático moderno que gira nosso 
objeto de interesse. Medicamento, porque produzido para ser utilizado como re-
médio. Científico, porque dotado de uma lógica que se pretende alheia a tudo que 
CAPÍTULO 5 87 
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possa estar relacionado àquele elemento mítico do pensamento (ele apenas o ad-
mite, temporariamente, como algo ainda não racionalizado). Alopático, porque 
construído segundo a lei dos contrários. E moderno em seu sentido de oposição ao 
antigo e de sua conformidade com a racionalidade científica de nossos dias. 
O medicamento evoluiu; suas moléculas são construídas para maximizar seus 
efeitos sobre os sistemas fisiológicos, direcionando-os para funções cada vez mais 
específicas, tornando-os mais "poderosos". Sua racionalidade científica "passa a 
presidir as práticas que têm por finalidade a preservação e/ou restituição da saú-
de, fazendo com que seu consumo" possa então ser classificado, em uma socie-
dade, como "exacerbado e indiscrtminado"23• Sua complexidade afasta o usuário 
e nos permite falar em "automedicaçáo", uma luta do usuário contra esse domí-
nio; mas, ao mesmo tempo, sua existência social busca esse usuário, apela para o 
mítico de sua mentalidade e, por interesses externos a ambos, usuários e "profis-
sionais", se desnuda de sua racionalidade científica, não se importando se deixa 
ou não de ser um medicamento para ser predominantemente uma coisa boa paro 
usar. E, por que não, uma coisa boa para vender. É quando se curva diante do 
espírito humano e se dá conta de que não pode ser apenas o novo. 
MllDJCAMENTO, REPRESENTAÇÃO E MERCADORIA: SI:MBOLO DE SAÚDE, 
NECESSIDADE E SATISFAÇÃO 
GiovannP3 nos diz que "para Marx a produção da existência social - que 
implica, a um só tempo, a satisfação t~ a produção de necessidades- se realiza 
como uma dupla relação; ou melhor, como uma relação natural e como uma 
relação social". Porém "o que define e caracteriza a produção não é ... o aspecto 
natural desta dupla relação, mas o modo de cooperação ou o estado social deter-
mínado, ou o modo de produção, que os homens (plural. diferenciados social-
mente na divisão do trabalho) desenvolvem historicamente. Assim, as necessi-
dades humanas [grifo nosso; os demais são do autor] não são necessidades natu-
rais, nem substantivas de uma natureza humana, mas são fatos condicionadores 
da (e condicionados pela) relação dos homens com o mundo natural, inerentes a 
uma forma de produção". Segundo Sahlins4 t, em Marx: "Essa dialética se origina 
na produção, pois no processo de satisfação de suas necessidades o homem pro-
duz novas necessidades." As necessidades humanas não poderiam ser, portanto, 
entendidas a partir "do consumo individual, mas da produção" consumidor e 
produtor não são livres e opiniões e necessidades são socialmente determinadas. 
Assim entendido, o consumo é parte, ou "momento", de uma totalidade referen-
te ao "processo econômico", no qual produção, troca, distribuição e consumo 
interagem em determinações mútuas e "a um modo de produzir corresponde um 
modo de consumir e ... os impulsos (e comportamentos manifestos) [necessi-
dades?] só ganham inteligibílidade dentro destas estruturas mais amplas"23 • 
Entretanto, um entendimento universal sobre a necessidade deve considerar 
a diversidade, naquilo que Godelier entende por "relações sociais de produção"14 • 
Ele se refere à determinação do "acesso e controle dos meios de produção e do 
produto social pelos grupos e pelos indivíduos que compõem um tipo de socie-
dade determinada e ... [da organização do] ... processo de trabalho, assim corno ... 
[da] ... distribuição dos produtos". Dessa forma, reconhecer o papel das estruturas 
econômicas no funcionamento e na evolução das diferentes sociedades não im-
plica negar o papel de outras estruturas, o parentesco, a religião ou outras quais-
quer que existam enquanto dominantes em uma "hierarquia de instituições e 
funções" dessas diferentes sociedades, em diversos momentos históricos. 
Em outras palavras, assumir a determinação econômica como um princípio 
universal explicativo das diversidades sociais, historicamente construídas, não 
88 CAPITULO 5 
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implica assumir o padrão social das formações capitalistas industriais, em que a 
estrutura econômica se destaca como dominante em uma hierarquia de institui-
ções e de funções, como um ''padrão-ouro", numa postura etnocêntrica de en-
tendimento das diversidades, pois 
" ... somente quando se leva em conta o jogo específico de todos os níveis 
de funcionamento de um sistema econômico e social, pode-se descobrir a 
lógica do conteúdo e das formas dos diversos modos de representação, das 
diversas formas de percepÇão do meio encontrado nos diversos tipos de 
sociedades"14• 
Godelier entende nesses modos de representação "o tipo específico de informa-
ção" que têm os "indivíduos e grupos que compõem uma sociedade com uma 
estrutura determinada", residindo neles a possibilidade de "compreender as con-
dutas dos indivíduos e dos grupos desses sistemas [sociais] e explicar as formas e 
medir a eficácia real de suas intervenções"14• As condutas (dos indivíduos e gru-
pos) poderiam ser entendidas então como trazendo em si suas necessidades natu-
ral e cultural, "necessidades do estômago e do espírito", determinadas mutuamen-
te. Necessidades que não podem ser compreendidas à luz de uma "teoria econômi-
ca reducionista" ou de um "materialismo vulgar"14, mas em uma dinâmica ampla, 
dentro de uma hierarquia de funções característica de cada sociedade. 
Significa, pois, procurar o entendimento das necessidades e de seus proces-
sos de satisfação em diferentes "hierarquias de funções e causalidades". E, tam-
bém, o que nos interessa em especial, entender que, no interior das sociedades 
capitalistas industriais, tal compreensão transcende a estrutura econômica que 
surge nelas como estruturas dominantes nessas "hierarquias", 
"pois, se o econômico é o 'determinante último' ele é também um 'deter-
minante determinado'; não existe fora do complexo, sempre concreto e 
historicamente mutável, de mediações concretas, incluindo as mais 'espi-
rituais"'41. 
Nesse complexo de mediações "a ausência de lógica cultural na teoria da 
produção toma-se ... um convite a todos os tipos de naturalismo"41. Sua presen-
ça, por outro lado, nos levará a compreender a satisfação como algo não redutí-
vel a uma instrumentalização objetiva dos desejos -a um suprimento material 
das necessidades, mas como uma solução simbolicamente construída. 
O medicamento é um símbolo de saúde. O medicamento científico conse-
guiu ser um dos principais símbolos de saúde. Ele admite os limites que o 
elemento mítico lhe impõe, e faz-se hegemônico usufruindo também desse ele-
mento para ser um objeto que integra várias funções ao mesmo tempo, entre 
elas a de uma mercadoria cuja "racionalidade de uso" foge ao usuário. Se as 
necessidades humanas transcendem as referências físicas e biológicas imedia-
tas da relação do homem com a natureza e, determinando-se historicamente, 
ultrapassam, na busca da satisfação, uma resposta também imediata, essa satis-
fação desloca-se das necessidades "naturais" (ainda que a elas ligada) e sua 
conquista pertence, então, ao domínio das representações, entendidas como a 
"produção social do significado"ao. 
Assim, a procura e o uso de medicamento são o resultado de uma representa-
ção da saúde, e mesmo a sua forma material é o produto dessa representação: 
quando a saúde é um equilíbrio fisico-quimico, o medicamento é a substância 
pura em sua comppsição química e objetiva em sua atuação sobre esse processo; 
quando essa mesma saúde é mercadoria,"... uni objeto externo, uma coisa que, 
por suas propriedades, satisfaz as necessidades humanas, seja qual for a nature-
za, a origem delas, provenha do estômago ou da fantasia" (Lefevre, citando Marx)30, 
ele é a mercadoria que a toma real, e pôuco iinporta sua atuação. 
CAPfTULO 5 89 
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CoNsUMo DE MEDICAMENTOs: UM "FAro SociAL" DIFERENCIADo 
Até o momento, construímos o medicamento como objeto de análise, reunin-
do dois aspectos importantes: o consumo como momento da produção, e a pro-
dução infinita das necessidades na relação dialética entre ambos, e o consumo 
como resultado de necessidades e busca de satisfação que não podem ser enten-
didas como simples instrumentalização objetiva dos desejos humanos. 
Falemos então sobre o consumo dos medicamentos, onde "há ... um enorme 
conjunto de fatos ... por si mesmos muito complexos." Um conjunto de fatos que 
podemos entender como "fenômenos sociais 'totais"', pois expressam em si 
"ao mesmo tempo e de uma só vez, toda espécie de instituições: religiosas, 
jurídicas e morais- estas políticas e familiais ao mesmo tempo; econômi-
cas - supondo formas particulares de produção e consumo, ou, antes, de 
prestação e de distribuição, sem contar os fenômenos estéticos nos quais 
desembocam tais fatos e os fenômenos morfológicos que manifestam essas 
instituições"32• 
Um fato social integra, num só momento, a "realidade social" que nossa abs-
tração divide em diferentes aspectos: 
"Mas o fato total não chega a ser total pela simples reintegração dos aspec-
tos descontínuos: familial, técnico, econômico, jurídico, religioso, seja qual 
for o aspecto pelo qual poderíamos ser tentados a apreendê-lo exclusiva-
mente. E preciso também que ele se encarne em uma experiência individu-
al, e isto em dois pontos de vist~ diferentes: primeiro, em uma história 
individual que permita 'observar o comportamento de seres totais e não 
divididos em faculdades'; a seguir, no que gostaríamos de chamar (reen-
contrando o sentido arcaico de um termo cuja aplicação no caso presente 
é evidente) de uma antropologia, isto é, um sistema de interpretação que 
simultaneamente considere os aspectos físicos, fisiológicos, psíquicos e 
sociológicos de todas as condutas: 'Só o estudo desse fragmento de nossa 
vida que é a nossa vida em sociedade, não basta'. O fato social total apre-
senta-se, pois, com um caráter tridimensional. Deve fazer coincidir a di-
mensão propriamente sociológica com seus múltiplos aspectos sincrôni-
cos; a dimensão histórica, ou diacrônica; e, finalmente, a dimensão fisiop-
sicológica. Ora, é só nos individuas que esta tríplice abordagem pode ser 
feita" (grifas nossos- Lévi-Strauss. In: Mauss]32 • 
O medicamento é um fato social, diverso sincrônica e diacronicamente, no 
interior do qual podemos desvendar uma guerra intima ~pria de um objeto 
plural, que luta por ser moderno e cientifico, mas em cujo interior se apresentam 
racionalidades diversas. Podemos dizer que, no interior desse fato social, encon-
traremos um medicamento mágico, que traz ao indivíduo uma resposta fácil e 
libertadora, seja por permitir uma compreensão acessível de sua condição de 
saúde ou, mesmo20, libertadora à necessidade de autoconhecimento e de atuação 
nas transformações das condições da sua própria existência; um medicamento 
solução, que satisfaz necessidades socialmente diferenciadas- para os estratos 
de maior poder aquisitivo é instrumento de proteção à saúde e, para os de menor 
renda, de manutenção e reposição da sua força de trabalho23 ; e um medicamento 
moda, que responde a necessidades e mitos explorados pela publicidade junto 
ao consumidor e ao prescritor53 • 
Esse fato social reverencia, em nossas sociedades capitalistas atuais, e mesmo 
privilegia no nivel das normas legais, o medicamento como um produto social-
mente diferenciado. Seu uso deve ser regido por critérios médico-sanitários. Uma 
concepção que propõe a racionalidade de seu uso com base exclusivamente em 
critérios científicos. Não existe, nessa concepção, espaço para os interesses di-
90 CAPiTULO 5 
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versificados de uma população consumidora e não se justificam as atitudes agres-
sivas da publicidade de medicamentos com base em regras inerentes às práticas 
democráticas16. 
Esse rigor torna obsoleta a liberdade clínica dos profissionais prescritores (o 
"outro"), que até recentemente representavam, segundo Hamptom, "o direito ... 
de fazer qualquer coisa que em sua opinião fora a melhor para seus pacientes"6 . 
Além do rigor científico a que o prescritor deve se submeter no exercício de sua 
função, surgem, hoje, contra sua liberdade, as incertezas do conhecimento cien-
tífico, a organização e as limitações econômicas do setor saúde e os mais básicos 
preceitos éticos do exercício profissional. 
O desenvolvimento médico-industrial mudou profundamente as práticas te-
rapêuticas e as forças que configuram o consumo dos medicamentos11• 27. Togno-
ni e Laporte54 utilizam o termo "espetacular" para se referir ao aumento do nú-
mero de moléculas farmacologicamente ativas, descobertas e lançadas no merca-
do, sob a forma de medicamentos industrializados, a partir dos anos 30/40. Esse 
fato tem sido considerado o marco histórico mais importante das transformações 
ocorridas nos padrões de utilização de medicamentos e nos determinantes des-
ses padrões nessas últimas décadas17, 23 • 
Essa terapêutica cientijica tem deslocado outras opções medicamentosas, popu-
lares ou leigas, assumindo um caráter hegemônico. Isso tem ocorrido apesar de o 
cientifismo muitas vezes não passar de uma vaga concepção que hoje domina as 
práticas de saúde21, sem contudo implicar uma prática necessariamente científica23• 
O sobrenatural de outrora permanece presente, travestido de explicações racionais. 
MEDICAMENTO: UM ÜBJETO DA EPIDEMIOLOGIA 
Na perspectiva antropológica, o medicamento nos mostra "um campo tensio-
nal onde coexistem diferentes tipos e funções"30 e, tendo sua existência ligada a 
uma representação, apenas se torna real quando transcende sua condição natu-
ral e é usado enquanto remédio. Seu consumo é um fato social que se insere 
dialeticamente no conjunto das representações da saúde e da doença, da reli-
gião, da ciência, da economia etc. E, assim, assumindo uma condição de deter-
minante e determinado do processo saúde-doença. surge como algo "bom para 
pensar" epidemiologicarnente. 
Se hoje ele é científico, traz em si elementos de uma "estrutura não-científi-
ca". Para pensá-lo epidemiologicamente deve-se deixar bem estabelecido que os 
adjetivos utilizados nas categorizações de sua análise expressam o ponto de vista 
do elemento que hoje se faz hegemônico: o elemento "racional", base de sua 
existência como medicamento alopático científico moderno. 
Nesse sentido, abordar epidemiologicamente o uso de medicamentos impõe 
reconhecer que tal prática não se limita a fatores farmacoterapêuticos. Estudos 
demonstram que esse consumo resulta não apenas de um preciso diagnóstico de 
necessidades objetivas, avaliadas sob a ótica da clínica, mas também de padrões 
socioculturais do indivíduo, de um grupo social ou da sociedade como um todo. 
Demonstram, portanto, que para prevalecer o rigor científico no uso dos medica-
mentos, impõem-se a necessária competência para sobrepujar outras racionali-
dades que atuam, com suas próprias lógicas, no processo de determinação do 
consumo dessa tecnologia. A análise epidemiológica dessa prática deve buscar 
demonstrar como os padrões de condutas individuais são construídos e, por sua 
vez, constroem os padrões coletivos de seu consumo. 
E, por fim, se o objeto da epidemiologia pode ser entendido como "doenças em 
populações"5, podemos facilmente entender·que o consumo de medicamentos 
em populações se apresenta como o objeto singular da farmacoepidemiologia. 
C APiTULO 5 91 
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FARMACOEPIDEMIOLOGIA 
A utilização de medicamentos é definida pela OMS como "a comercialização, 
distribuição, prescriçãoe uso de medicamentos em uma sociedade, com ênfase 
especial sobre as conseqüências médicas, sociais e econômicas resultantes"36• 
Os chamados estudos de utilização de medicamento (EUM) são aqueles que, 
independente do método, objetivo ou escopo, visam esclarecer tais aspectos. 
Eles nos oferecem uma visão geral. ou de particularidades da questão do uso de 
medicamentos em uma dada sociedade. Se buscarmos a distinção entre um mo-
mento descritivo e outro analítico da prática epidemiológica, poderíamos apro-
ximar a idéia dos EUM do primeiro, como o traçar de caminhos para definição 
de hipóteses mais "fechadas" sobre a determinação desse consumo. 
A farmacologia busca entender os efeitos dos fármacos e a sua aplicação aos 
seres humanos é afeita à farmacologia clínica. Ainda que utilizando-se de grupos 
de pessoas, dentro do espírito da busca de uma consistência estatística para suas 
observações, o foco da atenção de ambas está no indivíduo. O princípio fmida-
mental da individualização na terapêutica exige, no entanto, parâmetros para a 
relativização dos riscos e dos benefícios e para a determinação de margens de 
segurança com relação à obtenção dos resultados objetivados, necessidades que 
as aproximam das potencialidades do raciocínio e da metodologia epidemiológi-
ca. Nas palavras de Strom51 : 'i'\ farmacoepidemiologia pode ser útil na provisão 
de informações sobre os efeitos benéficos e perigosos de qualquer fármaco; per-
mitindo, assim. melhor compreensão da relação risco-beneficio para o uso de 
qualquer fármaco em qualquer paciente." Isso porque a farmacoepidemiologia é 
definida por esse autor como "o estudo do uso e os efeitos dos fármacos em um 
largo número de pessoas." 
A utilidade da aplicação da epidemiologia ao uso dos medicamentos pode ser 
pensada em dois momentos distintos: nos períodos pré e pós-comercialização de 
um novo fármaco. O período prévio à comercialização se caracteriza pela inves-
tigação experimental- os ensaios clínicos, última fase dos testes de um fárma-
co, no qual são buscados conhecimento sobre eficácia e uma avaliação da sua 
margem de segurança. No período posterior à comercialização encontraremos a 
aplicação, embora não necessariamente exclusiva, mas preponderante da inves-
tigação observacional, aplicadas com o objetivo de suprir as limitações metodo-
lógicas dos ensaios em grupos relativamente pequenos. 
Nessa fase encontramos uma das aplicações mais recentes da vigilância epi-
demiológica e que denominamos farmacovigilância. Uma atividade que busca, e 
pode ser definida como "a identificação e a dos efeitos do uso, agudo e 
crônico, dos tratamentos farmacológicos no conjunto da população ou em subgru-
pos de pacientes expostos a tratamentos específicos"27• 
ESTUDOS EPIDEMIOLÓGICOS E MEDICAMENTOS 
Para discutirmos os tipos de estudo utilizados em farmacoepidemiologia, ado-
taremos a classificação proposta por Beaglehole, Bonita e Kjellstrõm 8 para os estu-
dos epidemiológicos, que podem ser observacionais ou experimentais. Nos estu-
dos observacionais, como o próprio nome sugere, o investigador mede mas não 
intervém. A intervenção intencional do pesquisador sobre mna variável e a men-
suração dos efeitos dessa intervenção são características dos estudos experimen-
tais, o que os torna semelhantes aos experimentos utilizados por outras ciências. 
Os estudos observacionais podem, por sua vez, ser classificados em descriti-
vos ou analíticos. Entre os estudos analíticos, destacam-se os ecológicos, os trans-
versais, os de casos e controles e os de coorte. 
92 CAPíTULO 5 
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Como tipos de estudos experimentais, temos: os ensaios clínicos randomiza-
dos, os ensaios de campo e os ensaios comunitários. Neste texto, discutiremos 
apenas os ensaios clínicos randomizados, por serem os mais comumente utiliza-
dos em farmacoepidemiologia. 
A seguir, apresentaremos, sinteticamente, as principais características doses-
tudos epidemiológicos e sua aplicação no campo da farmacoepidemiologia, res-
saltando que não pretendemos esgotar os vários desenhos e as possibilidades de 
aplicação do método epidemiológico nesse campo. Ademais, não é propósito 
deste texto discutir em detalhe a análise de dados epidemiológicos e os erros 
potenciais em estudos epidemiológicos. Para isto remetemos o leitor a textos de 
epidemiologia básicas,39. 
EsTUDOS DESCRITIVOS 
A descrição do estado de saúde de um determinado grupo ou populaç~o se 
constitui, muitas vezes, no primeiro momento de uma investigação epidemioló-
gica. Os estudos descritivos não têm por objetivo avaliar eventuais associações 
entre causa e efeito. Muitas vezes, este tipo de estudo tem por base em estatísti-
cas de mortalidade, devido à sua maior disponibilidade. Pode-se analisar, por 
exemplo, o padrão de mortes por idade, sexo, ou grupo étnico durante períodos 
de tempo específicos ou em diversos países•. 
Em farmacoepidemiologia, estudos descritivos têm sido amplamente empre-
gados para conhecer aspectos importantes na utilização de medicamentos por 
determinados grupos ou populações. Estes estudos buscam conhecer a interação 
do uso de medicamentos com o processo global da assistência sanitária, em que 
ocorrem o diagnóstico e o tratamento das doenças, uma vez que os medicamen-
tos estão inseridos no modo como a cultura de uma sociedade assume a saúde. 
Dessa forma, os medicamentos se constituem em indicadores da prevalência de 
problemas médicos e da maneira como a comunidade científica e médica intera-
ge com os usuários dos serviços de saúde na seleção de soluções que envolvam a 
intervenção farmacológicas4, 
Tognoni e Laporte54 identificam as seguintes e métodos emprega-
dos no campo da utilização de medicamentos: análise oferta de medicamen-
tos, estudos quantitativos de consumo, estudos sobre a qualidade de consumo, 
estudos de hábitos de prescrição médica, estudos de cumprimento da prescrição 
e vigilância orientada para problemas. 
Para o desenvolvimento destes estudos propõe-se uma metodologia comum, 
com base em uma única classificação dos medicamentos e no reconhecimento 
da existência de diferentes técnicas para a quantificação e qualificação do consu-
mo. O sistema de classificação recomendado pelo Drug Utilization Research Group 
(DURG) da OMS para estudos de utilização de medicamentos é o adotado pelo 
Nordic Council on Medicines e denomina-se Classificação Anatômico-Terapêuti-
ca-Química (ATC)13. 
A análise da oferta de medicamentos tem como fontes de dados os registros 
nacionais, os catálogos nacionais oficiais e os catálogos elaborados pela indús-
tria farmacêutica. As principais informações obtidas neste tipo de estudo refe-
rem-se à qualidade da oferta e da informação oferecida 54 • Um interessante exem-
plo deste tipo de análise desenvolvido em nosso meio estudou a oferta de medi-
camentos usados na ansiedade tendo por fonte de pesquisa o Dicionário de Espe-
cialidades Farmacêuticas (DEF 1989/1990)37• Um total de 95 produtos farmacêu-
ticos foi analisado, dos quais 27,4% continham uma única substância ativa e 
69,5% eram constituídos por associação de dois ou mais princípios ativos. Os 
medicamentos ditos "antidístônicos" contrib.uíram com 69,7% das associações 
CAPíTULO 5 93 
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encontradas e representavam 48,4% do total de produtos indicados para a tera-
pêutica da ansiedade. Os autores alertaram para a deficiência e distorção das 
informações contidas no DEF quando comparadas com as da literatura científi-
ca, concluindo que era visível a estratégia das indústrias em omitir ou minimizar 
a importância dos efeitos colaterais relevantes, ao mesmo tempo que ampliavam 
as "propriedades terapêuticas" de seus produtos. Informações importantes, como 
concentração de substâncias ativas, restrições ao uso e possibilidade de depen-
dência física, estavam ausentes. Outra grave distorção referia-se à predominân-
cia absoluta de associações em doses fixas sobre os monofármacos que, em sua 
quase totalidade, não seguem os critérios quevalidam as associações medica-
mentosas. Recordando a estratégia de "venda livre" dos antidistônicos que per-
durou até 1986 e favoreceu o uso irracional de benzodiazepínicos, inclusive a 
automedicação, o estudo concluiu que existiam produtos que já deveriam ter 
sido retirados do mercado e que a informação difundida pelas indústrias resulta-
va em uma utilização ineficaz da medicina37 • . 
Os estudos quantitativos de consumo geram informações sobre tendências 
comparadas de consumo de diversos produtos, sobre as motivações dos médicos 
para a prescrição e permitem a comparação do uso de uma região a outra ou de 
um período a outro, em uma mesma região. Para isso, utilizam como fontes as 
cifras de vendas obtidas por empresas privadas especializadas, as cifras de aqui-
sições realizadas por monopólios de consumo, elaboradas por organismos ofici-
ais, ou amostras de prescrições médicas hospitalares ou ambulatoriais54• A quan-
tificação do consumo pode enfocar diferentes aspectos, como valor econômico, 
unidades vendidas ou unidades de consumo de medicamentos. A quantificação 
econômica do consumo, expressa, por exemplo, como porcentagem sobre o gas-
to total em atenção à saúde, é bastante útil para avaliar o comportamento do 
sistema de saúde em determinado país. Quando se quer comparar países, é mais 
apropriado analisar o consumo em relação à renda per capita. Uma idéia mais 
aproximada do consumo de determinado princípio ativo ou grupo terapêutico 
pode ser obtida com a quantificação do consumo em unidades vendidas, mas a 
comparação entre lugares e/ou tempos distintos está sujeita a problemas. O con-
sumo total em unidades pode expressar o resultado da soma de unidades de 
magnitudes distintas, uma vez que a "unidade" é uma embalagem de uma espe-
cialidade farmacêutica, independentemente de seu tamanho ou dose. Para en-
frentar tais dificuldades, foi estabelecida uma unidade de consumo de medica-
mentos, denominada "dose diária definida" (DDD). A DDD representa a dose 
diária média de cada fármaco na sua indicação principal e é arbitrariamente 
estabelecida de acordo com as recomendações da literatura, do laboratório pro-
dutor e a partir da experiência acumulada de cada produto. Assim, a DDD é uma 
unidade técnica de medida que permite comparações entre o consumo de dife-
rentes países ou de um ao longo do tempo, sem a influência das variações de 
preço e de conteúdo ponderai das especialidades farmacêuticas13• 
Os estudos sobre a qualidade do consumo enfocam amostras dos medicamen-
tos mais vendidos, mais receitados ou mais freqüentemente adquiridos sem re-
ceita. Informam sobre a qualidade dos medicamentos mais utilizados (e sua evo-
lução) e permitem caracterizar a utilidade potencial dos disponíveis no sistema 
de saúde54• 
94 
"Quando o país analisado dispõe de um registro racional de medica-
mentos, a qualidade do consumo e da oferta não é um tema que mereça 
preocupação, já que se supõe que as especialidades farmacêuticas regis-
tradas são de qualidade elevada, fruto de uma política de seleção de medi-
camentos aceitável e baseada em termos de eficácia, relação benefício-
risco e necessidade. Infelizmente, apesar dos grandes avanços experimen-
CAPÍTULO 5 
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tados pela farmacologia clínica nos últimos anos, esta não é a tônica geral 
em todo o mundo e isso se traduz em diferenças relevantes na oferta de 
medicamentos de um país a outro. 
Dai que a análise puramente quantitativa deve ser empregada com uma 
caracterização da qualidade de consumo mediante o estudo da proporção de 
combinações em doses fixas, o estudo do grupo terapêutico onde elas são clas-
sificades e a análise da qualidade farmacoterapêutica dos medicamentos con-
sumidos. Para levar a cabo essa última análise, foram propostos os conceitos de 
'valor terapêutico potencial' e 'grau esperado de uso'. A avaliação do 'valor tera-
pêutico potencial' se baseia na análise dos dados disponíveis sobre a eficácia e 
segurança dos fármacos contidos em cada especialidade farmacêutica, levando 
em conta considerações farmacocinéticas e possíveis interações. 
O 'grau esperado de uso' só pode ser definido em termos muito gerais. 
Assim, por exemplo, ainda que o cloranfenicol se mostre eficaz no trata-
mento de diversas doenças infecciosas (e, portanto, seria um fármaco de 
elevado potencial terapêutico teórico), seu 'grau esperado de uso' é limita" 
do, uma vez que, em muitas dessas doenças, outros antibióticos são tam-
bém eficazes e mais seguros( ... ). 
Com esse tipo de informação é possível comparar a qualidade da oferta e 
do consumo em um determinado pais e ver como evolui com o tempo. Tam-
bém é possível comparar esses dois parã:m.etros entre distintos países( ... ). 
Atualmente um grande número de países europeus participa de um 
estudo comparativo dos medicamentos mais prescritos em cada país( ... ). 
Esse estudo tem demonstrado que as listas dos 50 fãrmacos mais prescri-
tos (em número de unidades) são úteis para mostrar as principais caracte-
rísticas de cada mercado farmacêutico"13 • 
Os estudos de hábítos de prescrição médíca utilizam amostras de prescrições na 
comunidade e nos hospitais, além de histórias clínicas. Em geral, fornecem a preva-
lência da prescrição médica em determinado grupo ou local. Podem também gerar 
informações sobre a entre a indicação e a prescrição54• Para Chaves15, estu-
dos de prescrições podem servir para que os planejadores, administradores, investi-
gadores e docentes façam comparações básicas entre diferentes estabelecimentos e 
em diferentes momentos. Entre os objetivos de um estudo de prescrições este autor 
destaca: a) descrever práticas atuais de tratamento; b) comparar condutas prescriti-
vas entre estabelecimentos de características similares; c) monitorar periodicamente 
e supervisioni!f as condutas na prescrição e uso de fãrmacos; d) avaliar o efeito de 
uma intervenção que tenha sido desenhada para mudar práticas de prescrição. 
Acurcio, Perini, e col. 3 desenvolveram um estudo com o objetivo 
de analisar a qualidade prescrições aviadas pela Secretaria Municipal de Saú-
de de Belo Horizonte (SMSA), originadas em suas unidades de saúde (prescri-
ções internas) e em outros locais (prescrições externas). A coleta de dados foi 
realizada em 50% das 125 unidades da rede ambulatorial municipal, seleciona-
das aleatoriamente e distribuídas proporcionalmente entre os nove distritos sa-
nitários de Belo Horizonte. Foram coletadas 2.207 prescrições internas e 2.400 
prescrições externas, no período de março a maio de 1999. A análise teve como 
referência indicadores de prescrição recomendados pela Organização Mundial 
de Saúde. Entre os principais resultados obtidos, destacam-se: a) apenas 51,7% 
das prescrições de origem interna e 28,4% das externas tinham todos os medica-
mentos prescritos pelo nome genérico; b) todos os medicamentos presentes na 
prescrição eram padronizados pela SMSA em 88,4% das prescrições de origem 
interna e 76,1% das externas; c) 48,6% das piescrições internas e 47,2% das 
externas tiveram todos os medicamentos prescritos efetivamente dispensados, 
ou seja, o percentual de prescrições atendidas integralmente mostrou-se bem 
inferior ao de prescrições contendo todos os medicamentos padronizados pela 
CAPíTULO 5 95 
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SMSA, sugerindo ocoiTência de situações de desabastecimento; d) os medica-
mentos tinham o registro da quantidade prescrita em 69,6% das prescrições in-
ternas e apenas 57,6% das externas; e) a presença de dados posológicos para 
todos os medicamentos prescritos variou de 51,2% a 97,6% nas prescrições de 
origem interna e 57,9% a 98,3% nas externas. A análise das prescrições permitiu 
constatar que as normas e recomendações preconizadas na literatura e na legisla-
ção não estavam sendo seguidas, o que poderia estar induzindo a erros no ato da 
prescrição e no seu aviamento. Verificou-se ainda a necessidade de adoção de 
medidas que visassem melhorar a qualidade das prescrições, promovendo o usoracional de medicamentos na rede ambulatorial de saúde do município. Ade-
mais, evidenciou-se a importância de buscar mecanismos para garantir a regula-
ridade de estoque e a distribuição dos medicamentos padronizados na rede mu-
nicipal, evitando, assim, a formação de demanda reprimida. · 
Os estudos de cumprimento da prescrição empregam técnicas indiretas ou 
diretas para a obtenção de dados. As técnicas indiretas incluem: curso clínico, 
detecção de marcadores fisiológicos, impressão do médico, entrevistas estrutu-
radas, controle de repetição de prescrições, contagem de comprimidos, monito-
rização da medicação. Entre as técnicas diretas, temos a determinação do fãrma-
co, um metabólito ou um marcador em líquidos orgânicos. As principais infor-
mações obtidas nestes estudos são: a prescrição comparada com o uso real; o 
grau de informação do paciente sobre sua doença e sobre os efeitos da medica-
ção, indicadores da qualidade da relação médico/paciente54 • 
A vigilância orientada para problemas tem como fonte histórias clínicas, pa-
cientes-problema ou tratamentos-problema. A partir dela obtém-se descrição 
detalhada de critérios de utilização de fãrmacos e de técnicas e protocolos tera-
pêuticos54. 
EsTIJDOs EcoLÓGICOS 
São também denominados estudos de correlação. Estes estudos são de execu-
ção relativamente fácil e comparam indicadores globais de ãreas geográficas dis-
tintas ou de uma mesma ãrea geográfica, em diferentes períodos. A unidade de 
análise são populações ou grupos de pessoas, fato que não permite fazer a asso-
ciação individual entre a exposição e a doença. Por isso, a rigor, este tipo de 
estudo não tem o poder de testar hipóteses. ·~falácia ecológica, um tipo de viés, 
ocoiTe quando conclusões impróprias são tiradas com base nos estudos ecológi-
cos. A associação observada entre variáveis de um grupo não representa neces-
sariamente a associação existente no nível individual. Estudos ecológicos, entre-
tanto, têm freqüentemente proporcionado um proveitoso início para pesquisas 
epidemiológicas mais detalhadas"8 . 
Vejamos um exemplo da utilidade deste tipo de estudo em farmacoepidemio-
logia, relatado por Stolley50 • Na InglateiTa durante um século, antes de 1960, as 
taxas de mortalidade por asma permaneceram muito estáveis e baixas, em torno 
de 0,5 mortes por 100.000 pessoas. A análise rotineira de estatísticas vitais mos-
trou a ocoiTência de urna epidemia. Em 1961, estas taxas de mortalidade come-
çaram a aumentar rapidamente, em especial nas faixas etárias entre cinco e 34 
anos. Depois de 1967, essas taxas começaram a declinar, aproximando-se dos 
níveis pré-epidêmicos nos anos 70. Um padrão muito similar foi observado na 
Escócia, Austrália e Irlanda. Foram então iniciadas investigações epidemiológi-
cas específicas para descobrir a causa deste súbito aumento na mortalidade e 
logo se descartou a possível responsabilidade de mudanças na nomenclatura e 
na codificação dos atestados de óbito. Uma investigação desenvolvida por Fraser 
e DolP, em Londres e aiTedores, sugeriu que o uso ou abuso de nebulizadores 
96 CAPíTULO 5 
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com isoproterenol tinha implicações nas mortes de crianças asmáticas. Esta hi-
pótese foi reforçada por outros estudos que correlacionaram a introdução e au-
mento das vendas deste medicamento com o aumento das taxas de mortalidade. 
Por outro lado, a epidemia não ocorreu em países como EUA e Canadá que co-
mercializavam grandes quantidades destes nebulizadores. Este fato colocava em 
xeque a hipótese, até que tais exceções foram esclarecidas por um estudo compa-
rativo internacional enfocando taxas de mortalidade por asma e venda de nebu-
lizadores49. O estudo demonstrou que as vendas de um nebulizador cinco vezes 
mais forte do que a formulação usual estavam associadas fortemente com a pre-
sença e a extensão da epidemia. Este nebulizador superpotente não foi licencia-
do ou comercializado nos EUA e Canadá, países que não apresentaram a epide-
mia mesmo entre consumidores de grandes quantidades do nebulizador com a 
formulação usual. Embora não haja consenso, a explicação mais provável é a de 
que estes nebulizadores potentes proporcionem doses suficientemente grandes 
para causar taquicardias fatais em crianças já comprometidas pela hipoxemia e 
freqüentemente medicadas com outros fármacos cardiotônicos, como a teofilina. 
Seja como for, a epidemia começou a diminuir quando as vendas destes nebuli-
zadores declinaram devido aos alertas sobre seus riscos e sua substituição por 
novos medicamentos com efeitos adrenérgicos mais seletivos, menos propensos 
a induzir taquicardias. 
Outro exemplo do potencial dos estudos ecológicos no campo da farmacoepi-
demiologia, citado por Almeida Filho e Rouquayrol4 , refere-se a uma observação 
acidental do poder sedativo de sais de lítio em cobaias, fato que fez Cade12 esta-
belecer a hipótese de que os sais de lítio tinham a propriedade de controlar a 
excitação psicótica nos estados maníaco-depressivos. Um estudo ecológico foi 
então desenvolvido19 analisando a água e a prevalência de doenças mentais de 
27 cidades, pois se a hipótese em questão tivesse fundamento, as internações 
hospitalares por psicose maníaco-depressiva deveriam ser menos freqüentes nas 
regiões onde a água de beber fosse rica em cátion lítio, quando comparadas a 
regiões onde a água tem pouca quantidade da referida substância. Estes autores 
encontraram uma correlação inversa entre o conteúdo de lítio na água de beber e 
internações hospitalares daquela doença. 
Embora produzam informações úteis para a avaliação epidemiológica de me-
dicamentos. os estudos de correlação têm sérias limitações, particularmente se a 
proporção da população que está usando o fáxmaco é pequena. Em geral eles 
somente podem ser utilizados como uma evidência auxiliar para estudos com 
base em métodos mais rigorosos44• 
EsTIIDos TRANSVERSAIS 
Amplamente empregados na investigação epidemiológica, são também cha-
mados estudos de prevalência. Os estudos transversais medem, em uma popula-
ção previamente delimitada, a exposição (geralmente a vários fatores) e o efeito 
(doença/condição) simultaneamente, no momento de sua realização. Nem sem-
pre é possível garantir, durante a coleta de dados, que a exposição tenha antece-
dido o efeito, o que dificulta a interpretação das eventuais associações encontra-
das pelo estudo. As informações obtidas nestes estudos, operacionalmente fáceis 
de realizar e de custo relativamente baixo, são geralmente de muita utilidade na 
avaliação das necessidades de saúde das populações e no planejamento das ações 
para enfrentá-las. 
Rouquayrol e Almeida Filho39 identificam cinco subtipos de estudos trans-
versais: os estudos de grupos de tratamento, os inquéritos na atenção primária, 
CAPITULO 5 97 
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os estudos em populações especiais, os inquéritos domiciliares com identifica-
ção direta de caso e os estudos multifásicos. 
Os estudos de grupos de tratamento utilizam registros institucionais e, a partir 
da procedência do paciente, identificam a base populacional para o cálculo das 
prevalências. Suas estimativas são influenciadas pela quantidade, qualidade e 
distribuição dos serviços, sendo difícil operacionalizá-lo em locais onde a orga-
nização do sistema de saúde é incipiente ou precária. Ademais, este subtipo de 
estudo somente é eficaz quando as doenças são graves e o tratamento se impõe39 • 
Os inquéritos na atenção primária são viáveis onde existem redes regionaliza-
das organizadas de atenção primária. A fonte de dados tanto pode ser os registros 
institucionais quanto um instrumento de detecção de casos aplicado a uma amos-
tra ou à totalidade dos usuários do serviço em um período definido de tempo39• 
Nos inquéritos domiciliares de morbidade é necessária a definição, por meio 
de amostragem ou recenseamento, de uma base populacional para o estudo. To-
dos os indivíduos incluídos na investigação são então examinados. Para minimi-
zar a baixa confiabilidade doexame e da história clínica, deve-se utilizar entre-
vistas estruturadas e procedimentos diagnósticos padronizados39• 
O estudo transversal multifásico constitui um aperfeiçoamento do subtipo 
anterior, melhorando a relação custo-efetividade. Inicialmente aplicam-se instru-
mentos simplificados a toda população ou amostra, triando para um exame mais 
completo aqueles participantes suspeitos de serem portadores da condição enfo-
cada, uma vez que atingiram pontos de corte em instrumentos de detecção39• 
No Brasil, Beria, Victora, Barros e-col. 10 desenvolveram um interessante estu-
do transversal investigando padrões de consumo de medicamentos em crianças 
e as influências de variáveis socioeconômicas, biológicas e de utilização de ser-
viços de saúde. Este estudo foi aninhado em um estudo longitudinal, tendo sido 
investigado um período de 15 dias. Foi realizado um censo da cidade de Pelotas, 
RS, com visita a 77.199 domicHios, onde foram localizadas 4.746 crianças que 
representavam 84% da coorte de nascidos em hospitais da cidade no ano de 
1982. A idade dessas crianças, no momento da entrevista, variou entre 35 e 53 
meses. Com relação ao consumo de medicamentos, foram formuladas as seguin-
tes perguntas às mães ou responsáveis: '~ criança recebeu algum remédio nos 
últimos 15 dias, inclusive remédio para febre ou vitaminas?"; "Qual é?"; "Para 
tratar o quê?";" Quem receitou?"; "Foi tomado regularmente por um mês ou 
mais?". Se os medicamentos consumidos estivessem disponíveis, era solicitado 
à mãe que os mostrassem. Os pesquisadores verificaram que 55,8% das crianças 
haviam consumido algum medicamento nos 15 dias que precederam a entrevis-
ta. Entre estas, 31,3% haviam utilizado um medicamento e 8,8%, três ou mais. 
Aproximadamente um quarto das crianças consumiu medicamentos com três ou 
mais fá:rmacos e 9,5% utilizaram medicamento por um mês ou mais. Os princi-
pais responsáveis pela prescrição foram o médico (62,7% dos medicamentos) e a 
mãe (32,3%). Os três produtos mais consumidos foram o ácido acetilsalicílico 
(24,7%), vitaminas e sais minerais (9,5%) e associações antigripais (8,9o/o). Os 
autores destacaram o alto consumo de aspirina, qué é preocupante devido à exis-
tência de associação entre o consumo deste produto e a síndrome de Reye em 
crianças. Os motivos mais freqüentes de utilização foram gripe (17,3%), febre 
(14,9%) e falta de apetite (12,1%). O fato de ser primogênito foi fator de risco 
para o consumo, e os possíveis fatores determinantes deste comportamento fo-
ram a ansiedade e a insegurança de "pais de primeira viagem". Ademais, crian-
ças com pouco apetite na semana anterior consumiam duas vezes mais medica-
mentos do que aquelas com bom apetite. Discutindo estes resultados, os autores 
alertaram para o alto consumo de medicamentos observado em crianças de uma 
idade em geral com poucos riscos para a saúde, o que mostrava uma grande 
98 CAPíTULO 5 
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disponibilidade de medicamentos nos domicílios e risco de intoxicações. Apon-
taram, ainda, a incoerência que representava o maior consumo de analgésicos e 
medicamentos para o aparelho respiratório pelas classes mais abastadas, quando 
ocorreu uma maior morbídade nas crianças das classes desprivilegiadas, o que 
sugere distorções terapêuticas. Por outro lado, a utilização mais freqüente de 
antiparasitários e medicamentos para o aparelho digestivo pelas classes despri-
vilegiadas refletiria, segundo os autores, a distribuição social da incidência des-
ses problemas. 
Estudos transversais realizados em populações usuárias de serviços específi-
cos podem fornecer informações importantes para a sua organização, embora 
seus resultados não possam ser generalizados. Um exemplo é o estudo realizado 
por Abreu, Acurcio e Resende' que teve por objetivo veríficar a prevalência de 
consumo de psicofármacos, nos períodos de 15 dias e de 12 meses que antecede-
ram o estudo, entre os usuários das cinco clínicas integradas de atenção primária 
da Faculdade de Odontologia da UFMG. Todos os indivíduos maiores de 12 anos 
atendidos nestas clínicas no mês de junho de 1997 foram entrevístados. Os auto-
res encontraram um consumo de psicofármacos de 4% e 10%, respectivamente, 
para os 15 dias e os 12 meses que antecederam o estudo. Neste último período, 
os ansiolíticos foram os mais consumidos totalizando 40% do consumo global. 
Indivíduos mais velhos, mulheres e donas-de-casa consumiram mais psicofár-
macos do que seus grupos de referência (p<0,05). O estudo também verificou 
que apesar da importância da informação a respeito do uso de psicofármacos 
para o diagnóstico e planejamento da atenção integral em odontologia, apenas 
40% dos alunos das clínicas integradas relataram ter anotado este dado em ficha 
clínica. Os autores ressaltam que este fato pode indicar lacunas no ensíno da 
Odontologia, devendo ser repensada a importância dada à questão dos medica-
mentos durante a formação dos cirurgiões-dentistas. 
No atual estágio de organização do nosso sistema de saúde e da assistência 
farmacêutica, estudos transversais, como os exemplíficados, permitem conhecer 
melhor os determinantes e o padrão de consumo de medicamentos na popula-
ção. Desse modo, podem contribuir significativamente tanto para o planejamen-
to e a organização das ações de saúde quanto para reorientar as práticas assisten-
ciais, na perspectiva de uma utilização mais racional dos medicamentos em nos-
so país. 
Esrunos DE CAso-coNTROLE 
O desenho deste tipo de estudo [Tabela 5.1) possibilita a comparação entre 
dois grupos de pessoas. Um dos grupos é composto por pessoas com uma deter-
minada doença/evento [variável de desfecho) e essas pessoas são denominadas 
casos. O outro grupo é composto por pessoas com características semelhantes 
aos casos, exceto pelo fato de que não sofrem a doença/evento e essas pessoas são 
denominadas controles. "Os controles deveriam representar pessoas que seriam 
incluídas no estudo como casos se tivessem desenvolvido a doença"8 • A compa-
ração entre os dois grupos tem por objetivo identificar diferenças de exposição, 
no passado, a uma ou mais variáveis que possam ter contribuído para a ocorrên-
cia da doença/evento. Quando se comprova a associação estatisticamente signifi-
cante entre uma variável e a doença/evento, esta passa a ser denominada fator de 
risco para aquela doença/evento. As principais vantagens deste desenho são: custo 
relativamente barato, facilidade na execução e grande utilidade na investigação 
de causas de doenças/eventos, especialmente as doenças/eventos raros. 
Estudos caso-controle podem ser p-árticularmente úteis quando o pesquisa-
dor procura estudar várias possíveis causas de uma única doença, uma vez que 
CAPITUlO 5 99 
http://www.pdfill.com
Presente 
Ausente 
Exposição Doença/evento 
Direção do estudo 
ele pode estudar qualquer número de exposições como potenciais fatores de 
risco usando os mesmos casos e controles52• 
Os principais problemas relacionados a este método incluem sua incapacida-
de de estimar o risco, sua vulnerabilidade a inúmeros biases (seleção, rememora-
ção etc.) e sua complexidade analítica39• 
Para se obter a máxima similaridade entre casos e controles, exceto quanto à 
doença/evento, deve-se considerar na escolha dos controles 
"a identidade de área geográfica, fatores socioeconômico-culturais da comu-
nidade e de instituições ou serviços de saúde onde tenham sido atendidos os 
sujeitos afetados pela doença. A fun.de evitar possíveis distorções produzidas 
pelo emprego de pacientes hospitalizados como controles (o chamado bias de 
Berkson), alguns estudos têm preferido a alternativa de escolher para esta 
finalidade o conjunto de pessoas formado por amigos, parentes, colegas de 
trabalho ou de escola, ou outros que mantenham alguma relação de proximi-
dade com o caso( ... ) Em geral, a coleta de dados em estudos do tipo caso 
controle é conduzida através de entrevistas pessoais ou por consulta a regis-
tros médicos. Idealmente, deve-se padronizarrigorosamente os instrumen-
tos, fontes de dados e critérios de atribuição de exposição entre os grupos do 
estudo, de modo que o diagnóstico da exposição seja igualmente válido e 
confiável, tanto para os casos quanto para os controles"39. 
Em farmacoepidemiologia, este desenho tem sido muito utilizado em estudos 
de reações adversas a medicamentos (RAM), podendo contribuir, também, mas 
com pequena intensidade, na avaliação dos benefícios de um medicamento. A 
história de uso de medicamentos em pessoas com urna condição suspeita de 
estar relacionada à exposição a medicamentos é comparada com a história de 
uso de medicamentos nas pessoas do grupo controle e as diferenças na propor-
ção de expostos entre os dois grupos são rnedidas50• 
Um dos primeiros exemplos de comparação entre casos e controles, investigan-
do RAM, foi a descoberta da relação entre o uso de talidomida por gestantes e a 
ocorrência de malformações congênitas em bebes alemães nascidos entre 1959 e 
1960. A partir da publicação da carta de um médico alertando para o problema, na 
revista Lancet, Mellin e Katzenstein33 desenvolveram um estudo comparando cri-
anças portadoras de focomelia com crianças normais. No grupo de casos, verifi-
cou-se que 41 das 46 mães tinham tomado talidomida entre a quarta e a nona 
semanas de gestação. No grupo de controles, composto por 300 crianças normais, 
nenhuma das mães havia utilizado este medicamento no mesmo período8.45• 
Um outro exemplo clássico é o primeiro estudo tipo caso controle investigan-
do a etiologia de adenocarcinorna de vagina em mulheres jovens. Herbst, Ulfel-
der e Poskanzer25 identificaram oito mulheres com idade inferior a 25 anos apre-
sentando esta doença rara, nos últimos quatro anos antes do início do estudo. Os 
autores consideraram, por hipótese, que o câncer poderia estar associado à expo-
100 CAPÍTULO 5 
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sição à radiação ou a medicamento. Foram selecionadas, como controles, 32 
meninas que nasceram no mesmo hospital e no mesmo período (há poucos dias 
dos casos). A ocorrência de vários fatores foi investigada e a Tabela 5.2 apresenta 
os resultados deste estudo relativos à comparação da história de exposiÇão ma-
terna ao estrógeno denominado dietilestilbestrol (DES). No exemplo, o odds ratio 
(medida de associação, obtida pela fórmula ad/bc) não pode ser calculado, por-
que uma das quatro células da tabela contém zero. Se adicionamos uma unidade 
a cada célula o odds ratío obtido será igual a 132, o que pode ser interpretado 
como indicando que mulheres jovens que foram expostas ao DES in utero têm 
132 vezes mais probabilidade de desenvolver adenocarcinoma do que mulheres 
jovens que não foram expostas a este medicamento50• 
O método caso controle tem se mostrado muito útil e fidedigno em estudos de 
efeitos adversos e benefícios inesperados dos contraceptivos orais38• Vários estudos 
têm sido desenvolvidos comparando casos selecionados de mulheres jovens com 
tromboembolismo com controles sem esta doença, investigando diferenças no uso 
antecedente de contraceptivos orais. Geralmente tais estudos têm demonstrado uma 
forte associação entre o uso de contraceptivos orais e o tromboembolismo52• 
Stolley50 cita outros exemplos de emprego deste tipo de estudo, como a rela-
ção entre o uso de estrogênio pós-menopausa e o carcinoma endometrial56, a 
relação entre o uso de aspirina e a síndrome de Reye26, a relação entre o uso de 
tampão e a sfndrome do choque tóxico48 e a relação entre o uso do suplemento 
alimentar triptofano e a síndrome eosinofilia-mialgia9• Para aquele autor, o méto-
do caso controle continuará a ser usado para responder questões que não podem 
ser factivelmente enfrentadas de outro modo. Assim, RAM com incidências muito 
baixas não podem ser estudadas facilmente usando o método de coorte, no qual 
o tamanho do estudo é deterrnínado pela incidência da doença no grupo contro-
le. Além dissp, usualmente não é possível utilizar ensaios clínicos controlados 
quando o objetivo é estudar efeitos tóxicos ou quando a incidência da doença/ 
evento é muito baixa. 
ESTUDOS DE CooRTE 
Neste tipo de estudo, seleciona-se um grupo de pessoas de uma população 
que, no início do acompanhamento, não sejam portadoras da doença/evento que 
se quer estudar e avalia-se se a exposição a uma determinada variável contribui 
para o desenvolvimento dessa doença/evento (Tabela 5.3). Os participantes são 
classificados em dois subgrupos, segundo a presença ou ausência de exposição a 
um potencial fator de risco para a doença/evento. 
"As variáveis de interesse são especificadas e medidas e a coorte inteira é 
acompanhada, para ver se o desenvolvimento subseqüente <fe novos casos 
da doença (ou outros desfechos) difere entre os grupos, collforme a pre-
sença ou não da exposição. Em virtude dos dados coletados fazerem refe-
rência a diferentes pontos no tempo, os estudos de coorte são longitudi-
nais, fato que os torna semelhantes aos de'casos e controles.8" 
CAPfTULO 5 101 
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Presente 
Ausente 
Exposição Doença/evento 
Exceto com relação à variável de exposição investigada, os participantes de-
vem constituir um grupo o mais homogêneo possível quanto às demais caracte-
rísticas- por exemplo: faixa etária, local de residência ou de trabalho, atividade 
ocupacional etc. 
"Tal grupo homogêneo, assim definido, denomina-se coorte. O termo coor-
te designava, originalmente, as unidades de combate das legiões romanas, 
identificadas nos campos de batalha pelo uniforme padronizado. 39" 
O desenho do estudo de coorte é simples e não apresenta dificuldades para 
sua análise. Estes estudos são os que produzem a melhor informação sobre a 
etiologia das doenças e a medida mais direta do risco para desenvolvê-la. Além 
disso, como recrutam pessoas saudáveis no seu início, os estudos de coorte 
permitem investigar se os potenciais fatores de risco enfocados estão relaciona-
dos a uma ampla variedade de desfechos {doenças/eventos) e não apenas a um 
deles, como ocorre nos estudos caso-controle. Por outro lado, uma vez que a 
doença pode ocorrer somente após longos períodos de exposição, este método 
pode requerer um tempo prolongado de acompanhamento, o que resulta em 
um custo relativamente alto e em uma maior Vulnerabilidade a perdas de acom-
panhamento. Um outro problema relacionado aos estudos de coorte é sua ina-
dequação quando a doença/evento é rara nos dois grupos (expostos e não ex-
postos), situação em que pode ser difícil garantir um número de participantes 
suficientemente grande para obter resultados válidos8• 39• Por exemplo, é neces-
sário monitorar uma coorte com mais de 8.000 pessoas para garantir um poder 
estatístico de 80% na detecção de um evento {RAM) que ocorre uma vez a cada 
5.000 pacientes expostos a um determinado medicamento40• 
"Os custos podem ser ocasionalmente reduzidos utilizando-se uma coorte 
histórica (identificada com base nos registros de exposição prévia). Por 
exemplo, têm sido utilizados registros de exposição, em membros das for-
ças armadas, a resíduos radioativos em locais de testes de bombas nuclea· 
res visando examinar seu possível papel causal no desenvolvimento de 
câncer nos últimos 30 anos. Este tipo de investigação é chamado estudo 
de coorte histórico ou retrospectivo, em virtude de as exposições e o efeito 
(doença) terem sido coletados antes do início do estudo"8 . 
A análise de dados dos estudos de coorte baseia-se na comparação das proporções de 
indivíduos que desenvolvem a doença/evento no período de estudo, entre expostos e 
não expostos, permitindo o cálculo de medidas de incidência e de estimativas de risco. 
"A análise comparativa produz medidas de associação que expressam, res-
pectivamente, o risco relativo (razão de incidências) e o risco atribuível 
{diferença de incidências). Como conseqüência de quais fatores de exposi· 
ção e doença são considerados seqüencialmente durante o período de se-
guimento do estudo, seus resultados, em geral, permitem o estabelecimentoda seqüência temporal da associação. 39" 
Em farmacoepidemiologia, um estudo de coorte envolve um subconjunto de uma 
população específica no qual os membros compartilham uma exposição a um de-
102 CAPÍTULO 5 
http://www.pdfill.com
terminado medicamento ou intervenção. Eles são acompanhados ao longo do tem-
po e comparados a algum grupo de controle não exposto, para definir a incidência 
de eventos de RAM e/ou medidas de eficácia do medicamento ou intervenção18• 
Estudos de coorte geralmente são usados para comparar pacientes expostos e 
não expostos, embora eles também possam comparar uma exposição com outra. 
Por exemplo, uma investigação pode comparar mulheres em idade reprodutiva 
que usam contraceptivos orais com usuárias de outros métodos contraceptivos, 
procurando diferenças na freqüência de tromboembolismo venoso. Estudos como 
este foram desenvolvidos38•55 e de fato confirmaram a relação entre o uso de 
contraceptivos orais e tromboembolismo que tinha sido observada usando análi-
ses de tendência secular e estudos caso-controle52. 
Este tipo de estudo é particularmente útil quando se investigam vários resul-
tados possíveis a partir de apenas uma exposição, em especial se a exposição é 
relativamente incomum. É o que ocorre em estudos de farmacovigilância que 
estejam avaliando qualquer possível efeito de um medicamento recentemente 
comercializado52. 
Um estudo farmacoepidemiológico de coorte pode ser prospectivo, retros-
pectivo ou ambispectivo. Um estudo de coorte prospectivo é aquele desenvolvi-
do simultaneamente com os eventos clínicos sob observação. Os resultados nos 
pacientes são desconhecidos no início do estudo. Um estudo de coorte retros-
pectivo estuda exposições e eventos que ocorreram antes do inicio do estudo, 
mas é importante que os pacientes sejam recrutados para o estudo com base na 
presença ou ausência de determinada exposição (em contraste com um estudo 
caso-controle retrospectivo, que recruta com base na ocorrência ou não de urna 
doença/evento que pode estar relacionada ao uso de medicamento). Os dois gru-
pos devem ter uma doença ou condição clínica, assim como outras característi-
cas, que proporcionem a cada grupo uma probabilidade igual de exposição ao 
medicamento. Por exemplo, entre indivíduos portadores de osteoartrite, aqueles 
que também desenvolveram úlcera péptica podem ser comparados com aqueles 
que não desenvolveram essa doença com relação à exposição a um agente antiin-
flamatório não esteroidal específico18• 
Um estudo de coorte retrospectivo foi desenvolvido por Acurcio e Guima-
rães2 com um grupo de indivíduos infectados pelo HN atendidos em dois servi-
ços públicos de referência para HN/AIDS, em Belo Horizonte/MG. O tempo de 
sobrevida após o diagnóstico de AIDS foi utilizado como indicador de resultado 
na saúde. Indivíduos que evoluíram e que não evoluíram para óbito foram com-
parados a partir das características de exposição selecionadas, entre elas o uso 
do medicamento zidovudina (AZT). O estudo demonstrou que indivíduos que 
não utilizaram o AZT apresentavam uma probabilidade quase duas vezes maior 
de evoluir mais rapidamente para óbito do que aqueles que utilizaram o medica-
mento (RR = 1,87; IC 95% = 1,34 a 2,61). 
Um exemplo de estudo de coorte ambispectivo é o estudo multicêntrico de 
vigilância pós-comercialização, conduzido por Mo ore, Creagh-Kirk, K:eruly e co L 34, 
que acompanhou um grupo de pacientes com AIDS tratados com AZT. No final de 
1987, os pesquisadores começaram identificando, em cada clínica participante do 
estudo, todo paciente que alguma vez já tinha sido diagnosticado como portador 
de doença pelo HIV: Isto incluía pacientes que haviam morrido ou abandonado o 
acompanhamento. Desta população, um subgrupo de pacientes tratados alguma 
vez com AZT e que preenchiam os critérios do-protocolo foi sélecionado. A prin-
cipal exigência era que a terapia com AZT tivesse sido iniciada entre 15 de abril de 
1987 e 14 de abril de 1988, o que definiu uma coorte final de cerca de 1.000 
pacientes ém 12 clinicas. O objetivo dos pesquisadores, ao limitar o estudo a paci-
entes que iniciaram a terapia dentro de um pevodo definido de tempo, foi minimi-
CAPÍTULO 5 103 
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zar os efeitos de tendência secular na terapia da doença pelo HIY. Cada paciente foi 
então acompanhado retrospectiva e prospectivamente por 30 meses, sendo a data de 
entrada no estudo definida como a data em que a terapia com AZr foi iniciada 18• 
De acordo com Creag18, os estudos de coorte podem ser utilizados em farma-
coepidemiologia para avaliar: 1) o efeito de medicamentos a longo prazo; 2) efei-
tos cuja freqüência seja muito baixa em uma população; 3) efetividade de medi-
camentos na prática cotidiana, em situações reais; 4) eficácia de um medicamen-
to para uma indicação para a qual o fármaco não foi originalmente aprovado; 5) 
modificadores da eficácia do medicamento, como, por exemplo, medicações si-
multâneas, estilo de vida ou severidade da doença. Assim, métodos farmacoepi-
demiológicos não se limitam a conhecer a freqüência de RAM, mas podem con-
tribuir cada vez mais para estudos de utilização e efetividade de medicamentos 
em várias populações. 
ENSAIO CLiNICO RANDOMlZADO 
É o desenho de estudo experimental utilizado para analisar uma nova forma 
terapêutica ou preventiva. A população participante do estudo é distribuída 
aleatoriamente em dois grupos, denominados grupo de tratamento e grupo con-
trole. Os participantes do grupo de tratamento são expostos a uma determinada 
intervenção e os do grupo controle não sofrem essa exposição. A intervenção 
estudada pode ser um novo fármaco ou conduta médica. Avalia-se prospectiva-
mente os resultados, comparando, nos dois grupos, a ocorrência do evento de 
interesse, por exemplo, o desenvolvimento de uma nova doença ou a cura de 
uma doença já estabelecida8 • 
A randomização garante, se o tamanho da amostra é suficientemente grande, 
que os determinantes conhecidos e desconhecidos do resultado estejam igual-
mente distribuídos entre os grupos de tratamento e de controle. Um outro proce-
dimento, o duplo-cego, tornou-se padrão nos ensaios clínicos de medicamentos: 
o placebo recebido pelo grupo controle deve ser idêntico no tamanho, cor, con-
sistência e sabor ao do medicamento recebido pelo grupo de tratamento. O obje-
tivo desse procedimento é assegurar que nem os pacientes nem os investigado-
res saibam quem está recebendo tratamento ativo ou placebo, diminuindo a pos-
sibilidade de introdução de vieses no estudo. Além disso, uma precisa definição 
das medidas de resultado, a padronização de técnicas de mensuração, seu teste e 
calibração visando garantir a reprodutibilidade da mensuração são estratégias 
para minimizar o erro aleatório neste tipo de estudo24 • 
Ensaios clínicos randomizados podem enfrentar problemas éticos e logísti-
cos, além de ser caros e artificiais. Em farmacoepidemiologia, são freqüentemen-
te utilizados pela indústria farmacêutica para demonstrar a eficácia de um deter-
minado medicamento e convencer as agências reguladoras de que o produto 
pode ser comercializado. Assim, tendem a ser desnecessários após a comerciali-
zação do medicamento, embora possam ser utilizados para estudos suplementa· 
res de eficácia de um medicamento52 ou para investigar novas indicações de 
medicamentos já comercializados. Procedimentos indispensáveis na avaliação 
de um novo fármaco, os ensaios clínicos pré-comercialização fornecem apenas 
uma primeira impressão parcial de seus efeitos potenciais. Nestas circunstâncias, 
ao contrário do que ocorre na prática clínica habitual, o medicamento costuma 
ser tomado sob monitoramento rigoroso, por um número relativamente reduzido 
de pacientes, em um período geralmente curto de tempo, excluindo-se aqueles 
com contra-indicações potenciais ou grupos específicos (por exemplo, gestantes, 
idosos, crianças)s4. 
104 CAPITULO 5 
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Para exemplificar o uso de ensaios clínicos randomizados em farmacoepide-miologia, sintetizaremos um estudo desenvolvido recentemente com o primeiro 
medicamento aprovado para o tratamento da obesidade que não é um inibidor 
de apetite. Trata-se do Orlistat, um inibidor da lipase gastrintestinal. Com o obje-
tivo de avaliar a eficácia e tolerabilidade desse medicamento em promover a 
perda e prevenir a recuperação de peso em pacientes obesos, Sjõstrõm, Rissa-
nen, Andersen e colY desenvolveram um ensaio clínico randomizado com 743 
pacientes, que foram acompanhados por um período de dois anos. Esses pacien-
tes, recrutados em 15 centros europeus, foram submetidos a urna dieta ligeira-
mente hipocalóríca por quatro semanas. Os 688 pacientes que completaram o 
período inicial foram alocados em um tratamento duplo-cego com Orlistat 120mg 
(três vezes ao dia) ou placebo durante um ano concomitantemente com a manu-
tenção da dieta hipocalórica. Em um segundo período duplo-cego de 52 sema-
nas, os pacientes foram realocados no grupo Orlistat ou no grupo placebo com a 
adoção de uma dieta de manutenção de peso. Os pesquisadores encontraram 
perdas de peso corporal maiores, em média, no grupo que tomou Orlistat do que 
no grupoplacebo (10,2% [10,3kg1 vs. 6,1% [6,1kg]; p<0,001) no primeiro ano de 
acompanhamento. No segundo ano, pacientes que continuaram com Orlistat re-
cuperaram, em média, no máximo a metade do peso do que aqueles pacientes 
que mudaram para o placebo (p<0,001). Pacientes que mudaram do placebo 
para o Orlistat perderam um adicional de 0,9kg durante o segundo ano, compa-
rado com a média de recuperação de 2,5kg em pacientes que continuaram com 
placebo (p<0,001). Dosagens de colesterol total e LDL, razão LDL/HDL, concen-
tração de glicose e de insulina decresceram mais no grupo que tomou Orlistat do 
que no grupo que tomou placebo. O estudo também constatou maior freqüência 
de reações adversas gastrintestinais entre os que tomaram Orlistat. Fundamenta-
dos nos resultados obtidos por este ensaio clinico randomizado, os autores con-
cluíram que o Orlistat associado com uma dieta apropriada promoveu uma per-
da de peso clinicamente significativa e reduziu a recuperação de peso em paci-
entes obesos, em um período de dois anos. Advertem, entretanto, que o uso de 
Orlistat por períodos superiores a dois anos necessita ser cuidadosamente moni-
torado quanto à sua eficácia e ocorrência de reações adversas. 
CONCLUSÕES 
Conforme observa Strom52, cada desenho de estudo epidemiológico tem um 
papel apropriado no progresso científico. Para exemplificar o autor remete à ques-
tão: "Os contraceptivos orais causam tromboembolismo?" Uma associação foi 
inicialmente sugerida por relato de casos e séries de casos e então foi explorada 
mais detalhadamente por análises de tendência e uma série de estudos caso-
controle. Posteriormente, investiu-se em estudos de coorte de longa duração e 
larga escala, considerando a importância dos contraceptivos orais, o número de 
mulheres que os utilizavam e o fato de que as usuárias eram predominantemente 
saudáveis. 
Ainda segundo Strom52, a decisão de desenvolver um estudo farmacoepide-
miológico pode ser considerada como semelhante à decisão regulatória sobre a 
aprovação de um medicamento para comercialização ou à decisão clínica quan-
to à prescrição de um medicamento. Em cada caso a tomada de decisão envolve 
a ponderação dos custos e riscos da terapia versus seus benefícios. Os principais 
custos são obviamente os destinados ao desenvolvimento do estudo. Entre os 
riscos de desenvolver um estudo farmacoepidemiológico estão a possibilidade 
de identificar urna reação adversa associada ao medicamento, quando de fato 
isto não ocorre, ou prover falsas garantias quç.nto à segurança do medicamento. 
CAPíTULO 5 105 
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Estes riscos podem ser minimizados pelo desenho apropriado do estudo, por 
pesquisadores capacitados e uma interpretação dos resultados obtidos apropria-
da e responsável. Os benefícios dos estudos farmacoepidemiológicos envolvem 
quatro diferentes categorias: regulatória, legal, clínica e comercial. Cada uma 
será de importância para diferentes organizações e indivíduos envolvidos na 
decisão de iniciar um estudo. De qualquer modo, as melhores evidências dispo-
níveis a partir dos estudos farmacoepidemiológicos devem geralmente embasar 
decisões clinicas, regulatórias, comerciais e legais relacionadas a medicamentos, 
no momento de decidir. 
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CAPíTULO 5 107 
http://www.pdfill.com
6 
Farmacovigilância: Bases Históricas, 
Conceituais e Operacionais 
Gil Sevalho 
A idéia que fundamenta este texto surgiu da combinação de conhecimentos 
nas áreas de utilização do medicamento e de epidemiologia. Parte-se da percep-
ção de uma certa imprecisão conceitual instalada na classificação das práticas de 
vigilância no âmbito da saúde pública. Na verdade, no Brasil, os epidemiologis-
tas pouco conhecem sobre a farmacovigilância e, por sua vez, os profissionais da 
área de farmácia, mesmo os que se dedicam à saúde pública, situam a farmacovi-
gilância no espaço de atuação da vigilância sanitária, quase sempre sem relacio-
ná-la de imediáto com a vigilância epidemiológica. 
A pretensão aqui é mostrar as bases históricas, conceituais e operacionais 
da farmacovigilância a partir da sua identidade com a vigilância epidemioló-
gica. O propósito é apresentar a farmacovigilãncia como enfoque especifico 
da vigilância epidemiológica, voltado para o acompanhamento da ocorrência 
e o controle das reações adversas aos medicamentos. Desta forma a farmaco-
vigilância é situada no campo da farmacoepidemiologia e naquele mais am-
plo da epidemiologia. 
O recurso da história é essencial para o conhecimento. Submetendo os 
conceitos às tensões próprias da argumentação histórica, expondo-os a uma 
exploração mútua, pode-se colaborar na indicação desta identidade entre a 
vigilância epidemiológica e a farmacovigilância. Esta forma de abordagem 
será útil para á leitor que busca o entendimento conceitual e operacional da 
farmacovigilância. 
Os métodos básicos da farmacovigilância, como serã mostrado, têm origem 
na vigilância epidemiológica, e, esta última, é~prãtica rotineira nos serviços de 
saúde. Assim, a reflexão aqui construída deve contribuir para uma melhor per-
cepção da farmacovigilância enquanto atividade relevante em saúde pública e, 
também, como suporte instrumental importante para as atividades fiscais da 
vigilância sanitária. 
CAPITULO 6 109 
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NOTAS IDSTÓRICAS SOBRE AS PRÁTICAS DE VIGILÂNCIA NOS 
SERVIÇOS DE SAÚDE 
Alguns achados interessantes na história da vigilância epidemiológica a apro-
xima da farmacovigilância, o que será apresentado em duas fases históricas. Pri-
meiro serão apontadasas origens da vigilância no âmbito da saúde pública ante-
riores à década de 1950 e depois, a partir daí, quando Alexander Langmuir, um 
dos autores mais importantes sobre o tema, situa o estabelecimento da vigilância 
epidemiológica na forma que tem hoje, será indicada sua identidade com a far-
macovigilância. 
Podemos admitir que as origens históricas da vigilância epidemiológica se 
confundem com aquelas da própria epidemiologia. Romero e Troncoso45 relacio-
nam uma vigilância inicial de doentes e suspeitos com o nascimento da quaren-
tena, durante a peste negra do século XIV; na Europa. Embora o contágio não 
fosse então cientificamente aceito50, referências sobre a possibilidade de trans-
missão de doenças entre os seres humanos são muito antigas e podem ser encon-
tradas na Mesopotãmia8 • 
Certamente, para seu desenvolvimento, esta "vigilância de doentes" necessi-
tou da taxonomia e da contagem de doenças que acompanharam a formação e o 
esforço conquistador dos estados nacionais mercantilistas nos séculos XVII e 
XVIII. Num mundo ainda não governado pelas máquinas de produção e de guer-
ra, dever-se-ia contar a população com a perspectiva de dimensionar a grandeza 
de uma nação e zelar por sua integrjdade, o que significava também contar as 
doenças que atingiam e levavam à morte seus trabalhadores e soldados. Assim, 
como aponta Almeida Filho3, foi construída a "medida do Estado, a estatística". 
Como para contar é preciso distinguir, esta contagem foi acompanhada dos 
movimentos dos classificadores que agruparam as doenças segundo taxonomias 
inspiradas originalmente na botânica. No século XVII, Thomas Sydenham, o 
primeiro destes grandes classificadores, observou uma periodicidade definida 
na ocorrência das constituições pestilenciais, estabeleceu uma analogia entre a 
ocorrência nos pássaros, nas plantas e das epidemias, e construiu uma taxono-
mia com base em uma história natural das doenças, que, tal como estes seres 
vivos, nasciam, cresciam e morriamez. 
À necessidade de uma população cada vez mais numerosa, percebida por Ro· 
sen46 na construção da polícia médica alemã, no século XVIII, uniu-se o projeto 
disciplinador e normalizador do Estado sobre os corpos, visto por Foucault19 como 
uma vigilância coercitiva dos gestos, dos movimentos e das aglomerações huma-
nas. No que diz respeito à saúde, no âmbito de uma "epidemiologia das constitui-
ções pestilenciais"51 de natureza miasmática, as ações dirigiram-se então para o 
saneamento do meio e, posteriormente, na perspectiva de uma "epidemiologia dos 
modos de transmissão", já no contexto da teoria dos germes, orientaram-se para o 
isolamento de doentes e suspeitos no sentido de controlar as epidemias. 
Até meados do século XX, a vigilância era voltada para o controle e isolamen-
to de contatos e de suspeitos portadores de doenças transmissíveis28 • Foi esta 
prática de vigilância que participou da empresa capitalista colonialista que, nos 
países agrário-exportadores, operou o controle e a erradicação das doenças trans-
missíveis nas áreas produtoras de matéria-prima, sob a orientação do mundo 
industrializado, no início do século XX. Um empreendimento alicerçado na or-
dem simbólica das representações belicistas da guerra contra os micróbios, mo-
vida pela recém-fundada microbiologia. Romero e Troncoso45 apontam que "não 
por casualidade ... os famosos epidemiólogos de começos do século, Gorgas, Gua-
teras, Carter e Reed eram militares de alta graduação no exército dos EUA:'. Ter-
mos como vigilância, controle, sentinela, campanha pertencem a este contexto. 
11 o CAPÍTULO 6 
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Esta vigilância de doentes e suspeitos é um dos componentes de uma política 
sanitária de cunho policial, autoritária, persecutória e punitiva para com os indi-
víduos. Um exemplo bastante ilustrativo deste modelo é o caso da Typhoid Mary, 
uma cozinheira de Nova Iorque, que, no início do século XX, foi identificada 
como portadora assintomática de febre tifóide pelo Departamento de Saúde da 
cidade. Tal foi a perseguição imposta a ela, que, em 1907, foi encontrada "viven-
do, como se fosse uma criminosa fugitiva, sob nome falso", tendo, tempos de-
pois, recebido "bom emprego nos laboratórios do Departamento de Saúde, onde 
eles puderam manter seus olhos sobre ela, e lá permaneceu até morrer"10• 
Numa fase mais recente, após a Segunda Guerra Mundial, a introdução da 
malária nos EUA pelos soldados veteranos que retornavam ao pais fez com que a 
vigilância ganhasse importância 57• Foi quando, segundo Souza, Kalichman, Ma-
tida e col. 56, o início da guerra fria estabeleceu entre os norte-americanos o medo 
de uma guerra biológica. 
No entender de Langmuir28 , os anos 50 trouxeram uma nova versão de vigi-
lância aplicada "a doenças específicas mais do que aos indivíduos". Diferente da 
vigilância de doentes e suspeitos, esta nova prática, uma "vigilância das doen-
ças", centrou a atenção no comportamento da doença e não do indivíduo. 
Isto deve ter conduzido ao apuro da qualidade das informações e dos critérios 
de definição de casos nas notificações e investigações. 
Pautada em uma metodologia que incluía a coleta e a análise sistemáticas dos 
dados e sua distribuição a todos aqueles que deveriam conhecê-los, esta vigilân-
cia moderna deve ter sido inspirada nos trabalhos de William Ft\IT, o grande 
registrador de doenças da Inglaterra e Gales do século XIX26•28• Foram os dados 
produzidos por Farr, um defensor da teoria miasmática, que possibilitaram a 
John Snow, pioneiro da epidemiologia moderna, discutir, em meados do século 
XIX, "sobre a maneira de transmissão do cólera" e relacionar a doença à perspec-
tiva do contágioS5• No entanto, o contágio tornou-se modelo explicativo hegemô-
nico das doenças somente com o advento da microbiologia, com os trabalhos de 
Louis Pasteur e Robert Koch, no último terço de 1800. 
Deve ser observado que, inicialmente, Langmuir26 admitia que caberia à vigi-
lância apenas a coleta, a manipulação e a difusão de dados e suas "interpreta-
ções", mas não a responsabilidade direta pelas medidas de controle. Um limite 
que foi depois devidamente transposto por Fossaert, Llopis e Tigre18, quando 
apontaram qu.e "em determinadas circunstâncias e em função das estruturas exis-
tentes e do grau de desenvolvimento, a vigilância poderá incluir funções execu-
tivas de decisão e controle". 
O chamado Cutter Incident, de meados da década de 1950, foi documentado 
por Nathanson e Langmuir35 como um exemplar fundamental da nova prática de 
vigilância e como demonstrativo da necessidade de sua aplicação. Trata-se, o 
incidente, da ocorrência de casos de poliomielite vacina! entre crianças norte-
americanas após uma polêmica primeira vacinação em massa contra a doença. 
· Os lotes de vacinas responsáveis pela trágica experiência haviam sido produzi-
dos por Cutter Laboratories, da Califórnia, e liberados para o uso por força das 
intensas pressões da imprensa e da National Foundation for lnfantile Paralysis. 
Brandt9, em um interessante artigo histórico sobre o fato, aponta criticamente o 
fato como o maior ensaio clínico já realizado, desde que as vacinas não haviam 
sido devidamente testadas antes do evento. Segundo Nathan11on, Langmuir e 
Brandt, o saldo do incidente pode ter atingido 260 casos de poliomielite vacina! 
e 11 óbitos. 
Na percepção de Echeverry16, o surgimento da vigilância "como um procedi-
mento técnico, não repressivo, que permite compreender a dinâmica interna dos 
problemas de saúde na população e atacar seus .pontos vulnerâveis para controlar 
CAP[TULO 6 111 
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sua expansão", veio com o desenvolvimento tecnológico e cientifico, quando "se 
compreendeu melhor a dinâmica multicausal da doença". 'Thl afirmação, entretan-
to, não parece contemplar devidamente a complexidade da questão. O caráter co-
ercitivo da vigilância não pode ser de fato afastado, pois permanece imbricado nas 
formas de enfrentamento da doença que habitam o imaginário coletivo, e as trans-formações havidas neste aspecto da prática certamente se devem, em muito, ao 
processo histórico, cultural e político de conquista das liberdades civis, transcen-
dendo, assim, o domínio restrito do "desenvolvimento tecnológico e científico". 
Inicialmente voltada para as doenças transmissíveis, tal como foi discutida a 
sua implantação internacional na 21 i Assembléia Mundial de Saúde37 , a vigilân-
cia foi dirigida também, nas décadas de 1960 e 1970, para "as doenças não infec-
ciosas, incluindo leucemia, anomalias congênitas, reações aos medicamentos {grifo 
meu), problemas nutricionais e uma ampla variedade de riscos ambientais e ocu-
pacionais"28. 
Assim, a vigilância epidemiológica acompanhou o movimento da epidemio-
logia. Esta última passou de um interesse exclusivo pelas epidemias de doenças 
infecciosas para outro que incorporou as doenças não infecciosas e os agravos 
resultantes das diversas formas de violência, isto é, as novas doenças de massa, 
características do século XX, e, posteriormente, incluiu a avaliação de serviços e 
tecnologias de saúde', já na perspectiva da atual "epidemiologia dos fatores de 
risco"51 • Como se, a reboque da epidemiologia, a vigilância epidemiológica as-
sim também se movimentasse e abrigasse no seu campo de atuação o surgimento 
da farmacovigilância, voltada para .detecção, acompanhamento e controle dos 
riscos advindos do uso dos modernos medicamentos industrializados. 
Um fato recente e marcante desta evolução e da expressão atual da vigilância 
epidemiológica foi a descoberta da Aids no início dos anos de 1980, nos EUA. 
Segundo Heyward e Curran21 , foi em junho de 1981 que os US Centers for Díse-
ase Contra] (CDC) de Atlanta receberam o primeiro alerta em relação à doença 
atràvés do seu sistema de vigilância epidemiológica. Tratava-se da ocorrência, 
nos últimos oito meses anteriores a junho, de cinco casos de uma pneumonia 
então muito rara causada pelo protozoário Pneumocystis cariníí, diagnosticados 
na área de Los Angeles. Esta infecção oportunista era tratada com um medica-
mento considerado experimental, o isocianato de pentamidina, que só poderia 
ser dispensado pelos CDC mediante solicitação especial. A questão colocada então 
foi a razão da ocorrência dos cinco casos desta rara doença no período de oito 
meses em pacientes sem causas aparentes de comprometimento do sistema imu-
nológico de defesa, pois os dados registrados nos CDC mostravam que entre 1967 
e 1979 o medicamento só havia sido solicitado para tratamento de dois casos 
desta pneumonia em adultos que pareciam não apresentar causa intercorrente 
de abalo imunológico. Uma investigação desencadeada a partir deste questiona-
mento levou à localização dos casos referidos de pneumonia por Pneumocystis 
carínii em pacientes homossexuais masculinos. Um fato incomum que, no en-
tender do pessoal dos CDC11, sugeria o envolvimento de "contato sexual" no 
processo mórbido. Posteriormente, com o desenrolar dos acontecimentos e das 
pesquisas científicas, a Aids foi descoberta. 
Este foi um acontecimento fundamental para a descoberta da Aids. Antes mes-
mo da revelação do HI\T, através do" acompanhamento do uso de um medicamento 
em uma população, o sistema de vigilância epidemiológica chegou até a doença. 
SURGIMENTO DA F ARMACOVIGILÂNCIA 
A possibilidade da iatrogenia é considerada há muito tempo. A medicina 
grega hipocrâtica, no século V a.C., com sua terapêutica fundamentalmente 
112 CAPITULO 6 
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dietética, não intervencionista, com base na crença de que a cura poderia ser 
atingida naturalmente, vis medicatrix naturae, admitia que o principal seria 
colaborar para a cura do indivíduo e não prejudicar sua saúde, primum nan 
nocere44 • 
A quimioterapia moderna nasceu a partir das "balas mágicas" do microbiolo-
gista Paul Erlich, em 191011·34• Os medicamentos criados por Erlich foram inspi-
rados nas suas experiências com a coloração de microrganismos, e surgiram da 
idéia de "como aliar a especificidade dos corantes (também encontrada nos anti-
corpos) a uma ação tóxica de maneira que seja possível fabricar uma suqstância 
capaz de se combinar especificamente a um dado micróbio e destruí-lo"69• 
Após o estabelecimento da quimioterapia moderna, o primeiro registro de 
uma reação indesejável aos medicamentos surgiu em 1937. Foi quando morre-
ram cerca de 100 pessoas devido à ingestão de dietilenoglicol, um excipiente 
utilizado em um xarope de sulfanilamida2o. 
No entanto, a preocupação com os efeitos patológicos dos medicamentos alo-
páticos modernos, industrializados, só se tornou alvo de uma atenção sistemati-
zada depois da chamada "invasão farmacêutica" do pós-guerra dos anos 40 e do 
desenvolvimento das grandes indústrias transnacionais que a gerou. Foi a partir 
de então, no entender de Tognoni e Laporte66, que "formou-se um campo de 
pressão em torno dos medicamentos como ferramenta terapêutica, que teve sua 
origem na indústria farmacêutica" e que "afetou os responsáveis pela prescrição 
e os usuários, propiciando a colocação do setor farmacêutico numa disjunção 
permanente entre cobrir uma necessidade sanitária real e assegurar uma expan-
são constante do mercado". 
Na verdade, esta pressão mencionada deve ser vista como parte de um fenô-
meno maior e mais complexo. O panorama em que se desenvolveu o projeto 
industrial farmacêutico transnacional é o de uma sociedade medicalizada, onde, 
como bem o afirma Temporão63 : "Surgem olhos terapêuticos e preventivos no 
trabalho, no amor, no lazer, na dor. Como se para a medicina as pessoas 'saudá-
veis' o fossem apenas em aparência, e no fundo pacientes que não se conhe-
cem." 
A partir da procura de princípios ativos inéditos ou da produção de medica-
mentos "eu-também"52, que não apresentam vantagens clínicas sobre os já exis-
tentes mas são suficientemente diferenciados para serem patenteados, a indús-
tria lança no mercado uma tecnologia mais vendável, de última geração, que 
nem sempre é o medicamento mais adequado, em se considerando a expressão 
da relação eficácia-segurança-custo. Desta forma, as necessidades de consumo 
são produzidas através da intervenção médica no cotidiano humano. 
Assim é que, num exame feito por Barral4 das 508 "novas entidades quími-
cas" comercializadas de 1975 a 1984, apenas 29,5% destas representavam me-
lhorias terapêuticas reais e somente 6,9% eram de fato novas entidades químicas 
significando melhorias terapêuticas. Em publicação anterior, Dupuy e Karsen-
ty15 afirmam que, em 18 anos de observações, de 1948 a 1966, "menos de 5% 
( 6 76 de 7. 563 apresentações) dos novos medicamentos lançados nos EUA. .. cons-
tituíam verdadeiramente inovações relevantes". 
É neste cenário que se estabelecem alguns fatores "inquietantes" apontados 
por Silverman e Lee"2 : ':A avalancha de novos produtos de prescrição que são 
introduzidos a cada ano, o vasto incremento na promoção de medicamentos, a 
crescente confusão entre os que receitam, o impacto da publicidade dos fárrna-
cos nas políticas editoriais das revistas médicas, os sólidos vínculos entre a in-
dústria farmacêutica e os líderes da medicina organizada, assim como a profun-
da intervenção da indústria seja por acidente, seja intencionalmente - na 
educação médica." 
CAPITULO 6 113 
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Evidentemente, os fatos apresentados configuram um ambiente bastante propí-
cio ao uso indiscriminado de medicamentos e à ocorrência de reações adversas. 
A partir da década de 1960, alguns movimentos sociais certamente represen-
taram elementos de suma importância para o surgimento de uma atenção siste-
matizada em relação aos efeitos indesejáveis dos medicamentos. Nos países de-
senvolvidos, com o interesse crescente pela qualidade dos serviços de saúde 
prestados, os atos médicos passaram a ser considerados como bens de consumo 
envolvidos nas conquistas relacionadas aos direitos civis, e, no contexto das in-
quietações atuariais privadas e públicas com os altos custos da assistência, a 
utilização de tecnologiasmédicas passou a representar objeto de avaliação. 
Foi também nos anos 60 que se deu o nascimento, nos EUA, de um "movi-
mento cultural" relacionado com a "ética aplicada", que trouxe em seu bojo a 
"ética dos negócios", a "ética ambiental" e a "bioética"33• E, embora a bioética 
possa ser considerada como urna ética geral da ciência ou do conhecimento hu-
mano como um todo, ou como a ela se refere Schram48 ao admitir que "toda a 
ética é, antes, uma bioética", deve-se tê-la em conta pelo menos como a matéria 
que trata dos limites éticos que são impostos à prática médica diante das possibi-
lidades de intervenção advindas do desenvolvimento da produção tecnológica. 
Dito mais claramente: foi também na década de 1960 que surgiu a bioética, en-
quanto conhecimento que trata das questões morais que envolvem a prática 
médica e a utilização das inovações tecnológicas produzidas e comercializadas 
pelo complexo médico-industrial, pela indústria de equipamentos médicos e de 
medicamentos. 
No que diz respeito à principal tecnologia empregada na área da saúde, o 
medicamento, cuja prescrição passou a definir o propósito da consulta médica e 
substituiu até mesmo o diagnóstico no colóquio médico-paciente, foi marcante a 
contribuição do trágico episódio da talidomida no processo de surgimento da 
farmacovigilância. A ocorrência de cerca de 4.000 casos e 500 mortes provoca-
das por uma rara malformação congênita, a focomelia, responsável pelo nasci-
mento de crianças com braços e pernas em forma de nadadeiras de foca, foi 
detectada em 1961 a partir da denúncia de um pediatra alemão que associou a 
doença ao consumo por gestantes do sedativo talidomida61 • 
Como afirma Strom60: ·~história da regulação de medicamentos corre parale-
la à história dos maiores desastres envolvendo reações adversas." De fato, em 
1962, à época da tragédia da talidomida, foi aprovada nos EUA a emenda Kefau-
ver-Harris, que ampliou o poder do Food and DrugAdministrution (FDA), o órgão 
regulador de medicamentos mais importante do mundo, e tornou mais rigorosas 
as exigências legais para comprovação da segurança dos fármacos. 
Diante do considerado, deve ser entendido que tanto a doença como o uso do 
medicamento e suas conseqüências fazem parte de um complexo contexto so-
cial. no qual participam fatores de ordem política, econômica e cultural que 
estão implicados nas práticas médica e farmacêutica. Este, portanto, deve ser 
também o ponto de vista das ações de farmacovigilãncia, quando esta é percebi-
da no campo da saúde pública, uma área de conhecimento essencialmente inter-
disciplinar em suas relações com as ciências sociais. 
É interessante apontar que os primeiros casos de focomelia causados pelo 
consumo de talidomida foram relatados pelo médico Widekund Lenz através de 
carta a uma revista médica internacional. E, segundo Biriell e Olsson6, durante 
muitos anos esta foi a forma mais comum de comunicar reações adversas aos 
medicamentos. Como esclarecem os autores, a primeira tentativa de "coleta sis-
temática de notificações" de tais eventos nos EUA foi o registro de discrasias 
sangüíneas que teve início em 1952, sob os auspícios do Council on Phannacy 
and Chemistry da American Medi cal Association. 
114 CAPÍTULO 6 
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Trabalhos pioneiros sobre uma vigilância sistematizada das reações adversas 
aos medicamentosa e do seu uso enquanto potencial fator de risco surgiram no 
contexto dos anos de 19607,12,17,25,53.54. 
Cluff, Thornton e SeidP2, ao tratarem dos "métodos de vigilância" de reações 
adversas, já apontavam principalmente para o risco dos "medicamentos novos" 
e seus efeitos desconhecidos. Acentuavam estes autores a importância de traba-
lhar o uso destes medicamentos em populações definidas para possibilitar a de-
terminação da incidência, pelo que, em sua opinião, seria mais indicado o segui-
mento de pacientes hospitalizados. Finney17, por sua vez, propunha um progra-
ma de monitoramento do uso de medicamentos em grande número de pessoas 
para detecção precoce de reações adversas que, por sua raridade, não eram de-
tectadas pelos ensaios clínicos que precedem a liberação do medicamento para 
uso generalizado. Os autores citados já delineavam, então, o modelo atual de 
farmacovigilãncia, no âmbito de uma epidemiologia dos fatores de risco. 
Posteriormente, seguindo a mesma perspectiva histórica de transformação do 
objeto de atenção da epidemiologia, uma vigilância sistematizada e continua de 
reações adversas poderia ser ambientada em uma "vigilância de tecnologias mé-
dicas"65. Uma vigilância do uso das tecnologias empregadas em saúde, incluindo 
"os medicamentos, equipamentos, e procedimentos médicos e cirúrgicos utiliza-
dos na atenção à saúde" e os sistemas provedores de organização e suporte para 
esta utilização. Para Thacker e Berkelman, uma vigilância de rotina destas tecno-
logias é tanto mais necessária quando o seu uso se estende a pessoas saudáveis 
na perspectiva da prevenção. Ao que deve-se acrescentar: no contexto de uma 
sociedade medicalizada. 
BASES CONCEITUAIS E OPERACIONAIS DA FARMACOVIGILÂNClA · 
A "vigilância pós-comercialização de medicamentos" é, na definição de Last30, 
no Dicionário de Epidemiologia dirigido pela International Epidemiological Asso-
ciation, o "procedimento posto em marcha depois da autorização do registro de 
um novo fármaco; desenhado para procurar informação sobre o uso real do fár-
maco para uma determinada indicação, assim como sobre a aparição de efeitos 
indesejáveis. Método para o estudo epidemiológico das reações adversas aos 
medicamentos". 
Isto corresponde aos procedimentos que na farmacologia clínica são chama-
dos "estudos fase IV", descritos por Naranjo e Busto36 corno sendo uma necessi-
dade complementar aos ensaios clínicos fases I, II e III feitos em seres humanos 
antes da liberação do medicamento para utilização na população em geraL Após 
o desenvolvimento de um medicamento novo, deflnido pelos autores como "aque-
le ainda não comercializado em tempo ou em quantidades suflcientes para que 
seja possível determinar suas segurança e eflcácía", são realizados os estudos 
pré-clínicos para investigação de suas atividades farmacológicas e toxicológicas 
in vitro e em animais. Posteriormente, com a aprovação pré-clínica do medica-
mento novo, são postos em andamento os ensaios clínicos fase I, feitos em vo-
luntários saudáveis para investigar a segurança e a farmacocínética, os ensaios 
clínicos fase li, quando já em pacientes são estudadas a eficácia e a segurança em 
comparação com outros medicamentos conhecidos e, finalmente, os ensaios clí-
nicos controlados randomizados da fase III para mensuração.da segurança e da 
eficácia do medicamento em amostras probabilísticas da popülação. De acordo 
com os resultados dos testes em seres humanos, pode, então, ser autorizada a 
comercialização do medicamento. 
Ocorre, no entanto, que mesmo os ensaios clínicos controlados randomiza-
dos apresentam, quanto à segurança, determ!nadas limitações inerentes ao seu 
CAPITULO 6 115 
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desenho experimental. Assim é que, devido ao número de indivíduos estudados, 
efeitos raros podem não ser detectados, e, em função do tempo de duração do 
ensaio, efeitos decorrentes do uso prolongado do medicamento podem não ser 
revelados. Além do que, por força do próprio controle experimental a que são 
submetidas as populações participantes da investigação, não devem acontecer 
impropriedades nem por parte dos prescritores ao receitarem o medicamento, 
nem por parte dos usuários no cumprimento das prescrições. Como também, 
ainda em razão do controle experimental, não deverão estar entre os pacientes 
participantes aqueles que possam representar riscos para o estudo por apresen-
tarem problemas clínicos ou situações outras que venham a comprometer o pre-
tendido tratamento, pelo organismo humano, do medicamento testado. Entre 
estes riscos estão, por exemplo, patologias que não sejam alvo direto dos testes, 
uso concomitantede outros fármacos, ou pertencimento a grupos populacionais 
específicos como grávidas, crianças e idosos. 
Assume-se aqui, portanto, que os estudos fase IV, de farmacovigilância ou 
vigilância pós-comercialização, são sinônimos referentes ao mesmo processo de 
detecção, acompanhamento e controle de problemas decorrentes do uso já legal-
mente autorizado e generalizado de medicamentos. Estes estudos são vistos como 
essenciais em relação aos medicamentos novos, pois proporcionam a avaliação 
do seu uso em grandes populações sem o controle experimental dos ensaios 
clínicos. E devem ser desenvolvidos de forma a evitar o domínio de interesses 
outros que não o público e assegurar, assim, a isenção do processo. 
Em todos os sistemas ou programas de farmacovigilância, os elementos meto-
dológicos fundamentais são: "1) a fonte ou fontes de informação sobre as reações 
adversas (entrada de dados); 2) o procedimento de análise desta informação; e 3) 
a comunicação dos resultados aos interessados. 38" 
Na farmacovigilância, como em qualquer sistema de vigilância epidemiológi-
ca, deve-se combinar a seleção de eventos para notificação, a definição das vari-
áveis que serão trabaJhadas e a identificação e o envolvimento das fontes de 
informação. A definição dos eventos a serem trabalhados deve corresponder à 
capacidade de assimilação e à resposta do sistema. A seleção de eventos pode 
partir da consideração de possíveis reações adversas, tomadas de uma forma 
geral ou de acordo com uma relação de ocorrências estabelecida previamente, 
ou da definição de alguns medicamentos, cujo uso será acompanhado. Numa 
perspectiva ampla, portanto, o acompanhamento do uso de medicamentos pode 
ser objeto das ações de farmacovigilância, desde que tal acompanhamento é ati-
vidade fundamental para a prevenção da ocorrência de reações adversas. 
Segundo a OMS40: "Um reporte de casos em farmacovigilãncia pode ser defi-
nido como: uma notificação relativa a um paciente com um evento adverso mé-
dico (ou teste de laboratório anormal) suspeito de haver sido induzido por um 
medicamento." As ações de farmacovigílância estão voltadas para a detecção 
precoce de reações adversas desconhecidas ou interações medicamentosas e para 
a detecção de aumentos na freqüência de ocorrência de reações adversas conhe-
cidas. 
Tal como para a vigilância epidemiológica de rotina, a notificação em farma-
covigilância é quase sempre de suspeita a ser posteriormente confirmada ou não. 
As ações de farmacovigilância constituem, assim, um ponto de partida ou um 
alerta para a necessidade de desenvolvimento de estudos epidemiológicos mais 
apurados voltados para o estabelecimento de relações de causa e efeito. Estes 
serão estudos farmacoepidemiológicos tipos caso-controle, coorte ou mesmo trans-
versal. Os estudos transversais, embora não sejam próprios para o reconheci-
mento de relações de causa e efeito, têm custo baixo e propiciam informações 
importantes sobre o uso de medicamentos que são especialmente úteis em paf-
116 CAPíTULO 6 
http://www.pdfill.com
ses como o Brasil, onde as políticas de regulação de medicamentos ainda não 
alcançaram a eficácia e o nível de organização desejados. 
O principal instrumento de um sistema de farmacovigilãncia é o boletim de 
notificação. O boletim é um instrumento simples e objetivo que contém informa-
ções básicas sobre a identificação do paciente, o uso de medicamentos e sobre a 
suspeita reação adversa. Do boletim devem constar as iniciais dos pacientes, sexo 
e data de nascimento, os nomes dos medicamentos envolvidos, o motivo do seu 
uso, a dosagem diária administrada, as datas de inicio e fim do período de uso, o 
uso concomitante com outros medicamentos, a descrição da reação suspeita ob-
servada e a identificação e o endereço do notifica dor. Informações sobre o compor· 
tamento da reação suspeita após a retirada ou reintrodução do medicamento em 
questão, a situação clínica dos pacientes no que diz respeito a patologias impor-
tantes preexistentes e resultados de exames laboratoriais realizados também po-
dem constar do boletim. O nivel de detalhamento das informações constantes do 
boletim de notificação não pode comprometer sua objetividade e agilidade, e deve 
ser definido segundo as conveniências e capacidade de cada sistema. 
A forma de desenvolvimento das ações, desde a definição dos eventos de 
interesse e a coleta de dados até a realização das atividades de acompanhamento 
e controle, varia segundo os propósitos e as características de cada programa, 
mas também representa matéria de debate e discussão. Segundo estas caracterís-
ticas, alguns programas de farmacovigilância devem ser citados por suas especi-
ficidades mais importantes, como modelos explicativos úteis. 
Os dados utilizados na farmacovigilância são colhidos de duas formas: ou atra-
vés de notificações espontâneas, quando o sistema aguarda a notificação, ou 
através de busca ativa, quando o sistema parte em busca dos dados. As notifica-
ções espontâneas são utilizadas no Internatíonal Drug Monitoring Programme da 
OMS5•6 , e a busca ativa é usada em alguns programas envolvendo pacientes hos-
pitalizados, como são o Boston Collaborative Drug Surveillance Program 
(BCDSP)29•31•59, o desenvolvido nos EUA pela Slone Epidemiology Unit59 e o que 
funciona nos hospitais da Universidade Autônoma de Barcelona22•29• Já como 
exemplo de uma forma especial de coleta de dados, de certo modo localizada 
entre a notificação espontânea e a busca ativa, deve ser citado o Prescrí.ptíon 
Event Monítorí.ng (PEM), da Southampton Uníversítr3•24•43• Enquanto a maioria 
dos programas centraliza a notificação no trabalho do prescritor, o Sistema de 
Farmacovigil~cia de Portugal, como informa Corrêa-Nunes13, também volta sua 
atenção para a notificação feita por farmácias. 
No sistema da OMS, em funcionamento desde o final da década de 1960, os 
dados sobre possíveis efeitos indesejáveis de medicamentos são enviados espon-
taneamente, mais comumente pelo prescritor, através do boletim de notificação. 
As informações são analisadas nos centros nacionais dos países envolvidos e no 
Centro Internacional da OMS, em Uppsala, Suécia, que divulga os resultados 
para os participantes do sistema e envia também periodicamente normatizações 
e informações atualizadas sobre o assunto. 
Urna limitação evidente do programa da OMS é o sub-registro, decorrente da 
forma de coleta de informações, e este é um problema de qualquer sistema de 
notificação espontânea. No entanto, na opinião de Wíholm, Olsson, Moore e 
col.7', a possibilidade de uma cobertura extensa, que pode conferir ao programa 
a capacidade de detecção de reações raras e desconhecidas, e o custo baixo de 
operação destes sistemas podem suplantar as desvantagens da subnotificação e 
as dificuldades de avaliação de acuidade. 
Segundo a OMS40, mesmo em centros de farrnacovigilância já estabelecidos: 
"A porcentagem de reações adversas graves notificadas não seria maior do que 
lOo/o das ocorridas." 
CAPÍTULO 6 117 
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O BCDSP, iniciado na mesma época que o anterior, da OMS, utiliza enfermei-
ros ou farmacêuticos que buscam junto aos pacientes, nos prontuários ou direta-
mente dos médicos assistentes, os dados sobre reações suspeitas envolvendo 
medicamentos usados durante o período de hospitalização29. No entanto, o BCDSP 
investiga ainda o uso dos medicamentos relacionado com as patologias apresen-
tadas na internação31, propiciando uma aproximação analítica das indicações 
terapêuticas. Como aponta Strom59, as limitações do programa referem-se prin-
cipalmente ao enfoque centralizado nos fármacos usados durante o tempo de 
hospitalização. 
O programa da Slone Epidemiology Unit utiliza enfermeiros para investigação 
das causas que levaram à hospitalização e do uso passado de medicamentos. 
Assim, possibilita, como informa Strom59, o desenvolvimento de estudos caso-
controle das reações adversas. 
Nos anos de 1980, a Universidade Autônoma de Barcelona instituiu umpro-
grama de farmacovigilância em seus hospitais onde os dados são colhidos por 
médicos e alunos de cursos de pós-graduação da instituição que fazem parte das 
equipes que atendem os pacientes. Assim, o programa permite o acompanha-
mento diário dos pacientes em busca dos eventos de interesse29. Ibáftez, Laporte 
e Carné22 descrevem a utilização deste método em um hospital de urgência, cha-
mando a atenção para a possibilidade de uma familiarização dos médicos parti-
cipantes com as reações adversas e o desenvolvimento do hábito de considerá-
las em sua prática profissional, e para as vantagens de ambientar as ações de 
farmacovigilância em uma unidade.de urgência, "uma interface entre a atenção 
primária e a atenção hospitalar". 
O PEM, iniciado em 1980, é, por sua vez, um sistema dirigido para o acom-
panhamento das prescrições de alguns medicamentos selecionados por sua in-
trodução recente no mercado. Na descrição de lnman23, as primeiras 20.000 
prescrições de cada um dos medicamentos sob vigilância são identificadas atra-
vés dos dados do National Health System (NHS), que as colecionam para con-
trole previdenciário, já que os gastos com medicamentos são cobertos pelo NHS. 
A partir desta identificação, o PEM envia aos médicos prescritores um convite 
para participação no programa, procedendo, então, ao acompanhamento dos 
eventos suspeitos que ocorrem nos pacientes em uso dos medicamentos seleci-
onados através das informações dos médicos participantes. Assim, o PEM de-
pende do banco de dados do NHS inglês, o que lhe dá uma característica pecu-
liar. 
No início da década de 1990, com a entrada do país nfêeomunidade Econô-
mica Européia, foi instituído o Sistema de Farmacovigilância de Portugal, vincu-
lado ao International Drug Monitoring Programme da OMS. Segundo Corrêa-
Nunes13, o acesso dos usuários de medicamentos e a venda sem receita médica 
levaram o sistema a incluir os dados de notificações das farmácias . O sistema 
está em implantação e não permite ainda uma avaliação do processo, mas a auto-
ra assinala a dificuldade trazida com a consideração das notificações de eventos 
relacionados à automedicação, já que o conceito de reações adversas pressupõe 
os atos médicos do diagnóstico e da prescrição, bem como o uso dos medicamen-
tos nas doses normalmente indicadas. 
Neste sentido, deve ser mencionado ainda que a prescrição médica e a dis-
pensa farmacêutica representam prerrogativas técnicas críticas que, com freqüên-
cia, envolvem atritos entre corporações e grupos profissionais. 
A OMS40 faz distinção entre "eventos adversos", que são definidos como acon-
tecimentos de importância médica que se apresentam durante uma terapia me-
dicamentosa, mas não têm necessariamente uma relação causal com o medica-
mento, e "reações adversas" propriamente ditas. 
118 CAPÍTULO 6 
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A classificação de uma reação adversa não é simples. Inman23 considera esta 
questão ao discutir uma "fratura de perna" como um evento a ser notificado, pois 
esta poderia estar relacionada com uma fragilidade óssea qualquer ou, por exem-
plo, ser resultado de uma queda que, por sua vez, estaria ligada a uma alteração 
no sistema nervoso central ou a um episódio de hipotensão, podendo ser vistas 
todas estas situações relatadas como efeitos de um medicamento. Num primeiro 
instante, no entanto, um evento como o citado poderia não ser entendido em sua 
relação com o uso do medicamento. 
Na prática, como já foi dito, a notificação em farmacovigilância é, com raras 
exceções, de suspeita, e geralmente é centrada na prescrição, pelo que uma dis-
tinção mais criteriosa sobre a reação adversa está ligada à capacidade do sistema 
de operar formas de discernimento. As dificuldades que cercam o diagnóstico 
das reações adversas, tanto maiores quando estas são raras e desconhecidas, exi-
gem métodos especiais para análise dos dados em farmacovigilância. Assim, fo-
ram criados algoritmos que combinam critérios de inclusão e exclusão para jul-
gar se e como os eventos notificados devem ser considerados entre as reações 
adversas47• Estes critérios estão ligados às informações contidas nas notificações. 
O detalhamento destes métodos de análise deve ser buscado na literatura cientí-
fica disponivel sobre o assunto. 
Os dados obtidos através da farmacovigilância devem ser examinados tam-
bém no contexto geral das informações em saúde. Neste contexto estão os dados 
sobre efeitos adversos dos medicamentos recolhidos por outros sistemas especí-
ficos de informações, como os que acompanham a ocorrência de eventos toxico-
lógicos, e estão os dados que fazem parte dos sistemas gerais de informações 
sobre morbimortalidade. 
Identificadas as fontes de informação, estabelecidos os fluxos e a periodicida-
de dos informes e elaborados os instrumentos para o funcionamento do sistema, 
a farmacovigilância, como um sistema de vigilância epidemiológica, deverá inte-
grar a coleta sistemática e contínua de dados; a análise de dados; a geração de 
informações, recomendações e decisões técnicas e políticas; a execução oportu-
na de medidas de controle e intervenção no curso dos eventos; a distribuição de 
informações aos participantes do sistema e demais interessados. 
Deve ser assinalado que o repasse permanente de informações aos notificado-
res é instrumento fundamental para o funcionamento de todo sistema de vigilân-
cia epidemiológica e farmacovigilância. Sem a retroalimentação contínua do sis-
tema os participantes perdem o interesse pelo trabalho porque julgam seu esfor-
ço inútil, já que não têm conhecimento sobre o aproveitamento dos dados que 
coletaram. 
A FARMACOVIGILÂNCIA COMO PARTE DA VIGILÂNCIA EM 
SAÚDE PÚBLICA 
Como foi apresentado, numa perspectiva histórica, conceitual e operacional, 
a farmacovigilância deve ser considerada no âmbito da vigilância epidemiológi-
ca. Acontecimentos relevantes como os casos de pólio vacinal do Cutter Incí-
dent, em 1955, e o episódio do aumento de consumo de pentamidina na identi-
ficação da AIDS, em 1981, fazem parte da história da vigilância epidemiológica e 
da farmacovigilância. 
A adjetivação "epidemiológica" para a vigilância surgiu em meados dos anos 
60, associada à tentativa de unificação da expressão promovida pela Organiza-
ção Mundial de Saúde66 • No início da década de 1970, Langmuir27 chamou a 
atenção para a confusão provocada pelã expressão "vigilância epidemiológica" 
( epidemíologic surveillance ), pois o seu uso induzia o equívoco de não diferenciar a 
CAPITULO 6 119 
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vigilância da epidemiologia em senso amplo. Realmente esta superposição con-
ceitual é observada em Raska42, outro importante autor sobre o tema, quando, ao 
definir uma "vigilância epidemiológica das doenças transmissíveis", torna-a in-
distinguível da epidemiologia como um todo. Langmuir, com o pretexto de corri-
gir tal situação, propôs então a expressão epídemiologíc intelligence para substi-
tuir epidemiologic surveillance. 
Utilizando a expressão cunhada por Langmuir, autores de língua inglesa como 
Tilson64, têm definido a faxmacovigilância (pharmaco surveyllance) como uma 
"inteligência epidemiológica" aplicada ao uso de medicamentos. 
De qualquer modo, uma característica técnico-administrativa é marcante na 
vigilância epidemiológica e permite tão-somente sua inclusão no âmbito eviden-
temente mais amplo e complexo da epidemiologia, reconhecendo-se esta última 
como a disciplina científica voltada para o estudo do adoecer das populações 
humanas. Assim, dentro do espaço disciplinar da epidemiologia, deve ser analo-
gamente posicionada a faxmacovigilância em relação à farmacoepidemiologia, 
que LasP0 define como o "estudo da distribuição e dos determinantes dos acon-
tecimentos relacionados com os fárrnacos nas populações e a aplicação deste 
estudo a uma terapêutica farmacológica eficaz". 
Numa perspectiva classificatória pertinente especificamente ao uso dos me-
dicamentos, que complementao mapeamento no espaço do conhecimento esta-
belecidoanteriormente, a faxmacoepidemiologia deve ser, bem como uma "far-
macoeconomia"70 ou uma abordagem antropológica do uso dos medicamentos, 
colocada no campo da "utilização de .medicamento", definido pela OMS39 como 
"a comercialização, distribuição, prescrição e uso de medicamentos em uma so-
ciedade, com ênfase especial sobre as conseqüências médicas, sociais e econô-
micas resultantes". 
Thacker e Berkelman66, propuseram a expressão "vigilância em saúde públi-
ca" (public health surveillance), formulando sob esta denominação uma defini-
ção adequada à vigilância epidemiológica, ou seja "a coleta, análise e interpreta-
ção sistemáticas e permanentes de dados sobre saúde essenciais ao planejamen-
to, implementação e avaliação de práticas em saúde pública, integradas à pronta 
disseminação dos dados a todos aqueles que devem conhecê-los". 
No entender de Thacker e Berkelman66 a palavra "contínua" ou "permanente" 
(ongoing) resume um atributo essencial para a caracterização das ações de vigi-
lância em saúde pública. Pelo que deve ser considerado ainda o aspecto da siste-
matização das ações. São estas características principais que identificam e fun-
damentam um sistema de ações de vigilância epidemiológica como um conjunto 
de atividades de "informação para ação" que tem por objetivo principal acompa-
nhar os eventos sob vigilância e, quando necessário e possível, intervir no seu 
curso e controlá-los. 
O conceito apresentado de vigilância em saúde pública engloba evidente-
mente a faxmacovigilância enquanto um sistema de informação-ação orientado 
para a vigilância das reações adversas aos medicamentos, para sua detecção, 
prevenção e controle. 
No Brasil, a expressão vigilância epidemiológica ainda é mais comumente 
utilizada para designar uma vigilância limitada ao controle das doenças trans-
missíveis. Apesar de, como informa a Sociedade Brasileira de Vigilância de Me-
dicamentos56, existirem normatizações do Ministério da Saúde brasileiro sobre 
um sistema de "comunicações de efeitos adversos" dos medicamentos desde 1979, 
ações de faxmacovigilãncia são incipientes ou inexistentes no país. 
Como um caminho para a implantação das ações de farmacovigilância no 
Brasil, deve-se considerar que o trabalho em instituições hospitalares que conte 
com a participação de comissões de infecção hospitalar e de serviços de vigilân-
120 CAPITUlO 6 
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cia epidemiológica, integrados com as farmácias hospitalares, pode significar 
um início promissor que possibilite uma posterior extensão de cobertura do sis-
tema. O trabalho em hospitais universitários, pelo interesse acadêmico, deve 
propiciar o aperfeiçoamento do sistema. 
Na hnpossibilidade de dispor de dados mais abrangentes, iniciativas localiza-
das, porém de execução mais simples, como as sediadas em hospitais, podem ter 
maior probabilidade de êxito e são sempre representativas no que diz respeito ao 
conhecimento aproxhnado da realidade. Ações esporádicas de monitoramento 
do uso hospitalar de antimicrobianos são desenvolvidas no Brasil pelo menos 
desde meados dos anos 702•72 , e parecem fortalecer esta hnpressão. 
Vem sendo discutida, no país, a adoção pelos órgãos de saúde governamen-
tais das expressões "vigilância em saúde"41 , "vigilância à saúde"n.sa ou "vigilân-
cia da saúde"57 para designar conjuntos de ações mais amplos e complexos do 
que aquele que é hoje abarcado pela vigilância epidemiológica. As propostas 
guardam diferenças de concepção entre si, mas certamente poderão abranger a 
farmacovigilância em seus conjuntos de ações. 
É evidente a importância fundamental do desenvolvimento de ações de far-
macovigilância em países como o Brasil, onde não há, tanto entre os profissio-
nais de saúde quanto entre os usuários, uma cultura crítica voltada para o consu-
mo de atos médicos, e onde as atividades dos órgãos oficiais reguladores são 
historicamente frágeis. Num país onde não é conhecida com exatidão a partici-
pação dos medicamentos no custo da assistência à saúde pública, o acompanha-
mento sistematizado do uso de medicamentos representará certamente um ins-
trumento gerencial poderoso e necessáiio. 
A realização das ações de farmacovigilância não é empresa fácil, exige dedi-
cação e perseverança. O envolvimento dos participantes deve ser buscado desde 
a fase inicial de construção do sistema, como forma de se conseguir a adesão ao 
trabalho. O treinamento continuado do pessoal é indispensável. É aconselhável 
a instituição de um comitê ou conselho científico multidisciplinar consultivo 
que acompanhe a construção e o funcionamento do sistema. As ações de farma-
covigilância devem incorporar também a indústria farmacêutica, associações de 
profissionais de saúde e entidades não governamentais, como as de defesa dos 
consumidores. A divulgação, em periódicos científicos e na mídia em geral, do 
desenvolvimento das atividades e dos resultados alcançados contribui para o 
reconhecimento da importância da farmacovigilância e para sua colocação entre 
as prioridades da área de saúde. 
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CAPfTULO 6 123 
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7 
Reações Adversas a MedicamentosSérgio Maria Starling Magalhães 
Wânia da Silva Carvalho 
As reações adversas a medicamentos se constituem num problema importan-
te na prática do profissional da área da saúde. Sabe-se que essas reações são 
causas significativas de hospitalização, de aumento do tempo de permanência 
hospitalar e, até mesmo, de óbito. Além disso, elas afetam negativamente a qua-
lidade de vida do paciente, influenciam na perda de confiança do paciente para 
com o médico, aumentam custos, podendo, também, atrasar os tratamentos, uma 
vez que podem assemelhar-se a enfermidades7·31• 
A Organização Mundial de Saúde (OMS) tem definido reação adversa a medi-
camentos (RAM) como: "Qualquer efeito prejudicial ou indesejável, não inten-
cional, que aparece após a administração de um medicamento em doses normal-
mente utilizadas no homem para a profilaxia, o diagnóstico e o tratamento de 
uma enfermidade. z.s.s.s" 
Assim, não são consideradas reações adversas a medicamentos os efeitos ad-
versos que aparecem depois de doses maiores do que as habituais (acidentais ou 
intencionais). 
De acordo com Laporte e Capellá, 1989, os termos "reação adversa", "efeito 
indesejável" e "doença iatrogênica" são equivalentes e correspondem ao concei-
to anterior. No entanto, diversos termos são empregados provocando confusões 
resultantes da própria dificuldade conceitual e de problemas de traduções. Na 
literatura encontramos os termos side effects, secondazy effects, adverse reacti-
ons, untoward reactions, unwanted reactions, drug induced diseases e outros, 
variedade de termos normalmente mal utilizada em inglês, que leva quase sem-
pre à má utilização em outros idiomas42. · 
Independente do termo, deve-se diferenciar deste conceito o de evento 
adverso, considerado uma injúria sofrida pelo paciente resultante de erros no 
uso de medicamentos e que resulta em falha terapêutica. O evento pode ser 
devido a vários fatores relacionados com o tratamento: dose do medicamento 
CAPÍTULO 7 125 
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incorreta, dose omitida, via de administração não especificada, horário de 
administração incorreto e outros. Deve-se lembrar que uma superdose de 
medicamento não poderia ser considerada como uma reação adversa de acor-
do cdm a definição, mas pode ser considerada um evento adverso2·24 . Com-
plicações ou alguns eventos não previstos na admissão hospitalar, relaciona-
dos à assistência médica, de enfermagem ou de outras áreas de suporte, que 
ocorrem com o paciente durante a internação, são considerados também como 
evento adverso. 
CLASSIFICAÇÃO E MECANISMOS DE PRODUÇÃO DAS REAÇÕES 
ADVERSAS 
É difícil fazer uma classificação das reações adversas conforme o seu meca-
nismo de produção, uma vez que considerações relevantes sobre mecanismos 
farmacocinéticos ou farmacodinâmicos (do tipo de lesão anatômica, bioquími-
ca, funcional, da localização da lesão, do subgrupo da população afetada) se 
sobrepõem6• Uma classificação que auxilia o entendimento dos principais me-
canismos de produção seria a que propõe seis diferentes tipos de reações inde-
sejáveis: 
SUPERDOSAGEM RELA:I1VA 
Quando um fármaco é administrado em doses terapêuticas, mas, apesar dis-
so, suas concentrações são superiores às habituais, fala-se em superdosagem re-
lativa. Dois exemplos ilustram bem esse conceito: a maior incidência de surdez 
entre pacientes com insuficiência renal tratados com antibióticos aminoglicosí-
deos e a intoxicação digitálica em pacientes com insuficiência cardíaca tratados 
com doses usuais de digoxina, uma vez que estes pacientes podem apresentar 
hipocalemia concomitante ou uma reduzida massa muscular, ou, ainda, a fun-
ção renal diminuída, o que reduz a excreção do glicosídeo. Ambas as situações 
se devem à alterações funcionais, que podem aumentar o risco de concentrações 
elevadas do fármaco no organismo6,lt. 
EFEITOS COLATERAIS 
São os inerentes à própria ação farmacológica do medicamento, porém, o 
aparecimento é indesejável num momento determinado de sua aplicação. É con-
siderado um prolongamento da ação farmacológica principal do medicamento e 
expressa um efeito farmacológico menos intenso em relação à ação principal de 
uma determinada substância. Alguns exemplos: o broncoespasmo produzido pelos 
bloqueadores (3-adrenérgicos, o bloqueio neuromuscular produzido por amino-
glicosídeos, sonolência pelos benzodiazepínicos, arritmias cardíacas com os gli-
cosídeos6·11·42. 
EFEITOS SECUNDÁRIOS 
São os devidos não à ação farmacológica principal do medicamento, mas como 
conseqüência do efeito buscado. Por exemplo, a tetraciclina, um antimicrobiano 
de ação bacteriostática, poderá se depositar em dentes e ossos, quando utilizada 
na pediatria; estas deposições podem descolorir o esmalte dos dentes decíduos, 
assim como dos permanentes. A deposição óssea pode provocar redução do cres-
cimento ósseo6 •36• 
126 CAPITULO 7 
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IDIOSSINCRASIAS 
Reações nocivas, às vezes fatais, que ocorrem em uma rrúnoria dos indiví-
duos. Definida como uma sensibilidade peculiar a um deterrrúnado produto, 
motivada pela estrutura singular de algum sistema e=imático. Em geral consi-
dera-se que as respostas idiossincrásicas se dévem ao polimorfismo genético. 
Um exemplo seria a anemia hemolftica por deficiência de glicose-6-fosfato desi-
drogenase (G6PD), um traço herdado na forma recessiva ligada ao sexo; esse tipo 
de anemia pode acontecer, por exemplo, em determinados indivíduos que utili-
zam o fármaco antimalárico primaquina. Este fármaco é bem tolerado pela mai-
oria dos indivíduos, no entanto, em 5% a 10% dos negros do sexo masculino, o 
fármaco causa hemólise, que conduz a grave anemia39• 
UIPERSENSffiiLIDADE ALF:RGICA 
Para sua produção é necessária a sensibilização prévia do indivíduo e a me-
diação de algum mecanismo imunitário. Trata-se de reação de intensidade clara-
mente não relacionada com a dose administrada. Um exemplo seria a hipersen-
sibilidade do tipo I anafilaxia, uma resposta súbita e potencialmente letal, 
provocada pela liberação de histamina e de outros mediadores. As principais 
características incluem erupções urticariformes, edema dos tecidos moles, bron-
coconstrição e hipotensão39• 
TOLERÂNCIA 
É fenômeno pelo qual a administração repetida, continua ou crônica de um 
fármaco na mesma dose diminui progressivamente a intensidade dos efeitos far-
macológicos, sendo necessário aumentar gradualmente a dose para poder man-
ter os efeitos na mesma intensidade. A tolerância é um fenômeno que leva dias 
ou semanas para acontecer. Exemplo: tolerância produzida pelos barbitúricos 
reduzindo seu efeito anticonvulsivante39• 
Esta classificação não tem muita aplicabilidade clínica e epidemiológica. Al-
guns efeitos de importância clínica e sanitária são difíceis de serem enquadrados 
nesta classificação, sendo a teratogenia um bom exemplo6 • 
De acordo com alguns autores42, a classificação proposta por Rawlins e Thomp-
son é considerada a mais adequada e tem sido a mais empregada42 • Segundo ela, 
as reações adversas produzidas por medicamentos poderiam subdividir-se em 
dois grandes grupos: as que resultam de efeitos farmacológicos normais, no en-
tanto aumentados; essas reações seriam o resultado de uma ação e um efeito 
farmacológico exagerado de um fármaco administrado em doses terapêuticas 
habituais (tipo A). E as reações que possuem efeitos farmacológicos totalmente 
anormais e inesperados (bizarras), ainda que considerando as propriedades far-
. macológicas de um medicamento administrado em doses habituais (tipo B)6,ll,4t.•z. 
As reações do tipo A são farmacologicamente previsíveis, geralmente depen-
dem da dose, têm alta incidência e morbidade, baixa mortalidade e podem ser 
tratadas ajustando-se as doses. São reações produzidas por mecanismos de su-
perdosagem relativa, efeito colateral, citotoxicidade, interações medicamentosas 
e alterações na forma farmacêutica11•41·42• 
As do tipo B não são farmacologicamente grevisiveis, nem dose-dependen-
tes, têm incidência e morbidadebaixas e sua mortalidade pode ser alta. Devem 
ser tratadas com a suspensão do fármaco e são produzidas por mecanismos de 
hipersensibilidade, idiossincrasia, intolerância e, até mesmo, por alterações na 
formulação farmacêutica1 1,41,42. 
CAPíTUlO 7 127 
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Alguns exemplos de reações do tipo A: o efeito colateral, que é caracteriza-
do por um prolongamento do efeito farmacológico do fármaco, como: hemorra-
gia com os anticoagulantes, hipoglicemia com antidiabéticos, sonolência pro-
duzida por ansiolíticos, hipotensão com anti-hipertensivos41 . Existem situa-
ções nas quais o efeito indesejável parece, a: princípio, não estar relacionado 
com a ação farmacológica básica do fármaco, mas corresponde, na verdade, a 
uma conseqüência direta dessa ação principal. É o caso do sangramento gástri-
co produzido pela aspirina. Na maioria dos casos, esse tipo de efeito indesejá-
vel é reversível e, com freqüência, é possível lidar com o problema mediante a 
redução da dose ou a substituição do fármaco. Outros exemplos de reações 
adversas a medicamentos que ocorrem graças à propriedade da substância e 
que não estão relacionadas com o efeito terapêutico: algumas fenotiazinas, 
muitos anti-histamínicos e a maioria dos antidepressivos tricíclicos têm pro-
priedades anticolinérgicas que resultam numa reação tipo atropina, levando a 
sintomas como boca seca, dificuldade de acomodação visual e retenção uriná-
ria42. São considerados também reações do tipo A: os efeitos dependentes da 
forma farmacêutica, reações que podem ocorrer, por exemplo, devido à nature-
za da partícula (irritante). É o caso da flebite causada pelo uso de cefradina, 
utilizada por via endovenosa, o que não acontece quando este antibiótico é 
utilizado por via oral11• Do mesmo modo, as interações medicamentosas, res-
postas não usuais, conseqüência da administração concomitante de dois ou 
mais medicamentos, podem também ser classificadas como tipo A, sendo este 
o caso dos anticoagulantes orais, m(;ldicamentos altamente ligados à albumina 
plasmática, e que podem ser deslocados da sua ligação pelo uso concomitante 
de sulfonamidas e, conseqüentemente, podem ter seu efeito anticoagulante 
aumentado11• Uma outra reação é o efeito citotóxico direto que ocorre quando 
o medicamento se liga a componentes celulares podendo lesar as células dire-
tamente, alterando o funcionamento normal do órgão, como é o caso da nefro-
to~icidade com os aminoglicosídeos11• 
As reações do tipo B podem ocorrer por alteração na formulação farmacêutica 
como decomposição de constituintes ativos, solubilizantes, estabilizantes, co-
rantes e excipientes, efeito de produtos secundários aos constituintes ativos, pro-
venientes do processo de fabricação. A tetraciclina, por exemplo, quando arma-
zenada em temperaturas elevadas, degrada-se, transforma-se em massa viscosa 
marrom e produz uma síndrome do tipo Fanconi, com aminoacidúria, glicosúria, 
acetonúria, albuminúria, piúria, elevação do nitrogênio amínico plasmático e 
fotossensibilidade41,4Z. 
As principais reações adversas do tipo B são as que ocorrem por polimorfis-
mo genético e as reações imunológicas (idiossincrasias), tais como a granulocito-
penia induzida por sulfonamida e o lúpus eritematoso sistêmico induzido por 
hidralazina. Outro mecanismo que caracteriza reações do tipo B é a intolerância 
a medicamentos, caracterizada por uma resposta exagerada a doses usuais do 
medicamento, a qual, também, possui base genética. Um exemplo é a síndrome 
de Riley-Day, que ocorre em certas famílias judias originárias de determinadas 
áreas da Europa oriental e se caracteriza por ser uma herança autossômica reces-
siva que produz distúrbios no sistema nervoso autonômo e perda de neurônios 
sensoriais. Pacientes com essa sfndrome respondem de forma exagerada a medi-
camentos que agem no sistema nervoso autonômo, como, por exemplo, fármacos 
parassimpaticomirnéticos do tipo metacolina, levando a um aumento da pressão 
arterial durante a anestesia; estes pacientes são também intolerantes ao halotano 
e metoxiflurano41 • Com respeito às reações carcinogênicas e as teratogênicas, 
que são respostas qualitativamente anormais a determinados fármacos, não se 
. enquadram nessa classificação42 • 
128 CAPITULO 7 
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Em 1999, Simon Wills e David Brown propuseram uma nova classificação de 
reações adversas a medicamentos, argumentando que há problemas na classifi-
cação original tipo A ou tipo B. Certas reações não se enquadram nesta classifica-
ção. Como exemplo: câncer em pacientes tomando imunossupressores50• 
Um segundo problema dessa classificação é o fato de que as reações do tipo B 
são aquelas caracterizadas como "tudo que não é tipo 1'1.'. Esta é a "imagem" das 
reações do tipo B, um grupo altamente heterogêneo com muito pouco em co-
mum, abrangendo desde reações alérgicas até aquelas provocadas por algumas 
formulações farmacêuticas. 
Uma terceira limitação é que Rawlins e Thompson não estabelecem clara-
mente quais reações não poderian1 estar incluídas dentro de sua classificação. 
Tendo tais questionamentos como orientação, oito novas categorias foram 
propostas por Wills e Brown, em 1999, modificando a classificação de Rawlins e 
Thompson, conforme segue: 
TIPO A 
São reações adversas relacionadas com a dose do medicamento, as quais po-
dem ser previsíveis com o conhecimento do mecanismo de ação do fármaco ou 
excipiente. Ocorrem somente enquanto o indivíduo está usando a medicação e 
desaparecem com a retirada da mesma; acontecem com alta incidência. Exem-
plo: taquicardia com o uso de broncodilatador p-agonista não seletivo. 
TIPOB 
Reações farmacologicamente previsíveis, envolvem interação do microrga-
nismo com o hospedeiro e desaparecem com a retirada do medicamento. Exem-
plos: antibióticos selecionando cepas resistentes, superinfecção, açúcares conti-
dos nos medicamentos causando cárie dentária. 
TIPO C 
Causada por características químicas e pela concentração do agente agressor 
e não pelo efeito farmacológico do fármaco. Exemplos: flebite com injetáveis, 
queimadura por ácidos, lesão gastrintestinal por irritante local. 
TIPoD 
Reações que acontecem em conseqüência do método de administração do 
fármaco ou pela natureza física da preparação (formulação). Retirado o fármaco 
ou alterada a formulação, cessa a reação adversa. Exemplos: inflamação ou fibra-
se em torno de implantes ou infecção no sítio de uma injeção. 
TIPO E 
São reações adversas que se caracterizam por manifestações de retirada. Ocor-
rem após a suspensão do fármaco ou redução d~ dose, a reintrodução do fármaco 
pode melhorar o sintoma; são farmacologicamente previsíveis. Exemplos: opiói-
des, benzoadiazepínicos, antidepressivos tricíclicos, nicotina, betabloqueadores 
e clonidina. São alguns dos medicame!ltos que desencadeiam alterações caracte-
rísticas após retirada abrupta. 
CAPITUlO 7 129 
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TIPO F 
São reações que ocorrem somente em indivíduos suscetíveis, geneticamente 
determinadas. Desaparecem com a retirada do medicamento. Exemplos: hernóli-
se com o uso de sulfonarnidas em indivíduos com deficiência de G6PD, porfiria. 
TIPOG 
São reações adversas genotóxicas, causadas por medicamentos que promo-
vem danos genéticos irreversíveis. Exemplo: talidornida provocando focornelia. 
TIPo H 
Reações adversas decorrentes da ativação do sistema imune, não são farrna-
cologicamente previsíveis, não são relacionadas à dose. Desaparecem com a reti-
rada do fánnaco. Exemplo: choque anafilático por penicilina. 
TIPO U (NÃo CLASSIFICADAS) 
Reações adversas por mecanismos não entendidos e que não se enquadram 
nas demais categorias, até que se saiba mais sobre elas. Exemplo: fánnacos que 
induzem distúrbios do paladar, náuseas e vômitos após anestesia. 
Muitas reações adversas envolvem um único e simples mecanismo que pode 
ser facilmente identificado, curado "ou evitado. Entretanto, algumas reações en-
volvem mais de um mecanismo e um mesmo medicamento podeatuar por dois 
mecanismos diferentes, simultaneamente, para produzir urna reação adversa. 
Um exemplo é a capacidade do AAS de produzir gastrite e úlcera. Essa reação é 
mediada pela inibição sistêrnica da produção de prostaglandinas citoprotetoras 
(tipo A), e por ação irritante local do cornprirnido50 • Ou seja, usando a classifica-
ção de Wills e Brown, ela poderia ser classificada corno tipo A (inibição da sínte-
se de prostaglandinas) ou tipo C (devido às características físico-químicas do 
fárrnaco). 
A modificação da classificação de Rawlins e Thornpson tem a vantagem de 
ser simples e prática e de mais fácil compreensão do que a anterior. Entretanto, 
ainda permanecem dificuldades sendo urna delas a citada anteriormente, a mes-
ma reação pode se enquadrar em mais de um mecanismo. 
CLASSIFICAÇÃO DAS REAçõES ADvERSAS DE ACORDO COM A GRAVIDADE 
De acordo com a gravidade das reações adversas a medicamentos elas podem 
ser classificadas corno leve, moderada, grave ou letal. Sendo estes termos defini-
dos do seguinte modo29,34: 
Leve 
Não requer tratamentos específicos ou antídotos e não é necessária a suspen-
são do fármaco. 
Moderada 
Exige modificação da terapêutica medicamentosa, apesar de não ser necessá-
ria a suspensão do fánnaco agressor. Pode prolongar a hospitalização e exigir 
tratamento específico. · 
130 CAPITUlO 7 
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Grave 
Potencialmente fatal, requer a interrupção da adnúnistração do medicamento 
e tratamento específico da reação adversa, a hospitalização ou o prolongamento 
da estada de pacientes já internados. 
Letal 
Contribui direta ou indiretamente para a morte do paciente. 
CLASSIFICAÇÃO DE REAçõES AIIvERsAs DE ACORDO COM A CAUSALIDADE 
Karch e Lasagna, em 1975, classificaram as reações adversas de acordo com a 
relação causa-efeito para o medicamento suspeito em cinco tipos8 •23 : 
Definida 
Urna reação que segue urna razoável seqüência cronológica, a partir da admi-
nistração do medicamento ou da obtenção de níveis séricos ou tissulares; que 
segue urna resposta padrão conhecida para o medicamento suspeito e que é con-
firmada pela melhora ao se suspender o medicamento e pelo reaparecimento da 
reação ao se repetir a exposição. 
Provável 
Uma reação que segue urna razoável seqüência cronológica, a partir da admi-
nistração do medicamento ou da obtenção de níveis séricos ou tissulares; que 
segue uma resposta padrão conhecida para o medicamento suspeito; que não 
pode ser razoavelmente explicada pelas características conhecidas do estado clí-
nico do paciente. 
Possível 
Urna reação que segue urna razoável seqüência cronológica, a partir da admi-
nistração do medicamento ou da obtenção de níveis séricos ou tissulares; que 
segue urna resposta padrão conhecida para o medicamento suspeito, mas que 
pode ter sido produzida pelo estado clínico do paciente ou outras terapêuticas 
concomitantes. 
Condicional 
Urna reação que segue urna razoável seqüência cronológica, a partir da admi-
nistração do medicamento ou da obtenção de níveis séricos ou tissulares; que 
não segue uma resposta padrão conhecida para o medicamento suspeito, mas 
que não pode ser razoavelmente explicada pelas características conhecidas. 
Duvidosa 
Qualquer reação que não segue os critérios anteriores. 
FATORES QUE PREDISPÕEM A REAÇÕES ADVERSAS A 
MEDICAMENTOS (RAM) 
Alguns grupos da população são particularmente suscetíveis ao aparecimen-
to de RAM. O uso de medicamentos por imp.víduos que pertencem a esses gru-
CAPITULO 7 131 
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pos exige uma cuidadosa monitoração clínica e uma rigorosa avaliação da rela-
ção benefício/risco de acordo com a gravidade do quadro, com as reações adver-
sas do medicamento e com o grau de comprometimento do paciente. 
O acompanhamento adequado e o conhecimento das variações farmacociné-
ticas e/ou farmacodinâmicas características do quadro auxiliam na prevenção e 
no controle das reações adversas que possam surgir. 
GRUPO I - EXTREMOS DE IDADE 
Neonatos e Crianças 
As crianças podem sofrer variações farmacocinéticas e/ou farmacodinâmicas, 
além de outras alterações que são peculiares a essa faixa etária, alterando os 
padrões de crescimento e diferenciação que refletem sobre o desenvolvimento. 
São exemplos destas alterações os transtornos do crescimento ósseo ocasionados 
por fãrmacos, como tetraciclinas, corticóides, ácido nalidíxico, quinolonas e flu-
oroquinolonas30. 
As alterações farmacodinâmicas podem levar a um aumento ou diminuição 
da sensibilidade a alguns fãrmacos, cujas causas nem sempre são conhecidas e 
podem ser decorrentes de alterações no número de receptores ou na afinidade 
do fãrmaco pelo receptor30. A absorção em neonatos pode estar alterada devido à 
menor secreção de ácido e à redução da motilidade gastrintestinal, porém, tais 
variações não são uniformes e são dificilmente previsíveis30•51 • As vias de admi-
nistração de fãrmacos também apresentam limitações para uso em crianças, par-
ticularmente em neonatos. Assim, a via oral é de uso limitado nos primeiros dias 
de vida. A dificuldade na aceitação, a sensibilidade aos fãrmacos irritantes e os 
vômitos freqüentes limitam esta via de administração. A absorção tópica é eleva-
da em relação aos adultos devido ao delgado extrato córneo e a via endovenosa é 
limitada pelo volume de diluição30•49 • Os neonatos apresentam massa muscular e 
tecido adiposo desproporcionalmente reduzidos, se comparados aos adultos. A 
água corporal total é muito maior em neonatos, cerca de 75% do peso corporal, 
afetando diretamente a distribuição dos fãrmacos 30•49·51• A concentração das pro-
teínas plasmáticas está diminuída nos recém-nascidos e, conseqüentemente, 
ocorre uma diminuição na taxa de ligação de fãrmacos às proteínas. A presença 
de substâncias endógenas, como a bilirrubina, também reduz a ligação fãrmaco/ 
proteína. Nos primeiros meses de vida ocorrem deficiências nas vias metabóli-
cas tanto da fase I (oxidação, redução, hidrólise) como da fase li (conjugação). 
Após o primeiro ano os sistemas metabólicos sofrem variações individuais po-
dendo tornar-se mais efetivos do que os dos adultos na metabolização30·49. Crian-
ças, até o primeiro ano de vida, apresentam taxas de filtração glomerular e secre-
ção tubular diminuídas, adquirindo correlação com a ãrea de superfície corporal 
do adulto em torno do primeiro ano de vidaso.47,49.st. 
Tais alterações exigem que o uso de medicamentos em neonatos e crianças 
mereça uma cuidadosa orientação e acompanhamento. 
Idosos 
Os pacientes idosos estão predispostos às reações adversas por diversas ra-
. zões, entre elas: dificuldade de obediência ao regime de tratamento, seja por 
esquecimento, por incompreensão do esquema terapêutico ou por dependência 
física, terapia com múltiplos fãrmacos, aumento das reações de hipersensibilida-
de e alterações farmacocinéticas e farmacodinâmicas características desta faixa 
etária. 
132 CAPiTULO 7 
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A absorção pode encontrar-se diminuída, devido ã redução da liberação basal 
de ácido com aumento do pH, o que pode afetar a ionização e a solubilização de 
fármacos. Ocorre diminuição do fluxo sangüíneo esplâncnico, redução do nú-
mero de células de absorção, diminuição do ritmo de esvaziamento gástrico. A 
distribuição encontra-se alterada com a diminuição da massa muscular, aumen-
to do tecido adiposo e pode ocorrer, ainda, redução na concentração de albumi-
na. O envelhecimento acarreta uma diminuição do número de células hepáticas, 
do fluxo esplâncnico e uma redução da atividade metabólica, particularmente 
da enzimas da fase I, limitando a capacidade de depuração hepática dos fárma-
cos. Aliadas a esses fatores há ainda a diminuição do fluxo renal e da filtração 
glomerular, perda de função tubular e diminuição dos processos de reabsor-
ção9.15,3S,43.••. 
As alterações farmacodinâmicas nem sempre têm mecanismos bem defini-
dos, e podem ser decorrentes de alterações no número ou na sensibilidade dos 
receptores específicos e nosmecanismos de regulação homeostática. Como exem-
plo, pode-se citar a menor sensibilidade dos idosos ao J)-bloqueador proprano-
lol, a qual, possivelmente, relaciona-se à diferença no número e na afinidade dos 
receptores, quando comparada a pacientes jovens35• 
GRUPO II-G~RO 
As mulheres são mais suscetíveis às reações adversas, possivelmente por uma 
associação de fatores como as complicações obstétricas que ocorrem ao longo da 
vida fértil da mulher, os episódios de dismenorréia que requerem o uso de medi-
camentos, às vezes por vários anos, o uso de contraceptivos e uma maior concen-
tração de tecido adiposo. É possível, ainda, que exista um determinante hormo-
nal que possa afetar o metabolismo, predispondo o aparecimento de reações ad-
versas12. 
GRUPO III - GESTANTES 
O uso de medicamentos deve ser avaliado considerando-se as variações far-
macocinéticas que ocorrem durante a gravidez, as alterações fisiológicas das fun-
ções maternas e os efeitos que estes possam ter sobre o feto47• 
Durante a gravidez a mulher passa por alterações dos parâmetros farmacoci-
néticos que podem afetar o efeito terapêutico dos medicamentos. Em geral, nesse 
período ocorre um aumento do volume sangüíneo de cerca de 50%, o que impli-
ca aumento do volume de distribuição de fármacos hidrossolúveis. A atividade 
metabolizadora enzimática pode estar alterada devido a fatores hormonais, tor-
nando-se mais efetiva para a biotransformação de alguns fármacos e menos para 
outros25 •47 • 
Ocorre aumento da excreção urinária como conseqüência do maior fluxo re-
nal. Fatores que, associados, podem afetar a relação dose/resposta na gravi-
dezs.zs,3a.•7. 
Alguns fármacos podem interferir com funções fisiológicas da mãe prejudi-
cando o desenvolvimento do feto. Um exemplo é o uso de diuréticos que deple-
tam o volume plasmático reduzindo a perfusão placentária e ocasionando atraso 
no desenvolvimento fetal•. 
Contudo, a maior preocupação com o uso dtl medicamentos durante a gravi-
dez é com os efeitos que estes possam ter sobre o desenvolvimento e a constitui-
ção do feto. A "barreira placentária" é constituída por tecidos que obedecem aos 
mesmos fatores que controlam o transporte üansmembrana, sendo a velocidade 
de transferência de fármacos dependente das características físico-químicas do 
CAPíTULO 7 133 
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fármaco e do seu gradiente de concentração47 • A relevância e as conseqüências 
dessa exposição são variáveis segundo o momento em que essa se deu. Assim, o 
período da fertilização e implantação do blastocisto, que corresponde às duas 
primeiras semanas de gravidez, envolve pouca diferenciação celular e lesões nesta 
fase levam à morte do embrião ou, de modo geral, a nenhum outro efeito obser-
váveL No período embrionário, que vai da terceira à décima semana de gravidez, 
aproximadamente, o embrião é mais suscetível às agressões químicas devido às 
altas taxas de diferenciação celular, desenvolvimento funcional e crescimento 
que ocorrem durante este curto período de tempo. Esta é a fase em que ocorre a 
maioria das teratogenias, sendo considerado um período crítico para o consumo 
de medicamentos. Essas anormalidades congênitas podem ser definidas como 
defeitos funcionais ou morfológicos irreversíveis presentes ao nascimento, indu-
zidos por agente exógenos e dependentes da natureza do fármaco, do tempo de 
exposição e da constituição genética e suscetibilidade individual47 • 
No estágio subseqüente, período fetal, ocorre o desenvolvimento e a matura-
ção dos órgãos e sistemas e a exposição fetal a teratógenos comumente leva a 
lesões em áreas mais restritas ou alterações funcionais ou comportamentais me-
nos evidentes.,, 
O uso de medicamentos no período pré-parto é preocupante, pois, neste perío-
do, a unidade fetoplacentária será desfeita e a reduzida capacidade eliminadora 
do neonato pode levar a um quadro de toxicidade47 • Durante o período de ama-
mentação, a presença de fármacos no leite materno irá obedecer aos parâmetros 
de transporte transmembrana e também pode levar ao surgimento de toxicidade 
para o lactente3. 
Diante desse quadro pode-se concluir que a utilização de fármacos na gravi-
dez e durante o período de amamentação deve observar uma rigorosa avaliação 
benefício x risco, evitando-se as exposições desnecessárias. 
GRUPO IV- PATOLOGIAS 
Insuficiência Renal 
A utilização de medicamentos em pacientes portadores de insuficiência renal 
é um problema complexo, particularmente quando se faz necessário o uso de 
doses múltiplas. Essa complexidade é determinada pelas alterações funcionais 
do rim, principal órgão excretor, e suas implicações metabólicas como: retenção 
de água e sódio, hiperpotassemia, acidose metabólica e uremia, entre outros33 • 
A seleção de medicamentos para esses pacientes deve levar em consideração 
as propriedades do fármaco, corno: biodisponibilidade, margem de segurança, 
via de eliminação, atividade dos metabólitos e sobrecarga metabólica que esta 
possa vir a desencadear. Este último ponto é muito importante, pois, embora o 
próprio fármaco possa ser inócuo, pode criar uma sobrecarga metabólica que 
descompensa o quadro; como exemplo pode-se citar o uso de fárrnacos que pro-
movem depleção ou acúmulo de íons26• 
Deste modo, a seleção e o ajuste de dose para estes pacientes prescindem do 
conhecimento do grau de comprometimento renal e conseqüentemente dos efei-
tos desse sobre os parâmetros farmacocinéticos e farmacodinâmicos dos fárma-
cos. 
A distribuição e a excreção dos fármacos na insuficiência renal são as variá-
veis que sofrem as maiores alterações, embora a absorção e a metabolização tam-
bém possam ser afetadas26 • Na insuficiência renal ocorre uma expansão do volu-
me total de água corporal, em decorrência da retenção de sódio, o que vai se 
refletir no aumento do volume de distribuição de .fármacos hidrossolúveis. A 
134 CAPÍTULO 7 
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uremia, comum nesses pacientes, e o acúmulo de substâncias endógenas redu-
zem a ligação dos fármacos às proteínas plasmáticas. A maior quantidade de 
fármaco livre associa-se tanto ao aumento dos efeitos farmacológicos como ao 
aumento da biotransformação. Deve-se considerar, no entanto, que os mecanis-
mos de biotransformação não garantem a redução da toxicidade. O acúmulo do 
fármaco pode levar à saturação dos sistemas enzimáticos e, com isto, atingir-se o 
limiar de toxicidade. Além disso, pode ocorrer a formação de metabólitos ativos 
ou tóxicos e, em ambos os casos, há o risco de toxicidade26• 
A excreção renal é, contudo, o principal parâmetro afetado. Os mecanismos de 
excreção tornam-se deficientes, comprometendo em graus variáveis a filtração glo-
merular e a secreção e a reabsorção tubular. Estas alterações levam a limitações 
nos processos de excreção e ao acúmulo de fármacos e seus metabólitos18•26• 
Alterações farmacodinâmicas em pacientes com insuficiência renal também 
têm sido descritas, porém os mecanismos são desconhecidos podendo estar as-
sociados às alterações metabólicas, às modificações do receptor ou à presença de 
substâncias endógenas potencializando a resposta18• 
Dada a complexidade do processo de insuficiência renal, o uso de medica-
mentos por esses pacientes deve ser rigorosamente acompanhado, sendo acon-
selhável o uso daqueles que possam ser eliminados via diálise26• A utilização de 
fórmulas de ajuste e a monitorização clínica cuidadosa são essenciais para evitar 
a descompensação do quadro e as reações de toxicidade. 
Insuficiência Hepática 
O fígado apresenta diversas funções metabólicas importantes para a manu-
tenção da homeostase do corpo. Estas funções podem ficar comprometidas quando 
este órgão é lesado por compostos químicos ou doenças, e a insuficiência hepá-
tica pode levar a profundas alterações na farmacocinética dos fármacos 20• 
O grau de lesão hepática determinará alterações na formação e nos sítios de 
ligação das proteínas plasmáticas. Assim, nos casos críticos, ocorre decréscimo 
no nível sérico de albumina,

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