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Natalia Quintino Dias Asfixia perinatal e hipotermia terapêutica A asfixia perinatal é causada pela falta de oxigênio nos sistemas orgânicos devido a um insulto hipóxico ou isquêmico que ocorre na proximidade temporal do trabalho de parto (periparto) e parto (intraparto). No recém-nascido, a falta de oxigênio pode levar à falência de múltiplos órgãos com envolvimento cerebral como o principal órgão de preocupação (encefalopatia hipóxico-isquêmica [HIE]). Na maioria dos casos de HIE, ocorre lesão de outros sistemas de órgãos importantes, incluindo coração, rim, pulmão e fígado. A asfixia perinatal, uma das principais causas de óbito entre RNs é causa importante de encefalopatia e lesão cerebral permanente em crianças, é definida como lesão ao feto ou RN por falta de oxigênio (hipoxemia) e/ou de perfusão (isquemia) de vários órgãos. A hipoxemia costuma ocorrer intra-útero, por causas maternas e fetais em 20 % dos casos; durante o trabalho de parto em 35%, e ainda na vida pós-natal em 10% dos casos. O Apgar isolado não é bom critério para definir se há asfixia perinatal. Muitos RNs pré-termo podem ter Apgar baixo e não apresentar lesões hipóxico- isquêmicas. Há critérios clínicos/laboratoriais para diagnosticar a asfixia perinatal. São necessários pelo menos três critérios positivos dos seguintes: • Acidemia metabólica ou mista profunda (pH < 7) em sangue arterial do cordão umbilical; • Escore de Apgar no quinto minuto de vida entre 0 e 3; • Manifestações neurológicas neonatais – convulsões, coma ou hipotonia; • Disfunção orgânica multissistêmica – sistemas cardiovascular, gastrintestinal, hematológico, pulmonar ou renal. De 15 a 20% morrem no período neonatal e 25 a 30% dos sobreviventes ficam com sequelas neurológicas permanentes. Fatores de risco Fisiopatologia Inicialmente ocorrem adaptações circulatórias em resposta ao fenômeno asfíxico, que inclui a redução da frequência cardíaca e da utilização de oxigênio, assim como dos movimentos corporais, redistribuição do fluxo sanguíneo, visando preservar órgãos nobres (SNC, coração e glândulas adrenais) e mudança do metabolismo de aeróbico para anaeróbico. A hipóxia e o metabolismo anaeróbico ocasionam acidose metabólica e descompensação cardiovascular, como vasodilatação periférica e queda do débito cardíaco, resultando em hipotensão acentuada e redução da perfusão encefálica, que levam ao dano neuronal e outras disfunções orgânica. O processo de morte da célula nervosa pode se desenvolver através de duas formas distintas: necrose e apoptose. Os insultos de longa duração, porém menores, ou seja, formas mais leves de dano isquêmico, causam apoptose, enquanto a Natalia Quintino Dias necrose predomina nos insultos mais intensos e de curta duração. Pré-termo: lesão predominante na matriz germinativa → hemorragia peri-intraventricular → leucomalácia periventricular; Termo: lesão predominante em gânglios da base e hipotálamo. Os danos e sequelas variam de acordo com a severidade, momento e duração do dano encefálico, além da idade gestacional. Manifestações clínicas A restrição do crescimento intrauterino pode ser a primeira indicação de hipóxia fetal pré-natal. No SNC, é a chamada Encefalopatia Hipóxico- Isquêmica (EHI), que se desenvolve em 3 fases: 1- Primeiras 12-24 horas: fase de hiperexcitabilidade 2- De 24-72h: respiração irregular seguida de parada respiratória, reflexos oculomotores anormais, resposta pupilar alterada, hemorragia intracraniana nos prematuros, deterioração do estado de consciência e coma. 3- Depois de 72h: hipotonia, coma persistente, sucção anormal ou ausente, ausência de deglutição e do reflexo do engasgo que impedem a alimentação. Sinais maiores incluem convulsões, anormalidades do estado de consciência e do tônus muscular. A palpação da fontanela pode mostrar edema cerebral. Manifestações Pulmão: hipertensão pulmonar, comprometimento do sistema surfactante e aspiração meconial; Rins: oligúria, falência renal aguda; Cardiovascular: insuficiência tricúspide, necrose miocárdica, hipotensão, choque; Metabólicas: acidose metabólica, hipoglicemia, hiponatremia e hipocalcemia; Gastrintestinais: disfunção hepática, enterocolite necrosante; Hematológicas: trombocitopenia, coagulação intravascular disseminada. Sinais de encefalopatia hipóxico-isquêmica - Palidez; - Cianose; - Apneia; - Bradicardia; - Falta de resposta à estímulos. Diagnóstico Abordagem sistêmica Cardiovasculares: • RX tórax: aumento área cardíaca e congestão venosa pulmonar; Respiratórias: • Depressão do centro respiratório; • Síndrome de aspiração meconial (SAM); • Síndrome do desconforto respiratório (SDR); • Síndrome da hipertensão pulmonar persistente (HP). Renais: • Necrose tubular aguda (NTA) com insuficiência renal: oligúria (diurese < 1 mL/ kg/h), hematúria e proteinúria, hiponatremia e hipercalemia, aumento creatinina sérica. Gastrointestinais: • Alterações mais tardias; • Peristalse diminuída e retardo esvaziamento gástrico; • Enterocolite necrosante (1-2%). Prognóstico Apgar baixo e ausência de respirações espontâneas aos 20 minutos, além de persistência de sinais neurológicos anormais com 2 semanas de vida, estão associados à taxa elevada de mortalidade ou a graves déficits motores e cognitivos. O uso combinado de eletroencefalograma e ressonância magnética é importante para prever desfecho nos neonatos com EHI. Exames normais oferecem boa perspectiva de recuperação. Induzir hipotermia acarreta a diminuição de sequelas por asfixia grave, melhorando o prognóstico. Possíveis sequelas neurológicas: As sequelas neurológicas podem variar, sendo consideradas graves, como: paralisia cerebral; distúrbios comportamentais; déficits cognitivos, de atenção, de aprendizagem ou hiperatividade. Escore para avaliar gravidade de encefalopatia Classifica o paciente em três estágios conforme o nível de consciência, o tônus muscular, a postura, os reflexos tendinosos, a presença ou não de mioclonias e a alteração das funções autonômicas. Natalia Quintino Dias Tratamento Encefalopatia hipóxico-isquêmica • Oxigenoterapia: evitar hipo/hiperoxia ou hipo/hipercapnia; • Glicemia: manter entre 75-100 mg/dL (substrato cerebral); • Controle acidobásico e hidroeletrolítico; • Tratamento de convulsões. Cardiovasculares • Dopamina e dobutamina; • Evitar sobrecarga volume e distúrbios metabólicos; • Monitorar FC, PA – manter PAM 45- 50 mmHg, o que teoricamente mantém uma boa perfusão cerebral. Renais • Monitorar: diurese, densidade urinária, eletrólitos e osmolaridade sanguínea e urinária para avaliar a presença de NTA ou síndrome de secreção inapropriada de ADH; • Valores de creatinina e sódio urinários para definir fração de excreção de sódio que pode confirmar lesão renal. Gastrointestinais Jejum nos primeiros dias até estabilização clínico- laboratorial. Hematológicos e hepáticos Correção de distúrbios metabólicos; Pulmonares • Ventilação e oxigenação adequadas; • Tratamento específico lesões pulmonares (SAM/SDR/HP); • Pode ser necessário surfactante e óxido nítrico. Metabólicas • Correção distúrbios metabólicos; • Hipotermia. Hipotermia terapêutica A hipotermia terapêutica é um tratamento adjuvante usado em recém-nascidos que sofreram lesão hipóxico-isquêmica com o objetivo de diminuir a mortalidade e minimizar as sequelas neurológicas. Há recomendação formal de hipotermia terapêutica em caso de Encefalopatia Hipóxico- Isquêmica (EHI) em RN asfíxico com idade gestacional de 35 ou mais semanas e peso de nascimento igual ou maior a 1800 g. Mecanismo de ação A lesão cerebral secundária à hipóxia-isquemia ocorre em duas fases: aguda de hipóxia e isquemia, em quehá necrose neuronal por privação de oxigênio, e tardia, caracterizada por apoptose Natalia Quintino Dias neuronal. Entre as duas fases, há um período de latência de no máximo 6 horas. A fase tardia dura vários dias e é a maior responsável pelo neurodesenvolvimento futuro desse RN. A hipotermia aplicada no período de latência – primeiras 6 horas de vida – modula os mecanismos de lesão no Sistema Nervoso Central (SNC). • Efeito neuroprotetor: diminui a demanda energética cerebral; • Efeito antioxidante: diminui liberação de aminoácidos excitatórios (glutamato, dopamina) e reduz a produção de óxido nítrico e radicais livres de O2; Indicações O paciente deve ter IG > 35 semanas; peso ao nascer > 1800g; história de evento agudo perinatal (descolamento abrupto de placenta, prolapso de cordão). Além de preencher os critérios de asfixia perinatal e encefalopatia moderada a grave. Contraindicações • Idade gestacional menor que 35 semanas; • Peso ao nascer abaixo de 1.800 g; • Malformações maiores; • Quadro clínico e laboratorial de coagulação intravascular disseminada; • Mais de 6 horas de vida. Procedimento Esfriamento • Ajustar a temperatura do paciente para 33,5 °C (+0,5); • Utilizar termômetro esofágico ou retal; • Tempo total de tratamento: 72 horas. Reaquecimento Aumentar a temperatura corpórea 0,5 °C/hora até chegar a 36,5 °C. Prescrição geral • Jejum + sonda nasogástrica (SOG) aberta; • Cateteres umbilicais – venoso + arterial; • Restrição hídrica - OH 50; • Não se recomenda repor Ca; • Analgesia (NIPS) - morfina / fentanila; • Suporte ventilatório necessário – ar ambiente, ventilação mecânica não invasiva ou invasiva: • Evitar hipocapnia – vasoconstricção cerebral. • Fenobarbital – se convulsão. Complicações: suspender hipotermia quando forem graves e/ ou refratárias • Arritmias - bradicardia sinusal – Frequência Cardíaca (FC) 80 a 100/min; • Hipotensão ® inotrópicos; • Hipertensão pulmonar persistente ® NOi + milrinone; • Plaquetopenia ® transfundir plaquetas; • Distúrbios de coagulação ® vitamina K + PFC + crioprecipitado; • Distúrbios hidroeletrolíticos ® HipoNa (SSIHAD) + HiperK; • Distúrbios metabólicos ® hipoglicemia. Exames complementares Colher exames em intervalos (gasometria, lactato, troponina, AST/ALT, CKMB, ureia, creatinina, Magnésio, hemograma, coagulograma, NA/K/Ca, USG cerebral, EEC, dextro, Ecocardiograma). A ressonância magnética de encéfalo na primeira semana de vida é exame de imagem de eleição para avaliar EHI. Apesar de ser dispendioso, detecta as mais variadas lesões decorrentes da agressão asfíxica, principalmente em tronco cerebral, contribuindo ao diagnóstico e prognóstico do paciente. Monitorização neurológica • Eletroencefalograma de amplitude – permite identificar convulsões e resposta a tratamento anticonvulsivante; • Eletroencefalograma – ainda é padrão ouro, mas depende da interpretação de neurofisiologista; • Espectroscopia de luz próxima ao infravermelho (NIRS) cerebral – espectroscopia no infravermelho próxima, avalia a monitorização regional cerebral de O2(rScO2), garantindo que haja equilíbrio entra a oferta e o consumo de O2 pelo neurônio (alvo de 60-80%).
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