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Natalia Quintino Dias Isoimunização Rh A isoimunização ou aloimunização são termos que se referem à resposta imunológica à antígenos da mesma espécie. Pequenas quantidades de hemácias fetais ganham a circulação materna desde o início da gestação, sendo o volume crescente com a idade gestacional e maior no momento do parto. Portanto, antígenos específicos presentes nas hemácias fetais podem causar a isoimunização na gestante. Existem inúmeros antígenos eritrocitários fetais, porém, a quase totalidade dos casos de aloimunização, 98%, são causadas pelas incompatibilidades ABO (dois terços) e Rh (um terço). Os antígenos eritrocitários provocam sensibilização materna por diferentes tipos de anticorpos e alguns possuem elevada capacidade hemolítica apresentando maior capacidade de provocar doença hemolítica perinatal. A doença hemolítica perinatal ou eritroblastose fetal é a anemia hemolítica fetal causada pela presença de incompatibilidade sanguínea materno fetal, caracterizada pela síntese de anticorpos por parte da gestante contra antígeno específico da hemácia do feto. Os antígenos do sistema Rh são altamente hemolíticos enquanto os do sistema ABO causam hemólise leve que passa despercebida clinicamente no período fetal e comumente leva a um quadro de icterícia neonatal precoce. O principal antígeno do sistema Rh é o D, por ser mais antigênico, sendo o principal responsável pela isoimunização Rh. O antígeno D, recíproco do D, nunca foi detectado, por isso a presença do D que determina ser o indivíduo Rh positivo e sua ausência determina o Rh negativo. Etiologia A hemorragia fetomaterna é a principal etiologia da isoimunização Rh, mas há outras causas, como transfusão de sangue incompatível, transplante e usuárias de drogas intravenosas. A hemorragia fetomaterna pode ocorrer em procedimentos como biópsia de vilo corial, amniocentese, cordocentese, transfusão intrauterina, manipulação obstétrica, óbito fetal, abortamento, trauma abdominal materno. Hemorragias feto-maternas ocorrem em todos os trimestres gestacionais. O volume de sangue transfundido sofre um incremento ao longo da gestação, tornando o 3º trimestre de maior risco para a aloimunização materna. Em mães com Rh-: A partir de 6 semanas de gestação, já há eritrócito fetal, portanto, há possibilidade de isoimunização materna mediante contato com hemácias fetais. Logo, há possibilidade de isoimunização materna pós- abortamento e na gestação ectópica. Fisiopatologia Na isoimunização Rh as gestantes Rh negativo entram em contato com antígeno Rh positivo fetal, levando a produção de anticorpos maternos contra o antígeno Rh. A resposta imune primária é lenta, ocorrendo de 5 a 15 semanas após a imunização e acarretando na produção de IgM, que não atravessa a barreira placentária, devido ao seu grande peso molecular; assim, na primeira exposição, não há acometimento fetal. Nas exposições posteriores ao antígeno desconhecido, ocorre a rápida produção de IgG, que ultrapassa a barreira placentária e adere à membrana dos eritrócitos. Isso ativa o sistema reticuloendotelial esplênico fetal, causando hemólise que pode evoluir para anemia fetal, hidropisia fetal, kernicterus e até o óbito fetal. Os locais de eritropoese extramedular são fígado, baço, rins e placenta. Esse processo provoca hepatoesplenomegalia, placentomegalia e células imaturas na circulação fetal (eritroblastos). Natalia Quintino Dias Diagnóstico e investigação Anamnese • Perguntar sobre a existência de incompatibilidade sanguínea entre o casal; • Antecedentes transfusionais e de uso de drogas injetáveis; • Antecedentes obstétricos: óbitos fetais ou neonatais, necessidade de transfusão intraútero ou no período neonatal, icterícia neonatal, antecedentes de hidropsia fetal; • A doença pode manter a mesma gravidade em gestações subsequentes, porém o mais comum é que tenha caráter progressivo; Exames laboratoriais Na primeira consulta do pré-natal, deve-se solicitar a tipagem sanguínea materna e o fator Rh. O teste de Coombs Indireto (CI) positivo (sensibilização materna - existem anticorpos antieritrocitários na circulação materna) faz o diagnóstico da isoimunização da gestante. Esse teste avalia a presença de anticorpos contra antígenos eritrocitários e é realizado no soro materno. Por questões de recursos financeiros disponíveis nos sistemas de saúde, para gestantes Rh positivo recomenda-se realizar o teste para aquelas com mau passado obstétrico (relacionado a isoimunização), histórico de transfusões ou transplantes e uso de drogas injetáveis. Se a gestante for Rh negativo, podemos solicitar o Rh do parceiro (pai do bebê), se o pai for Rh negativo não há risco de aloimunização Rh. Porém vários serviços e protocolos recomendam a pesquisa de CI (ou pesquisa de anticorpos irregulares por meio de Coombs indireto) em todas as gestantes Rh negativo, independentemente da tipagem do parceiro. Se gestante Rh negativo e CI negativo na primeira consulta de pré-natal o exame de CI deve ser repetido a cada 4 semanas ou com 28 semanas antes da aplicação da imunoglobulina anti-D. Painel de anticorpos e titulação do Coombs indireto A titulação indiretamente avalia se o feto está em risco. Nos títulos de anticorpos menores ou iguais a 1:8 (repetir mensalmente), o risco é mínimo para acometimento grave; se títulos de Coombs indireto maiores ou iguais a 1:16, indica-se avaliação fetal mais minuciosa. Títulos superiores a 1/128 tem especificidade de 65% em predizer estados anêmicos graves. Os valores dos títulos de CI considerados de risco, de acordo com o MS, é de 1/32. Se for considerada de risco, a paciente deve ser referenciada para serviço de alto risco e ter o feto monitorado. Genotipagem paterna Consiste na determinação do genótipo do pai Rh positivo. Se o pai for homozigoto o feto será Rh positivo e de risco para SDHPN não sendo necessário a determinação do Rh fetal. Se o pai for heterozigoto o feto tem 50% de chance de ser Rh negativo e, portanto, sem risco para DHPN por aloimunização Rh. Determinação do Rh fetal A genotipagem fetal para determinação do seu Rh pode ser realizada através da pesquisa do DNA fetal no sangue materno (pode ser detectado a partir da 5ª semana) e de procedimentos invasivos como amniocentese e cordocentese. Só é realizada quando já tem outra indicação de realizar procedimento invasivo. USG Avalia alterações que a doença provoca no feto e na placenta, alterações na atividade biofísica do feto, no volume do líquido amniótico e no fluxo sanguíneo fetal. O objetivo é o rastreamento de sinais que possam sugerir o início da descompensação fetal a caminho da hidropsia. Sinais de anemia fetal: • Espessamento e alteração da ecogenicidade placentária. Representa a substituição do tecido placentário por tecido hematopoético extramedular; • Derrame pericárdico: sinal precoce de anemia – alteração na função hepática; • Aumento do líquido amniótico; • Ascite fetal • Edema subcutâneo; • Derrame pleural; • Dilatação da veia umbilical; • A hidropisia é o grau máximo de comprometimento do feto. Hidropisia fetal é definida como dois derrames serosos ou mais (entre eles: ascite, derrame pericárdico, derrame pleural). Natalia Quintino Dias Dopplervelocimetria da artéria cerebral média A anemia fetal provoca ↓ viscosidade sanguínea + ↑ débito cardíaco → ↑ velocidade média da artéria cerebral média (alteração no pico de velocidade sistólico no doppler de artéria cerebral média – PVS-ACM). • Avalia a velocidade máxima do fluxo da artéria cerebral média, que, quando aumentada, é preditiva de anemia fetal; • Substituiu a amniocentese para espectrofotometria: ↓ risco de perda da gestação; • É um método não invasivo,que gera resultado imediato. PVS-ACM maior que 1,5 MoM para a idade gestacional – sensibilidade de 100% para anemia moderada ou grave. Se VSmáx menor ou igual a 1,5 múltiplo de mediana (MoM): seguir gestação até 38 semanas e interromper (caso leve). Em caso grave: parto com 34sem. Amniocentese É um método invasivo, de análise, por meio de espectrofotometria, da concentração de bilirrubina no líquido amniótico, estimando o grau de hemólise fetal. Esse método encontra-se em desuso porque o Doppler de Artéria Cerebral Média (ACM) fetal é superior na detecção de anemia fetal, quando comparado com espectrofotometria, além de ser método não invasivo. Cordocentese É um método invasivo, que não deve ser realizado antes da 15ª a 17ª semana de gestação. Realiza a avaliação direta do tipo sanguíneo do feto, fator Rh, dos níveis de hemoglobina e hematócrito e do Coombs direto. É utilizada, também, como via de tratamento da anemia. Geralmente, é indicada quando no acompanhamento da gestante aloimunizada encontramos alteração no PSV-ACM (maior que 1,5 MoM) para avaliação da hemoglobina e hematócrito fetal. Se o HB/HT estão em níveis que indicam transfusão intrauterina essa já é realizada no mesmo momento e no mesmo procedimento. Cardiotocografia É um método não invasivo que avalia a vitalidade fetal, porém só se altera em fetos gravemente anêmicos e hidrópicos. O padrão sinusoidal à cardiotocografia é característico de fetos com comprometimento grave. Conduta Profilaxia de Isoimunização em pacientes Rh – e CI negativo: após o parto, em até 72h ou se submetida a procedimentos invasivos, sangramento obstétrico ou abortamento. Indicação de transfusão intrauterina: <35 sem + Ht fetal <30% (anemia fetal). Indicação de antecipação do parto: Ht fetal <30% + 35sem ou +. Paciente com história de feto anterior com eritroblastose fetal: amniocentese ou Doppler de ACM semanal ou a cada 2 semanas, iniciando com 18-20 sem. Terapêutica fetal Transfusão intrauterina Iniciada a partir da 18ª semana de gestação e repetida até que se tenha uma idade gestacional segura para seguir um tratamento neonatal, geralmente até 34 semanas. Pode ser realizada via intravascular e intraperitoneal, sendo a via intravascular a mais comum. A transfusão intraperitoneal fica restrita aos casos em que não se pode fazer a transfusão intravascular (TIV): placenta posterior com o feto impedindo a punção do cordão umbilical. Na transfusão intrauterina a monitorização ultrassonográfica contínua é obrigatória e a curarização fetal recomendada já que aumenta a segurança do procedimento. Na transfusão intravascular o primeiro passo dá-se pela cordocentese (guiada por ultrassonografia/local da punção) e pela transfusão na veia. O local preferencial para a punção da veia é próximo a inserção placentária. O Hb/HT fetal é dosado e a transfusão, se indicada, realizada no mesmo procedimento. O sangue utilizado é concentrado com hematócrito entre 65% e 85%, do tipo 0 Rh negativo submetido à irradiação (para a destruição de leucócitos e diminuição de reação enxertohospedeiro), com velocidade de infusão em torno de 5 a 10 mL/min. O objetivo final é um hematócrito fetal entre 40 e 50%. Natalia Quintino Dias Considerando-se uma queda de HT de aproximadamente 1% dia, a transfusão deve ser repetida em torno de 2 a 3 semanas. Em fetos hidrópicos o volume de sangue transfundido deve ser menor devido ao risco de sobrecarga cardíaca e por isso as transfusões muitas vezes precisem ser realizadas com menor intervalo. A complicação mais comum é a bradicardia transitória fetal durante o procedimento, podem ocorrer também acidentes de cordão com sofrimento fetal, rotura prematura de membranas e parto prematuro. Prevenção A imunoglobulina anti-D faz um bloqueio dos sítios antigênicos, evitando que os antígenos entrem em contato com os linfócitos do hospedeiro. O teste de Coombs indireto deve ser negativo, para anticorpos anti-D, antes da administração da imunoglobulina, indicando que a gestante não foi sensibilizada. Se o CI da mãe for negativo e o RN for Rh positivo: é necessário administrar imunoglobulina anti-D à mãe, visto que há passagem de sangue fetal para a mãe no momento do parto, podendo acarretar aloimunização da paciente e comprometer fetos Rh positivos em gestações futuras. Em casos de dúvida do Rh do RN, também deve-se administrar imunoglobulina. Profilaxia antenatal aplicando uma dose adicional de 300 mcg de imunoglobulina anti-D na 28ª semana de gestação. Pode prevenir a aloimunização após a exposição a até 30ml de sangue fetal Rh +. Na suspeita de hemorragia maternofetal maior, como em casos de descolamento prematuro de placenta, extração manual da placenta pós-parto, uma dose maior de imunoglobulina anti-D pode ser necessária.
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