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SUMÁRIO 1. Introdução ..................................................................... 3 2. Fisiopatologia .............................................................. 4 3. Quadro clínico .............................................................. 8 4. Diagnóstico .................................................................. 9 5. Acompanhamento e conduta .............................10 6. Prevenção ...................................................................15 Referências Bibliográficas ........................................17 3DOENÇA HEMOLÍTICA PERINATAL 1. INTRODUÇÃO A Doença Hemolítica Perinatal (DHPN), também conhecida como Eritroblastose fetal, ocorre por uma incompatibilidade sanguínea mater- no-fetal, em que são produzidos an- ticorpos maternos específicos contra antígenos das hemácias fetais. Em 98% dos casos essa incompatibili- dade é atribuída aos sistemas ABO e Rh e nos 2% restantes estão envol- vidos anticorpos conhecidos como irregulares. O sistema ABO é responsável pela maioria dos casos de incompatibili- dade, no entanto, repercute em uma menor gravidade clínica, muitas ve- zes passando despercebido. Já a dis- cordância Rh tem uma maior relevân- cia clínica pela sua gravidade, sendo responsável por 80% dos casos de doenças clinicamente detectáveis. O sistema Rh é formado pelos antí- genos “D”, “c”, “C”, “e” e “E” que se ex- pressam na superfície das hemácias a partir da 6ª semana de gestação. A presença do antígeno D é o que de- termina um indivíduo “Rh positivo” e a sua ausência um indivíduo ”Rh negativo”. Figura 1. Tipos sanguíneos (Sistema ABO e Rh). FONTE: Adaptado de: http://sagalnews.com/ noocyada-dhiiga-iyo-dabeecadaha-dadka/ 4DOENÇA HEMOLÍTICA PERINATAL SAIBA MAIS! Alguns indivíduos têm uma expressão fraca do antígeno “D”, também conhecidos como “Du positivo” ou “fenótipo D fraco sorológico”. Dessa forma ao fazer um teste laboratorial pouco sensível pode ser identificado como “Rh negativo” apesar de possuir o antígeno D. Na inter- pretação clínica esses indivíduos se comportariam como Rh positivos e no caso das gestan- tes, nãos seriam candidatas à profilaxia com imunoglobulina anti-D. A DHPN por anticorpos irregulares mais comum é a relacionada ao sis- tema Kell, que leva a uma anemia por depleção medular. Atualmente não há prevenção possível para essa aloimunização. As manifestações clínicas da Doença Hemolítica Perinatal variam de ane- mia fetal leve assintomática, hi- dropsia fetal com anemia grave e icterícia até óbito fetal. A implementação de programas para profilaxia pré e pós-natal com a imu- noglobulina anti-D, desenvolvida em 1968, levou a uma redução significa- tiva na frequência de complicações fetais /neonatais associadas. 2. FISIOPATOLOGIA Para a ocorrência da DHPN é neces- sário que uma sequência de 4 even- tos ocorra: • Incompatibilidade sanguínea materno-fetal; • Aloimunização materna; • Passagem de anticorpos da ges- tante para o feto; • Ação dos anticorpos maternos no feto. Incompatibilidade sanguínea materno-fetal Para que ocorra a DHPN é necessário que o feto pos- sua um antígeno sanguíneo que está ausente na circu- lação materna, capaz de Mais comum; Menor gravidade Raros- 2%.Mais grave ABO IrregularesRh DHPN Incompatibilidade sanguínea materno-fetal 5DOENÇA HEMOLÍTICA PERINATAL imunizá-la, produzindo anticorpos específicos a esse fator. Ou seja, para a aloimunização Rh, é necessário que a mãe seja Rh negativo e filho Rh po- sitivo (portanto pai Rh positivo). Aloimunização materna A aloimunização é causada pela ex- posição materna a antígenos eritro- citários não compatíveis. Ocorre em casos de transfusão de sangue in- compatível, uso de drogas intraveso- sas e transplante. Porém, a principal causa é a hemorragia feto-materna, que ocorre em aproximadamente 75% das gestações. A frequência e o volume da hemorragia aumentam com a evolução da gestação, ocorren- do em torno de 3% das gestações no primeiro trimestre, 12% no segundo trimestre e 45% no terceiro trimestre. Estima-se que um volume mínimo de 0,25ml é necessário para que ocorra a sensibilização. Após a primeira exposição a antí- genos eritrocitários desconhecidos ocorre a sensibilização e produção e anticorpos IgM, que por terem um peso molecular maior, não são capa- zes de atravessar a barreira placen- tária. Numa segunda exposição a esse antígeno desconhecido ocorre uma resposta imunológica secundá- ria com a produção de anticorpos IgG, que ultrapassam a barreira placentá- ria, aderindo-se à membrana dos eri- trócitos fetais e causando hemólise. Quanto maior a carga antigênica e quanto mais frequente é a exposição, maior é a produção de anticorpos pela mãe, por isso a probabilidade de desenvolver DHPN se intensificam nas gestações sucessivas no caso da aloimunização Rh. Figura 2. Vias de aloimunização materna. Fonte: Re- zende Obstetrícia Fundamental, 2014 6DOENÇA HEMOLÍTICA PERINATAL SE LIGA! O Coombs indireto é o teste que identifica o anticorpo contra hemá- cias no sangue materno. Ele é capaz de identificar imunoglobulinas do tipo IgG mas não IgM. Um teste negativo signi- fica que a gestante não foi sensibilizada. Ao contrário do observado na incom- patibilidade Rh, na incompatibilidade ABO não existe a necessidade da ex- posição prévia da mãe a sangue A, B ou AB. Ela já possui anti-A e anti-B no seu organismo em consequência à exposição a bactérias que possuem esses antígenos, ao longo de sua vida. Dessa forma, a DHPN pode ocorrer desde a primeira gestação. A gravidade da incompatibilidade ABO é menor que a Rh porque há um menor número de sítios antigênicos A e B na membrana da hemácia fetal e a maioria dos anti-A e anti-B mater- nos é IgM, sendo assim, não atraves- sam a barreira placentária. Além dis- so, como todos os tecidos expressam antígenos A e B, não só as hemácias, a pequena quantidade de IgG anti-A e anti-B que consegue atravessar a placenta se liga a outros sítios teci- duais, não causando uma hemólise significativa. Figura 3. Sensibilização materna e produção e anticorpos. Fonte: Adaptado de: https://www.goconqr.com/ flashcard/8953945/grupos-sanguineos- 7DOENÇA HEMOLÍTICA PERINATAL SAIBA MAIS! A incompatibilidade ABO confere certo grau de proteção contra sensibilização Rh. Isso ocor- re porque numa hemorragia feto-materna as hemácias fetais têm uma menor sobrevida por serem destruídas pelos anticorpos maternos anti-A e anti-B, diminuindo portanto o tempo de exposição ao sistema imunológico materno, necessário para sensibilização ao sistema Rh. Ação dos anticorpos maternos no feto A anemia fetal leva a eritropoese me- dular e extramedular (principalmente fígado, baço e parede intestinal). Eri- trócitos jovens são lançados na cir- culação periférica originando o termo “eritroblastose fetal”. Passagem de anticorpos da gestante para o feto O anticorpo IgG pode atravessar a placenta por difusão passiva e trans- porte ativo e na circulação fetal se fi- xam às hemácias por uma reação an- tígeno-anticorpo, causando hemólise. Incompatibilidade materno-fetal Mãe O Feto A, B ou AB Mãe Rh - Feto Rh + Aloimunização materna Hemorragia feto- materna Transfusão; Transplante; ABORh Passagem de Ac da gestante para o feto IgG se liga a hemácias fetais = HEMÓLISE Ação dos Ac maternos no feto Eritropoese medular e extramedular 1 2 3 4 1º: IgM (não atravessa placenta) 2º: IgG (atravessa placenta) 8DOENÇA HEMOLÍTICA PERINATAL 3. QUADRO CLÍNICO A eritropoese extramedular leva a uma ocupação do fígado por ilhotas de células eritropoéticas causan- do disfunção celular, diminuição do transporte de substâncias, interrup- ção dos sistemas enzimáticos e in- suficiência hepática. A hipóxia celular leva a um aumento do débito cardía- co que pode evoluir para insuficiên- cia cardíaca. Com a manutenção da hemólise ocorre hipoalbuminemia, hepatoesplenomegalia, hipertensão do sistema porta, ascite, derramepericárdico e pleural, hidropsia, até óbito fetal. CONCEITO! Hidropsia fetal é caracte- rizada pelo acúmulo anormal de líquido no espaço extravascular e em cavida- des corporais fetais como o peritônio, pleura e pericárdio, podendo ocasionar anasarca. Figura 3. Feto hidrópico. Fonte: http://unecfarmacia. blogspot.com/2011/06/anencefalia-hidropsia-fetal-e- -sindrome.html No recém nascido a hidropsia fetal leva a acidose metabólica, edema tissular, alterações ventilatórias e da função cardíaca, aumentando a mor- bidade e mortalidade neonatal. Em quadros menos graves pode ocorrer anemia em graus variáveis e aumento de bilirrubina indireta, que ultrapassa a barreira hematoencefálica podendo causar kernicterus (impregnação ce- rebral dos núcleos da base por bilir- rubina) com sequelas neurológicas. SAIBA MAIS! Os neurônios mortos com bilirrubina acumulada aparecem na necropsia na cor amarela, daí o nome kernicterus (kern significa núcleo e icterus, icterícia, que ter origem do grego ikteros e no latim icteritia). 9DOENÇA HEMOLÍTICA PERINATAL 4. DIAGNÓSTICO No início do pré-natal deve ser so- licitada a tipagem sanguínea para avaliar se há incompatibilidade entre o casal (mãe Rh negativo e pai Rh positivo ou mãe O e pai A, B ou AB), além do Coombs indireto. Se este for negativo deve ser repetido com 28, 32, 36 e 40 semanas de gestação. Deve ser solicitado também no pós parto com o Coombs direto e fator Rh do recém-nascido. Se em algum mo- mento o Coombs indireto for positivo Hidropsia Insuficiência cardíaca Anemia Aumento DC Eritropoese extramedular Hipertensão porta; Hipoalbuminemia; Ascite Hemólise significa que houve sensibilização com produção de anticorpos antieri- trocitários na circulação da gestante. O rastreamento de anticorpos anti-D pode não ser útil na identificação de aloimunização se a gestante tiver re- cebido imunoglobulina anti-D nas úl- timas semanas. Em caso de Coombs indireto positivo com titulação menor ou igual a 1:8, o mesmo deve ser repetido mensal- mente até o parto. Se a titulação for maior ou igual a 1:16 deve ser repeti- do e se confirmado já indica pesquisa de anemia fetal. SE LIGA! Para gestantes com gravidez anterior afetada pela DHPN não é ne- cessário dosar o Coombs indireto nas próximas gestações ( já que este virá po- sitivo). O acompanhamento e diagnósti- co da anemia fetal passa a ser feito com dopplervelocimetria de artéria cerebral média a partir de 18 semanas, repeti- da a cada 1 a 2 semanas. 10DOENÇA HEMOLÍTICA PERINATAL 5. ACOMPANHAMENTO E CONDUTA Pode-se predizer a probabilidade de anemia fetal por alguns parâmetros: • História prévia de gestação afeta- da por aloimunização - leva a um acometimento fetal mais grave nas gestações seguintes; • Títulos mais elevados de anticor- pos maternos - estão associados a um maior risco de anemia fetal (risco de 10% para títulos de 1:16, 25% para títulos de 1:32, 50% para títulos de 1:64, 75% para tí- tulos de 1:128...); • USG com sinais de anemia feta l- placenta hiperecoica, derrame pe- ricárdico, volume de líquido amnió- tico aumentado, ascite fetal, edema de subcutâneo, derrame pleural. Tipagem sanguínea Positivo Negativo Repetir com 28, 32, 36 e 40 semanas Investigar anemia 1ª Consulta Pré-natal Repetir 1x/ mês até o parto > 1:8 ≤1:8 Coombs indireto Figura 5. USG 3D de feto hidrópico, mostrando intenso edema facial. Fonte: Rezende Obstetrícia fundamental, 2014 Figura 4. Ascite e edema em feto hidrópico (USG). Fonte: Zugaib Obstetrícia, 2016 11DOENÇA HEMOLÍTICA PERINATAL • Cardiotocografia - padrão sinusoi- dal é característico de fetos com anemia grave e hipóxia. • Velocidade máxima do fluxo da artéria cerebral média - apresen- ta relação inversa com o hema- tócrito e a hemoglobina. Suges- tiva de anemia fetal acima de 1,5 desvios-padrão. Figura 6. Cardiotocografia de feto anêmico mostrando padrão sinusoidal. Fonte: Zugaib Obstetrícia, 2016 • Avaliação espectrofotométrica dos níveis de bilirrubina no líquido am- niótico coletado por amniocentese - Esses níveis são interpretados através do diagrama de Liley que possui 3 zonas para diferenciar a hemólise em leve, moderada ou grave. 12DOENÇA HEMOLÍTICA PERINATAL Figura 7. Diagrama de Liley. Fonte: Rotinas em Obstetrícia, 2017 Após a suspeita de anemia fetal por um Coombs indireto maior ou igual a 1:16, é indicada a realização do do- pplervelocimetria de artéria cerebral média a cada 1 a 2 semanas. Valo- res de velocidade máxima acima de 1,5 desvios-padrão (DP) sugerem hematócrito abaixo de 30%. Quando esse valor é observado entre 24 e 35 semanas é indicada a cordocentese para confirmação da anemia e trans- fusão intravascular. Valores acima de 1,5 DP em gestantes com mais de 35 semanas têm indicação de interrup- ção da gestação. A cordocentese é feita pela punção da veia umbilical guiada por USG. É me- dido o hematócrito diretamente. Se o valor deste estiver abaixo de 30% é realizada a transfusão intravascular de sangue Rh-negativo que seja tam- bém compatível com o tipo sanguí- neo ABO materno. O volume de san- gue necessário para corrigir a anemia fetal é calculado considerando-se a hemoglobina fetal pré-transfusão, a 13DOENÇA HEMOLÍTICA PERINATAL hemoglobina do sangue a ser trans- fundido, a hemoglobina pós-transfu- são desejada e o volume feto· placen- tário médio para a idade gestacional. Após a transfusão os batimentos car- diofetais são monitorizados através de cardiotocografia durante 2 a 4 horas. As transfusões seguintes são progra- madas considerando uma queda mé- dia de hemoglobina de cerca de 0,3 a 0,4g/dl/dia. Figura 8. Cordocentese. Fonte: http://embriologiabiomed.blogspot.com/2016/06/cordocentese.html 14DOENÇA HEMOLÍTICA PERINATAL Nos casos em que não é possível a transfusão intravascular, é indicada a transfusão intraperitoneal. A sobrevida fetal após a transfusão intrauterina é de cerca de 94% para fetos não hidrópicos e de 74% para fetos hidrópicos. O parto deve ser realizado entre 34 e 37 semanas nos fetos tratados com transfusão intrauterina e entre 37 e 40 semanas nos demais casos. A via de parto é determinada por condições obstétricas. ACOMPANHAMENTO E CONDUTA Doppler artéria cerebral média Repetir a cada 1 a 2 semanas Gestação <35 semanas Gestação >35 semanas Parto Ht < 30% Ht > 30% Parto com 37- 38 semanas Transfusão Parto de 37 a 38 semanas Cordocentese a cada 1 a 2 semanas Investigação anemia fetal (Coombs >1:8) Vmáx ≤ 1,5 DP Vmáx > 1,5 DP Cordocentese 15DOENÇA HEMOLÍTICA PERINATAL 6. PREVENÇÃO A prevenção da Doença Hemolítica Perinatal é feita através da adminis- tração da imunoglobulina anti-D na gestante Rh negativo. As principais indicações são: • Casos de abortamento, gravidez molar ou ectópica, óbito intrauteri- no ou sangramentos da gravidez; • Após procedimentos invasivos que envolvam o útero ou traumas abdominais; • Gestantes com 28 semanas com Coombs indireto negativo; • Até 72 horas de pós-parto de re- cém-nascido Rh positivo. 300 µg de imunoglobulina neutrali- zam 30ml de sangue total e é essa a dose recomendada para uso no pós-parto. SE LIGA! Se a gestante já foi sensi- bilizada em outra gestação (Coombs indireto positivo) não tem utilidade o uso da imunoglobulina anti-D, já que o objetivo desta é exatamente evitar a sensibilização. IMUNOGLOBULINA ANTI-D Gestantes com 28s, Coombs indireto negativo Abortamento Gravidez ectópica Gravidez molar Até 72h pós parto, RN Rh + Óbito intrauterino Procedimentos invasivos Traumas abdominais 16DOENÇA HEMOLÍTICA PERINATAL Incompatibilidade materno-fetal Passagem de Ac da gestante para o feto Aloimunização materna Ação do Ac no feto QUADRO CLÍNICO FISIOPATOLOGIA PREVENÇÃO TRATAMENTO Transfusão intrauterina se Ht <30% Imunoglobulina anti-D Hemólise fetal decorrente de Incompatibilidade materno-fetal ABO Rh Irregulares DEFINIÇÃODIAGNÓSTICO Dificuldade em reconhecer partes fetais Cordocentese Coombs indireto >1:8 Doppler de artéria cerebral média Anemia Hematopoese extramedular Insuficiência cardíaca Hipertensão porta Hidropsia 17DOENÇA HEMOLÍTICA PERINATAL REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS Jr KJM. Overview of RhD alloimmunization in pregnancy. UpToDate Inc. http://www.up- todate.com (Acesso em 09 de abril de 2020). Jr KJM. Prevention of RhD alloimmunization in pregnancy. UpToDate Inc. http://www. uptodate.com (Acesso em 09 de abril de 2020). ZUGAIB, Marcelo. Obstetrícia. 3ª ed. Barueri, São Paulo: Manole, 2016. REZENDE,J. Obstetrícia. 11ª ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2008. MAGALHÃES, José Antônio et al. Doença hemolítica perinatal. In: MARTINS-COSTA, Sérgio H. et al. Rotinas em Obstetrícia. 7. ed. Porto Alegre: Artmed, 2017. Cap. 16. 18DOENÇA HEMOLÍTICA PERINATAL
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